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1 ± A confusão entre normas e textos :

De acordo com o principio da ³separação de poder es´ proposta por


Montesquieu, criar as normas gerais, que devem ser aplicadas contenciosamente
pelo judiciário é função do legislativo ou do executivo. Essa separação prevê uma
neutralidade ética do judiciário e uma conseqüente p ostura apolítica, sem se
envolver com discussões sobre os valores das diretrizes positivadas nas leis e sobre
regras processuais para julgamento, sendo estas atribuições dos dois outros
poderes que, por sua vez, não podem ser órgãos julgadores.

Segundo a escola da Exegese, a primeira das grandes escolas positivistas, a


generalidade é a principal característica da norma jurídica, ela transformou o juiz em
mero aplicador da lei, não lhe sendo permitido interpretá -la. Por essa visão, só
haverá diferença de procedimentos por desconhecimento da lei e/ou do fato ou por
desonestidade, pois todo juiz preparado decidirá sempre da mesma maneira . A
aplicação do direito está pré -determinada por valores fixos. A norma jurídica se
confunde com a lei, a interpretação se resume, unicamente, à aplicabilidade. Só a
obscuridade dos fatos ou desconhecimento do mesmo ou da norma pode levar a
diferentes interpretações.

Essa teoria, com o passar do tempo, se tornou insuficiente para explicar a


evolução do direito. Começou-se a admitir a interpretação da lei. Um conflito teria
algumas decisões possíveis, todas igualmente corretas, desde que estivessem
previstas nos textos aplicáveis. A decisão passa a ser dedutiva , pois entre as
decisões corretas ± e todas elas justas - é necessário escolher a que melhor se
aplica ao caso. A generalidade deixa de ser caráter essencial da norma e a sentença
se torna mais uma forma de criar direito positivo .

Nesse momento começa, de fato, a divisão entre a norma e o texto. O texto é


uma das fontes positivadas do Ordenament o Jurídico, o qual procura expressar, dar
sentido às normas jurídicas. As leis, portarias, instrumentos contratuais e os
costumes jurídicos fazem parte do Ordenamento Jurídico, que é criado pelo
legislador. Por outro lado, os juízes criam normas, quando d iante de casos
concretos, baseadas nos textos do Ordenamento.

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g importante não confundir a distinção entre texto e norma com a aquela que
Kelsen faz entre proposição jurídica e norma jurídica. Para ele ³uma norma pode não
só comandar, mas também permitir e, especialmente, conferir a competência ou o
poder de agir de certa maneira ´1. A norma é um dever-ser, uma idéia de como agir
que se relaciona com as vontades de alguém em específico ou da maioria , que se
vale da autoridade e do poder para ser legitimada . Em Kelsen, ac³existência´ de uma
norma positiva, é diferente da existência do ato de vontade que é a proposição
normativa, de que ela é o sentido objetivo .

Em um conflito, o jurista precisa se equipar com fontes que se ³encaixem´ no


problema, e argumentos que possam ser uteis no contesto que se apresenta. Para
viabilizar decisões, simplificando a complexidade, diminuindo o questionamento
social e estabilizando a sociedade, é necessária a Dogmática Jurídica 2. Ela é
justamente a parte do Direito que lida co m as certezas, com os pressupostos e
premissas inquestionáveis colocados pelas normas jurídicas positivadas. 3

Até o final do século XX, surgiram autores como Friedrich Müller para quem a
norma e o texto não podem ser separados. Segundo esse autor, a norma sofre
influência, no momento de sua criação, da realidade, ao mesmo tempo em que,
após sua edição, exerce também uma influência sobre esta. 4 Para Konrad Hesse,
professor de Müller, a interpretação ³tem significado decisivo para a consolidação e
preservação da força normativa da Constituição´. Para eles, apenas a interpretação

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c Kelsen, Hans.      , 1998 ± Tradução: João Batista Machado. Editora Martins
Fonte. 6ª edição.c

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Buitone, Ademir (advogado e mediador em São Paulo, doutor em Direito Econômico pela USP). A
Dogmática Jurídica e a indispensável mediação. Elaborado em 03/2007
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9619> acessado em 28 de março de 2010.

