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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS Instituto de Economia A TRANSIGAO DO FEUDALISMO AO CAPITALISMO: um balancgo do debate Eduardo Barros Mariutti Dissertagdo de Mestrado apresentada ao Instituto de Economia da UNICAMP para ‘obtengéo do titulo de Mestre em Historia Econémica, sob a orientacdo do Prof. Dr. Fernando Antonio Novais. Este exemplar corresponde ao original da dissertasao defendida por Eduardo Barros Mariuttiem 10/02/2000 e orientada pelo Prof. Dr. Fernando Antonio Novais. CPG, 10/02/2000 UNI¢. Pane hs atts dee ICA BBLIOp Ee, , Campinas, 2000 SECAO , 3 —— {p ENTRAL VEANTR cM-00142292-2 FICHA CATALOGRAFICA ELABORADA PELO. CENTRO DE DOCUMENTAGAO DO INSTITUTO DE ECONOMIA Mariutti, Eduardo Barros. A transigdo do feudalismo ao capitalismo: um balango do de- bate / Eduardo Barros Mariutt, - Campinas, SP :[s.n.], 2000. ‘Orientador: Femando Antonio Novais. Dissertagao (Mestrado) ~ Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Economia 1. Capitalismo. 2. Feudalismo. 3. Comunismo. |. Novais, Femando Antonio. Il. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Economia. Ill. Titulo. AGRADECIMENTOS Em primeiro lugar, gostaria de agradecer ao Professor Fernando Novais que, ao orientar esta dissertagio, pés ao meu dispor seus profundos conhecimentos sobre o tema que decidi abordar. Seus comentérios criticas ¢ a clareza de suas idéias foram imprescindiveis, pois muito me ajudaram. Igualmente importantes foram os cursos por ele ministrados na pés- graduagiio, que versam exatamente sobre os principais problemas que tive de enfrentar ao redigir este texto. Devo muito também ao Professor Mércio Bilharinho Naves, que orientou ‘meus estudos durante praticamente toda a graduacdo. Boa parte das idéias contidas neste trabalho derivam de nossas longas e proveitosas conversas. os meus pais, sou profundamente grato pelo afeto, apoio e, principalmente, por nunca terem poupado esforcos para me proporcionar uma educagao sélida. Agradego também a minha esposa, Lilian, pelo seu carinho, sua paciéncia e pelo seu apoio. os colegas da pés-graduacdo do IE e do IFCH, agradego pelos momentos de descontracio e pela troca franca de idéias. Sou grato também aos colegas do grupo de estudos organizado pelo Prof. Novais, que muito contribuiram para enriquecer meus conhecimentos. ‘Sao Paulo, dezembro de 1999 UNICAMP BIBLIOTET. cayrp ay ICAO Cis UL ANTR Eduardo Barros Mariutti inDICE INTRODUGAO.. I-A CONCEPCAO DE DOBB.. Il- A CONCEPCAO DE SWEEZY.. II - COMENTARIOS. 1) CRinica A conceP¢ho DE Doss 2) CRITICA A CONCEPCAO DE SWEEZY. PARTE Il - O DEBATE BRENNER IV - CRITICA AO MODELO DEMOGRAFICO ersnvnnenneon [EMMANUEL LE ROY LADUREE.... MM. POSTAN E JOHN HATCHER.. V-AINTERPRETACAO DE BRENNER 1) 0 DECLINIO DA SERVIDK ee 76 2) A ACUMULAGKO POLITICA EA FORMAGAO DO ESTADO. : 82 3)0 DESENVOLVIMENTO DAS RELAGOES CAPITALISTAS NO CAMPO: FRANGA VERSUSINGLATERRA. 0-93 Jnglaterra f ciate i 94 Franca ne 97 44) A CONEXAO ENTRE A INDUSTRIA E A AGRICULTURA: A CONSOLIDAGAO DO CAPITALISNO NA INGLATERRA. ss 5) Novos MERCADORES E A REVOLUGAO DE 1640, 5.1) A formagio do capitalismo e a Revolugao de 1640 5.2) Os novos mercadores ea ruptura do padréo mercanti.. VI- GUY BOIS: CRITICA DO “MARXISMO POLITICO” wnunnannennnsnnen 1) A Resposta DE BRENNER. 2) A CONTRIBUICAO MAIS POSITIVA DE BOIS: CRISE DU FEODALISME. PARTE Ii - MATERIALISMO HISTORICO E A TRANSICAO VIL- AS DUAS TENDENCIAS NA OBRA MARXIANA eennrsemsnsnnnnnnnnsn 1) CRETICA AO PRIMEIRO MODELO EXPLICATIVO: 0 PRIMADO DAS FORCAS PRODUTIVAS. 134 2) 0 SEGUNDO MODELO: A DOMINANCIA DAS RELACOES DE PRODUCAO. 16 VIII - A TRANSICAO DO FEUDALISMO AO CAPITALISMO NA PERSPECTIVA DE MARX149 1) DesevotviMeNto Do CAPITAL COMERCIAL E SEUS LIMAITES. 7 2) O CaPirat: HISTORIA DO CAPITALISMO?, CONcLUSio. BIBLIOGRAFIA srssnnsnnnnnenesannnenn INTRODUGAO, ‘Ao publicar Studies in the development of capitalism (1946), Maurice Dobb desencadeou uma grande controvérsia centrada na discussao sobre a dissolugao do feudalismo e a transico ao modo de produgdo capitalista. A intervengao que causou mais impacto foi apresentada pelo economista americano Paul Sweezy. Suas criticas a Dobb deram origem ao famoso debate sobre a transigao (1954), um verdadeiro ponto de referéncia para as reflexes sobre a transi¢&o do feudalismo ao capitalismo', Embora este debate tenha um interesse especial & escola marxista, j4 que toda a Teflexao ¢ felta a luz da problemética da transigao de um modo de producao a outro, sua importéncia foi tamanha que repercutiu sobre outras escolas de pensamento. O confronto entre Dobb e Sweezy foi reproduzido no tivro The transition from feudalism to capitalism, que conta também com a participacao de Rodney Hilton, Christopher Hill e M. K. Takahashi. ‘As questdes discutidas neste debate nao ficaram restritas apenas a questo da transigo: reflexes metodolégicas importantes vieram a tona, e a propria obra de Marx foi discutida. Desta forma, a polémica Dobb-Sweezy envolveu aspectos tedrico- metodolégicos fundamentais do marxismo. A proposig&o formulada por Sweezy de que ‘as contradigbes internas do feudalismo sao incapazes de transformé-lo, necessitando portanto da ago de uma forga externa para quebrar seu equilibrio e promover sua desintegracéo €, como veremos, estranha ao materialismo histérico. Uma das premissas fundamentais do materialismo 6 a idéia de que dinamica de um modo de produgao € determinada por suas contradigdes intemas, e que sua evolugdo ou desintegragao deve ser apreendida em sua contradigao imanente. Esta abordagem do exclui a atuago de forgas externas que influem na reprodugSo de determinado modo de produgo: as “influéncias externas” sfio de importancia crucial, mas devem sempre serem analisadas a luz das relacdes dominantes de produgdo. Mas qual seria entdo esta forca externa que, segundo Sweezy, seria capaz de desintegrar o feudalismo e instaurar a produgo burguesa? O ressurgimento do comércio & longa E importante ressltar que, logo apts a publicaslo deste livro,vétios autores apresentaram suas citicas as teses de Dobb, como ¢ 0 caso de Karl Polanyi, o qual, em um artigo escrito em 48 (em Jounal of Economie History, afiema que Dobb reteve de Marx 0 que “tinka de pior, isto é, a tcoria do valor- trabalho, ¢ ignorou o maior insight de Marx: os limites & expansio e organizagio do mercado no feudalismo, Mas, como afirma Hilton, Polanyi no aprofunda suas ideas, portant, suas citcas no causaram tanto impacto como as formulagdes de Sweezy. cf. HILTON, R. Class Conflict and the crises of Feudalism. p. 278, distancia. Notadamente influenciado por Pirenne, as reflex6es do economista americano sempre apontam, direta ou indiretamente, para a hipétese de que o ‘comércio consistiria no grande solvente da economia feudal, Dobb, por outro lado, sustenta a idéia de que as préprias contradigées internas 0 feudalismo provocaram a sua ruina: a necessidade crescente por maiores Tendimentos por parte da nobreza resultou na intensificagéo da exploragao sobre os Servos até niveis insuportaveis, acentuando a luta de classes e determinando, no longo prazo, 0 colapso da economia feudal. A inovaco é que Dobb propée uma explicagao onde o proprio desenvolvimento do comér contribui para aumentar a avidez da nobreza por rendimentos mais elevados, acelerando com isto a crise do modo de produgao feudal. Em largos tragos, so estas duas perspectivas que moldaram as diversas interpretagdes sobre a transigao discutidas em 54. Antes de iniciarmos a discussao sobre 0 debate, julgamos relevante esbogar o contexto teérico no qual ele surgiu e se desenvolveu. Como sabemos, nenhuma polémica se desenrola no vazio, sem sofrer Ou exercer influéncia sobre as demais questdes e tendéncias em pauta. O debate de 54 esté ligado a uma polémica anterior, iniciada em 1940, durante as comemoracées do terceiro centenario da Revolugéo Inglesa. Nesta ocasiao, a publicago do estudo de C. Hill intitulado The English Revolution 1640, Three essays desencadeou uma discusso acalorada sobre o carater da revolugao. Seu epicentro foi o choque entre dois argumentos: a) a revolugao de 1640 foi uma revoluedo burguesa que estabeleceu definitivamente 0 modo de produgo capitalista na Inglaterra, cujos tracos jd podiam Ser visualizados no século XVI; e b) a “revolugao” ndo passou de uma ago defensiva da burguesia contra a reagao feudal-aristocratica’. Dobb teve uma participagdo ativa Nesta discusséio. Empenhou-se em alterar 0 rumo das reflexes propondo que, antes de mais nada, seria necessario apreender qual modo de producéo prevaleceria as vésperas da revolugao, pois sé desta forma seria possivel esclarecer o seu real Significado. Em seguida, Dobb revelou 0 seu desconforto com o crescente emprego do termo *Capitalismo Mercantil”, que desviava as atenges da produgao para a Girculagao, © que, na sua opinido, tomava a discussao ainda mais obscura. Mostrou-se favorével @ tese de que a Inglaterra Tudor e Stuart era ainda feudal, embora j4 contivesse alguns elementos ‘capitalistas”. Como veremos, em Studies in the *HILL, C. et al The English Revolution 1640. Three essays. London: 1940. * A polémica se concentrou entre 1940 ¢ 