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SENADO FEDERAL como Orgio Judiério. Ref: Doe. 27 Trata-se de recurso apreseniado por MIGUEL REALE JUNIOR, denunciante, e ALOYSIO NUNES FERREIRA, Senador da Repiblica e membro da Comissao Especial de Impeachment, contra a decisdo do Senador Raimundo Lira, Presidente da referida Comissao, que deferiu pedido da defesa de apresentar 48 (quarenta « oll testemunhas) no total, uma vez que considerou cada um dos decretos editados como fato autonome objeto de prova. Alegam os recorrentes, em sintase, que “os fatos objeto de relevancia para qualquer processo judicial nBo so simplesmente aqueles existentes no mundo fenoménico, mas sin aqueles que, por repercutirem no direito, so reconhecidos como fatos juridicas”. ‘Assim, continuam, o fato juridico, em sentido amplo, “compreende todo 0 acontecimento da vida que o ordenamento juridico considera relevante no campo do direito’. Com fundamento em tais conceites, afirmam que "o fato Juridico relevante para 0 presente processo diz respeito 20 descumprimento, pela denunciada, da lei orgamentéria anual por ‘meio da edigo de decretos sem nimero, como detalhadamente ‘explictedo na denincia, configurando crime de responsabilidad". Asseveram, entéo, que o “crime praticado pela denunciada nao 6 0 de editar decretos, mas sim 0 de desrespeitar a lei ‘orgamentéria vigente, deixande de perseguir a meta fiscal determinada por lei, 0 que realizou em diversos atos". ‘Aduzem, ainda, que “néo se pode perder de vista que @ descrigdo fatica contida na dendncia constitul evidente pratica do = ‘chamado crime continuado.” pee SENADO FEDERAL como Orgio Judeiirio Concluem, destarte, que a propria denunciada estruturou sua defesa com base em argumentos que trataram os decretos em conjunto, @ no separadamente, afigurando-se injustiicdvel, portanto, a oltiva de testerunhas para cada um deles. Pleiteiam, ao final, seja 0 recurso conhecido e provid para “limiter 0 ndmero de testemunhas a serem ouvides pela denunciada 2 8 (oito) por fato, ou sea, para as questées envolvendo a emissao dos decretos @ para as chamadas (pedaladas fiscais,, totalzando, assim, 0 niimero maximo de 16 (dezesseis) pessoas". E 0 relatério. Decido. Bem examinados os autos, ressalto, inicialmente, que o art 82, | © pardgrafo tnico, da Constitulgao Federal reservou ao Presidente do Supremo Tribunal Federal - sobretudo nesta segunda {fase do processo de impeachment - 0 papel de veriicar se 0s lindes legais e constitucionais, bem como se os principios insculpidos na Carta Magna, especialmente o da ampla defesa, estic ou néo ‘sendo observados pela Comissdo Especial. Trata-se, portanto, de aluagdo residual © circunscrita a aspectos estritamente procedimentais, sem ligagdo com o mérito da causa, uma vez que, neste momento, 0 juiz natural do feito 6, exclusivamente, a Comissio em apreco, composta por 21 (vinte © um) Senadores da Repiblica. De fato, 0 Presidente do Supremo © do proceso de impeachment somente assumira diretamente a coordenagéo dos. trabaihos, decidindo questdes incidentais, em uma eventual terceira fase do procedimento, na qual todos os integrantes do Senado. sero chamados a definir 0 destino da Presidente da Repiblica afastada. SENADO FEDERAL como Orgio Juiiiéria No entanto, por ora, a competénola recursal deve ser exercida ‘apenas para expungir do feito vicios e nulidades flagrantes que possam contaminar 0 julgamento como um todo. Feltas essas brevissimas consideragdes inicials, passo 20 ‘exame do mérito do recurso. No caso sob andlise, a Comisso Especial deterrinou quais, fatos devem ser analisados e fixou o numero de testemunhas @ ‘serem ouvidas para o esclarecimento de cada um deles, nos termos do que estabelece 0 art. 401 do Cédigo de Processo Penal, aplicado subsidiariamente a0 caso por deter art. 73 da Lel 1.079/50. Diante desse cenério, cumpre aqui to somente verificar se a ago expressa do decisdo recorrida tem amparo na legislago processual e, além disso, se desborda de uma interpretagao razodvel do texto legal dda propria Constituigo Federal. Para tanto, transcrevo, abaixo, trecho da manifestagao do ‘Senador Anténio Anastasia, Relator desta fase do procedmento: “E consolidado na doutrina & na jurisprudéncia que o niimaro de tastemunhas 6 por fato narrado na deniincia. Para um réu e um fato, portanto, cada parte pode arrolar até 8 testemunhas (art. 401 do CPP). Considerando: