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TRATADO DA CONFORMIDADE COM A VONTADE DE DEUS composto ror S. Aifonsa de Liguori E PUBLICADO NA ‘LINGUA’ PORTUQUEZA PELO- Rev, Padre ‘Thomax Hurst De Gollegia 20 §. Pedra e S. Feels dos Miesionertes Jnglezes we NICTHEROY Escola Cyp. Salesione lela http://alexandriacatolica. blogspot.com COM APPROVAGAO DA AUTORIDADE DIC CONFORMIDADE, com A VONTADE DE DEUS Toda a nossa perfeigho consiste em amar a0 nosso amabilissimo Deus. « A caridade 0 vineulo da perfeigao.» (Coloss, LIL. 14.) B toda a perfeigho do amor de Deus, consiste em unir a nose vontade com a sua santissima vontade. «0 principal effeito do amor diz 8. Dionysio (De Div. Nom. C. 4.), ra vontade daquelles que se amam de maneira, que se torne uma e a mesi tade.» “Por conseguinte quanto mais uma pessoa esté unida com a vontade divina maior seré o seu amor. Penitencias, medi- tagdes, communhdes e obras de caridade, praticadas para com 0 nosso proximo, so de certo agradaveis a Deus, mas quando? quando estas obras sio feitas em confor- midade com a sna vontade, mas, quando ellas no se praticam pela yontade de Dens, nao 86 The sio desugradaveis, mas odiosas http://alexandriacatolica.blogspot.com —4- fe merecedoras unicamente de castigo. Se uum amo tivesse dons creados, dos quaes um trabalhando todo o dia, mas conforme a sua vontade, € 0 outro trabalhando « vontade de sew amo, seguramente o amo estimaria mais 0 segundo do que o primeire. Como podem nossas accdes promover a gloria de Deus, genio forem conformes ao seu d agrado? « O Senhor, disse o Propheta a Saul, nito deseja sacrificios, mas obediencia 4 sua vontade? acaso pede o Senhor holocaustos e vietimas, e nto obediencia @ sua vor? (1 dos Reis, XV. 22, 28.) Aquelle que trabalha segundo a sua pro- pria vontade, e nio conforme a vontade de Dens, commette uma especie de idolatria, porque em lugar de adorar a vontade di- adora de alguma maneira a sua ‘A maior gloria pois que nés podemos dar a Deus, é cumprir sua bemdita vontade em © nosso Redemptor, que baixon dos Céos 4 terra para promover a divina gloria, cumprindo com a divina vontade, vein prinei- pa nos a asim o praticarmos, pelo seu mesino exemplo. Eseutemol-o, como S. Paulo nol-o desereve, fillando ao sen Eterno Pae: Vos nao tendes querido sacri- ficio nem oblagio, porém haveis-me dado um corpo... Entiio et disse, eis-ine aqui 6 Deus, a5 para fazer a vossa vontade.» (Heb. X. 5. 9.) Vos tendes recusado as vietimas que 08 homens vos tem offerecido, e me ordenastes sacrificasse 0 corpo que me haveis dado, cis-me prompto a fazer a yosea vontade E cle repetidas vezes deelara, que nio vein fazer a sua vontade, mas sim a de seu Eterno Pae: «En desei do Cé0, nfo para fazer a minha vontade, mas sim para cum prit a daquelle qne me envion. » (S. Jodo. VI.) E nisto, desejava Elle, que 0 mundo conhiecesse 0 amor que tinha a seu Pae, na sua obédiencia 4 sua vontade, a qual era que Elle fosse crucifieado sobre uma eruz para salvagio do genero humane: por isso, quando o Senhor se adiantow a encon- trar seus inimigos, no horto de Gethesemani, bam para o prender © matar, Elle + «Eu me entrego ao seu furor, para que 0 mundo veja que eu amoa meu Pae: fe que cumpro o que men Pae me tem or- denado: levantai-vos pois © vamos daqui.» (8. oto XLV. 81.) B desta maneira cam- prindo, com a divina vontade, Elle disse que couhecia quem era sen irmio: « Aquelle que tizer a vontade de men Pae, que esi no Céo, esse 6 men itmao.» (S. Mathews XU. 50.) —6— 1, Tem sido sempre este o fim que os Santos todos tem levado em vista: a con- formidade com a vontade de Dens, conhe- cendo mnito bem, que nisto consistia a pu- rer da ahna. 0 beato Henrique Suso, disse: « Deus nfo quer que nos abundemos em luzes espirituacs, mas sim que em tudo nos con- formemos com a sna divina vontade.» E Santa Thereza: « Tudo 0 que se deve pro- eurar no exercicio da oragio, é a confo midade da nossa vontade com asvontade di- vina, tendo por certo, que vonsiste a maior perfeigin, Aquelle que for maigsuperion nesta pratica, recebori. maiores mereés de Deus, © fard os maiores progrestos no en- minho da perfeigto.» A Beata Stephania de Soncino, religiosa da Ordem de S. Domingos, sendo arrebatada em espirito © levada. ao em uma visio, vin algumas pessoas que conhecia, ¢ que tinham morrido, collo- cadas entre os Seraphins, ¢ The foi dito que tinhio sido exaltadas a tio alto gréo de gloria, em consequencia de sna confor- midade com a vontade de Deus, em quanto estiveram sobre a terra: ¢ 0 beato Suso, que acima mencionimos, fallando de si e510, : «Bu antes queria ser 0 is vil inseeto quo se arrasta pela terra, es pela vontade de Deus, do que ser um Se- raphim pela minha vontade. Nés devemos neste mundo aprender dos Santos, que estio no Céo, a maneira de amar a Dens. O amor e pnro ¢ perfeito queos Bemaventurados no Céo n para com Deus,consiste em uma per- feita unio da sua divina vontade. Se os Seraphins entendessem ser esta vontade, que elles levantassem montes de aréa sobre as praias do mar, por toda a eternidade, ou que arrancassem herva nos jardins, elles 0 fariam com o maior prazer'e gosto. E mais ainda: se Deus Ihes significasse que seriam gueimados no ogo do inferno, elles deset riam immediatamente ao abysmo, para cum prirem a vontade divina. E é 0 que Jesus Christo nos ensina a pedir, que se faga a je de Deus na terra, como os Santos © fazem no C60. (8. Math. VI. 10.) Nosso Senhor chama a David «um homem segando 0 men coragiio, porque cumpriu todas as minhas vontndes;» (Actos, XILL. 22. David sempre estava prompto a abragar fa divina vontade, como elle mesms declara. <0 meu coragiio est prompto, oh! me Deus, 0 meu coragao esti prompto. » (Ps. LVI. 8.) E tudo quanto elle pedia a0 Se nhor, era que Ihe ensinasse a cumprir a sua divina vontade: « Ensinae-me a fazer Vossa Vontade. (OXLIT. 