Você está na página 1de 367
“_ A TRINDADE jparocida oA ene ~ 3 y. S18 PAULUS Rus oar Tel APRESENTACAO Surgiu, pelos anos 40, na Europa, especialmente na Franga, win movimento de interesse voltado para os anti- gos escritores cristéios e suas obras conhecidos, tradicio- nalmente, como “Padres da Igreja”, ou "santos Padres”. Esse movimento, liderado por Henri de Lubac e Jean Daniélou, deu origem a colecao “Sources Chrétiennes’, hoje com mais de 300 tétulos, alguns dos quais com vdrias edigées. Com 0 Concilio Vaticano II, ativou-se em toda a Igreja 0 desejoea necessidade de renovagao da liturgia, da exegese, da espiritualidadee da teologia a partir das fontes primitivas. Surgiu a necessidade de “voltar as fontes” do No Brasil, em termos de publicagao das obras destes autores antigos, pouco se fez. Paulus Editora procure, ‘agora, preencher este vazio existente em lingua portugue: sa, Nunca € tarde ou fora de época para se rever as fontes da fé crista, os fundamentos da doutrina da Igreja, espe: cialmente no sentidode buscar nelas a inspiracéoatuante, transformadora do presente. Nao se prope uma volta ao passado através da leitura e estudo dos textos primiticos como remédio ao saudosismo. Aocontrério, procura.-se ofere cer aquilo que constitui as “fontes” do cristianismo para que 0 leitor as examine, as avalie e cotha o essencial, 0 spirito que as produziu. Cabe ao leitor, portanto, a tarefa do discernimento, Paulus Editora quer, assim, oferecer ao puiblico de lingua portuguesa, leigos, clérigos, religiosos, aos estudiosos do eristianismo primevo, uma série de titulos, nao exaustiva, cuidadosamente traduzidos e pre- parados, dessa vasta literatura crista do periodo patristico, APRESENTAGAO 6 Para ndo sobrecarregar o texto ¢ retardar a leitura, procurow-se evitar anotacdes excessivas, as longas intro ducdes estabelecendo paralelismos de versdes diferentes, rréncias aos empréstimos da literatura paxé, filo- s6fica, veligiosa, jurédica, as infindas contro determinados textos ¢ sua autenticidade. Proc zer com que o resultado desta pesquisa original se tradw. zisse numa edigéo despojada, porém, séria. Cada autor e cada obre terdo uma introducao breve com os dados biograficos essenciais do autor e um comen. tdrio sucinto dos aspectos literdrios e do conteido da obra suficientes para uma boa compreensao do texto. O que interessa ¢ colocar o leitor diretamente em contato com 0 texto. O leitor deverd ter em mente as enormes diferencas de géneros literdrios, de estilos em que estas obras fo redigidas: cartas, sermdes, comentérios btblicos, paréfra- ses, exortagbes, disputas com os heréticos, tratados teo gicos vazados em esquemas e categorias filosofieas de tendéncias diversas, hinos littrgicos. Tu necessariamente, uma disparidade de tratamento ¢ de sforeo de compreensao a.um mesmo tema. As constantes, © por vezes longas, citagdes biblicas ou simples transeri- ges de textos escrituristicos, devem-se ao fato de que os Padres escreviam suas reflexdes sempre com a Biblia numa das méi Julgamos necessdrio um eselarecimenta a respeito dos termos patrologia, patristica e padres ou pais da Igraja. O termo patrologia designa, propriamente, o est do sobre a vida, as obras e a doutrina dos pais da Igreja. Ela se interessa mais pela histéria antiga ineluindo tam- bém obras de escritores leigos. Por patristica se entende 0 estudo da doutrina, as origens dessa doutrina, suas de pendi nultural, filosofico pela evolucdo do pensamento teoldgico dos pais da Igreja Foi no séeulo XVII que se criou a expressao “teologia APRESENTAGAO 0 (675-749), neste texto: eclesist dines da Igreja teratura gree ntesda Antiguidade, cwja ai apresenzagho 8 ria, ndo raras vezes, brilha nitidamente em suas obras, tendo influenciado todas as literaturas posteriores. For mados pelos melhores mestres da Antiguidade cldssica, poem suas palavras ¢ seus escritos a.servigo do pensamen: to cristo. Se excetuarmos algumas obras retoricas de carter apologético, oratério ou apuradamente epistolar, os Padres, por certo, néo queriam ser, em primeira linha, literatos, esim, arautosda doutrinae moralcristas. Aarte adquirida, néo obstante, vem a ser para eles meio para alcanear este fim. (...) Hd de se thes aproximar oleitorcom © coragéo aberto, cheio de boa. vontade ¢ bem disposto i verdade erista. As obras dos Padres se the reverterao, assim, em fonte de luz, alegria e edificagao espiritual” (B. Altaner; A. Stuiber, Patrologia, Paulus, 8. Paulo, 1988, AEditora INTRODUGAO’ O tempo decorrido do ano 400. 416, perfodo dedicado a elabocao deste monumento teolégicae filoséfico, que é 0 tratado De Trinitate, revela, por um lado, a profundidade do tema e, por outro, a seriedade com que o bispo de Hipona encarou seu projeto. E verdade que nao foram dezesseis anos’ dedicados apenas & construgdo deste mo- numento, pois, além de seus afazeres pastorais, sua pena incansavel estava a servico da fé catdlica, em sua defesa e ensino, mediante outros escritos.* Aobraestampa oretrato de homem pertinaz em suas investigagdes, mestre do hem escrever, fiel & Revelagio a Tradigao, eximio escafandrista nas fguas dos textos escrituristicos, esgrimista versdtil nas refutagdes dos eros, Revelando-se no apenas como tratadista de Deus, mas também alma de profunda piedade e de ardente caridade, as dissertagies estdo salpicadas de reflexdes piedosas, de veementes protestos de fidelidade a ortodoxia catélica, de amorosos, embora enérgicos, in- centivos ao abandono do erro, aos que per opinides demolidoras da unidade no mist Oeenfoque de varios aspectos do mist epoca, pois, os estudos de hoje talvez dispensassem dis- cursos tao prolixos. Tenha-se em conta, porém, os recur- sos de que se valiam os ensinamentos heréticos para impor seus prinefpios e enredar na trama de seus sofis- mas 05 fidis despreparados e, portanto, ameagados na pureza de sua f8. engas vi uno ¢ trino, impossivel de ser vislumbrado por ntesdefé, adauiria a darem pelos eaminhos da heresia, opugnando erengas j& arraigadas no espirito dos crentes. Olleque de doutrinas heréticas apresentava as varie- dades mais diversas, algumas partindo diretamente do mistério trinitario e outras considerando a pessoa de Cristo em suas relagies com o mesmo mistério, No século 1, erguendo o lema de Monarel mus (Temos faccdo dos manarquinianistas, Cristo era um simples ;presentava apenas 0 dinanismo de Deus para outra, era tao sé filho de Deus pela graca (adopcionistas). Os monarquianos modalistas asse- guravam a divindade de Cristo, mas somente como um rosto diferente de Deus; os patripassistas nao viam dife- renga entre o Pai eo Filho e receberam essa denominacao pela doutrina que defendiam, ou seja, atribuiam ao Pai os sofrimentos de Cristo. O sabelianismo se insurgiu contra 2 fé em trés pessoas, as quais serial ees diferentes para umaesséncia di considerava o Verbo