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Andy Hargreaves CCT OS PROFESSORES EM TEMPOS DE MUDANCA O TRABALHO E A CULTURA DOS PROFESSORES NA IDADE POS-MODERNA Mc Graw - Hill LISBOA - Rio DE JANEIRO - BOGOTA - BUENOS AIRES - GUATEMALA {MADRID - MEXICO - NOVAIORQUE « PANAMA» SAN JUAN SANTIAGO [AUCKLAND - HAMBURGO - LONDRES MILAO- MONTREAL - NOVA DELI PARIS - SINGAPURA SYDNEY - TOQUIO- TORONTO A REESTRUTURAGAO PARA ALEM DA COLABORAGAO INTRODUCAO Em 1986, 0 US Carnegie Forum sobre «A Educagio e a Economia”, no seu relatério intitulado A Nation Prepared, anunciou a necessidade de «reestruturar as escolas”. Pensava-se que esta reestruturacao respeitaria € suportaria 0 profissionalismo dos protessores, de modo a que estes pudessem, nas suas salas de aula, tomar decisdes guié satisfizessem melhor os objectivos locais e estaduais, prestando a0 mesmo tempo contas pela maneira como o faziam. No espago de apenas alguns anos, a reestruturagéo tomou-se numa palavra corrente no vocabulério da politica educativa, tendo chegado mesmo ao gabinete do Presidente dos Estados Unidos € tambéz aos ministros funcionérios piblicos de outros contextos politicos nacionais e regionais?. Contudo, os seus significados sdo variados, contraditérios e, muitas vezes, mal definidos. Como observa Tyack, no que respeita & reestruturacao, 0 que é vago est em Yoga’. A reestruturago pode ter muitos componentes diferentes. Segundo Murphy € verison, estes compreendem a gestio baseada na escola (school-based management), um maior poder de escotha dos consumidores, 0 fortalecimento dos professores (teacher empowerment) e 0 ensino virado para # compreensdo*, Para a US National Governors’ Association, tais componentes incluem a reconsttugao do curriculo e dos étodos de ensino, de modo a promover niveis de pensamento mais complexos; a descentralizagao da autoridade ¢ da tomada de decisées, situando-a ao nivel da escola; papéis mais diversos e diferenciados para 0s professotes; e o alargamento dos sistemas de prestagio de contas’. No National Center for Restructuring Education, Schools, aad Teaching (NCREST), nos Estados Unidos, Lieberman e colegas, baseando-se num estudo de dez casos de reestrituragdo, afirmam que esta visa criar escolas mais centradas nas necessidades dos aprendizes ao nfvel do usufruto de oportunidades de aprendizagem activas, experienciais, cooperativas ¢ culturalmente sensiveis, capazes 24 PARTE It — A CULTURA de suportar os talentos ¢ os estilos de aprendizagem individuais. Os reestruturadores propdem-se criar estas oportunidades de aprendizagem em organizacdes escolares que sejam estimuladas pela investigagao em colaboracao, informadas por uma prestago de contas auténtica e guiadas pela partilha na tomada de decisdes* Para Theodore Sizer € a Coalition for Essential Schools, a reestruturago representa nada mais nada menos do que ajudar cada aluno a «aprender a utilizar bern sua mente, Embora os componentes especificos da reestruturagao variem de autor ppara autor, a maior parte destes parece concordar que a questo central envolve uma redefinigo fundamental dos papéis, responsabilidades e relagSes entre os alunos, os professores e 08 lideres das nossas escolas. Porque € que a reestruturacdo é tio ia? importante? Porque & que ela é necess Em The Predictable Failure of Educational Reform, Seymos Sarason defende que, do ponto de vista do seu impacto sobre as salas de aula, a maioria das abordagens existentes sobre a reforma educativa falhou'. Este fracasso, diz ele, € previsivel. Sarason identifica dois factores responsdveis por este fenémeno. Primeiro, os diferentes componentes da reforma educativa no foram nem concebidos, nem abordados como um todo, nas suas inter-relagdes, enquanto sistema complexo. Se componentes como a ‘mudanga curricular, 0 desenvolvimento profissional ou as novas estratégias de ensino focem manejados isoladamente, mantendo-se os outros inalterados, 0 sucesso das reformas sera quast vestamente enfraquecido, Sarason fornece numerosos exemplos hist6ricos do falhango deste tipo de reformas. ‘O argumento de Sarason tem duas implicagdes importantes. Primeiro, as mudangas significativas operadas no curriculo, na avaliagio ou em qualquer outro dominio sao pouco susceptiveis de ter sucesso, se nao se prestar uma atengao séria ao desenvolvimento