10.) —~8— Um acto do perfeita uniformidade com a vontade divina, basta para constituir um Santo. Veja-se 8. Panto: no tempo em que era 0 perseguidor da Igreja, foi illuminado e convertido por Jesus Christo: ¢ depois como proceden? que disse? Tndo quanto fez foi offerecer-se 4 divina vontade, di- ‘zendo: «Senhor, que_quereis vés que ow fagat» (Aet. LX. 6.) Eo Senhor Ihe decla- Tou, que seria um vaso de eleigio ¢ 0 Apos- tolo dos gentios. » (Aetos LY. 15.) Aquelle que entrega a Deus a sua vontade, entrega~ Ihe tudo. Quem ai seus hens em esmolas, seu corpo as disciplinas, e seu alimento ao jejum dé uma parte do que possue: mas aquelle quo entrega a Deus a sua vontade, dit tudo, € pode dizer: « Senhor eu sou pobre, mas eu vos dou tudo quanto possuo, dando- vos a mi- nha vontade, ¢ nada mais tenho que vos dar.> E? isto 86 que Deus espera de nés: « Filho, diz Elle a cada um de nés, da-me 0 teu co- ragio. » (Prov. XXII. 26.) isto 6, a tua vontade; nés, diz Santo Agostinko, nko po- demos offerecer a Dens consa que mais a- gradavel Ibe seja, que dizer-Ihe: « Senhor, tomae posse de nés: nds vos entregamos & nossa vontade, fazei-nos saber o que exigis do nés, 0 nés'o cumpriremos. » Se pois queremos dar um grande prazer a Deus, devemos conformar-nos com a sua je divina vontade; mas nao 86 conformar-nos, porém unirmo-nos aos seus mandados : con- formidade, expressa a unidio da nossa com a vontade de Dens; mas iniformidade ger dizer mais, quer que a vontade divina ea nossa seja uma 86: de mancira que nao de- vemos desejar, senio o que Deus deseja © quer. B esta a maior perfeigio & qual de- vemos aspirar: este dove ser 0 objecto de todas as nossas aegdes, de todos os nossos descjos, meditagies e oragdes. Para isto de- vemos pedir o soccorro do nosso Anjo da gnarda © Santos, nossos advogados, @ sobre tudo a proteccio da Santissima Mie de Dens, a qual é a mais perfeita entre todos os Santos, e porqne foi quem mais perfei- tamente abragou a vontade divina em todas as occasies. tL. Porém o grande ponte é abragar a vou- tade divina em tudo quanto acontece, seja agradavel ou desagradavel 4s nossas incli- nagées. Nas cousas agradaveis, 08 mesmos peceadores s¢ conforma coma vontade de Dens, porém os Santos unem-se & youtade divina, mesmo quando sio desagradaveis € contra’ amor proprio. Nisto se prova 0 nosso amor para com Deus. O padre Joao Conformidade, ete. 3 —10— @Avila, dizia: « Tma acgio de gragas no tempo da tribulagio vale mais que mil actos de agradecimento no tempo em que tudo nos prospera. » Demais, nds nfo 86 devemos unir-nos a divina vontade nas adversidades que divec- tamente nos vem de Dens, como a doenga, a desolagio do espirito, a pobreza ea morte de nossos parentes, mas tambem nos casos promovidos pelax ‘ereaturas, assim como 0 desprezo, a perda da reputagio, a injustiga 0s roubos e todas as mais perseguicdes, Devemos attender, quando soffvemos inju- rias na nossa reputagio, honra on bens, que nosso Senhor nio deseja 0 peccado, que os mas sim a nossa hus milhagio, pobreza @ mortificagio E’ certo e de boa fé, que tudo quanto acontece no mundo é por permissio divina : « Eu sou © Senor, féra de mim nio ha outro sou o Senhor que faco todas as cousas » (Isaias ALI. 7.) Do Senhor nos vem os bens ¢ 08 males, porque nos so contrarios, mas que realmente slo para nés bens, quindo os aceeitamos de suas mios: diz o propheta Amos: > Haveré mal em alguma cidade, que o Senhor nao tenha feito? » ( III. 6.) © Salomio diz: «<0 bom e o mal, @ vida, ® morte, a pobreza ea riqueza’ de Deus nos provém. » (eel. XI. 14.) 'E? certo, —u-— conforme 0 gue en tenho dito, que quando 0 homem vos offende, nao é esta offensa dese- jada por Dens, nem Elle concorre na malicia do sna vontade, mas eoncorre pelo concurse al das acgdes materiaes que vos affligem, ergonham on injuriam, de maneira que « offensa reeebida, 6 sem duvida permittida por Deus, e vem de sua mao. Assim o Se- hor o disse a David, que Elle seria 0 autor das injurins que havia de receber de Absala « Levantarei males contra ti, que procederio «de tua propria casa; tirar-te-hei tuas mu- < theres dinnte de tens othos, @ isto em eas- « tigo dos tens peceados. » (2 dos Reis XIL. 11,) Tambem disse aos Hebreos que, em consequencia de suas iniquidades, thes man- daria os Assyrios para os despojarem ¢ arruinarem. « Ai do Assyrio, elle 6a vara ea espada da minha Eu o mandarei para os despojar, » (Zs. X. 5. (6 Santo Agostinho assim explica isto: a impiedade dos Assyrios foi a espada de Deus, para cas- tigo dos Hebreos. Eo mesmo J. Christo disse a 8. Pedro, que a sua morte © paixio nao proveria tanto dos homens, como da vontade de seu Eterno Pai: < Nao beberei Eu o calix que 0 Pai me deut » (8. Jodo. XVIII. 