Você está na página 1de 17
KONRAD HESSE AFORCANORMATIVA DA CONSTITUIGAO © TRADUCAO DE GILMAR FERREIRA MENDES Sergio Antonio Fabris Editor APRESENTACAO Este trabalho do Professor Konrad Hesse que apresenta- mos ao leitor brasileiro, base de sua aula inaugural na Univer- sidade de Freiburg-RFA, em 1959, € um dos textos mais signi- ficativos do Direito Constitucional moderno. Contrapondo-se as reflexdes desenvolvidas por Lassalle (*), esforca-se Hesse por demonstrar que 0 desfecho do embate entre os fatores reais de Poder e a Constituicéo nao ha de verificar-se, necessaria- mente, em desfavor desta. A Constitui¢ao nao deve ser consi- derada a parte. mais fraca. Ressalta Hesse que a Constituicao no significa apenas um pedaco de papel, como definido por Lassalle. Existem pressupostos tealizaveis (tealizierbare Voraus- setzungen), que, mesmo em caso de eventual confronto, per- mutem assegurar a sua forca normativa. A conversio das ques- tes juridicas (Rechtsfragen) em questoes de poder (Machtfra- gen) somente ha de ocorter se esses Pfessupostos nao puderem ser satisfeitos. Sem desprezar o significado dos fatores hist6ricos, politi- Cos € sociais para a forca normativa da Constituicéo, confere Hesse peculiar realce a chamada vontade de Constituigao (Wille zur Verfassung). A Constituigao, ensina Hesse, transfor- ma-se em fotca ativa se existir a disposico de orientar a pré- pria conduta segundo a ordem nela estabelecida, se fizerem- Se presentes, na consciéncia geral — particulamermente, na consciéncia dos principais responsdveis pela ordem constitucio- nal —, nio s6 a vontade de poder (Wille zur Macht), mas tam- bém a vontade de Constituicao (Wille zur Verfassung). Fazemos votos que a reflexfio sobre as teses desenvolvidas por Hesse possa contribuir para uma fecunda discussao, entre nds, sobre o significado ¢ o valor da Constituigho ¢ sobre a necessidade de preservar a sua forca normativa A presente tradugio foi feita diretamente do original ale- mao, publicado pela Editora J.C. B. Mohr (Tlibingen, 1959), tendo sido confrontada, posteriormente, com a tradugdo para 0 espanhol elaborada por Pedro Cruz Villalén (in: Escritos de Derecho Constitucional, Madrid, 1983, p. 60-84). Gilmar Ferreira Mendes *) Cf. Ferdinand Lassalle, Uber das Verfassungswesen, Berlim, Buchhandlung Vorwarts Paul Singer, 1907; v. também a traducdo para o espanhol de W. Roces sob o titulo ‘Que es una Constitucion?”’, Buenos Aires, Siglo Veinte, 1957, ¢ as traducdes para o portugués: "'A’Esséncia da Constituicao’”, baseada na traducao de Walter Sténner (Liber Juris, Rio de Janeiro, 1985) ¢ “‘O que € uma Constituicéo Politica’, waduzida por Manuel Soares, Global Editora, Sao Paulo, 1987, 6 AGR D6V DvBI. LF VVDStRL ZgesStW Abreviaturas Archiv des dffentlichen Rechts Die offentliche Verwaltung Deutsches Verwaltungsblatt Lei Fundamental . Vereinigung der Deutschen Staatsrechtslehrer Zeitschrift fiir die’ gesamte Staatswissenschaft A Forca Normativa da Constituigio Em 16 de abril de 1862, Ferdinand Lassalle proferiu, nu- ma associacao liberal-progressista de Berlim, sua conferéncia sobre a esséncia da Constituigao (Uber das Verfassungswesen):, Segundo sua tese fundamental, questdes constitucionais nao ¢* sO questées juridicas, mas sim questées politicas. E que a Cons- tituicgéo de um pais expressa as relacoes de poder nele domi- nantes: o poder militar, represeitado, pele Peas Armadas, © poder social, representado pelos latifundiarios, 0 poder eco- némico, representado pela grande indistria e pelo grande ca- ital, e, finalmente, ainda que nao se equipare ao significado los demais, o poder intelectual, tepresentado pela consciéncia ¢ pela cultura gerais. As relacées faticas resultantes da conjuga- ge desses fatores constituem a forca ative determinants leis € das instituicdes ‘da sociedade, fazendo com que en ex . fessem, t4o-somente, a_correlacao de forcas que tesulta dos Stores ae de poder; Esses fatores reais do poder formam a € Constituigao real do pais. Esse documento chamado Constitui- fo ~-a Constituigan Saridies - nao passa, nas palavras de Las- salle, de um pedaco de papel (cin Stick Papier). Sua cay acida-¢ de de regular e de motivar est limi 4 sua compatbilida- de-com + Conttituiao teal: Do conaance eine © conflito; cujo desfecho ha de se verificar contra a Corstitui- $40 escrita, esse pedaco de papel que terd de sucumbir diante dos fatores reais de poder dominantes no pais. Questdes constitucionais nao sio, originariamente, ques- tOes juridicas, mas sim questdes politicas. Assim, ensinam-nos nao apenas os politicos, mas também os juristas. ‘'Tal como tessaltado pela grande doutrina, ainda nao apreciada devida- 1.Gesammelte Reden und Schriften, org. ¢ introducdo de Eduard Bernstein I (1919), p. 25s mente em todos os seus aspectos — afirma Georg Jellinek qua- fenta anos mais tarde —, 0 desenvolvimento das Constituicdes demonstra que regras juridicas nao se mostram aptas a contro- lar, efetivamente, a divisio de poderes politicos. As forcas po- liticas movem-se consoante suas préprias leis, que atuam inde- pendentemente das formas juridicas’’:. Evidentemente, esse pensamento nao pertence ao passado. Ele se manifesta, de for- ma expressa ou implicita, também no presente. E verdade que hoje ele surge apenas de forma mais simplificada ¢ imprecisa, nao se atribuindo relevancia maior 4 consciéncia ¢ 4 cultura gerais, também contempladas por Lassalle como fatores reais de poder. A concep¢do sustentada inicialmente por Lassalle parece ainda mais fascinante se se considera a sua aparente sim- plicidade ¢ evidéncia, a sua base calcada na realidade — 0 que torna impetioso o abandono de qualquer ilusio — bem como a sua aparente confirmagdo pela experiencta histérica. E que a hist6ria_constitucional e, efetivamente, ensinar le, tanto raxis politica cotidiana quanto nas _questdes © sempre supeciond forse das honmasijunidica, que_a normatividade sub- meté-se a realidade fatica. Pode-se recordar, a propésito, tan- to o conflito relativo ao orcamento da Priissia (Budgetkonflikt), referido por Lassalle, como a mudanga do papel politico do Parlamento, subjacente a resignada afirmacao de Georg Jelli- nek, ou ainda o exemplo da debacle da Constituigao de Wei- mar, que, em virtude de sua evidéncia, revela-se insuscetivel de qualquer contestacdo. Considerada em suas conseqiiéncias, a concepgao da for- ga determinante das relaces faticas significa o seguinte: a con- digdo de eficacia da Constituigo juridica, isto €, a coincidén- cia de realidade e norma, constitui apenas um limite hipotéti- co extremo. E que, entre a norma fundamentalmente estatica ¢ racional ¢ a realidade fluida ¢ irracional, existe uma tensio necessaria e imanente que nfo se deixa eliminar. Para essa con- cepcao do Direito Constitucional, esta configurada permanen- temente uma situacdo de conflito: a Constituigao juridica, no que tem de fundamental, isto é, nas disposigdes nao propriamen- gu na_ praxis pi ‘undamentais do Estado, o poder da forca afigur: 2. Verfassungsiinderung und Verfassungswandlung (1906), p. 72. 