encarnado como filho natural de Deus na natureza divina, e filho adotive na natureza humana, Negando a primeira parte d a anterior, ismo exeluia o Filho da esfera da divindade e 0 considerava apenas como filho adotivo de Deus, Com relagio & pessoa divina do Espirito Santo, levantaram-se prineipalmente os pneuméticos que Ihe negavam a divin- u dade e, conseqtentemente, apregoavam de com relacao ao Pai e ao Filho. As vozes dos defensores da ortodoxia levantaram-se em todos os momentos em favor da autenti com base nas préprias Eser Tertuliano, no século II ainda, colocou seu talento princi- palmente contra os modalistas com a obra “Adversus Praxeas” (Contra Praxéias). Clemente de Alexandria, fenes, Basilio foram também propugnadores imper- térritos da f6, sem esquecer Dionisio de Alexandria, no seu empenho em refutar a argumentagao dos sabelianos; eNovaciano, notavel pelo métodoe eleganeiana expo: do simbolo da fé, assim como santo Ambrésio. Na luta contra os arianos destacaram-se santo Atandsio e Santo Hildrio, O primeiro, no século IIT, bispo de Alexandria, foi co homem enviado por Deus para fazer frente aos {mpetos da hetesia, a qual enfrentou com energia mediante seus escritos apologéticos sobre a Trindade. O segundo, cha- mado 0 AtanAsio do Ocidente, celebrizou-se também nes- sa lt itate” — uma exposiedo rio, em estilo elegante e com firmeza de argumentagio. Essa luta, que se travava ha séculos, reclamava da Tereja uma pr e viesse par pont nas discussdes que se alongavem, tumultuavam 0 an- biente e confundiam 03 espfritos. Nada mais convincente do que a realizacao de um concilio universal, onde os pastores do rebanho de Cristo, dispersos nas diversas partes do mundo, se reunissem para expressar sua comt nhio ea unidade da fé. A grande assembléia realizou-se em Niegia, em 325, com a presenga de 318 bispos catélicos € 22 arianos. No final, foi apresentado o simbolo da fé, onde a profissao de fé no mistério da Trindade confessa a INTRODUCAO 12 existéncia de um s6 Deus em trés pessoas: Pai, Filho e Espirito Santo. Devido a uma doutrina errénea sobre 0 Espirito Santo, 0 segundo concilio ecuménico de Cons- tantinopla em 381 esclareceu o pensamento catélico como acréscimo de expressdes que elucidavam a questo. 0 simbolo da f, elaborado no primeiro concilio e completado no segundo é, por isso, denominado niceno-constantino- politano. ‘As definigdes conciliares nao foram suficientes para a extingdo dos movimentos heréticos. His porque Agosti- ho lancou-se & elaboragao de sua obra, contando certa- mente com a ajuda de muitos escrites ortodoxos anterio- res a seu tempo ou contemporaneos, e com as definigies dos eoncilios. Mas como ele préprio afirma na obra, a maioria desses tratados estavam redigidos em grego — obras, portanto, fora do aleance da Igreja do Ocidente dele proprio, que nao era muito versado nesse idioma. Havia assim uma ansia geral pelo aparecimento de um tratado que iluminasse mesmo de longe, os arcanos da verdade sobre o mistério do Deus uno e trino, explicasse 0s conceitos, mostrasse a concordancia dos textos eserituristicos, apesar de aparente contradicao, langasse luz sobre o mistério com argumentos de razdo, mais acomodados mentalidade humana, ¢ refutasse, com a Biblia na mao, as proposicdes heréticas apresentadas com subtileza para ocultar a falsidade.‘ Na investigagao da verdade, ao mesmo tempo que alga vos altaneiros em exposigdes brilhantes, curva-se perante 0 mistério insondavel quando percebe os limites da pesquisa humana e, longe de se arvorar em mestre infalivel, incita os leitores procura de outros esclareci- mentos, dispondo-se a corrigir o resultado de suas buscas, sse descobrirem que ele nao atingiu a verdade. 13 INTRODUCAO Estrutura da obra © tratado agostiniano sobre a Trindade consta de quinze livros, duzentos ¢ trés capitulos, quantro prélogos ¢ trezentos e sessenta e trés itens ou ntimeros. A carta 174, por decisdo do préprio Agostinho, antecede 0 inicio do tratado, Transcrevemos na integra essa carta, mais adiante. ‘Nos primeiros capitulos do I livro, 0 autor assenta 0 fundamento da construcdo que pretende erguer: a fé catélica no mistério trinitario, a qual assegura, conforme testemunho das Escrituras e da Tradicao: “que o Pai, 0 Filho e 0 Espirito Santo perfazem uma unidade di pola inseparavel igualdade de uma e mesma substancis Desenvolve,em seguida, as conseqiiéncias dessas afirma- ges argumentando sobre a consubstancialidade do Filho € do Espivito Santo em relagio ao Pai, assim como a inseparabilidade de operagées e a igual imortalidade. As implic&ncias do mistério do Verbo encarnado com o mis- ‘ério da Trindade nao contradizem 0 fundamento da fé catélica, pois as aparentes divergéncias sao explicadas pelas duas naturezas de Cristo (I Livro) ‘No segundo e no terceiro livros, aborda as missées divinas, estabelecendo antes as regras da hermenéutica, ou seja: por um lado, textos escriturfsticos atestam a unidade e igualdade de esséncia do Pai e do Filho; por outro lado, outros textos falam do Filhona forma assumi- da de criatura, Sao investigadas entao as aparigve Abraio, a Lot, a Moisés e a Daniel ¢ as manifes- 's mediante a nuvem e a coluna de fogo no deserto. Conclui sempre que essas visbes se verificarai mediante uma criatura corpérea. Para esclarecimento da verdade sobre as referidas aparigdes, Agostinho disserta sobre a causalidade das coisas, concluindo ser a vontade de Deus a lei superior de todas as coisas e ser a esséncia divina INTRODUCAO, u vel. As teofanias acontecem por meio de anjos a servico do Criador (II ¢ III Livros }, Disserta, depois, especificamente sobre a missio do Filho, cuja unica morte é remédio para a dupla morte do homem; e sobre a mediagao de Cristo para a vida, Apesar de enviados, o Filho e o Espirito Santo sao a0 Pai (IV Livro ). Apés apresentar os conceitos cia e acidente, o santo lembra nada se possa afirmar quanto aos acidentes — pois nele naoexistem, contudo, pode-se admitir nele a categoria de relagao. Com essa distingao, refuta o argumento dos arianos baseados nos conceitos de ingénito e gerado. Como conseqitén consubstanei reafirma a igualdade na Trindade, a Espirito Santo como Paieo Filho, douses (V e VI Livros }. ‘A afirmagao do apéstolo Paulo: “Cristo, poder de Deus e sabedoria de Deus”, dé ensejo para dissertar sobre atese da unicidade da sabedoria na Trindade, assim como de unicidade de esséncia. Preocupa-o, em seg pergunta: “O que sto 03 trés?” E apresenta duas respos- tas: 0s trés so uma esséncia e trés substancias, para os gregos; e uma esséncia e trés pessoas, para os latinos. ido de se expressar dos latinos, conclui que se trata de recursos da linguagem éinadequada para exprimir o que nao foi Depois de acentuar mais uma vez a igualdade das trés pessoas, agora, por meio de um argumento de razao, 0 santo estabelece que, para a compreensao de