1.) Quando o mensageiro (0 qual se julga ter sido o diabo) veiu dizer a Job, que 0s Sa- http://alexandriacatolica.blogspot.com we beanos, Ihe tinham tirado os seus bens © morto o8 seus filhos, que respondeu o Santo homem! « O Senhor os de, ¢ 0 Senhor os levou. » (J. 21.) Elle nao disse: <0 Senhor den-me filhos © bens, © 05 Sabeanos tudo me tiraram, mas sim: 0 Senhor m’os dew © oSenhorm’os levou; porque elle bem sabia que a sua perda fora permittida pelo Omni- potente, © depois acerescontou : « Assim como foi do agrado do Senhor, assim se fez: Yemdito seja o nome do Senhor. » Nao de vemos portanto receber nossos infortunios, como da mio do acaso ou da malicia dos ho- mens, mas devemos estar persuadidos que tudo quanto nos aconteee, & pela vontade de Dens. « Conhecei, diz Santo Agostino, que tudo quanto no mundo vos succede é pela vontade de Deus, ainda que seja contrario a vossa. » C Iv. Bpitecto © Atho (Ros. L. 1.) dous Bem: aventurados Martyres de Jesus Christo, quando soffreram 0 tormento, queimados com fachos por ordem do tyranno, e dilacerados com ganchos de ferro, disseram sémente: « Senhor, seja feita em nds a vossa vontade. «E quando chegaram ao lugar da execugio, 13 — exclamaram em altas vores: «Bemdito sejaes, 6 Deus Eterno, porque a yossa vontade se cumpriu amplamente em nés. » Cesario relata (Liv. 10, Cap. 6.) que certo religioso, que ainda que exteriormente nao era differente dos mais, tinha comtudo chegado a um tal grio de santidade, que pelo mero toque de seus habitos, curava aquelles que estavam doentes. O ‘Superior admirado disto, per- guntou-Ihe como fazia elle estes milagres, nio vivendo mais exemplarmente do que os outros: ao que o religioso responden que tambem sc admirava, © nio sabia a razio disso: mas gnaes sid as Vossas devocbes? Ihe tornou o abbade. O bom religioso repli- cou, que poncas eram, ou para melhor dizer, nenhumas, mas que sempre tinha cuidado de entregar a sua vontade vontade de Deus, € que nosso Senhor The havia coneedido a graga de abandonar inteiramente a sua von- tade « divina « A prosperidade nfo me eleva, nem a adversidade me abate, porque eu tndo recebo como vindo da mio de Dens, 6 para este fim dirjjo todas as minhas preces, para que a sua vontade se eumpra perfeitamente em mim. » O Superior Ihe replicon: < Nao ‘Vos resentistes v6s hontem contra o inimigo, que tanto nos prejudicon, roubando-nos os nostos mantimentos, ¢ langando-nos 0 fogo na nossa propriedade, destruindo-nos 0 nosso —u— gado e a nossa seitra? Nfo, foi a sua resposta, pelo contrario, dei gragas a Deus como eos: tumo fazer em ignaes desgracas; conheeendo que Deus faz ou permitte tudo para a san maior gloria e nosso maior bem; € por esta razio sempre estou contente, sneceda o que suceeder. » Ouvindo isto o abbade, © vendo-o ‘em tanta mniformidade com a vontade divina nao s¢ admirou mais de que elle fizesse mi Jagres. Aquelle que assim fazer ndo s6 vem a ser am grande Santo, mas goza de wma paz perpetua, Affonso 0 grande, rei de Aragio, principe © mais sabio, perguntando-se-lhe quem pen- sava elle que era o homem mas feliz, res- pondeu « aquelle que em tudo se’ con- forma com a divina vontade, © que recebe ¥s bens © 05 males como se viessem das mios de Deus,» Aquelles qne amam a Deus, todas as cousas concorrem para bem. (Rom. VIZZ. 28) Aquelles que amam a Deus, vivem sempre satisfeitos, porque todo o seu prazer é camprir a divina vontade, mesmo nas cosas que The sto desagradaveis tanto que as ingnietagdes se madam em deleites, pelo pensamento de que, acceitando-as voluntaria- mente, agradam a seu amado Senhor. «Tudo quanto acontecer av homem justo, 0 nao en- tristecerd. » (Prov. XII. 21.) E com effeito, que maior felicidade péde 0 homem expe- =15 — rimentar, do que o cumprimento de seus desejos! Entio, quando se deseja 0 que Deus quer, tem cada um tudo quanto deseja, pois que (excepto 0 peecado) tudo quanto sue~ ceder no mundo é pela vontade de Deus. Contase nas vidas dos padres, que certo Javrador colhia sempre maior quantidade de fructos do que os seus vizinhos, e pergun- tando-se-lhe 0 motivo, respondeu: — que se niio admirassem porque as estagdes andavam sempre a seu arbitrio, — Como assim’ dis- sera os outros; — porque, responden elle, nunea desejo outro tempo send aquelle que Deus manda, € como en quero o que Deus ‘quer, elle tambem me faz a vontade, dan do-me wma boa colheita, — As almas x signadas, diz Salviano quando se sentem humilhadas, confessam a sua humilhagio; quando sio pobres, soffrem voluntariamente asua pobreza; em ums palavra, resiguam-se a tudo quanto Ikes acontece, € por isso sio sempre felizes durante a vida. Se chega o calor, 0 frie, on a ehuva, aquelle que se conforma é vontade do senhor, diz: « Bu desejo que haja calor, ¢ frie, on ehuva, porque essa 6 a vontade de Dons.» Se a pobreza, a perseguigio ou doenga o affligem, ou a mesma morte, elle dirt: Tal era, em uma palavra, este pobre homem, pela sua uni- formidade com a vontade divina: elle na sua pobreza era seguramente mais rieo de is vost — http://alexandriacatolica. blogspot.com — 20 — que todos os monarchas da terra, @ mais feliz em seus padecimentos, que todos os mundanos no gozo de todos os prazeres. Quiio grande 6 a estupides daquelle, que resiste 4 vontade divina! Vorgoso é soffrer tribu- lagdes, porque ninguem se péde subtrahir a0 cumprimento dos divinos deeretos, Quem resiste 4 sua vontade? (Kom. IX. 19) E softrel-as-bio sem fructo, © tambem trarao sobre si maiores eastigos na vida futara, e maior anciedade na presente Quem jamais Ihe resistiu, obteve par? (Job, 1X. 4) Seo homem enfermo se queixa de suas dé- res ¢ enfermidades, se 0 que & pobre menta a sua sorte perante Deus, & xe enfu- rece e blasphema; que Ihe resulta sendo 0 augwento de suas affiicgdes? « Que proeuras tu, oh homem, diz Santo Agostinho, quando procuras bens? Procura o unico bem, nof qual se encerram todos os bens. >» Que procuras tu excepto Dens? Procura-o, ¢ acha-o; une-te ¢ liga-te a Elle, a sua vontade, viveras feliz nesta ena outra vida vi. Nruma palavra, que mais deseja Deus, nao seja 0 nosso bem? Quem acharemos nés, que nos ame mais do que Deus? A sua yon. tade € nio 6 que ninguem se perca, mas ae que todos se fagam Santos e sejam salvos: Nao querendo que alguem pereca mas que todos se arrependam. (8. Pedro 2. 