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Andreas Huyssen ESCAPANDO DA AMNESIA O Musty como Cuitura pe Massa TRADUCLO DE VACERIA Lameco AA guerra contra os museus foi um eropo persistente da cultura modernista. O museu moderno surgiu durante a Revolugio Francesa, a primeira a fazer do Louvre um muscu. Nos iiltimos trés séculos, no entanto, © museu se tomou o loca! institucional privitegiado para a “quorelle des anciens et des modemes”. Ele suportou o olho cego do furacio do progresso a0 promover a articulagdo entre a nagio ea tradigio, a heranga e 0 efnone, alm de ter proporcionado a planta principal para a construcdo da legitimidade cultural tanto no sentido nacional como universal! A partir de seus arquivos disciplinares e de suas coleges, ajudou na definigao da identidade da cultura ‘ocidental ao desenhar as fronteiras externas © internas baseadas, principalmente, na exclusio ¢ marginalizaco, assim como na codificagio positiva’, Ao mesmo tempo, aqueles que defendiam a renovagio da vida ¢ da cultura e atacavam 0 peso morto do passado consideravam ‘© museu modemo um sintoma de ossificagio cultural A recente guerra entre os modernos e 0s pos-tnodernos tem sido apenas o iltimo caso desta “querelle”. Mas na passagem da modernidade para a pés-modernidade, o proprio museu sofreu uma transformagio surpreendente:talver pela primeira vez na historia das vanguardas, o museu, no seu sentindo mais abrangente, passa de bode das expiatorio a menina dos olhos da farail instituigdes culturais. Essa transformagio se ‘toma mais visivel,€ légico, na feliz simbiose centre a arquitetura pés-moderna e os novos cdificios dos museus. © sucesso do museu pode ser considerado um dos sintomas evidentes da cultura ocidental dos anos 80: muitos museus foram plancjados e construldos a partir do Pritico corolario do discurso sobre “a fim de tudo" A planejada obsolescéncia da sociedade de consume enicontra seu contraponto na implacive] muscumania. © papel do museu ‘como um local conservador elitista ou como um bastiio da tradigio da alta cultura dé lugar a0 ‘museu como cultura de massa, ou seja, como um espago de mise-en-scine espetaculares ¢ de ‘exuberdncia operistica Essa surpreendente transformagio requer uma reflexio, uma vez que parece ter causado lum impacto profando na Ou seja: a velha dicotomia entre a colegio permanente de museu € a exposigio tempordria nie pertence mais 4 discuss¥o, jé que a colegio permanente esti cada vez mais sujeita a rearranjos temporarios ¢ a longas viagens, ¢ as ‘exposigdes tempordtias sdo registradas em videos ¢ uxuosos catélogos, constituindo assim «ade exibir e ver. Escapando d uma colegio permanente particular que também circula, As estratégias dos muscus, tais como colecionar, citar ¢ apropriar invadiram as préticas da estética contempordnea, articulando as criticas sobre 0 conceito de museu, como érgio privilegiado por uma determinada classe, a ravidade e originalidade. Nao que esses procedimentos scjam inteiramente novos, mas & sua recente disposigao no primero plano, nos remete a um fendmeno cultural muito impressionante que foi adequadamente chamado pelo horrendo termo “musealizagao™ Nio hé duivida de que uma sensibilidadle relacionada a museus parece ocupat espagos maiores da coltura ¢ da experiéncia cotidiana, Se vocé pensar na restauracio historicizante de velhos centros urbanos, de cidades ¢ cenatios historicos, no boom dos mercados de pulga, na moda retr6, na onda de nostalgia, na obsessiva auto-muscalizagio através do video, na literatura confessional © no memorialismo, ¢ s¢ voc’ acrescentar a tudo isso a totalizagio eletrénica do mundo em banco de dados, entio, 0 muse realmente nio seri mais visto como a tiniea instituigio com fronteiras estiveis e