41, na revista Labour Monthly. A reimpressio do livro de Hill supracitado (1946-7) despertou novamente as atenges sobre estas questoes development of capitalism, Dobb retoma e desenvolve estes argumentos, reforcando- 08 ainda mais ao longo de seu confronto com Sweezy. E em tomo destas quest6es - deste contexto tebrico - que o debate de 54 tomou forma, Uma das caracteristicas marcantes desta polémica reside no fato de a “perspectiva mercantil” defendida por Sweezy (perspectiva que privilegia a agdo do comércio como elemento desagregador da produgao feudal) ter sido duramente criticada por todos os autores que participaram diretamente do debate sobre a transig&o. Anos mais tarde, alguns autores nSo-marxistas também se empenharam na critica do modelo mercantil, e acabaram por criar uma nova corrente de pensamento que, neste caso especifico, tende a atribuir as flutuagdes demograficas 0 elemento chave para a compreenséo do colapso do feudalismo. Notadamente influenciada por Malthus e por Ricardo, esta nova corrente historiografica ganha tragos mais definidos na década de 70. Robert Brenner, em um incisivo artigo publicado na revista Past and Present, tece duras criticas aos principais representantes desta escola de pensamento, M. M. Postan e E. Le Roy Ladurie: no entender de Brenner, nao obstante ‘© empenho destes dois autores em combater a “ortodoxia mercanti, neste tema em particular, eles acabaram por cunhar uma nova ortodoxia: a ortodoxia neomalthusiana ou demogréfica. Mas na realidade, tanto a perspectiva mercantil quanto a neomalthusiana apresentam uma raiz comum: ambas se estruturam a partir de um mecanismo de mercado, ou seja, as duas exigem a mediagdo da lei da oferta e da procura. Partindo desta incisiva constatago, Brenner procura despedagar este alicerce comum que sustenta estas interpretagoes. Foi o artigo “Agrarian class structure and economic development in pre- industrial Europe”, publicado originalmente em 1976 (Past and Present)’, que reabriu a discussao, agregando novos elementos e dando origem ao que passou a ser conhecido como o “Debate Brenner’. De forma aproximadamente andloga ao que se sucedeu em 64, varios autores publicaram artigos que defendiam ou atacavam as teses (€ as criticas) propostas por Brenner. O “debate Brenner’, na verdade, é um conjunto de artigos que foram publicados inicialmente nesta revista de 1976 a 1982, € que posteriormente foram condensados em um livro. As palavras de Rodney Hilton ‘expressam a importancia deste novo debate: “(.JEm certo sentido, fo debate Brenner] pode ser considerado como a continuacao de outro bem conhecide debate sobre a transigao do feudalismo ao * Este artigo consiste na transcricio de um seminério que Brenner apresentou no “Institute for Advanced Study", da Universidade de Princeton, em abril de 1974 ‘apitalismo, inaugurado pela critica do economista norte-americano Paul ‘Sweezy as ‘nalises apresentadas por Maurice Dobb em seus Studies in the development of Capitalism.”* Enquanto o debate de 54 contou apenas com a Participagdo direta de autores marxistas (embora sua influéncia tenha sido mais ampla), como ja adiantamos, esta ova polémica envolve também historiadores que, neste caso espectfico, apresentaram uma inspiragao malthusiana, como 6 0 caso de M. M. Postan, John Hatcher e Emmanuel Le Roy Ladurie, os quais nao s6 defenderam-se das criticas tecidas por Brenner em seu artigo, como contra-atacaram, questionando as bases ‘sobre as quais se sustenta a tese referente a transigao ao capitalismo defendida por este historiador. Brenner 6 também duramente criticado por Guy Bois, um autor marxista e critico das correntes malthusianas. Os autores citados estado envolvidos mais diretamente com questées de fundo tebrico-metodolégico. Outros historiadores, como Heide Wunder, Patricia Croot e Davis Parker deram mais énfase em suas criticas @ base factual contida nas reflexes de Brenner. Desta forma, uma das caracteristicas mais marcantes do debate Brenner 6 0 entrelagamento entre questées de ordem téorico-metadolégica - necessariamente mais genéricas - com questes mais especificas, como por exemplo, comparagées entre a trajetéria diferenciada do feudalismo na Franga e na Inglaterra, bem como a especificidade da Alemanha Ocidental ¢ Oriental. Brenner tenta responder a todas as criticas e expe de forma mais detalhada ‘sua explicagdo sobre 0 declinio do feudalismo e a ascensao do capit lismo em “The agrarian roots of european capitalism’, 0 ditimo dos artigos deste debate. Como o Préprio titulo sugere, o autor defende a idéia de que as raizes do capitalismo devem ser localizadas no campo, e que a superexploragao do produtor direto ¢ a luta de classes, enfocadas através de suas implicagdes na transformagéo das relagbes de Producao e de propriedade, constituem a chave para a apreensdo da transigéio a0 modo de produgao capitalista. “Como veremos seguidamente - escreve Hilton - as contribuigdes ao debate se ‘eferem as questées propostas por Brenner, mas de maneira muito diferente entre si. Em seu amplo e extenso resumo [“The agrarian roots..." Brenner integra a maioria estas contribuigbes de certo modo disperes, em uma bem elaborada sintese, mas ‘mantém a sua posture original sem ceder nada as criticas que the foram feitas. Temos 2 impressao de que as diferengas entre Brenner e seus oponentes se relacionam mais com suas proposi¢ées tedricas do que com as evidéncias apresentadas™. ‘HILTON, R. H. “Introduction” in The Brenner Debate op.it. p. 1 ° dd: Ibid p. 3 (grifos meus) Para manter a coeréncia, daremos maior énfase as questées que se relacionam de forma mais direta com o debate de 54. Porém, para a compreensao do debate subseqliente, no podemos de forma alguma passar ao largo da contraposiga0 entre Brenner € os “neomalthusianos", uma vez que esta contraposicao € que origina ¢ da consisténcia & nova fase da controvérsia sobre a transicao. Hé, nas duas fases do debate sobre a transi¢ao, uma sobreposigo de problemas: a reflexo em toro do significado real do materialismo hist6rico confunde- se com o problema especifico da passagem da sociedade feudal A capitalista, ou seja, tanto 0 objeto quanto o método esto em questo. Este tipo de abordagem é, de fato, uma tendéncia inerente & propria abordagem materialista da historia, a qual rejeita a partilha entre sujeit fo © objeto, adquirindo a partir desta negacao uma postura necessariamente ativa na apreensdo da realidade. Mas é preciso ter cuidado, pois este tipo de perspectiva aponta perigosamente para o dogmatismo. Muitas vezes nos deparamos com situagées curiosas: grande parte dos autores envolvidos na discusséo parecem estar muito mais preocupados em verificar se suas proposigbes encontram guarida nos textos de Marx do que em confronté-las com as novas evidéncias histéricas obtidas aps a sua morte, Tendo em vista estas caracteristicas, 0 confronto entre Dobb e Sweezy néo fica restrito apenas @ disputa entre explicagbes distintas sobre a formagao do capitalismo, mas envolve também uma discusséo acalorada em torno do proprio materialismo historico. A polémica desdobra-se simultanea e indi itamente nestes dois planos, sobreposigéo que permanece no Debate Brenner, embora nao exatamente da mesma forma: neste caso ocorrem também contestagdes “externas”, que colocam o proprio materialismo em xeque. Deste mode, fica patente a necessidade de examinar como Marx abordou este problema, j4 que grande parte da controvérsia esta calcada em leituras diferenciadas do marxismo. Para tratarmos deste tema utilizaremos como ponto de partida um interessante artigo de Robert Brenner (‘Marx's first model of the transition to capitalism”), onde o autor apresenta uma interessante hipétese: existem dois materialismos histéricos excludentes nas formulagdes de Marx sobre a transi¢ao. O primeiro deles € dominante em obras como A miséria da filosofia, A Ideologia alemae lo Manifesto do Partido Comunista. Seu nticleo consiste no auto-desenvolvimento da diviséo do trabalho, que expressa diretamente 0 nivel das forcas produtivas, 7 in: CHAVANCE, B (org.) Marx en Perspective Paris, 1978 10 determinando assim a expanséo do mercado e as relagdes sociais de propriedade @ de classes. Desta forma, o papel da luta de classes na transformagéo da sociedade fica reduzido a uma mera formalidade. A burguesia 6 encarada como a classe revolucionaria, mas a razéo central da ruptura do feudalismo encontra-se no descompasso entre as relagdes de produgdo e as forgas produtivas desenvolvides ela intensificagéo do comércio e da diviséo do trabalho. Jé 0 segundo materialismo Prepondera em O Capital. Tem como base a relagao conflituosa entre duas classes: de um lado a classe formada pelos produtores diretos, de outro a nobreza. A derrocada do feudalismo ocorreu, de acordo com esta interpretacdo, devido a uma série de Processos sociais - a luta de classes - que quebraram as relagdes fundamentais de Producao feudais, dentre eles, a “acumulagao primitiva’ (separagao do produtor direto de sua base fundidria e dos demais meios de produgio). 