9.) A yontade de Dens é a vossa santificagio. (4. Thess. IV, 3.) Deus tem collocado a sua propria gloria no noséo bem porque sendo em sua essencia infinita bondade, como diz 8. Leto, e a bondade sendo por’ natureza desejosa de communicar-se, Deus tem 0 80- verano desejo de nos fazer participantes de seus bens ¢ felicidade, E se nos manda as tribulagées nesta vida, manda-as todas para ‘@ nosso bem : Tudo coopera para bem nosso. (Bom. VIII. 28.) 0s mesmos castigos, diria a Santa Judith, nio vem para nossa Tuina, mas para nossa emenda e salvagéo. Acreditemos pois, que estes flagellos do Senhor aeontecem para nossa emonda, ¢ nao para nossa destruigao. (Judith. VIIL. 27.) NossoSenhor para nos salvar de eternas penas, cerea-nos com a sua bondade: 0° Senior, tu nos tens oroado como com um escudo da tua vontade. (Px. V. 13.) Elle pio 86 deseja, mas sollicita 0 nosso bem: 0 Senhor 6 zeloso em meu beneficio. (Pa. XXXIN. 18.) E qual seré a cousa, diz 8. Paulo, que Deus nos negara, Elle que os deuo seu proprio Filho? Elle que nao poupou o seu Unigenito, mas que entregou por nds 4 merte, nao nos deu com — 22 — Elle todas as cousas? Rom. VUZ. 82.) Com confianga, portanto, devemos resignar-nos aos divinos deeretos © determinagées, como sendo tudo para nosso bem: Em paz, na mesma paz dormirei e descangarei porque tu, 6 Senor, me tens seguramente inspi- rado esperanga. (Ps. IV, 9. 10.) Entre- gue-mo-nos pois em suas mios, porque Elle sem duvida tera cuidado de nés: ponde todo © vosso enidado n’Elle, porque Elle tem eui- dado de vos, (I. 8. Pedro V. 7.) Pense- mos pois em Deus ¢ no cumprimento de sua santa vontade, para que Elle pense em nds € no nosso bem. Filia, disse o Senhor 4 Santa Catharina de Sena, pensa em mim, para que ew pense sempre em ti. Digamos frequentomente com a sagrada Esposa meu Amado para mim, © eu para Elle, (Cont. IL 16.) 0 mew Amado pensa no meu bem, ¢ ew 86 devo pensar em agrada Lhe, © unir-me em tudo sua santa von- tade. O santo Abbade Nilo disse, que nao devemos rogar a Deus para conseguirmos © que desejamos, mas sim para que e n6s se cumpraa sua santa vontade, E quando aadversidade nos persiga, acceitemol-a das mios de Deus, nao s6 com paciencia, mas com alegria, segundo o exemplo dos Apos- tolos, que saliram da presenga do conselho, alegrando-se de serem dignos de padecer 23 opprobios pelo nome de Jesus Christo. ( Act. V. 4.) Qual péde ser a maior felicidade da alma, do que saber, quando soffre qual- quer tribulagdo, que soffrendo de boa vou tade, se torna sobre tudo agradavel & Deus? Os escriptores sobre a vida espiritual nos dizem gue, ainda que Deus se apraz com 6 desejo que algumas almas tem de soffrer por Bile, e de Lhe agradar, muito mais Lhe 6 uniformidade daquelles que nem desejam gozar nem soffrer, mas que inteiramente se resignam 4 sua santa vontade, desejando 86- mente cumpril-a. Se desejacs agradar a Deus, ¢ viver feliz no mundo, uni-vos sempre todas as cousas « vontade divina. Refleeti que todos 08 vossos peceado, © a amargu de yossa vida passada tem procedido de vos affastardes da voniade de Dens. Abragae pois daqui em diante a vontade divina, ¢ dizei sempre em qualquer acontecimento: Assim seja, meu Pae, porque assim & agradavel a a tua vista. (S. Mart. 26) Quando vos inguieta algum easo adverso, pensae que vos foi mandado por Deus, ¢ dizei imme- diatamento, Mado fiquei e nito abri_a bocea, porque vés o tendes feito (Ps. XXX VIII. 10. )« Senhor, pois que v6s assim 0 fizestes, eu nada digo, © 0 acccito. » A este fim de- irigir todos os vossos pensumentos © oragdes, procurar rogar a Deus na medita- — slo, na communhio,nas visitas ao Santis- simo Sacramento. para que vos auxilie a cumprir a sua vontade. E mesmo offerecer- vos a Elle, dizendo: « 0? meu Deus, eu aqui estou: faga-se em mim, e em tudo quanto ame pertence, 0 que for mais do vosso agra- do, » Era esta uma constante pratiea de Santa Thereza: pelo menos esta Santa se offereci® a Deus cineoenta veres no dia, pa- ra que Elle se dignasse dispar della, como melhor Ihe agradasse. VIL. Feliz de vos amado leitor, sg sempre fa- zeis outro tanto | a santidade sera a conse- queneia, e, tendo pasado uma ditosa vida, conelniré com uma nio menos ditosa mor- te, Quando se passa desta para outra vida, a@esperanca que os que ficam, concebem da salvagio do que foi, procede do conhe- cimento que haja, de que morrer com resig. nacio. Se abragamos todas as vicissitudes da vida, como vindas da mio de Deus, e mesmo a morte, com submissito 4 sua von- tade, por certo que morreremos santos, © seremos salvos, Abandonemos-nos pois em tudo 4 boa vontade d’Aqnelle Senhor, que Sendo o mais tabio, conhece 0 que melhor nos convém: © sendo 0 mais amante, pois que deu a sua vida por nosso amor, quer tambem 0 que é melhor por nés. Fiquemos certos © persuadidos, diz 8. Basilio, que Deus procura o nosso bem, sem comparagi melhor, do que ns © podemos procurar on desejar. Mas prosigimos e consideremos em que coisas nos devemos unir com a divina vontade. 1." Devemos unit-nos a vontade de Deus nas coisas naturaes, como quando faz frio, calor, quando chove, ou em tempo de es- easser ont epidemia, ¢ em outros casos iguaes. Devemos abster-nos de dizer: que intoleravel frio, que horroroso calor! que desagradavel estagiio! ow; fazermos uso de algumas ex- Presses que mostrem a nossa repugnancia para com i yontade de Deus. Devemos querer tudo como é porque Deus de tudo dispoe. S. Francisco de Borja, indo uma noite a um ‘convento da sua ordem, em quanto que nevava muito, bateu porta muitas veres; porém os padres que esta dormindo nao Ih’a_abriram indo amna- nhecet, muitos delles lastimavam tel-o feito esperar tanto fora de casa; mas o Santo Ihes disse « que elle tirdra muita consolaciio durante aquelle tempo, pensando que era Deus quem tazia cahir os flocos de neve sobre elle. » 26 2.