Deus, deve-se deixar de lado qualquer imagem corpérea, ‘mas que 6e pode entender algo da natureza de De inteleccao da verdade, pelo conhecimento do Sumo Bem e pelo amor a justiga. O ca breve, poré Ao. 15 vivéncia do amor, no qual se percebe certo vestigio de Deus (VIII Livro). “Langa-se entao a procura de uma imagem de Deus até encontré-la na mente do homem, onde se depara com ‘e amor, com oqual o seu préprio conhecimento. Aprofundando a pesqui sa, descobre na mente uma trindade nportante: a éria, o entendimento e a vontade (IX e X Livros). jue dando um passo atras, mas justificando mento pela necessidade de exercitar a inteli- leitores, investiga depois a existéncia de uma imagem de Deus no homem exterior. E encontra a primei- a visio exterior das coisas, constituida pela visio do nada no olhar do vidente, © a 0 de ligacdo. As trés o sao da mesma substanc fagem, cujos elementos so da mesma substancia, constituida pela imagem do corpo a, pela informagio obtida pelo olhar do xo da vontade como tereeiro realidades, por Eneontra a segund: Prosseque a investigagio eobre a imagem de Deus no homem. Depois de estabelecer adiferenca entre sabedoria ., surge a descoberta de uma imagem, ainda erior, na ciéneia, embora prépria do homem interior. E enfoca 0 ass 6 comum e una em todos os erentes, e necesséria para a felicidad jem. A felicidade verdadeira tem a nota imortalidade, aqua 1m pode almejara aleancar vida, morte e ressurreigao do Verbo arnado (XII e XH Livres). ‘Chegando ao fim da pesquisa, encontra a imagem de Deus no homem segundo a mente, que se renova no conhecimento de Deus conforme a imagem daquele que o criou a sta imagem. Com a mente, o homem percebe a mvrRonucao, 16 sabedoria, contemplagao do eterno, Contudo, a Trindade, nesta vida, 0 homem a vé tdo-somente em espelho e em enigma, pois essa visio acontece por meio da imagem de Deus, gue é 0 préprio homem — semelhanca obscura © dificil dese discernir. Essa descoberta permiteexplicar de algum modo a geragao do Verbo divino, ou soja, mediante a geraciio da palavra em nossa mente. As tltimas refloxdes versam sobre a procedéncia do Espirito Santo, a qual € explicada como sendo 0 amor entre o Pai e 0 Filho (XIV ¢ XV Livros). A obra nas “Retratagaes” No ano de 427, Agostinho escreveu a obra “Re- tractationes” (Retratagées), em dois livros, em que revé afirmagées contidas em obras suas ja publicadas, os as quais julga necessario apresentar esclarecimentos out até corregdes. Com relagao a “De Trinitate” faz referéncia tras vezes. Bi-las: 1) “No livro XI (cap. 5 n, 9), quando tratava do corpo ‘vel, disse: Portanto, am4-lo, isso é loucura. Referi-me ‘40 amor com que se ama algo, a ponto de oamante pérsua folicidade na sua fruicdo, Poisnaoé sinal de loucura amar a formosura corporal para louvor do Criador.” ro (cap. 10, 17), quando disse: "Nao me recordo de uma ave quadmipede, porque nunca a vi Mas posso conte com facili 2)*Nomesmi indo outros dois pés aos que jd observei", ao dizé-lo, no me Jembrei das aves quadripes mencionadas na Lei (Lv 1 20). A Lei nao considera como pés, as duas patas poste- riores que permitem o salto aos gafanhotos, tidos como animais puros, Distingue-os dos volateis que nao saltam ” INTRODUCAO com 0 auxilio dessas patas, como os escaravelhos. ‘Todos esses volateis sao denominados quadripedes na Lei’ 3) "No livro XII (eap. 1 n, 15), 0 comentario das palavras do Apo outro pecado que o homem cometa, é exterior ao seu corpo” (1Cor 6,18), nao me agrada, Faspalavras:“Aquelequeseentregara fornicacao, peca contra o préprio corpo” (1Cor 6,18), néo se hao de entender no sentido de que aquele que comete esse peca- do, comete-o para ter as sensagies que 0 corpo percebe, de tal modo que nelas ponha seu tiltimo fim. Isso abrange muitos outros pecados além da fornieacio perpetrada mediante uniaoiilicita, da qualo Apéstolo fezreferéncia 20 dizer isso."° (Retra ef. IT 15,28) Essa obra, excetuando-se a carta que a encabega, comeca assim: Quem se entregar & leitura do que escrevemos sobre & Trindade... (Lecturus have quae de Trinitate disserimus). CARTA PROLOGO Carta 174 De Agostinio, ac beatissimo, muite amado e veneréval papa Aurdlio santo irmacecolega no sacerdécio, saudagao no Senhor,? Sendo aind: jovem, iniciei ae! meus livros sobre a Trindade, que ¢ 0 Deus bray seondidas on mesma furtado, antes de 03 sto, como erao meu dese) os separados,masemuma ubsequentes ligam-se aos completa, precedentes no transcurso da pesquisa, Como nao me foi el exocutar esses plan minha vontade, os volumes chegaram as maos de alguns), interroi 1s livros, pe amentar 0 fato em outros escritos, ¢ assim fosse tomado conhecimento, 0 quanto possi referidas livros me foram minei terminar com a ajuda de Deus tao Pel de nosso carissimofilhoeco-dideono, hegar as tuas miios ja corrigidos — nao tao hem como o desejava, mas de acordo com minhas possibilida- cARTA 174 20 des —, para iarem tanto dos que, levados por alguém, escaparam-me das maos. E dow izagio a todos os que queiram escuté-los, copid-los izar meu desejo, conser- vando 0 mesmo contetido, a minha exposi¢ao teria sido na medida queasdificuldades, que envolvem a explanagdo de assuntos tio profundos ea lade o tivesse permitido. 0 08 quatro ou, talvez, os idosprélogoseoduodécimo livro sem uma parte final consideravel. Se esta presente edigdo chegar-lhes as mos, poderdo fazer as correcdes, se ‘oquiserem ow puderem, Solicito, como medida de prudén- cia, que mandes transcrever esta carta & parte, antes do inicio de todos os livros. Adeus! Reza por m ‘Leiam-setombé 3 Notas complementares Introd: renprega da "Trindade" dado Anjo na praia 2 11: Contnbato tasido 3 doutsinatriniténia da Igneja si charitatem vides) (VI, 8,12) “Lembre-me eu d eca-te a tir ame-te a tis Faze-me crescet™ e reforma-me por inteiro” inerim tui, intelliga) ta, do) (XY, 28,51) LIVROT reeiva espécie de indiv is, para se aplicarem rel, que 6 Deus. Onerados, porém, mam com todo atrevimento s uv fecham a simesmososcaminhos da in do nao se corrigirem de suas falsas afirmagées, a modifi- carem 0 que defendem.? Esse 6 0 mal dos trés grupos de individuos aos quais, me referi ou seja: os que enfocam o tema de Deus como ‘uma substancia corpérea; os que 0 abordam conforme os seres espirituais, como a alma; e os que no obedecem a neahur dos dois critérios ¢ emitem opinides falsas a respeito de Deus. Estao eles tanto mais longe da verdade quanto mais seus conhecimentos nao apéiam, nos senti- dos corporais nem no espirito criado; nem no proprio Criador. Quem julga, por exemplo, que Deus é branco ou Touro, engana-se, ainda que de qualquer maneira encon- tremos esses acidentes no corpo. Quem considera que Deus agora se esquece e depois se lembra, ou tém outras opinides semelhantes, esté totalmente em erro, ainda que de qualquer forma, essas faculdades se encontrem na alma. Quem, porém, pensa que Deus é dotado de tal forca que tenha gerado a si mesmo, incorre em maior erro ainda, ja que Deus nao somente nao ¢ assim, e tampouco uma criatura espiritual ou corporal, Nio hi eriatura alguma que seja capaz de gerar a si mesma para existir. 