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A MULHER NA LITERATURA INFANTO-JUVENIL: REVISAO E PERSPECTIVAS * A partir da década de 60, pesquisadores de varias nacionalidades tém procurado descrever e com- Preender 0 contetdo de livros para criangas © ado- lescentes. ‘Tais estudos, realizados por educadores, Dsicdlogos e sociélogos, empregando técnicas mals ou menos sofisticadas de anélise de contetido, podem ser agrupados em dois conjuntos. © primeiro utiliza o livro infanto-juvenil quase como um pretexto para o conhecimento da socie- dade (ou grupo social) que o produzlu: seu conteti- do, simplificado, exemplar, tipificado por ser diti- sido a criangas, permite 20 pesquisador extrair valores, modelos © ideologias prevalentes no mo- ‘mento da criagio. Neste primeiro grupo podem ser incluidos, por exemplo, os trabalhos de Bleton (1963), Chombart de Lauwe (1972), McClelland (1961), So- riano (1972) ¢ outros. Para o segundo grupo, o livro interessa pela relagdo que estabelece com a erlanga leitora: consi derarse © livro como agente do processo de sociali- zacio, admitindo-se, assim, o postulado de sua in- fluéncia sobre o leitor. Este enfoque tem mere- cldo atuaimente uma atencfio bastante grande. As razSes parece evidentes: a dimensio de fendmeno de massa que vem caracterizando 0 Livro infanto- juvenil* e 0 renascimento de teorias pslcolégicas Dreocupadas com a aprendizagem através de mo- delos simbdlicos (Bandura e Walters, 1963). Curio- samente, estas teorias parecem reconhecer, meio terdiamente, um padréio acelto nas sociedades oci dentais ha muito tempo, e coneretizado através da Protbicao, para a juventude, de certos livros consi derados perniciosos: o de que a literatura transmite idéias © pode forjar opinides. * Comunieacto apresentada no Seminérlo “Pesgulsa sobre 0 Dapet © 0 comportamento da mulher brasileira", patross, ado pelo Centro de Informgies das Nastes Unidas, na Braail ¢ Associagto Brasileira de Imprenaa, Rio de Ja. nelro, 80/6 8 6/7/%, Do Departamento ds Peequisas Baucectonsia da Fundegko Cavios Chaves 1 No Bros, em 1912 @ rubriea tivro © folheto intanto-ja- vonil atinsia, sesundo 0 Anuério Estatisticn de 1905, a tlrngem de 912.658 excmplarca, 138 PULVIA ROSEMBERG** Enquadrando-se nas linhas de preocupacio apon- tadas, a bibliografia estrangeira, sobretudo norte- americana e francesa, tem-se avolumado com estii- Gos sobre 0 contetido de livros de lazer e livros escolares, principalmente de leitura. Tais estudos assumem uma postura critica, e as pesauisas pro- euram responder perguntas do tipo: Quals os va~ lores e os modelos que os livros infanto-juvenis velculam? Em que medida os valores e os modelos comportamentals transmitidos nos livros esto de acordo com os objetivos educacionais vigentes? ‘Tals valores e modelos acompanham a evolucéo da so Cledade ou. a0 contrério, permanecem estagnados em determinado momento histérico? #, como por ‘acaso, os valores e modelos que tém sido mais fre- aiientemente descritos ¢ criticados referem-se as ‘minorias étnico-racials e aos papéis sexuais, A dentincia de preconceitos raciais em livros infantis, a selegio e a recomendagio de textos sem Preconceitos, retratando criangas de vérlos povos, tém surtido efeito. Pesquisas recentes sobre 0 negro na literatura norte-americana mostram, por exem- plo, modificagées essenciais em sua imagem (Allen, 1971 e Jones, 1911). A preooupaciio com esteredtipos sexuais é muito mais recente, e somente agora apareceram as pri- ‘moiras listas de livros infanto-juvenis no sexistas, como a série norte-americana “Little Miss Muffet fights back”. ‘Os movimentos de libertago feminina e a acei- tagio de suas teses contribuiram, de forma signifi- cativa, para o recrudescimento de pesquisas sobre os apéls sexuais nos livros de lazer e manuais esco- lares para criancas. Atualmente, praticamente todo estudo ou ensaio sobre a socializagho dos sexos aponta a influéncia do livro, reivindicando trans- formagies nos textos (Lafer, 1975 e N. E. A. 1973). Essas reivindicagées apolam-se em resultados de pesquisas que procuram deserever imagens e mo- Gelos sexuais representados na literatura infanto- Juvenil, FUNDAGAO CARLOS CHAGAS culinas” por parte das mulheres. E também, que hd mulheres altamente competentes em todas as reas. As diferencas individuals devem ser levadas fem consideragio mas devemos nos preocupar com fas mulheres em geral e nfo s6 com a elite que pode eseapar ao seu destino por sua prépria conta. Além disso, 6 necessirio cautela para eviter @ aceitagéo sem critica do valor atribuido @ compe- téneia- No entanto, devemos considerar que esses valores esto profundamente enraizados em nossa cultura e que, portanto, provavelmente niio