INTRODUÇÃO.
Este livro, que devorou os últimos dois anos de nossas vidas, é produto de uma
amizade e parceria intelectual. Ele começou com a idéia inócua que cresceu com tal
força que se tornou uma "maneira de ver". Isto fez mudar a maneira como pensávamos
sobre teoria social, e esperamos que isto também aconteça com os outros.
Este livro tem a intenção de clarear e ajudar a superar o que parece ser uma das
maiores fontes de confusão dentro das ciências sociais na atualidade. Inicialmente ele
teve um objetivo muito específico: o de tentar relacionar teorias de organização com
seus contextos sociológicos mais amplos. No curso do desenvolvimento, contudo, esta
diligência se ampliou tanto e se voltou também para a tarefa de abarcar muitos
aspectos de filosofia e de teoria social em geral. Como tal ele agora sustenta um
discurso em teoria social de relevância para muitas disciplinas de ciência social, das
quais na área geral de estudos de organização - a sociologia industrial, a teoria
organizacional, a psicologia organizacional e relações industriais - são alguns casos
que utilizamos para ilustrar nossos temas gerais.
Tal análise da teoria social coloca-nos face a face com a natureza dos pressupostos
subjacentes às diferentes abordagens à ciência social. Traz à tona detalhes que
adornam muitas das teorias sociais naquilo que é fundamental à determinação da
maneira como vemos o mundo que estamos pretendendo analisar. Este aspecto
enfatiza o papel social desempenhado pelo quadro de referência do cientista na
geração da teoria social e da pesquisa.
Nossa incursão à literatura marxista nos conduziu a um novo campo mais alem de
nosso interesse inicial. Ficamos surpresos em descobrir chocantes paralelos entre
desenvolvimentos dentro da teoria marxista e da sociologia acadêmica. Constatamos
que os pressupostos sobre a natureza da ciência social que dividiu os sociólogos em
diferentes escolas de pensamento também dividiram os cientistas marxistas. Naquele
campo, também, o quadro teórico dominante estava arrodeado por escolas de
pensamento satélites oferecendo explicações rivalizantes. Perseguindo estas tradições
a partir de suas fontes, descobrimos que elas emergiram a partir precisamente das
mesmas fronteiras da filosofia social que tinham comprometido elementos divergentes
dentro da própria sociologia. Isto tornou claro que as tradições divergentes que
enfatizavam "ordem" como oposto a "conflito" compartilhavam da mesma linhagem de
suas raízes em filosofia social. Derivando de pressupostos similares sobre o status
ontológico e epistemológico da ciência social, eles tinham estado ligados a quadro de
referência fundamentalmente diferentes com relação a natureza da sociedade.
A Parte III apresenta uma curta conclusão que focaliza alguns dos principais
assuntos que emergem de nossa análise.
BURRELL & MORGAN, "Sociological Paradigms and Organizational Analysis",
Heinemann, London, 1979.
Central para nossa tese é a idéia de que "todas as teorias de organização são
baseadas em uma filosofia da ciência e em uma teoria da sociedade". Neste capítulo
desejamos nos reportar ao primeiro aspecto desta tese e examinar alguns dos
pressupostos filosóficos que subjazem as diferentes abordagens à ciência social.
Iremos argumentar que é conveniente conceituar ciência social em termos de quatro
conjuntos de pressupostos relativos a ontologia, a epistemologia, a natureza humana e
a metodologia.
Todos os cientistas sociais abordam seus temas por meio de pressupostos implícitos
ou explícitos a cerca da natureza do mundo social e da maneira como ele pode ser
investigado. Em primeiro lugar, há pressupostos de natureza ontológica - pressupostos
que dizem respeito à verdadeira essência do fenômeno sob investigação. Os cientistas
sociais, por exemplo, são colocados frente a frente com a questão: a "realidade" a ser
investigada é uma realidade externa ao indivíduo - impondo-se à sua consciência a
partir de fora - ou é produto de sua consciência; se é uma realidade de natureza
objetiva ou produto da cognição do indivíduo; se é uma realidade que é dada "lá fora"
no mundo ou é produto da propriamente?
Se alguém subscreve a visão do primeiro tipo, que trata o mundo social como se ele
fosse uma realidade concreta e objetiva, então o empreendimento científico é para
colocar seu foco de análise nas relações e regularidades entre os vários elementos que
o encerra. O interesse, portanto, é com a identificação e definição desses elementos e
com a descoberta dos meios pelas quais as relações podem ser expressas. As
questões metodológicas de importância são pois os próprios conceitos, suas medidas e
a identificação dos temas subjacentes. Esta perspectiva expressa-se com muito mais
força na busca de leis universais que explicam e governam a realidade que está sendo
observada.
OS FIOS DO DEBATE.
Estes termos têm sido objeto de muita discussão na literatura e há grandes áreas de
controvérsia em torno delas. A posição nominalista gira em torno do pressuposto de
que o mundo social externo à cognição do indivíduo é construído de nada mais que
1
. Para uma discussão mais profunda sobre o debate nominalismo -
realismo, ver Kolakowski (1972),pp.15-16.
7
nomes, conceitos e títulos que são usados para estruturar a realidade. O nominalista
não admite a existência de qualquer estrutura 'real' para o mundo em que tais
conceitos são usados para descrever. Os 'nomes' usados são vistos como criações
artificiais cuja utilidade é baseada em suas conveniências como ferramentas para
descrever, dar sentido de e negociar com mundo externo. O nominalismo é
freqüentemente comparado com o convencionalismo, e nós não faremos qualquer
distinção entre eles.1
O realismo, por outro lado, postula que o mundo social externo cognição do
indivíduo, é um mundo real composto de estruturas concretas, tangíveis e
relativamente imutáveis. Quer nós as percebamos e as rotulemos ou não, ainda assim,
elas existem independentemente de nós, como entidades empíricas. Podemos até não
estar conscientes de certas estruturas cruciais e apesar disto não termos 'nomes' ou
conceitos para articulá-las. Para o realista, o mundo social existe independentemente
de uma apreciação dele pelo indivíduo. O indivíduo nasce e vive dentro de um mundo
social que tem sua própria realidade. Não há nada que o indivíduo possa criar - ele
existe "lá fora". Ontologicamente ele é anterior à existência e consciência de qualquer
ser humano em particular. Para o realista, o mundo social tem uma existência que é
sólida e concreta como o mundo natural.2
1
. Kolakowski (1972), pp. 158 - 9. Em sua forma mais extrema o
nominalismo não reconhece a existência de qualquer mundo fora
dos domínios da consciência do indivíduo. Esta é a posição
solipsista, que discutiremos em mais detalhes no Capítulo 6.
2
. Para uma revisão mais abrangente do 'realismo', ver Keat e
Urry (1975), pp. 27 - 45. Eles fazem muita distinção entre
'positivismo' e 'realismo' mas, como eles próprios admitem,
estes termos são usados de uma maneira de certo modo não
convencional.
3
. Para uma maior discussão do debate positivismo - anti-
positivismo ver, por exemplo, Giddens (1974) e Walsh (1972).
4
. Giddens (1974), p. 1.
"verdade"5. Contudo, tanto os verificacionistas como os falsificacionistas aceitam
que o crescimento do conhecimento como um processo essencialmente cumulativo em
que novas descobertas são adicionadas ao estoque de conhecimento existente e as
falsas hipóteses eliminadas.
Este debate gira em torno do modelo de homem contido em uma dada teoria social
científica. Em um extremo está a visão determinista que vê o homem e suas atividades
como sendo completamente determinadas pela situação ou pelo ambiente em que ele
se situa. No outro extremo identificamos a visão voluntarista do homem completamente
autônomo e possuidor de livre arbítrio. Até onde alcançam as teorias sociais no que
concerne o entendimento das atividades humanas, elas devem se inclinar implícita ou
explicitamente para um ou outro destes pontos de vista, ou adotar um ponto
intermediário que permite a influência tanto de fatores situacionais ou voluntários na
constatação de atividades dos seres humanos. Tais pressupostos são elementos
essenciais nas teorias sociais científicas, uma vez que define em termos amplos a
natureza das relações entre o homem e a sociedade em que ele vive.7
5
. Ver, por exemplo, Popper (1963).
6
. Para uma boa ilustração de uma visão anti-positivista de
ciência, ver Douglas (1970b),pp. 3 - 44.
7
. O debate sobre a natureza humana em seu mais amplo sentido
envolve muitos outros aspectos que não nos referimos aqui O
preciso modelo de homem a ser empregado em qualquer esquema
analítico, contudo, está subscrito por pressupostos que refletem
questões de voluntarismo-determinismo de uma maneira ou de
outra. Isolamos aqui este elemento do debate como um meio de
tratar a este nível mais básico um pressuposto necessário a
todas as teorias sociais científicas que pretenda levar em conta
as atividades humanas. Proposições detalhadas com relação a uma
precisa explanação das atividades humanas de uma maneira ou de
outra elaboram estes temas básicos.
9
abordagem ideográfica enfatiza a análise das constatações subjetivas que uma pessoa
gera ao 'penetrar' em situações e ao se envolver no fluxo da vida diária - a análise
detalhada das descobertas geradas por tais encontros com o subjetivo da pessoa e as
descobertas reveladas de constatações impressionísticas encontradas em diários,
biografias e registros jornalísticos. O método ideográfico ressalta a importância de se
deixar que o próprio subjetivo da pessoa revele sua natureza e características durante
o processo de investigação.8
As posições extremas em cada uma das quatro linhas de debate estão refletidas nas
duas principais tradições intelectuais que têm dominado a ciência social por mais de
duas centenas de anos. A primeira destas é comumente descrita como "positivismo
sociológico". Em essência esta reflete a tentativa de aplicar modelos e métodos
derivados das ciências naturais ao estudo dos afazeres humanos. Ela trata o mundo
social como ele fosse um mundo natural, adotando uma abordagem "realista" para a
ontologia. Isto é apoiado por uma epistemologia "positivista", por uma visão da
natureza humana relativamente "determinista" e pelo uso de metodologias
"nomotéticas". A segunda tradição intelectual, do "idealismo Germânico", se coloca em
completa oposição àquela. Em essência ela é baseada na premissa de que a realidade
última do universo reside no "espírito" ou "idéia" em lugar de nos dados do sentido da
8
. Para uma excelente discussão da abordagem ideográfica à
ciência social, ver Blumer (1969), ch. 1.
9
. É importante enfatizar aqui que tanto as metodologias
nomotéticas como ideográficas podem ser empregadas num sentido
indutivo e dedutivo. Enquanto o debate indutivo-dedutivo em
ciência é objeto de considerável interesse e importância, não o
vemos como sendo central para as quatro dimensões sugeridas aqui
como meios de distinguir entre teorias sobre a natureza das
ciências sociais. Que apesar disto, ele permanece uma questão
metodológica importante, de relevância tanto para a sociologia
como para a análise organizacional, dentro do contexto dos
pressupostos explorados aqui.
percepção. Ela é essencialmente nominalista em sua abordagem à realidade social.
Em contraste com as ciências naturais, ela enfatiza a natureza essencialmente
subjetiva dos afazeres humanos, negando a utilidade e a relevância dos modelos e
métodos da ciência natural para os estudos neste campo. Ela é "anti-positivista" em
epistemologia, "voluntarista" com relação a natureza humana e favorece os métodos
ideográficos como fundamentação da análise social. O positivismo sociológico e o
idealismo Germânico deste modo definem os extremos objetivo e subjetivo de nosso
modelo.
11
2. PRESSUPOSTOS SOBRE A NATUREZA DA SOCIEDADE..
Foram Dahrendorf (1959) e Lockwood (1956) quem iniciaram a distinção entre aquelas
abordagens à sociologia que se concentraram em explanar a natureza da ordem e do equilíbrio
social por um lado, e daquelas que tinham mais a ver com problemas de mudança, conflito e
coerção nas estruturas sociais por outro. Os "teóricos da ordem" eram bem mais numerosos do
que os "teóricos do conflito".
Muitos sociólogos vêem agora este debate como morto ou como tendo sido um não-debate, de
certo modo espúrio, por entenderem ser o conflito um aspecto social funcional e, portanto, uma
variável dentro dos limites de teorias que são primordialmente engendradas para explanar a
ordem social. Neste sentido as visões de ordem e conflito da sociedade são os dois lados da
mesma moeda. Por conta deste argumento, deixou-se de lado o debate ordem - conflito, e na
esteira do movimento de contracultura dos anos 60, os sociólogos ortodoxos se tornaram mais
interessados e envolvidos com os problemas do "indivíduo" em oposição àqueles da "estrutura"
da sociedade em geral. A influência dos movimentos "subjetivistas" tais como a fenomenologia,
a etnometodologia e a teoria de ação, tornaram-se muito mais atrativos e mais merecedores de
atenção.
Para melhor entender a questão voltemos ao trabalho de Dahrendorf que pode ser
esquematizado como a seguir:
Tabela 2.1
___________________________________________________________
visa visa
____________________________________________________________
Estabilidade Mudança
Integração Conflito
Consenso Coerção
____________________________________________________________
Embora represente uma supersimplificação, esta conceituação fornece uma útil ferramenta
para se distinguir as diferenças entre os dois pontos de vista. A tentativa de incorporar a noção
de "conflito" como mecanismo de integração é forçar muito a barra. Não se pode simplesmente
incorporar a dimensão conflito/integração dentro do interesse da sociologia tradicional para
explicar a ordem. A falácia desta posição torna-se clara se consideramos formas extremas de
conflito tais como conflito de classe, revolução e guerra, que somente podem ser incorporados ao
modelo integracionista, por maior que seja o alongamento da imaginação. Não se pode igualar
conflitos macroestruturais com conflitos funcionais, como os identificados por Coser (1956). Há
uma importante questão de gradação a ser considerada ao dicotomizar integração x conflito; na
realidade a distinção entre os dois é muito mais a de um contínuo do que a maioria dos escritores
têm reconhecido.
13
Ao distinguir entre estabilidade e mudança como aspectos respectivamente de ordem e
conflito, o modelo de Dahrendorf abre a possibilidade interpretação errônea, ainda que ele
explicite que afirmou não ter a intenção de concluir que a teoria da ordem admite que a
sociedade é estática. Seu interesse foi mostrar como as teorias funcionais são essencialmente
envolvidas com aqueles processos que servem para manter os padrões do sistema como um todo.
Em outras palavras, as teorias funcionais são vistas como estáticas no sentido em que estão
interessadas na explanação do status quo. Neste respeito as teorias de conflito são claramente de
natureza diferente; elas estão comprometidas com, e buscam explicar, o processo e a natureza da
mudança estrutural profundamente assentada na sociedade, em oposição à mudança de natureza
mais superficial e efêmera da teoria da ordem.
Nota do tradutor: Estes dois aspectos de mudança têm muito a ver com o meu trabalho. Não
estou interessado nessa mudança superficial e efêmera das teorias organizacionais
funcionalistas e, como tal, me distancio das estratégias de D.O e de outras tantas de natureza
semelhante. O atalho que Argyris tomou e que estou seguindo com os devidos cuidados, ataca
de frente a estrutura normativa da sociedade pela raiz: os valores governantes básicos que
orientam as ações dos indivíduos nas suas relações com o outro e/ou com o contexto. Embora
não se possa afastar o caráter funcional da busca de eficiência e eficácia, o certo é que o
questionamento de valores governantes contidos na estrutura normativa da sociedade (e por
extensão, das organizações), pode levar, e esperamos que efetivamente leve , a profundas
mudanças nas organizações, a partir da reestruturação cognitiva dos indivíduos.
Por esta razão pode se tornar bem mais claro se a posição da teoria do conflito, nesta
dimensão, tivesse sido apresentada em termos mais radicais e distintos. Há muito mais na teoria
Marxiana, por exemplo, no que se refere a noção de contradição e de incompatibilidade básica
entre diferentes elementos da estrutura social. Contradição implica em heterogeneidade,
desequilíbrio e forças sociais essencialmente antagônicas e divergentes. Argumentar que o
conceito de contradição pode ser abarcado pela análise funcional, requer um ato de fé ou, no
mínimo um considerável vôo de imaginação.
Alinhados com esta análise, os autores (B&M) argumentam que a tentativa de reduzir os dois
modelos a uma base comum ignora as diferenças fundamentais que existem entre elas. A teoria
do conflito baseado no conflito estrutural, profundamente arraigado e relacionado com
transformações radicais da sociedade, não é consistente com a perspectiva funcionalista.
O termo sociologia da regulação refere-se aos escritos dos teóricos que estão
primordialmente interessados em prover explanações da sociedade em termos que enfatizam sua
unidade subjacente e coesão. É uma sociologia essencialmente interessada na necessidade de
regulação dos afazeres humanos; as questões básicas que ela faz tende a focar na necessidade de
entender porque a sociedade é mantida como uma entidade. O trabalho de Durkheim, com sua
ênfase na natureza da coesão e da solidariedade social, por exemplo, dá uma clara e
compreensiva ilustração de um interesse pela sociologia da regulação.
Tabela 2.2.
____________________________________________________________
_________________________________________________________
____________________________________________________________
15
BURREL & MORGAN, "Sociological Paradigms and Organizational Analysis", Heineman,
London, l979.
Do que até agora foi examinado, pode-se observar que os pressupostos sobre a natureza da
ciência estão contidos numa dimensão: subjetiva - objetiva; e os pressupostos sobre a natureza
da sociedade em uma dimensão: regulação - mudança radical, como se pode ver na Figura 3.1
abaixo.
SUBJETIVO OBJETIVO
Humanismo Estruturalismo
radical radical
Interpretativo Funcionalismo
A SOCIOLOGIA DA REGULAÇÃO
Similarmente, dentro do contexto da sociologia da mudança radical tem havido uma divisão
entre os teóricos que adotam os pontos de vista subjetivo e objetivo da sociedade. Este debate
foi, em grande medida, liderado pela publicação na França (1966) e na Inglaterra (1969) do
trabalho de Louis Althusser chamando a atenção para a "quebra epistemológica" do trabalho de
Marx, que enfatizou a polarização dos teóricos Marxistas em dois campos: aqueles que
enfatizavam os aspectos subjetivos (por exemplo, Lukács, e a Escola de Frankfurt) e aqueles
que advogavam mais abordagens objetivas tais como as daqueles associados ao estruturalismo
Althussiano.
Esta definição não implica completa unidade de pensamento. O paradigma tem uma unidade
subjacente em termos de seus pressupostos básicos e freqüentemente "tidos como verdades" que
separam um grupo de teóricos de maneira fundamentalmente diferente de teóricos localizados
em outros paradigmas. A unidade do paradigma portanto deriva da referência a pontos de vista
alternativos da realidade que se posiciona alem de suas fronteiras e que pode não ser
necessariamente nem mesmo reconhecido como existente.
Os 4 paradigmas tomados em conjunto fornecem um mapa para negociar a área sujeito, que
oferece uma maneira conveniente de identificar similaridades básicas e diferenças o trabalho dos
vários teóricos e, em particular, os quadros de referência subjacentes que eles adotam. Também
fornece uma conveniente meio de localizar o próprio quadro de referência com relação a teoria
social, e deste modo um meio de entender porque certas teorias e perspectivas podem ter mais
atrativo pessoal do que outras. Como qualquer outro mapa, ele fornece uma ferramenta para
estabelecer onde estão, onde esteve e pra onde se é possível ir no futuro.
Um fato que merece atenção é que os 4 paradigmas são mutuamente exclusivos. Eles
oferecem pontos de vista alternativos sobre a realidade social.
O Paradigma Funcionalista.
Originado na França nas primeiras décadas do século XIX, recebeu suas maiores influências
através dos trabalhos de Augusto Comte, Herbert Spencer, Emile Durkheim e Valfrido Pareto. A
abordagem funcionalista à ciência social tende a assumir que o mundo social é composto de
artefatos empíricos relativamente concretos e de relações que podem ser identificadas, estudadas
e medidas através de abordagens derivadas das ciências naturais.
Para ilustrar, vejamos o trabalho de Durkheim. Central em sua posição foi a idéia de que os
"fatos sociais" existem fora da consciência dos homens, e restringe o homem em suas atividades
diárias.
17
Desde as primeiras décadas do século XX que o paradigma funcionalista tem sido
influenciado por elementos do idealismo Germânico de pensamento social. Através dos trabalhos
de Weber, George Simmel e George Herbert Mead, a abordagem idealista tem sido utilizada no
contexto das teorias sociais numa tentativa de fazer a ponte entre as duas tradições. Assim
fazendo, esqueceram algumas perspectivas teóricas características da última região do
“objetivismo", fronteiriça do paradigma interpretativo. Tais teorias têm rejeitado o uso de
analogias mecânicas e biológicas no estudo do mundo social e tem introduzido idéias que
colocam ênfase na importância de entender o mundo social do ponto de vista dos atores que
estão realmente engajados no desempenho das atividades sociais.
A partir dos anos 40 tem havido também uma infusão de certas influências Marxistas
características da sociologia da mudança radical que tem ajudado a radicalizar a teoria
funcionalista e a recusar a pecha geral de que o funcionalismo é essencialmente conservador e
incapaz de prover explicações para a mudança social.
SUBJETIVO OBJETIVO
O Paradigma Interpretativo.
A fig. 3.3 e 3.4 ilustram a maneira como o paradigma foi explorado tomando como referência
nosso interesse na teoria social e no estudo das organizações. Enquanto tenha havido um
pequeno número de tentativas de estudar os conceitos de organização e situações a partir deste
ponto de vista, o paradigma não gerou muitas teorias organizacionais. Como ficará claro a partir
de nossa análise, há boas razões para isto. As premissas do paradigma interpretativo questionam
se as organizações existem senão no sentido conceitual e, como tal, desafia a validade dos
pressupostos ontológicos subjacentes às abordagens funcionalistas da sociologia em geral e ao
estudo das organizações em particular.
Uma das noções mais básicas que subjacem o todo deste paradigma é o de que a consciência
do homem é dominada pelas superestruturas ideológicas com o qual ele interage, e que estas
dirigem uma cunha cognitiva entre o próprio indivíduo e a verdadeira consciência. Esta cunha é
a da "alienação" ou da "falsa consciência" que inibe ou evita o verdadeiro preenchimento
humano. O maior interesse dos teóricos abordando a condição humana nestes termos é o de
livrar o ser humano das restrições que os arranjos sociais colocam sobre o desenvolvimento
humano. Critica-se o status quo. Vê-se a sociedade como anti-humana e se está interessado em
articular meios para que os seres humanos possam transcender os vínculos e grilhões que os
prendem aos padrões sociais existentes e, portanto, a realizar seu potencial pleno.
19
vivem fora de suas vidas. Eles buscam mudar o mundo social através da mudança nos modos de
cognição e consciência
A fig. 3.3 e 3.4 mais uma vez proporciona um grosseiro e pronto sumário da maneira como
este paradigma tem sido explorado em termos da teoria social e do estudo das organizações.
Como argumentaremos no Capítulo 9, os escritores que têm algo a dizer sobre as organizações a
partir desta perspectiva têm colocado as bases de uma nascente teoria anti-organização. Em
essência o humanismo radical é baseado na inversão. Não seria surpresa, portanto, que a teoria
anti-organização inverte a problemática que define a teoria da organização funcionalista em
todos os sentidos.
O principal fonte de debate intelectual provem dos trabalhos do Marx maduro, após a "quebra
epistemológica" em seu trabalho. Dentro da teoria social Russa destacam-se os nomes de Engels,
Plekhanov, Lênin e Bukarin. Entre os estruturalistas radicais fora do reino da teoria social Russa,
destacam-se Althusser, Poulantzas, Colleti e vários sociólogos Marxistas da Nova Esquerda. Há
também a forte influência Weberiana que já se fez referência acima, através dos trabalhos de
Darhrendorf e Lockwood, alem de outros.
Do que até agora foi examinado, pode-se observar que os pressupostos sobre a natureza da
ciência estão contidos numa dimensão: subjetiva - objetiva; e os pressupostos sobre a natureza
da sociedade em uma dimensão: regulação - mudança radical, como se pode ver na Figura 3.1
abaixo.
SUBJETIVO OBJETIVO
Humanismo Estruturalismo
radical radical
Interpretativo Funcionalismo
A SOCIOLOGIA DA REGULAÇÃO
Similarmente, dentro do contexto da sociologia da mudança radical tem havido uma divisão
entre os teóricos que adotam os pontos de vista subjetivo e objetivo da sociedade. Este debate
foi, em grande medida, liderado pela publicação na França (1966) e na Inglaterra (1969) do
trabalho de Louis Althusser chamando a atenção para a "quebra epistemológica" do trabalho de
Marx, que enfatizou a polarização dos teóricos Marxistas em dois campos: aqueles que
enfatizavam os aspectos subjetivos (por exemplo, Lukács, e a Escola de Frankfurt) e aqueles
que advogavam mais abordagens objetivas tais como as daqueles associados ao estruturalismo
Althussiano.
Esta definição não implica completa unidade de pensamento. O paradigma tem uma unidade
subjacente em termos de seus pressupostos básicos e freqüentemente "tidos como verdades" que
separam um grupo de teóricos de maneira fundamentalmente diferente de teóricos localizados
em outros paradigmas. A unidade do paradigma portanto deriva da referência a pontos de vista
alternativos da realidade que se posiciona alem de suas fronteiras e que pode não ser
necessariamente nem mesmo reconhecido como existente.
Os 4 paradigmas tomados em conjunto fornecem um mapa para negociar a área sujeito, que
oferece uma maneira conveniente de identificar similaridades básicas e diferenças o trabalho dos
vários teóricos e, em particular, os quadros de referência subjacentes que eles adotam. Também
fornece uma conveniente meio de localizar o próprio quadro de referência com relação a teoria
social, e deste modo um meio de entender porque certas teorias e perspectivas podem ter mais
atrativo pessoal do que outras. Como qualquer outro mapa, ele fornece uma ferramenta para
estabelecer onde estão, onde esteve e pra onde se é possível ir no futuro.
Um fato que merece atenção é que os 4 paradigmas são mutuamente exclusivos. Eles
oferecem pontos de vista alternativos sobre a realidade social.
O Paradigma Funcionalista.
Originado na França nas primeiras décadas do século XIX, recebeu suas maiores influências
através dos trabalhos de Augusto Comte, Herbert Spencer, Emile Durkheim e Valfrido Pareto. A
abordagem funcionalista à ciência social tende a assumir que o mundo social é composto de
artefatos empíricos relativamente concretos e de relações que podem ser identificadas, estudadas
e medidas através de abordagens derivadas das ciências naturais.
Para ilustrar, vejamos o trabalho de Durkheim. Central em sua posição foi a idéia de que os
"fatos sociais" existem fora da consciência dos homens, e restringe o homem em suas atividades
diárias.
Desde as primeiras décadas do século XX que o paradigma funcionalista tem sido
influenciado por elementos do idealismo Germânico de pensamento social. Através dos trabalhos
de Weber, George Simmel e George Herbert Mead, a abordagem idealista tem sido utilizada no
contexto das teorias sociais numa tentativa de fazer a ponte entre as duas tradições. Assim
fazendo, esqueceram algumas perspectivas teóricas características da última região do
“objetivismo", fronteiriça do paradigma interpretativo. Tais teorias têm rejeitado o uso de
analogias mecânicas e biológicas no estudo do mundo social e tem introduzido idéias que
colocam ênfase na importância de entender o mundo social do ponto de vista dos atores que
estão realmente engajados no desempenho das atividades sociais.
A partir dos anos 40 tem havido também uma infusão de certas influências Marxistas
características da sociologia da mudança radical que tem ajudado a radicalizar a teoria
funcionalista e a recusar a pecha geral de que o funcionalismo é essencialmente conservador e
incapaz de prover explicações para a mudança social.
SUBJETIVO OBJETIVO
O Paradigma Interpretativo.
23
O paradigma interpretativo é também produto direto do idealismo Germânico. Seus
fundamentos vêm do trabalho de Kant e reflete a filosofia social que enfatiza essencialmente a
natureza espiritual do mundo social. No princípio do século sofreu a influência dos neo-
idealistas tais como Dilthey, Weber, Husserl e Schutz. Em termos sociológicos nota-se 4 grandes
correntes: a hermenêutica, a sociologia fenomenológica, a fenomenologia e o solipsismo. Em
termos da teoria das organizações: a etnometodologia e o interacionismo simbólico
fenomenológico.
A fig. 3.3 e 3.4 ilustram a maneira como o paradigma foi explorado tomando como referência
nosso interesse na teoria social e no estudo das organizações. Enquanto tenha havido um
pequeno número de tentativas de estudar os conceitos de organização e situações a partir deste
ponto de vista, o paradigma não gerou muitas teorias organizacionais. Como ficará claro a partir
de nossa análise, há boas razões para isto. As premissas do paradigma interpretativo questionam
se as organizações existem senão no sentido conceitual e, como tal, desafia a validade dos
pressupostos ontológicos subjacentes às abordagens funcionalistas da sociologia em geral e ao
estudo das organizações em particular.
Uma das noções mais básicas que subjacem o todo deste paradigma é o de que a consciência
do homem é dominada pelas superestruturas ideológicas com o qual ele interage, e que estas
dirigem uma cunha cognitiva entre o próprio indivíduo e a verdadeira consciência. Esta cunha é
a da "alienação" ou da "falsa consciência" que inibe ou evita o verdadeiro preenchimento
humano. O maior interesse dos teóricos abordando a condição humana nestes termos é o de
livrar o ser humano das restrições que os arranjos sociais colocam sobre o desenvolvimento
humano. Critica-se o status quo. Vê-se a sociedade como anti-humana e se está interessado em
articular meios para que os seres humanos possam transcender os vínculos e grilhões que os
prendem aos padrões sociais existentes e, portanto, a realizar seu potencial pleno.
A fig. 3.3 e 3.4 mais uma vez proporciona um grosseiro e pronto sumário da maneira como
este paradigma tem sido explorado em termos da teoria social e do estudo das organizações.
Como argumentaremos no Capítulo 9, os escritores que têm algo a dizer sobre as organizações a
partir desta perspectiva têm colocado as bases de uma nascente teoria anti-organização. Em
essência o humanismo radical é baseado na inversão. Não seria surpresa, portanto, que a teoria
anti-organização inverte a problemática que define a teoria da organização funcionalista em
todos os sentidos.
O principal fonte de debate intelectual provem dos trabalhos do Marx maduro, após a "quebra
epistemológica" em seu trabalho. Dentro da teoria social Russa destacam-se os nomes de Engels,
Plekhanov, Lênin e Bukarin. Entre os estruturalistas radicais fora do reino da teoria social Russa,
destacam-se Althusser, Poulantzas, Colleti e vários sociólogos Marxistas da Nova Esquerda. Há
também a forte influência Weberiana que já se fez referência acima, através dos trabalhos de
Darhrendorf e Lockwood, alem de outros.
25
Burrel & Morgan, "Sociological Paradigms and Organizational Analysis", Heinemann,
London, 1979.
4. SOCIOLOGIA FUNCIONALISTA
Devido a sua longa história, é difícil localizar um ponto inicial. Poderia se fazer um
retrospecto ao pensamento político e social da antiga Grécia todavia, por conveniência pode-se
começar a análise por Augusto Comte (1789-1857).