bem definidas. O museu, nesse sentido mais amplo & amorfo, se tornou o paradigma-chave das atividaes culturais contemporineas. ‘© novo museu ¢ as novas priticas de exposigio adaptaram-se & mudanga do perfil dos treqiientadores, O espectador, cada vez mais, parece estar em busca de experiéncias enfaticas, ‘esclarecimentos instantaneos, superproducdes € cespeticulos de grande sucesso, a0 invés a apropriacio meticulose do conhecimento cultural, Masa questio continua: como explicar co sucesso do passado museologico numa época ‘em que se apontou constantemente a perda do sentido da historia, a deficiéneia da meméria e uma amnésia degeneralizada? A velha critica sociolégica do museu como urn reforgo “do sentimento de pertencimento para alguns ¢ para ‘outros, do sentimento de exclusio”, nao nos parece mais pertinente, No atual cenario do ‘muscu, a idéia de um templo com musas foi enterrada, surgindo no lugar um espago hibrido, centre a diversio piblica ¢ uma loja de departamento. Os VetHos Museus E A ORDEM SIMBOLICA Para comegar com um gesto tipicamente muscicot, devemos lembrar que 0 muscu, assim ‘como a descoberta da histéria, no seu sentido mais enfitico, segundo Voltaire, Vico ¢ Heder, é um efeito direto da modernizagio ¢ no um acontecimento 4 sua margem ou fora dela, Nao Eo sentido seguro das tradigdes que marcam a corigem dos museus, mas a sua perda combinada ‘com um desejo profuncdlo pela (re-)construgio. Uma sociedade tradicional sem um conceito tcleolégico secular nao precisa de um musett mas a modermidade 6 impensivel sern um projeto museico. Por isso, afundacio de um ruseu de arte moderna enquanto © modernismo nao tinha sinda cumprido sua trajetoria esté totalmente dentro da légiea da modernidade: 0 ‘Moma de Nova lorque foi inaugurado etn 1929". Pode-se até sugerir que a necessidade de um ‘muse modemno tena sido herdada das reflexes de Hegel sobre o fim da arte, ldgias ‘sas articuladlas anos depois, Exceto, € claro, ‘que o tal muscu poderia ser construido apenas no novo mundo, onde o principio do novo parece envelhecer a passos mais largos do que no velho continente, No fundo, a diferenca no ritmo da obsolescéncia entre a Europa ¢ os Estados Unidos foi apenas de degraus. Como na velocidade da historia e da cultura, a partie do século XVII foi surgindo um niimero crescente de objetos ¢ fendmenos, incluindo al os movimentos de arte, obsoletos a cada volta mais rpidas os muscus foram criados para serem instituigdes pragméticas que colecionam, salam. «e preservam aquilo que foi langado aos estragos da modernizagdo. Mas, 20 se fazer isso, 0 passado inevitavelmente seria construfdo a luz do discurso do presente ¢ a partir dos interesses presentes. Fundamentalmente dialético, 0 ruseu serve tanto como uma cimara mortuaria do pasado — com tudo que acarreta em termos de decadéncia, erosdo ¢ esquecimento — quanto como um lugar de possiveis ressurrcigdes, embora mediadas ¢ contaminadas pelos olhos do espectador. Nao importa 0 ‘quanto © museu, consciente ou inconscientemente, produz e afirma a ordem ssimbélica, pois sempre havers uma sobra de significados que excedem © conjunto das Fronteiras ideolégicas, abrindo assim um espaco para reflexio © a meméria contra-hegeménica Essa natureza diaKética do museu gravada também em procedimentos tais como colecionar exibir foi perdida por aqueles que simplesmente o celebram como um proprietario de bens inquestionaveis, como a caixa-forte das tradiges ¢ cénones ocidentais e como um local para um didlogo aberto com as demais culturas ¢ com o pasado, Mas nada disso € reconhecido por aqucles que o atacam no sentido althusseriano, no qual o museu é um aparato ideolagico do Estado cujos efeitos esto limitados is necessidades das classes dominantes no