10 te de indole técnica, sucumbe cotidianamente em face da Cons: tituigZo real. A idéia de um efeito determinante exclusivo da Constituicao real nao significa outra coisa senao a propria nepgae Gao da Constituicao jutidica. Poder-se-ia dizer, paraftaseando as conhecidas palavras de Rudolf Sohm, que o Direito Consti- tucional esta em contradicio com a propria esséncia da Consti+ tuigao. Essa negacao do direito constitucional importa na negacio do seu valor enquanto ciéncia juridica. Como toda ciéncia ju tidica, o Direito Constitucional é ciéncia normativa; Diferencia- se, assim, da Sociologia e da Ciéncia Politica enquanto cién- cias da tealidade. $e as normas constitucionais nada mais ex- pressam do que relagoes faticas altamente mutaveis, nao ha co- mo deixar de reconhecer que a ciéncia da Constituicao juridi- ca constitui uma ciéncia juridica na auséncia do dircitp, nao Ihe restando outra fungio senao a de constatar ¢ comentar os fatos ctiados pela Realpolitik. Assim, o Direito Constitucional ndo estatia a servigo de uma ordem estatal justa, cumprindo- lhe tao-somente a miseravel funcao — indigna de qualquer ciéncia— de justificar as relagdes de poder dominantes. Se a Ciéncia da Constituicio adota essa tese € passa a admitir a Cons- tituigéo real como decisiva, tem-se a sua descaracterizagao co- mo ciéncia normativa, operando-se a sua.conversao numa sim- ples ciéncia do ser. Nao haveria mais como diferenga-la da So- ciologia ou da Ciéncia Politica. Afigura-se justificada a negacao do Direito Constitucional, ¢ a conseqiiente negacao do préprio valor da Teoria Geral do Estado enquanto ciéncia, se a Constituigéo juridica expressa, efetivamente, uma momentanea constelagéo de poder; Ao. contrario, essa doutrina afigura-se desprovida de fundamento se se puder admitir que a Constituicao contém, ainda que de forma limitada, uma_forca propria, motivadora e ordenadora da vida do Estado. A questao que se apresenta diz respeito a forca normativa da Constituicao. Existitia, a0 lado-do poder determinante das relagées faticas, expressas pelas forcas politi- cas € sociais, também uma‘forca determinante do Direito Cons- titucional? Qual o fundamento e¢ o alcance dessa forca do Di reito Constitucignal? Nao seria essa forca uma ficc4o necessaria para o constitucionalista, que tenta criar a suposigaa de que o pvt le direito domina a vida do Estado, quando, na realidade, outra forcas mostram-se determinantes? Essas questdes surgem parti cularmente no ambito da Constituigao, uma vez que aqui ine- xiste, ao contrario do que ocorre em outras esferas da order juridica, uma garantia externa pata execucao de seus preceitos, O conceito de Constituigao juridica e a propria definigao da Ciéncia do Direito Constitucional enquanto ciéncia normativa dependem da resposta a essas indagacGes. 12 I- Uma tentativa de resposta deve ter como ponto de partir da o condicionamento reciproco existente entre a Constituigho © juridica e a realidade politico-sociab (1.). Devem ser considera: dos, nesse contexto, os limites e as possibilidades da atuagio da Constituigio juridica (2.). Finalmente, hao de ser investiga: dos os pressupostos de eficacia da Constituicao G.). 1. O significado da ordenagao juridica na realidade e em face dela somente pode ser apreciado se ambas — ordenacio ¢ realidade — forem consideradas em‘Sua relacZo, em seu inse- paravel _contexto, e no seu condicionamento reciproco. Uma analise isolada, unilateral, que leve em conta apenas um ou outro aspecto, nao se afigura em condigées de fornecer respos- ta adequada 4 quest&o. Para aquele que contempla apenas a ordenacao juridica, a norma ‘‘esté em vigor’’ ou ‘‘est4 derroga- da’; Nao ha outta possibilidade. Por outro lado, quem consi dera, exclusivamente, a realidade politica e social ou nao con- segue petceber o problema na sua totalidade, ou sera levado a ignorar, simplesmente, o significado da ordenagao juridica. A despeito de sua evidéncia, esse ponto de partida exige particular realce, uma vez que 0 pensamento constitucional do passado recente esta marcado pals isolamento entre norma ” ¢ realidade, como se constata tanto no positivismo juridico de Escola de Paul Laband e Georg Jellinek, quanto no ‘‘positivis- mo sociolégico’’ de Carl Schmitts. Os efeitos dessa concepcio 3. A questio. aqui apresentada sobre a fora nocmativa ni constitu inda- gacio da tcoria das fontes'juridicas. Nao € decisivo, assim, definir se princt- ios do dixeito suprapositivo podem integrar a ‘*Constituigao juridica’’. A problematica subsiste mesmo em caso de uma tesposta afitmativa, (1),(2) € (3) Ver t6picos a seguir 4, Expressivos exemplos dessa forma de pensar podem set identificados 1B = = (4 norma constitucional nao tem existéncia ainda nao foram superados. A -fadical separaclo. no plano cons- titucional, entre realidade e norma, entre ser (Sein) e dever ser (Sollen) nao Teva a qualquer avanco na nossa indagacao. Como _anteriormente_observado: a_separacao pode levar a dima confirmagdo, confessa ou ndo, da tese que aitibut-exclusi va forca determinante is rclacées fiticas.. Eventual énfase nu- ma ou noutra direcao leva quase inevitavelmente aos extremos de uma norma despida de qualquer elemento da realidade ou de uma realidade esvaziada de qualquer elemento normati- | vo. Faz-se mister encontrar, portanto, um caminho entre o abandono da canmnatiaidadeicm fiver do dominio das relacées ) faticas, de_um lado, e a normatividade despid: quer { elemento da realidade, de outro. Essa via somente podera ser encontrada se se renunciat a possibilidade de responder as in- dagag ross 's formuladas com base numa rigorosa alternativa. = da tealidade. A sua « : situacao por ela regul i ‘tconcretizada na realida- de. Essa pretensao de eficacia (Geltungsanspruch) nao pode ser sepatada das condicées histéricas de sua realizagao, que ) db em P. Laband, Das Staatsrecht des Deutschen Reiches (5a. ed. 1911) I p. IX s.; G. Jelinek, Allgemeine Staatslehre (32. ed. 1921) p. 20, 50 s.; C. Schmitt, Verfassungsiehre (1928), p. 22 s. 5. Cf. v.g. G. Leibholz, Verfassungsrecht und Verfassungswitklichkcit, edi- go teduzida, agora, in: Strukturprobleme der modernen Demokratie (1958), p. 279 s.; H. Ehmke, Grenzen der Verfassungsinderung (1953), p. 33; Chr. Graf v. Crockow, Die Entscheidung (1958), p. 65 s 6. V.g.: G. Jellinek, VerfassungsAnderung und Verfassungswandlung, cit., € Allgemeine Staatslehre, p. 359; C. Schmitt, politische Theologie (22. ed. 1934), p. 18 s. — Quanto a cttea a0 Fotmalismo ¢ 20 Posiivsmo, © necessatio foi dito ja a Epoca de Weimar, principalmente por E. Kauf- mana, R, Smend, H. Heller ¢ G. Holstein. C£., a propésito, as referéncias bibliograficas indicadas na nota 7 e, particularmente, ainda H. Heller, Be- merkungen zur staats- und rechtstheoretischen Problematik der Gegenwart, AOR NF 16 (1929), p. 321 s., em especial p. 