cada decreto um fato, a defesa extrapolou 0 nimero: legal. E necessério que a defesa adite a sua peca & indique as 8 testemunhas para ceda decreto. A necessidade de oltivas adicionais seré devidamente analisada no decorrer da instrugao, se fundamental para © convencimento desta Comissio. Neste momento, @ defesa deve se ater a0 nimero legal previsto no CPP.” No mesmo sentido, a manifestaggo do Presidente da Comissio, 0 Senador Raimundo Lira: SENADO FEDERAL como Orgho Judie “Primeiro cada decreto, realmente, 6 um fato. Sé0 5 decretos, 80 5 fatos. Hé e questao da equalizacao dos juros ou pedaladas, esse 6 0 sexto fato. So seis vezes olfo, 48", Tal raciocinio, com efeito, foi adctado em 1992, no julgamento do Ex-Presidente da Repiblica Fernando Callor de Mello perante o ‘Senado Federal. Em reuniéo da Comissdo Especial daquele impeachment, 0 entdo Presidente do colegiado, Senador Elcio Alvares, resolveu questo de ordem nes seguintes termos: "O SR. PRESIDENTE (Elcio Alvares) - Quanto 20 ‘niimero de testemunhas, respondo a V. Exa. de acordo ‘como art, 998: ‘Na instrugo co processo sero inquiridas no maximo olto testemunhas de acusagao até olto de defess corre que o Fresidente da Republica esté sendo processado por 4 crimes, tendo entéo direlto a 32 testemunhas, 8 por cada fato que esté sendo capitulado na dentincia. () tou respondendo @ questéo de ordem de V.Exa baseado no Céelgo de Processo Penal. Logicamento, da decisdo da Mesa compete recurso 20 Minisro. Sidney Sanches e 20s membros da Com. ‘Mio estamos discuinde, nesse momento, 0 parecer do Senader finténio Marz. E, em proiminar, respondendo @ ‘questfo de ordem de ViSia,, remeto ‘com 0 maximo respeito, para o art. 398 do Cédigo de Processo Penal, Que a Presidéncia passa a adotar a partr deste instante para elucidar qualquer duvida a respeito do numero de testemunhas. Esté resolvida a questéo de ordem™ (paginas. 1.020 © 1.021 dos autos do. processo de Impeachment contra 0 Presidente da Republica T° 12, *902). SENADO FEDERAL cama Gigi Indie Os recorrentes, como visto, desejam ver reformada decisio do Presidente da Comisso Especial, apontando que "o equivoco da deciséo ora recorrida se encontra presente diante da errénea interpretacio sobre o fato poste em discusséo neste proceso’, sustentando que 0 “crime praticado pela denunciada nao é o de editar decretos, mas sim 0 de desrespeltar @ lei orgamentéria vigente, deixando de perseguir a meta fiscal determinada por lei, 0 que realizou em diversos atos" (grfos meus). Pols bem, conforme referide acima, a interpretago sobre os falos em discusstio no processo cabe, exclusivamente, 20s, senhores Senadores integrantes da Comisséo Especial, que so os julzes naturals e diretos do feito e, portanto, os destinatérios da prova a ser produzida nesta segunda fase do processo de impeachment. ‘A Comissio, repito, formada pelos Julzes da causa nessa fase de processamento, por meio de seu Relator e do respectivo Presidente, exercendo a faculdade de aceitar ou rejeitar as provas, centendeu ser possivel e necessario ouvir 8 (oito) testernunhas por ‘cada fato que individualizou, para formar o seu convencimento, Vale lembrar, nesse passo, o que dispbem os arts. 400, § 1° e 411, § 2 do CPP, segundo os quals pode o juiz da causa indeferir {as provas consideradas irrelevantes, impertinentes ou protelatorias. © Supremo Tribunal Federal possul farta jurisprudéncia sobre 0 tema, a exemplo do RHC 120.551/MT, de minha relatoria. Conyém sublinhar que, no caso, os destinatarios da prova que ‘se pretende produzir por meio da oitiva de testemunhas séo os proprios Senadores, e no 0 Presidente do Supremo Tribunal ‘SENADO FEDERAL come Orgdo Jui Federal e do proceso de impeachment, que néo pode, ainda que ‘superficialmente, pronunciar-se sobre o mérito da causa. Ora, na espécie, a Comisséo Especial, por meio de seu Presidente, simplesmente exerceu a faculdade de aceitar as provas que entendeu necessérias @ pertinentes para 0 cabal cconvencimento dos Senadores, nao havendo que se falar em violagéio a0 Cédigo de Processo Penal e tampouco em ofensa 20 principio da razoabilidade. ‘Ao contrario, a deciséo recorrida prestou homenagem 20 principio da ampla defesa consagrado na Constituigio Federal © ‘do contrariou a lei ou a Carta Maior, porquanto apenas sinalizou que 2 Comissdo Especial pretende ouvir um certo nimero de testemunhas de defesa , consequentemente, os