que diz respeito a legitimagio e dominacio. E verdade, o museu sempre teve fungoes: legitimadoras e ainda as tem. E, se forem ‘observadas a origem e a histirta das colesbes, porleremos ir ainda mais Ionge ¢ deserever © museu de NapoleSo a Hitler como umn benefictirio da pilhager inperialista e expansio nacionalista, Nos casos dos to falados museus de historia natural especificamente, a unio centre as operagées de salvamento de colecionadores ¢ o exercicio do poder severo, até mesmo do genocidio, esté claramente colocada nas préprias exposiges: Madame “Tussauds da “diferenea”. Eu no quero ser mal compreendido a0 pretender relativizar essa critica ideoligica sobre ‘0s museus como agentes legitimadares da modernizacio capitalista e como vitrines twiunfais do saque na expansio colonizadora. sca critica € valida tanto para o passado imperialista quanto para a cra de corporagées patrocinadoras: esse & o testemunko da brilhante sitira de Hans Haacke sobre o vinculo entre a cultura dos museus ¢ 0 capital petrolifero em Metromobiltan (1985). 0 que discuto, no centanto, € que em um registro diferente e hoje rmais do que munca, os museus parecem preencher uma necessdad antropologicamente arraigada as condiges modermas: pois ¢ cle que permite gos modemos negociarem ¢ articularem ‘uma relagio com o passado, o que significa também uma relagio com o transitério e com a ‘morte, incluida a nossa propria, Como Adorno Evespandy da Amnéata Indrees Hoyriee » Escapands da Amnésie Andreas Hoysven ressaltou certa vez, museus ¢ mausoléus estio associados por outros motivos além da propria fonéticat. O discurso contra os anti-museus prevalece entre os intelectuais, alguns véem 0 ‘museu até como nosso proprio memento mori, ¢ ‘mais como uma forma de realgar a vida do que ‘como uma instituigdo mumificadora numa época ‘empenhada na negasio destruidora da morte: 0 ‘museu, entio, se mantém como um espago ¢ um ‘campo para reflexées sobre a temporalidade, a subjetividade, a identidade c a alteridade. ‘A natureza exata do que eu chamo de necessidades antropolégicas modernas ¢ pés-modernas dos museus esti aberta para o Aebate. O que eu gostaria de enfatizar neste artigo é que a critica institucional ao museu ‘como um reforgador da ordem simbélica nio cesgota os seus miltiplos efeitos. A pergunta chave é, obviamente, se a cultura de espeticulos donovo museu ¢a mise-en-seine podem. preencher tais fungdes ou se a propalada discussdo sobre a liquidagio do sentido da historia © a morte do sujeito, a celebracio do pés-moderno sobre a superficialidade contra a profundidade, a velocidade contra a vagarasidade, tirou do museu sua aura especifica de temporalidade?. Embora essa questio deva ser respondida ao final, a critica meramente institucional alinhada com os aparatos {ideol6gicos de conhecimento e poder, que ‘operam de cima para baixo, precisa ser ‘complementada por uma perspectiva as avessas, que investigue o desejo do espectador e as inscriges do sujeito, a resposta do piiblico, 0 interesse dos grupos ¢ a segmentagZo das esferas, publicas sobrepostas, dirigidas a uma grande variedade de museus ¢ exposigées. Entretanto, nio pretendo oferccer uma anilise sociologica, jf que tenho mais interesse em uma reflexio filoséfica ¢ cultural mais ampla sobre a transformagio do status da meméria e da percepgdo temporal na cultura consumista ‘contemporinea. De qualquer maneira, a critica tradicional ‘40s museus € suas variantes pés-modernas parecem um tanto indefesas numa época em que muitos museus so inaugurados e que, como hhunea, as pessoas os procuram bem como as exposigdes. A morte dos muscus, tio valentemente anunciada nos anos 60, nio foi, evidentemente, a palavra final. sto, no entanto, nao seria suficiente para denunciar