Comte pode ser visto como, o primeiro e mais importante sociólogo da unidade humana e
social. Ele acreditava que o conhecimento e a sociedade estavam em um processo de transição
evolutiva, e que a função da sociologia era de entender o necessário, indispensável e inevitável
curso da história de tal modo a promover a realização de uma nova ordem social. A visão de
Comte era de um mundo em que a “racionalidade” científica estava em ascendência, subjacendo
a base de uma ordem social bem regulada.
Muitas das noções suportando o que hoje conhecemos como funcionalismo estrutural deriva
do trabalho de Spencer. Sua visão da sociedade era de um sistema auto-regulado que podia ser
entendido através do estudo de seus vários elementos ou órgãos e da maneira como eles se inter-
relacionavam. Viu a sociedade como sendo estabelecida em um curso evolutivo de
desenvolvimento em que as mudanças de estrutura eram caracterizadas por um processo de
crescente diferenciação e integração. A idéia de evolução teve aplicabilidade universal e foi a
chave para o entendimento tanto do mundo social como do natural.
Desde os anos 1880 Durkheim se orientou para o estudo das relações indivíduo-sociedade e
de personalidade do indivíduo-solidariedade social. Ele viu as “sociedades tradicionais” como
sendo mantidas na base de uma “solidariedade mecânica” derivando da similaridade das partes,
tendo a “consciência” do indivíduo como “simples apêndice do tipo coletivo, que a segue em
todos os seus movimentos”. A “consciência coletiva” era baseada em um sistema compartilhado
de valores, normas e crenças. Na sociedade “industrial” com seu sistema extensivo de “divisão
de trabalho” e de “diferenciação funcional” ele viu uma “solidariedade orgânica” emergindo da
interdependência das partes.
Também devem ser incluídos na tradição funcionalista os sociólogos Alfred Marshall, Max
Weber, John Stuart Mill, Georg Simmel, George Herbert Mead, e William James, dentre outros.
A Estrutura do Paradigma.
Radcliffe-Brown, por outro lado, especificamente reconheceu que o conceito de função, como
aplicado às sociedades humanas, era baseado na analogia entre a vida social e a vida orgânica., e
que ela tinha já recebido uma certa quantidade de consideração em filosofia e em sociologia.
Desenvolvendo analogia com organismos animais, ele argumentou que as sociedades podiam ser
conceituadas como redes de relações entre partes constituintes - “estruturas sociais”- que tinham
uma certa continuidade. Nos animais como nas sociedades, a continuidade estrutural chama-se
vida. A continuidade da vida de uma sociedade poderia ser concebida em termos do
funcionamento de suas estruturas - daí a noção de “funcionalismo estrutural”.
27
Teoria dos Sistemas.
Deste os anos 50 a “teoria dos sistemas” assumiu crescente importância nas várias correntes
de análise social. Em sociologia, psicologia, antropologia, arqueologia, lingüística, teoria
organizacional, relações industriais e muitas outras, a teoria dos sistemas estabeleceu-se como
um importante método de análise.
A despeito de sua popularidade, a noção de sistema é ilusória. Muitos livros sobre teoria dos
sistemas não oferecem uma definição formal do conceito de sistemas, e aqueles onde se tenta
uma definição, esta é de considerável generalidade. As noções de “holismo” e de “interação” de
partes não é exclusivo da teoria de sistemas, e definições genéricas nada mais são do que velhas
conceituações travestidas de novos e desnecessários jargões complexos.
Contudo, a situação é ainda mais complicada do que isto. Von Bertalanffy usou a noção de
sistema como meio de reduzir as diferenças substantivas que existem entre as diferentes
disciplinas acadêmicas.Os sujeitos da química, física, biologia, sociologia, etc., se ligam em sua
visão pelo fato de que estudam “elementos complexos que ficam em interação” ou seja,
“sistemas”. A tarefa da teoria geral dos sistemas é descobrir princípios de organização que
subjacem tais sistemas. Um de seus objetivos gerais é o de alcançar a “unidade da ciência”
baseado nas “leis do isomorfismo em campos diferentes”(von Bertalanffy, 1956 p.8).
Em muitos aspectos o objetivo de Bertalanffy pode ser visto como arquétipo da perspectiva
positivista: ele é baseado em pressupostos epistemológicos dominados por um interesse em
buscar e explicar regularidades e uniformidades estruturais que caracterizam o mundo em geral.
Isto difere da maioria dos positivistas, pois von Bertalanffy coloca-se firmemente contrário ao
reducionismo que caracteriza a maioria das áreas de esforço científico que enfatiza modos de
investigação baseados em métodos e princípios da física convencional. Ele busca uma
alternativa: ao invés de reduzir todos os fenômenos estudados a eventos físicos, ele advoga o
estudo deles como sistemas. Sua idéia de sistema tem contido um conceito organizativo
(organizing concept).
Interacionismo.
Simmel portanto, focou sua atenção nos seres humanos em seu contexto social. Ele estava
interessado , acima de qualquer coisa, no que ele descreve como “interações entre os átomos da
sociedade”. A maior parte de seu trabalho foi devotado à análise das formas de interação grupal
fossem as díades, as tríades, ou outras formações grupais, seus processos e influências, na ação
humana e no comportamento.
A despeito de seu interesse por normas e padrões nos assuntos sociais, Simmel viu a vida
social como sendo caracterizada por um contínuo conflito entre o indivíduo e seu mundo social.
O interesse de Simmel por um nível de análise micro conduziu a muitos insights com relação a
dinâmica da vida social. O tema de conflito entre o indivíduo e o contexto social, por exemplo, é
um que corre através de muitos aspectos de seu trabalho e que permite uma base de uma
penetrante análise do estado de alienação do homem moderno. Para ele, o indivíduo “tornou-se
um mero dente de engrenagem numa grande organização de coisas e poderes que lhe arranca das
mãos todo o progresso, espiritualidade e valor, a fim de transformá-los de suas formas subjetivas
em forma de uma vida puramente objetiva” (Simmel, 1950, p. 422).
George Herbert Mead (1863-1931) foi um dos filósofos sociais Americanos também
influenciado por correntes cruzadas de pensamento emergentes das últimas décadas do século
XIX e primeiras décadas do século XX. Em sua ampla contribuição à filosofia social e à
psicologia social, percebe-se uma fusão das duas tradições do idealismo Germânico e do
positivismo Anglo-francês.
Em seu livro Mind, Self and Society busca estabelecer como “mente” e “pessoa” surgem
dentro do contexto de conduta social e interação. Sua explicação coloca ênfase no papel dos
gestos no processo de interação. Vê a noção de gesto em termos sociais - como parte de um
“ato”. Na interação entre animais o ato social ou “conversa de gestos” pode ser entendida em
termos de uma série de símbolos para os quais as várias partes respondem de acordo com a
interpretação colocada nos vários gestos. Tal ação pode ser vista como uma forma de
comunicação , em que os vários gestos ou símbolos envolvidos influenciam estágios posteriores
do ato.
No caso dos seres humanos a situação é um tanto diferente dos animais, uma vez que através
de “gestos vocais” ou linguagem os indivíduos têm a capacidade de se tornarem conscientes do
29
que estão fazendo. Para Mead, é o mecanismo da linguagem que subjaz o desenvolvimento da
“mente”. Através de operação da mente o indivíduo pode tornar-se o objeto de seus próprios
pensamentos. Este é o processo que subjaz o desenvolvimento da “pessoa”.
Deste modo, para Mead, a consciência do ser humano evolui através de um processo social;
um processo de interação que envolve o desenvolvimento da linguagem e portanto “mente” e
“pessoa”. O ser humano, diferente dos outros origenismos animais, tem a capacidade de se tornar
consciente do que ele está a fim. Para que isto aconteça, ele deve ser capaz de interpretar o
significado de seus gestos. Isto envolve uma “conversa” interna ou processo de pensar de um
ponto de vista do que Mead chamou de “o outro generalizado” (Mead, 1934, p.155).
Mead reconhece o papel desempenhado por seres humanos em influenciar seu ambiente,
particularmente através da interpretação simbólica das conseqüências dos vários tipos de
condições ambientais e de modos de interação. Concorda-se assim que os atores individuais têm
no mínimo um papel mediador e interpretativo, senão inteiramente de controle ou de criação em
relação ao seu ambiente.
Interacionismo Simbólico.
A noção deriva diretamente do trabalho de Mead e da distinção que ele faz entre interação
“não-simbólica” e “simbólica”. Como colocado por Blumer , um de seus ex-alunos e interpretes:
"Na interação não-simbólica os seres humanos respondem uns aos outros diretamente por
gestos ou ações. Na interação simbólica eles interpretam os gestos e atos uns dos outros na base
do significado produzido pela interpretação... A interação simbólica envolve interpretação, ou
determinação de significado das ações ou afirmações das outras pessoas, e definição, ou
indicações convergentes para outras pessoas de como elas devem agir. A associação humana
consiste de um processo de interpretação e definição assim. Através deste processo os
participantes ajustam seus próprios atos aos atos em andamento de outra pessoas e os guia ao
assim fazer. (Blumer, 1966,p. 537 - 8).”
Max Weber foi um tanto positivista em sua epistemologia geral, vez que desejou construir
uma ciência social objetiva capaz de prover explicações causais do fenômeno social. Para ele, as
explicações sobre o mundo social tinham que ser “adequadas ao nível de significado”.
Weber construiu uma tipologia de ação social que distinguia entre: (a) ação orientada para a
tradição; (b) ação dominada por fatores emocionais; (c) ação orientada para algum valor
absoluto; e (d) ação racionalmente orientada para o alcance de fins específicos e em que se toma
em consideração as vantagens e desvantagens relativas de meios alternativos. Era seu ponto de
vista que estes tipos de ação poderiam ser úteis ferramentas sociológicas para analisar os modos
de orientação de ação social na prática. Este esquema foi normalmente negligenciado em favor
de uma interpretação mais generalizada da perspectiva de ação que focaliza as maneiras como os
indivíduos interpretam a situação em que se encontram.
Como sugerido por Cohen, a teoria da ação pode ser vista como consistindo de um número de
pressupostos que proporciona um modo de análise para explicar a ação e conduta de indivíduos
típicos (atores e atores sociais) em situações típicas:
(i) o ator tem objetivos (ou metas, ou fins); suas ações são levadas avante para perseguir estes
objetivos.
(ii) A ação freqüentemente envolve a seleção de meios para atender a objetivos; mas mesmo
onde parece que ela não existe, ainda assim é possível a um observador distinguir analiticamente
entre meios e objetivos.
(iii) Um ator sempre tem muitos objetivos; suas ações em perseguição de qualquer um afetam
e são afetadas por suas ações em perseguição de outras.
(iv) a perseguição de objetivos e a seleção de meios sempre ocorre dentro de situações que
influenciam o curso da ação.
(v) o ator sempre faz certos pressupostos concernentes a natureza de seus objetivos e da
possibilidade de seu atendimento.
(vi) a ação é influenciada não somente pela situação mas também pelo conhecimento que o
ator tem dela.
(vii) o ator tem certos sentimentos ou disposições afetivas que afetam tanto sua percepção de
situações como sua escolha de objetivos.
(viii) o ator tem certas normas e valores que governam sua seleção de objetivos e seu
ordenamento deles a partir de um esquema de prioridades. (Cohen, 1968, p.69).
Interpretado a partir deste ponto de vista, o efeito da teoria de ação Weberiana tem sido o de
injetar medidas de voluntarismo nas teorias de comportamento social permitindo o fato dos
indivíduos interpretarem e definirem suas situações e agir de acordo com elas.
Um dos mais proeminentes seguidores da teoria de ação Weberiana foi Talcott Parsons, em
cujo trabalho clássico A Estrutura da Ação Social (1949), argumentou que havia uma tendência
do trabalho de Durkheim, Marshall, Pareto e Weber convergirem em torno de uma “teoria de
Ação voluntarista”. Embora Parsons advogasse esta teoria voluntarista como uma perspectiva
sociológica geral, na verdade seu próprio trabalho tornou-se muito mais firmemente determinista
e foi eventualmente incorporado à teoria dos sistemas sociais que se localizava numa região mais
objetivista. Na observação de Giddens (1976, p.16) “não havia qualquer ação na "estrutura de
referência de ação" de Parsons, somente comportamento que é propelido por disposições de
necessidades e expectativas de papeis. Estabelece-se o cenário, mas os atores apenas
desempenham de acordo com o script que já tinha sido escrito para ele”. Tal é a natureza da
perspectiva funcionalista; seus pressupostos metateóricos subjacentes somente permitem uma
medição limitada de voluntarismo no comportamento humano.
Teoria Integrativa.
A teoria integrativa reúne 4 correntes de pensamento: (a) o modelo de troca e poder de Blau;
(b) a teoria de estrutura social e cultural de Merton; (c) o conflito funcionalista; e (d) a teoria dos
sistemas morfogênicos.
A teoria de Blau enfatiza o papel da troca e poder como uma fonte de integração da vida
social. A teoria de Merton da estrutura social e cultural tende a enfatizar as funções
desempenhadas por elementos da estrutura social no processo integrativo. O conflito
31
funcionalista tende a focar nas funções “positivas” servidas pelo conflito. A teoria dos sistemas
morfogênicos enfatiza a importância da transmissão de informação como uma variável central de
análise.
A teoria de troca e poder na vida social se propõe analisar os processos que governam a
associação humana, com vistas a estabelecer uma base para uma teoria de estrutura social. A
teoria de Blau tenta ligar as análises nos níveis micro e macro sociais para construir a ponte entre
o interacionismo e a teoria do sistema social.
Blau, seguindo Simmel, vê o estudo da associação social como uma tarefa central em
sociologia. Ele se coloca firmemente contra explicações reducionistas da sociedade, vez que
ignoram o que ele chama de “propriedades emergentes” da inter-reação humana. Para ele a
sociedade é mais que a soma das partes. A estrutura social não pode ser reduzida a uma série de
elementos constituintes; ela tem que ser entendida como um processo social emergente.
Sua análise do processo de troca social leva-o a identificar os meios em que o status e o poder
tornam-se diferenciados, e a maneira em que o poder torna possível organizar o esforço coletivo.
Ele faz um acompanhamento da maneira na qual a legitimação do poder tem sua fonte na
aprovação social em que seu justo exercício evoca entre os subordinados. Sua análise reconhece
que o consenso normativo não é de maneira alguma automático, e que o exercício do poder nem
sempre será legitimado.
Sua análise enfatiza o papel de troca e poder na emergência da estrutura social e deste modo
seu papel como forças integrativas em qualquer explicação da sociedade como um processo em
andamento. Blau analisa as relações entre sub-elementos da sociedade e a maneira como os
conflitos produzem um padrão de mudança dialética. Como ele próprio coloca:
É Robert Merton o sociólogo par excellence da corrente integrativa. Seu trabalho recebe a
influência de escritores amplamente diversificados como Durkheim, Marx, Mead, Parsons,
Simmel e Weber. O trabalho de Merton é integrativo no sentido em que ele busca ligar um
número de teorias conceitualmente distintas dentro do contexto do paradigma funcionalista. É
também integrativo no sentido em que busca ligar os níveis de análise micro e macro, empirismo
e grande teoria, naquilo que ele tem descrito como teorias do “âmbito intermediário”.
Tomando como ponto de partida seus primeiros trabalhos sobre “grupo de referência” e de
“teoria da anomia” que busca entender como surgem os sub-grupamentos dentro de um contexto
de estrutura social. (Merton, 1968). Em seu artigo “Estrutura Social e Anomia”, ele busca
descobrir como as estruturas sociais exercem uma pressão definitiva sobre certas pessoas numa
sociedade para engajar em comportamentos não-conformistas. Sua perspectiva é descrita como
aquela de um “analista funcional que considera o comportamento socialmente desviante um
produto da estrutura social tanto quanto o comportamento conformista. sugerindo a existência de
um sistema central de valores normativos. Ao fazer um rastreamento das possíveis relações entre
dois elementos da estrutura social - “os objetivos culturais” e os “meios institucionalizados” de
alcançá-los - Merton é capaz de desenvolver uma tipologia de adaptação do indivíduo que, em
adição a “conformidade”, dá lugar a comportamento aberrante associado com “inovação”,
“ritualismo”, ”fuga” e “rebelião”. (Merton, 1968, p. 194).
Conflito Funcionalista.
Representa uma fusão da tradição funcionalista com as teorias de Simmel e uma incorporação
do trabalho de Marx. As bases do conflito funcionalista em muitos aspectos foi colocado no
clássico artigo de Merten de 1958, “Funções Latentes e Manifestas”. Seus argumentos foram
dirigidos contra 3 postulados centrais da tradicional análise funcional que ele argumentava serem
debatíveis e desnecessárias a orientação funcional como tal. Estes eram: (a) o postulado da
unidade funcional da sociedade - ou seja - que atividades sociais padronizadas ou itens culturais
são funcionais para o todo social ou sistema cultural; (b) o postulado do funcionalismo universal
ou seja, que todos os itens sociais e culturais preenchem funções sociológicas; (c) o postulado da
indispensabilidade - ou seja - que estes itens são conseqüentemente indispensáveis.
Depois de fazer uma ampla crítica aos modelos de sistemas orgânico e mecânico, com
referência específica a Parsons (1951) e a Homans (1950), Buckley desenvolve um modelo de
processo que, em essência, representa uma fusão das várias correntes de interacionismo e da
moderna teoria dos sistemas. Seu modelo tenta ligar os níveis de análise micro e macro,
construindo a partir da noção Meadiana de “ato” e do processo básico de interação simbólica ,
através da noção de “papel” e dinâmica de papel, para a emergência das organizações e das
instituições. O sistema sociocultural é visto como um “conjunto de elementos ligados quase que
inteiramente por meio da intercomunicação de informações (no sentido amplo) ao invés de ser
ligado a energia ou substância como são os sistemas físicos e orgânicos. (Buckley, 1967, p. 82).
O sistema sociocultural emerge de uma cadeia de interação entre os indivíduos em que a
informação é seletivamente percebida e interpretada de acordo com os significados que possuem
para os atores envolvidos. O modelo é processual invés de estrutural.
33
Buckley indubitavelmente fez uma importante contribuição para a aplicação da teoria dos
sistemas às ciências sociais.
Objetivismo.
Behaviorismo.
O Behaviorismo está mais freqüentemente associado a Skinner que tentou desenvolver teorias
causais de comportamento baseadas na análise de estímulo e resposta. Para este propósito o
homem é tratado , como qualquer outro organismo natural, inteiramente como o produto de seu
ambiente. O homem, em essência, é visto como nada mais que uma máquina, respondendo de
maneira determinística, às condições externas a que foi exposto.
Empirismo Abstrato.
A certo ponto da discussão das escolas de pensamento associadas com interacionismo, teoria
integrativa e teoria do sistema social, nos referimos ao fato de que o trabalho de vários teóricos e
pesquisadores têm terminado como empirismo abstrato. Os teóricos de sistemas que gastam suas
energias medindo “estruturas”; os interacionistas que utilizam medidas estáticas de “atitudes” e
de “situações de papéis”; os teóricos integrativos que tentam produzir índices quantitativos de
“poder”, “conflito”, “desvio”, etc., - todos eles dão ilustrações de empirismo abstrato. naquilo
em que engajam em pesquisa empírica que viola os pressupostos de suas perspectivas teóricas.
O termo “empirismo abstrato” entrou em uso popular através do trabalho de C. Wright Mills
(1959) que, em sua crítica de teoria e método nas ciências sociais, o usou para descrever a
produção de pesquisadores que têm permitido metodologias derivadas das ciências naturais
dominar seus trabalhos. Nós o usamos aqui num sentido relacionado, porem mais específico e
limitado, ou seja, o empirismo abstrato representa uma situação em que se usa metodologia
altamente nomotética para testar uma teoria que se baseia em uma ontologia, uma epistemologia
e uma teoria de natureza humana da espécie mais subjetivista. Ela representa uma situação em
que uma metodologia nomotética é incongruente com os pressupostos das outras três posições da
dimensão subjetiva-objetiva. É com vistas a esta incongruência que o empirismo abstrato difere
do behaviorismo.
É um fato lamentável que uma grande proporção de trabalhos de pesquisa em ciências sociais
no momento resultem em empirismo abstrato. Forçar a obtenção de fundos para pesquisa a fim
de sustentar equipes de pesquisadores tende a favorecer a coleta de grande quantidade de dados
empíricos. Na verdade esta coleta e processamento de dados são freqüentemente igualadas ao
esforço de pesquisa total e são vistos como um ingrediente essencial de qualquer proposição
provável de encontrar os requerimentos de “controle de qualidade” das instituições que fornecem
os fundos. As demandas por resultados pragmáticos de programas de pesquisa em ciência social
tendem a favorecer alguma forma de informação substantiva como produto. Sob a pressão de tais
forças, os programas de pesquisa freqüentemente se tornam ajustados aos requerimentos e
métodos de seus dados básicos, na medida em que aqueles pressupostos teóricos com relação a
ontologia, a epistemologia e a natureza humana são relegados a um papel secundário e a
eventualmente ser violado pelas demandas do empirismo.
A visão funcionalista deste contexto social mais amplo tende a ter muitos pontos de referência
comuns: é a visão que assume uma ordem e um padrão contínuos. Permitindo vários mas
limitados graus de ordem e desordem, consenso e dissenso, integração e desintegração social,
solidariedade e conflito, satisfação de necessidade e frustração, o esforço global é de
proporcionar uma explicação do porque o tecido social da sociedade tende a se manter junto. É
dirigido a proporcionar uma explicação da natureza regulada dos negócios humanos.
Esta racionalidade essencial refletida nesta visão de ciência é utilizada para explicar a
racionalidade essencial da sociedade. A ciência proporciona um quadro de referência para
estruturar e ordenar o mundo social, um quadro que enfatiza uma ordem e coerência similares
àquelas encontradas no mundo natural. Os métodos de ciência são usados para gerar explicações
do mundo social consistentes com a natureza e filosofia da ciência em si. Ciência na mão dos
funcionalistas torna-se uma ferramenta de impor ordem e regulação sobre o mundo social -
ordem e regulação do ponto de vista do observador.
35
5. TEORIA FUNCIONALISTA DA ORGANIZAÇÃO.
Em anos recentes o estudo das organizações tem se estabelecido como uma significativamente
crescente área de investigação social científica. Quer em termos do número de estudos de
pesquisas conduzidos, quer no volume de literatura produzida, quer no seu estabelecimento
como um reconhecido campo de estudo dentro das instituições acadêmicas, o estudo das
organizações tem uma boa razão para ser olhada como um distinto ramo da ciência social de
alguma importância.
Porém em muitos aspectos ele é um campo confuso. Ele é usualmente apresentado como
contendo no mínimo três linhas de desenvolvimento, cada um seguindo um número de diferentes
tradições intelectuais. A primeira delas é a que pode ser descrita como teoria das organizações,
endereçada ao estudo das "organizações formais" e que é construída em cima da chamada
"escola clássica" de gerência e de teoria administrativa. Como Salaman e Thompson advertiram,
esta linha é freqüentemente vista como a da "abordagem ortodoxa" ao estudo das organizações e
"tende a adotar teorias e modelos de funcionamento organizacional, e a enfocar áreas de
investigação empírica que são altamente orientadas para concepções gerenciais de organização,
para problemas e prioridades gerenciais e para preocupações gerenciais com resultados práticos"
(Salaman e Thompson, 1973, p.1). Os fundamentos da teoria clássica foram amplamente fun-
damentados por administradores práticos com pouco ou nenhum respaldo de ciências sociais.
A segunda linha é muitas vezes descrita como a sociologia das organizações, que em grande
parte se apóia no trabalho de Max Weber e aborda o estudo das organizações de uma perspectiva
sociológica em oposição a uma perspectiva gerencial.
Todas as teorias de organização são fundamentadas em uma filosofia da ciência e uma teoria
da sociedade, quer os teóricos estejam conscientes disto ou não. Para muitos esta pode parecer
uma afirmação injustificadamente banal e simplista. Na verdade muitos teóricos parecem estar
inconscientes ou, no mínimo, ignorar os pressupostos que as várias teorias refletem.
___________________________________________________________________
| || |
| |
| |
| Pluralismo |
| |
| |
| Quadro de Teorias das Teoria do |
| referência disfunções sistema Objetivismo |
| da ação. burocráticas social |
| |
| |
| |
| |
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37
Esta perspectiva é construída a partir da categoria da teoria integrativa descrita no capítulo 4
como a Teoria Mertoniana da estrutura social e cultural. Ela abarca um relativamente pequeno
número de teóricos, que especificamente desenvolveram o trabalho de Merton e levaram a
perspectiva a uma posição que se aproxima da do conflito funcionalista.
4. Teoria pluralista
O resto deste capitulo devotaremos a uma análise sistemática das teorias de organização
comparadas com um background teórico definido pelo paradigma funcionalista como discutido
no capítulo 4. Tentamos penetrar além da simples análise histórica e tipológica atingindo os
fundamentos teóricos essenciais que dão suporte ao trabalho contemporâneo no assunto.
A perspectiva dominante dentro do campo dos estudos organizações é caracterizado por uma
relação estreita e interativa entre teoria de sistema e objetivismo. No resto desta secção
tentaremos esboçar as relações entre alguns de seus limites proeminentes. A Figura 5.2 ilustra o
curso geral do desenvolvimento.
Nosso plano para negociar este complexo campo de teoria e pesquisa é como se segue.
Tomamos como nosso ponto de partida os teóricos gerencialistas clássicos e os psicólogos
industriais que foram os precursores do movimento de relações humanas. Nosso argumento é de
que, não obstante as diferenças de detalhes nas teorias que eles expuseram, ambos ocupam uma
posição similar no lado da fronteira mais objetivista do paradigma funcionalista. As perspectivas
de tanto um como outro conjunto de teóricos refletiram um forte determinismo, em que os
fatores objetivos no ambiente do trabalho eram tratados como de enorme importância para a
análise e explicação do comportamento das organizações. Como tentamos ilustrar na Figura 5.2,
as duas abordagens ainda hoje permanecem vivas e bem. Elas floresceram através dos tempos e
estão muito evidentes nos trabalhos dos ergometristas, dos teóricos do estudo do trabalho e dos
teóricos do gerencialismo que continuam a prescrever regras de organização.
Vamos sair destes primeiros exemplos de objetivismo para entrar numa consideração da
teoria do sistema social refletida nos Estudos de Hawthorne. Argumentamos que o modelo
teórico que emergiu deste trabalho foi, no seu tempo, muito sofisticado, embora os insights que
ele ofereceu ficaram grandemente perdidos nos debates ulteriores que tenderam a focalizar os
resultados empíricos do estudo. As pesquisas pós-Hawthorne em comportamento do trabalho
usualmente se reverteram no objetivismo dos anos iniciais. Dedicamos nossa próxima secção a
uma consideração deste objetivismo pós-Hawthorne que dominou o movimento de relações
humanas e as pesquisas em satisfação do trabalho, dinâmica de grupo, liderança e estilos
gerenciais, etc., até os dias atuais. Esta primeira parte é seguida por uma curta secção sobre a
teoria dos sistemas sócio-técnicos, que em essência representa um direto desenvolvimento dos
descobertas teóricas geradas na pesquisa de Hawthorne, e que teve uma grande influência na
teoria do desenho do cargo.
Ao levar em consideração estes fundamentos para a teoria das organizações, estaremos numa
posição de fazer uma ponte com nossa prévia discussão da teoria dos sistemas sócio-técnicos, e
devotaremos uma secção para considerar algumas das teorias que emergiram nos anos 1960
tratando as organizações como sistemas abertos. Estes modelos incorporaram os insights das
primeiras abordagens e tenderam a colocar primordial ênfase nas relações entre as organizações
e o ambiente.
Concluímos nossa análise com a discussão do movimento de qualidade de vida. Ele também
ganhou proeminência nos anos 1970 e em essência funde as perspectivas dos teóricos do
desenho do cargo com os daqueles derivados da teoria dos sistemas abertos. Comparando com a
noção de pós-industrialismo, isto vincula a tradicional preocupação do movimento de relações
humanas e da teoria dos sistemas sócio-técnicos com as mudanças que estão ocorrendo dentro do
contexto da sociedade contemporânea como um todo.
Fayol (1841-1925) foi um engenheiro de minas Francês que subiu ao topo da hierarquia
gerencial. Enquanto Taylor concentrou seu trabalho no piso da fábrica, Fayol concentrou o seu
nos problemas de trabalho ao nível gerencial. Seu foco de interesse foi o planejamento, a
organização, o comando, a coordenação e o controle. Ele definiu vários princípios que podiam
ser ensinados. Ele viu a necessidade de uma teoria de gerência.
Os subseqüentes seguidores da 'escola clássica' foram Gulick, Mary Parker Folet, Mooney,
Urwick e outros que se envolveram com a formulação e popularização dos princípios de
gerência. Seus trabalhos se relacionaram amplamente com problemas de estrutura organi-
zacional, estilos de liderança e eficiência, e constituíram um guia de ação gerencial mais do que
uma teoria de organização no sentido formal.
As teorias de Taylor, Fayol e escola clássica de gerência como um todo, são fundamentadas
em pressupostos muito objetivistas, onde o mundo das organizações é tratado como o mundo do
fenômeno natural, caracterizado por uma realidade concreta que pode ser sistematicamente
investigada de modo a revelar suas regularidades subjacentes. Ao indivíduo foi atribuído um
papel essencialmente passivo. Seu comportamento no trabalho era visto como determinado pela
situação em que ele era exposto.
A partir do início da I Guerra Mundial outro movimento que teve considerável impacto nas
teorias de comportamento das organizações, nos EUA., na Inglaterra e em alguns países da
Europa foi o movimento da psicologia industrial que inicialmente adotou um baixo perfil. Para
muita gente ele estava envolvido com consultoria para gerentes industriais em problemas
associados com fadiga, seleção de empregados, diferenças individuais, etc. trabalho este muito
mais de natureza prática do que de pesquisa. Deste modo, só se desenvolveu academicamente a
partir de 1915 com suas primeiras pesquisas. Com suas dificuldades iniciais em se distinguir do
Taylorismo, o movimento de psicologia industrial buscou enfatizar o humanitarismo buscando
facilitar as dificuldades do trabalhador e através disso aumentando sua produção e sua satisfação
pessoal.
Os Estudos de Hawthorne.
Por mais de 25 anos os estudos de Hawthorne têm sido submetido a crescente crítica por
ignorar o papel do conflito no local de trabalho; por ser ideologicamente viciado em favor da
gerência; por ser paternalista; por adotar uma visão não apropriada do homem e da sociedade;
por ignorar os sindicatos e o papel da barganha coletiva; por dar uma insuficiente atenção ao
papel de fatores externos ao ambiente; por ser muito não-científico; e por interpretar erro-
neamente a evidência que eles coletaram (Landsberger, 1958; Carey, 1967). Dadas estas críticas,
quase todas elas são válidas em graus variados, é freqüentemente muito difícil saber com
precisão o que fazer dos estudos de Hawthorne. Muitos teóricos concordarão que seu significado
sob o ponto de vista histórico vai além da disputa. Quer estas críticas estejam certas ou erradas,
os psicólogos industriais chamaram a atenção dos pesquisadores para o papel dos fatores sociais
no local de trabalho e para o que se vem chamando de organização informal. Os estudos de
Hawthorne tiveram um impacto massivo nos desenvolvimentos subseqüentes em psicologia
industrial e sociologia, particularmente em relação ao chamado movimento das relações
humanas6.
