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O TEXTO: CONSTRUGAO DE SENTIDOS Ingedore Grunfeld Villaga Koch RESUMO: The purpose of this paper is to discuss the concept of text from the viewpoint of the trend of Text Linguistics, which considers verbal interaction as only one part of a more global social activity. In this way, verbal activity can be defined as a language game, in which social actors display certain activities, in order to attain certain goals. As a consequence, text is not described as a closed structure, but it is to be captured in the very process of its planning/verbalizing, in the course of which interactants are engaged in constructing a sense for the text, and therefore, its coherence. PALAVRAS-CHAVE: texto, atividade verbal, construgao do sentido, interagdo, Processamento textual, coeréncia, sistemas de conhecimento. INTRODUCAO E sabido que, conforme a perspectiva teérica que se adote, o mesmo objeto pode ser concebido de maneiras diversas. O conceito de texto nao foge a regra. B mais; nos quadros mesmo da Lingiiistica Textual, que tem no texto seu objeto precipuo de estudo, o conceito de texto varia conforme o autor e/ou a orientagao tedrica adotada, Assim, pode-se verificar que, desde as origens da Linglifstica do Texto até nossos dias, 0 texto foi visto de diferentes formas. Em um primeiro momento, foi concebido como: a) unidade lingiifstica (do sistema) superior a frase; b) sucessfio ou combinagao de frases; c) cadeia de pronominalizacées ininterruptas; d) cadeia de isotopias; e) complexo de proposigdes semAnticas. J4 no interior de orientagdes de natureza pragmitica, o texto passa a ser encarado, pelas teorias acionais, como uma seqiiéncia de atos de fala; pelas vertentes cognitivas, como fenémeno primariamente Ingedore Grunfeld Villaga Koch ¢ professora no Instituto de Estudos da Linguagem da UNICAMP psfquico, resultado, portanto, de processos mentais; ¢ pelas orientagdes que adotam por pressuposto a teoria da atividade comunicativa, como parte de atividades mais globais de comunicagdo, que vdo muito além do texto em si, j& que este constitui apenas uma fase deste processo global. Desta forma, 0 texto deixa de ser entendido como uma estrutura acabada, passando a ser abordado no proprio proceso de seu planejamento, verbalizagio e construcao. CONCEITUAGAO Combinando estes éltimos pontos de vista, o texto pode ser concebido como resultado parcial de nossa atividade comunicativa, a qual compreende processos, operagées e estratégias que tém lugar na mente humana, e que sfo postos em agao em situagdes concretas de interacao social. Defende-se, portanto, a posi¢ao de que: a) a produgao textual € uma atividade verbal, a servigo de fins sociais e, inserida em contextos mais complexos ») trata-se de uma atividade consciente, volvimento de estratégias concretas de agao e ae zago dos objetivos; isto é, de uma atividade intencional que o falante, de conformi- dacle com as condigdes sob as quais 0 texto € produzido, empreende, tentando dar a entender seus propésitos ao destinatério, através da manifestagao verbal; c) € umaatividade interacional, orientada para os parceiros da comunicagao, que, de maneiras diversas, se acham envolvidos na atividade do produtor do texto. Desta perspectiva, entdo, podemos dizer, numa primeira aproximagiio, que textos silo resultados da atividade verbal de individuos socialmente atuantes, na qual estes coordenam suas ages no intuito de alcangar um fim social, em conformidade tom as condigdes sob as quais a atividade verbal se realiza. Poder-se-ia, assim, conceituar 0 texto como uma manifestagdo verbal cons- titufda de elementos lingiiisticos intencionalmente selecionados € ordenados em durante a atividade verbal, de modo a permitir aos parceiros, na interagio, no apenas a depreensio de contesidos semanticos, em decorréncia da ativagao de processos estratégias de ordem cognitiva, como também a interagdio (ou atuagao) de acordo com praticas socioculturais. (KOCH, 1992). Festa também a posicao de Schmidt, para quem 0 texto é [..J qualquer expresso de um conjunto lingufstico numa atividade de co- municagéo — no Ambito de um jogo de atuagdo comunicativa — tematicamente orientado ¢ preenchendo uma fungaio comunicativa reco- nhecivel, ou seja, realizando um potencial jlocuciondrio reconhecivel. (SCHMIDT, 1978, p. 170). Em Marcuschi, encontramos a seguinte definicdo provisdria de Lingiifstica ‘Textual e de seu objeto, que também parece ajustar-se bem a essa linha de pensamen- to: de atividades; criativa, que compreende o desen- scolha de meios adequados & reali- portanto, seqiiéncia, Proponho