0 ponto decisivo é que Modo de produgao feudal entra em colapso movido por leis proprias e a sociedade burguesa articula-se com sua desintegracao. Em seguida, faremos um colejamento deste texto de Brenner com os escritos de Marx, apontando os limites e 0 alcance de sua argumentagao. Feito isto, Feconstituiremos a explicagdo de Marx sobre a transiga0 privilegiando obras como Formagées econdmicas pré-capitalistas, O Capital e Capitulo VI inédito. Essa reflexao 6, segundo nosso entender, decisiva para uma melhor compreenséo das implicagdes da polémica sobre a transig&io ao capitalismo. Diversos fatores contribuiram para alargar 0 grau de interesse pelo debate Sobre a transigao. A sua relacéo com “questées praticas” foi um destes fatores: durante 0 debate original, o Japao encontrava-se em pleno proceso de reconstrugao’, ‘enquanto a india e os paises asiaticos ja estavam empenhados em uma reflexéo muito Proxima & enfrentada por Dobb e Sweezy’, Os intelectuais latino-americanos também demonstraram um profundo interesse por esta reflexdo. No Brasil, por exemplo, a sua influéncia foi marcante, Ao longo dos anos 60, em maior ou menor grau, praticamente todas as discuss6es sobre a revolugo de 30 e a formacao do capitalismo no Brasil se “HK, Tekahashi, em sua intervengdo, faz mengio 20 dupla ordem de interesses do debate pera os historiadores japoneses: a) pela oporcunidade de avaliar “o nivel tedrico da histéria econémica na Europa € na América de hoje”, apés 0 isolamento destes historiadores durante a segunda guerra mundial, e b) pela sua relapdo com “temas priticos atuais”: 0s “anacronismos sociais e politicos” engendrados pelos resquicios dos modos de produsdo anteriores. ef TAKAHASHI “A Contribution to the discussion” in The transition... cit. p. 30; 54-5 ° Estou me referindo, é claro, 2 intermingvel discussio em toro do Modo Asiético de Produgio, Sobre este tema, of: SOFRI, G. O modo de producto asidtico: histéria de uma controvérsia marzista trad. port. Rio de Janeiro: Paz. & Terra, 1977 inspiravam no confronto entre Dobb @ Sweezy. Portanto, embora o centro de gravidade do debate original tenha se concentrado na Europa, mais especificamente na Inglaterra, a sua area de influéncia ultrapassou muito estes limites. A relacdo entre a controvérsia Dobb-Sweezy e as reflexdes em tomo da transigo ao socialismo no poderia deixar de ser mencionada. O agudo interesse dos manxistas pelo estudo da dissolugao do feudalism nao foi meramente académico: a compreensao da dissolugéio de um modo de produgaio e a subseqiente formagao da sociedade burguesa poderia fomecer um instrumental teérico mais eficaz para conduzir a luta contra 0 Capital”. A indissociabilidade entre teoria e pratica - entre conhecimento e ago - € um dos elementos mais caracteristicos do marxismo, e isto, sem divida alguma, orientou as investigagdes nesta direcdio. A preocupagao em aprender ‘leis gerais"" e as discusses em tomo das “etapas” do desenvolvimento social que marcaram a década de 50 e 60 derivam em parte desta orientagao estratégica da teoria. ReflexSes desta natureza podem levar a equivocos irmemediéveis: concepgSes exageradamente teleolégicas, fundadas em um evolucionismo mecanicista que, paradoxalmente, embora insista na necessidade de precisar as diversas “fases” ou “etapas” da evolugdo das sociedades, acaba esvaziando 0 contetdo de qualquer periodo transitério: ha transi¢ao, mas sua historia anterior ou futura j4 encontra-se previamente assegurada pela teoria, deixando uma margem muito restrita & investigagao histérica propriamente dita. Ao historiador competiria apenas a tarefa de ordenar os fatos e buscar nas fontes a confirmagao da teoria obtida a priori. Favorece também as generalizagbes grosseiras: 0 “feudalismo ocidental’, por vezes, 6 tomado como um arquétipo a partir do qual cientistas sociais historiadores buscam analogias e repetigdes deste modelo nas outras regides do globo. O que queremos salientar é que, no caso dos autores mais precipitados, esta orientagao teérica pode levar ao anacronismo e teleologia. "© O primeiro pardgrafo da critica de Sweezy que inaugura o debate é reveladora: “Vivemos no periodo de transic2o do capitalismo para 0 socialismo; ¢ este fato empresta particular interesse ao estudo de anteriores transigdes de um sistema social a outro.” SWEEZY;P. “A Critique” in: The transition... ct. p 1 " Bxatamente na mesma época em que a polémica Dobb-Sweezy se desenrolava, surgia na entio U.RSS. uma reflexio em toro de uma suposta “ei geral do feudalismo”: um mecanismo que levaria 0 ‘modo feudal de produgio necessariamente & ruina, promovendo inexoravelmente a sua substtuiczo pelo capitalismo, Essa “ei” seria andloga 4 tendéncia auto-destrutiva da acumulagio capitalista. Os limites deste tipo de argumentacto slo evidentes. Servem de exemplo para ilustrar 0 perigo de tentar simplificar exageradamente a realidade, tentando contomar 0 seu dinamismo empregando conceitos estiticos. cf HOBSBAWM.E. “Introdugio” in MARK.K. Formagdes Econémicas Pré-capitalistas, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977 p. 45-6; 60-1. Hi uma breve mensdo em outro artigo: ef. id, “Do Feudalismo para 0 Capitalismo” ix: A Transi¢do do Feudalismo para 0 Capitalismo, Paz. ¢ Terra, 1983 p. 159. Gianni SOFRI aborda esta questio com rigor em O modo de produedo... ct. 2 © fato € que este conjunto complexo de tendéncias atuou sobre ambos os debates que pretendemos investigar. Apontamos de anteméo os riscos a que foram ‘Submetidos os autores que optaram por refletir sobre a transigéio usando as categorias marxistas. As interpretagdes em conflito tinham alguns pontos de convergéncia: a tentativa de superar o empirismo dominante, o esforgo na tentativa de compreender as tendéncias de fongo prazo, a investigago da articulagdo interna das organizagdes Socials @ as tentativas de aprender o “sentido” da hist6ria. Atualmente ficou claro que @ adocao desta perspectiva tomada as ultimas consequéncias desemboca na negago da histéria e no reducionismo. Em contrapartida, a sua recusa completa significa a defesa da contingéncia e a capitulacao frente ao relativism total, tendéncias igualmente a-historicas e simplificadoras. Tendo em vista este problema mais amplo, o estudo do “classico" debate sobre a transi¢éo e seus desdobramentos pode nos parecer mais atrativo, a medida em que pode contribuir para uma melhor compreensao do marxismo enquanto método de investigaggo histérica, apontando tanto suas limitagdes quanto as suas inegaveis qualidades. PRIMEIRA PARTE A POLEMICA DOBB-SWEEZY 4 ACONCEPGAO DE DOBB Em Studies in the development of capitalism Dobb mostra-se atento a discussdo em torno do significado do termo “feudalismo". Como o proprio autor salienta, as questdes de definicao sao importantes, pois ao ligarmos um significado a um termo estamos adotando também um principio de classificagao, que vira a exercer influéncia sobre o resultado final da reflexéo."* Antes de expor a sua prépria definigo, Dobb comenta duas concepgdes correntes de feudalismo. A mais tradicional, qualificada como juridico-poltica, salienta pelo menos duas caracteristicas principais: a atomizacao do poder e a importancia das relagdes vassalicas. Esta concep¢ao foi muito difundida, pois deriva diretamente das interpretagdes clssicas sobre a formacao do feudalismo e, também, pelo fato das relagdes vassalicas aparecerem com muito mais freqéncia na documentagao. Concomitante a crescente influéncia dos estudos marxistas sobre histéria agraria e, ao mesmo tempo, como uma espécie de reagao as interpretagées juridicas, entrou em vigor entre alguns historiadores econémicos a concepgao de feudalismo como um teria de economia natural, que contrasta com a economia de trocas ou monetaria por produzir pouco excedente e pela tendéncia autarquica."* Entretanto, Dobb propée uma terceira concepedo: “Para evitar a prolixidade - escreve Dobb -, 6 necessério postular a definigaio de feudalismo que adotaremos daqui em diante, A énfase desta definic&o iré repousar, RAO na relagdo juridica entre vassalo € soberano, nem na relagdo entre a produgao € © destino do produto, mas na relagéio entre o produtor direto (que pode ser um artestio ‘em uma oficina ou um camponés cuitivando alguma terra) e 0 seu superior imediato ‘ou senhor [overiord], € no contetido sécio-econémico da obrigagao que 0s conecta. Conforme a nogo de Capitalismo discutida no capitulo anterior, esta definicéo ir ccaracterizar 0 feudalismo primordialmente como um modo de producao, ¢ isto formaré a esséncia de nossa definicdo. Deste modo, sera virtualmente idéntica 20 que usualmente qualifcamos como servidao: uma obrigagao imposta ao produtor pela {orga e independentemente de sua vontade, para preencher a demanda econémica de um senhor, quer esta demanda tome a forma de servigas @ prestar ou taxas a serem " “Nés ja dissemos - escreve Dob - que ao ligermos um significado definido, explicita ou implicitamente, a um termo como “feudalismo” ou “capitalismo”, estamos ipso facio adotando um principio de classificagao a ser aplicado na seleco © ordenaso dos eventos histéricos. Decidimos também como vamos romper 0 continuum do processo histirico, a matéria prima [raw material] que a historia apresenta & historiografia - quais acontecimentos e quais seqdncias devem ser salientadas. Como «a classificagdo deve