sofrerio mudanga radical na presente geragio, Devemos re- conhecer também que esses valores talvez continuem send funcionais por algum tempo, especialmente no Tereetro Mundo, onde persistem os problemas de subsisténcia. Nossa estratégia a curto-prazo, entiio, teré de incluir a abolig&o nfo s6 da discriminagio que fax ‘com que as mulheres realizem menos do que so ‘capazes, mas também das muitas barreiras psicol6- fgicas que llmitam grandemente seu pleno desen- volvimento: tais como deficits cognitivos e medo do sucesso, entre outras. % desnecessério dizer que o subdesenvolvi- mento do talento feminino tem conseqtiéncias de amplo aleance tanto para os individuos que com- pdem a metade da populagho mundial carente de oportunidades, e para a sociedade como um todo. ‘A mudanga das percepgdes e papéis sexuais seré longa e diffell, mas os beneficios que dai podem advir para todos nds certamente sero matores que as dificuldades enfrentadas. {Recebldo para publicagto em julho de 1975) CADERNOS DE PESQUISA/15 137 Uma revisio das pesquisas mals significativas ‘mostra que os resultados de praticamente todos os ‘estudos 880 concordes: 0s papéis sexuais sio repre- sentados de maneira estereotipada na literatura infanto-juvenil, a mulher ocupando uma posigao inferior. RESULTADOS PRINCIPAIS RESULTADOS s livros infanto-juvenis transmitem, de um modo geral, modolos sexuais estereotipados, s personagens femininos so numericamente infe~ lores. Qs personagens femininos adultos sio representados entre quatro paredes, Os personagens masculinos adultos so representados no mundo exterior. (Os personagens femininos adultos dedicam-se prin- cipalmente a atividades domésticas. Os personagens masculinos adultos dedicam-se a atividades profis- sionais, Os personagens femininos adultos dedicam-se a ati- ‘vidades profissionais pouco valorizadas. Os persona~ gens masculinos adultos dedicam-se a profissGes valorizadas, (Os personagens femininos adultos so mais passivos que os personagens masculinos adultos. Os personagens infantis sio menos estereotipados ‘que 0s personagens adultos. s livros para meninas divergem dos livros para meninos. 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A respon- sabilidade é brutal. Se admitirmos 0 postulado da influéncia da Ieitura nos comportamentos, 2 literatura infanto- Juventl, através de seu contetido, esté, pelo meno: reforgando padrées inadaptados de papéis sexual Apresentando esteredtipos, e niio realidade vivida, voltada para o pasado, e no para o futuro, esti- mulando ambigiidade, e nio clareza, a producio terdria para erlangas e jovens esta se demitindo de uma de suas fungSes extraordindrias: a de posstbi- Uitar, por sua flexibilidade, uma abertura, uma CADERNOS DE PESQUISA/15 expansio de horizontes. H com uma agravante: a leitura, em nosso melo, usufrui de um preconceito positive. ‘As Smplicagdes destes resultados sfo bastante sérias: para 0s responsivels pela produco (eserito- es, editores), para os educadores (pals, professores, pedagogos, bibliotecdrios) e para o psicélogo que estuda @ aprendizagem de papéis sexuais: Para quem estuda desenvolvimento do com- portamento humano, os resultados apresentados nas pesquisas estrangeiras devem constituir um estimulo 139 para empreender, om nosso meio, estudos seme- Ihantes e avancar 0 conhecimento em setores inex- plorados. Varios pontos permanecem ainda obscuros, Por exemplo, qual o elemento preponderante na ‘transmissao de valores? Quais as caracteristicas do ‘modelo que o tornam mais identificdvel ot imftavel (personagens, aco, contexto, conseqtiéncia da agao)? Sob que forma a mensagem 6 mais eficiente? A partir desta deserigio (e dentincia se for 0 caso) da realidade, cabe ao pesquisador atuar junto & produg&o. Sair de seu laboratério, divulgar e discutir seus resultados, procurando, junto com edi- tores, escritores, ilustradores ¢ eritieos, refletir sobre a contradigdo ou a coeréncla entre os objetives edu cacionais visados e as imagens veiculadas*. ‘Ans criticos cabe a dentincia, a andlise e o tra- balho de divulgagdo de livros nfo sexistas. Aos educadores incumbe toda ago junto ao pil- blico leitor. Partindo de uma reflexio sobre suas proprias posigdes face & discriminagio sofrida pelo sexo feminino estimular os leitores a confrontarem © que Iéem nos livros, com o que vivem, porque 0 vivem, € como seria bom viver diferentemente®. 12 Uma alo neste sentido foi desenvolvida na Franca no Alominio do. teatro Infanti, CX. Gratiot-Alphandery, Rosemberg, Chapuis (1973), 9 Movers (s/d) claborou um guia para ® ago de educa ores orte-amerieanos, REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS Vans. 1971. 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