343 s. 14 ‘auténoma em face ke le esto, de diferentes formas, numa relacio de interdependéncia, criando regras proprias que nao podem ser desconsidetadas. Devem ser contempladas aqui as condigGes naturais, técnicas, econdmicas, ¢ sociais. A pretensao de eficacia da norma juridi- ca somente sera realizada se levar em conta essas condic6 Ha de ser, igualmente, contemplado o substrato espiritual que se consubstancia num determinado povo, isto é, as concepgdes sociais concretas ¢ o baldrame axiolégico que influenciam de- cisivamente a conformacao, 0 entendimento e a autoridade das proposigdes normativas. Mas, — esse aspecto afigura-se decisive, — a_pretensio de eficacia de uma norma constitucional nao se’confunde com as condigGes de sua realizacao; a pretensao de_eficdcia associ _se a essas condi¢des como elemento auténomo. A Constitui¢ nao configura, portanto, apenas expressao de um ser, mag tam- bém de um dever ser; ela significa mais do que o simples tefle- xo das condicées faticas de sua vigéncia, particularmente as fo! gas sociais € politicas. Gracas a pretensao de eficacia, a Consti- tuicao procura imprimir ordem e conformacao a realidade poli- tica e social. Determinada pela realidade social e, ao mesmo tempo, determinante em relacdo a ela, nao se pode definir co- mo fundamental nem a pura normatividade, nem a simples eficicia das condigées sécio-politicas e econdmicas. A forca con- dicionante da realidade ¢ a normatividade da Constituigao po- dem ser diferencadas; elas nao podem, todavia, ser definitive, mente separadas ou confundidas. 2. Para usar a terminologia acima referida, ‘‘Constituigao teal’’ e ‘‘Constituicao juridica’’ estao em uma relagao de coor- denagaior. Elas condicionam-se mutuamente, mas nao _depen- dem, pura e simplesmente, uma da outra. Ainda que nao de forma absoluta, a Constituicao juridica tem significado pré- _ptio. Sua pretensao de eficdcia apresenta-se como elemento au- ténomo no campo de forgas do qual resulta a realidade do Es- 7. A despeito de todas as diferencas de ponto de vista, essa concepgio da estrutura_do direito no se perdeu no passado recente e no presente. Cf. vig. O. Gierke, Die Grundbegriffe des Staatsrechts und die neuesten Sta- atstheorien ZgesStW 30 (1874), p. 159; E. Huber, Recht und Rechtsverwir- klichung (2. ed., 1925), p. 31 segs; 281 segs; E. Kaufmann, Das Wesen des Vélkerrechts und die clausula rebus sic stantibus (1911) passim, especial 15 1 l tado. A Constituicao adquire forca normativa na medida em que logra realizar essa pretensio de eficacia. Essa constatac%o leva a uma outta indagacao, concernente as possibilidades e aos limites de sua realizagao no contexto amplo de interdepen- déncia no qual esta pretensao de eficacia encontra-se inserida. _ Como mencionado, a compreensio dessas possibilidades ¢ limites somente pode resultar da relag3o da Constituigao juri- dica com a realidade. Nao se trata, a evidéncia, de revelacao nova. Ela permanece uma obviedade pata a Teoria do Esta- do do Constitucionalismo, para a qual uma separacio entre a Constituigao juridica ¢ 0 Todo da realidade estatal ainda se afi- gura estranha. Se estou a analisar corretamente, esse entendi- mento encontra a sua mais clara expressdo nos escritos politi- cos de Wilhelm Humboldt. “‘Nenhuma Constituicao politica completamente funda- da num plano racionalmente elaborado — afirma Humboldt num dos seus ptimeiros escritos — pode lograr éxito; somen- te aquela Constituico que resulta ds luta do acaso poderoso com a racionalidade que se Ihe opde consegue desenvolver- se’’. Em outros termos, somente a Constituicéo que se vincu~: Je a uma situacao histérica concreta e ndicionantes, do- tada_de uma_ordenacdo juridica_orientada_pelos_parametros da tazao, pode, efetivamente, desenvolver-se. (...) “Cuida-se de uma conseqiiéncia — acrescenta ele — da natuteza comple- tamente singular do presente’’ (aus der ganzen Beschaffenheit der Gegenwart). ‘Os projetos que a razao pretende concreti- zat recebem forma e modificagao do objeto mesmo a que se ditigem. Assim, podem eles tornar-se duradoutos e ganhar uti- lidade. Do contrario, ainda que sejam executados, permane- cem eternamente estéreis... A taz4o possui capacidade para dar forma 4 matéria disponivel. Ela nao dispoe, todavia, de forca para produzir substancias novas. Essa forca reside apenas na natureza das coisas; a razio verdadeiramente sabia empres- mente p. 102 s., 107 s. 115, 125 s, 129 s.; idem, Untersuchungsausschug und Staatsgerichtshof (1920), p. 68; resumindo e particularmente impres- sionante, com certeza, com uma tendéncia fundamental para harmoniza- go: Kritik der neukantischen Rechtsphilosophie (1921) passim; D. Schin- dier, Verfassungsrecht und soziale Struktur (3a. ed., 1950); com particular 16 ae | ta-lhe estimulo, procurando dirigi-la, Ela mesma permanece modestamente estagnada, As Constituigées no podem set im: ostas aos homens tal como se enxertam rebentos em Arvores Re o tempo ¢€ a natureza nao atuaram previamente, é como se se pretendesse coser pétalas com linhas. O primeiro sol do meio-dia haveria de chamusc4-las’’s. Na monografia sobre a Constituigéo Alema, de dezembro de 1813, desenvolyeu Humboldt as seguintes reflexdes. ‘As Constituigdes, afirma, pertencem Aquelas coisas da vida cuja realidade se pode ver, mas cuja origem jamais podera ser to- talmente compreendida e, muito menos, reproduzida ou copia- da. Toda Constituicéo, ainda que considerada como simples construgdo teérica, deve encontrar um germe material de sua, forca vital no tempo, nas circunst4ncias, no_carater nacional, necessitando apenas de desenvolvimento. Afigura-se altamen- clareza: H. Heller op.cit. ¢ Staatslehre (1934) passim, particularmente, p. 184 s.; U. Scheuner, Beitrite der Bundestepublik zur europaischen Vertei- digungsgemeinschaft und Grundgesetz, Rechtsgutachten in: Der Kampf um den Wehrbeitrag II (1953), p. 101 s.; idem, Grundfrage des modernes States in: Recht, Staat und Wirtschaft III (1951), p. 134; J. Wintrich, Uber Eingenart und Methode verfassungsgerichtlicher Rechtsprechung in Verfassung und Verwaltung in Theorie und Wirklichkeit, Festschrift fiir Wilhelm Laforet (1952), p. 229; G. Diirig, Art. 2 des Grundgesetzes und die Generalermachtigung zu allgemeinpolizeilichen MaSnahmen, A6R 79 (1953/54), p. 67 s.; Idem, Der deutschem Staat im Jahre 1945 und sei- ther, Verdffenclichungen der Vereinigung der Deutschen Staatsrechtslehrer 13 (1955), p. 33 s.; G. Leibholz, Vertassungsrecht und Verfassungswirklich- keit, cit. p. 280 s. A teoria da integracao (Integrationslehre) esforca-se pa- ta realizar uma aproximagao entre norma ¢ fato e reduzir, assim, a necessi- ria tensdo entre ambos, tal como ressaltado por R. Smend (Artikel'‘Integra- tionslehre’’ in: Handwérterbuch der Sozialwissenschaften, V, p. 301), na medida em que ela vislumbra o problema como uma ‘‘questZo concernen- te 4 substincia especifica do Estado como objeto de disciplina juridica na Constituicgao’’ (R. Smend, Verfassung und Verfassungsrecht in: Staatsrecht- liche Abhandlungen (1955), p. 188). 