necessariamente preceder ¢ formar as bases [groundwork] da andlise, segue-se que, assim que passarmos da descriglo a anilise, as definigdes que adotamos virlo a ter uma influéncia crucial no resultado” DOBB.M. Studies... cit. p.35 of ibid 45 Pagas em dinhelro ou em espécie, em trabalho ou no que o Dr. Nelison denominou ‘presentes para a despensa do senhor [lord's farder]"* Esta passagem 6 decisiva, Dobb pretende marcar a diferenga de seu estudo com relago aos anteriores pelo fato de abordar o feudalismo como um modo de producao, cuja articulagao fundamental é garantida pelas relagdes de servidéo. Partindo desta concepeao, a forga coatora pode ser de origem militar ou derivada dos costumes, apoiada por algum 0 de lei. Tanto faz. O ponto crucial 6 que o produtor direto detém a posse dos meios de produgao e das condigbes materiais necessérias & realizagao de seu trabalho, o que possibilita a produgao de seus proprios meios de subsisténcia. Nestas condicdes ele empreende suas atividades como produtor independente, mas néo ¢ livre, pois a relag&o de propriedade afirma-se como relagao direta entre senhor (‘ruler’) © servo. Esta perspectiva permite diferenciar 0 modo de Producao feudal tanto do escravismo quanto do capitalismo: 0 escravo (que é Propriedade do dominador) defronta-se com condigées de trabalho que ndo the Perlencem. O proletério encontra-se em uma situacdo semelhante: por nao ter acesso direto aos meios de produgéo, ele no pode prover seus meios de subsisténcia (mas 6 formalmente livre: estabelece uma relagéo contratual com o proprietério dos meios de produgao). Como veremos, esta definicao ¢ um dos pontos nucleares da concepgao de Dobb e da polémica sobre a transigao. ‘Apés caracterizarmos 0 procedimento a ser adotado pelo autor, precisamos expor como ele formula 0 concsito de modo de produgSo. Entretanto, ndo ha nos Studies... nenhum desenvolvimento rigoroso deste conceito, apenas indicages Pontuais. Temos de trabalhar, portanto, dentro destes limites. Ao caracterizarmos um modo de produgao nao podemos levar em conta somente 0 estado da técnica. Ha outros elementos importantes, tais como a forma de propriedade dos meios de Produgao e as relagbes sociais estabelecidas entre os homens, as quais derivam de suas conexdes com 0 processo de producéo. De acordo com Dobb, um modo de produgao nunca se manifesta em sua forma pura, isto 6; apresentando apenas as suas caracteristicas especificas ¢ fundamentais. No interior de todo e qualquer modo de produgdo existe uma complexa mistura de elementos de periodos anteriores e de novas relagdes que podem coexistir paralelamente, estabelecendo ou nao relagdes de influéncia mitua. A fung3o destas relagbes pode variar em sentido grau: pode auxiliar na manutencao ou na desestabilizagaio da sociedade. Por decorréncia, ndo “ibid p. 35-6 (grifos meus) 16 existe linha divisoria precisa entre um modo de producdo e seu sucessor ou predecessor: " (..) na realidade - escreve Dobb - os sistemas jamais se encontram em sua forma pura, e em qualquer periodo da histéria os elementos caracteristicos, tanto dos eriodos anteriores, quanto dos posteriores, podem ser achados, as vezes, misturados numa complexidade extraordinaria. Elementos importantes de cada sociedade nova, embora nao forgosamente embriéo completo da mesma, acham-se contidas no seio da anterior, ¢ as reliquias de uma sociedade antiga sobrevivem por ‘muito tempo na nova." Embora os periodos historicos sejam marcados por esta mistura complexa de elementos diversos, tem como caracteristica uma forma econémica unica, de influéncia preponderante. Dobb alerta que a génese de um novo modo de produgio no deve ser demarcada na primeira aparigao desta forma, mas a partir do momento em que adquire tal importancia a ponto de modelar toda a sociedade: "Nosso interesse central no estaré no primeiro aparecimento de alguma forma econémica nova, nem o seu simples aparecimento justiicara uma descrigao do periodo posterior por um nome novo. De significado muito maior sera a etapa quando a forma nova tenha atingido proporedes que the permitam imprimir sua marca no todo a sociedade e exercer uma influéncia principal na modelagem da tendéncia de desenvolvimento."* Neste ponto, a natureza do raciocinio de Dobb e de Sweezy apresenta algumas semelhangas": novas formas econémicas e relagdes sociais podem emergir no interior de uma sociedade, dando inicio a um processo de influéncia reciproca. As novas forgas e novas relagdes véo ganhando importéncia ao mesmo tempo em que a antiga relagdo dominante gradativamente perde poder. Com 0 passar do tempo, a nova forga pode vencer sua rival e passar a exercer a influéncia principal, rearranjando com isto toda a estrutura social. Este seria, em largos tragos, 0 modelo que explicaria o desenvolvimento historico. Dobb e Sweezy comecam a se distanciar quando tratam de um caso especifico: o papel das forgas externas no declinio do feudalismo. Veremos no proximo capitulo que, pelo menos neste caso em particular, ‘Sweezy defende a supremacia das forgas externas ao feudalismo como articuladoras de seu colapso. Jé a posigao defendida por Dobb & completamente distinta. Tanto na 'SDOBB, M., Studies... cit p. 11 "Ja: tbid. '" Ao Tongo de nossa exposigo sobre a interpretago de Dobb seremos obrigados 2 fazer referéncia is intervensdes de Sweezy. Esse procedimento, embora pouco conveniente, é inevitivel em alguns casos, principalmente se levarmos em consideragio o fato de as criticas deste autor terem obrigada Dobb & explicitar alguns pontos de sua reflexo que nio estavam suficientemente claros, W formulagéo de seu método de anal quanto na sua investigagéo sobre 0 declinio do feudalismo podemos perceber que Dobb rejeita 0 procedimento adotado por Sweezy. E inegavel que as forgas externas podem exercer influéncia decisiva em um processo de revolugao social, mas as contradigdes intemnas inerentes a0 modo de produgéio em transformagao sempre desempenham o papel principal: “(..) Sweezy entende que para mim - escreve Dobb - o declinio do feudalismo esultou unicamente da ago de forgas extemas e que o desenvolvimento do ‘comércio nada teve com 0 processo, Ele parece por a questo quer em termos de conflito interno quer de forcas extemas. Este me parece um procedimento demasiado simplista, se no mesmo mecanico. Eu vejo 0 processo como uma interagdo das duas, embora com primacial énfase, verdade soja, sobre as contradicées intemas; uma vez que estas, como acredito, atuam sempre em qualquer dos casos (...) € determinam assim a forma e a direcdo particulares dos efeitos que as influéncias externas exerce |sto evidencia a posigaio de Dobb: os modos de produgao nao se encontram em sua forma pura, mas contam com uma complexa mistura de elementos diversos que se relacionam, Qualquer modo de produgdo se desenvolve de acordo com suas contradigdes intemas, sendo estas que determinam os efeitos exercidos pelos demais aspectos que podem influir na reprodugéo da sociedade. Deste modo, é um equivoca centrar a explicagéio nos aspectos externos do modo de produgao em questo, pois seus efeitos sao direcionados pela natureza das contradicdes interas, em outras Palavras, tais efeitos ocorrem dominantemente em fungao destas contradig5es, @ no © contrario. © que importa é a forma como ocorre a articulacao entre os elementos internos € externos. Com isto, Dobb reitera a sua tendéncia em identificar feudalismo com servidéo, ois concebe este tipo de relago como a relagdo de produgao basica do sistema feudal: os lagos servis garantem a transferéncia do excedente dos produtores diretos as camadas dominantes, ou seja, articula de forma coercitiva a classe dominante & classe dominada, “A definigao que usei nos meus Studies - escreve Dobb - era deliberadamente em termos das relagdes de produgao caracteristicas do feudalismo: a saber, as relacdes entre 0 produtor direto e o seu senhor."