2 Com a finalidade de purificar o espfrito humano de semelhantes erros a santa Escritura, acomodando-se aos pequenos, nao evitou expressies designando esse genero de coisas temporais, mediante as quais nosso entend mento, como que alimentado, pudesse ascender por de- graus, As coisas divinas e sublimes. Por isso, empregou palavras tomadas das coisas corporais a0 falar de Deus ;plo, quando diz: Protege-me & sombra de 16,8). E apropriou-se também de muitas expressées referentes ao espirito para significar aquilo que, embora nao seja desse modo, era preciso que fosse dito assim, como: Eu sou um Deus ciumento (Bx 20,5), € 25 128 também: Pesa-me de ter feito 0 homem (Gn 6,7). Em se tratando de coisas inexistentes, a Escritura nao registrou expresso alguma que envolvesse locucdes figurativas ou encerrasse enigmas. Dal, que se perdem em afirmagies vase perniciosas os que se afastam da verdade, abracando aquela terceira espécie de erro, Conjeturam a respeito de Deus elementos que nao se encontram nele mesmo, nem em criatura algumas. Com elementos préprios das criaturas, a Escritura na costuma compor como que jogos infantis, com a intengdo de que os sentimentos dos simples sejam estimu- Iados, como que passo a passo, & procura das coisas superiores, no abandono das inferiores.* O que, porém, € dito com propriedade somente a respeito de Deus e que no se encontra nas criaturas, Eseritura rara- mente registra, como 0 que foi dito a Moisés: Fu sow o que sou, e também: Aquele que é, enviou-me a vds (Ex 3,14). ‘Ainda que 0 verbo “ser” seja empregado também em relagio ao corpo e a alma, a Escritura nao o empregaria, quisesse dar a essas palavras um sentido tod ial, a0 se referir a Deus. Do mesino modo quando 0 Apéstolo diz: O tinico que possui a imortalidade, 0 senhor dos Senhores (Tm 6,16). Visto que se diz. a alma ser imortal, como de fato 6, a Eseritura nao diria: “O uinico”, sea verdadeira imortalidade nao fosse a imutvel, da qual nenhuma criatura é dotada, jé que esta imortalidade per- tence somente ao Criador. O mesmo dé entender 0 apés- tolo Tiago: Todo dom precioso e toda dddiva perfeita vere doalto, descendo do Pai das luzes, no quai nao ha mudan. ‘ga nein sombra de variagao (Tg 1,17), Hatambemoque diz, Davi: E camo uma vestidura, twas mudas e ficam muda- das; tu, porém, és sempre o mesmo (SI 101,27-28). 3. Desse modo torna-se dificil intuir e conhecer plena- mente a substancia de Deus,® que faz as coisas mutaveis EavRo 26 semmudanca emsi mesmo, cria ascoisas temp, qualquer relacao com o tempo. Faz-se mister, por isso, purificar nossa mente para podermos contemplar inefa- nente o rel. Ao nao conseguirmos ainda essa purificacao, alimentamo-nos da fé, somos conduzidos por caminhos mais pr: chegar a compreender a Deus.*Nesse sentido, afirmou 0 Apéstolo que todos os tesouros da sabedoria e da ciéncia 40 escondidos em Cristo (C12,3), mas apresentou-o 208 que, embora rena: e animais, e p ssim, apresenta 0 Cristo nao com o poder divino pelo qual éigual ao Pai, mas, na fraqueza humana na qual foi erucifieado. Diz tex mente: Pois eu ndo quis saber outra coisa entre v6s a ndo ser Jesus Cristo, e,Jesus Cristo erucificado. E, prossegu entre v6s cheio de fraqueza, receio e temor 3), B mais adiante: Quanto a mim, irmé vos pude falar como ahomensespirituais, mas tao-somen- te como @ homens carnais, como a crianeas em Cristo, leite, n to sdlido, pois nao 0 podieis suportar. Mas nem mesmo agora o podeis (1Cor 31-2) um insulto. Pre acreditar nao terem 0 que dizer os que isso dizem, antes de se consi a si mesmos in de compreen- der o que lhes ¢ dito. As vezes, lhes apresentamos certa argument: te o que pedem quando in- bre Deus, pois eles nao tém eapacidade de compreendé-lo — nem nds talvez. tenhamos para com- -lo, Somente expomos alguns argu- mentos que demonstram a sua ineompeténcia e inido- em 0 que exigem. mo nae ouvem aguilo que desejam — ou pensam que agimos com asbicia para oeultar nossa incapacidade, 15 pessoas aT 2a talvez que agimos com maldade, por Ihes invejarmos competéncia —, indignadas e confitsas, afastam-se de capinoLo2 O procedimento neste estudo sobre a Trindade 4. Considerando o precedente, com a ajuda de nosso Deus e Senhor e conforme nossa capacidade, empreende. remos a tarefa que nos pedem, e assim demonstraremos que a Trindade é um s6 ¢ verdadeiro Deus, ¢ quao retamente se diz, se cré e se entende que o Pai, 0 Filho e © Espirito Santo possuem uma s6e mesma substancia ow esséncia.® Assim nao poderdo afirmar, por assim d que enganamos os adversérios com Mas que se convencam pela prépria experiéneia de que existe aquele sumo Bem, s6 visivel as mentes muito puras. E se eles ndo podem compreender, é porque o limi da inteliga mana nao 6 eapaz de se fixar nessa luz sublime, se nao for alimentado pela justica fortalecida pela f. eiramente, porém, 6 preciso demonstrar pela autoridade das santas Bscrituras, a certeza de nossa fé. Em seguida, se Deu: qu 1 esses garrulos raciocinadores? — mais eheios de si do quecapazes, o—,afim de que encontrem uma doutrina da qual nao possam duvidar. Sendo quiserem se convencer, queixem-se antes d idade de suas mentes do que da verdade, ou mesmo da nossa argumentacdo. Se neles ainda restar ossas pretensies. Livko1 28 dos fidis, existente na Igreja, de modo que uma piedade auténtica cure a mente doentia incapaz de perceber a verdade imutavel, ¢ leve a evitar que a temeridade desre grada os faca emitir opinides maldosamente falsas, Nao mecansarei de procurar, se iver alguma diivida;endome envergonharei de aprender, se cair em algum erro.’ ruLos Pacto do autor com os leitores 5. Todo aquele que ler estas explanagées, quando tiver certeza do que afirmo, caminhe lado a lado comigo; quan- do duvidar como eu, investigue comigo; quando reconhe- cer que foi seu o erro, venha ter comigo; se o erro for meu, chame minha atengio.