dos professores € a0 principios de juizo e de discrigdo profissional -nele contidos. Portanto, o desenvolvimento dos professores e 0 profissionalismo acrescido devem ser empreendidos em conjunto com o desenvolvimento que é operado ao nivel do curriculo, a avaliagdo, da lideranga e da organizagao escolar. A segunda ~ e ainda mais polémica ~ afirmagdo de Sarason sustenta que as mudangas educativas mais importantes tém pouca probabilidade de ter sucesso se néo tiverem em conta as relacdes de poder existentes 1a escola. Defende que «as escolas (..) continuar’o a resistir obstinadamente as reformas desejadas enquanto ”. ‘A colocagio da énfase exclusivamente sobre visio a voZ, por si 86, niio & construtiva, nem para a reestruturagio em geral, nem para © desenvolvimento profissional, em particular. Um mundo de vor sea viséo é um mundo reduzido a um 284 PARTE I —A CULTURA falar ininteligivel e castico, onde ndo existem formas de arbitragem entre as vozes, que as possam reconciliar ou aproximar. Este € o lado escuro do mundo pés-modemno, do qual desapareceram a comunidade ¢ a autoridade, e no qual a autoridade da voz suplantou excessivamente a voz da autoridade. Os estudos de investigacao que nao se limitam a compreender as hist6rias dos professores, mas que também as secundam e enaltecem, assim como as tradig6es de pesquisa que dio credibilidade arbitréria aos, relatos dos professores em detrimento dos testemunhos (negligenciados) dos pais e dos alunos, por exemplo, ilustram algumas das dificuldades inerentes & perspectiva pos- -moderna. As vozes precisam de ser no 36 escutadas, mas também cativadas, reconciliadas e discutidas. E importante que atendamos no apenas a estética da articulagio das vozes dos professores, mas também a dimensao ética daquilo que estas vozes articulam! ‘Vimos que um mundo no qual as visdes sto desprovidas de voz é igualmente problemético..Neste mundo, no qual os propésitos s40 impostos e 0 consenso é fabricado, no ha lugar para 0s jufzos préticos nem para 0 saber dos professores: no é possivel que as suas vozes sejam onvidas adequadamente. Um desafio fundamental da reestruturago educativa consiste em combater esta tensdo entre a visio e a voz & reconcilié-las, criando um coro a partir de uma cacofonia. Contianga nas pessoas e confianca nos processos Na luta entre o controlo burocritico o fortalecimento profissional dos professores, Qs [ ‘que acompanha a transigdo para a p6s-modernidade, as relagdes de colaborasao e as formas particulares que estas assumem sio muito importantes. Defendi que tais relagdes podem ajudar a dar expressdo a voz. das pessoas ou, ao invés, contribuir para a reconstituigao dos controlos centrais. As relagbes de trabalho de colaboragao esto no centro da agenda da reestruturago e de todas as suas possibilidades contraditérias, ‘Um tema bastante difundido, que atravessa toda a bibliografia sobre a lideranga partilhada e as culturas de colaboragio, € 0 trufsmo da confianga. Tem sido defendido, que o estahelecimento da confianga € essencial para a criagdo de relagbes de trabalho”, em colaboracao que sejam eficazes e significativas. Para Lieberman e colegas, «™. ‘CAPITULO 11 — A REESTRUTURAGAO eS Wemer op6e as solucdes estruturais de mudanga educativa ~ politicamente populares — as solug6es culturais ~ menos em moda, mas mais duradouras e eficazes. © contraste € notivel e persuasive, As mudangas estruturais do tipo proposto inicialmente para a British Columbia menosprezam as tradigBes, 0s pressupostos ¢ as relagdes de trabalho que moldim profundamente as priticas existentes. Consequentemente, também subestimam a capacidade das mudangas estrutursis para alterar tais priticas, mesmo com 0 apoio da formagdo continua de professores. A imagem é 2 de uma estrutura determinante e poderosa que age sobre um corpo de rdticas relativamente maledvel.