8. Ideen der Staatsverfassung, durch die neue franzdsische Konstitution ve- ranlaBt (1791), Ges. Schriften, organizado pela Preussische Akademie det Wissenschaften I (1903), p. 78 (Grifos meus). 17 te prec&rio pretender concebé-la com base, exclusivamente, ‘nos principios da tazio € da experiéncia ( fom ssa asseftivas, logrou Humboldt explicitar os limi- tes da forca normativa da Constituicéo. Se ndo quiser permane- cer ‘‘eternamente estéril’’, a_Constituicao — entendida aqui como ‘‘Constituigao juridica’” — nao deve procurar construir “ o Estado de forma abstrata e te6rica. Ela nao logra produzir nada que ja nao esteja assente na natureza singular do presen- te (indivi luelle Beschaffenheit der Gegenwart). Se lhe faltam esses_pressupostos, a Constituic¢go ndo pode emprestar “for- ma e modificacio”’ 4 realidade; ond forca a ser des- pertada — forca esta que decorre da natureza das coisas — nao pode a Constituigéo emprestar-The diregao; se as leis cultu- tals, sociais, politicas € econédmicas imperantes sao ignoradas ela Constituicdo, carece ela do imprescindivel germe de sua)? orca vital. A disciplina normativa contraria a essas leis nao lo- gra concretizar-se. - Definem-se, a0 mesmo tempo, a natureza peculiar e a possivel amplitude da forca vital ¢ da eficdcia da Constituigao. ‘A norma constitucional somente logra atuat se procura cons- truir o futuro com base na natureza singular do presente. Tal como exposto por Humboldt alhures, a norma constitucional mostta-se eficaz, adquite poder e prestigio se for determinada pelo principio da necessidade». Em outras palavras, a forca vi tal ea eficacia da Constituigéo assentam-se na sua vinculagao as forcas espontaneas e 4s tendéncias dominantes do seu tem- ~” po, 0 que possibilita o seu desenvolvimento e a sua ordenacao objetiva. A_Constituicdo converte-se, assim, na_ordem ‘geral objetiva do complexo de relacdes da vida. 9. Ges. Schriften 11. p. 99. 10. Ideen zu einem Versuch, die Wirksamkeit des Staates zu bestimmen, Ges. Schriften I, p. 244, 245; Vgl. auch Denkschrift tiber Preudens stindis- che Verfassung (1819) Ges. Schriften 12, 232. 18 _pCon: Mas, a forca normativa da Constituicdo nao reside, to-so~ menie, na adapracao inteligente_a uma _dada_tealidades. A’, ituigao juridica logra converter-se, ela mesma, em fora que se assenta na natureza singular do presente (/adivi- ai tiva, “duelie Beschaftenheit der Gegenwart). Embora a Constituigao no possa, por si s6, realizar nada, ela pode impor tarefas, A Constituigao transforma-se em forga ativa se essas tarefas forem efetivamente realizadas, se_existir a disposicgio de orientar_4 -* propria conduta segundo a ordem nela estabelecida, se, a des ¥ peito de todos os questionamentos e reservas provenientes dos juizos de conveniéncia, se puder identificar a_vontade de con cretizar essa ordem. Concluindo, pode-se afirmar que a Consti- tuicao converter-se-4 em forca ativa se fizerem-se presentes, na consciéncia geral — particularmente, na consciéncia dos prin- cipais responsaveis pela ordem constitucional —, 140 36-4 Von- tade de poder (Wille zur Macht), mas também a vontade de Constituigao (Wille zur Verfassung). —~——~—~SOSC*~S~S~S ~~Essa_vontade de Constituicio orjpina-se- de trés_vertentes diversas. Baseia-se_ma_compreensao da _necessidade ¢ do va-[ ) lor de ‘uma ordem normativa inquebrantavel, que proteja o Estadscontraoaibittiodesmedido e disfarme. Resi- gp ) de, igualmente, na compreensao de que essa ordem constitui- da € mais do que uma ordem legitimada pelos fatos (e que, jor isso, necessita de estar em constante processo de fepitimacio). Assenta-se também na consciéncia de que, ao contratio do que se dé com uma lei do pensamento, essa 11. Com acerto observa G. Ritter sobre esse pensamento de Humboldt, que, estranhamente, nele se encontra muito pouco sobre uma vontade cria: tiva ‘capaz de estabelecer grandes metas ¢ de lutar para a superacio de re- titénets, De qualquer forma, cogita-se muito mais de uma. inteligente adequacio a uma realidade (Stein - II - p. 260). Também R. Smend (Arc Integrationslehre, p. 301) ressalta enfaticamente os perigos de uma concep- do constitucional que enfatiza, unilatcralmente, o significado das leis ima- entes da matéria e que empreste pouco significado & vontade de conformacio. 19 Bi prdem no logra ser eficaz sem 0 concurso da yontade huma- ‘na. Essa ordem adquire e mantém sua vigéncia através de atos de_vontades, Essa vontade tem conseqtiéncia porque a vida do Estado, tal como a vida humana, nao esta abandonada 4 acio surda de forcas aparentemente inelutaveis. Ao contrario, todos nds estamos permanentemente convocados a dar confor- macio 4 vida do Estado, assumindo e resolvendo as tarefas por ele colocadas. Nao perceber esse aspecto da vida do Estado re- presentaria um perigoso empobrecimento de nosso pensamen- to. Nao abarcariamos a totalidade desse fendmeno e€ sua inte- gral e singular natureza. Essa natureza apresenta-se nado ape- nas como problema decorrente dessas circunstancias inelutaveis, mas também como problema de determinado ordenamento, isto €, como um problema normativo. 3. A forga que constitui a esséncia e a eficdcia da Consti- ‘tui¢ao reside na natureza das coisas, impulsionado-a, conduzin- do-a e transformando-se, assim, em forca ativa. Como demons- trado, dai decorrem os seus limites. Dai resultam também os Pfessupostos que permitern 4 Constituicao desenvolver de for- ma 6tima a sua forca normativa. Esses pressupostos referem- se tanto ao contetido da Constituicéo quanto 4 praxis constitu- cional. Tentarei enunciar, de forma resumida, alguns desses re- quisitos mais importantes. a) Quanto mais 0 contetido de_uma Constituicdo lograr corresponder a natureza singular do presente, tanto mais segu- to ha de ser o desenv. ito de sua forca normativa. Tal como acentuado, constitui requisito essencial da forca normativa da Constituicao que ela leve em conta nio sé os cle- mentos sociais, politicos, ¢ econdmicos dominantes, mas tam- bém que, principalmente, incorpore o estado espiritual (geistige Situation) de seu tempo. Isso lhe ha de assegurar, enquanto ordem adequada e justa, 0 apoio e a defesa da consciéncia geral. Afigura-se, igualmente, indispensavel que a Constituigao mostre-se em condigdes de adaptar-se a uma eventual 12. H. Heller, ASR NF 16, p. 341, 353. 