que se veja a Lingifstica do Texto, mesmo que provisoria ¢ genericamente, como o estudo das operagoes lingilisticas e cognitivas reguladoras e controladoras da producao, construgao, funcionamento ¢ 22 recep¢do de ie RE ue ou orais. Seu tema abrange a coesdo superfici- eae ps ate Les a coeréncia conceitual ao nivel basis x 8 = Pressuposigdes € implicagdes Eo ne ore do sentido no plano das ae e ime) ena fextual trata 0 texto como um ato de comunicagao Su pinion de agdes humanas. Por um lado, deve Tener eee linear que é 0 tratamento estritamente lingiiistico Postado an me Ho dacontte €; por outro, deve considerar a organiza- tga elec. i ular, nao linear portanto, dos nfveis de sentido e Bnet a coeréncia no aspecto semantico e fungdes prag- Prag. (MARCUSCHI, 1983, p.12-113). SISTEMAS DE CONHECIM MSN To recriAr IENTO ACESSADOS DURANTE O Para o processamento textual contri é Bo: lingo, 0 Pee ae ce ee pepe al (HEINEMANN & O conhecimento lingiifsti eos et a rae compreende 0 conhecimento gramatical e 0 Peppa necsrzenasy ela articulagdo som-sentido, E ele o responsavel, por pp nets cuanizas terial linglifstico na superficie textual, pelo usod so que a Iingua nos poe & disposigio para efetuar a remissio ou a O conheci: i édic bi, pepe cni ented, ou conhecimento de mundo é aquele que s jemoria de cada individ : awe a c lividuo, quer se trate de conheci me, ene a respeito dos fatos do mundo), quer do tipo cries ae Re i fee socioculturalmente determinados e adquiridos ated fat ti u és = ee pea tais modelos, por exemplo, que se levantam hase ee a partir de um titulo ou de uma manchete; que se cria seo cane, Iexical(is) a ser(em) explorado(s) no texto; que me mc es as lacunas ou incompletudes encontradas i ie a informagao dos varios nivei: i ;. a, u maa Y iveis é explicitada ay ea ee ai parte implicita, as inferéncias podem ser vistas aa ee a : ae a partir da informagao textual explicitamente e -xto, constroem-se nc 6 eo 1oVas representagées seman- Pe oa et texto depende, também, de conhecimentos comuns a mo locutores, sem 0 qual certos casos de referenciago, por > de expressdes definidas como “O rapaz que conver ae Beep tticado (CLARK & MURPHY, 1982). j anaaelal lecim« ir ic é i ‘ ee . Fea eae € 0 conhecimento sobre as ages verbais, isto -acdo através da linguagem. Engl snabnis er guagem. Engloba os conhecime1 hal, comunicacional, metacomunicativo ¢ superestrutural. cr a 0 conhecimento ilocucional que permite reconhecer os objetivos ou pro- em dada situagao de interagao, pretende atingir. Trata-se de de objetivos (ou tipos de atos de fala), que embora costu- es caracteristicas, 0 sao também dos interlocutores 0 conhecimento pésitos que um falante, conhecimentos sobre tipos mem ser verbalizados por meio de enunciag freqtientemente por vias indiretas, 0 que exige necessério para a captacdo do objetivo ilocucional. © conhecimento comunicacional 6 aquele que diz.respeito, normas comunicativas gerais, como as méximas descritas por Grice (1968); a quanti- dade de informagao necessdria numa situagao concreta para que 0 parceiro seja capaz de reconstruir 0 objetivo do produtor do texto; a selegio da variante lingifst ica ade- quada a cada situagao de interagdo © & adequagio dos tipos de textos as situagdes comunicativas. Fo que Van Dijk (1988) chama de modelos contextuais. "través do conhecimento metacomunicativo, 0 produtor do texto procura evitar perturbacdes, previsiveis na comunicago ou sanar (on line ou a posteriori) conflitos efetivamente ocorridos, introduzindo no texto sinais de articulagao ou apoi- os textuais, e realizando atividades especificas de formulagdo ou construgao textual (repetigdes, parafraseamentos, resumos, corregdes, complementagoes, explicagées, eic), Trata-se de agoes lingifsticas com as quais se procura asseguras & ‘compreensio do texto e, conseqiientemente, a aceitagio dos objetivos com que é produzido, monitorando com elas o fluxo verbal (MOTSCH & PASCH, 1985). O conhecimento superestrutural, isto 6, sobre estruturas ou modelos textu- ais globais, permite reconhecer textos como exemplares de determinada classe ou conhecimentos sobre as macrocategorias ou unidades globais sobre a ordenagao ou seqiienciagao de tais pases proposicionais ¢ estrutu- por exemplo, as tipo; envolve, também, que distinguem os varios tipos de textos, unidades, bem como sobre a conexao entre objetivos, ras textuais globais. Heinemann & Viehweger (1991) salientam que, a cada um desses sistemas de conhecimento, cortesponde um conhecimento espectfico sobre como lidar com cle; ou seja, um conhecimento procedural, isto é, dos procedimentos