a recente ‘explosio dos muscus como expressio do conservadorismo cultural dos anos 80, que presumivelmente trouxe de volta 0 museu como instituiggo de uma verdade canénica ¢ de uma ‘cultura de autoridade, senio autoritiria, A reorganizacZo do capital cultural como ‘experimentamos nos anos 80, nos debates sobre © pos-modernismo, multiculturalismo © os ‘estudos culturais (e como de certa forma isso atingiu as préticas dos museus), nio pode ser reduzida a uma dnica linha politica. Também nao é suficiente criticar as novas priticas de ‘exposicio de arte como espeticulo de massa, ‘cujo objetivo ¢ empurrar o mercado de arte para a moda através do éxtase e da obscenidade. Enquanto a crescente mercadizagio da arte & incontestivel, a critica mercadologica sozinha esti Jonge de produzir critérios estéticos ou epistemoldgicos sobre come ler obras cespecificas, priticas atisticas ou exposiges ‘Tampouco é capaz de iralém de uma tltima visdo desdenhosa das platéias como manipuladas « reificadas como cultura de gado, Freqiientemente, tais ataques, produtos das posigdes vanguardistas na politica ena arte, tomaram-se, nos Gltimos anos, frdgeis, exaustos A VANGUARDA E © Museu A nnatureza problemitica do conceito de vanguardisino, sua implicagio na ideologia do progresso ¢ da modernizagio e suas relagSes complexas com o faseismo e a Terceira Internacional Comunista foram cxtensamente discutidas nos iltimos anos. A evolugio do pos-modernismo desde us anos 60 nao & compreensivel sem um conhecimento prévio de ‘como este revitalizou o impeto das vanguardas histéricas ¢ subseqiientemente langou o ethos vanguardista a uma critica fulminante™ debate sobre a vanguarda esti intimamente ligado ao debate sobre o muscu, ¢ ambos estio ro centro do que chamamos de pés-moderno, Foi apés todo 0 movimento das vanguardas histéricas — fiuturismo, dada, surrealimo construtivismo ¢ 0s grupos de vanguarda da recém instalada Unido Sovidtica ~. que se ‘comegou uma luta radical ¢ implacivel contra os -museus, Essa luta comega na exigéncia do fim do passado através da destruiglo semiolégica de today as formas tradicionais de representagio ¢ a0 se defender a ditadura do futuro. Para a cultura de manifestos, cuja retérica baseava-se na total rejeigao a tradicao c a euforia, € cultivava a celebragio apocaliptica de um futuro totalmente diferente, » muscu realmente era um bode expiatério" plausivel, Ele incorporava toda 4 monumentalizacdo, hegemonia ¢ aspiragdes pomposas da cra burguesa, que viu seu fim na faléncia da Grande Guerra. A muscofobia das vanguardas, que era dividida com os iconoclastas da ditcita © da esquerda & compreensivel se nos lerabrarmos que 0 discurso sobre 08 museus ‘ocupou o cenirio de transformagies sociais © politicas radicals, especialmente na Riissia da revolugio bolchevique ¢ na Alemanha pos-guerra, Numa época etm que se acreditava nna ruptura, em uma vida totalmente nova e nutna sociedad transformada, no se poderia esperar que o muscu tivesse algum valor. AA rejeigdo dos vanguardistas 20s museus tomou-se bisica nos virculos intelectuais daqucla época'*, Torla essa grande eritica sobre © muscu ndo se liberou ainda de certos pressupostos vanguardistas que se arraigaram a uma relagdo histirica expecitica entre a tradigao ‘© a nossa nova diferensa, Poucos na década de 80 sustentaram a idéia dle que devemos repensar ‘0 mascu para além das dicotomias, vanguarda x tradigio, museu x modemidade (ou pos-modernidadle), transgressio x cooptagio politicay culturais de esquerda x ncoconservadorismo. Nao hi chivida de que existe um espago para criticas institucionais sobre o museu, mas elas devem ser especificas av invés de globais, como as criticas feitas pela vanguarda't, Por algum tempo ¢ por algumas boas razdes