° Devemos unir-nos & divina vontade, quando padecemos fome, sede pobreza, desolacdo © deshonra, Em todo" o caso de- vemos dizer: «Senhor, ti fazes © desfazes © eu estou contente, desejando unicamente foque tu queres » E 0 mesmo devemos dizer, diz Rodrigues, naquelles casos imaginarios suggeridos por Satanaz, na intenciio de nos fazer cahir em alguma maldade, ou pelo menos para nos inguietar. Se algnem vos dissesse estas ¢ aquellas palavras, ow vos fi- zease estas on agquellas offensas, que di- rieis? que farieis? Devemos responder: En diria e faria o que Dens quizesse » E assim nos livrariamos de toda a falta de inquietacdo. 8.0 Se temos algum defeito natural, on no nosso espirita ou no nosso corpo, como ter pouea memoria, engenho rude, pouen habi- Tidade, falta de alga membro, saude fraca, niio nos lastimemos. Pois que merecimento tinhamos para que Deus nos désse uma ala muis sublime, ou um corpo mais bem or- ganisado? Nao‘podia Elle permittir que n cessemos na classe dos bratos? Nao podia Blle deixar-nos no nosso nadat Demos gragas ao Senhor por tude que sua bondade nos tem concedido, ¢ por tudo que faz. Quem sabe, se tendo nds tide maiores ta- Tentos, uma perfeita saude, um corpo €X- — 21 tremamente bem organisade, nos teriamos perdido! A quantos a sua seiencia e 0 sen saber tem sido a origem da soberba © do desprezo com que tratam ox ontros, e por isso cansa da sua perdigio? Em tal perigo estio outros muitos, que se adiantio nas seiencias e nos talentos. A quantos ontros helleza 6 suas forgas tem sido causa de Inuitos crimes! E ao contravio quantos por serem pobres, enfermos ¢ disformes na sua figura, se tem salvado, ¢ sido santos? E quantos se fossem ricos, instruidos © de boa presenga, 6 teriao perdido © condem- nado? Portanto, eontentemo-nos com 0 que Deus nos tem concedido. Nio 6 necessaria abellera, a sande, nem um engenho agudo, 86 énecessario 0 salvar-nos, disse Jesus, Christo, 7 4.4 Devemos particnlarmente ser resig- nados nus enfermidadades corporaes, © vo- Inntariamente abragal-as de maneira e pelo tempo que Dens tenha determinado visi- tar-nos com ellis. Devemos tomar remedio, para restaurarmos a sande: porque tal é a vontade de Deus: porém, nao aprovaitando estes, devemos unir-nos ‘é vontade divina, (© que nos seré de maior vantagem do que a mesma sande; © devemos dizer em occa 8 taes: E? sem duvide grande virtude, nao lamentar nossas_afftic- goes, durante o tempo da dér on enfermi dade; porém, quando estas pesam sobre n6s, mio nos 6 vedado descrevél-a a nossos a- migos, nem mesmo rogar a Dens que nos livre dellas. Falo daquellas déres ou enfer- midades que atacam severamente, que muitos ha to insoffridos, que pela mais leve in- Aisposigio ou fadiga, pretendem obter a compaixto de todos. 0 mesmo Jesus Christo, comecando a sna Paixio, dea a conhecer a seus discipulos a sua tribulagio: < A minha almaesté triste até a morte » (8. Math. XXVIL 38.) E elle rogou a0 seu Eterno Pai 0 livrasse della: «Meu Pae, se 6 pos- sivel, passe de mim este ealix. » (ibid. 39.) Mas 0 mesmo Jesus nos ensinou, que 0 que devemos fazer depois de taes preces, é re- signar-nos immediatamente & vontade ¢ vina, dizendo: «nao como eu quero, mas como vos quereis, » Vil. Quio loucos sie aguelles que desejan a sande, nio s6 para nio soifverem, mas para mais poderem servir « Deus, observando as egras, assistindo em communidade, indo 4 agreja, recebendo a Sagrada Communbao eo fazendo penitencias, trabalhando, onvindo onfissdes © pregando! Mas, pergunto eu, porque desejaes vés fazer essas coisas? Para agradar a Deus? Para que procuraes vés agradar-Lhe nessas coisas, quando conheceis que Ihe nao é agradavel a pratiea de vossas ordinarias devogdes, communhées, peni- tencias, estudos on sermdes; mas sith que supporteis com paciencia as déres e enfer- midades que Elle foi servido mandar-vost Uni pois vossos padecimentos nos de Jesus Christo. Porém é-me penoso ser pesado conmunidade, Conformas a vontade de Dens, © persnadi-vos que vossos superiores estado resignados a el vendo que servis de peso & communidade, pela vontade de Deus, e no por preguiga vossa. Vossos desejos ¢ mortificagies, niio procedem do amor de Deus, mas sim do amor proprio, que procura pretextos para se desviar da vontade divina, Se desejarmos agradar a Deus, quando nos acharmos do- entes ¢ de cama; basta repetir estas pala- yras: « Senhor seja feita a vossa vontade; > por cujas palavras agradaremos mais a Deus, que por todas as devogdes e mortificagses que nos seja possivel offerecer-Ihe. Nao ha me- Thor caminho no servi¢o de Deus, do que aquelle que nos conduz a abragar a sua vontade com alegria. O veneravel padre http://alexandriacatolica.blogspot.com — 30 — Avila ( Bpist. 2.) esereveu a um sacerdote ane estava enfermo: « Ainigo, io vos in- qnieteis com 0 bem que poderieis fazer, se estivesseis bom, mas contentae-vos de conti nuar doente todo o tempo que Deus quizer. Se procuraes a vontade de Dens, indifferente vos deve sero estar mal on de saude. » E certamente assim 0 podia dizer, porque as nossas obras nao glorificam a Deus, mas sim a nossa resignagio ¢ conformidade i sua san- tissima vontade. Daqui diz, tambem 8. Francis que Deus 6 mais bem servido por nosso: padecimentos, do que por nossas fadigas. Em muitas oceasioes 08 medicos, ou os re- medios faltam, ou 0 medico nio percebe a molestia, Em tal aso devemos unir-nos si yontade divina, que indo isto dispie par nosso maior bem. Conta-se de um devoto de 8. Thomaz de Cantnaria (L. 5. C. 1.). que estando doente, fora & sepultura do Santo para recuperar a saude. Melhoron pois, e volton ao seu paiz; porém entiio pensou comsigo mesmo: se a minha enfer- midade fosse vantajosa para a minha sal- ‘Vaio, qne uso poderei fazer da sande? Neste pensamento, volton