-Aqui, em termos de mudanga, o que € importante & que sejam encontradas as estruturas certas para apoiar os nossos objectivos educativos, fazendo depois com que as praticas se adaptem a elas. Em contraste, a perspectiva cultural encara as préticas existentes como sendo fortemente determinadas pelas crencas, priticas e relagdes de trabalho entre os professores e 0 alunos, as quais constituem a cultura da escola ¢ as tradigoes do sistema, Nesta configuragio de determinagdes culturais profundas, as reformas cestruturais sio consideradas pequenas, transit6tias e ineficazes: coisa.de pouca monta, quando comparadas com 0 poder da cultura existente. De acordo com esta perspectiva, a mudanga € conseguida agindo-se sobre a pr6pria cultura e apoiando-a, de modo a que 6s professores sejam capazes de mudar, enquanto comunidade, no interesse dos alunos, 08 quais conhecem methor do que ninguém. Nesta 6ptica, a promogéio da mudanga por intermédio daquilo a que Werner chamou, noutro contexto, estratégias de apoio as politicas, estratégias estas que criam tempo livre para os professores trabalharem em conjunto, apoiam-nos na planificagdo em colaborac20, encorajam-nos a tentar novas experiéncias (como, por exemplo, uma nova prética, ou trabalhar num nivel de ensino diferente), implicam os professores na definigo dos objectivos, criam uma cultura de colaboragao, de risco e de melhoramento, etc.™. Com efeito, o que Werner prope 0 6a reestruturagdo escolar, mas antes uma reculturagio escolar. Embora existam sinais crescentes de que este tipo de mudangas culturais profundas tem muito mais probabilidade de ser eficaz. no aperfeigoamento da prética de sala de aula do que os arranjos estruturais répidos, a reculturag30 também tem as suas limitagdes, pois trilha um caminho estreito entre o respeito pelas crencas e perspectivas dos professores ¢ a sua idealizacdo. Na busca do desenvolvimento profissional colaborante © do desenvolvimento, a generosidade 0 altruismo dos professores néo devem ser presumidos. As suas crengas e priticas assentam ndo apenas na qualificago especializada e no altrufsmo, mas também em estruturas e rotinas as quais acabaram por ficar ligadas, e nas quais podem ser investidos interesses pessoais considerdveis. Mostrei que muitas vezes tais estruturas evolufram historicamente para satisfazer propésitos politicos e morais muito diferentes daqueles que. hoje muitos considerariam ser importantes. © desenvolvimento eficaz dos professores na construgo de um melhoramento colective depende, portanto, de mais do que uma aposta na virtude moral. Ele depende também do controlo que é exercido sobre os on ‘PARTE IA CULTURA interesses investidos. Por exemplo, na cultura profissional das escolas secundarias, a colegialidade pode exigir modificagdes de um curriculo que estd especializado por disciplinas ¢ departamentalizado, 0 qual isola actualmente 0s professores de muitos dos seus colegas ¢ o§ liga aos dominios balcanizados das politicas departamentais € de interesses disciplinares particulares”. As culturas no operam num vécuo: so formadas no seio de estruturas particulares e por elas enformadas. Estas estruturas ndo sfio neutras: podem ser gteis ou prejudiciais; unir os professores ou manté-los divididos; facilitar as oportunidades de interacedo e de aprendizagem ou representar barreiras a tais possibilidades. Em alguns cases, portanto, no é possfvel estabelecer culturas escola produtivas sem que sejam operadas mudangas prévias nas esteuturas escolares, que aumentem as oportunidades de eriagdo de relagdes de twabalho significativas e de apoio colegial entre os professores. A importancia da reestruturag3o pode residir menos no seu impacto directo sobre 0 curriculo, a avaliagdo, 0 agrupamento por aptiddes € outros procedi ‘mentos semelhantes (bem como nas exigéncias que estes apresentam aos professores), € mais na maneira como cria maiotes oportunidades para os professores trabalharem em conjunto e se apoiarem continuamente. Ao nivel das relagdes de poder transformadas propostas por Sarason, 0 desafio colocado pela reestruturago nao consiste, pois, em optar entre a estrutura e a cultura, enquanto alvos das reformas. Nao se trata igualmente de «geri» as culturas de escola, de modo a que os professores se conformem alegremente com finalidades e prop6sitos que foram fixados previamente pelo centro burocritico. Felo contrério, trata-se de reformular as estruturas escolares, afastando-as dos modelos modemos, de modo a ajudar os professores a trabalharem em conjunto mais eficazmente, em culturas de colaboracdo caracterizadas pela aprendi zagem partilhada, pelo risco positivo ¢ pelo melhoramento continuo. Enquanto pré- -condigdo para a interacco produtiva, talvez pelo menos isto necessite de ser decretado! Especialmente