ou rotinas por meio dos quais esses sistemas de conhecimento se atualizam quando do processamento textual. “Tal conhecimento engloba, também, o saber sobre as préticas peculiares a0 meio sociocultural em que vivem os jnteractantes, bem como o dominio das estratégi- as de interagdo, como preservagio das faces, representagao positiva do self, polidez, negociagdo, atribuigao de causas a malentendidos ou fracassos na comunicacao, entre outras. ORGANIZAGAO DA INFORMA AO TEXTUAL ‘A informagao semantica contida no texto distribui-se, como se sabe, em (pelo menos) dois grandes blocos: o dado e 0 novo, cuja disposigao ¢ dosagem interferem na construgao do sentido. ‘A informagao dada — aquela que se encontra dos interlocutores (CHAFE, 1987) — tem por fungao est ragem para 0 aporte da informagao nova. 24 no horizonte de consciéncia abelecer os pontos de anco- } A retomad: i do ja me Ano re he Eas j4 dada no texto se faz por meio de remiss&o ou ee ope ae be 89), formando-se destarte no texto as cadeias coesivas, aac : organizagao text ibui aide Sentido pretendido pelo produtor do texto. SGN tg Sane A remissio s i : re hems ea faz, freqilentemente, nao a referentes textualmente expressos, ane Breclene isto 6, a referentes estocados na meméria ans ie ie fs f as pistas encontiadas na superficie textual, so (re)ativados, sane eerie ko smi andfora seméntica ou andfora profunda, As inferén , ois, estratégias cognitiva , Le s qs s extremamente poderosas, que per- Rootes : a Bente entre o material lingiifstico presente na superficie oa oo si et e/ou partilhados dos parceiros da comunicagao. Isto 6, € gran vés das inferéncias i ‘ 2 ee que se pode (re)construir os sentidos que 0 Com ancorage: i ai a eee m a informagao dada, opera-se a progressio textual, através BP co ccros ‘sit 2 nova, estabelecendo-se, assim, relagdes de sentido en ‘ is de extensdes variadas: ‘ : ee ; b) segmentos textuais ¢ conheci- ; Pp 3 €) segmentos textuais e conheciment ae loculturalmente partilhados. roca As rela Fira pa segmentos textuais estabelecem-se em varios niveis: i ae ep SO através da articulagéo tema-rema nee i Be Ae €normalmente dada, enquanto a remitica consti- eee 'so de um tipo ou outro de articulagao tema-rema (progressio Ran mee ae linear, progressio com tema derivado, progressdo , -M a Ver com 0 tipo de texto, id R : n , com a mi \ a 08 propésitos e atitudes do produtor; ae _ 2, entre oragGe: i ; en pisnceem mesmo perfodo ou entre perfodos no interior de um . eae ir ped dos conectores interfrasticos, aqui considerados perce! ene laces de tipo 16gico, como aqueles responsdveis pelo .. ers sted ou argumentativas (KOCH, 1984, 1987 e 1989a); a , seqiiéncias ou partes inteiras do texto, por meio fio i, ile Sd por mera justaposigao. ; en re informacao textualmente expressa e conhecimentos prévios dos podem ser estabeleci lecidas por recurso a ii i inter a’situacs Mi € a todo o contexto sociocultural. Uae ES Fi a ‘INAL, QUAL E A PROPRIEDADE DEFINIDORA DO TEX- texto pas: istii ie i ae no momento em que os parceiros de uma atividade ae manifestagao lingiifstica, pela atuagao conjunta fatores de ordem situacional, cognitiva, sociocultural ¢ 2 interacional, so capazes de construir, para ela, determinado sentido. Portanto, & concepgao de texto aqui apresentada subjaz o postulado basico de que o sentido ndo estd no texto, mas se constréi a partir dele, no curso de uma interagao. Para ilustrar essa afirmagao, tem-se recorrido com freqiiéncia 4 metafora do iceberg: como este, todo texto possui apenas uma pequena superficie exposta e uma imensa drea imersa subjacente. Para se chegar as profundezas do implicito e dele extrair um sentido, fazem-se necessdrios 0 recurso aos varios sistemas de conheci- mento e a ativagdio de processos e estratégias cognitivas e interacionais. ‘Uma vez construido um e nao o- sentido, adequado ao contexto, as imagens reefprocas dos parceiros da comunicagio, ao tipo de atividade em curso, a manifesta- 40 verbal sera considerada coerente pelos interactantes (KOCH, 1989b). E é a coe- réncia assim estabelecida que, em uma situagao concreta de atividade verbal — ou, se assim quisermos, em um jogo de linguagem — vai levar os parceiros da comunicagao aidentificar um texto como texto. BIBLIOGRAFIA BEAUGRANDE, Robert de; DRESSLER, Wolfang U. Einfiihrung in die Textlinguistik. Tibingen, Niemeyer, 1981. CHAFE, Wallace. Cognitive constraints on. information flow. Jn: TOMLIN, Russel S. (ed.). Coherence and grounding in discourse. Amsterdam, John Benjamins, 1987. CLARK, Herbert H.; MURPHY, Gregory L. 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