(b) esta abordagem de sistemas é conscientemente 'aberta' por natureza, naquilo que
reconhece a influência de forças externas, assim dá-se principal atenção a elas na medida em que
elas afetam a história dos indivíduos e seus possíveis efeitos são moderados pelo conceito de
equilíbrio.
6.
41
(d) na situação (a) acima, os investigadores especificamente rejeitam o ponto de vista de que
qualquer fator pode ser identificado como fonte de problemas industriais. Eles mencionam
'fadiga', 'monotonia' e 'supervisão'; com uma compreensão tardia eles indubitavelmente teriam
acrescentado 'necessidades sociais'.
Outro ponto digno de nota. Tendo identificado a importância das atitudes individuais na
situação de trabalho, Roethlisberger and Dickson elaboraram um outro esquema conceitual para
entender a satisfação ou insatisfação dos empregados. Este esquema tenta mostrar, em termos
das relações dos empregados uns com os outros, que não se pode deixar de levar em
consideração fatores tais como bens materiais, eventos físicos, horas de trabalho, mudanças
técnicas e políticas da empresa como fatores pertencentes ao ambiente total plenos de significado
e de valor social.
e) uma antecipação do que mais tarde veio a ser tornar proeminente: 'o quadro de referência
da ação'. Eles enfatizaram que as explicações deviam ser adequadas ao nível do significado dos
indivíduos envolvidos. Este insight foi encoberto pela euforia da descoberta da importância da
organização social. Como eles próprio colocaram:
"para entender o significado das queixas e mágoas dos empregados é necessário levar em
conta sua posição ou status dentro da companhia. Esta posição é determinada pela organização
social da companhia; aquele sistema de práticas e crenças por meio das quais se expressam os
valores humanos da organização, e os símbolos ao redor dos quais eles se organizam - eficiência,
serviço, etc... Mas a relação do indivíduo com a companhia não é um sistema fechado. Todos os
valores do indivíduo não podem ser levados em conta pela organização social da companhia. O
significado que uma pessoa dá a sua posição depende de como aquela posição está ou não
permitindo-lhe preencher as demandas sociais que ele está fazendo de seu trabalho. A
significação última de seu trabalho não é definida tão somente por sua relação com a companhia
mas também por sua realidade social mais ampla." (Reothlisberger and Dickson, 1939, p. 374-5).
Estes importantes insights teóricos foram grandemente encobertos pelos dados empíricos da
pesquisa gerados pelo estudo. Em termos teóricos o modelo de Hawthorne pode ser melhor
entendido como representando a fusão das sociologias de Pareto e de Durkheim. A noção de
fatos e de sentimentos desempenham uma parte importante na orientação da análise de
Hawthorne. Por outro lado, enquanto em Pareto a noção de um sistema em equilíbrio fornece
uma estrutura organizativa para a pesquisa, de Durkheim a noção de anomia recebe uma atenção
central. Os estudos de Hawthorne por eles próprios se endereçam para o que é percebido como
uma situação de anomia - a separação entre o indivíduo e o seu trabalho.
O modelo de equilíbrio social está bem claro nos comentários de Mayo quando ele afirma que
Esta afirmação claramente reflete os princípios centrais que informam a perspectiva teórica
dos estudos de Hawthorne. A sociedade é vista em termos de um sistema tendendo ao equilíbrio;
se este equilíbrio é perturbado, forças são estabelecidas para restaurá-lo. Este modelo de
equilíbrio usado para o nível social, se transfere mais ou menos de forma imutável para uma
análise da situação do trabalho. O indivíduo torna-se um sistema em equilíbrio, influenciado por
vários elementos que compõem a situação dentro e fora do trabalho. O comportamento no
trabalho é entendido em termos de tentativas de manter ou restaurar uma posição de equilíbrio.
O primeiro estudo abrangente de satisfação no trabalho foi conduzido por Hoppock (1935).
Este estudo focalizava a satisfação geral do trabalho entre empregados adultos dentro de uma
43
pequena comunidade, e concluía que fatores como nível ocupacional, fadiga, monotonia,
condições de trabalho e realização poderiam ter influência na satisfação do trabalho. A este se
seguiram uma multidão de outros estudos empíricos focalizando específicas variáveis de tra-
balho tais como supervisão, estilo de liderança, oportunidades de promoção, remuneração, status,
conteúdo de trabalho, condições de trabalho, ambiente social, atitudes com a companhia e
tecnologia. Muitos destes estudos também buscaram ligar a satisfação no trabalho, tanto em
relação a fatores específicos do trabalho, como em termos gerais, ligar a níveis de desempenho
do empregado, ausência do trabalho, taxa de turnover, acidentes, etc. O método de análise
adotado nestes estudos focalizou a medição de variáveis envolvidas e um estudo de coeficientes
de intercorrelações.
Desde os anos 1960 a inabilidade de tais modelos de homem para prover explicações
consistentes de motivação e comportamento no trabalho tem levado a crescente interesse em
modelos cognitivos de processo motivacional, particularmente a 'teoria da expectância'. Esta é
uma teoria baseada essencialmente no que Locke tem descrito como 'uma forma de hedonismo
psicológico calculativo, em que o motivo último de cada ato humano está designado a ser uma
maximização do prazer e/ou uma minimização de sofrimento. O indivíduo sempre escolhe
aquele curso de ação que ele espera o levará ao maior grau de prazer ou que produzirá o menor
grau de sofrimento'.(Locke, 1975, p. 459). Paradoxalmente, a teoria da expectância gira a roda da
psicologia industrial de volta aos dias do Taylorismo, em que em lugar do homem racional
econômico, o substitui por um homem racional calculativo e hedonista.
O termo 'sócio-técnico' foi primeiro usado por membros do Instituto Tavistock para
caracterizar a interação de fatores tecnológicos e sociais nos sistemas de produção industrial. Ele
derivou em grande medida dos estudos conduzidos por Trist e Banforth (1951) que foi dirigido a
examinar o efeito da introdução do método de 'long-wall' em mina de carvão em certas minas
Britânicas. Este sistema de mineração mecanizado de produção em massa, que substituiu o
tradicional método 'hand-got', envolveu uma completa reorganização do trabalho e de relações
sociais dentro do poço da mina. O estudo que foi fortemente informado por uma perspectiva
psicanalítica focalizando a importância das relações de grupos, levou os pesquisadores a ver a
situação do trabalho em termos das inter-relações entre fatores sociais e tecnológicos. O grupo
foi visto não só como um sistema técnico ou um sistema social, mas como um sistemas sócio-
técnico independente. Como os estudos de Hawthorne, o trabalho do Tavistock foi subscrito por
pressupostos de um modelo de equilíbrio. A mudança tecnológica refletida no novo método foi
vista como perturbando o 'equilíbrio pré-mecanizado' e a respostas dos mineiros foi interpretada
como reações a estes distúrbios. A situação no poço foi analisada em termos de um campo de
forças psicológicas e sociais, equilíbrio este que foi influenciado pela interação entre os fatores
técnicos e humanos.
O estudo foi importante ao reconhecer que fatores sócio-psicológicos eram formados dentro
da natureza da tecnologia do trabalho, e que a organização do trabalho também tinha
propriedades sociais e psicológicas próprias que eram independentes de tecnologia. Contudo, a
noção de sistemas sócio-técnicos permaneceu de maneira embrionária, esperando refinamento
através de mais pesquisa. Esta foi conduzida por membros do grupo Tavistock pelos anos 50 e
resultou em um número de importantes publicações. Estas refletem uma crescente preocupação
com a noção de sistema como um conceito organizativo, não só ao nível do grupo de trabalho
mas para o estudo da organização como um todo, e um movimento de um modelo de equilíbrio
para um sistema baseado na analogia com o organismo.
Chester Barnard (1886-1961) por muitos anos foi uma figura proeminente do managirialismo
nos EE. UU.. Como presidente de uma grande empresa, ele teve muito contacto com os
sociólogos do 'Grupo de Harvard' liderados por Henderson e Mayo, durante os anos 30 e, em
resposta ao encorajamento deles, firmou seus pensamentos sobre gerência e organização em seu
famoso ensaio As funções do Executivo (1938). Este trabalho reflete as perspectivas e
orientações dominantes do Grupo de Harvard, em que está subscrito por um interesse em análise
de organizações como sistemas sociais cujas atividades podem ser entendidas com referência ao
conceito de equilíbrio. Os ensaios de Barnard representam uma das primeiras tentativas siste-
máticas de assentar as bases de uma teoria de organizações e foi extremamente influente no
pensamento subseqüente. Na verdade Perrow foi muito adiante a ponto de sugerir que 'não seria
um exagero tão grande dizer que o campo da teoria organizacional é dominado por Max Weber e
Chester Barnard, cada um apresentando modelos diferentes, e que os seguidores de Barnard
ganham em superioridade numérica' (Perrow, 1972, p. 75).
O trabalho de Barnard apresenta dois tratados: o primeiro é descrito como uma 'exposição de
uma teoria de cooperação e organização; o segundo como 'um estudo das funções e dos métodos
de operação de executivos em organizações formais' (Barnard, 1938, p. xii). o tema subjacente é
que as organizações são por natureza essencialmente sistemas cooperativos mas requerem
sensibilidade gerencial para mantê-las em estado de equilíbrio. Seu ensaio como um todo busca
estabelecer as bases de uma teoria gerencial que contribuirá para este objetivo geral.
Barnard reconhece que o desequilíbrio é um estado muito comum e que na prática mesmo a
vontade das pessoas em cooperar pode estar em dúvida. Ele então devota grande atenção à
consideração de caminhos em que se pode restaurar o equilíbrio através de apropriada gerência
executiva. Pede-se aos executivos que dêem consideração aos necessários ajustamentos em
relação ao ambiente e dentro da organização. Em relação à organização ele é solicitado a alterar
as condições de comportamento dos indivíduos, incluindo as condições de treinamento
individual, pela incucação de atitudes e pela construção de incentivos (19345, p. 15).
Embora a maior parte das secções de seu livro a teoria e estrutura das organizações formais
ha, até certo ponto, muito pouca discussão de estrutura no sentido clássico gerencial. Barnard es-
teve menos interessado em descrever hierarquias gerenciais, linhas de comando, alcances de
controle, desenhos de tarefas, etc., do que em delinear as relações entre membros individuais no
processo executivo em andamento. Barnard abordou os problemas relacionados com a motivação
individual dos membros . Para ele a teoria da organização formal estava grandemente envolvida
com a relação entre pessoas.
Barnard deu muito mais atenção que os teóricos clássicos ao papel dos indivíduos, suas
motivações e comportamentos na organização, e muito menos atenção aos problemas de
estrutura. Pelos anos 40 portanto, já era propício uma fusão das duas perspectivas e da criação de
uma teoria de organizações orientada para objetivos que tomasse em consideração fatores
humanos e estruturais. Os fundamentos de tal perspectiva se assentaram de duas maneiras bem
diferentes em Simon e Selznick.
Assim, para Simon, 'o interesse central da teoria administrativa é com o limite entre os
aspectos racionais e não-racionais do comportamento humano social. A teoria administrativa é
peculiarmente a teoria da racionalidade intencional e limitada - do comportamento de seres
humanos que se satisfazem porque não têm a sabedoria para maximizar (Simon, 1957, p. xxiv).
Simon está especificamente interessado em construir uma teoria de comportamento adminis-
trativo em torno de uma teoria de escolha humana ou tomada de decisão que seja
suficientemente ampla e realista para acomodar aspectos racionais de escolha que tenha
interessado a economistas e elementos de tomada de decisão e de comportamento que tem
interessado aos psicólogos. É uma teoria que coloca no centro de seu modelo de equilíbrio
(induzimento-contribuição) da organização e do qual ele deriva várias proposições de interesse
para o administrador.
47
March (1958) que, em essência, buscou codificar e definir o campo da teoria de organização em
termos de uma serie de proposições formais.
O modelo de Simon e March foi posteriormente desenvolvido por Cyert e March (1963) que
viram a organização como um sistema 'racionalmente adaptativo' lidando com uma variedade de
restrições internas e externas para chegar a decisões. Ele vê a firma como um sistema de
processamento de informações e de tomada de decisão que tem de lidar com vários conflitos
dentro dos limites internos e externos à organização. Ele focaliza as operações internas da firma,
desenvolve as análises de conflito de March e Simon e chega a uma perspectiva teórica que,
embora dominada pela noção de equilíbrio, tem muitos pontos de semelhança com as teorias
pluralistas de organização.
Philip Selznick (1948), como Simon, buscou desenvolver uma teoria de organização orientada
para objetivos que toma na devida consideração fatores humanos e estruturais. Contudo,
enquanto Simon focalizou organizações como entidades de tomada de decisão, Selznick
escolheu desenvolver uma visão estrutural funcionalista.
Ele começa sua análise revendo duas definições de uma organização, uma do trabalho de J.
M. Gauss e outra de Barnard. Gauss definiu a 'organização como 'um arranjo de pessoas para
facilitar a atingimento de alguns propósitos combinados através da alocação de
responsabilidades e de funções “(1936, p. 66). Barnard definiu uma organização formal como
um sistema de atividades conscientemente coordenadas ou forças de duas ou mais pessoas (1938,
p. 73). Assim, Selznick liga sua visão de organização como expressão estrutural da ação racional
e reconhece que as organizações estão longe de serem racionais em suas verdadeiras operações.
Alinhando as conclusões de Hawthorne, com as pesquisas sobre disfunções burocráticas de
Merton e com a análise dos sistemas cooperativos de Barnard, Selznick argumenta que na
medida em que se inspeciona estas estruturas formais começa-se a ver que elas nunca são bem
sucedidas na conquista das dimensões não racionais do comportamento organizacional. Este úl-
timo permanece imediatamente indispensável para a continuidade do sistema de coordenação e
ao mesmo tempo a fonte de fricção, dilema, dúvida e ruína. (Selznick, 1948, p. 25). Em outras
palavras, Selznick argumenta que embora as organizações sejam formalmente racionais, na
prática real, elas são grandemente influenciadas pelos aspectos informais e sociais da
organização. Ele argumenta que os indivíduos nunca se submetem totalmente aos ditames da
estrutura formal. Ele também argumenta que o ambiente institucional dentro do qual a
organização se encontra exerce pressão sobre a estrutura formal e social da organização. Enfim
sugere que a organização poderia ser vista como 'uma economia' e como 'uma estrutura social
adaptativa'.
Tendo integrado os aspectos formal e social, econômico e técnico, Selznick defende uma
forma estrutural funcional de análise . Ele reconhece que a análise sociológica das estruturas
formais é inadequada como um fim em si mesmo e que se requer uma teoria de organização
capaz de entender o processo adaptativo. Ele vê a análise estrutural funcional como sendo
adequada para este fim e desenvolve um modelo baseado na analogia com um organismo
biológico. Em grande medida ele segue o esquema de Parsons já descrito em que busca
identificar os 'imperativos' funcionais que servem a todas as necessidades de 'manutenção do
sistema' como um todo.
Desde a metade dos anos 50 a abordagem dos sistemas abertos se estabeleceu com um meio
popular de estudar as organizações. Para iniciar recordemos a discussão do trabalho do Instituto
Tavistock onde o conceito de sistemas sócio-técnicos foram formulados a base de um modelo
mecânico de equilíbrio (Trist e Bamforth, 1951). Em 1958 incorporou-se ao conceito uma
abordagem bem mais ampla de sistemas sócio-técnicos abertos baseados em analogias orgânicas.
A análise de Rice (1958) da pesquisa do Tavistock em uma firma têxtil Indiana deu uma clara
ilustração de que a empresa industrial é vista como um sistema sócio-técnico que deve satisfazer
as condições financeiras da industria da qual é parte. As dimensões sociais, tecnológicas e
econômicas da organização são todas vistas como independentes mas com valores próprios. Dito
de maneira mais incisiva, o argumento é de que em um sistema industrial há imperativos sociais,
tecnológicos e econômicos que devem ser satisfeitos se pretende um sistema industrial ótimo a
ser alcançado.
A análise de Rice da firma têxtil está explicitamente baseado no modelo de uma firma como
um organismo vivo que está aberto para seu ambiente. A forma é vista como mantendo-se
através da troca de materiais com o ambiente - importando capital, matérias primas,
equipamentos e suprimentos, e exportando dividendos, investimentos, sobras e produtos finais.
O estudo é guiado para a noção de 'tarefa primária'. Cada sistema ou subsistema é visto como
tendo, a qualquer tempo, uma tarefa primária - tarefa que é criada para desempenhar (Rice, 1958,
p. 32).
A organização é assim vista como um sistema unitário sob o guarda-chuva de uma tarefa
comum. o sistema social é visto como uma força positiva contribuindo para o alcance da tarefa.
A tecnologia é vista como impondo restrições sobre possíveis maneiras de organização, mas
onde é possível se fazer escolhas. A variável importante é, portanto, o desenho organizacional. A
concepção de um modo apropriado de organização do trabalho que satisfaça as demandas da tec-
nologia e as necessidades dos empregados é vista como a chave para a produção de uma
organização efetiva e harmoniosa. Este é uma visão de sistema que se baseia na filosofia de
engenharia social e que em essência busca melhorar os problemas criados pela mudança
tecnológica.
A natureza dos ambientes organizacionais também tem recebido uma grande quantidade de
atenção da equipe do Tavistock em anos recentes. Emery e Trist publicaram um artigo bem
conhecido 'A Textura Causal de Ambientes Organizacionais', em que mudaram o foco da teoria
dos sistemas abertos de um interesse específico que Dill (1958) descreveu como 'ambiente de
tarefa' para um interesse mais geral de 'apreciação' do ambiente social como um domínio quase-
independente. A turbulência do ambiente mundial como um todo e suas implicações para o
futuro passaram a ser vistos como importantes influências contextuais nas atividades da
organização. Seu interesse mais amplo por contexto levou-os a um interesse no campo da
ecologia social' (Emery e Trist, 1972). A tentativa de entender organizações como sistemas
sócio-técnicos abertos tem levado com ela um interesse em entender os padrões de vida
característicos da sociedade pós-industrial, a maneira em que estes padrões estão mudando e as
implicações que eles carregam para o entendimento e a influenciação da operação de
organizações como sistemas adaptativos complexos. Este interesse em ecologia social tem
levado a uma fusão entre a teoria dos sistemas sócio-técnicos e as teorias do 'pós-industrialismo',
que tem levado os pesquisadores envolvidos, a saírem de um interesse de base exclusiva e
estreita de teorias de organização e mudança organizacional para um interesse em teoria social e
mudança social. Suas teorizações agora refletem aquelas teorias da engenharia social operando
em uma verdadeira escala macro.
A segunda ilustração da abordagem dos sistemas abertos é tirada do trabalho de Katz e Kahn.
Seus estudo A psicologia Social das Organizações (1966) se firmou como um clássico no campo
e proporciona um dos mais citados modelos de sistemas de uma organização. Em essência ele
constitui um modelo de organização estrutural funcionalista, apresentado na terminologia e
jargão da teoria dos sistemas abertos. Sua abordagem básica ao estudo do fenômeno social é
muito na tradição de Radcliffe-Brawn, em que eles enfatizam a necessidade de ver o sistema
social mais como uma 'estruturação de eventos ou acontecimentos do que de partes físicas' e
como não tendo 'estruturas fora de seu funcionamento' (Katz e Kahn, 1966, p. 31). Eles vêem a
abordagem dos sistemas abertos como um meio de analisar o contexto social e institucional em
que as pessoas vivem, e desenvolvem um modelo de processo para entender as organizações em
termos de 'input', 'throughput' e 'output'. A análise é largamente baseada no pressuposto de que
os sistemas sociais são homeostáticos, possuindo característica de entropia negativa, feedback,
diferenciação e equifinalidade.
Dentro do contexto da abordagem dos sistemas abertos Katz e Kahn dão 5 tipos genéricos de
subsistemas:
Nos EE. UU. têm sido conduzidas numerosas pesquisas nesta linha de Aston, relacionando,
medindo e explicando as mais diversas Características organizacionais. Dentre os mais
proeminentes pesquisadores Richard Hall, Hage e Aikin e Peter Blau.
O extremamente alto grau de envolvimento com modelos e métodos das ciências naturais que
caracteriza este tipo de trabalho estabeleceu-se firmemente como uma perspectiva dominante
dentro da teoria de organização. Ele busca avançar no conhecimento e no entendimento das
organizações através de análise empírica de um mundo social reificado. Ele se baseia em uma
ontologia, epistemologia, metodologia e numa visão da natureza humana característica da região
mais objetivista do paradigma funcionalista.
A idéia de uma teoria contingencial de organização foi primeiro apresentada de uma maneira
explícita por Lawrence e Lorsch em seus livro A Organização e o Ambiente (1967), que reportou
os resultados de um estudo empírico de 10 organizações operando em uma variedade de
condições ambientais. Os autores expressam suas visíveis da organização como sistema da
maneira seguinte:
"A um nível mais geral descobrimos ser útil ver a organização como um sistema aberto em
que o comportamento dos membros estão inter-relacionados entre eles. Os comportamentos dos
membros de uma organização são também interdependentes com a organização formal, as tarefas
a serem atingidas, as personalidades de outros indivíduos, e das regras não-escritas sobre
comportamento apropriado de um membro. Sob este conceito de sistema o comportamento de
qualquer um gerente pode ser visto como determinado não somente pelas necessidades e motivos
de sua própria personalidade, mas também pela maneira como sua personalidade interage com
aquelas de seus colegas. Alem disso, esta relação entre membros da organização é também
influenciado pela natureza da tarefa a ser desempenhada, pelas relações formais, recompensas e
controles, e pelas idéias existentes dentro da organização sobre como um membro bem aceito
deveria se comportar. É importante enfatizar que todas estas determinantes de comportamento
são elas próprias inter-relacionadas. (Lawrence e Lorsch, 1967, p. 6)".
O estudo de Lawrence e Lorsch coloca ênfase na organização como um sistema que está
internamente diferenciado e que deve alcançar um adequado nível de integração se é que se
adapte às condições que encontra em seu ambiente. Com base no resultado de suas pesquisas
empíricas, os autores concluem que as organizações mais efetivas são aquelas que são bem
sucedidas em alcançar um grau de diferenciação e de integração compatíveis com as demandas
ambientais. Os resultados da pesquisa sugeriram que organizações efetivas em todos os
ambientes empregaram métodos efetivos de resolução de conflitos a fim de manter o requerido
estado de diferenciação e ainda alcançar o grau de integração requerido. (1967, p. 109-132).
Já era oportuno, portanto, uma reconciliação das minuciosas proposições da teoria gerencial
clássica e das relações humanas, que por muitos anos se colocaram em oposição uma com a
outra. A abordagem da teoria contingencial de Lawrence e Lorsch pareceu mostrar um caminho
adiante sugerindo que a propriedade dos princípios gerenciais dependem da natureza da situação
em que eles são aplicados. Ademais, outros estudos empíricos importantes geraram resultados
similares. O estudo de Woodward (1958) demonstrou que firmas comercialmente bem sucedidas
organizaram-se de maneira compatível com suas tecnologias. Burns e Stalker (1961)
demonstraram que firmas bem sucedidas adotaram uma abordagem à organização e gerência
consistentes com demandas de seus ambientes, particularmente com relação ao grau de mudança
de mercado e de tecnologia. Emery e Trist (1965), também deram atenção à importância das
demandas do ambiente sobre as organizações, e juntamente com outros colegas do Tavistock por
muito tempo argumentaram que a organização era uma variável aberta à escolha (Trist at al.,
1963). O trabalho sobre estruturas de organização conduzido nos anos 1960 pelo grupo de Aston
(Pugh at al., 1976), e Richard Hall (1972), entre muitos outros (por exemplo, Udy, 1959),
apontaram para a variedade e diversidade de formas organizacionais e dirigiram a atenção para a
necessidade de alguma forma de explicação. Fiedler (1967) desenvolveu uma teoria da
contingência da liderança. Thompson sugeriu que á função básica de administração parece ter
co-alinhamento, não meramente com pessoas (nas coalizões) mas de ação institucionalizada - de
53
tecnologia e tarefa ambiental num domínio viável, e de desenho organizacional e estrutura
apropriada com ele (Thompson, 1967, p. 157). Burns e Stalker argumentaram que 'o inicio da
sabedoria administrativa é a consciência de que não há um tipo ótimo de sistema gerencial'
(1961, p. 125). Em suma, pareceu que uma teoria contingencial era necessária para dar uma
oportunidade de reconciliar e sintetizar as conclusões emergentes dos trabalhos de um corpo di-
versificado de teóricos estudando organizações e comportamento de um ponto de vista gerencial.
Dez anos depois dos estudos de Lawrence e Lorsch constata-se que houve muito pouco
progresso na articulação de uma teoria da contingência como tal. No momento, há dentro da
teoria da organização um corpo de pesquisa representativo da 'visão contingencial' ou
'abordagem contingencial' e um conjunto organizado de proposições que, em ultima análise
endossam a visão de que não há regras universalmente válidas de organização e gerência.
2. Ela é baseada em uma visão de sistemas abertos que vê uma organização como existindo
dentro de um contexto de um ambiente mais amplo.
3. A organização e seu ambiente são vistos como estando em um estado de mútua influencia e
interdependência. Em princípio a organização é vista como representando um subsistema de um
sistema social mais amplo em que o ambiente é parte.
6. Assume-se que as relações chave entre organização e ambiente podem ser entendidas em
termos das 'necessidades' de sobrevivência da organização.
7. A organização, alinhada com o uso de uma analogia orgânica, é vista como compondo uma
serie de subsistemas interdependentes, cada um dos quais tem uma função a desempenhar dentro
do contexto da organização como um todo.
10. A teoria contingencial assume que cada um dos quatro subsistemas é aberto a um gama de
variações; enfatiza as escolhas estratégicas, escolhas tecnológicas (isto é, escolha de métodos
operacionais) e escolhas organizacional e gerencial. Também reconhece que a natureza do
subsistema humano sofre a contingência de personalidades e orientações de membros da
organização. Reconhece outrossim que cada um dos subsistemas pode refletir uma gama de
variações no interior de cada organização.
11. A variação nos ambientes e nos subsistemas organizacionais têm recebido considerável
atenção em teoria e pesquisa conduzidas dos últimos 20 anos ou mais, e parece haver um
emergente consenso de que a diferenciação destas variáveis pode ser caracterizada nos seguintes
termos:
a) o ambiente:
55
Estável e Turbulento e certo
imprevisível
Um tema comum rolando através de recentes pesquisas sobre a natureza dos ambientes
organizacionais focalizam o conceito de incerteza como uma característica preeminente para se
distinguir entre diferentes tipos de ambiente. A pesquisa de Burns e Stalker (1961), Emery e
Trist (1965), Lawrence e Lorch (1967), Thompson (1967), Terryberry (1968) e Child (1972)
dentre outros, todos eles de maneira diferente caracterizam os ambientes em termos do grau de
incerteza.
Uma das dificuldades encontradas em tentar aplicar este conceito de incerteza na análise dos
ambientes organizacionais gira em torno da definição do que constitui um ambiente particular. A
distinção entre "tarefa ambiental" (Dill, 1958) e "contexto" (Emery e Trist, 1965) é aqui
particularmente relevante. Visto do ponto de vista deste último, todas as organizações
contemporâneas estão localizadas num ambiente certo e turbulento, em que as mudanças de
tecnologia, economia, mercado, assim como social e políticas rapidamente se tornam uma norma
característica da sociedade pós industrial. Deste ponto de vista, terminou a época do ambiente
estável e certo.
b) o controle estratégico:
c) o subsistema operacional.
Como subsistema operacional define-se aqui todas as atividades - produção, vendas, pessoal,
finanças, pesquisa e desenvolvimento, que contribuem para o processo geral de transformação
com o qual a organização está envolvida. Dois conceitos básicos estão aí envolvidos: o de
'tecnologia' e o de 'tarefa operacional'. Segundo as contribuições de pesquisadores do grupo de
Aston (Hickson at all, 1969 e Charles Perrow, 1967) pode-se distinguir 3 tecnologias: a
tecnologia de operações, a de materiais e a de conhecimento.
Tecnologia de operações:
Refere-se a técnicas usadas no fluxo de atividades. Significa ter um numero de características
tais como 'automação', 'rigidez de fluxo' e exatidão de padrões contra os quais as operações
podem ser avaliadas. Outros fatores tais como 'continuidade' podem ser relevantes em certos
casos.
Tecnologia de materiais:
Este conceito, também usado por Perrow, diz respeito a características do material usado no
fluxo de trabalho, particularmente sua 'uniformidade' e 'estabilidade'.
Tecnologia de conhecimento:
Um conceito novamente usado por Perrow, que diz respeito ao conhecimento usado no fluxo
de trabalho, um fator grandemente influenciado pela predibilidade e familiaridade dos problemas
encontrados.
Todos estes três elementos de tecnologia se combinam para influenciar a natureza do cargo ou
'tarefa' dentro das organizações, e muitos escritores têm escolhido analisar o impacto da
tecnologia a este nível de papeis individuais. As características das três dimensões acima
parecem se correlacionar em termos de 'rotina' ou de 'conteúdo discricionário' do trabalho, fator
este que tem sido investigado por Jaques (1962) e Turner e Lawrence (1965), entre outros. Este
'grau de rotina' de tarefas proporciona um meio de diferenciação entre características de
subsistemas operacionais, desde aqueles dominados pela tecnologia do tipo produção em massa
que cria um tipo de baixa liberdade de ação, até aqueles mais complexos de alta liberdade de
ação, como por exemplo, muitos dos papeis de executivos, ou de trabalhos enriquecidos.
d) O subsistema humano.
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subsistema humano. A análise psicológica em termos de necessidades modifica-se então em
termos de fatores sociológicos que influenciam as atitudes no trabalho.
e) o subsistema gerencial.
Burocrático Orgânico
Autoritário Democrático
(teoria X) (teoria Y)
A estrutura da autoridade formal das organizações tem recebido uma considerável quantidade
de atenção na literatura de teoria das organizações e tem se tornado mais ou menos ortodoxa ao
comparar organizações em termos do grau de burocratização, usando o tipo de burocracia ideal
de Weber como base de análise. A distinção dada por Burns e Stalker(1961) em termos de
organizações orgânicas e mecânicas ficou também muito bem estabelecida e, como já referido
acima, as pesquisas de Woodward (1958), o grupo de Aston(Pugh at al., 1976) e Richard
Hall(1972), do mesmo modo que os trabalhos empíricos anteriormente citados veio acrescentar
substancia à noção de que de fato as organizações variam em termos de sua estrutura formal.