® Ao centrar a sua andlise sobre as relagdes de produgao dominantes no feudalismo, Dobb tenta demonstrar que sua andlise encontra sustentagdo teérica na obra de Marx: 8 DOBB, M. “A Reply” in The transition... et. p. 23 (Grifos meus), Ibid. p.21 18 "(..) Os métodos de produgdo [feudais] eram relativamente primitives e (tanto quanto ‘espeita a propria subsisténcia dos produtores, pelo menos) do tipo a que Marx se referiu como 0 , no qual o produtor detém @ posse dos meios de produgao como uma unidade produtiva independente, Para mim, reside aqui @ sua definigdo crucial; © quando diferentes formas econdmicas tm essa caracteristica em comum, este elemento comum que elas compartiham € de maior significado do que outros aspectos em que possam diferir As relages servis de produgéo derivam das condigdes peculiares do feudalismo, em especial do regime de co-propriedade da terra: o Senhor detinha a propriedade enquanto o camponés era o detentor da posse de sua faixa de terra. Isto obrigava a adogo, por parte da nobreza, de dispositivos extra-econémicos fundados na violencia e na tradigéo para coagir os produtores diretos a cederem uma parcela de sua produgo. Pelo menos dois aspectos justificam a centralidade da servidéo: ela espelha o modo como encontram-se distribuidos os meios de produgo e a forma de existéncia da forga de trabalho, ao mesmo tempo em que determina o antagonismo de classe. A conclusdo @ que se pode chegar é que, na explicagao de Dobb, a base de toda a estrutura social e das relagbes feudais é determinada pelo modo em que se encontram distribuidos os meios de produgéo e a forma da expropriagéio do excedente por parte da classe dominante. ‘As relages de produgdo feudais ndo séo imutaveis, podem apresentar variag6es. De acordo com Dobb, a comutagdo das prestagdes em trabalho por Prestagées em dinheiro, por exemplo, néo implica uma alteraco essencial nas relagSes entre servos e senhores. Neste caso particular s6 ocorreu uma alteracao na forma com que 0 excedente se apresenta, e ndo uma modificago na relagdo em si, © isto 6 0 mesmo que dizer que 0 mecanismo de expropriagdo ndo se modifica com a simples alteracdo da forma na qual o excedente se materializa: a exploracdo permanece baseada no poder militar e politico do senhor, condicionada extra- economicamente, fato que revela a sua fei¢do feudal. Para tentar reforgar a sua hipétese, Dobb relembra que o feud: smo “asiético” era caracterizado pelo predominio de formas tributarias de expropriagéo, no obstante, se mostrou uma das estruturas sociais feudais mais estaveis”, E certo que a exploragao sob a forma dinheiro em uma sociedade feudal indica uma ampla circulagdo monetéria e a existéncia de um significative mercado local e até mesmo mundial. Mas concluir que estes sao sintomas © 1; Ibid. p.22 °K. Takahashi, em sua interveng3o no debate de 54, rejtera esta posigio. of “A contribution to the discussion” in: The transition... cit.p. 30-35 ® Dobb usa a expressio “formas asiticas de servidio tributéria” sem contudo dar maiores pistas sobre seu significado preciso. Como se sabe, hé um interminavel debate em tomo das particularidades do modo 19 da emergéncia de um novo modo de produgéo, mesmo que intermediario, é levar longe demais a influéncia desta ordem de fatores. © proceso de circulagdo feudal pode ser caracterizado como circulagaio simples (M-D-M), onde o dinheiro se constitui meramente como intermediario de troca, Pois nao se transforma em capital, como ocorre na circulag&io desenvolvida (D-M-D'), caracteristica do capitalismo. Transagées monetarias do primeiro tipo podem, no maximo, agir como um catalisador, acelerando as trocas e tomando com isto a circulagaéo mais dinamica, mas no so capazes de gerar efeitos realmente transformadores pois nao interagem de forma decisiva sobre as forgas produtivas. Além disto, a produgao feudal néo depende diretamente do comércio, pois tanto 0 Senhor quanto 0 servo podem obter sua subsisténcia dentro do proprio feudo, o que restringe © comércio feudal a operar somente com o excedente, como atividade econdmica suplementar, jé que os meios de produgao se encontravam nas maos dos produtores diretos. O que queremos salientar aqui é a idéia de que a circulacdio nao 6 uma fase determinante na reprodugao do modo de produggo feudal®. Este raciocinio vem reforgar a tese de que a disposigao peculiar dos meios de rodugao feudais e a forma de existéncia do trabalho é que estabelece a natureza da relagao entre dominadores ¢ dominados. Aqui residem as caracteristicas fundamentals © especificas do feudalismo, de modo que a transigsio para um novo modo de produgao encontraria a sua base na transformago destes elementos. Portanto, para Se compreender a derrocada do feudalismo é necessdrio centrar a andlise na luta entre os servos € os senhores, € como este antagonismo modifica a estrutura basica feudal, separando 0 produtor direto dos meios de produgao. Dobb néo propde que esta luta leve & destruicao do feudalismo e & consolidagao do capitalismo de forma “automatica’, Varios outros fatores se relacionam e apontam para este rumo de acontecimentos. Segundo as palavras do préprio Dobb: “(..)Ninguém est sugerindo que a luta de classes dos camponeses contra os seus Senhores dé origem, de qualquer modo simples e dreto, a0 capitalismo. O que faz 6 modificar a dependéncia do pequeno modo de produgtio da dominagao senhorial Finalmente libertar © pequeno produtor da exploragao feudal.” de produsio asiitico, discussto que ja estava em eurso nos anos 50 que Dobb, cometendo um grave descuido, passa por cima inadvertidamente. ® Nao queremos afirmar, contudo, que o comércio no exerce nenhuma influéncia sobre a economia feudal. O comércio feudal nio ¢ simplesmente um epifenémeno, mas por outro lado sua influéncia sobre ‘base da sociedade feudal, seu potencial transformador, &limitado, *“DOBB.M. “A Reply” eit...p. 23. Este ponto é extremamente importante. Lovo & frente 0 retnmarrmae 20 Neste ponto, podemos incluir as reflexdes de Dobb sobre a ascensdo das cidades e suas conseqiéncias para o campesinato. A simples existéncia das cidades altera as perspectivas dos camponese: @ necessério, suas chances de fugir com sucesso das terras controladas pela nobreza aumentam muito, Nao resta duvida de que isto elevou o poder de barganha do campesinato e colocou duas alternativas ‘opostas a serem escolhidas pela nobreza: a) fazer concess6es como a redugdo dos tributos, atenuagao do trabalho nas terras do senhor, etc.; garantindo com isto a Permanéncia dos camponeses em seus dominios, ou b) intensificar a coagSo, prendendo pela forca os produtores diretos a terra. © importante é que ambas as altemativas, no final das contas, acabaram reduzindo os rendimentos da nobreza. A primeira de forma direta, pois ao abolir e atenuar os tributos e impostos a arrecadagéio da classe dominante diminui imediatamente, 0 mesmo ocorrendo com o quantum de trabalho vivo @ sua disposicgo (fruto da atenuagao ou supresso da obrigacaio do servo a trabalhar nas terras de seu senhor). Ja a segunda op¢do esvazia os cofres da nobreza de forma indireta, pois para vigiar e controlar um campesinato rebelde € disperso por grandes extensdes territoriais ¢ necessério grandes investimentos militares. Nos anos 50, @ questo referente 4 motivacdo principal que levava os camponeses a desertarem de suas terras era muito discutida. A polémica girava em torno de duas hipéteses: a) as fugas foram motivadas pelas oportunidades de ascensdo social que as cidades proporcionavam; ou b) a exploragdo feudal havia se intensificado a ponto de se tornar repulsiva. Dobb refuta tal discussdo ao afirmar que ‘ambos fatores operaram em conjunto: " E evidente que foram as duas coisas, em vérios graus, em diferentes lugares € épocas. Mas 0 efeito especial que tal fuga teve deve-se ao carater especifico da relagao entre servo e explorador feudal." Portanto, a relacao conflituosa entre o campesinato e a nobreza fol o fio condutor de todas as transformagées no campo que se verificaram no final da Idade Média. O acirramento progressivo da exploragéo dos produtores diretos - a “solugdo” encontrada pela maior parte da nobreza para aumentar seus rendimentos - paradoxalmente agravava ainda mais o ja visivel quadro de instabilidade social: *O resultado desta pressao maior nao foi s6 exaurir a galinha que punha ovos de our para 0 castelo [os servos], mas provocar, pelo desespero, um movimento de % a:Ibid. p. 24 21 ‘emigragao llegal das propriedades senhoriais - uma desergzio em masse por parte dos produtores, que se destinava a retirar do sistema seu sangue vital e provocar a série de crises nas quais economia feudal iia achar-se mergulhada nos séculos XIV oxy. Este raciocinio tem que ficar bem claro, pois € de importancia crucial. Como Pudemos observar, Maurice Dobb detecta uma crescente necessidade da nobreza ‘aumentar seus rendimentos, necessidade que 6 determinada por uma série de acontecimentos que, em m: ‘ou menor grau, se inter-relacionam. Como pudemos observar, a forma mais eficiente que a nobreza dispunha para aumentar seus rendimentos era intensificar, de forma absoluta, a exploragao do produtor direto, a Principal fonte de trabalho do modo de produ¢ao feudal. As relagdes de propriedade caracteristicas desta org: ‘aGaO social impeliam os nobres a “teinvestirem” grande Parte de seus recursos visando intensificar seus meios de exploragéo mediante o aprimoramento de seu poderio bélico. Ao intensificar sua forca militar a nobreza ‘aumentava 0 controle sobre 0 campesinato e pequenos vassalos, ao mesmo tempo em que podia usar este poder para, em determinadas ocasiées, conquistar novas terras © expandir seus dominios. Este aperfeigoamento dos meios de exploragao era necessario para garantir a reprodugao social da nobreza como classe dominante, mas ‘acabava comprometendo no médio ou longo prazo a reprodugéo material da Sociedade como um todo. A malor parcela do sobretrabalho agambarcado dos Produtores diretos era destinada ao consumo improdutivo ou, como vimos, era destinado @ intensificagao da forca militar. Desta forma a necessidade de receita da nobreza tendia a crescer mais rapido do que suas fontes de renda, o que resultava em crises econdmicas “crénicas". Como resultado desta avidez por mais rendimentos, a Parcela do produto que devia ser entregue ao senhor fazia com que muito pouco ‘sobrasse para 0 uso do préprio camponés, o que, por muitas vezes, deixava-o abaixo do nivel de suas necessidades fisiolégicas. Tamanha pressSo