em tempos de mudanca répida, as estruturas modernas (como € 0 caso das que caracterizam as escolas secundérias) inibem a inovagdo, atrasam a capacidade de resposta das organizagies, restringem a aprendizagem profissional € tendem a proteger ¢ a perpetuar interesses departamentais particulares, em detrimento das necessidades dessas organizagdes e dos seus clientes em geral. Ao mesmo tempo, cembora as estruturas de colaboraco mais simples — semelhantes 2s que se encontram em muitas escolas mais pequenas — possam criar as condicdes culturais necessérias a ‘um methoramento colectivo continud, tais comunidades sio dificeis de estabelecer e de mantet em organizagbes maiores, ou em condigGes de mudanga répida, nas quais os lideres e 0 pessoal docente mudam rapidamente. As melhores escolas secundérias no s4o simplesmente escolas elementares maiores. © modelo do mosaico fluido descrito nos Capitulos 4 € 10 figura entre as possibilidades mais prometedoras da idade p6s-moderna e fomnece as bases estruturais para uma quinta forma de cultura docente. Tal mosaico estimula formas de colaboragio CAPITULO 11 —A REESTRUTURAGAO 291 vvigorosas, dindmicas e mutéveis, através de redes, parcerias e atiangas, quer no interior da escola, quer no seu extetior. Tais formas so por vezes consensuais, mas também podem propiciar © conflito, o qual, no mosaico fluido, é considerado como um componente necessério do proceso de mudanga, As categorias estruturais do mosaico (como sejam o departamento ou as equipas de desenvolvimento da escola) sobrepoem- -se, acontecendo 9 mesmo com. sua composic¢a0, mudando ao longo do tempo, conforme as circunstincias © exijam. Este modelo ndo representa uma concepeao abstracta, mas antes uma realidade em andamento, que nao se limita ao mundo cempresarial. A escola descrita anteriormente no Capitulo 10, na qual os professores so nomeados por comissio inter-departamental e pertencem a uma de cinco comissbes de direcgtio da escola, representa uma forma emergente de mosaico fluido. De modo semelhante, a Iroquois School de Louisville, no Kentucky {uma das escolas da Coalition for Essential Schools de Sizes), substituiu os cargos tradicionais do director de escola ¢ dos subdirectores por quatro coordenadores, que sio responséveis, respectivamente, pela escola preparatéria, a secundaria, © campus e 0s servigos estudantis. Estes coordenadores trabalham em conjunto, enquanto equipa, sem que algum predomine sobre 08 outros. Varios outras escolas da Coalition or Essential ‘Schools esto a desenvolver estruturas prOprias caracteristicas do mosaico fluido. Para além das proprias escolas, 20 nivel dos programas de desenvolvimento profissional dos professores, existem tendéncias que apontam pata o estabelecimento de redes profissionais de docentes que os ligam entre si por correio electrénico e por satélite, podendo encontrar-se em sites mais pequenos e interligados. Estas redes de desenvolvimento profissional nZo se baseiam nem nos cursos das untversidades ou dos distritos escolares, nem em escolas espectficas, embora possam incorporar, ultrapassar conexionar estes modelos mais convencionais™ Em alguns distritos, 0s sindicatos e as federagies de professores também comegaram a distanciar-se das categorias formulas de promogo existentes desde ha muito ¢ estabelecidas por intermédio de contratos colectivos, tendendo agora a estabelecer categorias novas e mais flexiveis de promogo e de desenvolvimento da carreira que oferecem um maior poder discricionério a cada escola em particular, em termos do modo como esta define determinadas trajectérias € categorias de carreira. Por exemplo, 0 estabelecimento de novas estruturas de carreita e de novos procedimentos de avaliago profissional ao nivel do Cincinatti Public Schools District, ‘que conta com 0 acordo e a iniciativa da federaco dos professores, incfui uma Progresso na carreira em quatro etapas — professor intemo, professor residente, professor de carreira e professor fider —, na qual a promogao é baseada num processo de avaliagao pelos pares. A categoria de «professor Mider» permite muitas acepgoes possveis, podendo ou nao dar priotidade aos chefes de departamento, no ensino secundario. Tais estruturas continuam a reconhecer os principios da justica, da recom- pensa e da seguranga de carreira