20 “z mudanca dessas condicionantes. Abstraidas as disposicées de indole técnico-organizatéria, ela deve limitar-se, se possivel, ao estabelecimento de alguns poucos principios fundamentais, cujo contetido especifico, ainda que apresente caracteristicas novas em virtude das céleres mudangas na realidade s6cio-poli- tica, mostre-se em condigées de ser desenvolvido». A ‘‘constitu- cionalizacao’’ de interesses momentaneos ou particulares exi-_ ge, em _conttapartida, uma constante revisac al, com a inevitavel desvalorizagdo da forca normativa da Consti- tuigdo. ~ a —"Finalmente, a Constituigaéo nao deve assentat-se numa es- trututa unilateral, se quiser preservar a sua forca normativa num mundo em processo de permanente mudanga politico-so- cial. Se pretende preservar a forca normativa dos seus princi- pios fundamentais, deve ela incorporar, mediante metigulosa ponderagio, parte da estrutura contréria. Direitos fundamen: tais nado podem existir sem deveres, a diviséo de poderes hi de pressupor a possibilidade de concentragao de poder, o fede- ralismo nao parle subsistir sem uma certa dose de unitarismo, Se a Constituigdo tentasse concretizar um desses principios de forma absolutamente pura, ter-se-ia de constatar, inevitavel- mente — no mais tardar em momento de acentuada crise — jue ela ultrapassou os limites de sua forga normativa. A reali- dade haveria de pér termo 4 sua normatividade; os principios ane ela buscava concretizar estariam irremediavelmente derro- gados. b) Um étimo desenvolvimento da forca normativa da Cons- tituigéo depende nfo apenas do seu contetido, mas também de sua praxis. De todos os participes da vida constitucional, exige-se partilhar aquela concepgao anteriormente por mim denominada vontade de Constituigao (Wille zur Verfassung). Ela € fundamental, considerada global ou singularmente. Todos os interesses momentaneos — ainda quando realiza- dos — nao logram compensar o incalculavel ganho resultante do comprorada respeito 4 Constituigao, sobretudo naquelas 13. O fato de a Constituigao americana estar assentada nesse principio con- figura nao a tinica, mas, certamente, a fonte essencial de sua incomparavel vitalidade. 21 a situagées em que a sua obseryancia revela-se incémoda. Co- mo anotado por Walter Burckhardt, aquilo que é identificado como vontade da Constituigao ‘‘deve ser honestamente preser- vado, mesmo que, para isso, tenhamos de renunciar a alguns beneficios, ou até a algumas vantagens justas. Quem se mostra -disposto a sacrificar um interesse em favor da preservacdo de um principio constitucional, fortalece o respeito 4 Constituicéo € garante um bem da vida indispens4vel 4 ess¢ncia do Estado, mormente ao Estado democratico’’. Aquele, que, ao contrario, ‘nd be dispoe a cise sactitico, “imalbaratis pouco a pouch: um capital que significa muito mais do que todas as vanta- gens angariadas, e que, desperdicado, nao mais ser recuperado’’«. Igualmente perigosa pata forga normativa da Constituigao afigura-se a tendéncia para a freqiiente revisdo constitucional sob a alegacdo de suposta e inarteddvel necessidade politica. Cada reforma constitucional expressa a idéia de que, efetiva ou aparentemente, atribui-se maior valor as exigéncias de indo- le fatica do que a ordem normativa vigente. Os precedentes aqui sao, por isso, particularmente preocupantes. A freqtiéncia das reformas constitucionais abala a confianga na sua inquebran- tabilidade, debilitando a sua forca normativa. A estabilidade , constitui condicéo fundamental da eficacia da Constituicao. —/ Finalmente, @ interpretacao tem significado decisivo para 4 consolidacdo e preservacao da forca normativa da Constitui- a0. A interpretacao constitucional esté submetida ao principio da_6tima conctetizacio da_notma (Gebot optimaler Verwit- klichung der Norm). Evidentemente, esse principio nio_pode ser aplica b: s Meios fornecidos pel: fio 16- gica e pela_construcio conceitual. Se o direito e, sobretudo, a Constituicao, tém a sua eficacia condicionada pelos fatos con- cretos da vida, nao se afigura possivel que a interpretacdo faca deles tabula rasa. Ela ha de contemplar essas condicionantes, correlacionando-as com as proposigées normativas da Constitui- sao. A interpretagao adequada ¢ aquela que consegue concretizar, 14. Walter Burckhardt, Kommentar der schweizerichen Bundesverfassung (3a. ed., 1931) p. VIII. 22 de forma excelente, o sentido (Sinn) da proposicao normativs , “dentro das condigées reais dominantes numa detetminada si: tuagios Em outras palavras, uma mudanga das relacgdes faticas po- de — ou deve — provocar mudangas na interptetacgao da Cons- tituigdo. Ao mesmo tempo, o sentido da proposicao juridica estabelece o limite da interpretacdo e, por conseguinte, o limi- te de qualquer mutacio normativa. A finalidade (lelos) de uma proposicao constitucional e sua niti rer ativa zo devem set sactificadas em virtude de uma mudanga da si-__ tuagao. Se o sentido de. urfia proposicéo normativa ndo pode mais ser realizado, a revisdo constitucional afigura-se inevita- vel. Do contrario, ter-se-ia a suptessio da tensao entre norma ¢ realidade com a suptessio do prope direito. Uma interpre- taco construtiva € sempre possivel € necessatia dentro desses limites. A dindmica existente na interpretagao construtiva cons- titui condicZo fundamental da forca notmativa da Constituigao ¢, pot conseguinte, de sua estabilidade. Caso ela venha a fal- tar, tornar-se-4 inevitavel, cedo ou tarde, a ruptura da situagio juridica vigente. 23 5 / ‘ / / Batak, Q wf © AI / 1. Em sintese, pode-se/afirmar: a Constituigao juridica esta condicionada pela realidade hist6rica. Ela nao pode ser separa- da da realidade concreta de seu tempo. A pretensio de efica- cia da Constituigao somente pode ser realizada se se levat em conta essa realidade. A Constituicao juridica nao configura ape- has a_expressio de uma dada tealidade. Gracas ao elemento normatiyo, ela otdena e conforma a realidade politica e social. As possibilidades, mas também os limites da forca normativa da { onstituicao resultam da correlacdo entre ser (Sein) e dever ser (Sollen). A Constituigzo juridica logra conferir forma e modificagao a realidade. Ela logra despertar ‘‘a forca que reside na nature- za das coisas’’, tornando-a ativa. Ela propria converte-se em forca ativa que influi e determina a realidade politica e social. Essa forga impe-se de forma tanto mais efetiva quanto mais ampla for a convicc4o sobre a inviolabilidade da Constituicao, quanto mais forte mostrar-se essa convicgdo entre os principais responsaveis pela vida constitucional. Portanto, a, inpenailade da forca normativa da Constituicdo-apresenta-se, €m primeiro > plano, como uma questao de vontade normativa, de vontade de Constituicto (Wille zur Verfusung) nn ~_ Constatam-se os limites da forca notmativa da Constitui- ¢40 quando a ordenacao constitucional nao mais se baseia na natureza singular do presente (individuelle Beschaffenheit der Gegenwart). Esses limites nao sao, todavia, precisos, uma vez que essa qualidade singular é formada tanto pela idéia de vontade de Constituicio (Wille zur Verfassung) quanto pelos fatores sociais, econémicos e de outra natureza. Quanto mais intensa for a vontade de Constituicgao, menos rant hao de ser as restrigées € os limites impostos 4 forca normativa da Constituicgao. “A vontade de Constituigéo nao € capaz, porém, de suprimir esses limites. Nenhum poder do mundo, nem mesmo a Constituic4o, pode alterar as condicionantes naturais. Tudo