gerava revoltas desergées em massa, o que levava a nobreza a investir ainda mais na intensificacdio da coergao, acelerando a deterioragao do modo feudal de produggo. Este aumento da exploragao feudal foi contemporaneo a ascensao das cidades, que agiam como pélo atrator de mao-de-obra, por possibilitar uma melhora na condigS0 social. Este fato agindo em conjunto com a intensificago da explorag3o dos produtores diretos por Parte da nobreza, fez com que a fuga dos camponeses tomasse proporgées alarmantes, enfraquecendo ainda mais 0 poder do senhor, devido a redugéo do ™ DOBB, M. Studies... op. ct. p46 2 ndmero de produtores diretos a seu servigo e os crescentes gastos para ampliar o seu poder de repressao. Com a redugéo do nimero de camponeses a pressdo sobre os que permaneceram em suas terras aumentou ainda mais. Os gastos suplementares da nobreza para recapturar os servos foragidos eram automaticamente retransmitidos para os produtores diretos por varios métodos: aumento dos impostos e das taxas, intensificagao do trabalho compuls6rio nas terras do senhor, etc, Os camponeses que n&o conseguiram ou ndo quiseram abandonar suas terras, no final das contas, acabaram arcando com grande parte do “prejuizo” causado pelas desergées em massa do campo. Frente a tais circunstancias uma retracdo da produgao feudal era ine, vel, 0 que tomava ainda mais dificil manter os produtores diretos em suas terras, pela forga. Os senhores menos poderosos tiveram de recorrer a outra estratégia: fazer concessées cada vez maiores, abrindo mo progressivamente do trabalho compulsério @ das exagdes arbitrarias, 0 que de um modo geral, acabou culminando no trabalho livre. Ao lado destas consideragées, Dobb assinala o impacto das fiutuacSes demogréficas sobre a economia feudal. O crescimento das familias nobres induziu & pratica generalizada do “subenfeudamento”: o principio era aumentar o numero de vassalos mediante a fragmentagao das propriedades existentes. Os limites’ deste recurso séo evidentes: a medida em que o numero de vassalos aumentava (e a extensdo das terras controladas pela nobreza permanecia constante ou crescia a uma proporedio inferior a0 ndmero de pretendentes), a extensdo da terra concedida pelo suserano era forcosamente menor até atingir um ponto onde sua explorago se tora economicamente impossivel. Além disto, o desenvolvimento incipiente das forgas produtivas feudais limitava muito 0 numero de habitantes que cada faixa de terra conseguia suportar, de modo que qualquer acelerago abrupta na taxa de crescimento Populacional, mesmo que 0 ntimero de nobres e camponeses mantivesse a mesma proporeao, gerava problemas sociais como o aumento da populacao errante que vivia de esmolas e de banditismo nas estradas, ou seja, intensifica_o clima de inseguranga que jé vinha se instaurando na sociedade. Para resumir: atuando conjuntamente com esta tendéncia a crise econémica, 0 comeércio acelerou 0 proceso de diferenciagao social, formando semi-proletarios (camponeses pobres) @ camponeses présperos. A emergéncia das cidades incentivava a fuga dos camponeses, abalando o poder dos senhores por varios Angulos: ampliavam seus gastos militares para recapturar os servos, dando assim aos camponeses que permaneceram em suas terras maior poder de barganha. Por fim, 0 2B @xodo em massa do campesinato concentrava e barateava o prego da mao de obra nas cidades. Dobb, assim como Sweezy, considera o periodo compreendido entre os ‘séculos XIV @ XVI como extremamente complexo e “transitério", Tratava-se de uma poca onde, embora o feudalismo apresentasse um processo acelerado de desintegracéo, as relagées capitalistas ainda nao estavam _suficientemente desenvolvidas para dar corpo a uma nova sociedade. A economia emancipava-se Gradualmente da exploragdo feudal, mas ainda nao estava subordinada & exploragaio capitalista, pois as condigdes necessérias & emergéncia da sociedade burguesa ainda nao haviam sido criadas. Mas Dobb se recusa terminantemente a admitir a hipétese Proposta por Sweezy de que este periodo nao era nem feudal nem capitalista, mas um modo de produgdo intermedirio: "(..) Mas Sweezy vai mals longe. Refere-se a ele como transitério num sentido de ‘excluir a possibilidade de ser ainda feudal (mesmo uma economia feudal num estagio avangado de dissolugao). Ora, isto s6 me parece valido se pretendermos interpreté-io ‘come um modo de produgao distinto sui generis, nem feudal nem capitalsta. Para mim tal procedimento ¢ injustificével (..). No fundo, portanto, estes dois séculos so " BRENNER, R “Agrarian class.” in TheBrenner Debate op. cit p.12 * Mesmo durante 05 primérdios do feudalism, em alguns lugares, j se utilizava 0 gado bovino para puxar 0 arado: “Embors alguns camponeses continuassem utilizando a enxada para arar 0 solo, adofousse en grande medida 0 arado como meio de cultivo, para 0 qual era requerida a utilizagao de animais de ‘raso, principalmente bois. Outros animais domésticos, ais como cervos,cabras,ovelhas e aves proviam leite, ueijo e came” HILTON, R. Siervos Liberados cit. p. 29. Deste modo, a simples possbilidade de criar animais garantia a0 campons uma melhor significativa na qualidade de vida. De umm modo geral, 8 vida sdo favordveis. Na fase B, & medida em que a demanda aumenta (cresce a Populagao), a oferta decal (queda da produtividade), e este descompasso entre variaveis econémicas objetivas determina a crise econémica. E possivel concluir entéo que a concep¢ao malthusiana apregoa a existéncia de um mecanismo fixo de auto-corregao que regula a economia feudal e determina de forma automatica a flutuagéo econémica ¢ demografica a longo prazo. Segundo os malthusianos, na Europa, os séculos XIl e XIll - séculos onde a populagao cresceu efetivamente - poderiam ser clasificados como pertencentes a fase A, € os séculos XIV e XV, marcados por uma queda abrupta da populagéio, como fazendo parte da fase B. Antes da emergéncia do capitalismo, este grande ciclo manifestou-se outra vez, entre os séculos XVI e XVII®, Este mecanismo parte de duas suposigées: a) a economia feudal é incapaz de methorar substancialmente a produtividade agricola e b) existe uma relagao direta entre a oferta de terras e 0 tamanho da populagdo, ou em outras palavras, a populacao apresenta uma propensao natural a crescer quando se verifica uma maior oferta de terras, Estas so as bases da ortodoxia demogréfica. Antes de entrarmos em Pormenores sobre estes supostos, ndo é dificil constatar que este mecanismo abstrai ou relega a segundo plano as demais determinagées que nao estejam diretamente vinculadas a relagao entre a oferta de terras e alimentos contraposta a demandaque, dentro deste raciocinio, é determinada quase exclusivamente pelo volume da populagao. “O malthusianismo secular - escreve Brenner -, em termos de suas premissas concretas e do pequeno nimero de variaveis a que se vincula, parece quase infalivel. © que na realidade se deve questionar 6 sua relevancia para explicar as devido & pequena extensio da propriedade camponesa, os animais s6 podiam ser criados nas terras ” O que estamos caracterizando como “concepeio malthusiana” nfo coincide nevessariamente - nko & risea pelo menos - com 0s postulados do proprio Malthus. Este autor é apenas 0 ponto de partida da chamada “corrente demogrifica ou neomalthusiana", que introduziu alteragdes em seu raciocinio (generalizago do modelo basico, comreges pontuais e incorporago de novos elementos): Malthus, eserevendo em 1798, elabora a “Tei da populacao” e postula a tendéncia 20 equilibrio entre “alimentos ¢ bbocas”. Entretanto, nos és primeiros capitulos de seu famoso dn essay on the principle of population...Nova York: Penguin, 1979) 0 autor nos mostra os diversos obsticulos (checks) 20 crescimento da populagio, mas nio diz nada a respeito destes dois ciclos a que nos referimos: sequer afirma que a Europa tenha sofrido um grave desequiibrio entre produgdo ¢ consumo, pois em sua explicagio as “barciras” - “vicios”, pests, guerras, etc. - sempre detiveram o crescimento populacional ‘mediante o aumento da taxa de mortalidade. Nao podemos nos esquecer que Malthus tentava responder a0 grande problema “pritico” de sua época: o crescimento desenfreado da populagdo e da pobreza. Seu modelo estava equivocado (cle aribuin erroneamente o crescimento populacional ao aumento da taxa de natalidade, que permanecia inalterada: a taxa de mortlidade é que entrou em declinio apds a “revolugio agricola”, provocando 0 aumento populacional), mas isto no diminuiu a importincia deste autor para o desenvolvimento da demografa. ot transformagées historicas atvais. Isto ¢, as suposigdes e as constantes do modelo, ou Seja, sua verdadeira dinamica, iluminam ou obscurecem as condig6es e os processos. de transformagées econémicas seculares da época em que nos ocupamos?""