dos professores, libertando-s ao mesmo tempo de ccategorias particulares (tais como a chefia departamental) que foram estabelecidas em —— 292 PARTE I-A CULTURA outras décadas para servir outros propésitos. Consequentemente, cada escola dispoe de uma maior flexibilidade organizavional para enfrentar as mudangas registadas a0 nivel das necessidades e das circunstancias que as rodeiam, com os tipos de papéis de lideranga que Ihes parecem ser mais apropriados”. De modo semelhante, na Austrélia, mais de 80 escolas envolvidas no National Schools Project concordaram em. suspender, a titulo experimental, os acordos colectivos existentes (ou «prémios» industriais, como sio ali desigeados), tendo em vista descobrir novos modelos de organizacio do trabalho que sejam mais produtivos para os alunos mais recompensadores para 0s professores, e° que possam ser Teproduzidos numa base mais vasta. Isto é muito diferente de comecar-se, & partida, com modelos de trabalho estabelecidos, embora cada vez mais desactualizados, ¢ tentar-se depois negocié-los gradualmente”. ‘A nossa percepedo dos modelos de organizago possiveis no campo da escolaridade e do trabalho dos professores est a comecar a alargar-se, deixando de se limitar a escola elementar organizada em estrutura de «caixa dé ovos», a escola secundéria modema e cubicular e as comunidades escolares mais pequenas que tm vindo a surgir em diversas escolas elementares ¢ primérias. Embora nao tenha ainda surgido um modelo Gnico ¢ «melhor» de mosaico fluido (o qual quase certamente rnunea viré a surgir, pois as necessidades de contextos diferentes exigem solugdes estruturais diferentes), os seus principios bésicos representam algumas das nossas melhores esperangas, do ponto de vista organizacional, de criagio de formas de escolaridade ¢ de ensino na idade pés-moderna que sejam flexiveis, mais dotadas de capacidade de resposta, mais proactivas, eficientes ¢ eficazes na utilizagdo dos saberes € dos ecursos partilhados, procurando ir ao encontro das constantes mudangas das necessidades dos alunos, num mundo em répida transformagao. Construir um mosaico fluido significa movermo-nos para além do prdprio principio da colaboracdo, em direcgGo a estruturas que possam suporté-lo melhor no contexto complexo da pés- -modernidade. Processos e propésitos Enquanto principio de reestruturagio, a colaborago praticada no local de trabalho pode ser tio descentralizada que acabe por se tomar castica. Deixar 0 desenvolvimento das missdes ¢ das visdes & discrigao total de cada escola, em particular, ¢ dos seus professores, comporta efectivamente este risco. Os sistemas de livre mercado caracteristicos da gestéo local ¢ da escola parentil das escolas institucionalizam este problema de um modo ainda mais profundo. A colaboragio também pode ter um’ cardcter controlado e artificial. A semelhanga do que acontece na esfera empresarial, embora as decisdes sejam tomadas de forma partilhada ao nivel do estabelecimento de ensino, a coordenago global dos termos ¢ das condiges da colaboragéo pode ser excessivamente determinada ao nivel central". © processo de colaboracio pode ser delimitado pelas - e separado das CAPITULO 11 —A REESTRUTURAGRO 293, decisdes tomadas a respeito dos seus produtos. A estética € a experiéncia emmocional da colaboragaio podem eclipsar as decisdes € as criticas racionais da ética daquilo que € produzido por essa colaboragao: 0 processo pode dominar as finalidades. ‘Um desafio importante que se coloca & reestruturagao educativa e aos principios de colaboragdo fila contidas consiste em articular, executar e unir as diferentes vozes existentes na comunidade educativa e social, assim como estabelecer principios éticos orientadores em tomo dos quais seja possivel dar coesdo a essas vozes e aos seus prop6sitos, Sem um discurso ou um conjunto de prinefpios éticos que sejam subjacentes a colaboragio e a reestnuturagao, a colegialidade artificial, por exemplo, pode induzir a complacéncia dos professores perante curricula obrigatGrios, elitistas e emocéntricos (tais como o Curriculo Nacional da Inglaterra ¢ do Pais de Gales, com a sua énfase na hist6ria e na literatura britanica), prejudicando assim 0 sucesso das minorias culturais € étnicas que possam sentir-se alienadas com tais contetidos curriculares, De modo semelhante, nas