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c Buitone, Ademir (advogado e mediador em São Paulo, doutor em Direito Econômico pela USP). A
Dogmática Jurídica e a indispensável mediação. Elaborado em 03/2007
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9619 acessado em 28 de março de 2010.c

4
Humbert, Georges Louis Hage (Professor de Direito Urbanístico e Ambiental da Faculdade Social da
Bahia. Doutorando em Direito do Estado pela PUC-SP. Mestre em Direito do Estado pela PUC-SP.
Professor Assistente da Especialização em Direito Administrativo da PUC-SP). A moderna
hermenêutica constitucional I: resenhando a ³Concretização do Constituição´ de Friedrich Müller.
Elaborado em 08/2006c<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8943> acessado em 28 de março
de 2010

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diante de um caso concreto daria um sentido completo aos textos que são genéricos
e incompletos.

• - A confusão entre textos sobre condutas e textos sobre textos.

Uma segunda confusão é achar que o ordenamento jurídico contém normas


que versam sobre os conflitos de conduta humana, ou seja, as regras de primeiro
nível. Essas regras sofrem muitas mutações; constantemente são criadas,
modificadas ou tornadas obsoletas pelos legis ladores, daí a dificuldade que
enfrentam muitos estudantes de direito que acreditam que o curso se resume a
conhecer essas diretrizes da lei.

O ordenamento jurídico também se compõe de fontes sobre fontes, que são as


que tratam dos desentendimentos entre as fontes. Elas lidam com os conflitos
humanos como conseqüência, mas sua função principal é ajustar as normas legais
cada vez mais genéricas, com os modelos normativos abertos às peculiaridades das
relações sociais. São consideradas metaregras, que fazem parte do ordenamento
jurídico e da dogmática jurídica, são em número reduzido em relação às normas de
primeiro nível e levam muitos anos para se modificar.

A aplicação das metaregras depende muito mais da interpretação, do que se


diz sobre elas e do que se acorda sobre a sua linguagem do que as regras sobre
condutas, já que aquelas são mais abstratas do que essas.

Nesse sentido, o ensino brasileiro é muito defasado. As universidades se


detêm a um simples decorar das leis escritas nos códigos, que são as exigências da
prova da OAB e também dos concursos públicos que são o objetivo final da maioria
dos alunos que começam o estudo do Direito. O ensino da filosofia do direito e a
maneira de analisá-lo, as metaregras que serviriam de base para boas decisões
jurídicas são superficialmente trabalhadas durante o curso.

A instabilidade e mutabilidade das leis torna inútil a tentativa de apreender


todas elas, até pela absurda quantidade . Para quem estudar Direito se resume a
isso, torna-se verdade uma frase do procurador prussiano Julius Hermann Von
Kirchmann ³três penadas do legislador transformam bibliotecas inteiras em lixo´.
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Essa constante revisão de textos se dá pelas diferentes características entre


as sociedades - o que parece certo para um determinado povo, pode ser visto de
outra maneira por outros-, pelas mudanças nos fatos sociais, pela mudança de visão
e de idéias em uma mesma sociedade que antes aceita va determinada regra e
agora a rejeita, e , principalmente, pelas críticas e sugestões das pessoas que não se
limitam apenas a reproduzir o direito vigente. As mudanças tornam as regras de
primeiro nível descartáveis e aumentam a importâncias das regras de segundo nível ,
já que essas resolvem as conflitos na hora da escolha das condutas e dos
procedimentos aplicáveis quando diante de um problema jurídico . O tratamento dos
conflitos e a aplicabilidade dos textos vai depender de como os profissionais
entendem esses textos diante de um caso concreto.

A função da ciência do direito não é relatar quais as leis estão em voga ou o


que é que os juízes estão decidindo, é, antes de tudo, ensinar aos futuros juristas
como desempenhar da melhor maneira possível sua função, e como melhor aplicar
as regras a partir da interpretação das metaregras que constituem o objeto da teoria
geral do direito.

¬ ± A confusão das regras éticas de base do ordenamento jurídico

Essa discussão se subdivide em dois paradigmas

Primeiramente se fala no limite para as escolhas éticas do direito. O perigo é


achar que um determinado conteúdo ético é o único correto. As diversas ideologias
encontradas no mundo, e até dentro de uma mesma sociedade fazem com que as
leis tenham que escolher um ponto de vista ético para as suas designa ções. Este
será acordado entre os poderes constituídos de acordo com a política da ³vontade
geral´, visando o bem comum das indivíduos.