A hipótese de congruência garante mais elucidação, que pode ser facilmente atingida com a
ajuda da figura 5.5. A hipótese de congruência postula que uma condição necessária para a
efetividade de uma organização em atender as demandas de seu ambiente é que as relações entre
características dos sistemas sejam congruentes; postula-se que as organizações serão menos
efetivas ao lidar com as demandas quando tais relações são incongruentes. Estabeleceu-se a
hipótese de que, por exemplo, uma organização ou parte dela ao lidar com um ambiente
altamente estável e certo pode operar efetivamente quando:
Estas duas relações estabelecidas como hipóteses caracterizam as posições extremas dentro
dos modos de organização e gerência e são ilustrados na figura 5.5 pelas linhas quebradas
marcadas por A e B respectivamente. O modelo de contingência dá lugar a posições in-
termediárias com relação a natureza de ambientes organizacionais e subsistemas. Cada dimensão
poderia ser vista como um continuum ao invés de dicotomia, variando de acordo com as
características discutidas no item 11 acima.
14. O modelo de contingência, portanto, postula que o sucesso de uma organização em lidar
com as demandas de seu ambiente é contingente na apropriada diferenciação caracterizada por
uma Congruência entre elementos do subsistema e o alcance de um estado de integração
apropriado.
O modelo de contingência acima esboçado oferece uma base teórica para analisar as
organizações de um ponto de vista gerencial, e representa uma síntese de conceitos e idéias
implícitas em muitas das teorias organizacionais contemporâneas. Muitas das pesquisas
empíricas em organização durante os anos 60 e 70 têm sido informadas por vários elementos do
modelo, embora seja muito questionável se ele tem sido genuíno em relação aos fundamentos
59
ontológicos e epistemológicos em que se baseou. Temos em mente aqui a distinção entre
processo e estrutura (Cooper, 1976) a que já nos referimos anteriormente. O modelo de
contingência baseado como é na abordagem de sistemas abertos é, por natureza, processual. Os
subsistemas são vistos em termos de imperativos funcionais que interagem com o ambiente de
modo a alcançar a sobrevivência do sistema como um todo através de apropriada adaptação às
circunstâncias ambientais. Este processo sistêmico expressa-se de maneira parcial e transitória
através de varias características estruturais tais como 'tecnologia' e 'grau de burocratização'. É
destas manifestações estruturais temporárias de um processo mais fundamental e contínuo que os
pesquisadores organizacionais tendem a costurar para o propósito de pesquisa empírica. A
organização é freqüentemente equiparada com estas características estruturais, enquanto os
aspectos de processo do sistema são ignorados. Muito da pesquisa que tem sido conduzida sob a
noção da abordagem contingencial tem sido desta natureza e como tal coloca-se como uma
forma abstrata de empirismo. A incongruência entre teoria e método que isto reflete é um
problema fundamental que em geral os teóricos dos sistemas sociais se deparam. A natureza
processual do sistema não o leva a um estudo significativo pelo uso de tomadas instantâneas de
quantitativos de estruturas sociais objetificadas. Os teóricos de sistemas sociais que desejam
operacionalizar a teoria da contingência certamente se deparam com muitos problemas reais,
onde se necessita de uma nova metodologia que seja consistente ontológica e epistemolo-
gicamente com uma genuína abordagem de sistemas abertos.
Um terceiro ponto de alguma importância surge do fato de que o papel da 'escolha' chama a
atenção para o assunto de poder como uma variável organizacional que tem sido virtualmente
ignorado na teoria de sistemas sociais. Um modelo orgânico de sistemas enfatiza a unidade
funcional das partes do sistema, e vê a organização como sendo guiada para alcançar os estados
finais compartilhado por todo o sistema. Imperativos funcionais e propósitos de unidade tendem
a dominar a análise. Embora o modelo de contingência identifique o poder como uma variável,
ele não lhe faz referência de nenhuma maneira específica. Para fazê-lo de uma maneira
significativa envolve uma mudança em perspectiva nos limites da teoria de sistemas sociais.
Concluímos nossa análise de teoria de sistema social com uma breve discussão do movimento
de qualidade de vida no trabalho que tomou proeminência durante os anos 70. Em essência o
movimento busca aplicar os insights da teoria dos sistemas abertos , particularmente através das
noções de sistemas sócio-técnicos abertos e da teoria do desenho do cargo, aos problemas que
seus seguidores vêem como característicos das sociedades pós-industriais. Ele é baseado numa
filosofia de engenharia social de construção gradual que busca resolver os problemas colocados
pela transição da sociedade industrial para a pós-industrial. As perspectivas chaves são bem
ilustradas nos recentes volumes editados por Davis e Cherns (1975). Os autores argumentam que
a uma crescente crise que coloca em questão a viabilidade das atuais relações entre trabalho,
produção econômica, homem e sociedade, e a habilidade das organizações se adaptarem
rapidamente às mudanças do ambiente. A solução para estes problemas tem sido vistos como a
criação de uma melhoria na qualidade de vida no trabalho em tudo que é produtivo na sociedade,
particularmente em encarar a transição para a era pós-industrial, se queremos desenvolver
políticas sociais úteis e enxergar respostas aos problemas.(Davis and Chern, 1975, p.5). Eles
argumentam que a chave para o problema gira em torno da 'humanização do trabalho' que longe
de impor custos econômicos, produz ganhos sociais, pessoais e econômicos.
61
Selznick se destaca pelo seu famoso estudo empírico 'TVA and the Grass Roots em que estuda
o processo administrativo tanto dentro da organização como em suas relações com seu ambiente.
Mais especificamente, ele mostra como a delegação de autoridade leva a especialização dentro
de esferas de atividades limitadas e a orientação de grupos de indivíduos à vários sub-objetivos
associados com estes interesses especializados.
Embora a ação como quadro de referência foi primeiro articulado por Weber, o
interacionismo simbólico é o grande produto das perspectivas teóricas de Simmel e Mead. O
interacionismo simbólico teve relativamente pouco impacto na teoria das organizações. Simi-
larmente, a ação como quadro de referência tem sido raramente conceituada e implementada em
sua forma pura como visualizada por Weber.
Goffman está também interessado em, mostrar como as pessoas se relacionam com as regras,
tanto conformando-as como adaptando-as a seus propósitos. Os papeis e os padrões
institucionais não são vistos como determinantes do comportamento do indivíduo em nenhum
sentido; ao contrário, eles fornecem um quadro de referência dentro do qual o processo de vida
social acontece. Ontologicamente, na tradição do interacionismo simbólico comportamental, a
sociedade é vista como sendo anterior ao 'self', porem ao indivíduo é concedido um papel
criativo na produção do 'self', ou no mínimo a impressão do 'self' criado como um resultado de
gerência de desempenho.
Um terceiro exemplo de teoria e pesquisa nesta área vem dos membros da Escola de Chicago
que têm se interessado na sociologia ocupacional. Dentre eles Everett Hughes (1958) é o mais
proeminente. O trabalho de Hughes e seus liderados se caracteriza por uma tentativa de penetrar
no nível de significado subjetivo numa exploração de papeis de ocupação. Eles estavam
interessados em estudar o que o trabalho significa para o indivíduo, e o que isto tem a ver com as
atitudes e relacionamentos dentro do local de trabalho. Estes teóricos tendem a iniciar com o
indivíduo e a partir dele construir seu mundo organizacional. Tomados em conjunto estes
estudos construíram um retrato da experiência de trabalho nas sociedades contemporâneas, da
63
maneira como foi vista pelos próprios trabalhadores ao invés de um observador 'destacado'. A
abordagem se apóia grandemente em considerações etnográficas e em técnicas de observação
participante, e tende a focalizar processos invés de estruturas estáticas como meio de caracterizar
os principais aspectos do mundo do trabalho e do dia a dia.
O mais proeminente advogado da ação como quadro de referência como base de analise
organizacional tem sido David Silverman. Na verdade, foi ele que no livro A Teoria de
Organizações (1970) criou uma alternativa à teoria dos sistemas. Ele sugere que a abordagem
dos sistemas, como aplicado às Organizações, tem 'dificuldades lógicas severas' particularmente
em seu pressuposto de que as Organizações como sistemas têm 'necessidades' ou são 'auto-
reguladas'. Ao atribuir tais características a organização, exceto como instrumento heurístico,
envolve o problema de 'reificação', um processo por meio do qual se confere aos construtos
sociais o poder de pensar e agir. Ele argumenta que as explicações de mudança social a um nível
sistêmico usualmente envolve estes problemas de reificação, uma vez que se dá atenção às ações
intencionais do sistema, que é visto como reconhecendo ameaças a sua existência e como se
adaptando adequadamente. A visão sistêmica de organizações é portanto visto como sendo
erigido a um nível de análise que não leva em conta, ou não proporciona explicações em termos
das ações dos seres humanos que são seus membros constituintes. Opondo-se a esta visão de
sistemas, Silverman argumenta que os cientistas sociais deveriam construir suas teorias sobre
fundações que percebem a realidade social como socialmente construída, socialmente sustentada
e socialmente mudada. Em outras palavras, Silverman deseja colocar o homem como um ator
social no centro do palco, na medida em que se pretenda analisar as organizações como
fenômeno social. Ao reconhecer o fato de que a vida social é um processo em andamento,
sustentada e 'realizada' pelos atores sociais, ele advoga a ação como quadro de referência como
dando uma base de análise apropriada.
3. Os significados são dados aos homens por sua sociedade. Orientações compartilhadas
tornam-se institucionalizadas e são experimentadas por generalizações posteriores de fatos
sociais.
4. Enquanto a sociedade define o homem, o homem por seu turno define a sociedade.
constelações particulares de significados são somente sustentadas por reafirmações contínuas na
ação do dia a dia.
7. Explicações positivistas, quando asseveram que a ação é determinada por forças sociais ou
não-sociais externas e repressoras, são inadmissíveis. (Silverman, 1970, p. 126-7).
Como se pode ver Silverman apóia-se em Dilthey, Weber e Schutz. De Weber ele tira o
conceito de que a 'ação social deriva do significado que é atribuído ao mundo social pelos atores
individuais'. Em outras palavras, a ação dos homens é significativa para eles. Eles constroem seu
mundo social atribuindo significado a ele. As ações surgem dos significados, de modo que é
necessário entender as atividades humanas ao nível dos significados subjetivos.
Em outro ponto ele adota uma posição ontologicamente 'realista' em que a sociedade é vista
como sendo anterior ao homem. Neste particular ele segue Durkheim que vê os homens como
restringido por fatos sociais que determinam suas ações e sua consciência. Nesta linha,
Silverman sugere que os significados residem nas instituições sociais e que os indivíduos
desempenham papeis que lhe são dados como resultado de sua localização no mapa social.
Embora Silverman adote uma posição indubitavelmente 'realista' ele também assume uma
posição 'nominalista' ao enfatizar que os atores individuais podem operar de acordo com a crença
do 'senso comum' que o mundo social existe fora deles e que, na verdade, esta noção de senso
comum somente se mantem na medida em que é sustentada e reforçada pelas ações do dia a dia
dos atores diretamente envolvidos em uma dada situação social. Em sua palavras 'a existência da
sociedade depende dela ser continuamente confirmada nas ações de seus membros'(1970, p.
134). Seguindo Berger e Pullberg (1966) ele afirma que a estrutura social 'não tem realidade
exceto a humana. Ela não pode ser caracterizada como sendo uma coisa capaz de permanecer por
ela própria...(e) existe somente na medidas em que e enquanto os seres humanos constatam-na
como parte de seus mundos'. Ele finalmente, argumenta que atribuir a sociedade uma existência
separada e acima de seus membros é reificá-la.
Ao enfatizar o meio pelo qual os indivíduos têm a habilidade de interpretar e atribuir
significado a seu mundo social, Silverman em verdade dirige a atenção para a natureza
'voluntarista' das atividades humanas, quando afirma, por exemplo, que 'através de sua interação
os homens...modificam, trocam e transformam os significados sociais'.
Ao elaborar seu esquema de ação Silverman apresenta uma visão do mundo social que
enfatiza a natureza processual dos afazeres humanos. É um mundo onde os atores humanos
interpretam a situação em que se encontram e agem de maneira em que seja significativo para
eles. A realidade social é então vista como sendo um processo de fluxo contínuo, como os seres
humanos interpretam e redefinem, através de suas ações, o mundo social em que vivem.
Teoria Pluralista
A questão de poder e conflito dentro das organizações de há muito tem atraído a atenção dos
teóricos de organização mas raramente têm recebido consideração sistemática e sustentada.
Tentamos aqui argumentar que muitas das idéias e pesquisas encontradas com este interesse tem
apontado na direção e gerado antecipado desenvolvimento de uma teoria pluralista de
organizações característica do conflito funcionalista discutido no Capítulo 4. Tomados em
conjunto, eles assentam as bases para análise das organizações como sistemas políticos
pluralistas - de acordo com os quais as organizações e seus ambientes são vistos principalmente
como arenas de conflito entre os indivíduos e os grupos cujas atividades são orientadas para a
consecução de seus objetivos, valores e interesses pessoais. Muitas das teorias de organizações
correntes contêm elementos deste ponto de vista, mas ficam distantes de uma teoria pluralista
completamente desenvolvida. O poder e o conflito são freqüentemente estudados como
65
fenômenos isolados ou usados como conceitos em esquemas guiados para fins mais amplos. Eles
são raramente vistos como definidores da natureza da própria organização.
Como Eldridge e Crombie (1974) chamaram atenção,
6. SOCIOLOGIA INTERPRETATIVA
Como H. Stuart Hughes tão claramente argumentou, o período de 1890-1930 foi uma época
de considerável fermentação intelectual caracterizada pela preocupação com os aspectos
subjetivos da investigação científica. As maiores figuras intelectuais dos anos 1890 "estavam
obcecadas, quase intoxicadas, com a redescoberta do não-lógico, do não civilizado, do
inexplicável" (H.S. Hughes, 1958, p.. 35). Este interesse pelo subjetivo e pelo irracional estava
refletido no trabalho de escritores tão amplamente diversos com Freud, Weber e Husserl, cada
um dos quais respondendo de seu próprio modo distintivo.1 Além de focar a atenção sobre a
natureza essencialmente problemática e complexa da experiência e do comportamento humano,
o trabalho dessa geração de teóricos voltou-se para os problemas básicos de epistemologia
identificados por Kant, que confrontou ambas as ciências natural e social. A posição positivista
foi crescentemente vista como insatisfatória e problemática ao menos em dois aspectos.
Primeiro, dentro das ciências naturais (Naturwissenschften) tornou-se claro que os valores
humanos se introduziam no processo da investigação científica. Era evidente que o método
científico não poderia ser mais considerado como isento de valor; o quadro de referência do
observador científico era visto cada vez mais como uma força ativa que determinava a maneira
67
pela qual o conhecimento científico era obtido. Dentro do domínio das ciências culturais
(Gesteswissenchaften) um segundo conjunto de dificuldades foi visto como surgindo, depois que
seus temas principais foram distinguidos por seu caráter essencialmente espiritual. Constatou-se
que o homem como um ator não poderia ser estudado pelos métodos das ciências naturais, com
seus interesses em estabelecer leis gerais. Na esfera cultural, sustentou-se que o homem 'não
estava sujeito a leis no sentido físico, mas que era livre. Uma apreensão intelectual de sua vida
e ação poderia ser atingidas somente pelos métodos filosóficos , especialmente por um processo
de intuição das totalidades (Gestalten) tornando-se assim ilegítimo examiná-la através da análise
"atomística". (Parsons, 1949; p..475. Como resultado desta desilusão com o positivismo
sociológico, o idealismo tomou um novo ânimo de vida. Em resumo, houve uma distinta
mudança de foco de atenção intelectual ao longo da dimensão subjetiva-objetiva de nosso
esquema analítico, que envolveu certos teóricos na clarificação dos fundamentos intelectuais do
que descrevemos como o paradigma interpretativo.
Entre os teóricos que contribuíram para estes fundamentos intelectuais, podemos identificar
Wilhelm Dilthey, Max Weber e Edmund Husserl como tendo sido particularmente influentes. De
maneiras fundamentalmente distintas eles fizeram mais que definir a natureza e questões que
mereceram a atenção da sociologia interpretativa durante o século vinte.
Desejamos colocar ênfase aqui na palavra método desde que, como conceituada por Dilthey e
depois por Weber, este foi seu status essencial. O verstehen foi visto como um método que
poderia ser usado nas ciências culturais para produzir o conhecimento científico de uma
objetividade comparável àquela obtida nas ciências naturais. A noção de verstehen proporcionou
um meio de estudar o mundo dos afazeres humanos revivendo e reencenando a experiência dos
outros. Como veremos, a visão de Dilthey do verstehen tem tido uma influência importante,
direta e formativa sobre a escola hermenêutica de pensamento que discutiremos mais a frente
neste capítulo. Em termos mais gerais, sua filosofia social teve uma marcante mas indireta
influência sobre o desenvolvimento do muitos outros elementos do pensamento característico do
paradigma interpretativo. De fato, a noção de "entendimento" de uma forma ou outra é uma ca-
racterística definidora de todas as teorias situadas dentro deste paradigma.
Esta definição claramente define a tentativa de fusão das perspectivas idealista e positivista.
Ele adere ao interesse positivista de prover explicações causais dos fenômenos sociais mas in-
siste que tais explicações devem ser reduzidas ao nível do indivíduo. Como Schutz observa,
Weber reduz todas as espécies de relações e estruturas sociais, todas as objetificações culturais,
todos os domínios da mente objetiva, às formas mais elementares de comportamento individual'
(Schutz, 1967, p. 6). Sua visão de sociologia é portanto, aquela que está interessada em
proporcionar explicações causais dos fenômenos sociais ao mesmo tempo em que evitar as arma-
dilhas de reificação. Ele está interessado em construir uma ciência objetiva de sociologia
assentada sobre os fundamentos de significados subjetivos e de ação individual.
Nesta tarefa a noção weberiana de 'tipo ideal' desempenha uma parte central.6 Na verdade,
Weber insiste que a objetividade nas ciências sociais somente pode se tornar possível através do
uso de tipos ideais, que permitem ordenar os elementos da realidade. Através do uso destes
construtos Weber tenta reconciliar o método do verstehen com a necessidade de desenvolver
uma ciência social objetiva. Os tipos ideais incorporam o 'espírito' que caracteriza fenômenos
individuais num todo mais amplamente generalizado. Em certos aspectos importantes,
entretanto, o método da verstehen é assimilado em um esquema tipológico de análise que
proporciona um meio de ordenar e explicar a ação humana.
Weber pode ser visto como um 'sociólogo da regulação', no aspecto de que uma de suas
preocupações centrais era proporcionar uma análise completa da ordem social. Nisto a noção de
racionalidade correspondia ao papel central. Se ele pode ou não ser descrito de maneira mais
apropriada como um positivista ao invés de um idealista sem dúvida continuará a ser objeto de
debate.7 Até onde diz respeito os quatro elementos da dimensão subjetiva-objetiva de nosso
esquema analítico, ele parece ocupar uma posição intermediária e um tanto incongruente. Em
termos de metodologia, sua perspectiva interpretativa sugere uma posição no limite do
paradigma interpretativo, juntamente com a hermenêutica de Dilthey. Sua posição com relação à
ontologia, à epistemologia e à natureza humana mostra ser mais objetivista. Para Weber, a
realidade objetiva do mundo social não é uma questão central. O importante é a maneira pela
qual esta realidade é interpretada pelos atores humanos. Nisto sua posição é diretamente similar
à perspectiva teórica que descrevemos como interação simbólica behaviorista dentro contexto
do paradigma funcionalista. Como sugerimos, a teoria e a pesquisa, que se baseiam no quadro de
referência da ação, que deriva mais ou menos diretamente das explorações de Weber em
metodologia, esta mais apropriadamente situada aí, e parece que uma situação similar pode ser
vista em relação a muitos outros trabalhos de Weber.
A fenomenologia é uma filosofia sem pressupostos que toma a consciência de ser a matriz de
todos os fenômenos, considera os fenômenos como objetos de atos intencionais e os trata como
essências, exige seu próprio método, preocupa-se com a experiência pré-predicativa, oferece ela
própria como fundamento da ciência, e inclui uma filosofia do mundo da vida, uma defesa da
Razão, e finalmente uma crítica à filosofia. (Natanson, 1975 b, p.19)
A fenomenologia husserliana está baseada em um questiona-mento fundamental do senso-
comum, de atitudes "tomadas como verdadeiras" que caracterizam a vida cotidiana e os
domínios da ciência natural. Como Natanson sugeriu, 'o objetivo central da fenomenologia é
transcender (o que Husserl chama de) a atitude natural da vida cotidiana de maneira a que se
torne um objeto para investigação filosófica e de modo que descreva e leve em conta sua
estrutura essencial' (Natanson, 1966, p.3). A visão que há um mundo objetivo externo que existe
no espaço e no tempo e é real para todos os homens está sujeito à completo escrutínio. As
pressuposições da ciência ficam reduzidas a compromissos metafísicos implícitos. No processo o
mundo externo se mostra ser um artefato da consciência; os fenômenos são mostrados como
sendo legados à existência através de atos intencionais. O homem é mostrado viver em um
mundo criado através da consciência.
Interessante bastante é que Husserl, como Weber, começaram a articular sua posição
intelectual distintiva como resultado de sua insatisfação com a ciência convencional. Ele
começou sua carreira acadêmica como matemático e físico mas posteriormente tornou-se
preocupado com o que considerava como defeitos em seus fundamentos essenciais.8 Estava
passionalmente envolvido com o ideal de uma 'ciência rigorosa' e procurava por respostas na
filosofia e na lógica que ele via como problemas fundamentais. Desapontado com o que
encontrou, seu desejo de penetrar nas origens da ciência o levou a uma crescente posição
subjetivista, e à conclusão de que a filosofia exigia uma reorganização fenomenológica que
'ajudasse até mesmo o cientista objetivo no esclarecimento e crítica de seus conceitos
fundamentais não esclarecidos e suposições'. (Spiegelberg, 1965, p.79).
Como Weber, Husserl estava altamente insatisfeito com a ciência positivista, com seu estudo
não-crítico de meros fatos e sua inabilidade de dominar problemas de verdade última e de
validade. Contudo, enquanto Weber estava envolvido com o refinamento da metodologia e
encaminhava-se ao que ele via como problemas fundamentais da ciência social, Husserl viajava
em outra direção. Voltando-se para os problemas fundamentais de ontologia, epistemologia e
71
metodologia, ele embarcou numa jornada intelectual assumindo uma forma radicalmente
subjetivista da fenomenologia transcendental. Ao fazê-lo ele estabelece os fundamentos para
uma nova exploração na região mais extremamente subjetivista do paradigma interpretativo.
A Estrutura do Paradigma.
Enquanto suas raízes intelectuais podem ser rastreadas retrospectivamente aos trabalhos dos
primeiros idealistas alemães, o paradigma interpretativo foi mais decisivamente elaborador e
influenciado pelos trabalhos de Dilthey, Husserl e Weber. Na maior parte, portanto, ele pode ser
considerado como um fenômeno do século vinte.
Hermenêutica.
Dilthey argumentava que um dos primeiros caminho para a verstehen era através do estudo de
afirmações empírica da vida - instituições, situações históricas, linguagem, etc. - que refletiam a
vida interior de seus criadores. O estudo destas criações sociais era visto como o principal
caminho para um entendimento do mundo da mente objetiva. O método era a hermenêutica.
Como ele coloca:
Dilthey distinguiu a hermenêutica como um método disciplina chave das ciências humanas.
Ele advogava que os fenômenos sociais de todos os tipos poderiam ser analisados em detalhes e
interpretados como textos, para revelar seu significado essencial e sua significação. O método
hermenêutico, portanto, envolveu cientistas humanos adotando o estilos da análise literária
diferentemente dos cientistas naturais. A análise textual do significado e da significação, foi
considerada mais apropriada que a investigação científica para o conhecimento de leis gerais.
Dilthey estava interessado que as regras básicas da hermenêutica pudessem ser definidas, de
maneira que os insights dos intérpretes de genialidade rara pudessem ser utilizados pelos outros.
73
as regras metodológicas da hermenêutica eram vistas movimentar um estilo circular e interativo
que se dirigia para uma crescente entendimento das objetificações da mente.
Em anos recentes a tradição hermenêutica tem assumido uma nova linha de desenvolvimento
particularmente através do trabalho de Gadamer (1965)11. Ele argumenta que o circulo de
entendimento, como imaginado, por exemplo, por Dilthey, não é um círculo 'metodológico', mas
descreve um elemento estrutural ontológico no entendimento. Tomando a descrição de
Heidegger e a medida existencial do círculo hermenêutico como um ponto de partida, ele argu-
menta que não podemos relacionar, por exemplo, a uma tradição histórica como se ela existisse
como um objeto separado de nós, desde que não há uma interação entre o movimento da tradição
e do intérprete. De maneira que compreender os fenômenos sociais ou culturais, o observador
deve entrar em um diálogo com o assunto em estudo. Como Giddens coloca:
Compreender um texto de um período bem antes de nós, por exemplo, ou de uma cultura bem
diferente da nossa é, de acordo com Gadamer, um processo essencialmente criativo em que o
observador, ao penetrar num modo de existências alienígena recomendando ao nosso próprio,
por exemplo de uma cultura muito diferente e nossa própria é, de acordo com Gadamer,
essencialmente um compromisso criativo no qual o observador através da penetração e um modo
de existência estranho, enriquece seu próprio auto-conhecimento sobre os outros. Verstehen
consiste, em não se colocar 'dentro' da experiência subjetiva do autor de um texto, mas na
compreensão da arte literária através do apreensão, para usar o termo de Wittgenstein, a 'forma
da vida' que lhe dá significado. (Giddens, 1976, p. 56).
Com Gadamer, o Verstehen não está tão preocupado em revelar ou penetrar nas experiências
subjetivas dos outros como era para Dilthey. Está mais preocupado com a apreciação do
intercâmbio de quadros de referência do observador e do observado. Neste processo o papel da
linguagem é dado como um papel central 'como o meio de intersubjetividade e como expressão
concreta das formas de vida', ou aquilo que Gadamer chama de 'tradições'. (Giddens, 1976, p..
56). A linguagem é o mediador entre os quadros de referência ou tradições, e é portanto central
para o processo de compreensão.
Solipsismo.
O solipsismo representa a mais extrema forma de idealismo subjetivo, visto que nega que o
mundo tenha qualquer realidade distinta independente. Para o solipsista, o mundo é a criação de
sua mente. Ontologicamente, este não tem existência além das sensações que ele percebe em sua
mente e corpo.13
A visão solipsista está mais freqüentemente associada com o trabalho do clérigo irlandês
Bispo Berkeley (1685-1753), embora na realidade ele mesmo não tinha aderido a tal ponto de
vista extremo14. Berkeley questionava a crença do senso comum de que o homem está cercado
por objetos externos tais como árvores, montanhas, mesas, rios, cadeiras, etc., e sugeria que eles
poderiam ser meramente os produtos de nossa percepção. Ele argumentava que estes objetos
poderiam não ter nenhuma existência separada, não sendo mais do que nossas idéias. Eles só
poderiam existir em nossa mente. O que queremos significar quando dizemos que uma coisa
existe é que ela é percebida. Um objeto não pode ter nenhuma existência além desta percepção
ideal.
A perspectiva solipsista freqüentemente atrai desdém e ridículo por parte daqueles que
desejam continuar a aprová-la como uma visão do senso comum de um mundo cotidiano com
uma realidade externa sólida e segura. Contudo, o argumento de Berkeley é freqüentemente
equivalente a um desafio não facilmente refutado. Boswell relata como o contemporâneo de
Berkeley, Dr. Johnson, chutou uma pedra nas proximidades dizendo "portanto eu a refuto".
(Boswell, 1953, p.333). A experiência de Dr. Johnson, contudo, nos termos de Berkeley, era
reduzível à percepção de dor e às sensações corporais que Johnson pode ter localizado em seu
dedo do pé. A refutação tentada está portanto de acordo com a tese de Berkeley de que o mundo
não é mais do que aquilo que percebemos ser.15
Fenomenologia.
75
Como já observamos, o movimento fenomenológico não é algo completamente coerente, visto
que reflete um grande número de linhas de desenvolvimento. Tomando o trabalho de Husserl
como um ponto de partida, este se bifurca em outras direções de acordo a perspectiva de seu
interprete particular. Escritores tais como Scheller, Heidegger, Schutz, Sartre e Marleau-Ponty
todos eles fizeram significantes e distintivas contribuições em direção a seu desenvolvimento
global.15
Discutiremos aqui a fenomenologia sob dois grandes títulos. Primeiro, dedicaremos atenção
ao que se conhece como fenomenologia 'transcendental' ou 'pura' que vem freqüentemente
associada ao trabalho de Husserl. Segundo, consideraremos um derivado desta, a fenomenologia
'existencial', particularmente como mostrada no trabalho Schutz.
Fenomenologia Transcendental
Recordemos que Husserl era um matemático e físico, que cedo em sua carreira, tornou-se
interessado no que ele considerava como os precários fundamentos da lógica e da ciência. Era
característico do homem que ele decidisse investigar a origem destes fundamentos. Então ao
fazer isso ele embarcou em um trabalho de vida em que ele estava preocupado com o problema
dos fundamentos.
Uma de suas primeiras observações foi que a ciência era caracterizada pela
"intencionalidade". Apesar do fato de que os resultados da ciência eram sempre aproximados e
imperfeitos, o cientista era guiado pela intenção de objetividade absoluta. Era este objetivo da
ciência, esta idéia de ciência, ao invés de seus resultados, o que era importante ao distingui-la
como uma disciplina digna de seu nome.
Em sua busca pelos fundamentos objetivos da ciência, Husserl tentou tornar accessível uma
nova direção na análise da consciência. Trazendo uma mentalidade matemática ao assunto, ele se
contentou com a manipulação das essências ideais. Ao invés de se preocupar com as realidades
factuais ou com a formulação de hipóteses, ele se orientou para a questão central do significado.
Ele colocou de lado a realidade (ou em seus termos, 'em parênteses') e procurou penetrar no nível
do fenômeno. Em outras palavras, ele procurou praticar fenomenologia. Como Thévenaz coloca:
Tal é a natureza do fenômeno que Husserl perseguia. Em sua busca da origem dos
fundamentos da lógica e as ciências e evidentemente de toda a filosofia, Husserl começou a
desenvolver sua análise fenomenológica. Em sua investigação ele rapidamente constatou que a
análise fenomenológica tinha que ir além da descrição superficial da aparência ou da intuição.
Com Husserl, o conhecimento, que no pensamento comum pré-filosófico é a coisa mais natural
do mundo, assume o status de um 'mistério'. A investigação era para a principal e absoluta
evidência que, como o fenômeno, era completa, claramente estabelecida e não necessitava de
nada de fora de si mesma para lhe dar forma.
Nesta tentativa o método da époche, o qual já nos referimos, deveria desempenhar um papel
central, abrindo o caminho para a 'redução fenomenológica' e para um novo e fundamental nível
de significado - o campo transcendental. Nesta filosofia transcendental Husserl tenta apreender 'o
mundo como fenômeno'- apreendê-lo não como objeto, mas como puro significado . O propósito
fundamental, original e essencial da redução é 'levar luz ao contexto intencional essencial entre
consciência e o mundo' (Thíveraz, 1962, p.47).