situagdes nas quais a forma e o ponto de focagem da colaboragio so deixados inteiramente & discrigo dos individuos ou das organizagGes, os professores das escolas secundérias podem, como descobriram McLaughlin e os seus colegas, colaborar a respeito das questdes académicas € do desenvolvimento curricular, nas comunidades de classe média, ¢ de assuntos muito diferentes, ligados & adaptac3o social dos jovens, nas comunidades socialmente mais desfavorecidas®. Estas diferentes énfases podem ser interpretadas como reacedes pragméticas as exigéncias educativas € sociais de cada contexto particular, mas podem também ser vistas coma formas de perpetuar os desequilforios e as desigualdades existentes entre estes contextos. Por estas razdes, a colaboragao e a reestruturagdo precisam de ser situadas num discurso ético e em parimetr6s politicos que orientem os esforgos particulares das escolas, dos professores € das suas comunidades para methorar 0 mais possfvel a stia situago. Tais principios éticos stio contestaveis e devem estar abertos ao debate puiblico, de modo a que seja possivel estabelecer finalidades e quadtos de referéncia consensuais ao nivel nacional (embora niio contesidos especificos € detalhados) que orientem os sistemas educativos nos quais os professores trabalham. Do meu proprio ponto de vista valorativo, os princfpios da igualdade, da exceléncia, da justica, da parceria, do cuidado para com os outros ¢ da consciéncia global deveriam ocupar um Jugar de destaque nesta agenda. Numa critica perspicaz refativa aos limites da colaboracio, Zeichner defendeu persuasivamente o estabelecimento de tais principios e de um quadro de referéncia ético, que possam servir de guias orientadores do aperfeigoamento e do desenvolvimento educativo. Zeichner destaca «a.ausencia quase total de atengo para com o fortalecimento das comunidades no grosso da literatura educacional que advoga @ lideranga dos professores ¢ a reestrutusagao das escolas»®, Dito isto, contudo, 0 autor destaca um segundo perigo: o de que, mesmo quando as comunidades estio envolvidas em processos de colaboracio, «aquilo que defendem para as suas escolas. pode estar em conflito com os principios de uma sociedade democritica, reprimindo pontos de vista particulares ou discriminando certos grupos 204 PARTE IA CULTURA de pessoas». A defesa do criacionismo e a imposigdo dos valores judaico-cristios em comunidades onde existem miltiplas crengas religiosas so disso exemplos. Global- mente, argumenta Zeichner: Embora necessitemos de encorajar ¢ apoiar um processo de deliberagao democtética ho interior das escolas que inclua os pais e os alunos, assim ‘como os administradores ¢ os professores, precisamos de encontrar uma mharieira dé éstabelecer determinagGes relativas 4 «bondade> das escolhas ‘que emergém de tais détiberages (...) Em primngiro lugar, o facto de todas as partes interessadas participarem ndo significa que todos tenham influéncia no processo deliberativo (...) Em segundo lugar, precisamos de encontrar uma forma de assegurar que as decisées que decorrem destas deliberagdes nao violam certos padres morais, tais como a justiga social ea equidade”. Os processos de mudanga que assumem a forma da reestruturagdo, da reculturagdo, da colaboragao ou de outras configuragées semelhantes sdo extrema- ‘mente importantes e precisam de ser compreendidos e discutidos pelos profissionais e pelos politicos. Porém, nunca deverfamos permitir que a atengdo dedicada ao processo de mudanga diminua ou anule a questo fundamental dos objectivos e da substincia de tal mudanga — daquilo para que a mudanga serve. CONCLUSAO A reestruturagio no tem uma defini¢do tinica e consensual. Pelo contrério, 0 seu significado reside no contexto € nos objectivos da sua utilizagio. No Ambito dos modelos centralizados de mudanga curricular e de reforgo dos requisitos de avatiagao, nos quais a reestruturagdo serve de camuflagem as reformas impostas de cima para baixo, ela pode apoiar as reintrodugdes do controlo burocritico. As visdes singulares poderosas e a imposigio de mandatos inflexiveis so exemplos tipicos deste controlo. Do mesmo modo, contudo, a reestruturacdo também nos pode impelir em direccao a um mundo p6s-modemo indeterminado e efémero, a uma cacofonia de vozes de validade moral indistingu‘vel, sem