ao sepnichro do Santo, € The supplicon que togasse a Deus para que The concedesse 0 que melhor contribuisse para a sua salvagiio; depois do que, reeahin 10 de Salle ay om a mesma doenga, ¢ ficou perfeitamente satisteito, persuadindo-se que Deus o affligia para seu maior bem, Snrio relata o mesmo de um eégo, que tinha recobrado a vista pela intereessao de S. Vedasto, bispo: mas depois pediu que se a vista Ihe nao era proveitosa a alma, queria tornar a ser cégo; € tendo feito esta supplica, novamente se achou cégo como dantes. Portanto, ou estejamos enfermos on siios, nio devemos pedir, nem a sande, nem a molestia, porém entregarmo-nos inteir: mente & divina vontade de Dens, que é quem dispie de nés como the apraz. Mas, se pe- dirmos a saude, seja ao menos pedida com resignagio, ¢ express io de que a sande do corpo nfo seja prejudicial « sal- vacio da alma, de ontro modo nossa suppliex seria defeitnosa, @ nao seria ouvida, porque Deus 86 onve ayuellas rogativas, ‘que so acompanhadas de resignac A enfermidade 6 a pedra de toque da alma, porque a enfermidade e a doenga des- cobrem 0 caracter da virtude qne a alma possue, Se uma pessoa se niio desasocega, 80 nao se queixa, s¢ ndo di inquietagio, se obedece as pessoas, que tratam, a seus 32 superiores, © se esté perfeitamente tran- quilla ¢ resignada 4 vontade divina, signaes sto estes de quo posse muita virtude, Mas que diremos daguvlle doente, que se queixa © que nio é bem tratado? qne suas dores sto insupportaveis? quo nada o me- Thora? que seu medio & ignorante? E que mesmo algumas vezes se queixa, de que a mfio de Dens peza sobre elle? 8. Boaven- tura relata na vida de S. Francisco (0. 14.), que 0 Santo achando-se ataeado de extraor- Ginarios padecimentos, wm dos sens reli- giosos lhe dissera: « Padre, pedi a Deus que vos trate mais benignamente: porque a sua mio carrega demasiado sobre vos.» Ao ouvir isto replicoa S. Francisco em alta von — 83 — Tem esta conformidade referencia tam- bem & perda de pessoas, que promoyem o nosso hem temporal ¢ espiritual. Pessoas assaz devotas sio muitas vezes culpaveis neste ponto, niio se resignando as divinas determinagoes. A nossa santificagio deve proceder de Deus, @ niio de ,nossos espir tuaes directores. E’ sua vontade que nos aproveitemos delles para guia daalma, quando nol-os dé: porém quando nol-os tira de- vemos conformar-nos, e augmentar nossa confianga na sna bondade, dizendo: « ‘Tu, 6 Senhor, me déste este soccorro, ¢ agora ny’o tiraste, bemdita seja para sempre a tua vontade, porque tn mesmo supprinis essa falta, © me ensinariis como te devo servir. » Igualmente devemos acceitar das mos de Deus, outra qualquer eruz que Elle se digne enviar-nos. Mas tantos padecimentos, direis vés, sto. castigos. Eu respondo: « Acaso niio'si0 os castigos, que Deus nos envia nesta vida, gragas @ beneficios? Se 0 temos offendido, @ necessario satisfazer & divina justiga de algum modo, ou nesta on na vida fatura, A isto exclamaremos com Santo Agostinho: «Cortai ¢ quemai aqui, 6 Se- nhor, mas poupai-me na outra vida.» E com 0 Santo Jéb: «Seja consolagio minha que, affligindo-me com tristeza, Elle me nao poupe. » (PI. 10.) Aquelle que tom mere- — 34 cido 0 inferno, deve consolar-se, quando Deus 0 castiga neste mundo, porque isto The inspiraré a esperanga, de que Deus o isen- tari do castigo eterno. Digamos entio quando Dens nos pune, o que dizia o summo sacerdote Heli: «E’ 0 Senhor; faga Elle 0 qne for justo agradavel a seus ollos. (L. dos Réis IID 18.) ‘Tambem nos devemos resignar na deso- lagio do espirito. Nosso Senhor, quando uma alma se entrega 4 vida espirit tuma soccorrel-a com abundai gées mysticas, em ordem a subtrahil-a aos mundanos deleites; porém, vendo-a estabe- lecida em espirito, retira sua omnipotente mio para obter uma prova do amor, qne esta alma Ihe dedica, © ver, se ella o servird sem a recompensa neste mundo de delicias sensiveis. «Em quanto vivermos no mundo, diz Santa Thereza, a nossa yan tagem nao é tanto em gozar de Deus em si mesmo, como em fazer i sua divina von- tade.» E em cutra parte, diz: <0 amor de Deus niio consiste tanto em ternuras espi- rituaes, como em servil-o com fortaleza & humildade. » E contimia: «Deus experi- 35 — menta aquelles que ama, com seccaras es- pirituaes e tentagdes. » Deve pois a alma agradecer a0 Seubor, quando Lhe apraz favorecel-a com dogaras espiritnaes; mas niio affligir-se, nem impacientar-se, quando a entrega a desolacio, Devemos especial- mente attend ponto; porque al- gumas almas fracas; quando experimentam seccuras espirituaes pensam que Deus as tem abandonado, pelo menos que Iles nao 6 propria a vida espiritual, © por este mo- tivo desenidam-se da oragio, © perdem o benefico resultado do que até alli haviam pratieado. Nio ha melhor occasito para a conformidade com a vontade de Deus, do que 6 tempo da seccura espiritual. Nao digo que nio seja sensivel a perda da divina presenca: impossivel & qne a alma a nio sinta, e a uo lamente, quando 0 nosso mesmo Redemptor a sentiu © lamentow sobre a ernz: « Men Dens, men Deus, porque me desamparaste? » (S. Math. XNVIL. 