Este era um problema que preocupou grandemente Husserl durante seus últimos anos, e ele
lutou arduamente para encontrar uma maneira de se livrar deste dilema solipsista,
particularmente através da noção da "intersubjetividade". Ele procurou 'mostrar como o ego
transcendental constitui outros egos como parceiros iguais em uma comunidade intersubjetiva;
que por sua vez forma os fundamentos para o mundo "objetivo" (isto é, o mundo intersubjetivo).
Seus argumentos nesta direção não foram inteiramente convincentes, dado que os aspectos
transcendentais de sua filosofia deveriam ser mantidos intactos mas, como veremos, eles
colocaram importantes fundações para o desenvolvimento da fenomenologia "existencial", par-
ticularmente como a desenvolvida por Schutz. Muitos dos seguidores de Husserl estavam
satisfeitos em habitar o mundo vivido da experiência17. Eles não estavam preparados para seguir
o caminho em direção transcendentalismo e em grande parte abandonaram este aspecto da
filosofia de Husserl. Até onde diz respeito ao paradigma interpretativo, a fenomenologia
transcendental tem sido o assunto de desenvolvimento pouco recente. Ocupando uma posição em
direção do extremo subjetivista do paradigma, seu principal significado tem sido portanto o de
um trampolim ou no mínimo um ponto de partida, para ramos da fenomenologia menos
subjetivamente orientados. Discutiremos as mais importantes destes ramos na próxima seção.
Bastante interesse é que as noções transcendentais de Husserl até certo ponto foram adotadas
pelos teóricos operando dentro de uma perspectiva característica do paradigma humanista
radical. A transcendência, do ponto de vista deles, tem sido vista como indicando um potencial
77
para libertá-los dos grilhões da vida cotidiana. O trabalho de Sartre, em particular, reflete a
influência direta de Husserl, e voltaremos a uma discussão dele em capítulo posterior.
Fenomenologia Existencial.
O trabalho de Alfred Schutz (1899-1959) pode ser caracterizado como um esforço sustentado
para relacionar a idéia de fenomenologia com os problemas de sociologia . Na essência, esta
procura ligar as perspectivas de Weber e Husserl, incluindo também a filosofia de Bergson.
Schutz também argumenta que este processo de atribuir significado através da reflexão
depende do ator identificar o propósito ou objetivo que ele está supostamente procurando. Isto
introduz a noção de ser capaz de atribuir significado, de antemão, para as experiências futuras. O
conceito da ação significativa portanto contém elementos tanto do passado como do futuro
antecipado; intrinsecamente ele contem uma dimensão temporal. A análise de Schutz deste
'processo de constituição da consciência interna do tempo' é uma aplicação direta da 'redução
fenomenológica' como descrita por Husserl. A atitude natural na direção do "mundo que me é
dado como estando lá fora" fica suspensa na maneira da époche, na tentativa de penetrar na
essência da consciência e do significado. Embora apropriada para o propósito acima, Schutz
reconhece especificamente que a análise do significado da vida social cotidiana não requer o
conhecimento transcendental produzido pela redução fenomenológica. Na medida em que
prossegue no estudo do mundo social, portanto, ele abandona o método estritamente
fenomenológico. Ele aceita a existência do mundo social como apresentado na atitude natural e
focaliza o problema do entendimento intersubjetivo 'passando por cima de todo um conjunto de
problemas' identificado por Husserl em relação à questão da subjetividade transcendental e à
intersubjetividade'(Schutz, 1967, pp.94).
Para Schutz, o processo de compreender a conduta dos outros pode ser entendida como um
processo de tipificação, por meio do qual o ator aplica construtos interpretativos semelhantes aos
"tipos ideais" para apreender os significados do que as pessoas fazem. Estes construtos são
derivados da experiência da vida cotidiana e do estoque do conhecimento ou compreensão do
senso-comum que contem a atitude natural. É através do uso de tipificações que classificamos e
organizamos nossa realidade cotidiana. As tipificações são aprendidas através de nossa situação
biográfica. Elas são transmitidas a nós de acordo com nosso contexto social. O conhecimento da
vida cotidiana é portanto socialmente orientado. A noção de tipificação ou de tipos ideais não é
portanto meramente um aparelho metodológico como concebido por Weber, mas uma caracte-
rística inerente do nosso mundo cotidiano.19
Schutz argumenta que o estoque de conhecimento que usamos para tipificar as ações dos
outros e compreender o mundo em torno de nós varia de contexto para contexto. Vivemos num
mundo de "múltiplas realidades" cada uma das quais é definida em termos das "finitas regiões do
significado". O ator social muda entre estas regiões de significado no curso de sua vida
cotidiana. Como ele muda do mundo do trabalho para aquele do lar e do lazer ou para o mundo
da experiência religiosa, diferentes regras fundamentais (ground rules) são trazidas à cena.
Enquanto isto acontece dentro da competência normal da ação individual para mudar de uma
esfera para outra, para fazê-lo há necessidade de um "salto da consciência" para vencer as
diferenças entre os diferentes mundos.20
Assim Schutz tenta ligar a fenomenologia e a sociologia em uma análise do mundo dos
afazeres cotidianos. Sua tentativa, embora geradora de muitas luzes, é só parcialmente bem
sucedida. Os elos substantivos com a filosofia transcendental de Husserl são as vezes muito
tênues, particularmente com relação à questão da intersubjetividade. Esta noção é crucial para a
análise de Schutz, ainda que extremamente problemática dentro do contexto da fenomenologia
transcendental, por razões que já discutimos. O mundo interior da consciência intencional e as
manifestações exteriores do mundo da vida cotidiana são às vezes companheiros incômodos. O
empreendimento fenomenológico de per si encontra sérias dificuldades na tentativa de lidar com
qualquer realidade fora da consciência individual e o trabalho de Schutz refle-te este dilema.
Julgada do ponto de vista de seu outro principal ponto de partida intelectual - o trabalho
teórico de Max Weber - a fenomenologia de Schutz do mundo social deve ser considerada um
grande avanço na teoria social. Em essência, Schutz persegue as suposições ontológicas
implícitas na metodologia de Weber e desenvolve uma abordagem global que reflete uma
posição consistente e coerente em termos dos quatro elementos da dimensão subjetiva-objetiva
de nosso esquema analítico. Schutz demonstra que as noções de significado subjetivo,
entendimento e ação social tem ramificações mais amplas do que aquelas mostradas no trabalho
de Weber. Em comparação com Schutz, a posição de Weber no contexto do paradigma
funcionalista em oposição do paradigma interpretativo torna-se claramente evidente.
Sociologia Fenomenológica.
Etnometodologia.
O termo "etnometodologia" foi inventado por Harold Garfinkel como resultado de seu
trabalho sobre um 'projeto de júri' (Garfinkel, 1968). Os procedimentos de um júri tinham sido
importunados. O trabalho que Garfinkel consistiu em escutar as fitas, conversar com os jurados
e considerar a questão geral de "O que os torna jurados?" Garfinkel e um colega estavam
interessados em estabelecer "como os jurados sabiam que eles estavam executando o trabalho de
jurados". Eles reconheceram que os jurados, ao empreender seus trabalhos, foram adotando
vários métodos para produzir suas atividades que fossem válidas para eles mesmos e para os
outros. Eles estavam engajados num processo de "dar sentido" à prática do trabalho do júri. Eles
estavam preocupados com tais coisas como "avaliações adequadas", descrições adequadas" e
"evidências adequadas". Eles procuraram evitar o senso-comum", buscando agir de maneira
como imaginavam que deveria agir um jurado. O termo "etnometodologia" foi cunhado para
caracterizar os compromissos dos jurados numa metodologia relacionada com uma área
específica do conhecimento do senso-comum. Eles estavam comprometidos com um processo
que lhes solicitava usar uma série específica das práticas para produzir sentido numa atividade
social específica. Contudo, a etnometodologia se tornou um meio para diferentes finalidades.
Como Garfinkel (1968) observou, "ela transformou-se em uma doutrina antiquada", e ele
francamente repudia qualquer responsabilidade pelo que as pessoas venham a fazer da
etnometodologia22. Muitos não aceitariam o repúdio de Garfinkel. Seus escritos são
desnecessariamente obscuros e torcidos e eles permanecem como uma relação paradoxal pelo
fato de que a etnometodologia está envolvida com a compreensão do mundo cotidiano das
atividades práticas simples e com o domínio do conhecimento do senso-comum.
Segundo Douglas (1970 b), é conveniente distinguir entre dois tipos de etnometodologista, o
lingüístico e o situacional. O etnometodologista lingüístico ( por exemplo, Cicourel, 1972;
Schegloff e Sacks, 1973) focaliza o uso da linguagem e as formas pelas quais as conversações da
vida cotidiana são estruturadas. A análise delas produz muito dos significados "dados por
verdadeiros", o uso de expressões indexadas e a maneira pela qual as conversações exprimem
muito mais do que atualmente é dito. Os etnometodologistas situacionais (Mc Mugh, 1968, por
exemplo) lançam suas visões sobre uma gama mais ampla da atividade social e procura entender
as os meios pelos quais as pessoas negociam os contextos sociais nos quais eles próprios se
encontram. Eles estão preocupados em compreender como as pessoas fazem sentido de e como
ordenam seu ambiente. Como parte do método deles os etnometodologistas podem
conscientemente desorganizar ou "dar por verdadeiro" a questão dos elementos nas situações
diárias, a fim de que estas revelem os processos subjacentes em funcionamento.
81
descritivos ao invés de filosóficos, se ajusta muito proximamente com as preocupações de
Garfinkel. (Giddns, 1976. p. 36)
Esta confusão está também refletida no debate sobre se pode haver um síntese genuína entre o
interacionismo simbólico e a etnometodologia. Norman Denzin, um proeminente interacionista
simbólico, tem argumentado que é possível uma síntese; Don Zimmerman e Lawrence Wieder,
dois proeminentes etnometodológicos, argumentaram que isto não é possível24. Interpretando o
interacionismo de uma perspectiva etnometodológica ao invés de comportamental, no caso de
Denzin repousa em grande parte sobre a visão de que tanto o interacionismo simbólico e quanto
a etnometodologia cobrem em grande parte o mesmo terreno. Como ele coloca,
Os etnometodólogos afirmam que uma das principais formas pela qual eles diferem deste
ponto de vista é que eles tem uma visão fundamentalmente diferente do problema da ordem
social e de sua análise. Zimmerman e Wieder afirmam que enquanto o interacionista trata o
ponto de vista dos atores como apenas um aspecto do problema da ordem, buscando relacioná-lo
com um contexto mais amplo em termos de descrição e explicações cientificamente válidas, o
etnometodólogo limita suas atividades ao mundo do ator. Ele não está muito interessado, em ir
além. Como ele coloca: "o etnometodólogo não está preocupado em prover explicações causais
de ações de observabilidade regular, padronizada e repetitiva por algum tipo de análise do ponto
de vista do ator. Ele está interessado em como os membros da sociedade se ocupam da tarefa de
ver, descrever e explicar a ordem no mundo em que eles vivem" (Douglas, 1970, pp. 287-9). O
etnometodólogo compromete-se muito mais plenamente com a perspectiva do ator do que o
interacionista - há um maior compromisso em estudar o ator em seu próprio terreno. Denzin
duvida que haja qualquer diferença radical entre as duas abordagens sobre este ponto e o debate
continua sem conclusão.
Para nossos propósitos aqui parece que as similaridades entre as duas abordagens são de
máxima importância, visto que elas definem claramente a maneira pela qual ambas, a
etnometodologia e o interacionismo simbólico fenomenológico diferem de outras escolas do
pensamento. Ambas seguem a tradição fenomenológica de atribuir a realidade social um status
83
ontológico muito precário. Reconhece-se que à realidade social abrange pouco mais que um
complexo conjunto de tipificações que podem ser partilhadas intersubjetivamente. A noção de
"tipo ideal", que na abordagem de Weber à sociologia interpretativa é oferecida meramente
como uma ferramenta metodológica, assume status ontológico dentro do contexto da sociologia
fenomenológica. Os sociólogos fenomenologistas reconhecem que a realidade social é criada e
sustentada através do uso das tipificações ou "tipos ideais", na medida em que os indivíduos
tentam ordenar e "dar sentido" ao mundo que eles vivem. Os etnometodólogos da lingüística
tentam enfocar este assunto via entendimento da maneira pela qual as "práticas avaliativas" se
desenvolvem, e eles enfatizam a linguagem como o principal meio através do qual as pessoas
vêem e criam seu mundo social e através do qual os significados intersubjetivamente
compartilhados podem surgir. Os 'etnometodológicos situacionais', como os inter-racionistas
simbólicos fenomenológicos, estão mais interessados em estudar a maneira pela qual a realidade
social reflete um precário equilíbrio dos significados intersubjetivamente partilhados, que são
continuamente negociados, sustentados e transformados através da interação cotidiana dos seres
humanos individuais. A realidade social é para eles ou reafirmada ou criada novamente em cada
encontro social.
Se a alguém fosse exigido uma simples linha de divisão entre as teorias localizadas no
contexto do paradigma interpretativo, talvez a mais significante teria sido aquela entre a
orientação altamente subjetivista do solipsismo e da fenomenologia transcendental de um lado e
a fenomenologia existencial, a sociologia fenomenológica e a hermenêutica do outro lado.
Considerando que a primeira se inicia com uma viagem ao domínio da subjetividade pura e
permanece dentro dos limites puramente do discurso filosófico, a segunda está mais envolvida
com o "mundo da vida" e é responsável pelo estudo de uma perspectiva mais sociológica. Dentro
do contexto da segunda é importante observar uma convergência do interesse sobre o papel da
linguagem como um meio de atividade social prática. A fenomenologia existencial, a
etnometodologia e a hermenêutica têm características em comum com a teoria da linguagem
como desenvolvida no trabalho de Wittgenstein (1963) e seus seguidores.25 Todas estas áreas de
análise enfatizam a importância do significado no contexto. Como Wittgenstein coloca "uma
expressão só tem significado no fluxo da vida". Na linguagem, como em outras áreas de ati-
vidade social, o processo de comunicação é uma realização contínua caracterizada pela
indexicabilidade e reflexividade. Toda atividade humana é muito aceita como verdadeira, e o
que constitui realidade depende das regras que subjazem aquilo que Wittgenstein chama de
"formas de vida".
Estas noções tem implicações fundamentais para nossa visão de ciência, visto que se segue
que o que se coloca como ciência é não mais que uma particular forma de vida ou jogo de
linguagem. A ciência está baseada em suposições "dadas como verdadeiras", e portanto, como
qualquer outra prática social, deve ser entendida dentro de um contexto específico. Localizadas
por suas origens, todas as atividades que se colocam como ciência podem ser descobertas pelos
pressupostos fundamentais relacionadas com a vida cotidiana e não podem de forma alguma ser
consideradas como gerando conhecimento com um status "objetivo", livre de valor, como
algumas vezes se pretende. O que se tem como conhecimento científico pode ser mostrado ser
encontrado em uma série de convenções não afirmadas, crenças e suposições exatamente como é
o conhecimento do senso-comum do dia a dia . A diferença entre eles repousa em grande parte
na natureza das regras e da comunidade que os reconhece e os subscreve. O conhecimento em
ambos os casos não é tão "objetivo" como partilhado.
Esta visão se compara com a visão de ciência articulada por Kuhn (1970) e a noção de
paradigma. Em essência, seu trabalho representa uma característica da perspectiva teórica do
paradigma interpretativo - uma teoria na tradição da análise das múltiplas realidades de Schutz e
das "formas de vida" de Wittgenstein. Aqui o conhecimento científico é em essência socialmente
construído e socialmente sustentado; sua importância e significado podem só ser entendidos
dentro de seu contexto social imediato.
NOTAS E REFERÊNCIAS
85
1. Hughes identifica a geração de influentes escritores durante o período 1890-1970 como
segue: Freud (nascido 1859), Durkheim (1858), Mosca (1858), Bergson (1859), Croce (1866),
Benda (1867), Pirandello (1867), Alain (1868), Proust (1871), Peguy.
7. O PARADIGMA INTERPRETATIVO E O ESTUDO DAS ORGANIZAÇÕES
Burrel & Morgan, Sociological Paradigms and Organizacional Analysis, Heinemann, London,
1979.
Como ficou claro a partir de nossa discussão do capítulo anterior, a história intelectual do
paradigma interpretativo é tão complexa e conceitualmente rica quanto a do paradigma
funcionalista. Os pressupostos que fundamentam este paradigma com relação ao status
ontológico do mundo social contestam a utilidade de se construir uma ciência social que enfoque
a análise de 'estruturas’. Ele rejeita qualquer visão que atribua ao mundo social uma realidade
que seja independente da mente dos homens. Ele enfatiza que o mundo social é não mais do que
uma construção individual subjetiva dos seres humanos que, pelo desenvolvimento e uso da
linguagem comum e da interação do dia a dia, pode criar e sustentar um mundo social de
significados compartilhados intersubjetivamente. O mundo social é portanto de natureza
essencialmente tangível e está em contínuo processo de reafirmação ou mudança.
Tal visão não permite a existência de organizações em qualquer sentido sólido e concreto.
Enquanto certas escolas de pensamento aceitam o conceito de organização e seu uso como uma
'prática cumulativa' através da qual as pessoas tentam dar significado ao seus mundos, os
teóricos da corrente interpretativa não reconhecem as organizações como tal. Do ponto de vista
deste paradigma, as organizações simplesmente não existem.
Neste capítulo esperamos promover alguns meios de clarear os assuntos aqui apresentados.
Poderemos ver alguma literatura e tentar avaliá-la em termos das suposições na qual ela se
baseou. Esta literatura está confinada às perspectivas descritas no capítulo anterior como
87
etnometodologia e como interacionismo simbólico fenomenológico embora, como já sugerimos,
não desejamos colocar tantã ênfase na importância desta distinção.
Uma das mais antigas críticas etnometodológicas à teoria funcionalista das organizações é
encontrada no artigo de Egon Bittner 'O Conceito de Organização', publicado pela primeira vez
em 1965. Neste artigo Bittner argumenta que os teóricos em organização, que definem as
organizações como 'organizações estáveis de pessoas engajadas em atividades conjunta dirigidas
ao atendimento de objetivos específicos', tende a tornar o conceito de estrutura organizacional
como não problemático. Ele argumenta que a noção de estrutura representa não mais do que uma
suposição de senso comum de certos atores dentro de uma dada situação. Tomar esta suposição
de senso comum pela exata significação do termo e usá-la como base para a análise
organizacional é pois repleto de dificuldades. Com efeito, ele argumenta que o sociólogo que usa
tal conceito como um 'recurso' para explicar as atividades organizacionais está cometendo um
erro fundamental, e que tais conceitos poderiam ser o 'tópico' ao invés da ferramenta de análise.
No decorrer de seu argumento Bittner ilustra seu caso em relação aos trabalhos de Selznick e
Weber, e sugere que suas teorias estão baseadas em uma série de pressuposições não expressas e
de atalhos teóricos que constroem um manto protetor em torno do tema em estudo. O conceito de
burocracia, por exemplo, forma-se a partir de informações de fundo que normalmente os
membros competentes da sociedade tomam por certo como usualmente já conhecido. Ao
elaborar isto Bittner sugere que Weber está conivente com aqueles sobre os quais teoriza. Ele
muito enfaticamente resume seu ponto de vista nos seguintes termos: "Se a teoria da burocracia é
mesmo uma teoria de fato, ela é uma versão refinada e purificada da teorização do ator. Na
medida em que ela é um refinamento e uma purificação ela é, pelo que já foi dito, uma versão
corrupta e incompleta dela mesma; uma vez que não é garantido reduzir os termos do discurso
do senso comum a um dicionário de significados culturalmente codificados para satisfazer aos
requisitos de postulações teóricas" (Bittner, 1974, p. 74).
A pesquisa de Bittner com os departamentos de polícia de duas grandes áreas urbanas usou as
práticas contábeis de funcionários da polícia como seu foco de atenção analítico. Ao centrar
atenção no Skid Row que é visto pela policia como uma área especial divorciada da sociedade
em geral, caracterizado por uma violência gratuita, incerteza no comportamento humano e de
uma mutante e desinteressada população de desviantes maltrajados, Bittner é capaz de retratar o
policial como o 'definidor da situação' por excelência. O papel de 'mantenedor da paz' adotado
pela polícia no Skid Row permite-os considerável liberdade de ação, relativamente não coibido
pelo judiciário e pela autoridade central, como um resultado para o qual eles estão livres para
definir o comportamento das pessoas no local, a motivação e as ações passadas somente em
termos de suas expectativas.
Não obstante, Bittner deu-se o trabalho de apontar que o Skid Row. Não é usual, já que os
homens que o patrulham Não estão sujeitos a 'qualquer sistema de controle externo'.
Implicitamente, portanto, e pela porta traseira de sua análise, a noção de estrutura social e
organizacional aparece em cena. Em um certo ponto de sua análise Bittner introduz o conceito de
'determinantes estruturais' mas tenta defini-las de maneira subjetiva como 'situações típicas que
os policiais percebem como condições de demanda para ação sem prisão'1. O que parece
implicar, aqui e por todo o artigo, é que os fatores estruturais tanto ao nível social como
organizacional tendem a ter menos impacto no desempenho dos papeis de policiais no Skid Row
do que em qualquer outra parte. O artigo não questiona a natureza problemática dos conceitos de
'controle externo', 'sociedade em geral', 'normalidade' e 'superioridade'. Um tanto
paradoxalmente, portanto, ao invés do estudo do Skid Row representar uma refutação
etnometodológica da importância dos fatores estruturais, o muito de sua excepcionalidade parece
salientar o impacto crucial da estrutura na vida cotidiana 'normal'. A pesquisa de Bittner torna-se
importante ao demonstrar o papel das práticas acumulativas na construção social da 'realidade',
mas ela é apresentada de tal modo ao reacender no leitor investigante a crença na existência de
'estrutura' dentro de um vasto segmento da sociedade que não é Skid Row. Portanto, enquanto o
artigo teórico de Bittner "O Conceito de Organização" adverte do perigo de 'conluio' ou
cumplicidade dentro do tema sob. Investigação, o trabalho empírico de mais ou menos dois anos
depois parece cair na própria armadilha. O próprio esquema de suposições que dão suporte são
atribuídos a uma serie de relações organizacionais e sociais que parecem ser aceitas sem
questionamento.
A 'presença' estrutural está também evidente em outras partes de Zimmerman sobre 'o sensível
trabalho de entrada' (1970 b). O trabalhador-de-casos do Bem Estar social, do mesmo modo que
o recepcionista, está engajado em um processo continuo de interpretação de quantas das histórias
do cliente são ficção e quantas são 'fatos'. A documentação aqui é crucial e o registro do caso é
de particular importância como um exemplo de uma tentativa de montar o mundo de um cliente,
que é inerentemente governado por regras e cujos dados são acumulados através de reconstrução
post facto como uma reminiscência da noção de reflexividade de Schutz. Este conjunto de 'fatos'
documentados deste modo assumem uma facticidade e imutabilidade, e são vistos como
objetivos, destacados e inerentemente confiáveis. Para o trabalhador-de-casos o mundo é visto
como não-problemático, na verdade é visto como óbvio, e os registros de casos refletem esta
suposição. Zimmerman admite que as restrições externas são importantes. Por exemplo, ele
afirma que rapidez e verificação são centrais para o papel de trabalhador-de-casos, mas fica por
conta do leitor inferir que isto é devido a posição do trabalhador de casos dentro da hierarquia
organizacional com suas próprias regras e procedimentos disciplinares. Esta aceitação do status
ontológico de estruturas organizacionais não é consonante com a ontologia nominalista
característica do trabalho mais teórico de Zimmerman.
As teoria e pesquisa tanto de Bittner como de Zimmerman é portanto caracterizada pelo que
pode ser usualmente descrito como uma forma de 'oscilação ontológica'. Analiticamente eles
enfatizam uma posição altamente subjetivista que nega a existência de estruturas sociais e de
realidades sociais concretas de qualquer forma. Porem a tentativa de operacionalizar suas idéias
dentro de um contexto empírico leva-os freqüentemente a admitir uma forma mais realista de
ontologia por portas travessas. Uma vez que isto é não-intencional, faz pesar grandes
dificuldades para os estudantes tentarem entender seus trabalhos e distingui-los da típica
pesquisa, por exemplo, do quadro de referência de ação e do interacionismo característico do
paradigma funcionalista. Porem esta oscilação ontológica é prevalente em todas as formas de
sociologia fenomenológica que tenta ilustrar suas proposições básicas através de estudos
empíricos de situações tiradas da vida cotidiana.
Isto é característico, por exemplo, do trabalho de David Silverman que, desde sua advocacia
do quadro de referência da ação (Silverman, 1970), tem produzido trabalhos com
significantemente diferentes orientações. Como já argumentamos no Capítulo 5, Silverman,
como muitos outros teóricos que têm adotado o quadro de referência da ação como base para
análise, freqüentemente têm buscado inspiração nos escritos de teóricos mais
fenomenologicamente orientados, particularmente Schutz. Contudo, ao seguir Weber, eles
usaram o contexto da ação como uma ferramenta para estudar uma realidade social relativamente
'realística', ignorando grandemente as implicações ontológicas que refletem suas estruturas.
Como já mostramos no Capitulo 6, o verdadeiro significado da sociologia fenomenológica
repousa em seu reconhecimento do status ontológico de tipificações ou 'tipos ideais' que abrange
o cerne da realidade social. No livro A Teoria das Organizações (1970), Silverman reconhece
que a realidade é socialmente construída, socialmente sustentada e socialmente mudada, porem
ele interpreta isto essencialmente como indicando a necessidade para as teorias sociais adotarem
uma teoria de ação mais voluntarista e para evitar a reificação do fenômeno social. Em outras
palavras, como já argumentamos em profundidade no Capítulo 5, Silverman (1970) adere a uma
visão da natureza humana altamente voluntarista mas somente para uma ontologia, uma
epistemologia e uma metodologia característica da região subjetivista do paradigma
funcionalista. A Teoria das Organizações é endereçada aos teóricos de organizações que mantêm
uma visão funcionalista da realidade social; sua principal contribuição reside na advocacia de
uma metodologia particular para estudar aquela realidade.
Em seu trabalho mais recente (Filmer et al., 1972; Silverman, 1975 a, 1975 b; Silverman e
Jones, 1973, 1976), Silverman perseguiu as latentes questões fenomenológicas que ocupam um
papel de pano de fundo na Teoria das Organizações e adotou uma posição firmemente localizada
dentro do contexto do paradigma interpretativo. Uma comparação do conteúdo deste trabalho
com o da A Teoria das Organizações ilustra claramente as implicações da mudança de
paradigma. Para os teóricos de organizações localizados dentro do paradigma funcionalista, o
recente trabalho de Silverman usualmente parece confuso, se não ininteligível, e grandemente
rejeitado como imprestável, se não irrelevante. Contudo do ponto de vista do paradigma
interpretativo, ele contem insights genuínos e tem grandemente contribuído para o debate em
círculos contemporâneos interessados na sociologia fenomenológica.
Deste modo, as organizações são vistas, de uma perspectiva fenomenológica, como construtos
sociais; uma organização se posiciona como um conceito que significa diferentes coisas para
diferentes pessoas. Como um conceito universal, seu status intersubjetivo é extremamente dúbio.
Os teóricos de organizações são vistos como pertencendo a uma comunidade pequena e auto-
sustentada que acredita que as organizações existem em num sentido ontológico relativamente
tangível e teorizam sobre elas. De um ponto de vista fenomenológico, os teóricos de
organizações teorizam sobre conceitos que têm pouco significado para as pessoas fora da
comunidade que pratica a teoria de organizações e sobre a limitada comunidade que os teóricos
organizacionais pode tentar servir.
Claramente, há muito mais do que pode ser feito dentro do contexto do funcionalismo para
explorar as implicações de se estudar a realidade social que é muito menos nítida, certa e sólida,
e mais processual do que tem sido considerada até agora na teoria. Ha muito mais espaço para
reconhecer o papel dos indivíduos em interpretar e sustentar pontos de vista particulares da
realidade social do que é geralmente reconhecido. Há campo para adotar uma epistemologia,
uma visão de natureza humana e uma metodologia em consonância com esta visão revisada do
status ontológico do mundo social. Em resumo, a teoria de organizações contemporânea pode
utilmente avaliar e reavaliar sua orientação básica com relação a suas suposições sobre cada um
dos quatro elementos da dimensão subjetiva-objetiva de nosso esquema analítico.4 Tal ação
poderia representar uma resposta que encontra o desafio fenomenológico no próprio terreno
funcionalista. Esta seria uma resposta inadequada no que diz respeito ao fenomenologista. Em
essência, o básico desafio da fenomenologia à teoria funcionalista é respeitar a natureza do
mundo social e, para o fenomenólogo, isto é justamente impossível dentro dos limites da
problemática funcionalista.5
Pareceu que muitos destes problemas surgem porque os pesquisadores interessados não foram
suficientemente explícitos sobre o que eles estavam tentando demonstrar. Ao focalizar sobre os
quatro elementos da dimensão subjetiva-objetiva de nosso esquema analítico, não está claro se o
trabalho empírico destes teóricos visam ilustrar uma visão particular da ontologia, para
demonstrar a superioridade de uma abordagem particular à epistemologia e à metodologia, ou se
meramente enfatizar o voluntarismo que eles vêem com caracterizando os afazeres humanos.
Sem dúvida alguns dos estudos tentam atingir todos estes objetivos, embora seu sucesso seja
questionável.
Como encontraremos no próximo capítulo, este interesse ficou muito mais refletido no
trabalho de Hegel e no problema da relação dialética entre os mundos subjetivo e objetivo. Isto
também se vê refletido no trabalho do jovem Marx, de Jean Paul Sartre e, mais recentemente, de
Habermas. De maneiras diferentes eles têm procurado demonstrar que o mundo socialmente
criado pode se tornar inteiramente real e determina uma estrutura que restringe as ações e
orientações dos seres humanos, como se tivesse uma existência própria. Não queremos dizer
aqui que a sociologia fenomenológica só pode ser mais desenvolvida dentro do contexto do
paradigma do humanismo radical. Nossa intenção é colocar a questão que surge se os sociólogos
fenomenologistas reconhecem a aparente presença de estrutura que se pendura no pano de fundo
de suas correntes de trabalho. Ao confrontar o problema ontológico básico que isto envolve, eles
esclarecerão a natureza de seus empreendimentos. Para aqueles que permanecem convencidos de
que a realidade social é inteiramente criação de seres humanos autônomos envolvidos no fluxo
da vida cotidiana, o problema será o de desenvolver epistemologias e metodologias adequadas
para estudar a natureza de seus mundos. Para aqueles em que estrutura e padrão da realidade
social aparecem como tão verdadeiramente 'real', a consideração da dimensão de poder inerente
na habilidade do indivíduo criar sua realidade é a de provavelmente provar uma questão maior e,
ao perseguir seu fim lógico, indubitavelmente buscará melhor reorientação na perspectiva
teórica. Isto exigirá uma perspectiva que tem muito mais incomum com o humanismo radical do
que com a sociologia da regulação que caracteriza o paradigma interpretativo.