depende, portanto, de que se conforme a Constituicio $ é 24 a esses limites. Se os pressupostos da forca normativa encontra- tem correspondéncia na Constituigao, se as forcas em condi- ges de viola-la ou de alteré-la mostrarem-se dispostas a ren- der-lhe homenagem, se, também em tempos dificeis, a Consti- tuicio lograr‘preservar a sua forca normativa, entao ela configu- ra verdadeira forca viva capaz de proteger a vida do Estado con- tra as desmedidas investidas do arbitrio. Nao é, portanto, em tempos tranqiiilos e felizes que a Constituicggéo normativa vé- se submetida 4 sua_prova de forca. Em verdade, esta prova da-se nas situagdes de emergéncia, nos tempos de necessidade. Em determinada medida, reside aqui a relativa verdade da co- nhecida tese de Carl Schmitt segundo a qual o estado de ne- cessidade configura ponto esse: a catacterizacao da for- ‘a normativa da Constituigao. Importante, todavia, nao € veri- Hear, exatamente durante o estado de necessidade, a superigri- dade dos fatos sobre o significado secundario do elemento nor- mativo, mas, sim, constatar, nesse momento, a superioridade da norma sobre as citcunstancias faticas. 2. Tudo isso nao significa mais do que uma primeira orienta- ¢40 basica em relagio aos problemas anteriormente enunciados. Essa orientacdo fornece, porém, uma tesposta prévia as ques- tées colocadas. A Constituicado juridica nao significa simples pedago de papel, tal como caracterizada por Lassalle. Ela nao se afigura ‘‘impotente para dominar, efetivamente, a distribui- ao de poder’, tal como ensinado por Georg Jellinek e como, hodiernamente, divulgado po um naturalismo € sociologis- mo que se pretende cético, A Constituigao nao esta desvincula- da da realidade histérica concreta do seu tempo. Todavia, ela nao esta condicionada, simplesmente, por essa realidade. Em ca- so de eventual conflito, a Constituigéo nao deve ser considerada, necessatiamente, a patte mais fraca. Ao contrario, existem pressu- postos realizaveis (realizierbare Voraussetzungen) que, mesmo em caso de confronto, permitem assegurar a forca normativa da Constituigéo. Somente quando esses pressupostos nao puderem ser satisfeitos, dar-se-4 a conversio dos problemas constitucionais, enquanto questées juridicas (Rechtsfragen), em questées de poder (Machtftagen). Nesse caso, a Constituicao juridica sucumbira em face da Constituicao real. Essa constataca0 nao justifica que se ne- ad 25 ao gue 0 significado da Constituicao juridica: o Direito Constitucio- nal ndo se encontra em contradicao com a natureza da Constituicao. Portanto, o Direito Constitucional nao esta obrigado a abdi- cat de sua posicao enquanto disciplina cientifica. Se a Constitui- do juridica possui significado proprio em face da Constituicao re- al, nao se pode cogitar de perda de legitimidade dessa disciplina enquanto ciéncia juridica. Ele nfo ¢ — no sentido estrito da So- ciologia ou da Ciéncia Politica — uma _ciéncia da realidade. Nao € mera ciéncia normativa, tal como imaginado pelo positivismo formalista. Contém essas duas caracteristicas, sendo condicionada tanto pela grande dependéncia que 0 seu objeto apresenta em re- lacao a realidade politico-social, quanto pela falta de uma garan- tia externa para a observancia das normas constitucionais. Em ver- dade, esse fato mostra-se mais evidente na Ciéncia do Direito Constitucional do que em outras disciplinas juridicas. A intima conexio, na Constituicéo, entre a normatividade e a vinculacio do direito com a realidade obriga que, se no quiser faltar com 0 seu objeto, o Direito Constitucional se conscientize desse condi- cionamento da notmatividade. Para que as suas proposigdes te- nham consisténcia em face da realidade, ele nao deve contentar- se com uma complementagao superficial do ‘‘pensamento juridi- co figoroso”” através da adogdo de uma petspectiva hist6rica, so- cial, econdmica, ou de outra indole». Devem ser examinados to- dos os elementos necessitios atinentes as situagdes e forcas, cuja atuacdo afigura-se determinante no funcionamento da vida do Estado. Por isso, 0 Direito Constitucional depende das ciéncias da realidade mais proximas, como a Hist6ria, a Sociologia ¢ a Eco- nomia. Isso significa que o Direito Constitucional deve preservar, modestamente, a consciéncia dos seus limites. Até porque a forca normativa da Constituicao € apenas uma das forcas de cu- ja atuacao resulta a tealidade do Estado. E esta forga tem limi- tes. A_sua eficicia. depende da satisfaglo_dos_pressupostos_aci- ma enunciados. Subsiste pata o Direito Constitucional uma enor- me tatefa, sobretudo porque a forca normativa da Constitui- Go nao esta assegurada de plano, configurando missio que, somente em determinadas condigées, poder ser realizada de 15, R. Smend, Art, “Integrationslehre"’, p. 300. 26 ze i forma excelente. A concfetlzaglo plena da forca normativa cons titui meta a ser almejada pela Ciéncia do Direito Constitucio- nal. Ela cumpre seu mister de forma adequada nao quando procura demonstrar que as questdes constitucionais sio ques- tées do poder, mas quando envida esforgos para evitat que clas se convertam em questées de_ poder (Machtfragen). Em outros termos, o Direito Constitucional deve explici- tar as condigdes sob as quais as normas constitucionais podem adquirir a maior eficdcia possivel, ptopiciando, assim, o desen- volvimento da dogmiatica e da interpretacao constitucional. Portanto, compete ao Direito Constitucional realgar, despertar e presetvar_a vontade de Constituigao (Wille zur Verfassung), que, indubitavelmente, constitai a maior garantia de sua fire a normativa». Essa orientacdo torna imperiosa a assungao de uma visio critica pelo Direito Constituctonal, pois nada seria mais perigoso do que permitir o surgimento de ilusdes” sobre questées fundamentais para. a vida do Estado. 16. W. Hennis ressaltou, corretamente, que, em face do fascinio exercido pela frsa notmativa das telagoes fies, cabe 3 ciéncia a misao de ‘“recor- at 0 significado da forca normativa da Norma’ (Meinungsforschung und reprisentative Demokratic (1957) p. 52: Cf. também W. Kagi, Rechisfra- gen der Volksinitiative auf Partialrevision, in: Vethandlungen des Schweize- fischen Juristenvereins, (1956), p. 741 s. 27 -Iv- Tendo tido oportunidade de conscientizar-nos dessa pro- blematica, tentarei, finalmente, demonstrar a sua relevancia com base na anilise da ordem constitucional vigente. Pode-se imaginar que o status dominante repudia, de for- ma clara, todo ¢ qualquer questionamento da Constituicdo ju- tidica. Em verdade, existem elementos que tessaltam 0 pecu- liar significado attibuido a Constituigao juridica na vida do Estado moderno. A politica i interna afigura-se, em prande me- dida, ‘‘juridicizada’’. A argumentagao e€ discusso constitucio- nal assumem particular significado tanto na relacdo entre a Uniao e os Estados, quanto na relacdo entre diversos érgios estatais e suas diferentes funcées. Embora elas parecam, por natureza, refratarias