* Assim haveremos de palmilhar juntos o caminho da caridade em diregao aquele de quem esta dito: Buscai sempre a sua face (Sl 104,4). Faco este acto piedosoe seguro na presenca do Senhor nosso Deus, com todos aqueles que lerem nao somente este tratado, mas todas a3 minhas outras obras, principalmente no tocante & unidade da Trindade, que é 0 Pai, 0 Filho 0 Espirito Santo. Por certo nenhuma outra questao existe que oferega mais risco de erros, mais trabalho na investi- gacdo e mais fruto na descoberta."” Aquele portanto, que aoler, disser: “Isto ndoestébem explicado, pois no entendo”,culpeo meu modo deexpres- sar, nao porém, a minha fé. Poder-se-ia com efeito dizer gumas coisas com mais elareza; contudo, ninguém ja mais falou a ponto de todos o compreenderem, em tudo 0 que diz, Quem nao estiver de acordo com o que digo, procure examinar outros autores mais versados nesses assuntos, jd que ndo compreende a minha explicagao. Se 29 38 isso acontecer, feche meu livro ou, se achar melhor, porha-o de lado, e dedique seu tempo e esforgo na leitura dagueles escritores que lhe sfio mais compreensiveis, Nem por isso, contudo, julgue ele que eu deva me calar por ndo conseguir explicar t4o expedita e claramen- te como os autores que compreende. Nem tudo 0 que est escrito, chega a circular nas maos de todos. Pode aconte- cer que algumas dessas pessoas venham a ter em maos pelo menos estes nossos livros, © que tenham capacidade para entendé-los, sem ter podido dispor de outros mais, claros. Por isso, & vantajoso que diversos, assim como os mesmos assuntos sejam tratados por varios autores em diferente estilo, ndo, contudo, com fé diferente. Desse modo, chegardo ao conhecimento de muitos leitores a uns de um modo; a outros, diferentemente. E se alguéim se queixar de nao compreender minha explicagéo, porque nunca foi capaz de entender acerea desses assuntos, embora tratados diligente e profundamente, faga votos no seu intimo e dedique-se mais ao estudo para ticar algum, proveito em vez de pretender me fazer calar corn suas lamentagios e eensuras. Aquele leitor que disser: “Estou compreendendo que se diz, mas nao esta apresente a sua explicagao, se 0 quiser, Caso, motivado pela caridade e a verd: conhecimento — se ainda estiver eu vivo — estarei co- Ihendo frutos copiosos deste meu trabalho, Se nao Ihe for possivel trazer ao meu conhecimento, da alegtia e prazer se fizer a observaciio aos que puderem me corrigir. Deminha parte, medito na lei do Senhor, sendo dia e noite (SI 1,2), pelo menos em todos os momentos em que me & possivel. Para que nao venha a esquecer minhas conside- rages, confio-as pena esperando da divina miserieérdia 2 perseveranga em todas as verdades que eu considerar LivRor 30 como certas. Se, porém, cair em erro, ele me esclareceré (F13,19), seja mediante inspiragoes ¢ admoestagies inti- mas, seja por meio de sua palavra manifesta, seja ainda através mn 08 irmaos. Isto pk sta determinacaoe este desejo confio-os a0 seu poder, pois ele éotinico capaz de guardar oquemedeuedecumpriroque prometeu 6. Penso com raziio, que alguns mais tardos de inteli- géncia vao opinar, em certas passagens de meus livros, que eu disse fo disse o que disse, Quem ignora que 0 erro alheio nao nos deve ser atribuido? Esses tais pareciam seguir-me, mas nao me tendo compreendido, desviaram-se para alguma falsida- de, enquanto eu me via obrigado a caminhar por densos e ‘obscuros caminhos." De modo semelha: 0 descaro de atribuir aos santos autores dos Livros sagra- dos 0s muitos e variados erros dos hereges, que se empe- mham em defender suas falsas e enganadoras opinioes ¢ je das mesmas Escrituras, Alei de Cristo, com delicadissima autoridade, isto é, a caridade, admoesta-me e cu homens julgam que em meus livros defendi algum erro que nao defendi, se 0 suposto erro desagradar a este € agradar aq eu prefira ser repreendido pelo cen- sor da suposta falsidade a ser louvado por um adulador.!? ejacriticado pelo pri é censurado; no entanto, nem eu serei louvado com razio 1 — pois me atribui uma opiniao contraria & verdade —, nem a prépria afirmacdo serd elogiada com raziio; pois ofende a verdade. En nomedoSenhor, pois, demos inicioa obra que nos propusemos empreender. an 9647 capiTuLos Doutrina da fé catéliea sobre a 7. Todos os do Novo'Testamento,¢ perfazemumaunidaded de uma tinica e mesma subst: jade da Trindade. Contudo, a Trin: nom [oi crucificad terceiro dia, nem subitt aos somente o Filho. A Trindade nao deseou sob a forma de pomba sobre Jesus batizado (Mt 3.1 ascensio do Jai fogo, que vieram sada um deles; mas so irito Santo (At2,2-4). A Trindad pavirdo nem no dia de Pentecostes depois da fda seme- jonte quando com ele estavam nem quando soou a vor que dizia: Ew o gloré m queo Pai eo Filho so insepardveis em si, 830 nsepardveis em suas operagies.1° Esta é minha fé, pois esta ¢ a fé catdlica, Lavo 82. caPITULOs Questionamentos sobre a unidade na Trindade € as operagdes insepardveis 8, Algumas pessoas ficam confusas quandoouvem falar que Deus Pai, Deus Filho ¢ Deus Espirito Santo, ou seja, a Trindade, nao sao trés deuses, mas um s6 Deus. procuram entender como isto seja possivel, prineipalmen- te quando se diz. que a Trindade atua inseparavelmente em tudo 0 que Deus faz. No entanto, a voz do Pai, que se ouviu, no é a voz do Filho; somente o Filho nasceu, padeceu e ressuscitou e subiu ao eéus; e somente o Espi- Fito Santo aparecett em forma de pomba. Querem com: preender como aquela voz somente do Pai, pode ser operacao da Trindade; como aquela carne, na qual somen: teoFilhonasceu, a mesma Trindade a criow; como aquela forma de pomba, na qual somenteo Espirito Santo apare ceu, tenha sido operacao da Trindade. Caso as operagies nao fossem insepardveis, mas 0 Pai fizesse uma coisa, o Filho outra, e o Espirito Santo outra; ou se operassem algumas vezes em conjunto, tras vezes em particular cada uma; niiose poderia afirmar a inseparabilidade da Trindade. Preocupa-os também 0 fato de que o Espirito Santo estejana Trindade e nao foi gerado nem pelo Pai nem pelo Filho, mas é 0 Espirito do Pai e do Filho. Essas pessoas levam-nos ao cansago com suas perguntas. Se nossa fraqueza receber ajuda do dom de Deus, daremos explica ‘gées, como pudermos, nao caminharemos porém, com aquele que se corréi de inveja (Sb 6,23). Se afirmarmos que tais questées nao soem preocu- somos arrebatatos pelo afa de investigar a verdade,” e os amigos suplicam, pelo direito da caridade, que lhes comuniquemos o que puder- 33 5888 mos descobrir. Nao quero dizer que ja tenha aleancado a meta ou seja perfeito, pois, se 0 apéstolo Paulo diz nao a ter aleancado, muito menoseu que estou longe delee como que sob seus pés. Discorrerei, noentanto, conformeminha cadénciae, se me esqueco do que disse atras e volto ao que JA disse, prossigo conforme meu propésito a fim de obter ‘ prémioda vocagao do alto. Aqueles a quem a caridade me obriga a servir, desejam que lhes manifeste quanto tenha andado neste caminho, aonde pretendo chegar eo que me resta de caminho até o fim E mister, porém, e Dous me concederd que, servindo aosleitores, eu mesmo faca progressos e, aoresponder 20s que perguntamn, eu mesmo encontre o que procuro, Assu- mieste trabalho, por ordem e com a ajuda do Senhor nosso Deus, nao tanto para dissertar com autoridade sobre assuntos que conheco, mas para os conhecer eu mesmo, mediante uma piedosa dissertagao.”