NOTAS E REFERÊNCIAS.
1. Silverman, em defesa da VISÃO de Bittner, tem sugerido que ele use 'determinantes
estruturais' num sentido muito específico (Silverman in McKinlay, 1975, p.282).
2. NÃO consideraremos aqui o livro de Silverman 'Lendo Castaneda (1975 b), que busca
prover uma análise etnometodológica de Castaneda (1970) e portanto não focaliza práticas
dentro de contextos organizacionais.
8. Humanismo Radical.
O humanismo radical é fundamentado na noção de que o indivíduo cria o mundo em que ele
vive. Os humanistas radicais não só tentam entender a natureza do processo de criação do mundo
em que vivem, como também sujeitam-no à crítica, focalizando naquilo que vêem como o estado
do homem essencialmente alienado.
Esta crítica procede a partir de 2 avenidas de discurso. Uma delas está associada com a
posição do idealismo subjetivo que deriva da mesma fonte da filosofia de Husserl e outros
fenomenologistas. Embora as raízes da tradição do idealismo subjetivo possa ser rastreado
retroativamente à filosofia de Kant ou antes, é no trabalho de Fiche (1762-1814) que ele primeiro
recebe sua expressão mais explicita e coerente. Fiche foi um seguidor de Kant, e sua marca de
idealismo subjetivo se apoiou no pressuposto de que a consciência do indivíduo é uma entidade
criativa continuamente gerando uma perpétua corrente de idéias, conceitos e perspectivas,
através dos quais um mundo externo à mente é criado. Do ponto de vista de Fitche, qualquer
entendimento desta realidade criada envolveu o entendimento da natureza, estrutura e
entendimento da mente consciente. Para Fitche, o mundo externo era para ser entendido em
termos da projeção da consciência do indivíduo. Fitche viu os seres humanos como extanando
suas experiências na forma de realidade que se reflete neles de volta, e através do que se tornam
conscientes deles próprios e de ações. Esta perspectivas teve uma influência ampla na filosofia
contemporânea e na teoria social através do trabalho de Husserl e de outros fenomenologistas.
Sua influência é também evidente no trabalho de Sartre e seus seguidores dentro do movimento
existencialista Francês. Em essência, eles têm radicalizado a perspectiva fenomenológica que
caracteriza a posição idealista subjetivista, vendo o indivíduo aprisionado no modo de existência
que ele cria. Ontologicamente, eles vêem o mundo como o produto da tomada de consciência
individual, tomada de consciência esta vista como sendo projetada no exterior através de atos de
intencionalidade, deste modo, criando-o. Dentro do humanismo radical, os subjetivistas
focalizaram a patologia da intencionalidade e, assim, ao criar um mundo externo, o homem
separar-se-ia do seu verdadeiro "Ser".
A segunda avenida de discurso está baseada na tradição do idealismo objetivista, que recebeu
sua mais antecipada e abrangente expressão no trabalho de Hegel. O sistema Helegiano de
pensamento se apoiou no seu primeiro e mais significativo trabalho, A Fenomenologia da Mente,
no qual investigava o status ontológico do conhecimento humano. Neste livro Hegel
buscou demonstrar como o conhecimento passa através de uma série de formas de consciência
até atingir um estado de "conhecimento absoluto" em que o indivíduo está de acordo com o
"espírito absoluto" que permeia o universo. Para Hegel a realidade última se apóia no "espirito".
Hegel apresenta os seres humanos como vivendo em um mundo caracterizado por uma constante
interação entre a consciência individual e sua objetificação no mundo externo. Consciência e
mundo externo são vistos como os dois lados da mesma realidade. Eles estão envolvidos em uma
relação dialética em que cada um define e influência o outro. Para Hegel cada coisa é o seu
próprio oposto. A verdade recai em ambos os lados de cada questão numa relação antagônica a si
mesmo. Como um método de análise a dialética ressalta que há um antagonismo básico e
conflito dentro tanto do mundo natural como do mundo social que, quando resolvido, leva a um
99
alto estágio de desenvolvimento. Este processo dialético é visto como um princípio universal,
que gera progresso na direção de um estado de "conhecimento absoluto" em que a distinção
entre sujeito e objeto é superada e a consciência humana toma consciência de sua situação dentro
do "espirito absoluto".
Tanto Hegel como Fitche viram a consciência do indivíduo como um ponto focal para o
entendimento da natureza do mundo social. Contudo, enquanto em Fitche o indivíduo cria o seu
mundo, em Hegel a consciência do indivíduo é subserviente a um padrão externo de razão
universal que reflete a existência de uma força universal ou espírito acima e além do indivíduo.
A consciência humana e a historia humana, para Hegel, devem ser entendidas em termos do
desdobramento do espírito universal que conduzirá, com certeza, à sociedade perfeita. Em seus
últimos anos, Hegel viu de modo crescente, a Prússia de seus dias, como uma encarnação do
"espirito absoluto", a sociedade perfeita em que o indivíduo tornava-se subserviente do estado.
A filosofia de Hegel assim tornou-se parceira de um credo político muito conservador, e tem
sido submetida a uma ampla gama de interpretações. Logo de início surgiu uma profunda divisão
entre os chamados "Hegelianos da Direita" que seguiam integralmente sua filosofia, e aqueles
ditos de esquerda ou "jovens Heleginos", dentre estes, o jovem Marx (1818-1883) que, na
essência, inverteu o sistema Hegeliano e o unificou com uma crítica da sociedade de seus dias.
Ao fazê-lo, Marx assentou as bases para o desenvolvimento de humanismo radical nos moldes
de um idealismo objetivista. Marx empregou a perspectiva histórica e o método dialético de
Hegel dentro do contexto de uma filosofia que colocava o indivíduo como centro da cena em vez
do "espirito absoluto". Marx, juntamente com outros "Jovens Helegianos", particularmente
Fuerbach, argumentaram que não havia algo absoluto acima do homem. Eles argumentaram que
a religião e o Estado eram criações do homem em vez de reflexo de qualquer "espirito absoluto".
Eles enfatizaram que todas as objetivações encontradas no mundo social eram humanamentes
criadas e apontaram para uma filosofia emancipatória que chamava a atenção para como os
indivíduos, através da autoconsciência, poderiam criar e deste modo mudar a sociedade em que
viviam. Marx, em particular, começou com a premissa de alienação do homem. Ele viu a
sociedade de seus dias como dominando a experiência humana, as criações sociais objetificadas
refletiam-se de volta no homem como uma força alienante, dominando seu ser e natureza
essencial. Este ponto de vista está expresso com muita força nos Manuscritos Econômicos e
Filosóficos (1844) em que Marx demonstrou como o sistema capitalista de produção se situava
no coração da alienação do homem. Enquanto para Hegel a alienação era um fenômeno
necessário no caminho da auto-realização e do "conhecimento absoluto", para Marx tornou-se
um conceito casado a um ataque ao status quo e as falhas da totalidade do capitalismo.
Mais tarde o trabalho de Marx mudou de uma perspectiva idealista para uma com raízes com
uma interpretação mais realista da natureza do mundo social. No livro Ideologia Germânica
(1846), escrito com Engels, buscou liquidar as contas com o idealismo Germânico, e este
trabalho é freqüentemente visto como definindo a chamada "quebra epistemológica". Do ponto
de vista do esquema analítico apresentado aqui isto significa que Marx parou com o humanismo
radical, e começou a se mover na direção do estruturalismo radical.
Somente a partir dos primeiros anos da década dos 20, quando Luckács, sob a influencia do
neo-idealismo, buscou reenfatizar a influência de Hegel sobre Marx, e após a descoberta do
Manuscritos Econômicos e Filosóficos, surgiu a teoria radical humanista crítica. O crescimento
da teoria crítica juntamente com o existencialismo Francês, pode ser entendido em larga medida,
como uma resposta de renovação do interesse pela tradição idealista que emergiu na virada do
século vinte.
A Estrutura do Paradigma.
O paradigma do humanismo radical compreende tanto a corrente subjetiva como objetiva
do idealismo Germânico. Está também ai contido uma influência do solipsismo e uma categoria
de pensamento anarquista derivado do Hegelianismo. Assim, pode-se dizer que o paradigma
possuí 4 principais orientações: a) solipsismo; b) existencialismo Francês; c) individualismo
anarquista; d) teoria crítica.
Teoria Crítica.
A teoria crítica é um ramo da filosofia social que busca operar simultaneamente nos níveis
filosófico, teórico e prático. Ela se posiciona firmemente na tradição idealista crítica derivada da
Crítica da Razão Pura de Kant; seus proponentes buscam revelar a sociedade pelo que ela é, a
fim de desmascarar sua essência e modo de operação e lançar os fundamentos para uma
emancipação humana através da mudança do social profundamente arraigado.
Sociologia Lukacsiana.
Lukács procurou desenvolver uma teoria crítica que oferecesse uma alternativa ao Marxismo
ortodoxo de seus dias. Em essência, ele estava interessado em rever seus fundamentos sócio-
filosóficos, pela ênfase e restauração da forte influencia Hegeliana que caracterizou o trabalho de
Marx depois da "quebra epistemológica”. Em particular, Lukács procurou desenvolver uma
teoria revolucionária que colocasse forte ênfase no papel do proletariado e sua consciência de
classe na superação da sociedade capitalista.
Consciência de classe, foi central em Luckács, porque ele viu nela uma rota de escape do
problema fundamental associado com a noção Helegiana de alienação. Um outro aspecto central
em Lukács foi a noção de totalidade que se encontra na íntima conexão entre as dimensões
objetivo e subjetivo dentro da realidade social, que são sintetizados dentro da consciência de
classe do proletariado. O processo por meio do qual estas dimensões se tornavam falsamente
discretas e diferenciadas, de modo a que não mais eram vistas como "idênticas", Lukács chamou
de "reificação". Reificação, sem dúvida, se refere ao fato de que enquanto os homens em suas
atividades produtivas do dia a dia criam seu mundo social, estas atividades e o que resulta delas
são vistas como divorciadas dos homens, como "coisas" objetificadas independentes. Enquanto a
objetificação dos artefatos feitos pelo homem é provavelmente necessária e inevitável em todas
as formas da vida social, tanto Lukács como Marx procuraram ressaltar os aspectos políticos
restritivos da reificação e a barreira efetiva que ela promove à compreensão, pela classe
trabalhadora, da totalidade em que eles vivem. Colocado de maneira mais simples, a alienação
em Lukács na forma de reificação é algo a ser superado, desde que ela é a chave para a liberação
de energias explosivas do proletariado, que são tão necessárias para a transformação e
reconstrução da sociedade capitalista.
Do ponto de vista ontológico a sociologia Lukacsiana invoca uma dialética onipresente, uma
vez que os processos sociais são vistos consistir de "objetivo" agindo sobre o "subjetivo" e o
"subjetivo" agindo sobre o "objetivo". Para Lukács, portanto, a natureza ontológica do mundo
não é nem cruamente nominalista nem cruamente realista.
101
Do ponto de vista epistemológico Lukács toma uma posição interessante. Para ele o
Marxismo é uma metodologia revolucionária. A revolução depende das ações da classe
trabalhadora e das táticas desenvolvidas por seus líderes. Os Lukacsianos não são positivistas
buscando leis gerais de desenvolvimento das sociedades; eles usam táticas e metodologias de
revolta e revolução ressaltando o escopo da ação aberta ao proletariado. Eles indicam o aspecto
voluntarista da vida dentro do capitalismo e não o aspecto determinista, continuamente
apontando para a liberdade de escolha no tipo de consciência de classe que o proletariado aceita.
Eles buscam mudar o mundo. Suas epistemologias e metodologia se misturam para formar um
corpo de pensamento que visam métodos práticos para transformar radicalmente a sociedade
aqui e agora.
Sociologia de Gramsci.
Esta "filosofia da práxis", esta verdadeira "teoria crítica" procurou introduzir no Marxismo
ortodoxo a compreensão e a simpatia por um entendimento de fatores "superestruturais" dentro
das sociedades capitalistas. Gramsci acreditava que poder e dominação no capitalismo se
apoiavam não somente nos meios de coerção e opressão materialmente localizados, mas também
dentro da consciência dos homens, pela "hegemonia ideológica". A classe que dita as regras,
sempre busca legitimar seu poder através da criação e perpetuação de um sistema de crenças que
enfatiza a necessidade de ordem, autoridade e disciplina, e conscientemente tenta castrar o
protesto e o potencial revolucionário. Para Gramsci, foi precisamente na área da hegemonia
ideológica nas escolas, famílias e fábricas que o capitalismo teve mais probabilidade de
desenvolver e crescer o despercebido da classe que faz as regras, atacando e infiltrando a
consciência do trabalhador individual.
A sociologia de Gramsci é claramente orientada para ação e mudança radical. Para ele a
realidade não existe por ela própria no estrito sentido materialista, mas existe numa relação
histórica com os homens que a modificam. Sua posição reflete um idealismo objetivo na tradição
da teoria crítica e do trabalho do jovem Marx.
A Escola de Frankfurt.
A Escola de Frankfurt ao clamar para si a propriedade da teoria critica, deve muito ao famoso
ensaio de Horkheimer: Teoria crítica - Artigos Selecionados. Atualmente ela é usada como um
título genérico para um bem conhecido grupo de acadêmicos ligados ao Instituto para Pesquisas
Sociais, na Alemanha, dentre eles Horkheimer, Adorno, Benjamim, Fromm, Lowenthal,
Marcuse, Habermas e muitos outros. A teria critica se desenvolveu em muitas direções. Baseada
em fundamentos ontológicos e epistemológicos refletidos nas teorias dos "Jovens Hegelianos",
dentre eles Marx, estes teóricos críticos forjaram uma perspectiva ampla que tem
consistentemente objetivado revelar a natureza da sociedade capitalista pelo que ela é. Eles têm
buscado revelar sua natureza subjacente e estabelecer as bases para a mudança social através de
revolução da consciência. A perspectiva humanista radical tem criticado a ciência positivista, os
modos de racionalidade, a tecnologia, o sistema legal, a unidade familiar, os padrões de
burocracia, a linguagem, a arte, a música, a literatura, a personalidade autoritária e a psicanálise.
Assim, a teoria crítica, na tradição de Frankfurt abarca uma filosofia crítica polimática dirigida
para objetivos emancipatórios. Como no caso das sociologias Lukácsina e Gramsciana,
desenvolveu-se em reação aos desenvolvimentos dentro do Marxismo ortodoxo, com sua ênfase
no determinismo histórico, e na tendência geral em direção ao totalitarismo na URSS e na
Alemanha Nazista. Desenvolveu-se também em reação à tradição positivista em geral,
particularmente como refletido na sociologia do paradigma funcionalista. Em muitos aspectos, a
teoria crítica inverte a problemática funcionalista. Vê-se isto claramente ilustrado nos debates
filosóficos entre Adorno e Popper, e nos escritos de outros teóricos sociais.
Aqui são destacados os trabalhos de Marcuse e Habermas. Marcuse tornou-se muito bem
conhecido por seu ataque mordaz à natureza "unidimensional" da moderna sociedade
tecnológica, particularmente a capitalista. Seu trabalho apóia-se na verdadeira tradição
Hegeliana-Marxista de teoria crítica, e representa uma tentativa consciente de apresentar uma
filosofia emancipatória com características positivistas da sociologia da regulação. Para Marcuse
a fenomenologia é inadequada porque ignora o escopo e a influência do potencial humano; por
outro lado o positivismo é inadequado porque possuí pressupostos falsos em relação a valores de
neutralidade e de seu papel como instrumento de controle dos interesses do status quo. A
contribuição especial de Marcuse reside em sua tentativa de incorporar as idéias e insight de
Freud e Weber dentro da perspectiva Helegiana-Marxista característica de muito do paradigma
humanista radical.
Em O Homem Unidimensional Marcuse se desloca para uma posição mais Weberiana. Neste
livro ele argumenta que a moderna sociedade é essencialmente totalitária, naquilo em que o
aparato técnico de produção e distribuição impõe-se sobre a sociedade como um todo. Seus
produtos e os indivíduos a que ostensivamente serve são moldados para atender a seus próprios
requisitos internos. A tecnologia é vista como uma força política, um sistema de dominação que
envolve novos e "mais agradáveis" meios de controle social e de coesão. A tecnologia produz a
sociedade "unidimensional" em que há um nivelamento das diferenças e conflitos entre
atualidade e potencialidade; em que as alternativas parecem ser crescentemente irrealistas; em
que o sistema industrial parece ter uma lógica própria. Marcuse argumenta que
afluência(riqueza) e a criação de falsas necessidades impedem o desenvolvimento de protesto
radical contra a ordem estabelecida. A tomada de consciência é vista como sendo moldada e
103
controlada pela mídia. O estado de bem-estar e o "estados de guerra" são vistos como
instrumentos para manter o nível de consumo necessário a sustentar uma "feliz" força de
trabalho.
O trabalho de Habermas (1970 a, 1970 b, 1971 a, 1971 b, 1972,1974 e 1976) impressiona por
sua capacidade de utilizar idéias e conceitos concebidos a partir de uma variedade de
perspectivas a serviço de um humanismo radical. Em essência, seu trabalho pode ser entendido
como uma reação contra as deficiências da sociologia interpretativa e do positivismo
sociológico. As diversas perspectivas são soldadas juntas em uma teoria crítica que, para
Habermas, deve ser emancipatória, dialética (por transcender as antinomias sujeito-objeto,
observador-observado, fato-valor) e hermenêutica em seu esforço para entender o mundo-
cultural em que significados subjetivos são locados.
Habermas tem tentado mudar, dentro do Marxismo, a atenção para fora, de uma consideração
da estrutura econômica do capitalismo, para alguns aspectos chave das sociedades pós-
capitalistas. Habermas tem enfatizado a estrutura de dominação inserida em nossa linguagem e
no discurso do dia a dia. Para Habermas, a estrutura da linguagem, sua natureza e uso,
proporciona uma chave com a qual se abrem muitos insights para as maneiras
fundamentais de operação de diferentes formações sociais.
Nota: Esta posição de Habermas é bastante significativa. Não há dúvida que esta Situação de
consenso genuíno pode proporcionar uma "Situação de discurso ideal" entre as partes, estando
ausente as relações de poder que geralmente existem na sociedade de maneira desigual. Esta
teoria de "competência comunicativa" de Habermas, pode ser fundamentada a partir dos
conceitos de figura e fundo da psicologia da gestalt e do conceito de percepção da
fenomenologia. Só se percebe o que é figura. não se percebe o fundo. A situação de consenso
genuíno só pode acontecer de na relação eu-outro percebo o outro como figura e o outro
também me percebe como figura. Temos aí uma situação igualitária desprovida de poder ou,
pelo menos, que não se leva em consideração o poder. Tudo isto, por sua vez, tem a ver com o
processo cognitivo, cujo conteúdo pode ser explicado pela "teoria de ação" de Argyris & Schon.
Como veremos a seguir, Habermas toma outro caminho ao explicar a diferença entre "trabalho"
e "interação".
Habermas ilustra a diferença entre aquelas duas situações acima através dos conceitos de
"trabalho" e "interação". Estes são vistos como sendo categorias de vida social
fundamentalmente diferentes, com uma racionalidade proposital dominando a primeira, e uma
interação simbólica a última. O trabalho é visto por Habermas como uma forma de ação social
dominante dentro de uma sociedade capitalista industrializada, que enfatiza a importância do
atingimento de objetivos, definido em termos das relações de meios e fins. O sistema desenvolve
regras técnicas para guiar as ações e os modos de pensar, e coloca ênfase na aprendizagem de
habilidades e qualificações. O "trabalho" é visto como uma forma de "distorção comunicativa"
caracterizado por escolha assimétrica no uso de atos de discurso que refletem uma relação de
poder desigual.
"Interação", por outro lado, baseia-se na Ação comunicativa entre homens em que normas
compartilhadas se desenvolvem e se refletem numa linguagem ordinária, intersubjetivamente
compartilhada. "interação" inclui "labor" como parte coesiva e integral da vida social, visto
como típico das sociedades pré-capitalistas. Dentro desta forma social há expectativas recíprocas
sobre comportamentos, cuja violação atrai fortes sanções sociais. As normas e valores que
governam as relações sociais são adquiridas através de internalização de papeis. A
racionalização deste sistema de ação reside na "emancipação", na "individuação" e na "extensão
de comunicação livre de dominação" (Habermas, 1971 b). interação é vista como baseada em
situações de "discurso ideal" em que o homem é emancipado do "trabalho" e da dominação. A
visão de Habermas é de um mundo pós-moderno baseado na "interação", com igual acesso
aos atos de discurso concedidos a todos e uma igualdade de oportunidades dentro do discurso.
Como Schroyer (1971) notou, na medida em a versão da teoria crítica de Habermas se baseia na
liberação do potencial da linguagem auto-reflexiva, a nova forma de ciência crítica que ele
advoga é essencialmente baseada na "patologia da comunicação".
Nota: O que Habermas propõe coincide com o que acima chamamos a atenção. É sua visão
sociológica de um problema psicossocial que está centrado na relação do individuo com o
outro no mundo. Esta gestalt precisa ser entendida na sua totalidade e com suas nuances
espaço-temporais. Só se pode conseguir a relação perceptiva figura-figura (eu-outro), a partir
de um modelo-de-homem como o que venho defendendo Martins,(1987), ou seja, um ser-
autodeterminado-autêntico-e-autônomo que, numa relação-com-o-outro de maneira
presentificada, aqui-e-agora("on line", como diz Argyris), pode definitiva e predominantemente
manter a "interação" como percebida por Habermas. Embora implícito não está claro em
Habermas este modelo de homem, e muito menos esta dimensão espaço-temporal aqui-e-agora,
indispensável para o relacionamento genuíno. Há que se considerar também a parte do discurso
que permeia a relação. Este é o aspecto que estamos trabalhando a partir de Argyris & Schón,
no que eles vêem chamando de "teoria-de-ação" para significar que a ação discursiva é uma
ação composta, ou seja, o discurso é informado por valores governantes que selecionam
estratégias de ação através das quais o comportamento acontece (gestos, palavras articuladas,
etc.). Assim, a liberação do potencial de linguagem auto-reflexiva de que nos fala Schroyer ao
comentar sobre a teoria da "competência comunicativa" de Habermas, só faz sentido se
entendido a partir de um processo social cuja dialética de interação conduza e ao mesmo tempo
se apóie num modelo de homem como o acima referido e numa dimensão aqui-e-agora.
A despeito da ênfase colocada na linguagem como foco para análise social, Habermas faz
esforço para ligar sua teoria de competência comunicativa com os pressupostos fundamentais do
materialismo histórico para torná-la adequada e efetiva. Em seus trabalhos mais recentes,
contudo, em que lida com uma variedade de crises que afetam a sociedade moderna, ele vê como
área crucial a estrutura legitimadora do sistema político (Habermas, 1976). Ele argumenta que
uma crise econômica permanente não é mais possível dentro do capitalismo avançado por causa
da penetrante intervenção do Estado. Portanto, a análise de Marx sobre a dependência das lutas
de classes e de suas relações com as crises econômicas, está implicitamente desatualizada. Para
Habermas, o problema chave dentro do capitalismo avançado é a "crise de legitimidade".
Em resumo, tanto Marcuse como Habermas, demonstram como a teoria crítica na Escola de
Frankfurt inverte o interesse e a problemática da teoria social regulativa, funcionalista tais como
a racionalidade utilitária, a lógica da ciência, as funções positivas da tecnologia, e a neutralidade
da linguagem. Eles buscam demonstrar que ciência, tecnologia, ideologia, e outros aspectos da
superestrutura das formações sociais do capitalismo moderno devem ser entendidos em relação
aos papeis que desempenham na sustentação e desenvolvimento do sistema de poder e
105
dominação que permeia a totalidade de sua forma social. A função de ambos foi a de influenciar
a consciência das pessoas vivendo dentro dele (capitalismo), com vistas a uma eventual
emancipação e na perseguição de formas alternativas de vida.
Para concluir segue-se os conceitos chave da teoria crítica e que também permeiam o trabalho
do Jovem Marx.:
Totalidade.
Consciência.
É a força que em última análise cria e sustenta o mundo social. A consciência é gerada
internamente mas influenciada pelas formas que assume através do processo de objetificação e
da dialética entre os mundos objetivo e subjetivo.
Alienação.
É o estado em que, em certas totalidades, uma cunha cognitiva é dirigida entre a consciência
do homem e o mundo social objetificado, de modo que o homem o que São essencialmente as
criações de sua própria consciência na forma de uma dominante realidade externa sólida. Esta
cunha é a cunha da Alienação, que separa o homem de seu verdadeiro ser e impede-o de
preencher suas potencialidades como ser humano.
Crítica.
Em suas críticas da sociedade contemporânea, os teóricos críticos focam nas formas e fontes
de Alienação, que eles vêem como inibindo as verdadeiras possibilidades de um verdadeiro
preenchimento humano. Os vários expoentes desta perspectiva abordam-na de diferentes
maneiras, a vários níveis de generalidade.
Habermas focaliza o papel que a linguagem desempenha como uma força alienante
em todos os aspectos da vida social. Sua teoria da competência comunicativa
busca um denominador comum na interação humana, seja verbal, produtiva ou
outra, e busca mostrar como nas sociedades Ocidentais contemporâneas há um
elemento de distorção comunicativa que reside no coração, e no nível mais básico da
alienação do homem.
Individualismo Anarquista.
O Estado, na visão de Stirner, foi o grande inimigo da liberdade humana, desde que
representou uma coletividade reguladora que, ao desenfatizar a felicidade do indivíduo,
significou tudo que ele rejeitou.
O Existencialismo Francês.
O trabalho dos teóricos situados dentro do paradigma radical humanista é subscrito por um
interesse comum pela liberdade do espírito humano. focaliza na consciência humana dentro de
um contexto da totalidade que caracteriza uma formação social particular. Há um interesse pelo
que pode ser descrito como a "patologia da consciência" pela qual os homens percebem a si
mesmos como aprisionados dentro de um modo de organização social que eles criam e sustentam
em suas vidas diárias. Os humanistas radicais estão interessados em entender a maneira em que
isto ocorre, com vistas a livrar a consciência ou espirito humano e assim facilitar o crescimento e
desenvolvimento das potencialidades humanas
Para os humanistas radicais, os teóricos do funcionalismo social criam e sustentam uma visão
de uma realidade social que reforça o status quo, e que é para ser entendida como um aspecto da
cadeia de dominação ideológica que penetra toda a sociedade Ocidental contemporânea.
A teoria crítica contribui com nossa teoria anti-organização de maneiras diversas. Como
deverá ficar claro de nossa análise apresentada no capítulo precedente, os teóricos críticos estão
envolvidos com quatro conceitos centrais: totalidade - a noção de que o mundo social deve ser
entendido em sua totalidade antes de que possa ser compreendido por suas partes; consciência -
como a força que em ultima instância cria e sustenta o mundo social; alienação - a cunha
cognitiva entre consciência e totalidade e que separa o homem de seu verdadeiro ser; critica - a
análise das fontes e formas de alienação que inibem as possibilidades de preenchimento da
verdadeira humanidade.
109
Estes conceitos enfatizam a importância central das relações entre consciência e totalidade, é
reduz o status das organizações a um construto social reificado de médio alcance que intervêm
entre a consciência dos seres humanos individuais e de suas percepções da natureza da totalidade
em que vivem.
A perspectiva da crítica portanto sugere uma abordagem à análise organizacional que é uma
teoria anti-organização em diversos aspectos. Ela é anti-organização por ver as organizações
como tendo um status ontológico precário. É anti-organização por enfatizar a importância de
um modo de organização que revela uma totalidade específica, ao invés de revelar sua
importância como discretas unidades de análise de médio alcance que merecem atenção em seus
próprio termos. É anti-organização no sentido de que vê os construtos sociais reificados
denominados de 'organizações' como 'intermediações' alienantes que servem para mistificar os
seres humanos em suas tentativas de compreender e apreciar a natureza da totalidade em que
vivem. Finalmente esta perspectiva constitui uma teoria anti-organização porque seus
pressupostos ficam em fundamental oposição àqueles da teoria de organizações funcionalista;
como podemos ver, a teoria anti-organização inverte a problemática funcionalista em quase
tudo. Ela é também uma teoria anti-organização no sentido em que vê a teoria funcionalista
servindo-se para mistificar nosso entendimento do significado de organizações no contexto da
vida cotidiana. A teoria de organizações funcionalista, ao enfocar exclusivamente no estudo de
reificações de médio alcance, é vista como perpetuando o divorcio entre consciência humana e
totalidade. Ela é vista como uma alienadora 'intermediária'; como uma objetificação da mente
que impede o homem de uma apreciação da totalidade em que ele vive. Da perspectiva da teoria
anti-organização, a teoria organizacional é vista como uma força alienante, envolvida com
assuntos e problemas errados, como um empreendimento essencialmente conservador que
escora o presente sistema de dominação ideológica dentro da sociedade contemporânea.
No atual estágio de desenvolvimento, a teoria anti-organização pode ser percebida como não
indo alem de uma forma embrionária, no máximo abrangendo alguns estudos de casos e dis-
cussões isolados e fragmentários que abordam estudos de atividades organizacionais de uma
perspectiva que se coaduna com a teoria crítica. Poderemos retornar a eles em uma secção mais
adiante deste capítulo. Como um meio de ilustrar os aspectos gerais com que a teoria anti-
organização estaria envolvida, passaremos em revista aqui o corpo de literatura burguesa que se
empenha em prover uma crítica da cultura contemporânea. Ao abordar este esforço em uma
variedade de maneiras, e freqüentemente não reivindicando nenhuma alegação especifica para
uma tradição intelectual de qualquer tipo, a maior parte desta literatura se mantém firmemente
nos moldes do humanismo radical. Tem repercussão os interesses e assuntos que ocuparam os
pensamentos e a atenção de muitos filósofos sociais idealistas que fizeram ponderações sobre a
condição humana. Muito desta literatura veio à tona como parte de uma ressurgência generali-
zada de interesse nos aspectos subjetivos da existência humana revelada, por exemplo, nos
desenvolvimentos do existencialismo, da fenomenologia e da etnometodologia que aconteceram
durante os anos 1960 e 1970. Sua específica marca registrada é que esta literatura combina o
interesse no subjetivo com a critica radical da sociedade contemporânea.