46.) Porém em tio grande affliegin, devemos re- inteiramente com a yontade de Nosso Senhor. ‘Todos os Santos soffreram, secenras ¢ desolacio de expirito, < Que di rea de coragio eu experimento? dizia S. Bernardo, ja no gozo ua leitura espiritual, nem meditagdo. » A maior parte dos Santos viveram em sei ‘tual, sem con- — 36 — solagdes, Estas, 0 Senhor niio as concede seniio Taras vezes, © talvez aos espiritos mais fracos, para que nio parem na car- reira espivitual. As delicias da recompensa, nos sio preparadas por elle no Céo. Este mando & 0 Iugar onde as adquirimos pela penitencia; 0 Céo 6 o lugar da recom- pensa. Por consequencia os Santos nio se entregavam ao fervor com deleites, mas sim com penitencias. © veneravel Joao d?A- vila, dizia: (Audi. fil. C. 26.) «Oh! quio melhor é estar em gecenra e tentagio com avontade de Dens, do que em contempla- io sem ella! > Mas dircis v6s: Se eu soubesse que esta solagio vinha de Dens, ficaria satis~ feito; porém o que me afflige e me perturba € 0 temor, que proceda das minhas faltas, que seja um castigo de minha tibieza. Pois bem, langai fora essa tibieza, e séde mais diligente. Mas talver. porque estaes em trevas, vos achais inquieto, vos deseui- dais da oragho © espiritual exereicio, ¢ sim tornais 0 mal peior® A seccura espiri- ‘tual pode-vos ter sido mandada como um castigo, como en tenho dito; mas nio vos € ella mandada pelo Altissimo? Acceitai-n pois, como win castigo que tendes merecido, uni-vos 4 divina vontade, Nao dixeis vés que tendes merecido o inferno? Entio an Porque vos lamentais agora? acaso mere- eeis receber consolagdes de Deus? Fieae pois satisteito da maneira, com que ao Se- nhor apraz o tratar-vos: continnae vossas devogies, © avangae com intrepidez, recei- ando que para 0 futuro vossos lamentos procedam de falta de humildade eri signagio 4 vontade de Deus. Quando a alma se entrega 4 oragio, nio pode derivar della maior vantagem do que a unidio com a von- tade divina; resignai-vos pois, e disci: (2. Cor. http://alexandriacatolica.blogspot.com — 40 — XII 9.) B assim, quando Deus nos nao concede a mereé de vivermos libertos de tentagdes qué nos molestam, digamos, Senhor faze © permitte 0 que quizeres: a tua graca me 6 suffieiente; mas dié-me 0 ten auxilio que eu nfo a perea. Nao sio as ten- es, mas o consentir nellas, que nos priva da divina graga. Quando resistimos as ten- tagdes, tornamo-nos mais humildes, ¢ ad quirimos mais merecimento, que nos induz a recorrer a Deus com mais frequencia, iS estamos mais longe de o offendermos, unindo-nos mais intimamente a Elle com © seu Santo anior. Xi, Finalmente devemos unir-nos 4 vontade de Deus, no que toca 4 nossa morte, tanto no tempo, como na maneira que Deus te- nha determinado que ella nos chegue. Santa Gertrudes (Z. I. Vita, C. 11%) subindo uma vex a um monte, perden o equilibrio ¢ eahin em wm valle, Suas companheiras pergun- taram-lIhe seni temia morrer sem 08 s2- eramentos? Ao que a Santa respondei «Eu tenho grande desejo de morrer com 03 Sacramentos, porém deixo isso 4 vontade de Deus, porque a melhor disposigio para a 41 morte 6 voluntariamente submetter-nos ao que Deus tiver determinado; por tanto de- sgjo a morte, que o Senhor for servido ¢ viarame, 8. Gregorio relata nos seus dia- logos (L. 3. 0. 27.) que os Vandalos, tendo condemnado a morte um certo sacerdote chamado Santolo, The deixiram a escolha do genero de morte. O Santo homer escoller, © disse: «Eu estou nas mios de Dens, @ receberei aquella morte que Elle permittir que vés me deis; niio quero ou- tra,» Este acto foi tanto do agrado do S uhor, que aquelies barbaros, tendo resol- vido degolal-o, 0 brago do algoz, quando ia a desearregar 0 golpe, foi suspendido; e aquelles homens 4 vista de tio grande milagre, Ihe concederam a vida. Por tanto, quanto ao genero de morte, devemos consi derar @ melhor, aquelle que Deus nos tiver determinado. Digamos sempre, quando pe sarmos na morte. — Senor, salvae a minha alma, © decretae a minha morte como vos aprouver. ‘Tambem devemos unir-nos com a divina voutade, quanto ao tempo da nossa morte. O que éeste mundo, senio uma prisio, u qual soffremos ¢ estamos em continuo riseo do perder a Deus? A isto exclamou Davi Sollai_a minha alma de sua p XDI. 8.) Isto fazia Santa Thereza —42— pela morte, Quando ella ouvia as horas no relogio alegrava-se, © consolnva-se que uma hora de sna vida estava passada; hora de perigo de perder a Deus. 0 padre Avila dizia, que aquelle que nio esti em dispo- sigho impropria para morrer, deve desejar a morte, pelo perigo de perder a divina graca dnrante a vida. Que pode ser mais desejavel © mais deleitosn do que assogn: rarmo-nos por uma santa morte, da impos- sibilidade de perder o favor e graga de Deus? Mas vos dizeis, que nada tendes feito © adquirido para a vossa alma. Porém se Dens quizesse que vos agora morresseis, que farieis depois se tivesseis vivido contra a vontade de Deus? Quem sabe se terieis a- quelle feliz fim que esperaes? Quem sabi se mudaricis vossos costumes, se eahirieis em novas cnlpas © vos perderieis? E entao se nada fizesseis em quanto vivesseis, nao vos seria possivel o nao commetter culpas, por leves que fossem. « Porque, pois exclama S. Bernardo, porque desejamos nés a vida, a qual quanto mais se prolonga, mais pecea- mino E 6 corto, que um unico peceado venial desagrada mais a Deus, do que Ihe agradam todas as obras boas que possainos fazer. Ea digo mais; «aquelle que pouco deseja © Céo, prova que tem poueo amor de Deus. — 43 — Quem ama, deseja a presenga do objecto amado ; porém nds niio podemos ver a Deus, senao deixarmos a terra; © por consequencia os Santos suspiravam pela morte, para po- derem ir vér 0 seu amado Senhor: > asin exclamava Santo Agostinho: « Oh que possa eu morrer, que possa eu ir ver-te. » Tambem 8. Paulo: «Desejava de se ver livre do eareere do corpo ¢ estar com Jesus Christo. » (Philip. 2. 28) Igualmente David: « Quando inei © apparecerei_diante de Deus? » (Ps. THT. 3.) E assim tambem dize todas as almas que amam a Deus. Certo auto, refere ( Flores. Emil.) (Graul. 