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URTIGA

Informativo Picante do Centro Acadêmico Afonso Pena

Nº 1, ano 102 – Belo Horizonte, 07 de maio de 2010

A FESTA DO DIREITO PENAL


A publicação, em junho de 2009, do Edital nº410, que abriu o concurso para Professor Titular de Direito Penal,
criou grandes expectativas na comunidade da Faculdade de Direito da UFMG. Todos estavam certos de que a
defesa das teses dos candidatos proporcionaria um debate acadêmico único na história da Faculdade. Nas palavras
do Professor Marcelo Leonardo, chefe do DIN, uma verdadeira “festa do Direito Penal”.
Expectativas frustradas.
Minutos antes do início do concurso, a banca desclassificou sumariamente o Professor Canêdo e a Professora
Daniela Marques, sem que lhes fosse dada a chance de defender suas teses. Essa decisão, e a maneira como foi
apresentada, durante uma reunião fechada com o nosso Vetusto Diretor, gerou ampla insatisfação em membros
do corpo discente, docente e técnico-administrativo.
O motivo para a eliminação dos candidatos? De acordo com o que se dizia pelos corredores, a banca teria
considerado suas teses impertinentes ao tema determinado pelo edital. Em protesto espontâneo dos alunos – que
aos poucos se aglutinavam na Sala da Congregação – plaquinhas com os nomes dos candidatados desclassificados
foram levantadas durante a defesa de tese da única candidata que, de fato, participou do certame.
Com essas manifestações, a banca se sentiu – assim, digamos – impelida a dar explicações. Dessa forma, foi
explicado que, no entender dos membros banca, as teses dos professores Daniela Marques e Carlos Canedo não
atendiam ao tema Direito Penal, solicitado pelo edital, visto que tratavam de, respectivamente, História do
Processo Penal e Criminologia. Por esse motivo os Professores não poderiam, sequer, defender suas teses.
Em desconfortável situação ficou a Professora Sheila, que justo durante a defesa da tese que representa o
coroamento da sua carreira, acabou no meio do fogo cruzado entre a comunidade da Faculdade e a banca do
concurso, sem que tivesse qualquer envolvimento com o surgimento do problema.
A ata do concurso, estranhamente, embora assinada pelos Professores, que já retornaram aos seus estados de
origem, ainda não foi tornada pública. A fundamentação oficial da banca até o presente momento não foi revelada.

Nas palavras do processualista da Faculdade, Prof. Felipe Martins Pinto, abandonado o velho clichê pandectista da
“relação jurídico processual”, o processo atualmente só pode ser entendido como espécie de procedimento que se
realiza em contraditório. Há fundamento para que um processo seletivo contradiga sua própria essência?
A resposta: não existe fundamento.
A defesa de tese existe para a exposição da relevância e pertinência do tema defendido. Qual seria o fundamento
de existência de uma etapa denominada defesa de tese, na qual é proporcionado aos candidatos que defendam
inclusive a adequação do tema escolhido, se a banca puder ignorar a etapa e rejeitar a tese sumariamente?
A resposta: não existe fundamento.
Numa Academia, além dessa função da defesa – que, apesar de óbvia, até alguns doutos Professores, de andanças
internacionais, têm dificuldade em apreender – é preciso compreender que sua necessidade ultrapassa a
meramente imposta pelo princípio do contraditório e representa verdadeiro pressuposto de legitimação científica
da tese. Na medida em que propicia a resistência à refutação, a defesa garante o caráter científico da teoria. Sem
defesa, não há refutação; tampouco, ciência. O pensamento de Popper, um austríaco de expressão britânica, é a
base da metodologia científica moderna. Da Faculdade de Direito à Universidade de Frankfurt, é consenso que a
pesquisa científica só avança na medida em que se tenta mostrar sua falsidade. Apenas com discussão, ou seja,
contestação à refutação, é possível declarar o caráter verdadeiro – ou falso – de uma tese.
É nesse sentido popperiano que a Resolução 15/1996, sobre concursos públicos para carreiras do magistério
superior na UFMG, determina que a pertinência do trabalho em relação ao tema proposto pelo edital do concurso
deve ser critério analisado posteriormente à defesa da tese, para que possa haver refutação. O candidato tem o
direito de expor e justificar seus estudos antes de qualquer conclusão advinda da comissão examinadora. Banca e
candidato, juntos, buscam alcançar uma teoria que resista à refutação: científica, segundo Popper.