pés-modernas, passamos a suspeitar de certas reivindicagGes radicals da vanguarda, revividas em grande parte nos anos 60, Gostaria de mostrar que a museofobia da vanguarda © a decadéncia do projeto museico que inclaia mumificagdes ¢ necrofilias sio reivindicagGes semelhantes as do préprio museu, Devemnos sair das velhas criticas sobre o museu, que sio. Amnesia “4 teres Encapando da Amnésia Andreas Huyssen surpreendentemente homogéneas no seu ataque 4 ossificagio, 3 reificagio ¢ & hegemonia cultural. Mesmo porque hoje 0 foco do ataque & muito diferente do que foi um dia: antes, 0 museu era considerado um bastido da alta cultura, ‘enquanto que agora surge como o manda-chuva da industria cultural, ALTERNATIVAS: © Museu E 0 Pés-MODERNO ‘Come tateamos a redefinigio da fungio do muse além da dialética museu/modernidade, talver um olhar retroativo ao século XIX, a pré-historia da vanguarda, seja Stil. Essa primeira fase do modernismo revela uma atitucle ‘mais complexa em relagio a0 museu e, por isso ‘mesmo, ajuda-nos a nos libertar dos preconceitos da vanguarda sem que sejamos diretamente remetidos ao insidioso conservadorismo cultural dos diltimos tempos. Poucos comentarios serdo suficientes. Os ominticos alemies atacaram o olhar muscico dos classicistas do século XVIII ese engajaram, muito conscientemente, em um projeto museico de proporgies gigantescas: a0 colecionar daladas, folclore, contos foleléricos, ao traduzir obsessivamente obras literérias européias ¢ oricntais de diferentes ¢pocas, privilegiando a dade Média como um espago de uma cultura redimida ¢ uma utopia futura, Tudo em nome ‘de um mundo moderno radicalmente novo € [pbs-cléssico, ‘Também em seu nome os romanticos constrairam um museu altemnativo, baseado numa necessidade premente de ccolecionar ¢ de celebrartais artefatos culturais {que foram marginalizados ¢ excluidos pela cultura dominante do século precedente, A construsio ds identidade cultural na Alemanha modema andot de mios dadas com as cacavacies muscicas que mais tarde constituramn co alicerce do nacionalismo alemao, O passado, seletivamente organizado, era considerado indispensivel para aconstrugio do futuro, Da mesma maneira, Marx e Nietasche cstavam muito preocupados em criar uma visio alternative anthegemdnica da historia: suas celebragbes, muito diferentes, do tumalto gerado pelo progresso, da iberagao, da lberdade e da emergéncia de uma nova cultura, cstavam sempre vinculadas 20 reconhecimento da necessdade de se lngar um salva-vdas para o pussado, Mais do que iso; apenas a reconstrusio © compreensio historica eram a garantia de que poderiam se livrar do passado enquanto fardo ¢ pesadelo monumentalmente sufocante ou arquivadamente mumificado. Textos como (0 Dezoito Brumério ou a introduco aos Grundrisse, assim como 0 Nascimento da Tragédia ou 0 segundo capitulo de Meditarses Extempordineas, sobre 0 uso ¢ 0 abuso da histéria, demonstram que eles compreendiam totalmente a dialética da nova diresio e do desejo muscico, assim como a tensio entre a necessidade de esquecer € o desejo de lembrar, Os textos de Marx e Nietzsche sio testemunhos da produtividade de-um pensamento que se localizou ma tensio entre a tradigio © a antecipacio. Eles sabjam que luta pelo futuro, io poderia ser operada ex nihilo pois precisariam de reservas vitais como a meméria ¢ as lembrangas Pode-se dizer, apesar da oposigéo, que 0 colhar museico esteve até mesmo presente na propria vanguarda, Salvo a necessidade de dividirem a mesma imagem da cultura burguesa, «que rejeitavam, devemos nos lembrar dos jogos dos surrealistas com velhos objetos como sinais de inspiracio, como interpretou Benjamin. Devemos ver o quadro negro de Malevich mai como parte da tradiZo da imagem do que como uma