4. C. 68.) eue um eavalheiro indo eagar a um bosque, ouviu wm homem cantando melodiosamente parou, © vin um pobre leproso cheio de chagas: pergunton-lhe 0 cagador, se era elle quem estava cantando?» Sim, responden © leproso, era eu.» —< E como podeis vés cantar e estar contente snpportando iecdes © ores, que vox vio giadu mente privando da vida?» © leproso pondeu:» Entre mim e 0 Senhor, nada mais ha que esta muralha de barre que 6 0 meu corpo; removido este obstaculo, eu _gozarei o meu Dens, ¢ vendo gue todos 08 dias me vai cahindo a pedagos, alegro-me © canto, 44 XU. Emfim, tambem nos grios de gragas ¢ gloria é preciso uniformarmo-nos com 0 di vino querer: devemos estimar aquellas coi- sas, que pertencem & gloria de Deus, mas devemos estimar ainda mais a sua divina vontade: devemos desejar amal-o mais que 0 Seraphins; mas nfo devemos desejar maior gréo de amor, gue niio seja aquelle que o Senhor tem determinado conceder-nos. 0 padre Avila diz ( Audi. filia. C. 22. (« Bn creio que os Santos desejariam ser ainda melhores do que foram; porém esses dese- jos nao pertubavam a paz de suas abmas, porque elles, se assim o desejavam, nao era por motivos de proprio interesse, mas para gloria de Deus, a cujas distribuigdes se sub- wettiam, ainda que Elle menos dhes désse estimando como perfeito amor o estarem satisfeitos com o que Deus Ihes tinha dado, © no appetecendo mais». Assim Rodriguez 0 interpreta ( Trat. 8. 0. 80. que, ainda qne devemos ser diligentes em aspirar a perfeicho até onde possamos chegar, para iio servir de escusa a nossa preguiga e tibieza, como alguns fazem, € dizermos: Deus nos dard isto; eu posso fazer sG isto: com tudo quando faltamos — 45 — nesta carreira, nfo devemos perder & nossa paz de espirito, nem a conformidade com vontade divina, a qual permittin nos falta, humalhar-nos ¢ arrepender-nos; € pro- curando maior adjutorio em Deus, proseguir nossa carreira. Por este modo, ainda que aspiremos a ser exaltados no Céo ao coro dos Seraphins, no por certo para termos maior gloria, mas sim para a dar maior a Deus, © amal-o ainda mais, todavia de- vemos resignar-nos a sua santa vontade, contentando-nos com aguelle gréo, que a saa misericordia se digne conceder-nos. Seria pois grande culpa desejar dons de sobrenatiiral oragio. © particularmente ex- tasise revelagdes. Os mestres da vida espi Titual nos ensinam, quando as almas sio favorecidas com taes dons, que deveriam orar para serem privadas delles, para po- derem amar a Deus pelo puro caminho da fé, 0 qual 6 0 mais seguro. Muitos tem che- gado a perfeigio, sem esses sobrenaturaes favores; a virtude 6 bastante para elevar a alma a santidade, € principalmente a da uniformidade com a vontade de Dens. E se Deus se nfo apraz de elevar-nos a um sublime gréo de graga e gloria, devemos conformar-nos 4 sta santa vontade, pedin- do-Ihe que ao menos, por sta misericordia, sejainos salvos. Se assim fizermos, a recom- ie pensa nfo seré pequena, a qual o nosso bom Senhor derramaré sobre nds pela sua bon dade, porque Elle ama sobre todos agelles que se resignam sis suas determinagoes. Numa palavra, devemos olbar para tudo qu- anto nos acontecer, como vindo das miios de Dens. Ea este fim se devem dirigir todas a0. nossas Fazer a vontade de Deus, fazel-a, porque é a sua vontade. E para assim o observarmos mais seguramente, devemos deixar-nos guiar por nossos dire- etores, quanto ao interno, em ordem a conhecermos a voutade de Deus a nosso respeito, tendo grande confianga nestas pa- lavras de Jesus Christo que vos ouye, a mim ouve. (8. Lu 16.) Eso bretado devemos ser cnidadosos de servir a Deus por aquelle caminho que Elle quer que 0 sirvamos. Digo isto em ordem a evitar a illu- siio de muitos, que se entretem coma idéa de que estam perdendo 0 sen tempo, e diem: Se ew estivesse em um deserto, se entrasse em um mosteiro, se en estivesse em outra gnalquer parte cue niio fosse esta, distante de parentes e ‘companheiros, viria a ser Santo; praticaria estas ou aguellas: morti ficagdes, e me entregaria todo a oracao. Elles dizem, en faria, en faria: mas no entanto, supportando involuntariamente a eraz que Deus thes tem dado, nio caminhando pelo 4 vereda que o Senhor Ihes tem mostrado, nto s6 se nao tornam Santos, mas fazem-se maos, pessimos. Estes desejos sio muitas veres tentagées do Diabo; porque nko sio conformes com a vontade de Deus; @ de- ‘vemos por isso rejeital-os, ¢ tomar animo para servimos a Deus no caminho que Elle nos tem escolhido. Fazendo assim, viremos a ser Santos, em qualquer estado de vida, fem que o Senbor nos tenha collocado. Quei- ramos pois sempre o que Deus quer, € fa- zendo assim, Elle nos abragaré em seu seio. Para este fim fagamos-nos familiares, com certas passagens da Escriptura, av quaes nos chamam a unirnos em todo 0 tempo com a divina vontade: Senhor, que queres tu que eu faga? Dize-me, 6 Deus, 0 que queres de mim, een cumpritei a tua vontade em todas as cousas, Eu sou teu, salva-me. ( Ps. XVILL. 94.) Jé nfo soude mim meso, masten, 6 Senhor, faze de mimo que for do ten agrado, Particularmente quando algama pesada adversidade nos opprime, a morte Gos parentes on amigos, ou a perda de bens ou de reputagio, digamos, sim, meu Pai, sim, meu Deus, porque assim vos é agra- davel. « Sim, meu Pai e meu Senhor, assim seja feito, porque assim te agrada, »( Vath. XT, 26.) E sobre tudo seja-nos preciosa aquella oragio que Jesus Christo nos ensi- — 48 — nou: Seja feita a tua vontade assim na terra como no Céo. Nosso Senhor disse « Santa Catharina de Genova. «que todas as vezes que recitasse 0 Padre Nosso, se demorasse particurlarmente n’estas palavras, rogan- do-lhe que ella pudesse enmprir na terra a sua santissima vontade, com a mesma per- feigao com que os Bemaventurados a cum- prem no Céo. >“Fagamos pois outro tanto, € seremos Santos no Céo. see http://alexandriacatolica.blogspot.com

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