Art. 28 - A defesa de tese consistirá em exposição oral sobre aspectos relevantes de trabalho original e inédito realizado pelo
c candidato, seguida de argüição pela Comissão Examinadora.
Parágrafo único. Na defesa de tese, a Comissão Examinadora terá em vista avaliar os seguintes aspectos, entre outros:
I - a relevância e pertinência do tema para a área de conhecimento considerada, bem como a contribuição científica,
c técnica ou artística do trabalho apresentado pelo candidato;
II - a contemporaneidade, extensão e profundidade do trabalho apresentado, bem como a pertinência, adequação e
c atualidade das referências bibliográficas;
III - a capacidade do candidato de expor suas idéias com objetividade, rigor lógico e espírito crítico.

Vê-se que a decisão da banca de rejeitar sumariamente as teses dos candidatos antes da defesa – não obstante
privar o certame de cientificidade – é ilegal, pois contraria a resolução da Universidade que disciplina os concursos.
Aquele ato não era de competência da banca; ao menos não naquele momento.

Na inexistência de verdades absolutas, ou, para o gosto dos idealistas, na impossibilidade de se alcançá-las, a
racionalidade cientifica, diz Popper, surge apenas a partir da existência de um espaço para a crítica das teorias. Não
há um conceito universal “infalseável”.
Ou, pelo menos, a Popper e a nós não foi revelado. Mas, para alguns poucos escolhidos, uns doutos ilustrados,
parece que sim; A Verdade “iluminou os olhos de suas almas”. Esses afortunados do destino, ou melhor, para que
não se zanguem, honrados pela longa ascese no caminho d’A Verdade, detêm os conceitos; detém as verdades.
Não há o que se criticar. O Direito Penal é o Direito Penal. Não se enganem; isso não é uma tautologia. É uma
revelação que prescinde de contestação. É a verdade que esses suntuosos doutos, com tanta modéstia, nos
ensinam.
Não há o que refutar. Não há o que defender. O Direito Penal é o Direito Penal. Abençoados sejam esses doutos;
verdadeiras Sibilas do Direito.
Pobre de nós, ignorantes, que vivemos na escuridão da caverna, onde nada é absoluto, onde tudo é incerto. Em
nossa inocência, vemos absurdo ao nos depararmos com a ofuscante verdade: “O Direito Penal é o Direito Penal”.
Zaffaroni, outro pobre que também vive nas sombras da caverna, ilude-nos, ao definir a expressão direito penal
como tanto o conjunto de leis penais (dogmática jurídica), quanto o sistema de interpretação desta legislação
(saber do Direito Penal). Para ele, nenhuma ciência, muito menos a jurídica, está livre da hermenêutica. A
dogmática jurídica se insere num horizonte histórico de interpretação que a compõe e modifica. Não há norma,
para além desse horizonte. Não há lei sem com-texto. O saber do Direito Penal englobaria o estudo do ser
(ontologia), do crime (criminologia), e, evidentemente, da história do direito penal.
O autor argentino, na sua ignorância, não vê a unidade na multiplicidade. Não consegue perceber que há
metalinguagem; que a dogmática jurídica existe em si e, quem sabe, para si, para além das meras sombras de sua
caverna. Seus olhos não estão preparados para serem iluminados pela Verdade: O Direito Penal é o Direito Penal.
Que os doutos o ajudem.
Deus salve os doutos!
Ou, deles nos salve...

Todos estão convidados a comparecer à reunião da Congregação da Faculdade de Direito da


UFMG que discutirá a homologação do concurso, na quinta-feira, dia 13/05, às 11h15!

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