* CAPIRULO6 Consubstancialidade do Pai e do Filho. Imortalidade da Trindade. O Fitho é também criador. A deidade do Espirito Santo e a igualdade com 0 Pai eo Filho 9, Aqueles que afirmaram que nosso Senhor Jesus Cristo nao é Deus, ou que nao ¢ verdadeiro Deus, ou que nao é um 6 Deus com o Pai, ou que nao é imortal por ser mutavel sejam convencidos de seu erro pelo clarissimo testemunho e pela afirmacao unanime dos Livros santos, dos quais jalavras: No prinetpio era o Verbo, € 0 Verbo estava em Deus, eo Verboera Deus. Esta claro que 6s reconhecemos 0 Verbo de Deus como o Filho tinico do Pai, do qual se diz depois: &’0 Verbo se fez carne e habitou Livaor 34 entre nds (Jo 1,1-14), em referéncia ao naseimento pela sua encarnagéo, ocorrida no tempo, tendo a Virgem como mae, Nessa passagem, o evangelista declara que o Verbo nao ésomente Deus, mas consubstancial ao Pai, pois, apés dizer: E 0 Verbo era Deus, acrescenta: No principio, ele estava com Deus. Tudo foi feito por ele e sem ele nada foi feito do que existe (So 1,2-3). Diz tudo, de modo a i tudo o que foi eriado, ou seja, todasas criaturas. Consta ai claramente que nao foi eriado aquele por quem tudo foi criado, E se nao foi criado, nao 6 criatura, e se nao é criatura, 6 eonsubstancial ao Pai, Toda substancia que nao é Deus, é criatura, e a que nao écriatura, Deus. Ese © Filho nao é consubstancial ao Pai, é uma substancia criada; e se é uma substancia criada, todas as coisas ndo wram feitas por ele. Ora, esté escrito: Tudo foi feito por ie; portanto, ¢ consubstancial ao Pai. Assim, nao é so- mente Deus, mas verdadeiro Deus. 10, O mesmo afirma com clareza o apéstolo Joao na sua carta: Nés sabemos que veio o Filho de Deus e nos dew a inteligencia para conhecermos 0 verdadeiro Deus. E 76 esta srdadeiro Deus, no seu Fitho Jesus Cristo Este é 0 Deus verdadeiro e a vida eterna (1 Jo 5,20) Podemos também tirar a conclusao de que nao se re somente ao Pai aquelas palavras do Apéstolo: O tinico que possui a imortalidade (Tm 6,16) Deus, que é a propria Trindade." Jamais a vida eterna pode ser mortal com alguma Filho de Deus, porqueé Vida eterna, esta incluidotambém, como Pai, na citag lidade, Nos, participantes de sua vida eterna, tornamo. mnortais, conforme nossa condigao. Mas uma coisa é fomos feitos participantes coisa somos nés que viveremos para sempre por forca dessa ois, 0 Apsstolo tivesse dito: “O 36 eau Pai, (em vez de: Jesus Cristo) —0 Benditoe tinico Sobera- icoqque possui ,, mostrard nos tempos estabelecidos...”, nem assim se poderia conchuir que o Filho esta excluido. lho também nao se separou do Pai ao falar pela wria (pois 6a Sabedoria de Deus): Eu sozinho fiz todo o giro do mundo (Belo 24,8). Com mais razio, portanto, nao é Iicito que se entenda s6 do Pai, excluindo Iho, quando se disse: O tinico que possui a imortalida Jd que a afirmagao ¢ esté: Guarda 0 mandamento imaculado, irrepreenstvel, até a aparigéo de nosso Senhor desus Cristo, que mostrard nos tempos estabelecidos, 0 bendito € tinico Soberano, 0 Rei dos reis e Senhor das senhores, 0 tinico que possui a imortalidade, que habita uma luz inacesstvel, que nenhum homem viu, nem pode ver. A ele, honra.e poder eterno! Amém (1Tm 6,14-16). Nessas palavras, nao hé mengao propriamente dita do Pai nem do Filho nem do Espirito Santo, mas do bendito e Linico Soberano, o Rei dos reise Se 1ores, 0 que corresponde ao tinieo e verdadeiro Deus, propria Trindade. 11. Ando ser queas palavras seguintes pudessem torcer a interpretagdo dada, pois disse: Que nenkum homem ode ver, porque poderiam ser entendidas como srentes a Cristo na sua divindade, a qual os judeus nao viram, embora tenham visto 0 seu corpo e 0 tenham crucifieado, Mas a divindade nao pode ser vista de modo algum por othos humanos;2" pode, porém, ser vista com aqueles olhos de quem j4 nao sao homens, mas super- homens. Portanto, com toda razio d proprio Deus-Trindade quando ests dit Soberano, referindo-se t aparicdo de nosso Senhor Jesus Cristo nos tempos esta’ O tinico que possui « imortalidade, era como se dissesce: ico que faz maravithas (S171,18). Livkor 36 Desejaria saber a quem os adversarios atribuem as referidas palavras: pois se apenas ao Pai, como pode ser verdade 0 que o proprio Filho diz: Tudo aquilo que o Pai faz, 0 Filho o faz igualmente? (Jo 5,19). Qual é o prodigio entre os prodigios, sendo ressuscitar e dar a vida aos mortos? Pois,o mesmo Filho diz: Como o Pai ressuscita os mortos ¢ os faz viver, também o Filho dé a vida a quem quer (Jo5,21), Como dizer que somenteo Pai faz prodigios, se essas palavras nao dao lugar a que se entenda que é 1u apenas o Filho, mas 0 Deus tinico ¢ verdadeiro, ou seja, o Pai, o Filho ¢ o Espirito Santo? 12, Além disso, quando o Apéstolo dix: Para nés, contudo, existe um s6 Deus, 0 Pai, dequem tudo procedee para quem 16s somos; € um 86 Senkor, Jesus Cristo, por quem tudo existe ¢ por quem nds somos (1Cor 8,6), quem ha que duvide de ele falar de todas as coisas criadas, do mesmo modo que Joao: Todas as coisas foram feitas por ele? (So 1,8). Pergunto também: a quem se refere quando diz. em ‘outro lugar: Porque tudo é dete, porelee nele; a ele a gloria pelos séculos! Amém (Rm 11,36). Se essas palavras fazem referéncia ao Pai, ao Filho e ao Espirito Santo de modo a atribuir a cada Pessoa uma das expressGes: Dele ao Pai, ele ao Filho, nele ao Espirito Santo, fica claro que o Pai sm 6 Deus, pois o Apéstolo acreseenta no singular: A ele a gldria pelos sécilos. Por onde se vé que usou esse sentido, também ao dizer: Oh abismo da riqueza, da sabedoria e da ciéncia; nao do Pai, do Filho e do Espirito Santo; mas,da riqueza, da sabedo- riae da ciéncia de Deus. Como sao insonddveis seus jutzos e impenetrdveis seus caminhos! Quem, com conhe- ceu 0 pensamento do Senhor? Ou quem se tornou seu consetheiro? Ou quem primeiro the fez.o dom para receber em troca? Porque tudo é dele, por ele e nele. Ale a gloria pelos séewlos dos séculos! Amém (Rm 11,33-36), 37 6.213 Se, portanto, os adversdrios querem entender essas palavras como referentes somente ao Pai, como entender que todas as coisas foram feitas pelo Pai, como é dito aqui; e que tudo foi feito pelo Filho, como ¢ dito na carta aos Corintios:£ um so Senhor Jesus Cristo por quem saotodas as coisas; e como se é no evangelho de Joao: Tudo foi feito por meiodele? Se umascoisaa foram feitas pelo Pai, outras pelo Filho, conelui-se que nem tudo foi feito pelo Pai, tampouco tudo pelo Filho. Se tudo, porém, foi feito pelo Pai e tudo pelo Filho, as mesmas coisas feitas pelo Pai foram feitas pelo Filho. Portanto, 0 Filho é igual ao Pai, a atuagao do Pai e do Filho ¢ inseparavel. Com efeito, se 0 Paicriouo Filho, que nao oi feito pelo préprio Filho, nem indo foi criado pelo Filho; mas a verdade é que tudo foi feito pelo Filho. Entao concluimos que o Filho nao foi criado, mas que com 0 Pai fer tudo 0 que foi feito. Tanto que 0 Apéstolo nao omitiu o Verbo ao dizer de modo bern claro: Ble tinha a condigdo divina e néo considerou o ser igual a Deus como algo a que se apegar ciosamente (F12,6); e chamando ao Pai, de Deus, como vemos nesta outra passagem: A cabeca de Cristo é Deus (1Cor 11,3). 