ruptura total com a representacio. E devemos analisar a pritica dramatargica historicizante © de estranhamento de Brecht, que ‘conseguiu seu efeito ao manter um relacionamento com o passado ao invés de aliji- lo, Os exemplos poderiam se multiplicar. Embora fora de questio, alguém poderia derrubar tal argumento, mas isso no muda o Fato bisico de que pensar a vanguarda sem 0 seu medo patolégico pelos museus ¢ inconcebivel. O fato de os surrealistas ¢ de outros ‘movimentos de vanguarda terem ido parar no ‘museu apenas nos mostra que no mundo ‘moderno nada escapa da ldgica da musealizacio, ‘Mas, por que deveriamos ver tal fato como uma falha, uma traigéa, como um defeito? © argumento psicologizante, segundo o qual 0 ‘dio dos vanguardistas pelo museu expressaria ‘um medo arraigado e inconsciente de sua virtual ‘mumificagio e fracasso, é um argumento construido retrospectivamente e, como tal, permanece trancado no ethos da prépria vanguarda. Desde a década de 50, a morte das vanguardas no (o grifo é do autor) museu se ‘tormou um tropo muito citado. Muitos viram ‘essa situagio como a maior vitéria do museu e, nessa visio, os muitos museus de arte contemporinea ¢ todos os projetos do periodo pos-guerra apenas acrescentaram insultos & injaria, Mas as vitérias tendem a imprimir seus cfeitos tanto nos vitoriosos como nos veneidos; talyez um dia alguém queira investigar até que ponto a musealizagio do projeto da vanguarda, atravessou as fronteiras entre a vida e a arte € ajudou a derrubar os muros do museu, democratizando-0 ao ponte de tomné-lo mais, acessit 1 ¢ facilitar as atuais transformagbes do muscu, que de uma fortaleza de poucas pessoas selecionadas passou a ser cultura de massa, ¢ que de tesouraria passou a local de performances € imise-en-scéne para um piblico ainda maior De um modo paradoxal, o destino da ‘vanguarda esti ligado as novas transformagoes do muscu. O enfraquecimento do vanguardismo ‘como ethos dominante da pritica estética desde a década de 70 também contribuiu para 0 ‘crescimento (embora, é claro, no difundido) de uma certa nebulosidade na fronteira entre 0 useu ¢ os projetos de exposigéo, que parece ‘caracterizar 0 cenirio do museu atualmente Mais freqtientemente, os museus estio explorando o negécio das exposigées temporirias. Um niimero de colegtes de autores foi apresentado a0 longo dos anos 80 como museus: o Museu de Obsessies de Harald Szeemann, 0 museu de Utopias da Sobrevivencia dé Claudio Lange eo Museu Sentimental da Prissia de Daniel Spoerri e Elisabeth Plessen, Enquanto alguns expositores insistirem na velha dicotomia, temendo 0 muscu como a um beijo da morte, os curadores de museus empreenderio cada ver mais funges antes consideradas do dominio das exposigbes temporérias, como o criticismo, a interpretasio, a mediagio piiblica e até mesmo a mise-en-scine, A aceleragio também serve para descrever 0 trabalho do curador, que atualmente se Escapando da Amnéata Andeeas Hayssen Escapande da Amageis tedreas transformou no verbo “curar®. “Curar”, hoje, ‘no significa desempenhar a fungio de ‘guardido” de colegGes. Pelo contririo, curar significa mobilizar colegGes, colocé-las em aggo nas paredes dos museus particulares em todo o ‘mundo ¢, principalmente, na cabeca dos espectadores'* [Na minha hipdtese, na era pos-moderna o rmuseu no foi apenas destocado para uma posigdo de autoridade cultural tradicional, como afirmam alguns criticos, mas vem sofrendo um processo de transformacio que pode assinalar, de uma forma especifica, o fim da dialética muscu/modernidade. Hiperbolicamente, 0 _useu nao é mais o guardio do tesouro & artefatos do passado, que eram discretamente exibidos para um grupo seleto de experts e

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