Temos aqui em mente o trabalho de escritores como Illich (1973) e Dickson (1974) sobre
tecnologias alternativas; Castaneda (1970) e Pirsig (1976) sobre realidades alternativas; Roszak
(1969) e Reich (1972) sobre contraculturas; e Meakin (1976) e Anthony (1977) sobre trabalho
como ideologia. Por caminhos diversos estes trabalhos advogam formas alternativas de cultura
ou 'realidades alternativas' em lugar daquelas que predominam dentro das sociedades
capitalistas avançadas. Eles abrangem uma variedade de disciplinas, assumindo a forma de
novelas ou de textos acadêmicos, e são crescentemente encontradas nas listas de textos
recomendados nos cursos de ciências sociais, revelando relevantes e interessantes pontos de vista
que não se enquadram na ortodoxia da área específica. Entretanto, como esperamos demonstrar
na próxima secção, esses trabalhos têm muito em comum com a perspectiva da teoria crítica,
particularmente como revelada nos escritos de Marcuse (1964), Habermas (1971 a e b) e
Gouldner (1976). No estilo de nossa nascente teoria anti-organização, estes escritos empenham-
se em fomentar e apontar os caminhos rumo a realidades alternativas através de uma crítica
humanista radical do status quo. Ao fazê-lo assim, eles identificam muitos dos interesses e
elementos constituintes que uma teoria anti-organização mais sistematicamente estabelecida
poderia querer abarcar.
Ivan Illich, em seu livro Tools for Conviviality (1973), focaliza um tema relacionado,
argumentando que a sociedade está necessitando de uma 'reconstrução convival' para
restaurar o que o desenvolvimento tecnológico tem estruído. Illich vê o desenvolvimento
social e institucional como tendo passado por duas divisões de águas. Em um estágio
111
conhecimento e tecnologia foram utilizados na solução de problemas específicos; em
outro, explorou-se o sucesso da tecnologia para demonstrar a existência de problemas e
necessidades previamente não reconhecidas. Ele apresenta o progresso tecnológico,
respaldado pelos interesses de elites institucionais, como fomentador de demandas para
mais progresso tecnológico, através do qual os homens se tornam escravizados pelas
ferramentas que originalmente tinham a intenção de servir a suas necessidades. Illich
argumenta que a crise que foi criada pode somente ser solucionada e aprendermos a
inverter a atual estrutura de instrumentos; se dermos às pessoas as ferramentas que lhes
garanta seus direitos de trabalhar com alta eficiência e independência, simultaneamente
lhes eliminaremos a necessidade de ser escravo ou senhor e lhes ampliaremos a
extensão de sua liberdade. As pessoas necessitam novas ferramentas para trabalhar ao
invés de ferramentas que 'trabalhem' por elas. Eles necessitam de tecnologia para
promover o máximo de energia e de imaginação que cada um tem, o invés de os tornar
escravos de energias cada vez mais bem programadas. (Illich, 1973, p. 23).
No livro Greening of América (1972) Charles Reich clama por mudança na sociedade
contemporânea por meio de uma revolução na consciência baseado nos valores e ideais da
contracultura do movimento jovem dos fim dos anos 1960. Revelando um otimismo esmagador
do período, Reich corajosamente afirma:
A visão de Reich é similar em muitos aspectos àquelas de Dickson e de Illich, naquilo que
visa a restauração dos elementos não-materiais e espirituais da existência do homem, e visa
conferir à ciência e à tecnologia um papel de saber de fundo e de suporte. Porem, em contraste
com seus trabalhos, Reich coloca sua fé na revolução por meio da revolução, de maneira
oposta à crítica e à ação política. Seu livro pode ser visto como revelando aspirações ao invés
de análise da perspectiva humanista radical.
O livro de ensaios de Theodore Roszak, The Making of a Counter Culture (1969) revela
temas semelhantes, que estão especificamente ligados a uma variedade de perspectivas
analíticas características do paradigma humanista radical. Seu enfoque central é o da luta entre a
'cultura do jovem' e a 'tecnocracia' característica da sociedade contemporânea industrial e
burocrática. Ele examina como a tecnocracia procura definir a realidade em termos de uma
forma objetiva de consciência de maneira a apropriar o total significado de 'razão', 'realidade',
'progresso', e 'conhecimento, e especula sobre os meios pelos quais a tecnocracia pode ser
deposta e os meios de recolocar valores e potencialidades humanas em um lugar central. Sua
visão é de uma comunidade de amor e de afeição, apoiada por trabalho honrado e agradável, em
que a visão pessoal substitui o conhecimento objetivo e a expert em ciência é deposto por
algum parente do feiticeiro (shaman) de uma aldeia índia.
Em Zen and the Art of Motor-Cicle Maintenance (1976) Robert Pirsig apresenta temas
similares, mas eles são explorados de maneiras radicalmente diferentes. Enquanto no trabalho de
Castaneda o foco está na diferença da visão de mundo entre um índio yaqui e um estudante de
antropologia da Califórnia tentando conseguir seu Ph.D., na novela de Pirsig a ênfase esta no
esforço entre as visões de mundo em competição que existem dentro do caráter central da
própria psique. Pirsig descreve a maneira como as formas de entendimento 'romântico' e
'clássico' competem por dominação nas tentativas dos protagonistas em negociar e definir a
'realidade' do dia a dia. Embora aparentemente remota em suas implicações para uma teoria anti-
organização acadêmica, o trabalho de Pirsig, do mesmo modo que os de Castaneda, Roszak,
Reich, Illich, Dickson e muitos outros que se orientaram para temas semelhantes, proporciona
boas ilustrações dos interesses essenciais do ethos humanista radical. O esforço está entre
realidades em competição e os meios pelas quais elas podem ser alcançadas. O conflito,
colocado grosseiramente, está entre a realidade dominante comumente aceita e tão 'real' do
paradigma funcionalista e as aspirações e visões do paradigma humanista radical. Entendido
nestes termos, todos os trabalhos acima considerados contrapõem as perspectivas funcionalista e
humanista radical e, em suas diferentes formas, ilustra claramente a inversão dos pressupostos
fundamentais sobre os quais os dois paradigmas são construídos e dos quais derivam suas
distintas perspectivas sobre o mundo social. Também claramente ilustram como os dois
paradigmas definem realidades alternativas.
113
contemporânea, e das possíveis alternativas: eles favorecem os idéias românticos de escritores
como John Ruskin e Williams Morris, que enfatizam as possibilidades criativas típicas, por
exemplo, da ética do ofício. Meakin clama por uma nova ideologia em que a distinção entre 'arte'
e 'trabalho' deixou de existir, e Anthony exige o fim da 'ideologia do trabalho' e sua substituição
por uma ideologia em que 'prazer' e ‘uso' são os princípios orientadores.
A tabela 9.1 procura contrapor os principais conceitos em que os escritores aqui passados em
revista utilizaram para apresentar as dimensões chave das realidades alternativas com as quais
eles estão envolvidos. Claramente, há uma considerável convergência de interesses em seus
trabalhos, que se tornará muito mais aparente na leitura dos textos originais. Contudo, mesmo a
partir das revisões necessariamente abreviadas e de certo modo superficiais aqui apresentadas,
nítidos temas característicos da perspectiva do humanismo radical estão muito evidentes.
Em primeiro lugar, há uma tendência de ser um interesse dominante pelo que Marcuse tem
descrito como a natureza 'unidimensional' da sociedade moderna. Os vários escritores tendem a
apresentar a sociedade como revelando uma forma de totalitarismo baseado na influência
totalmente impregnante e no controle de fatores tais como trabalho, racionalidade, ciência e
tecnologia, que balizam, canalizam e controlam a consciência dos homens. O interesse deles é
em articular a natureza desta influencia e controle, e de enfatizar que este totalitarismo torna os
homens desatentos a modos alternativos de consciência e existência. Eles estão interessados em
demonstrar que as alternativas são disponíveis. Realidades alternativas, culturas alternativas,
tecnologias alternativas, alternativas de trabalho - estão no centro de suas atenções.
Tabela 9.1.
________________________________________________________________
___
Autor
Em segundo lugar, esta literatura tende a ser caracterizada por uma postura que se opõe
fundamentalmente à ciência positivista. A ciência como vista da perspectiva do paradigma
funcionalista é totalmente rejeitada; a idéia de progresso através da ciência é completamente
invertido. A ciência funcionalista é vista como criando problemas sociais ou invés de resolvê-
los. Tais problemas são vistos como sendo o resultado da ideologia de dominação em que se
baseia a ciência positivista. O humanismo radical vê o ethos científico que tem sido usado para
conquistar o ambiente humano como dominante do próprio homem. O homem é visto como o
prisioneiro da ciência e da racionalidade calculativa que ela revela. Os problemas característicos,
por exemplo, da crise ecológica proeminentemente figura na análise das doenças da sociedade
moderna, para a derrota das quais o humanismo radical está totalmente comprometido. Em lugar
de uma sociedade Ocidental dominada pela ciência, eles advogam um retorno a uma situação em
que o homem vive em harmonia com a natureza, contrapondo-se ao controle e exploração da
natureza. Para este propósito eles freqüentemente olham para filosofias do passado ou para
aquelas características de culturas diferentes. Assim são, por exemplo, o interesse pelo modo de
vida do Oriente e da filosofia Zen. A busca é por uma visão de mundo não contaminada pelo
ethos da ciência e do culto do 'progresso'. De acordo com a celebrada distinção de C. P. Sono
entre os modos cientifico e literário de pensar, (as 'duas culturas' existentes nas sociedades Oci-
dentais avançadas), o corpo de literatura em discussão freqüentemente vã a arte, o drama, a
literatura e o cinema através de suas referências. É para esta cultura que eles se voltam para a
fonte de seus problemas, análises e soluções. Colocado simplesmente, seu humanismo é derivado
de e reflexo das humanidades.
Um terceiro tema principal nesta literatura é revelado em seu 'idealismo objetivo'. Ele vê as
noções criadas pelo homem e os artefatos como produtos objetificados da consciência humana
que, dentro da sociedade industrial, vem a ver visto como forças alienantes que fogem ao
controle do homem. De acordo com a tradição da teoria crítica, ela é um estado alienado do
homem na moderna sociedade que em última instância o foco de atenção.
Estes três temas relacionados revelam claramente o romantismo e o idealismo que repousa
nas raízes da filosofia do humanismo radical. As alternativas para o presente são procuradas no
passado: moinhos de vento e não centrais elétricas, artesanato e não trabalho, Zen e não
instrumentalidade. Em sua visão idílica do passado, esta literatura tem muito em comum com a
visão comunista do jovem Marx, de acordo com o qual os homens 'fazem uma coisa hoje e outra
amanhã...caçam pela manhã, pescam pela tarde, recolhem o gado ao anoitecer, criticam depois
do jantar, justamente porque tenho uma mente, sem jamais me tornar caçador, pescador, pastor
ou crítico' (Marx, 1965, pp.44 - 5).
Esta imagem idílica e utópica da sociedade e subscrita pelos pressupostos de que a escassez
não é mais um problema. Na verdade, a noção de escassez é vista como parte do sistema da
ideologia de dominação dentro da qual vive o homem. É o abandono do conceito de escassez que
a salvação do homem é, em grande parte, visto repousar, permitindo-o viver em harmonia com a
natureza ao mesmo tempo evitando as deficiências físicas comumente associadas com o retorno
á modos de vida anteriores. A abolição do conceito de escassez é visto como uma avenida
115
conduzindo para o atendimento da liberação do homem da dominação de modos existentes de
vida social.
Todos estes trabalhos são característicos da perspectiva da teoria crítica e revelam muitas das
idéias articuladas em outros contextos por escritores como Marcuse e Habermas. Entretanto, as
ligações estão muito longe de serem explícitas. e está muito claro que alguns dos escritores
chegaram a suas respectivas posições por rotas muito diferentes. O grupo do People at Work
expressa seus pontos de vista em termos gerais, enfatizando que a sociologia necessita de uma
perspectiva crítica. Eles criticam a sociologia de organizações como estando muito pouco
interessada no estudo de organizações dentro do contexto social, e como sendo tão modesta em
seu tratamento da alienação e da privação. Eles buscam substituir as sociologia industrial, a
sociologia ocupacional e a sociologia das organizações por uma 'sociologia crítica do trabalho'.
Suas visões a este respeito estão claramente ilustradas no seguinte cotejo:
Estes interesses estão nitidamente relacionados com a perspectiva da teoria crítica. Seus anti-
positivismo, suas ênfase na totalidade, na alienação, na dominação e controle, e em seus desejos
em desenvolver uma crítica à cultura capitalista, estão todos eles firmemente estabelecidos
dentro do contexto da teoria crítica, com o enfoque do 'trabalho' como o objeto central de
análise.3
Os trabalhos de Beynon (1973), Clegg (1975) e Silverman e Jones (1976) focalizam assuntos
muitos específicos, e em essência apresentam estudos empíricos de casos que podem ser
interpretados como em consonância com uma teoria crítica, embora as ligações com esta
novamente não estejam desenvolvidas. Beynon no Working for Ford coloca o seu foco na
experiência do trabalhador em fabrica de automóveis e na consciência de classe que emerge do
entendimento deles da situação de trabalho e da constatação que eles estão sendo explorados
pela administração. Clegg no Power, Rule and Domination apresenta uma análise das relações
de poder num lugar de construção, e argumenta que estas relações de poder só podem ser total-
mente compreendidas como parte das regras do jogo estabelecidas no contexto de uma 'forma de
vida' mais ampla. As idéias e análise reveladas aqui estão firmemente alinhadas com a crítica
hermenêutica oferecidas por Habermas e outros teóricos críticos interessados no papel da
linguagem na construção da vida social. O Organizational Work de Silverman e Jones também
se move nesta direção, com a análise da natureza hierárquica da linguagem da vida
organizacional, que tem muito em comum com a teoria de Habermas sobre a 'distorção
comunicativa'.
117
Tabela 9.2
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Organização Organização
________________________________________________________________
__
________________________________________________________________
__
2.Fonte intelectual de
e exemplo
________________________________________________________________
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________________________________________________________________
__
ciedade como:
________________________________________________________________
__
________________________________________________________________
__
no trabalho.
________________________________________________________________
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fascismo gerencial
,
etc.
________________________________________________________________
_
ta como:
________________________________________________________________
__
fábrica cooperativa,
rural)
________________________________________________________________
___
mização de:
________________________________________________________________
___
119
11.Tecnologia vista Força positiva ou Força negativa
________________________________________________________________
___
________________________________________________________________
___
Dido
________________________________________________________________
_
de cognição humana
________________________________________________________________
___
________________________________________________________________
_
o sistema totalidade
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Notas e Referências.
2. Para discussão da 'má fé' e papeis ocupacionais, veja Eldridge (1971), pp. 158 - 65..
O paradigma estruturalista radical tem suas raízes numa visão materialista do mundo social e
natural. Ele está baseado uma ontologia que enfatiza a natureza sólida e concreta da realidade
que existe fora das mentes dos homens. O mundo social, como um mundo natural é visto como
tendo uma existência independente. Sua facticidade é dada por certa; ele é visto como sendo
material ao invés de espiritual por natureza. Esta visão 'realista' da realidade social é
suplementada essencialmente por uma epistemologia positivista que é equipada para descobrir e
compreender os padrões e regularidades que caracterizam o mundo social. Faz-se pouca
distinção entre suposições, objetivos e métodos das ciências naturais e sociais. O estruturalista
radical tende a se ver como alguém engajado com a 'ciência', e neste esforço partilha muitos
pontos em comum com a abordagem funcionalista. Contudo, para o estruturalista radical, a
'ciência' é feita para servir fundamentalmente à diferentes fins.
Dado a ampla extensão de interpretações que têm sido feitas sobre a obra posterior de Marx, é
extremamente difícil fazer qualquer afirmação autoritária e de nítidos contornos de sua perspec-
tiva exata. Nosso plano no resto desta sessão, portanto, será proporcionar uma revisão das
preocupações centrais de Marx e depois proceder a discussão de algumas das interpretações
largamente diferentes que são colocadas sobre as mesmas. Como veremos, estas interpretações
têm ditado em grande parte o desenvolvimento preciso do paradigma estruturalista radical.
Ao nível mais básico, o modelo de sociedade de Marx, como expresso em seu trabalho
posterior, consiste em dois elementos - 'a superestrutura' e a 'infra-estrutura'. A metáfora 'infra-
estrutura' foi utilizada para referir-se a base econômica da sociedade, na qual a produção
desempenha o papel central. Sua análise distingue entre (a) o 'modo de produção' (capitalismo,
feudalismo ou comunismo); (b) os 'meios de produção' (tecnologia, terra, capital e trabalho); e
(c) as 'relações de produção' (produtores e não-produtores, proprietários e não-proprietários, o
sistema de classe). Marx argumentava que dentro de cada modo de produção havia associações
específicas entre os 'meios' e as 'relações' de produção. O termo 'superestrutura' foi usado para
denotar outros fatores não econômicos na sociedade, tais como estado, religião, arte, literatura,
etc. Estes foram vistos 'em última instância', como sendo determinados pela natureza da infra-
estrutura, embora, por sua vez influenciando-a em algum grau.
Dentro do Grundrisse e do capital a noção de 'contradição' foi tomada como exercendo papel
central na análise de Marx de como a sociedade opera. Como se tornará evidente posteriormente
neste Capítulo, esta noção foi interpretada de diversas formas2. Comum a estas interpretações é a
idéia qual a sociedade contem em si elementos que estabelecem relações antagônicas de uns com
os outros, e que geram conflitos que eventualmente conduzirão ao colapso do modo de produção
e de suas configurações sociais relacionadas. Marx estava primordialmente interessado nas
contradições que existem na infra-estrutura da sociedade, e colocou considerável ênfase na
noção de 'valor excedente' como o conceito sobre o qual a contradição entre os meios e as
relações de produção estava baseado3. Seus interpretes também enfatizaram as contradições que
existem entre infra-estrutura e superestrutura, e na própria superestrutura. A noção de
contradição é central para a explicação de Marx sobre a mudança social e a maneira pela qual
qualquer forma de sociedade substitui outra através da crise produzida por estas contradições.
Marx viu estas crises dentro de um dado modo de produção como se tornando progressivamente
cada vez pior e eventualmente produzindo-se a crise cataclísmica que destruiria a sociedade
como um todo.
Como vimos, o pensamento de Marx através dos seus últimos anos direcionou-se para uma
interpretação radical da economia política. Sob a influência de Engels, particularmente após a
morte de Marx, esta tendência geral se intensificou muito mais, conduzindo a uma eventual
figura do marxismo como revelando as 'leis de movimento' essenciais subjacentes ao sistema
capitalista. Sob a influência de Engels, foi crescentemente visto como apresentando uma ciência
total da vida política, econômica e social do homem, que continha dentro de seu sistema as leis
da evolução social6. Esta interpretação, que busca enfatizar as ligações entre o trabalho de
Darwin e Marx, foi uma que predominou sob a influência de Engels após a morte de Marx. Nas
mãos de Engels, a dialética entre os mundos objetivo e subjetivo foi deixada cada vez mais para
125
traz como uma visão materialista da historia e de como a sociedade foi forjada. Como o próprio
Engels observa em uma discussão sobre o materialismo dialético: a dialética reduziu-se à ciência
de leis gerais do movimento, tanto do mundo externo como do pensamento humano - duas
espécies de leis que são idênticas em substância, mas diferem sua expressão até onde a mente
humana pode aplicá-las conscientemente, enquanto em natureza, e também até agora para a
maior parte da história humana, estas leis se afirmam inconscientemente, na forma de
necessidade externa, no meio de uma série sem fim de acidentes aparentes...(Engels, em Marx
and Engels, 1951, pp. 349-50).
Esta linha de raciocínio foi desenvolvida dentro da teoria social russa, mas esta foi adotada
nos anos de 1960 por um grupo de marxista que salientava tanto o hegelianismo como a tradição
de Engels. Eles tenderam a ver Lênin como teórico marxista que mais se aproximou da essência
do trabalho de Marx8. A interpretação deles sobre Hegel é algo crítico, e de nenhuma forma
podem eles ser considerados como pertencendo ao ramo de teorização da Esquerda Hegeliana
discutida em conexão com o paradigma humanista radical. Ao invés disso, eles se colocam entre
a teoria crítica do humanismo radical e da tradição do marxismo russo ortodoxo. Filósofos mar-
xista tais como Della Volpe, Althusser e Colletti, produziram em culturas que não eram
dominadas nem pelo idealismo alemão nem pelo positivismo sociológico e, como veremos,
foram capazes de se distanciarem das existentes interpretações de Marx.
A terceira linha de desenvolvimento foca sobre aquilo que pode ser descrito como
'weberianismo radical'. Como é bem conhecido Weber estava em certos aspectos do seu trabalho,
ocupado num diálogo com o 'fantasma de Marx' e alguns de seus conceitos chaves tem sido
usados como um meio de explorar a interface entre Marx e Weber. Como procuramos mostrar
em capítulos anteriores, a influência de Max Weber tem sido sentida em todos os quatro
paradigmas. Se qualquer dos pontos de sua discussão sobre a racionalidade científica que penetra
muito mais no humanismo radical, ou seu desenvolvimento da noção de verstehen no paradigma
interpretativo ou seu trabalho sobre burocracia que, embora muitas vezes mal entendido, domina
a teoria de organização funcionalista, Weber não pode ser ignorado. Dentro do estruturalismo
radical, certos elementos de seu trabalho que estão de acordo com a orientação de uma
sociologia da mudança radical tem sido desenvolvido por um pequeno grupo de cientistas sociais
europeus. A fim de distinguir a leitura que eles fazem sobre Weber daqueles mais típicos do
funcionalismo, por exemplo, desejamos usar o termo 'weberianismo radical'.
Os escritos de Weber contêm unidos elementos políticos e sociológicos, algumas vezes sobre
grande pressão e tensão, dentro de um contexto de uma estrutura global9. Para Weber, a questão
política central em uma Alemanha unificada era o problema da liderança. Como de vê o Estado
há pouco criado ser governado? Ele aceitou inquestionavelmente a 'justeza' de sua existência e
procurou seu crescimento continuo através da preocupação da forma de desenvolvimento do
capitalismo industrial e sua burguesia emergente. Weber era um sociólogo da ordem econômica
interessado nas conseqüências sociais do capitalismo, com respeito as suas visões que eram algo
ambivalentes. Sua orientação para o capitalismo o distingue muito claramente dos marxistas e
dos conservadores românticos alemães de sua equipe. A primeira se opõe ao modo capitalista de
produção por seus efeitos deletérios sobre a população trabalhadora criada recentemente; a
segunda por seus efeitos sobre a aristocracia estabelecida pelos Junkers. Entre estas perspectivas
Weber advogou um capitalismo que contem uma burguesia forte, intelectualmente refinada que
permaneceria fiel à cultura alemã.
O que é importante para o weberianismo radical, contudo, não é que Weber foi
primordialmente um sociólogo da ordem e regulação, mas por sua atitude ambivalente para o
capitalismo e particularmente para o lugar da burocracia dentro dele, deixando abertas avenidas
para exploração que conduz a uma sociologia da mudança radical. Weber via a burocracia como
um reflexo do processo de racionalização que se rivalizava com o desenvolvimento do
capitalismo; um processo que invadiu todos os aspectos da vida social, da política à religião.
Como vimos, Marcuse pegou esta noção de racionalidade e a usou criticamente como uma pedra
fundamental em seu tratamento do 'homem unidimensional'. Dentro do estruturalismo radical os
teóricos tendem a estar interessados na análise que Weber fez da burocracia como um
instrumento de dominação social, mais forçadamente expresso na noção de 'gaiola de ferro da
burocracia'. Para Weber a burocracia colocou uma ameaça à liberdade humana, fazendo-a
crescentemente mais difícil para os homens exercerem controle sobre suas vidas diárias. A
ameaça desta 'gaiola de ferro' foi vista como caracterizando sociedades tanto de natureza
capitalista como socialista. Sob a última Weber enfatizou que o crescimento da burocracia se deu
porque no modo capitalista havia no mínimo uma área de livre atuação das forças de mercado.
Contudo, sob ambos os sistemas, o crescimento da burocracia e o modo da racionalidade com
propósito que a retrata foi visto como uma força prejudicial aos interesses daqueles que se
subordinam ao seu controle.
A Estrutura do Paradigma.
127
A teoria Social Russa coloca-se dentro da tradição de Engels, tendo sido introduzida no
pensamento pré-revolucionário por Plekhanov. Depois desenvolvido no materialismo histórico
de Bukharin e influenciado, até certo ponto, pela versão de Kropotkin do comunismo anarquista.
Embora estas abordagens sejam politicamente divergentes, elas partilham uma série de
suposições metateóricas que são inquestionavelmente positivistas e naturalistas. Elas estão
localizadas na região mais objetivista do paradigma.
Usamos este termo afim de enfatizar certas coisas em comum que existem entre
aparentemente distintas escolas de pensamento da historia intelectual russa10. Procuramos
apontar as conexões entre as abordagens sócio-filosóficas do então chamado 'marxismo
ortodoxo' de Bukharin e o 'comunismo anárquico' desenvolvido por Kropotkin. Estes corpos de
pensamento têm algo em comum em termos dos backgrounds e de suas origens intelectuais, a
despeito da hostilidade desmascarada entre eles. O marxismo ortodoxo proposto por Bukharin se
opunha virulentamente ao anarquismo em todas as suas formas, justamente porque os seguidores
de Kropotikin punham-se contra o elitismo político e a centralização administrativa então
nascente no bolchevismo. Na realidade os comunistas anarquistas chegaram ao ponto de explodir
uma bomba no Comitê do Partido Bolchevique, matando doze membros sêniores e ferindo
Bukharin no processo. Tal violento atentado, contudo, contradiz uma similaridade em termos
metateóricos entre suas perspectivas. Tanto Kropotkin como Bukharin estavam familiarizados
com as ciências naturais, ambos usavam as conceituações 'cientificas' como pedra fundamental
de seus sistemas de maneira completamente positivista; ambos estavam comprometidos com a
derrubada revolucionária do governo czarista e do capitalismo em geral.
Bukharin não teve muito tempo para a 'dialética'. Lênin, justamente antes de sua morte,
advertiu que 'as visões teóricas de Bukharin só com certa dúvida podem ser consideradas como
plenamente marxista, porque há algo escolástico nelas (ele nunca estudou penso eu, nunca
compreendeu plenamente a dialética)'. (Cohen, 1974, p.152). Um economista por treinamento,
Bukharin sentiu-se mais em casa com a nova física do século vinte do que com o idealismo
alemão da filosofia do século anterior. O materialismo, para ele, se opunha à metafísica
hegeliana e à ciência e à tecnologia; como conseqüência seu livro está baseado na analogia
mecânica derivada, especificamente e de forma não modificada, da física. Ao invés disso, aceita
a tese, antítese e síntese, elementos da dialética, que Bukharin preferiu igualá-las à 'condição de
equilíbrio; em segundo lugar, à desordem deste equilíbrio; em terceiro lugar, ao restabelecimento
do equilíbrio sobre uma nova base' (Bukharin, 1965, pp. 74-75). A discussão dele até este
momento continua a considerar a 'teoria dos sistemas' da perspectiva marxista, vendo a
sociedade como estando num estado de equilíbrio instável por causa do desequilíbrio com seu
ambiente. O equilíbrio com o ambiente é buscado através do desenvolvimento da tecnologia pela
qual a relação entre a sociedade e a natureza é regulada. A mudança social vem através de
alternações neste equilíbrio, que leva a períodos de desequilíbrio revolucionário em tempos de
crise e sua substituição definitiva por um equilíbrio em um estágio maior de desenvolvimento.
Desta forma Bukharin procurou rejeitar a analogia biológica então prevalecente na sociologia
ocidental, que viu a mudança social como algo patológico, mas seus críticos russos foram inteli-
gentes em observar, como outros mais tarde disseram acerca do funcionalismo, que a noção de
equilíbrio, numa forma qualquer, sugere harmonia e cooperação como modos principais de
129
organização social. Na realidade Bukharin admite tal prejuízo quando sustenta que sem
harmonia a sociedade não crescerá mas declinará.
É importante notar, contudo, que este distúrbio do equilíbrio implicitamente toma a forma de
uma crise 'catastrófica' ou 'cataclísmica', através da qual a revolução social é ocasionada. O
conceito de Bukharin de um 'novo equilíbrio', implica uma 'mudança na totalidade’ de enormes
proporções e não um processo evolucionário ou morfogênico imaginado mesmo pelos
funcionalistas mais orientados para mudanças. Os modelos de equilíbrio são, portanto,
comparáveis só em nome. Em essência, o modelo de Bukharin tem mais em comum com a
catástrofe do que com a analogia mecânica para o estudo da mudança social.
Epistemologicamente, Bukharin adota o positivismo das ciências naturais como seu modelo.
O materialismo histórico é uma 'sociologia científica' que explica as leis gerais da evolução hu-
mana; este serve como um método para a história. O que Bukharin busca, então, primeiramente
através da noção de equilíbrio, é explicar, de uma forma generalizável, a história do
desenvolvimento humano. O materialismo histórico de Marx e Engels proporciona meios pelos
quais tais leis gerais são atingidas. Além disso, estas leis proporcionam explicações causais.
Como ele coloca, 'Em ambos, na sociedade e na natureza existe objetivamente (i. e. a despeito de
se cogitar se desejamos ou não, se temos consciência dela ou não) uma lei da natureza que é
causal por origem' (Bukharin, 1965, p. 30). Dessa forma Bukharin adota um positivismo
naturalístico para sua postura epistemológica e metodológica nomotética que implica no
conhecimento e análise da que ele acredita ser a conexão constantemente observável entre os
fenômenos. Bukharin também devota algum tempo à discussão do livre querer debate sobre o
determinismo. Ele discute uma quantidade de exemplos projetados da vida cotidiana, e continua
a sugerir que:
Uma consideração desses exemplos mostrou que sob todas condições, ambas usual e inútil,
ambas normal e anormal, o querer, o sentimento, as ações do homem individual sempre tem uma
causa definida; elas são sempre condicionadas (determinadas), definidas. A doutrina da liberdade
de querer (indeterminada) é no fundo uma visão semi-religiosa que não explica nada no todo,
contradiz todos os fatos da vida, e constitui um obstáculo para o desenvolvimento científico. O
único ponto correto da visão é aquele do determinismo. (Bukharin, 1965, p. 37).
O Comunismo Anárquico
Como um dos que fazem parte da direção do comunismo anarquista por muitos anos se
esforçou para desenvolver as seguintes idéias: mostrar a intima e lógica conexão que existe entre
a moderna filosofia das ciências naturais e o anarquismo; colocar o anarquismo sob uma base
científica pelo estudo das tendências que são evidentes hoje na sociedade e pode indicar sua
nova evolução; e trabalhar a base da ética anarquista. Com respeito a essência do próprio
anarquismo era o objetivo de Kropotkin provar que o comunismo - ao menos parcialmente - tem
mais chances de ser estabelecido como coletivismo, especialmente em comunidades que tomam
como guia, e que a liberdade ou o comunismo anárquico é uma forma de comunismo com toda
chance de ser aceito nas sociedades civilizadas: o comunismo e o anarquismo são, portanto, dois
termos da evolução que se complementam um com o outro, para que um torne o outro possível e
aceitável. (Citado em Bose, 1967, p.262).
131
Suas próprias observações indicaram que, no processo da seleção natural, a cooperação
espontânea entre os animais era muito mais importante que a competição ferrenha, e que 'aqueles
animais que adquirem hábitos de auxílio mútuo são indubitavelmente os mais preparados para
sobreviver. De forma alguma Kropotkin negou a existência de luta no reino animal, mas ele
estava confiante de que a dependência mútua representava um papel muito maior - na realidade o
auxilio mútuo era 'o elemento chefe da evolução progressiva' (Avrich, 1967, p. 30).