13. Sobre o Espirito Santo, recotheram-se também teste- munhos abundantes dos quais fizeram uso todos os auto- res que antes de nés escreveram acerca destas matérias, nos quais se prova que o Espirito Santo é Deus e nao criatura, E se nao é criatura, é néio somente Deus — pois ‘os homens foram também chamados deuses (S1 81,6) — mas Deus verdadeiro. I, portanto, igual em tudo ao Pai e ao Filho, consubstancial e cooterno na unidade da ‘Trindade, ‘Acitagao, onde aparece com maior clareza o Espirito Santo nao ser criatura, é aquela onde nos é dadoo preceito de nao servirmos a criatura, mas ao Criador (Rm 1,25). Quanto a0 modo de servielo, difere porém, do revelado no uot 38 preceito de servimos uns aos outros pela caridade (GI n grego se designa com o verbo douleuein, deuses o culto devido somente a Deus. © culte a Deus € proclamado nas palavras: Adorarés 0 Senhor teu Deus, somente a ele servirds (Dt 6,13) Ao empregar o termo latretiseis, 0 texto grego ¢ mais to. Se esse culto & criatura nos & proibido, pois est eserito: Adorards 0 Senhor teu Deus, e somente a ele servirds, e 0 Apéstolo maldiz os que cultuam a criatura e aservem, endo ao Criador, conclui-sequeo Espirito nao écriatura. Ele,ao qual todos os santos prestam aquele culto, no dizer do Apéstolo: Os verdadeiros cireun somos nds, que servimos ao Espirito de Deus (F13,3). Bem reg esignados pelo termo lacretiontes, mm exemplares mesmo nos latinos assim se lé: Que s 8; © assim se encontra tai maioria ou quase em todos os eédices gregos. Bm algu latinas, porém, 0 texto nao é: Servimos ao Es de Deus, mas: Servimos a Deus, no espirito, Osque erram a esse respeitoe se recusam ase dobrar acaso, versdes diferentes nos eddices c vras: Ou ndo sal Santo, que estd em vds e que recebostes de Deus? (1Cor 19) Que n nsatez e sacri ousar dizer que 0s membros de dizem, templos de uma criatura inferior a Cristo? Em outra passagem 0 Apéstolo diz: Vosso bros de Cristo (1Cor 6,15). Se, porém, Cristo sao templos di Santo, 0 Espirito Santonio € uma criatura, pois, aquele de quem nossos corpos so templosé mister que devamos a adoragio devida somente n relagdo as pala- smplo do Es} 39 Deus, queem grego é designada com otermolatreta. Por isso acrescenta: Glorificai, portanto, a Deus em vosso corpo (1 Cor 6,20). capinuLo 7 Sentido da afirmagao: 0 Filho € inferior ao Pai e a si mesmo 14. Com esses ¢ semelhantes testemunhos das divinas Escrituras, com os quais como disse antes, 05 autores que erros dos hereges, comprova-ce a unidade ¢ a i professada pela nossa {6.% Mas devidoa encarnacao do VerbodeDeus, realizada de nossa salvacdo ¢ para santos insinuam e am, que o Pai é maior que o os homens errarem pela descuidada investiga. ‘aoe pela falta de consulta a todo o conjunto das Eseritu- ras. E por isso, transfer smacies acerca de Cristo.Jesus: porque escrito ¢ o disse o proprio Senhor: O Pai é maior do que eu (Jo 14,28), A verdade, porém, mostra que neste sentido o Fi ior a si mesmo, Como nao ha de ser inferior a simesmoaquele que “esuaziou-se de si mesmo, eassumiu a condie@o de servo? (Fl 2,7). Recebendo a forma de servo, nao perdeu a forma de Deus, na qual era igual ao Pai. Portanto, revestido da forma de servo, niio ficou privado Livkor 40 da forma de Deus, pois, tanto na forma de servo, como na forma de Deus, ele é 0 Filho Unigénito de Deus Pai, igual ao Pai na forma de Deus, e mediador de Deus e dos homens, o homem Cristo Jesus, na forma de servo. Nesses termos, quem ha que nao eompreenda que na forma de Deus, ele é superior a si mesmo e, na forma de servo, € também inferior a si mesmo? Por isso, a Escritura afirma, no sem razio, ambas as, coisas, ou seja, que o Filho ¢ igual ao Pai e o Pai é maior que o Filho, Nao ha, pois, lugar a confuisao: é igual ao Pai pela forma de Deus, éinferior ao Pai pela formade servo." Esta regra, para resolver o assunto em pauita, com base em todos o¢ Livros sagrados, é tomada de um capi Jodacarta de Paulo, onde essa distingao aparece com toda clareza, Diz assim: Ele tinha a condigao divina, ¢ ndo considerou o ser igual a Deus como algo a que se apegar ciosamente. Mas esvaziou-se de si mesmo, e assumiu a mndi¢do de servo, tomando a semelhanga humana, tido pelo aspecto como homem (Fl 2,6-7). O Filho de Deus 6, portanto, igual ao Pai pela natureza, inferior pela condi- gio exterior. Na forma de servo de que se revestiu, & inferior ao Pai; na forma de Deus que ja possuia antes de assumir nossa condigio, é 60 Verbo pelo qual todas as coisas foram forma de servo, “nasceu de mulher, sob o império da Lei, para remir os que estavam sob a Lei” (Gl 4¥ qiientemente, na forma de Deus eriouohomem, deservo fe7-se homem. Pois, se somente o Pai, tivesse criado o homem, nao estaria escrito: Fagamos 0 homem & nossa imagem e semelhanca (Gn 1,20). Desse modo, pelo fato de a forma de Deus receber a forma de servo, ele é a0 mesmo tempo Deus e Homem. Fao mesino tempo Deus, porque era Deus quem a recebeu; ao mesmo ‘tempo homer, porque recebeu a condigéo humana. No fato de assumir nao ha conversiio ou mudanga de condi- 4a 85 cdo: nem a divindade modifica-se ao tornar-se criatura, nem a criatura tornou-se divindade, deixando de ser criatura® capiruLos Sujeigdo do Fitho ao Pai. A entrega do Reino ao Pai. A contemplagao prometida. Espirito Santo e a nossa felicidade 15. Asentenga do Apéstolo: F quando todas as coisas the tiverem sido submetidas, entao 0 proprio Filho se subme- terd uquele quetudo the submeteu (1Cor 15,28), foi escrita, segundo a opinido de alguns, para que ninguém julgasse que 0 aspecto exterior de Cristo, recebido da eriatura humana, se haveria de transformar depois na propria divindade, ou expressando-me melhor, na deidade,® que nao é criatura, mas a unidade incorpérea da Trindade, incomunieavel, consubstancial a si mesma e cocterna Outros contrapdem afirmando que as palavras: Eo proprio Fitho se submeterd aquele que tudo Ihe subme- teu, devem ser entendidas eomo @ mudanga e conver so futuras da criatura na prépria substéncia ou esséncia do Criador, ou seja, que a substancia que fora da criatura se transformaré na substancia do Criador. Pode-se acei- tar essa interpretagao com a condigao de gue tal trans- formacao ngo se tenha verificado no tempo em que 0 Senhor dizia: O Pai ¢ maior do que eu, palavras que ele pronunciou nao somente antes da sua ascensio ao eéu, mas também antes de padecer e ressuscitar dentre os mortos. Os que opinam que a substancia natural hé de se transformarem substancia da deidade, julgam que issose LivROI 42 dard de} , quando ele entregar o Reino a Deus Pai (1Cor 15,24), apoiados nas palavras: Entdo 0 préprio Filho se submeterd aquele que tudo lhe submetew, como se dissesse: entao o proprio Filho do homem e a naturez: humana recebida pelo Verbo de Deus se