O direito é apenas mais uma das espécies do gênero ética, que são
incorporadas ao ordenamento porque a maior parte das pessoas o considera
desejável, dessa forma a ideologia vencedora é positivada. A legitimação do direito
se dá por consenso, como uma tentativa ± nem sempre bem sucedida- de imitar a
democracia de algumas sociedades contemporâneas.

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Todo direito têm conteúdo ético, mas cada pessoa ou grupo individual tem
crenças particulares, advindo daí a disparidade em relação ao justo e ao injusto,
sendo que o grupo social que dispor de maior organização, força armadas, dinheiro
ou simplesmente o critério da maioria é qu em dita o ponto de vista jurídico. g
impossível afirmar que determinada proposição ética é a ³verdadeira´, a que
prevalece é a ³vencedora´ podendo ser substituída quando uma nova idéia passar a
imperar dentre os mais fortes. Diante desse quadro, todo orde namento jurídico
baseado em determinado ponto de vista moral é suscetível a questionamentos.

Na Turquia, o uso da burca em ambientes públicos foi proibido; mu itas


mulheres mulçumanas acham injusta essa regra por considerarem um desrespeito à
sua cultura e à sua liberdade. Por outro lado, as mulheres que vivem em países
islâmicos cuja lei se confunde com a religião, ou seja, os chefes religiosos tam bém
cumprem o papel de chefes de estado e dita m leis, lutam há muitos anos para terem
permissão de sair de suas casas sem tal vestimenta. Qual das duas leis é baseada
em preceitos éticos ³corretos´? Uma resposta consensual para esse proble ma é
impossível, pois ela dependerá do ponto de vista do argumentador.

Os positivistas não aceitam que existam regras acima daquelas do


ordenamento positivo, enquanto os anti-positivistas crêem, equivocadamente, que
acima das metaregras há regras de terceiro nível . Essas regras que não fazem parte
do ordenamento jurídico não são dogmáticas. A realidad e delas é mais retórica, logo
são mais vagas e ambíguas, pois o grau de subjetivação é ainda maior do que das
regras de segundo nível. Logicamente, quem defende a existência dessas normas
considera-as fonte do ordenamento jurídico positivo, são até mais importantes do
que ele, são princípios fundamentais.

Em segundo lugar, está o equivoco de achar que podem existir textos legais
positivados ao qual devem ser subsumidos os casos concretos, ou seja, que há uma

interpretação apropriada à qual a decisão do caso deve necessariamente se curvar.5

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Adeodato, João Maurício. A confusão Retórica do Ordenamento Jurídico ± Três confusões sobre
ética e direito

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Ao contrário, o juiz, é o responsável pela interpretação da lei, é quem diz o que


é e o que não é constitucional. Assim, não há uma única interpretação da lei
aplicável a qualquer caso, e sim, uma interpretação diferente diante de cada caso
concreto e de acordo com a experiência e conhecimento do autor da sentença; os
significantes lingüísticos vão ser relacionados com o evento juridicamente relevante
para chegar-se a uma sentença considerada pelo julgador como justa.

Assim, não há como afirmar que uma decisão é mais ³correta´ que outra de
acordo com o ordenamento jurídico, nem que se chegará a uma resposta
semelhante diante de problemas equivalentes .

Para defender-se das estratégias de ardilosos profissionais do direito é


necessário conhecer a s concepções retóricas, ela também será importante para
tratar adequadamente cada caso concreto , ³pois quem conhece as artimanhas
retóricas está apto a defender-se mais estrategicamente´ 6.

Bibliografia

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Adeodato, João Maurício. A confusão Retórica do Ordenamento Jurídico ± Três confusões sobre
ética e direito

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- Adeodato, João Maurício. A confusão Retórica do Ordenamento Jurídico ± Três confusões


sobre ética e direito

- Kelsen, Hans.      , 1998 ± Tradução: João Batista Machado. Editora Martins
Fonte. 6ª edição.

- Adeodato, João Maurício . Adeus à separação dos poderes. A retórica constitucional - sobre a
tolerância, direitos humanos e outros fundamentos éticos do direito positivo. São Paulo: Saraiva, 2008

- Reale, Miguel. Lições Preliminares de Direito , 2008. Editora Saraiva. 27ª edição.

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Universidade Federal de Pernambuco

Centro de Ciências Jurídicas

Faculdade de Direito do Recife

ntrodução ao studo do Direito 1


Fichamento de 1ª unidade

Aluna: Marcela Carvalho de Gusmão Pereira

1° Período Manhã

Recife, 29 de março de 2010

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