Sua crença no 'auxilio mutuo' foi inspirada por suas experiências na Sibéria, onde grupos
tribais nômades de pequena escala viviam de acordo com os princípios 'anarquistas'. As
experiências de Kropotkin destes anos o convenceu que a atitude natural do homem era de
cooperação e de solidariedade, e que o princípio da hierarquia era um desenvolvimento
'patológico' recente da história do homem. As tendências centralizantes do Estado Russo, que foi
submetido a uma transição capitalista tardia foram os primeiros objetos de atenção; porém seus
cinqüenta anos de exílio na Europa Ocidental o convenceu que o capitalismo, onde quer que este
fosse encontrado, representava uma aberração na evolução do homem. O comunismo anarquista
colocou-se para Kropotkin, em oposição direta ao sistema salarial capitalista, a supressão do qual
dependia uma revolução de massa violenta. Uma vez que o sistema salarial fosse destruído, uma
nova sociedade se estabeleceria, baseada em comunidades que seriam unidades autogovernadas,
descentralizadas, quase auto-suficientes. Ele não percebeu esta visão como utopia mas como a
única possível solução para os problemas do capitalismo trazidos pela crise econômica do
capitalismo, do estado e da burocracia. A derrota do capitalismo ocasionada pela crise
econômica seria um acontecimento sangrento e, embora menos predisposto à violência e
terrorismo do que muitos outros, Kropotkin acreditou na 'propaganda da ação' e pensou que esta
legitimaria inteiramente o emprego do assassinato político. Depois de 1917 ele reviu a visão
bolchevique do marxismo como uma nova forma de escravidão humana, uma forma de
centralização que foi substituída por outra, por meio do qual impossibilita o retorno que ele
buscava para uma forma de sociedade baseada no auxilio mútuo pelo qual o conflito fosse
minimizado.
Kropotkin é representante daquela corrente da teoria social russa que não vê qualquer
distinção entre as ciências naturais e sociais e acredita que as 'leis da natureza' servem como
modelo para o estudo da sociedade. Também típico do pensamento sociológico russo neste
momento é seu firme comprometimento com a mudança radical, embora sua visão disto difira
substancialmente por completo daquela de seus contemporâneos.
A teoria social da URSS antes de 1925, entretanto, estava fundamentada em uma tentativa de
equiparar as ciências sociais com as ciências naturais. A influência do darwinismo, e a íntima
relação que se via existir entre o homem e a natureza, criou variantes de uma teoria
evolucionária pela qual o capitalismo era considerado como uma 'monstruosidade' genética, o
meio pelo qual se anunciaria uma nova era da vida social onde a harmonia e a compreensão
prevaleceriam. A perspectiva de teóricos tais como Bukharin e Kropotkin difere daquela dos
teóricos sociais positivistas localizados no paradigma funcionalista, visto que a analogia que eles
usam para caracterizar o processo pelo qual este será ocasionado é aquela da catástrofe e da
revolução. É esta característica crucial do trabalho deles que os localiza dentro dos limites da
sociologia da mudança radical como oposta à sociologia da regulação.
Nesta faixa de teorização reconhecemos duas escolas separadas, que, embora distintas em
suas abordagens para muitas questões substantivas, estão baseadas numa série de suposições
metateóricas comuns. Estas são as sociologias de Althusser e Colletti. Portanto, ambos
posicionados teoricamente na principal corrente do pensamento marxista ocidental
contemporâneo, eles adotaram perspectivas conscientemente distintas do marxismo hegelizado
de Luckács, Gramsci e da Escola de Frankfurt por um lado, do marxismo ortodoxo de Plekhanov
e Bukharin de outro16. Eles procuraram misturar aquilo que eles percebem como objetivismo
extremo do marxismo 'vulgar' e do subjetivismo da teoria crítica ao adotar uma posição
intermediária.
Althusser e Colletti, apesar da proximidade intelectual deles, ou talvez por causa desta, foram
conduzidos antes a uma violenta batalha acadêmica na qual ambos tiveram seus narizes
sangrados17. Não obstante este conflito interno, ha uma forte inter-relação entre o trabalho deles
em termo de postura teórica, embora haja muitos que acreditam que Althusser seja disparada e
fora de dúvida um pensador mais criativo. Ele criou um sistema; Colletti procura destruir os
sistemas dos outros18. Portanto, não desejamos denegrir o papel do crítico e do ensaísta;
acreditamos que as concepções de Althusser têm maior alcance para o desenvolvimento do que
as de Colletti.
A Sociologia Althusseriana.
Louis Althusser é um dos mais influentes filósofos marxistas contemporâneos, e atraiu muito
a atenção não somente dos sociólogos radicais, mas também de escritores de muitas disciplinas.
Um argelino de nascimento, Althusser lutou na II Guerra Mundial e foi levado prisioneiro pelos
alemães em 1940. Ele retornou a Paris em 1945, estudou sob a orientação do filósofo Bachelard
e lá permaneceu ensinando até então. Ele é um membro do Partido Comunista e tem posições
políticas explícitas que são muitas vezes descritas como stalinistas19. Portanto seu trabalho é
extremamente complicado, algumas vezes contraditório e, na realidade, mesmo no processo de
desenvolvimento, é possível identificar certas conceitos que têm sido tema de muita discussão e
avaliação crítica. Althusser usa a noção de círculo para descrever parte de seu trabalho, e em
qualquer análise é difícil saber por onde começar. Contudo, o trabalho de Althusser pode ser
interpretado como uma reação ao marxismo hegelianizado de Luckács, Gramsci e da Escola de
133
Frankfurt, e representa uma tentativa de desenvolver um retrucamento mais sofisticado para o
marxismo hegeliano na tradição do materialismo 'ortodoxo'. Crucial aqui é a noção de Althusser
de 'ruptura epistemológica' no trabalho de Marx, que delimita o trabalho 'filosófico' de inicio das
análises 'científicas' mais maduras do O capital e de seus escritos posteriores20. O trabalho
inicial é visto como completamente distinto dos textos que Althusser deseja enfocar, pois ele
rejeita a noção de Marx como um 'humanista teórico'. Althusser sustenta que para o Marx
maduro, o humanismo representou nada mais do que uma ideologia, visto que esta assumia tanto
uma natureza humana fixa como um papel crucial para os fatores subjetivos no processo histó-
rico. Também não é um pressuposto correto, de acordo a Althusser, cuja leitura do Capital de
Marx supostamente demonstrada que a noção da 'dialética' em particular, representa um
'processo sem um sujeito'21. Marx foi visto como transformador da 'dialética' hegeliana ao
remover as limitações dentro desta pela criação tanto de uma ênfase na consciência do homem
como na dependência de uma crença na necessidade histórica do progresso humano através de
estágios de desenvolvimento sucessivos. Posto cruamente, para Althusser e seu Marx, os homens
não produzem a história; esta é produzida por configurações particulares de estruturas que
surgem em pontos dados no tempo. Althusser, então, coloca-se contra e entre o 'humanismo
subjetivo' dos marxistas hegelianos e a tese da inviabilidade histórica proposta por Engels e
Bukharin. Para ele, a dialética não conduz nem ao subjetivismo nem ao historicismo.
A mudança social para Althusser depende do tipo e extensão das contradições na formação
social. Algumas contradições são antagônicas e suas inter-relações 'explosivas' produzirão, no
longo prazo, arrasadoras transformações sociais nos tempos de grandes crises. Outras
contradições são não antagônicas e representam um papel menos importante na mudança social.
A força motor da história, portanto, é encontrada na inter-relação de contradições específicas
num dado ponto do tempo que vem à superfície como crises sócio-econômicas perceptíveis25.
Politicamente, a lógica desta posição, não foi obscurecida até onde vão as críticas de
Althusser. Se a revolução é para ser atingida nesta perspectiva, ela depende de conjunções
específicas de contradições e sobredeterminação. o papel do ativista político é desse modo
desenfatizado26. Deste modo, o que pode a esperança revolucionária de fazer com que aconteça
a mudança social radical, se esta é em última instância determinada por estruturas profundas e
ocultas? A filosofia de Althusser, portanto, está aberta à pecha de seus críticos não
estruturalistas, de 'quietismo' e à acusação de que esta filosofia implica numa rejeição da 'práxis'.
Régis Debray, que foi por algum tempo aluno de Althusser, assim comentou sobre a separação
de seu mentor entre 'pensamento' e 'realidade' e entre 'operação da sociedade' e 'operação do
conhecimento'. Em outras palavras, tudo que tínhamos que fazer para nos tornarmos bons teóri-
cos era nos tornarmos 'bastardos indolentes' (Callinicos, 1976, p. 60). A colocação de Althusser
'de que a filosofia seja a teoria da luta de classe' certamente permite a teorização de gabinete, e é
relativamente fácil para os cínicos observarem que a popularidade do althusserianismo entre os
marxistas acadêmicos da Europa dá-se devido a este enunciado.
Ontologicamente, Althusser entende o mundo como algo real, concreto e externo ao indivíduo
e sua consciência dele. Este mundo real, na teoria de Althusser, pode ser pensada em termos de
'estruturas' que juntas, na 'totalidade', representam dadas 'formações sociais'. Estas concepções,
contudo, de acordo com a epistemologia de Althusser, não são necessariamente baseadas em
qualquer correspondência com o mundo real. Na realidade, como Collinicos sugeriu, Althusser
argumenta que 'existe uma separação possivelmente mais nítida entre o objeto real, que é, a
realidade que o sistema teoria procura explicar, e o objeto-pensamento, o sistema teórico que
constrói uma ciência' (Callinicos, 1976, p. 32). A idéia de que uma teoria refletiria ou se ajustaria
exatamente à realidade, pretende explicar os termos do 'empiricismo' de Althusser, e ele se
coloca fundamentalmente contra esta. A separação entre o real e o teórico que esta implica
conduz inexoravelmente à tendência da teorização de gabinete, que não exige qualquer trabalho
empírico, seja 'pesquisa' ou ativismo político, visto que a teoria não necessita de apoios do
mundo externo real. A versão de Althusser do anti-empirismo, contudo, não exclui o positivismo
no sentido da busca de leis causais universais. Esta, de fato, explicitamente, busca fornecer uma
análise causal, mas alguém que, ao reconhecer a variedade das sobredeterminações e a 'lei' do
desenvolvimento desigual, não se dedicaria a produção de explicações unicausais da, como se
diz, mudança social. A realidade social, que nós como homens podemos perceber como bolhas
superficiais sobre uma profunda, oculta e misteriosa combinação, é vista como contingente sobre
uma variedade de inter-relações estruturais e deve ser analisada em termos de conjecturas -
eventos históricos específicos. A lógica da posição de Althusser, de fato, chama a atenção para o
método de estudo de caso, da análise de 'conjecturas' especificas cada uma das quais é única,
porque somente desta forma pode nosso conhecimento da história ser desenvolvido.
A Sociologia de Colletti.
Em tudo por tudo, Colletti coloca-se dentro do paradigma estruturalista radical com uma
posição extremamente objetiva. Em face á escolha auto-imposta de um marxismo hegeliano ou
de um marxismo ortodoxo, Colletti parece rejeitar o primeiro enquanto certamente não
completamente abraça o último. Para Colletti, parece que Lênin é um pensador marxista que é
menos incorreto.
Há, portanto, claras diferenças entre Colletti e Althusser. Colletti tentou ligar a filosofia do
trabalho de Marx à critica da razão pura de Kant e sua política às de Rousseau. Para Althusser,
Spinoza é o antecedente intelectual de Marx. Alem disso, Perry Anderson observou, 'suas duas
considerações sobre o desenvolvimento do marxismo desde 1920 são incompatíveis, visto que as
categorias de Althusser explicitamente incluem Colletti na tradição hegeliana que ele repudiou;
enquanto a lógica de Colletti concebe Althusser como herança do hegelianismo que ele
condenou' (Anderson, 1976, p. 70). Apesar disso, como temos procurado mostrar, ambos os
escritores retêm elementos de hegelianismo dentro de uma estrutura objetivista. Colletti busca
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através da linha vital da 'alienação', manter laços com o marxismo hegelianizado do qual ele
deseja se distanciar enquanto que para Althusser a associação com o hegelianismo é mantida
pelas noções de 'totalidade' e 'dialética'. A similaridade de postura intermediária deles em termos
da dimensão subjetiva-objetiva de nosso esquema analítico fornece o racional para consideração
aqui como distinto mas exponentes relacionados do que temos chamado de Marxismo
Mediterrâneo contemporâneo.
Teoria do Conflito.
Os weberianos radicais de hoje tiram muito proveito do arsenal conceitual, para análise da
sociedade contemporânea. Na noção de Weber da 'cadeia de ferro burocrática', em sua
elaboração da complexidade da estratificação social moderna, em sua ênfase sobre poder e
autoridade, eles encontram um insight rico e produtivo. Nas linhas dos marxistas eles
conceberam o capitalismo, ou seus últimos dias de transmutação como cercadas por crassas
desigualdades econômicas e pelas grandes discrepâncias do poder, ambos os quais significam
que a vida social deve repousar inevitavelmente sobre a dominação e o conflito. Para eles, os
interesses dos manipuladores do poder são claramente distintos com relação aos interesses dos
sem poder onde o conflito irreconciliável e profundamente assentado é visto como característica
natural e o única permanente da vida social. Os weberianos radicais partilham o pessimismo;
eles não vêem fim para tais desigualdades. O marxismo é visto como utópico se este supõe um
fim para o princípio da hierarquia e do desequilíbrio do poder. A revolução social, para estes
escritores como para Weber é muitas vezes mais perigosa que a manutenção do status quo.
Portanto, a essência da Posição dos weberianos radicais consiste de um criticismo incisivo ao
capitalismo mas sem qualquer comprometimento associado a sua transcendência por outra forma
de Organização social. Esta é a força e a natureza da crítica e de seus argumentos na primeira
metade desta configuração, e sua interface com o marxismo contemporâneo, que identifica o
trabalho deles como parte da sociologia da mudança radical. Nas páginas seguintes
consideraremos a teoria do conflito de Ralf Dahrendorf e John Rex como representantes desta
escola de pensamento social.
Já tínhamos dado uma certa quantidade de atenção ao trabalho de Dahrendorf no Capítulo 2,
onde argumentamos que sua distinção entre as teorias de integração e coerção se assemelham
àquelas desenvolvidas aqui entre a sociologia da regulação e a sociologia da mudança radical. A
teoria de Dahrendorf sobre coerção e conflito é desenvolvido no Class and Class Conflit in
Industrial Society (1959) como parte de uma crítica do trabalho de Marx, 'a luz das mudanças
históricas e insights sociológicos'. Dahrendorf argumenta que a análise básica de Marx é
imperfeita, visto que suas predições históricas não deram frutos31, e procura recompor seu
esquema conceitual com os insights sociológicos traçados primordialmente por Weber. A teoria
do conflito de Dahrendorf ajuda a explicar a ausência relativa de ordem na sociedade industrial e
reflete uma das teses centrais de seu estudo: que 'a distribuição diferencial de autoridade' na
sociedade 'invariável o fator determinante de conflitos sociais sistêmicos de um tipo que é
pertinente aos conflitos de classe no sentido (marxiano) tradicional' (Dahrendorf, 1959, p. 165).
Sua análise foca sobre a maneira pela qual os grupos de conflito são gerados pelas relações de
autoridade através do que ele descreve portanto as 'associações imperativamente coordenadas'.
Estas São definidas como aquelas formas de Organização, instituição ou agregado nas quais a
autoridade representa o papel chave que acontece no desenrolar do dia a dia dos acontecimentos.
Para a tese de Dahrendorf em tais associações interativamente coordenadas há uma relação de
autoridade pela qual uma clara linha, ao menos em teoria, pode ser traçada entre aqueles que
participam no exercício de autoridade em dadas associações e aqueles que estão sujeitos aos
comandos autoritários de outros. Portanto Dahrendorf estabelece um modelo das estruturas
sociais contemporâneas de duas classes, baseado na noção de autoridade hierárquica de Weber,
mas dicotomizada de uma maneira remanescente da tese de polarização de Marx. Ele vê o
conflito básico dos grupos da sociedade como enraizado nesta diferenciação de autoridade, pois
diferentes posições envolvem, ao menos implicam, os diferentes interesses do papel respectivo
dos interessados. Tais interesses podem ser percebidos, reconhecidos e representados por um
agregado de pessoas numa posição comum na estrutura da autoridade, que no caso interessa
tornar-se evidente e o agregado tornar-se 'grupo para ele próprio'. Se estes interesses
permanecem latentes, porem então um trata meramente de um 'quase-grupo'. Este é o 'grupo por
ele mesmo', o 'grupo de interesse' que, para Dahrendorf é o verdadeiro grupo de conflito tendo
uma estrutura, uma forma de organização, um paradigma ou objetivo e um corpo de membros.
Tais grupos de interesse tornam-se a força motriz que está por traz da mudança social criando as
transformações da estrutura social com graus variáveis de efeito, estendendo da revolução à
reforma política de pequena escala. A luta de classe violenta é portanto apresentada como um
ponto extremo numa escala mais geral do conflito social.
Como um sumário de sua posição Dahrendorf apresenta uma 'teoria das classes sociais e do
conflito social', das quais o que se segue é uma versão revista32.
3. A formação dos conflitos de grupos do tipo de classe segue um padrão que pode ser
descrito em termos de um modelo que envolve os caminhos seguintes, parcialmente analíticos e
parcialmente hipotéticos:
139
4. Em qualquer associação imperativamente coordenada dois, e só dois agregados de posições
podem ser distinguidos: posições de dominação e posição de sujeição.
7. Uma vez que a formação dos conflitos de grupos do tipo de classe é completado, eles se
põem, em dadas associações, em relação ao conflito de grupo (conflito de classe).
8. O conflito de grupo do tipo de classe afeta as mudanças estruturais nas associações em que
estas ocorrem.
1.Ao invés de ser organizado em torno de um consenso de valores, os sistemas sociais podem
ser concebidos como envolvendo situações de conflito em pontos centrais. Tais situações de
conflito podem ficar em qualquer lugar entre os extremos da barganha pacífica no mercado e da
violência aberta.
2. A existência de tal situação tende a produzir não uma sociedade unitária mas uma
sociedade plural, em que há duas ou mais classes, cada uma das quais proporciona para seus
membros um sistema social relativamente auto-contido. As atividades dos membros toma um
significado sociológico e deve ser explicado tomando como referência os grupos de interesses na
situação de conflito. As relações entre os grupos são definidas em princípio somente em termos
de situação de conflito.
3. Na maioria dos casos a situação de conflito seria marcada por um desigual equilíbrio de
poder de modo a que uma das classes emergisse como a classe que estabelece as regras. Tal
classe continuamente estaria buscando ganhar reconhecimento de legitimidade de sua posição
entre os membros da classe subjugada e os líderes da classe subjugada buscariam negar esta
reivindicação e organizar atividades que demonstrasse que o reconhecimento estaria sendo
negado (e.g. resistência passiva).
4. A situação de poder entre a classe que impunha as regras e a submetida poderia mudar
como o resultado de uma quantidade de fatores variáveis que aumentariam a possibilidade de
resistência bem sucedida ou de verdadeira revolução da classe subjugada. Entre estes fatores
variáveis estariam a liderança, a força da aspiração dos membros, sua capacidade de
organização, sua posse dos meios de violência, seu número e seu papel no sistema social
proposto pela classe dominante.
7. Uma mudança no equilíbrio do poder poderia conduzir não a uma completa revolução, mas
a compromisso e reforma. Neste caso poderiam surgir novas instituições que não estariam
simplesmente relacionadas com o prosseguimento do conflito, mas seriam reconhecidas como
legítimas por ambas as partes. Tal situação de trégua em circunstâncias favoráveis poderia dar
lugar a uma nova ordem social unitária por um longo período, em que direitos de propriedade
limitados e poderes políticos limitados seriam vistos como legitimamente apoiados pelos
indivíduos particulares. Mas tais situações seriam inerentemente instáveis porque qualquer
enfraquecimento do poder de manter o equilíbrio da classe anteriormente subjugada poderia
conduzir a classe que impunha as regras anteriormente à reassumir suas velhas maneiras e a
manutenção deste poder poderia facilmente encorajar a classe subjugada a se lançar pela
alternativa revolucionária. (Rex, 1961,, pp. 129-30).
Muito interessantemente, o espírito desta crítica de Dahrendorf e de Rex foi captada por
Lockwood, que aborda o trabalho deles de uma perspectiva ligeiramente diferente. Em seu artigo
bem conhecido 'Social Integration and System Integration' ele toma por Dahrendorf e Rex a
incumbência focar a Atenção na 'Integração social' ao invés de na 'Integração sistêmica'. Ligando
esta Distinção básica com a teoria marxista, ele assevera que a propensão para o antagonismo de
classe é uma reflexão do grau de 'integração social' e pode ser afetada pelos fatores
superestruturais que influenciam o grau de 'identificação', 'comunicação', etc., visto que a
dinâmica dos antagonismos de classe está fundamentalmente relacionada com a contradição no
sistema econômico. Na teoria marxista a ênfase é explicitamente colocadas sobre estas
'contradições' ou problemas da 'integração de sistema' embora no trabalho dos teóricos de
conflito seja colocada ênfase na análise e nos problemas de 'integração social'. Lockwood
acredita que enquanto estas duas características são inter-relacionadas eles são ambos
analiticamente separados e distinguíveis, e que neste ponto de tempo de combinações diferentes
da 'integração social' e do 'integração de sistema' devem prevalecer. (Lockwood, 1964, p. 249-
250). Em essência, Lockwood procura explicar as possibilidades da ordem social dentro de um
sistema caracterizado pelas contradições fundamentais de sua estrutura básica. Desta e de outras
formas sua posição é inteiramente similar àquela de Althusser.
Dito de uma forma pobre e de certo modo supersimplificada, algumas das distinções e
similaridades entre as visões do weberianismo radical e de vários outros tipos de pensamento
marxista tornam-se mais fáceis de ver. Para a maior parte de suas respectivas problemáticas tem
sido inteiramente distintas. Os weberianos radicais tenderam seu enfoque para as relações entre a
integração social e o poder como manifestado na superestrutura da formação social. Os
teóricos marxistas, tenderam a enfocar nas relações entre a desintegração do sistema, a
contradição e as relações infra-estrutura/ superestrutura.
A crescente atenção que recentemente tem sida devotada à natureza das relações entre infra-
estrutura e superestrutura que poderia ser entre os outros elementos que distinguem o
weberianismo radical e o pensamento marxista. As relações entre os conceitos de contradição e
poder, e integração e desintegração do sistema, também parece valer muita atenção. Parece claro,
por exemplo, que os conceitos de contradição e poder estão conectados com alguma forma da
relação dialética pela qual a forma de um pressupõe a forma do outro. O poder, por exemplo,
pode ser visto como manifestação das relações 'contraditórias' entre elementos dentro da
formação social como um todo. Semelhantemente, como Lockwood argumentou, ha um
equilíbrio e uma relação entre a 'integração social' e o estado da 'desintegração do sistema'. Os
novos desenvolvimentos na teoria sociológica dentro do paradigma estruturalista radical,
portanto, podem bem enfocar a complexa rede de relações e conceitos que caracterizam as
teorias que buscam explorar a relação entre as contribuições de Marx e Weber.
Esta discussão talvez sirva para ilustrar as similaridades e distinções entre a perspectiva dos
teóricos do conflito do weberianismo radical e os marxistas tais como Althusser e as respectivas
posições deles dentro dos limites do paradigma estruturalista radical. Como ficou claro no
quadro 3.3, a teoria do conflito, em sua tentativa de explorar a interface entre Marx e Weber
(ainda que de maneira muito limitada), pode ser considerada como característica de uma
sociologia da mudança radical localizada no limite do paradigma estruturalista radical.
Todas as escolas de pensamento dentro do paradigma se afirma, em vários graus, sob quatro
noções centrais. Primeiro, há uma aceitação geral da noção de totalidade. Todas as teorias dentro
do paradigma estruturalista radical, como aquelas do paradigma humanista radical, direcionam-
se elas mesmas a fim de compreender as formações sociais totais. Segundo, ha a noção de
estrutura. O foco, em contraste com aquele do paradigma humanista radical, é sobre as
configurações das relações sociais que caracterizam diferentes totalidades e que existem
independentemente da consciência que os homens tem delas. As estruturas são tratadas como
facticidades compactas e concretas e que são relativamente persistentes e duradouras. A
realidade social para o estruturalista radical não é necessariamente criada e recriada na interação
cotidiana, como, por exemplo, muitos teóricos interpretativos reivindicam. A realidade existe
independentemente de qualquer reafirmação que toma lugar na vida cotidiana.
Notas e Referências.
Os três volumes do Capital - a principal obra de Marx - elabora mais uma pequena parte do
esquema posto adiante no Grundrisse. Marx morreu com uma grande porção do seu trabalho
incompleta.
2. Ver, por exemplo, Godelier (1972). Ele sustenta que no Capital há duas Noções centrais de
'Contradição', e uma variedade de contextos nos quais eles são usados. Como ele coloca, a
primeira de todas é a contradição entre trabalhadores e capitalistas. Depois há as 'crises'
econômicas nas quais as contradições aparecem entre a produção e o consumo, entre as
condições de produção do valor e valor excedente e as condições da sua realização e
basicamente entre as formas de produção e as relações de produção. Finalmente ha contradições
entre o capitalismo e a propriedade do artesão e do pequeno camponês, capitalismo e socialismo,
etc. Esta simples lista revela diferenças da natureza e importância entre estas contradições, das
quais são internas ao sistema, e outras existem entre o sistema e outros sistemas. Entretanto elas
podem ser analisadas teoricamente. (Godelier, 1972, p 350).
Nesta 'analise teórica' Godelier coloca que Marx vê algumas contradições como 'especificas'
do capitalismo, criadas por ele e reproduzidas dentro dele. Dentro de tal estrutura estas são
contradições internas 'antagônicas' às estabilidades sociais e provavelmente, portanto, são
centrais para a destruição violenta do modo capitalista de produção. Tal contradição antagônica é
evidente nos sociólogos, etc. em uma luta de classe. Mais importante, contudo, diz Godelier, há
uma contradição entre estruturas reconhecidas no Capital. É a contradição entre o crescimento
da socialização das forças de produção (que é, seu impacto social ampliado) e a base limitada da
propriedade. assim, a longo prazo, ha mais e mais produtores: pouco a pouco pertencentes à
burguesia. Contudo, esta contradição não está originalmente presente no capitalismo; esta só
acontece num certo estágio do desenvolvimento do modo produtivo capitalista quando seu
elemento de liberação 'positiva' se esgotou e a industria de massa substitui a produção de
pequena escala típica do capitalismo inicial.
4. Para a visão que põe ênfase sobre a 'alienação' ao 'valor excedente' indica uma continuidade
em Marx no estudo da 'dialética do trabalho', ver From Alienation to Surplus Value (Walton e
Gamble, 1972).
Perto do fim de sua vida Marx pôs mais próximo ao positivismo tão em moda nos círculos
intelectuais. Esta tendência, começou com o Anti-Duhring e continuou com Engels em seu
Ludwig Feurback and Dialetics of Nature, alcançou seu apogeu nos escritos soviéticos sobre
materialismo histórico. Foi esta tendência que apresentou o marxismo como uma visão de
mundo filosófica ou Weltanchauung consistindo de leis objetivas e particularmente de leis do
movimento dialético de maneira que tomada no sentido metafísico como o constituinte básico da
realidade. Esta era obviamente muito diferente da 'unidade da teoria e prática' como
exemplificada, por exemplo, em as Thesis on Feuerback. Esta preferência pelo modelo das
ciências naturais esteve sempre com Engels, embora com Marx, que tinha, por exemplo, uma
atitude muito mais reservada em Relação ao Darwinismo (McLelan, 1976, p.423).
7. É importante enfatizar que o próprio Marx não usa os termos do 'materialismo histórico' ou
do 'materialismo dialético', e que tem havido muito debate do que exatamente eles significam.
9. Para uma discussão da relação entre as visões política e sociológica, ver Giddens (1972 b).
10. Plekhanov coloca-se como pai fundador da teoria social russa contemporânea. Para uma
seleção de seu trabalho, ver Plekhanov (1974) no qual, sua Posição dentro da Tradição
engelsiana é descrita assim: Plekhanov foi um ardente defensor da dialética materialista que ele
habilmente aplicou à vida social, considerando corretamente como uma realização do
pensamento filosófico marxista. Ele viu neste o esplêndido e o novo, combinado com a
descoberta magistral da concepção materialista da história, distinguindo o materialismo de Marx
dos ensinos de materialismo antes dele. Plekhanov publica os vários aspectos da dialética
materialista e brilhantemente expõe a teoria do desenvolvimento, a correlação entre a evolução e
a revolução, saltos, etc. Nesta conexão ele mostra a oposição entre o método dialético de Marx e
a de Hegel, ele considera o papel da filosofia idealista de Hegel como uma das origens da teoria
do marxismo (Plekhanov, 1974, p. 49).
11. Ver, por exemplo, Gouldner (1970), 'Funcionalism goes East', em Gouldner, The Coming
Crisis of Western Sociology, op. cit., pp. 455-58.
13. Ver, por exemplo, van der Berghe (1979) e a Discussão do Capitulo 2 deste livro.
14. Ha diversas biografias muito boas de ler sobre Kropotkin e seu trabalho. Ver, por
exemplo, Woodcock (1975), p. 121-206; Avrich (1967), p. 26 a 32; Bose (1967), p. 257-298.
15. Para um registro abrangente das Publicações de Kropotkin, ver Bose (1967) p. 261-262.
16. Perry Anderson em Considerations on Western Marxism tende a ver Althusser e Colletti
com o mesmo brilho de Lukács, Gramsci, Marcuse, etc., como parte do 'marxismo ocidental'. No
uso do termo do 'marxismo mediterrâneo contemporâneo' obviamente procuramos diferenciar
este tipo de teorização de outras variedades do marxismo na Europa Ocidental, o 'marxismo
mediterrâneo' é relativamente popular na Grambetanha.
20. Para uma discussão da 'ruptura epistemológica', ver Althusser (1969). Esta Noção é
tomada de Bachelard.
23. Para um glossário útil da terminologia de Althusser, ver Althusser (1969) p. 248-257.
25. Para uma discussão posterior deste assunto, ver Althusser (1969) p. 88-116.
27. Della Volpe (1897-1986) era um filósofo marxista que buscava fornecer uma
interpretação mais positiva do marxismo do que aquelas de Lukács e Gramsci.
30. Para uma discussão de algo comum de interesse entre Max Weber e Durkheim, ver
Giddens (1971).
32. Esta é tomada de Dahrendorf (1959) pp. 237-240. As listas de trinta e nove suposições
apresentadas por Dahrendorf reduzida aqui largamente àquelas que são puramente definicional.
33. O termo 'marxista' é usado aqui como uma simplificação para marxistas teóricos
localizados dentro do paradigma estruturalista radical. O foco de interesse dos 'marxistas’ dentro
do paradigma humanista radical e, sem duvida, muito diferente.