qualquer visao ou propésito comum; um mundo no qual o poder de tomada de decisdes que é investido nas culturas escolares & enformado arbitrariamente pela inércia da tradigao hist6rica e pelos interesses estabelecidos, mais do que pela virtude da escotha moral colectiva. O desafio da reestruturagio na educagdo em outros contextos consiste em abandonar ou atenuar os controlos burocriticos, os decretos inflexiveis, as formas paternalistas de confianga ¢ 0s arranjos répidos a0 nivel do sistema, para escutar, articular ¢ unir as vozes dispares dos professores ¢ dos outros parceiros educativos de Se a CAPITULO Il — A REESTRUTURAGKO 295 (particularmente, os alunos € os pais). Trata-se de um desafio de abertura de vias amplas de escolha que respeitem 0 poder de discrigo profissional dos professores e fortalegam a sua capacidade de tomada de decisbes. Trata-se igualmente de instituir confianga nos processos de colaboragao, de risco ¢ de melhoramento continuo, bem ‘como de criar tipos mais tradicionais de confianca entre as pessoas. Trate-se, finalmente, de apoiar € fortalecer as culturas das escolas e aquctes que esto nelas envolvidos, de ‘modo a que possam realizar eles préprios as mudancas, numa base’continua, Mas, ao renunciar ao controlo administrativo, 0 desafio da reestruturagio nos tempos pés-modernos consiste também em fazer com que com a-diminuigao desse controlo nao implique uma perda concomitante de sentido dos objectivos comuns e do empenhamento colectivo. Ao substituir 0 controlo burocrético pelo fortalecimento Profissional, € importante que ndo substituamos também a comunidade pelo caos. De igual modo, a possibilidade de estabelecimento de culturas docentes mais, dinamicas vigorosas é seriamente limitada pelas estruturas existentes, no Ambito das quais trabalham muitos professores. Se pretendemos que os docentes interajam entre si de um modo mais flexivel, aprendam mais uns com os outros © melhorem continuamente as stias competéncias, entio precisamos de criar antecipadamente novas estruturas que tomem possiveis tais aptendizagens e interacgGes. Neste sentido, o futuro da reestruturago admit os principios inerentes ao fortalecimento dos professores, sem que isso implique aceitar ou promover necessariamente as concepgdes que muitos Professores téin acerca desse fortalecimento. A colaboragio ¢ 0 fortalecimento implicardo um maior poder discricionério dos professores em certos dominios mas, ‘uma vez que trabalham mais estreitamente com os alunos ¢ os pais, enquanto patceiros do processo de aprendizagem, um poder consideravelmente menor em outros. Este livro nao representa uma ladainha de solugées para 0s desafios ¢ os problemas complexos inerentes & reestruturagao educativa, mas procurou apretentar formas de os abordar, compreendendo as mudangas verificadas no trabalho dos professores e no contexto em que se situa. ‘Aqueles que procuram os sete passos para a regeneraco educativa ov as nove maneiras de reestruturar as suas escolas ndo os encontrario neste fivro. Deverdo buscar outro lugar o conforto que tais falsas certezas aparentemente trazem. A reestruturacao nao representa o firt dos nossos problemas mas antes um infcio, uma oportunidade para definir outras regras com vista a objectivos ¢ aprendizagens diferentes num mundo novo. As possibilidades de contributo para a criagao deste mundo pés-moderno séo ainda imensas e quase tudo esté em aberto. Em sintonia com o paradigma pés- industrial, no existe nenhum modelo ideal nem qualquer certeza singular. Existirao formas melhores e piores de prética, bem como préticas que se adequam melhor a determinados contextos do que a outros. Portanto, é importante que identifiquemos, avaliemos ¢ ilustremos uma diversidade de modelos de reestruturagao, criando um elenco de alternativas que possam ser aplicadas e adaptadas pelos educadores aos seus pr6prios locais de trabalho, ao invés de representarem imposigGes as quais devem 296 PARTE I — A CULTURA submeter-se, independentemente das circwastancias, ‘Ao longo deste livro, tentei deixar claro que, embora 0 panorama do futuro continue a ser uma incégnita, uma coisa ¢ certa: nao nos podemos agarrar ao edificio ‘em rainas do presente moderno e burocrético, com os seus departamentos, hierarquias ¢ estruturas escolares cubiculares. Também nao nos