transformard na natureza Ihe submeteu todas as coisas E por isso também, de acordo com a referida opiniao, 0 Pai é maior do que a forma de servo recebida da Virgem Maria, Ese al ii nao podem negar que permanecia ainda a natureza de homem, quando dizia antes da paixao: Porque o Pai é maior do queeu. Dai duvida que, conforme o que foi di maior que o Filho na forma de servo, mas o Filho é igual Paina de Deus. td submetido”, evidentemente excluir-se-d aquele que tudo the submeteu (1Oor 15,27),ninguém pense quese had a0 Filho, de modo que seja o préprio Filho que tenha submetido tudo a si mesmo. O Apéstolo, escrevendo aos filipenses, esclarece seu pensamento, ao dizer: Mas a nossa cidade estd nos eéus, de onde também esperamos samente como Salvador o Senhor Jesus Cristo, que transfigurard 0 nosso corpo humilhado, conformando-o a0 sei glorioso, pela operagao que the dé poder de submetera si todasas coisas (F13,20-21). A atuagao do Pai © do Filho é, pois, inseparavel. Alias, nao submeteu a si todas as coisas, mas foi o Filho que as submeteu a ele © ao The entregar 0 reino, anularé todo principado, toda potestade e todo dominio. Com efeito refere-se ao Filho a sentenga: Quando ele entregar 0 reino a Deus Pai, depois de ter destrufdo todo Principado, toda Autoridade, todo Poder (Cor 15,24). 0 que entrega 6 aquele que destréi. 43 5 16. Naodevemos aceitar que Cristo ao entregar oreinoa Deus Pai, dele ficard privado. Assim acreditaram eertos ‘s Pai, iw a si mesino, pois € Deus com o Pai. Jinados a divergir de tudo sao traidos pelo termo ai empregado: até. Pois, em seguida ito: E preciso que ele reine, até que tenha posto todos os seus inimigos debaixo de seus pés (1Cor 15,25 como se depois de colocar os pés, deixasse de reinar. Nao entendem essas palavras, que tém idéntico sentido a estas: Inalterdvel estd o seu coracdo, no temerd, até que veja os rersdrios confundidos (Sl 11,8). Nao se conelua, pois, que se encherd de temor, depois de ver confundidos seus adversérios. 0 que, entio, significa: Quando entregar o Reino a Deus Pai? Acaso Deus Pai nao tem Reino? A razao dessa exp: ndiear que todos os justos, nos qual mediador de Deus e dos homens, Cristo Jesus, reina pela f, serao levados & contemplagio que 0 Apéstolo descreve como face a face, quando disse: Quando entregar 0 Reino a Deus Pai, ou seja, quando conduzir os crentes & contem- lado de Deus Pai. Pois, assim diz o Senhor: Tudo me foi ntregue por meu Pai, e ninguém conhece o Filho, senao 0 Pai, € ninguém conhece 0 Pai, sendo 0 Filho ¢ aquele a quem o Filho o quiser revelar (Mt 11,21). O Pai seré revelado pelo Filho depois de ter destrufdo todo Principe: do, toda Autoridade, todo Poder (1Cor 15,24), isto 6, depois que nao mais for necessario governar essas co por seus semelhantes, isto é, pelos principados, autorida- des © poderes angélicos. Com nao pouca propriedade podem-se-Ihes aplicar as palavras dirigidas a esposa: Nés te faremos umas cadeias de ouro, marchetadas de prata, estando 0 rei no seu diva (Ct 1.10-11, na versio da LXX), ou seja, enquanto Cristo permanece em seu segredo. pois, uossa vida estd escondida com Cristo em Deus; quando tagarelas. Quando se diz: Entregard.o Reino a D Cristo nao se excl Livaor 44 Cristo, que € vossa vida, se manifestar, entao v6s também comele sereis manifestadosem gloria (C13,3-4). Antes que isso aconteca, vemos agora em espetho e de maneira confusa, isto é em semethancas; depois veremos face a face (Cor 13,12). 17. Essa contemplacio é-nos prometida como término de todos os nossos trabalhos e perfeita plenitude da alegria, Visto que ja somos filhos de Deus, mas o que nés seremos, ainda nao se manifestou. Sabemos que por ocasiao desta manifestagao seremos semelhantes aele, porque o veremos tal como ele é (1.0 8,2). Chegaré a realidade das palavras dirigidas a seu servo Moisés: Eu sou 0 que sou. E assim dirdsaos ithos de Israel: Aquele que , enviou-mea vés(Ex 3,14), pois n6s ocontemplaremos na vida eterna, O mesmo disse Cristo: Ora, a vidaeterna éesta:que eles teconhegam ati, o Deus tinicoe verdadeiro e aquele que enviaste, Jesus Cristo (Jo 17,3). Cumprir-se-ao essas palavras quando vieroSenhore puser asclaraso que esté oeulto (Cor 4,5), quando se desvanecerem as trevas da mortalidade e corrupeao. Esse dia seré nosso amanhecer, ao qual 0 salmista se referiu: De manhé, te apresento as minhas preces e espero (81 5,5). E a esta contemplacao que se referem,conforme entendo, as palavras: Quandoentregar 6 Reino a Deus Pai, ou seja, quando 0 mediador dos homense Deus, Cristo Jesus, conduzir a contemplagao de Deus Pai os justos, nos quais agora reina, pela vida de f6. Se me equ sso, corrija-me quem tiver melhor conhecimento; quanto a mim nao encontro outra solucao, Nao estaremos no encalgo de nada mais quando chegar- mos @ essa contemplagao. Agora ela nao existe ainda, embora nossa alegria esteja na esperanca. Ver o que se espera, néo é esperar. Acaso alguém espera 0 que jé ‘¢ esperamos 0 que ndo vemos, é na esperanga que o ‘aguardamos (Rm 8,24.25). Cumprir-se-4 0 que esta escri- 45 sata to: Encher-me-ds de alegria na tua presenca (SI 15,11) Essa alegria sera completa, pois nada mais haverd para se desejar. Ser-nos-4 mostrado 0 Pai, e isso nos bastaré. Assim o entendeu Filipe, quando disse: Mostra-nos 0 Pai e isto nos basta. Ble nao entendera, porém, que poderia dizer também: “Senhor, mostra-nos a ti mesmo, e isto nos basta’, Para chegar a essa compreensao, 0 Senhor lhe respondeu: Ha tanto tempo que estou convosco tu nao me conheceste, Filipe? Quem me viu, vit Pai. E como quisesse queodiscipulo vivesse pela fé, antes de contempla- Jo, acrescentou: Nao crés que estou no Pai eo Paiem mim? (Jo14,8-10). Pois,enquanto habitamos nestecorpo, estamos fora da nossa mansao, tonge do Senhor, pois caminhamos pela fé, ¢ néo pela visto (2Cor 56.7). ‘A contemplagdo é a recompensa da fé, Com vistas & recompensa, nossos coracdes sio purificados pela esta escrito: Purificow seus coragdes pela fé Pode-se alegar outro argumento que prova a nece: da purificagao dos nossos coragées; é aquela sentenca: Bem-aventurados os puros de coragao, porque vertio a us (Mt 5,8). Que essa seja a vida eterna, di-lo Deus no minha salvagao (SI 90,16). Quer ou -n0s 0 Iho, quer: ‘mostra-nos o Pai, 0 pedido encerra o mesmo significado, pois um nao pode ser mostrado sem 0 outro, Sao portanto um, como ele disse: ew ¢ 0 Pai somos tum (Jo 10,30). Coneluindo: devido & inseparabilidade, as vyezes, ésuficiente nomear apenas o Pai ou s60 Filho, para indicar quem nos encheré de alegria na sua presenca. 18a, Também nao se ha separar, de ambos, o Espirito Santo, ou seja, o Espirito do Pai e do Filho. Este Espirito Santo é denominado com propriedade Espirito da Verda- de, oqual o mundo nao pode acolker (Jo 14,17), Portanto, a plenitude de nosso gozo —e maior do que ele néo ha —

Você também pode gostar