a uma regulamentacao juridica, até mes- mo as forcas jue imprimem movimento e direcao a vida politi ca — os partidos politicos — estao submetidas 4 ordem consti- tucional. Os principios basilares da Lei Fundamental nao po- dem ser al lterados mediante revisao constitucional, cot ‘etindo preeminéncia ao principio da Constituico juridica sobre o pos- tulado_da soberania popular (I). O significado superior da Constituicao normativa manifesta-se, finalmente, na quase il mitada competéncia das Cortes Constitucionais — principio ate entao desconhecido —, que estao autorizadas, com base ern: Pardmestros juridicos, a proferir a tltima palavra sobre os conflitos constitucionais, mesmo sobre questdes fundamentais da vida do Estado. A Constituigao nao ficou limitada a esses aspectos. Até mesmo no ambito do Direito Civil, que antes parecia rigorosamente isolado, assegura-se-lhe, através da juris- digéo dos Tribunais Federais, uma posi¢ao de relevo. Todo esse complexo nao deve set subestimado. Nés nao devemos, todavia, olvidar que estamos colocados, de forma particular, diante do problema trelativo 4 forca normativa da Constituigao. Tal como acentuado, a forca normativa da Cons- tituicdo depende da satisfacio de determinados ressupostos atinentes 4 praxis e ao contetido da Constituigdo. Esses pressu- postos nao pax ainda totalmente satisfeitos. (DV. nota do Tradutor no final do livro. 28 Aquela posigéo por mim designada yontade de Consti offo (Wille zur Vertassung) efigeteac dec Biv pafaaptian cops: titucional. Ela € fundamental, considerada global ou singu mente. O observador critico nao poderd negat a impressao de que nem sempre predomina, nos dias atuais, a tendéncia de sactificar interesses particulares com vistas 4 preservacio de «& um _postulado constitucional; a tendéncia parece encaminhar- se para 0 malbaratamento no varejo do capital que existe no fortalecimento do tespeito 4 Constituigao. Evidentemente, cs- sa tendéncia afigura-se tanto mais perigosa se se considera que a Lei Fundamental nao esta plenamente consolidada na cons ciéncia geral, contando apenas com um apoio condicional: . Nao menos significativo afigura-se 0 questionamento di forca normativa de varias disposicdes constantes da Lei Fund mental. Muitas vezes foram ressaltadas as tensdes existentes en- tre o Direito Constitucional a realidade constitucional fo sis- tema da Reptiblica Federal da Alemanha». O exemplo mais conhecido — ainda que n4o constitua exemplo fundamental refere-se ao art. 38, | da Lei Fundamental, no qual se estabele- ce que os deputados do Parlamento alemao sao representantes de todo 0 povo, ‘nao estando vinculados a ordens ou instru- gGes». Embora passe muitas vezes despercebido, o perigo do divércio entre o Direito Constitucional e a realidade amea- ca um clenco de principios basilares da Lei Fundamental, par- 17. As céticas observagdes de W. Kagi(op. cit. p. 762 € s.) demonstram que essa constatacio expressa uma tendéncia geral, que nao se limita a Re publica Federal da Alemanha ¢ a sua pouco tradicional Constituigao. Ante tiormente, H.Huber, Niedergang des Rechts und Krise des Rechtsstaates, in: Demokratie und Rechtstaat, in: Festgabe fiir Z. Giacometti (1955) p. 71 segs c, particularmente, W. Kagi, Die Verfassung als rechtliche Grund: ordnung des Staates (1945), p. 9's. 18. Cf. particularmente W. Weber, Spannungen und Krifte im westdeutschen Verfassungssystem (2a. ed., 1958). 19. A propésito, Cf. sobretudo: G. Leibholz, Der Strukturwandel der mo: dernen Demokratie: in Strukturprobleme p. 78 segs; especialmente p. 112, Nao se considera, todavia, que o art. 38 I da Lei Fundamental deve desem: penbar uma nova e essencial fungio na moderna democracia instituida pe- la Constituicao. Ele nao esta em contradigao com o art. 21, senao que cori figura uma conseqiéncia desse dispositivo, particularmente do seu parigra: 29 ticularmente o postulado da liberdade. Este se torna um sério problema no contexto da profunda mudanga de concepgao de vida do homem moderno, resultante das condigdes impostas pela sociedade industrial». Aqui se encontra o presente confrontado, em toda profun- didade, com a indagacao sobre a efetividade das normas juridi- cas no contexto de uma realidade dominada por correntes € tendéncias contraditérias. O questionamento da Constituigio nfo decorte de um estado de anormalidade. Ao contratio da Constituigéo de Weimar, a Lei Fundamental (Grundgesetz) — promulgada numa época de inesperado desenvolvimento cco- némico e sob a influéncia de relagées politicas relativamente estaveis — nao foi submetida a uma prova de forcga. Como re- ferido, as situages de emergéncia no 4mbito politico, econd- mico ou social configuram a maior prova desse tipo para a for- ¢a normativa da Constituicao, uma vez que elas nao podem ser resolvidas com base no exercicio das competéncias conven- cionais previstas na Constituicéo. A Lei Fundamental (Grund- gesetz) nao esta preparada para esse embate fo 1°, 3° perfodo, na medida em que assegura a democracia interna nos partidos, garantindo o desenvolvimento intrapartidario ¢ o processo de li- vic formasio de opinizo pablica Esse aspecto foi ressaltado por O. Kirch- heimer (Parteistruktur und Massendemokratie in Europa, AGR 79 (1953/54), p. 310 s., 315 s.) : 20. A propésito, principalmente, H. Freyer, Das soziale Ganze und die Freihet der Einzelner unter den Bedingungen des industriellen Zeitalters {1957} E. Rechnet, Die soziologische Grenze der Grundrechte (1954), R. uatdini, Das Ende der Neuzeit (1950), p. 66 s. 21. Cf. a propésito: K. Hesse, Ausnahmezustand und Grundgesetz, D6V 1955, 741 s. A ctitica desse artigo por A. Hammann (Zur Frage eines Aus- nahme- oder Staatsnotstandsrechts, DVBI. 1958, p. 405 segs) nao levou em conta os objetivos visados por esse trabalho. Trata-se de uma tentativa de esclarecer a problematica fundamental ¢ suscitar discusséo a propésito, antes de examinar questécs particulares. Por isso, fiz, na introducao do tra- balho, uma apresentacao exemplificativa e nao um catdlogo exaustivo das possiveis situagées de emergéncia, acentuado que, hodietnamente. Esses €asos ndo se deixam mais determinar previamente(p. 741 s.). Nao me pare- ceu, portanto, decisivo emprestar uma detetminada conformacdo ao direi- to do estado de necessidade (Recht des Ausnahmezustandes), afigurando- se-me suficiente que o problema seja identificado ¢ levado a sério. 