podemos refugiar nostalgicamente na reconstrugio de passados educativos miticos, com as suas concepebes dos niveis de exigéncia tradicionais, das disciptinas convencionais e da aposta redutora as compe- sncias mfnimas, Do ponto de vista educativo, nao faz qualquer sentidy regressar a0 futuro deste modo! Os professores sabem que 0 seu trabalho esta a mudar, ¢ bem assim o contexto no qual o desempenham. Enquanto deixarmos intactas as estruturas € as culturas do ensino existentes, as nossas respostas isoladas a estas mudangas complexas ¢ aceleradas limitar-se-io a criar maiores sobrecargas, bem como uma major intensi ficagdo, culpa, incerteza, cinismo ¢ desgaste. Em muitos dos capitulos deste livro, documentei as palavras dos professores, que testemunham claramente estes perigos. A medida que as escolas sé forem movendo em direcco a idade pés-moderna, algo vai ter de ceder. Poderd ser a qualidade da aprendizagem na sala de aula, pois que os professores e 0 curriculo se tomam cada vez mais elisticos, para acomodar cada vez mais exigencias. Poderd ser a satide, a vida e a forga dos proprios professores, quando sogobram perante a pressio das miiltiplas mudancas decretadas. Ov podem ser as estruturas ¢ as culturas basicas da escolaridade, reinventadas e realinhadas em fungo dos objectivos e das pressdes pés-modemas, com as quais tén agora de lidar. Estas si0 as escolhas com as quais nos defrontamos hoje. As regras do mundo esto a mudar. Estd na hora de as regras do ensino e do trabalho dos professores também mudarem. NOTAS. 1 Carnegie Forum on Education and the Economy, A Nation Prepared: Teachers for the 2Ist Century, Relatério da Carnegie Task Foree on Teaching as a Profession, Washington, DC, Carnegie Forum, 1986, 2 Relatado em O'Neill J, «Piecing together the restructuring puzzle», Educational Leadership, 47(), ‘Abril de 1990, 4-10. 3 yack, Dy Rescuing in hse perpetve: Tnkering toward wages, Teachers College Record, 192(2), 1990, 170-91. 4 Murphy, J. e Evertson, C. (eds), Restructuring Schools: Capturing the Phenomena, New York, Teachers College Press, 1991 5 National Governors’ Association, Resuts in Education, 1989, NGA, Washington, DC, 1989. 6 Lieberman, A., Darling-Hammond, L. e Zuckerman, D., Barly Lessons in Restructuring Schools, New York, National Center for Restructuring Education, Schools, and Teaching (NCREST), 1991 CAPITULO TA REESTRUTURAGAO 297 7. ‘Sizer, T, Horace’s School: Redesigning the American High School, Boston, Houghton Mifflin, 1992. 8 Sarason, S., The Predictable Failure of Educational Reform, San Francisco, Jossey-Bass, 1990 9 Sarason, op. cit, nota 10, p. 5 10 Weblage, G., Smith, G. ¢ Lipman, P «Restructuring urban schools: The new futures experience», American Balucational Research Journal, 2(1), 51-9; ver também Weblage, G. ta, Reducing the Risk: Schools as Communities of Suppor, Philadelphia, Palme Pres, 1989, Ser U1 Wid, 12 Kohn, T, The Structure of Scientific Revolutions, Chicago, University of Chicago Press, 1962, 33 Ver Rosenholt, . 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(ed), Instractional Leadership Concepts, Issues and Controversies, Boston, Aliyn & Bacon, 1987, 18. 20 Deal, T, € Peterson, K., «Symbolic leadership and the schoo! principal: Shaping school cultures in different Contexts». Artizo ndo publicado, Vanderbilt University, 1987, 14 21 Cohen, L, The Singer Must Die, eproduzido com permissio de Leonard Cohen Stranger Music. 22 Leithwood, K. e Jantzi, D. «Transformational leadership: How principals can help reform school culture», Comunicacso apresentada ao American Educational Research Association Annual Meeting, Boston, MA, Abril de 1990, 23 Lieberman, A., Sail, E. R. ¢ Miles, M. B., «Teachers’ leadership: Weology and practice», in Lieberman, A. (ed), Building a Professional Culture in Schools, New York. Teachers College Press, 1988, 148.66 24 Louden, W., Understanding Teaching, London, Cassell e New York, Teachers College Press, 1991 « 25 Nias, J. Southworth, G.,e Yeomans, R., Staff Relationships in the Primary School, London, Cassell, 1989, 78, = 26 Ibid, p. 81 21 Giddens, A., The Consequences of Modernity, Oxford, Polity Press, 1990, 34, no qual se basefa grande pare da discussie que se segue reativa & confianca ¢ a0 riseo,

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