seus esclarecimentos sobre 0s fatos em debate nos autos. ‘Ademais, cumpre enfatizar que no cabe ao Presidente do ‘Supremo Tribunal Federal e do processo de impeachment cercear direitos reconhecidos ou concedidos pela autoridade recorrida, realizar interpretagSo restrtiva do disposto no art. 401 do Cédigo de. Processo Penal ou mesmo interferir no processo de live convencimento dos juizes da causa. ‘A propésito, deve-se louvar o espirito garantista que norteou 2s decisdes do Relator e do Presidente da Comisso, que, a um s6 tempo, ampliaram os direitos da acusada e permitiam que mais felementos viessem aos autos para formar a convicgéo dos responsaveis pelo julgamento, Registre-se, por oportuno, que a deciso recorrida encontra ‘amparo na jutisprudéncia do Supremo Tribunal Federal, que & Pacifica no sentido de que ontimero maximo de testemunhas a que SENADO FEDERAL como Orpio Judcirio se refere 0 art. 401 do Cédigo de Processo Penal deve ser aferido ‘em face de cada fato imputado ao acusado. \Veja-se, em especial, dacisdo proferida pelo Ministro Celso de Mello sobre o tema: “Com efeito, 2 jurisprudéncia dos _Tribunais, rnotadamente 2 do Supremo Tribunal Federal, tem reconhecido, na andlise da quesiéo suscitada nestes autos, que 0’ nimero maximo de testemunhas @ que se refere 0 art. 398 do CPP ~ também aplicével 8 Instrugéo probatéria no &mbito de processos disciplinares instaurados polo E, Conselho Nacional de Justiga (Resolugao CNJ n° 30/2007, art. 19, § 48, cleo art. 9° § 4°) — hd de ser aferido em face de cada fato imputado ao acusado (HC 72.580/SP, Rel. Min. NERI DA SILVEIRA — RHC 65.673/SC, Rel. Min. ALDIR PASSARINHO - HC 26.834/CE, Rel. Min. PAULO MEDINA, v.g.)". (MS 26.964/DF - grifos no orignal). ‘A doutrina tradicional caminha na mesma diregéo velendo referir, no ponto, a igo de Herdclto Antonio Mossin: “(..) 0 melhor entendlimento exegético & no sentido de que 0 ‘nimero de festemunhas refere-se a cada fato ou imputagéo ‘mencioneda na pega postulatéria publica ou privada, dando ‘oportunidade para que sejam mais bem demonstrades 2s questées faticas ©, com isso, possiblitando a produgéo de ‘melhor ¢ mais amplo materiel de conhecimento para que o ‘magistrado forme sua persuaséo racional ¢ para que as partes exibam, de forma mais completa, sua prova oral” (Comentérios 20 Cédigo de Processo Penal. Manole. S40 Paulo. p. 768). De outra parte, observo que a utilzagéo do institute da continuidade delitiva (art. 71, do Cédigo Penal) no serve ao fim ccolimado no recurso, uma vez que eventuais condutas aglutinadas ‘em razo do tempo, lugar e maneira de execugSo dever estar individualmente comprovadas nos autos. ‘SENADO FEDERAL come Orgie Judiclérie Em reforgo a tudo 0 que foi dito a:ima, deve-se consignar que 1a deciséo atacada representa, em utima andlise, a vontade do Legislative, que, como se sabe, faz urra interpretagao originaria ou ‘auténtica das normas constitucionals. ‘Aliés, segundo a hermenéutica cléssica, em se tratando de direitos fundamentals, como no presenie caso, a exegese deve ser ‘amplianda e no restringenda', ainda mais cuidando-se de procedimento polémico como é © do impeachment, em que certamente néo cabe ao Presidente do Supremo Tribunal Federal cercear direitos concedidos pela autoridade recorrida. elo que fol até aqui exposto, fica evidente que a posicao do Relator, aprovada pelo Presidente da Comissio, garante maior amplitude a0 direito fundamental de defesa da denunciada, em consonancia com © que dispée 0 CPP com a jurisprudéncia do: ‘Supremo Tribunal Federal e 0 ensinamento da doutrina sobre a ‘matéria, sem, contudo, deixar de descuidar do principio da duragio razoavel do proceso. Por fim, para que n&o reste divida sobre a higidez da deciséo ‘combatida, assinalo que todos os fatos em exame nos autos - e ndo apenas a edig&o dos referidos Decretos - esto inseridos em um contexto que nao € apenas juridico, mas € também polltico, devendo-se, também por esta razio, prestigiar as decisbes dos _~ senhores Senadores da Repiblica. hy | "See ies wie MARIMILIANO, Caos Hermentuicaeplao dod aR dene: | ree 19 p 2 SENADO FEDERAL como Orgio Judcirio Isso posto, conhego do recurs interposto, negando-he provimento pelas razées aduzidas acima, Comunique-se ao Presidente dz Comisséo Especial de Impeachment. Intimem-se. Publique-se. Brasilia, 7 de junho de 2016.

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