30 _ Em virtude da experiéncia colhida com o att. 48 da Cons» ttuicgao de Weimar, a Lei Fundamental (Grundgesetz) nao ado- tou qualquer clausula especial para o estado de necessidade. Para essas situagdes, dispde ela apenas de competéncias isola- das ¢ estritamente limitadas, que nao se afiguram suficientes para arrostar situacdes de perigo relativamente sérias*. A ques- téo_sobre o estado de necessidade nao precisava ser decidida definitivamente em 1949, uma vez que, nos termos do Estatu- to de Ocupagao, esse tema integrava as matérias reservadas A competéncia das Forgas de Ocupacao. Nos termos do art. 5° Il do Tratado sobre a Alemanha (Deutschlandsvertrag), essa re- serva somente haver4 de extinguir-se quando as autoridades alemas receberem a correspondente autorizacao legal, passan- do a dispor de condigdes para enfrentar sérios distarbios da se- guranca ou da ordem piblica (II). Essa autoriza Zo nao existe, subsistindo, portanto, a cfau- sula autorizativa da intervencao das Forcas de Ocupacao. Toda- via, ela somente deveria tornat-se atual em caso ode ui e- aga externa ou de uma agressao contra a Repiblfea Federal da Alemanha. Outros casos de ameaca para a ordem e seguranca publicas ou para a vida constitucional, decorrentes, por exem- plo, de profunda crise econdmica (wirtschaftlicher Notstand), nao foram contemplaclos; pelo menos em primeiro plano, pe- lo art. 5° do Tratado sobre a Alemanha (Deutschlandsverttag). Resta indagar se as trés Poténcias, eventualmente, farao uso de seu poder de intervengao. Nao se pode, portanto, negar qe. ressalvadas as excecées referidas, a Reptiblica Federal da lemanha nao dispde de um estatuto juridico sobre o estado de necessidade (III). Sem diivida, a existéncia de competéncia excepcional esti- mula a disposic¢ao para que dela se faca uso. Esse perigo exis- te. Maiores riscos poderao advir, todavia, da falta de coragem (II), (II) V. notas do Tradutor no final do livro. 22. Es ist eine Vetharmlosung, negar esse fato, como faz o A. Hammann (DVBI. 1958, 406); Nao deveriam ser desconsideradas aqui as experiéncias estrangeitas. Nao deve causar admiracéo que uma perspectiva limitada existéncia da norma acabe por escamoteat 0 problema di forca normativa da Constituigao. 31 de enfrentar o problema. Trata-se de um terrivel engano ima- ginar que, por nao ser espetada, uma ameaca nao se deveré concretizar. Caso se verifique essa situagdo, faltara uma disci- plina normativa, ficando a solugao do problema entregue ao poder dos fatos. As medidas eventualmente empreendidas po- deriam ser justificadas com base num estado de feces suptapositivo. Ressalte-se que o contetido dessa regra juri lica suprapositiva somente poderia expressar a idéia de que a neces sidade nao conhece limites (Not kennt kein Gebor). Tal propo- sicdo nao conteria, portanto, regulacdo normativa, nao poden- do, por isso, desenvolyer forca normativa. Assim, a rentincia da Lei Fundamental (Grundgesetz) a uma disciplina do esta- do de necessidade revela uma antecipada capitulacao do Direi- to Constitucional diante do podet dos fatos (Macht der Fak- ten). O desfecho de uma prova de forca decisiva para a Consti- tuicéo normativa nao configura, portanto, uma questao aber- ta: essa prova de forga nao se pode sequer verificar. Resta ape- nas saber se, nesse caso, a normalidade institucional sera resta- belecida e como se dar esse restabelecimento. . . Nao se deve esperar que as tenses entre ordenagao consti- tucional ¢ realidade politica € social venham a deflagtar sério conflito. Nao se poderia, todavia, prever o desfecho de tal em- bate, uma vez que os pressupostos asseguradores da forca nor- mativa da Constituigéo nao foram plenamente satisfeitos. A resposta a indagacdo sobre se o futuro, do nosso Estado € uma questo de poder ou um problema juridico depende da preser- vacio e do fortalecimento da forca normativa da Constiniucio, bem como de seu pressuposto fundamental, a vontade de Constituicao. Essa tarefa foi confiada a todos nés. 32 Notas do Tradutor (I) A Lei Fundamental consagrou, no art. 79, II, cldusula pé- trea que considera inadmissivel qualquer reforma constitucio- nal que pretenda introduzit alteragao na ordem federativa, modificar a participacao dos Estados no processo legislativo, ou suprimir os postulados estabelecidos nos arts. 1§ (invic lidade da dignidade humana) e 20 (estado republicano, fede: tal, democratico ¢ social, divisdo de poderes, regime represen- tativo, principio da legalidade). Segundo a jurisprudéncia da Corte Constitucional alema (Bundesverfassungsgericht), ess disposicao tem por escopo impedir que ‘‘a ordem constitucio- nal vigente seja destruida na sua substancia ou nos seus fuinda- mentos, mediante a utilizagéo de mecanismos formais, perm tindo a posterior legalizacao do regime totalitario’’ (BVerfG 30, 1 (24) (Cf. a propésito, nosso ‘Controle de Constituciona- lidade’’, S40 Paulo, 1990, p. 96, 100 s.). (II) Na declaragio de 27.09.1968 reconheceram as trés antigas Forgas de Ocupacao que, com a entrada em vigor da 17a. Emen- da a Lei Fundamental e da Lei que disciplina o sigilo de cor- respondéncias postais, das comunicagées telegrificas ¢ telefoni cas, tet-se-ia verificado a extingao do seu direito de intervengao c sobre o assunto, Hesse, Konrad, Grundztige des Ver- ‘assungsrechts, Heidelberg, 16. ed., 1988, p. 286, n§ 762). (IIT) Como ressaltado por Hesse, a Lei Fundamental nao esta- beleceu, inicialmente, um estatuto sobre o ‘‘Estado de necessi- dade’’. Limitou-se a disciplinar o chamado ‘‘Estado de neces- sidade interno”’ (innerer Notstand) (art. 37; art. 91). Compe- téncias mais amplas, nesse aspecto, foram asseguradas pela Re- forma Constitucional sobre a Defesa (Verteidigungsnovelle) de 19.03.1956. A Emenda Constitucional n° 17, de 24.06.1968 introduziu na Lei Fundamental a base de um estatuto do ‘‘Es- tado de necessidade’’, com a modificacao ou a introdugao de 28 artigos na Constituicao. O Estado de necessidade envolve: 33 ‘ (a) Estado de necessidade para afastar ameagas ou petigos adve- nientes de catstrofes, acidentes graves ou atentados contra «a ordem fundamental do Estado liberal-democratico, no plano federal ou estadual (innerer Notstand); (b) Estado de necessi- dade determinado por razGes externas (4uferer Notstand), nos casos de defesa (Verteidigungsfall) (LF, art. 115a par. 1° e 3°), tensdo externa (Spanungsfall) ( LF, art. 80a par. 1°), ou decisio da Organizacao Internacional de Defesa (Biindnisklau- sel) (LF, art. 80a par. 3°). Ademais, prevé-se, no art. 81, da Lei Fundamental, o estado de necessidade legislativo (Gesetz- gebungsnotstand), em caso de que mogao de confianca do Chanceler Federal nao seja aprovada pelo Parlamento (art. 68) €, mesmo assim, o Presidente da Republica nao determine a sua dissolucdo, configurando a necessidade de formagao de um Governo de Minoria. Nesse contexto, se um projeto de lei considerado urgente pelo Governo nao for aprovado pelo Parla- mento, podera o Presidente da Reptblica, com a aprovacao do Conselho Federal (Bundesrat), declarar 0 estado de necessi- dade legislativo. Nesse caso, rejeitado, uma vez mais, 0 proje- to de lei em aprego, aprovado com modificacdes consideradas inaccitaveis pelo Governo, ou ainda, se nao lograr o Parlamen- to concluir a deliberagdo sobre 0 projeto no prazo de 4 sema- fas, tet-se-4 por encerrada a sua tarefa, considerando-se a lei aprovada no casos de sua simples aprovacao pelo Conselho Fe- detal (Bundesrat) (LF, art. 81 par. 2°). 34

Você também pode gostar