® Trata-se de uma questao crucial: 0 malthusianismo aclara ou obsourece 0 debate sobre a transigao ao capitalismo? Se observarmos este modelo com atencéo, do 6 dificil caracterizé-lo como reducionista: abstrai todas as demais determinagées Sociais, ou melhor, a0 abstrair a propria estrutura da sociedade feudal, isto &, as relagbes de propriedade, a confltiva distribuigéo dos rendimentos feudais e a relagdo antagénica entre os senhores € os servos (a luta de classes) descaracteriza totalmente © objeto em questéo, tomando-o esvaido de qualquer historicidade. Por negligenciar estas caracteristicas decisivas e fundamentais para a compreensdo do modo de Produgao feudal, podemos afirmar desde j4 que a ortodoxia malthusiana, tomada como um ponto de referéncia e em seus aspectos mais essenciais, obscurece ainda mals o debate sobre a transi¢ao. E natural que os defensores da perspectiva demografica, frente a tantas criticas, se empenharam em defender seu ponto de vista. Portanto, a partir deste momento, daremos a palavra aos principais autores que, neste caso especifico, adotaram esta vertente da historiografia. Emmanuel Le Roy Ladurie Segundo Ladurie, € mais correto substituir © termo “malthusiano” por neomalthusiano, ja que desde Malthus, surgiram elementos novos que tornaram mais complexa tanto a postura factual quanto a intelectual. Este autor inicia seu artigo tentando contrapor-se a uma das criticas mais contundentes que Brenner endereca 20 modelo demografico: a hipétese de que o modelo (neo)malthusiano converte a estrutura de classes em uma mera abstracdio, j& que o movimento de duas fases nao leva em conta qualquer especificidade histérica, pois fundamenta-se principalmente sobre as contradigées entre 0 tamanho da populagéio © o volume da produgao, e apregoa a existéncia de um mecanismo de auto-compensagao que, a longo prazo, nivela os eventuais descompassos entre estas duas varidveis. E possivel formular diversas hipéteses para explicar a estagnagao da producao feudal que nao entrem em contradigéo com os pressupostos gerais assumidos pelos intérpretes demogréficos, Explicar porém, 0 aumento da populagao sem simplesmente assumir passivamente 0 "© id; Ibid p. 15 6 pressuposto de que frente a um acréscimo na oferta de terras a populacao tende a aumentar @ ponto de ultrapassar 0 limite imposto pelas forgas produtivas feudais uma questo cuja resposta ainda ndo foi encontrada pelos adeptos desta corrente historiografica. Em um timido esforgo de se contrapor a estas criticas, Ladurie argumenta: “Apeser do que sugere Brenner na primeira pagina de seu artigo com um julzo completamente erréneo, 0 modelo neomalthusiano nao converte em absoltito a estrutura de classes em uma abstracao. Ao contrério, a incorpora de uma maneira muito simples, fazendo todos os esforgos por apresentar os grupos socials concretos (proprietérios, simples arrendatarios, trabalhadores do campo e similares) mais longe e acima de categorias econémicas abstratas (renda da terra, beneficios de administragao, salériosy* Assim, os esforgos de Ladurie vao no sentido de apresentar as classes e os grupos sociais acima “das categorias econémicas abstratas’, exatamente o contrario do que afirma Brenner. Mas como é possivel argumentar desta maneira e manter, pelo ‘menos em seus aspectos mais essenciais, o mecanismo de dupla fase malthusiano? Se as flutuagdes demograficas aliadas a um mecanismo de oferta e de demanda é que determinam a longo prazo o rumo da economia feudal, de que adiantaria entdo a tarefa de “Incorporar’ (talvez o melhor termo aqui fosse “descrever") com detalhes as classes sociais, j que no mecanismo de auto-correcao (neo)malthusiano que da corpo a explicagao deste autor, o papel exercido pelas classes socials nao passa de uma mera formalidade?"™. A este mecanismo de “dupla fase’, Ladurie a aponta a necessidade de se adicionar “elementos biolégicos": “Junto aos fatores prépria @ tradicionslmente malthusianos (pauperizagéo do campesinato pela expanséo demogréfica em um espaco cultvavel limitado), ero que 2 histérla deve conceder um maior espago aos fatores especiicamente epidémicos 04, poderiamos dizer, ‘biolégicos, a fim de explicar sttuagtes de. bloqueio neomatthusiano nos séculos XIV" ou XVII(..) Brenner subestima os fatoros epidémicos (pragas e outros semelhantes) quando tenta explicar a crise dos séculos XIV © XV essenciaimente em termos de exploragao senhorial. Esta causalidade estritamente epidémica 6, na realidade, a consideragao especifica que justifica minha preferéncia pelo termo neomalthusiano, mais adequado que as velnas denominacdes ‘malthusianismo’ ou ‘malthusiano’ que utiliza Brenner ao caracterizer_ minha osigao.""> Esta passagem é extremamente importante e produz um efeito inverso do esperado por Ladurie: traz complicagées suplementares dificeis de serem LADURIE, E.R. “A Reply to Robert Brenner” in The Brenner Debate op. citp. 101 "© artigo de Ladurie é extremamente curto ¢ o autor apenas expde suas teses¢ criticas sem desenvolvé- las, o que dificulta a compreensio de seu ponte de vista 66 contornadas. O autor sustenta que a simples inclusdo de fatores epidémicos como parte atuante no “mecanismo malthusiano" 6 condigao suficiente para transformé-lo qualitativamente a ponto de alterar sua denominagao. incluindo ou excluindo estes “elementos biolégicos", a natureza do raciocinio permanece inalterada: trata-se ainda de uma formulacao mecanica, que obedece cagamente & lei da oferta e da demanda, Pols a0 incluir determinagées exclusivamente biolégicas reforga ainda mais sua tendéncia em abstrair os fenémenos de natureza social. Ao mesmo tempo em que adiciona seus elementos biolégicos, este autor tece criticas a Brenner, ao afirmar que em suas formulagdes este autor minimiza o papel da peste negra na crise do séculos XIV @ XV. A resposta de Brenner 6 simples: 6 possive! encarar a peste negra ou qualquer epidemia como sendo algo totalmente exégeno a sociedade? E evidente que no. Durante periodos de crise econémica intensa, quando a fome atinge grandes setores da sociedade e a populacdo errante aumenta significativamente (andarithos sem abrigo, mendigos) a probabilidade das pragas se alastrarem & muito maior do que os periodos de relativa prosperidade sécio-econdmica. Parece incontestavel a hipétese de que as crises econémicas criam condigdes favoraveis proliferagao de epidemias. Deste modo, podemes concluir que as tentativas feitas por Ladurie no sentido de se esquivar das criticas de Brenner, de forma paradoxal, terminaram por surtir um efeito ainda mais negativo sobre suas formulagdes. Quando mais se empenha em se afastar_do que denomina ‘velho malthusianismo" e rumar em direggo ao “neomaithusianismo”, revela com maior nitidez ainda o quanto esta preso a concep¢ao de Malthus: “Eu apliquei 0 termo ‘movimento de duas fases’ somente aos séculos XVI e XVII e no, como parece dar a entender o professor Brenner, a todo 0 periodo 1050- 1800. No que se refere a este longo periodo, prefiro falar em termos de uma cronologia de dois grandes ciclos agrarios, cada um com seu fluxo e refluxo: 1100- 1450 para o primeiro ciclo, e 1450-1720 para o segundo.“ Nesta passagem Ladurie reafirma expressamente a influéncia em sua concepgao do “movimento de duas fases” proposto por Malthus, ja que caracteriza 0 séculos XVI e XVII como um exemplo deste mecanismo. Mas 0 que permanece um "© Id; Ibid p. 102-3 "Id Ibid 103 ‘S Em uma passagem anterior, este autor também reafirma a sua adeslo a este “mecanismo”: “O modelo Acomalthusiano € neoricardiano, esbogado por Habakkuk em 1958 e seguido por Postan e por mim, postula, em efeito a existéncia de um sistema homeostitico ou ecassistema dotado de um mecanismo incorporado de autocorrepo.” Id:Ibid p. 102, o tanto obscuro € 0 restante da citago: no que estes “dois ciclos agrérios” se diferenciam do “movimento de dupla fase"? Apés esta breve mencdo, no restante do texto, 0 autor nao retoma mais este ponto. Trata-se de uma questo que fica no ar, jé que nem o proprio autor forece indicios para uma possivel resposta. M.M. Postan e John Hatcher Postan e Hatcher iniciam seu artigo delimitando a area em que estudam: a Europa ocidental, e mais precisamente a Inglaterra. Segundo estes autores, em suas criticas, Brenner deforma o pensamento dos defensores do “ciclo malthusiano." Postan ¢ Hatcher contra-argumentam que nao conferem aos fatores demograficos uma “forca onipresente € onipotente” que determina todas as atividades sociais ou econémicas na sociedade feudal, pelo contrario, pretendem relacionar as flutuagées demograficas com as transformagies econémicas. Respondendo a critica de que privilegam excessivamente os elementos demograficos por um lado, e a renda feudal como responsavel pelo empobrecimento dos camponeses por outro, estes dois autores assumem que 0 niicleo de sua interpretacéo € fundamentado na conjugagSo destes dois elementos, mas nao se esgota nisto, ja que existe um grande nimero de varidveis envolvidas e que nao podem ser desprezadas. Deste modo, para uma abordagem mais frutifera é& necessario nao s6 considerar a renda feudal e suas implicagdes (empobrecimento dos camponeses e um freio a inversées produtivas), mas sim, levar 0 maior nimero de fatores em conta: um estudo da estrutura fami r. dos costumes hereditarios, hecessidades de consumo, as normas legais, etc. Assim, Hatcher e Postan concluem que a Idade Média 6 mais que um sistema feudal, @ que um sistema feudal é mais que ‘suas relagées de classe. Este tltimo raciocinio 6 uma critica direta a Brenner, jd que este autor, como veremos posteriormente, privilegia em sua explicac&o a estrutura as relagées de classe como aspectos fundamentals na din&mica da sociedade feudal. Guy Bois, em sua contribuigdo tece criticas que véo mais ou menos na mesma diregdo: acusa Brenner de se ater demais a luta de classes e a elementos da superestrutura, tachando-o de “marxista politico". Sem duvida, a esfera “politica” apresenta um papel de relevo nas reflexdes de Brenner, ¢ isto se destaca quando "of BOIS, Guy “Against the Neo-Malthusian Orthodoxy” in The Brenner Debate, cit. p.115-117. Bois tece uma série de criticas & Brenner, mas para ndo nos desviarmos do assunto,trataremos deste ponto em particular em um capitulo especial 68 afirma que a estrutura das classes caracteristica da Franga e da Inglaterra 6 que determinou os rumos diferentes que 0 feudalismo tomou nestes paises. De forma mais ou menos andloga a Ladurie, Postan e Hatcher questionam o rotulo “malthusiano” que Brenner thes atribui: “Finalmente, embora nao seja menos importante, a argumentagao de Brenner ‘sobre 0s fatores demogréficos mostra certa ma interpretagao das origens doutrinarias © dos fundamentos tedricos que ele critica. Esta ma interpretacdo ¢ em grande medida uma questéo terminologica e o termo neste caso é ‘malthusianismo’. (...) Nossa discrepancia com a etiqueta utiizada por Brenner se basela na hipétese historica que ele critica, e mais concretamente a referente & dade Média, n8o pode Ser qualificadia de Malthusiana exceto com base no pressuposto de que sejam ‘malthusianas todas as referéncias aos fatores demograficos. Se houvesse estudado ‘mais a fundo Malthus, haveria observado a escassa coincidéncia desta teoria com os. Pontos de vista de Postan e outros historiadores de mesma opiniao™™” Os autores em questo no recusam as influéncias de Malthus em suas obras, mas afirmam que enquadra-los simplesmente como “malthusianos" 6 uma Classificagao imprecisa, j4 que possuem preocupagées diferentes das de Malthus: “Nossa preocupacdo 6 tanto a atividade e 0 desenvolvimento econémico como 8 condigSes materiais de vida, enquanto Malthus estava interessedo n&o no desenvolvimento econdmico ou na atividade econémica em seu conjunto, e sim ‘quase exclusivamente no bem estar ou nos ingressos per capita dos individuos. Em segundo lugar, Malthus apresentava a conexdo entre populagao e bem-estar ‘econdmico como uma relagao exclusiva, uma equacdo em que ngo entravam outras varidveis (..)""" Mesmo que as “preocupagées" de Hatcher e de Postan sejam diferentes das de Malthus porque acrescentam novos elementos € novas variéveis a problematica que ‘se propuseram a investigar, isto por si s6 ndo significa uma ruptura com 0 modelo ‘malthusiano. Por outro lado, Hatcher e Postan afirmam que 0 dnico elemento tedrico do “mecanismo malthusiano” que Brenner toma em consideragéo € 0 denominado movimento intermitente: aumento da populagéo e queda da receita, sequida e compensada automaticamente por uma nova fase de diminuigao da populago, e por eleger apenas este elemento, deforma a explicagdo original dos autores". Para demonstrar que a atribuicéio de ‘malthusianismo’ 6 grosseira, este par de autores "" POSTAN & HATCHER “Population and Class Relations in Feudal Society” in The Brenner Debate, cit. p. 68 "* fd; Ibid p. 69 “ Postan © Hatcher excessivamente preocupedas em responder as criticas de Brenner, no expuseram claramente sua explicagao sobre a transi¢ao do feudalismo 20 capitalismo. Todo o artigo é estruturado Por respostas pontuais as criticas de Brenner. Deste modo, fica dificil spurar se © até que ponto as argtiicbes de Bremner sio incorretas. 6 fazem referéncia aos elementos ricardianos que agregam @ sua interpretagdo: a tendéncia & produtividade decrescente das unidades produtivas feudais e sua Fepercussao na diminuicao da receita. Aceitam a corregao feita a esta formulago, isto 6, a idéia de que a tendéncia 4 queda da produtividade s6 se verifica quando o nivel tecnologico se mantém constante ou em retrocesso: “.) Se aceitarmos que a itreversive! tendéncia ricardiana a diminuigdo constante da recsita funcionava apenas enquanto a inversio e a inovacéo técnica eram irrelevantes, entéo a auséncia de inovag3o e a Insuficiente inversio na agricultura medieval serviriam em grande medida para explicar por que @ recuperacao nna baixa Idade Média foi tdo lenta e tardia. (..) Se agora destacamas aqui a teoria da renda reformulada, preferindo-a & teoria original da populagéo de Malthus é simplesmente com 0 intento de demonstrar 0 quéo infundadas podem ser, as vezes, as acusagées de malthusianismo.""" Desta forma, Postan e Hatcher se apoiam teoricamente em Malthus e em Ricardo, rejeitando a atribuicao de ‘malthusianismo’. No artigo que deu origem a este debate, Brenner faz um critica poderosa ao modelo demografico: “A evidente dificuldade que suscitam estas explicagdes globais radica em sua propria debilidade, ja que podem ser atacadas com relativa faciiidade mediante uma simples andlise comparativa. Tendéncias demograficas similares em diferentes momentos e em diferentes areas da Europa apresentaram resultados diferentes. Do que se deduz que ¢ preciso questionar se as flutuagées demograficas podem ser licitamente consideradas como uma simples causa ou como a variavel chave do desenvolvimento econémica." Desta forma, se uma mesma tendéncia demografica produz resultados diferentes, entéo & possivel afirmar que a demografia nao é a varidvel chave para se esclarecer a complexa dindmica da sociedade feudal. Hatcher e Postan respondem: “(..) Seus argumentos [argumentos de Brenner] contra esta hipétese demografica esto em grande medida fundamentados em exemplos de ‘diferentes. saidas’ que procedem ‘de tendéncias demogréficas similares em épocas e areas iferentes da Europa’. Quer dizer professor Brenner que nenhum fator causal pode ser considerado verdadeiro a néo ser que produza idénticos resultados em circunsténcias totalmente diferentes?" A critica de Brenner tinha como objetivo demonstrar que as flutuagdes demograficas nao sdo a variavel chave no desenvolvimento econémico feudal. Do modo em que se apresenta, a resposta de Hatcher e Postan, em parte, reafirma a "Jd: Ibid p. 69-70 (Grifos meus) "BRENNER, R “Agrarian Class Structure...” in The Brenner Debate, cit. p.21 ' POSTAN & HATCHER “Population... "p. 66 (grifos meus) 0 hipétese que Brenner pretendia provar, pois se existe a possibilidade de tendéncias demogréficas similares em tempos ou em lugares distintos se manifestarem em conjunto com circunsténcias completamente diferentes, entéo ndo existe uma relagao ‘mecénica entre as flutuagdes demogréficas e 0 comportamento do restante da Sociedade. Paradoxalmente, a constatagdo acima parece dar razio a Postan e a Hatcher quando afirmam que sua formulagéio nao pode simplesmente ser rotulada como malthusiana, ja que efetivamente leva em conta novas varidveis que também influenciam 0 comportamento da economia feudal, e deste modo, assumem a inexisténcia de uma relac3o mec&nica entre as variagbes demograficas e os demais elementos da sociedade. De qualquer maneira, Brenner, em um artigo escrito posteriormente, responde: “Ao que parece, Postan e Hatcher rechagam no s6 0 contetdo de minha ‘argumentagao, como seu método, sua légica. Um tanto retoricamente se perguntam ‘se quer dizer o professor Brenner que nenhum fator causal pode ser considerado verdadeiro a nao ser que produza idénticos resultados em circunsténcias totalmente diferentes’. Mas sua pergunta pode ser facilmente contestada com outra pergunta Pretendem Postan © Hatcher realmente argumentar que uma explicagao histérica 6 Correta quando 0 fator que se atribui & causa (incremento ou regresstio demografica) ode demonstrar que produz efeitos antagénicos (em termos da distribuicao da renda) ‘em iguais concigées?”"* Mas como & possivel notar, a resposta de Brenner se baseia na hipdtese de gue Postan e Hatcher creditam as flutuagdes demogréficas a causa unica das transformagées econémicas a longo prazo na Europa medieval, uma idéia que, segundo estes autores € atribuida a eles, constituindo uma deformagao de sua interpretagaio por parte de Brenner. Infelizmente, Postan no pode responder a esta critica, pois faleceu antes da réplica de Brenner ser Publicada. Deste modo, a morte deste historiador deixou uma lacuna que dificulta o esclarecimento deste impasse. Mas, de acordo com Hilton, ndo obstante as retificagses de Postan, nao ha duvida de que em seus trabalhos o fator demografico possui primazia sobre os demais elementos: “(..) & certo que M. M, Postan, a quem pode ser considerado como um dos femblemas desta ortodoxia nos estudos medievais [ortodoxia demografical, sé menciona a Malthus em seus numerosos trabalhos sobre a histéria econémica medieval, @ dé prioridade @ expansdo e a0 declinio da populaggo como elementos explicatérios dos acontecimentos do periodo por ele estudado. Sua contribuigaio original (...) foi sua exposig#io sobre histéria econdmica medieval apresenteda no X Congreso Intemiacional de Ciéncies Histéricas celebrado em Paris, em 1950, onde “BRENNER, R. “The Agrarian Roots...” in The Brenner Dehate eit » 970

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