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Octavio Amorim Neto O Brasi, LPHART EO MoDELo CONSENSUAL DE DEMOCRACIA Obom desempenho da democracia brasileira ao longo da primeira déca- da do século XI foi uma surpresa inesperada a luz de algumas bem conhecidas andlises. Quando a inflacdo chegou a 83% ao més em 1989, The Economist chamou o Brasil de “pais bébado”, A partir de 1993 e até 2002, a fundagio Freedom House, em sua avaliacao anual das liberdades no mundo, rebaixou © pais a categoria de regime parcialmente livre. Varios cientistas politicos definivam o sistema politico nacional como sendo distintamente marcado pelo elitismo e pelo clientelismo. Alguns concluiram estar o Brasil fadado a ter uma democracia de baixa qualidade (Weyland, 1996), assolada por um dcbilitante subdesenvolvimento partidério (Mainwaring, 1999) e tendente 4 paralisia deciséria (Lamounier, 1994), caracteristicas que perversamente engessariam a maioria da populacao na pobreza (Ames, 2001). Apenas alguns anos depois de terem sido essas opinides emitidas, elas soam inexatas. Afinal, qualquer um que der uma olhada nas manchetes sobre o Brasil na imprensa nacional e internacional descobrira uma nacao muito mais sobria e estavel, agora liderada responsavelmente por Lula, um presidente de origem humilde, fundador de um disciplinado partido de esquerda, que tem conseguido segurar a infla¢4o, executar politicas fiscais austeras e levara cabo Programas sociais que tém sido eficazes na mitigacao da pobreza e reducdo da desigualdade de renda (Anastasia et al., 2007, p. 111-114), Os analistas estavam completamente errados ou o Brasil mudou tanto nos tiltimos anos a ponto de iludir até mesmo 0 observador mais sofisticado? Primeiramente, cabe notar que, mesmo durante os anos 1990, publi- saram-se trabalhos académicos que mantinham uma Pperspectiva otimista a respeito do novo regime democratico brasileiro. Os melhores exemplos sao 9s textos amplamente citados de Figueiredo e Limongi, que argumentavam serem os partidos brasileiros, na verdade, coesos, e que, desde a promulgacao . Notas: Os dados para céleulo des indices relatives aos gabinetes presidenciais foram obtides em Amorim Neto (2007). A medida de pluralismo dos grupos de interesse, baseada nas escalas de Siaroff (1999), foi calculada por Adalberto Cardoso especialmente para este artigo. Adalberto Cardoso dividiu periodo 1985-2006 em dois subperiodos, 1985-1994 e 1995-2006, e calculou a medida para cada um deles. O valor final encontrado é a media dos valores para cada subperiodo. Os valores dos quatro primeiros indicadores da dimensac federal--unitaria foram calculados pelo autor clo texto. No tocente 20s dois componentes do indice de independéncia do banco central, o valor usado para a independéncia legal do Banco Central do Brasil (BACEN) € aquele fornecido por Cukierman, Webb e Neyapti (1992). As datas de entrada e de saida dos presidentes do BACEN em 1985-2006 foram obtidas em . ee O BRASIL, LUPHART E © MODELO CONSENSUAL DE DEMOCRACIA LIL Com relacéo a dimensao Executive partidos, as pontuagdes do Brasil se assemelham aquelas das democracias majoritarias somente em duas medidas, desproporcionalidade e indice de pluralismo dos grupos de interesee. Nog Sutras trés varidveis, o Brasil se assemelha as democracias consensuais.3 Apés a padronizacio, o ajuste de sinais e 0 célculo da média dos cinco indicadores, descobre-se o valor que resume a posi¢ao do pais na dimensao.4 E interessante notar quea posi¢ao do Brasil éproximad da Alemanha e do Japio. Nadimensio federal-unitaria, o Brasil também permanece ao lado do modelo consensual, O valor sumario do pais nessa dimensiio o posiciona préximo a fndia e a Austria. O Grafico 1 a seguir reproduz o mapa bidimensional das democracias desenhado por Lijphart (1999, p, 248) com o Brasil incluido. Cumpre destacar trés aspectos importantes do grafico. Primeiro, seguindo os métodos desse autor, a inclusao do Brasil altera levemente a Posi¢ao dos outros 36 paises em relacéo ao mapa original, uma consequéncia natural do procedimento de padronizacao. Segundo, no mapa aqui exibido, o modelo consensual esta sempre do lado positivo dos dois eixos, ao contrario do mapa original de Lijphart. Por tltimo, a presenga do Brasil dé um elemento de anacronismo a0 novo mapa, uma vez que os dados em que se baseiam os valores dos paises na amostra de Lijphart sao do periodo 1945-1996, enquanto os dados a partir dos quais se calcularam as pontuagées do Brasil cobrem o periodo 1985-2006. O Grdfico 1 revela que, levando-se em conta as duas dimensées con- juntamente, os dois paises mais proximos da posi¢ao do Brasil sao a Austria ea India, seguidos de Alemanha e Japao. Sendo o Brasil e a India paises do terceiro mundo com grande popula¢ao e extensio territorial, a proximidade entre ambos no grafico é um dado que reforca, a principio, a validade das medidas de Lijphart quando aplicadas ao Brasil. Porém, sendo a India um Pais, do ponto de vista étnico e religioso, mais heterogéneo do que a nagio latino-americana, o fato de esta ser uma democracia mais consensual que aquela — em ambas as dimensées ~ deve ser objeto de reflexio, 0 que sera feito na conclusio. ——— ee ‘sopuied-ongnoax3 opsuewig ose. 212 LEGISLATIVO BRASILEIRO EM PERSPECTIVA COMPARADA Dimensao federal - unitaria s ge 3s "ds 3 i . « z 5 g 8 8 6 88 = ¢ = - Ss og ¢ 8 8 8 g 3's 8 a 8 8 gs 8 » ¢ eos +8 g F : : 7 . § 2 i ae 8 GRAFICO 1: O mapa bidimensional das democracies com © Brasil incluido: ~~~ xem O basi, LupHART £ © mooELo CONSENSUAL DE DEMOCRACIA 113 Presidencialismo era prejudicial aos arranjos de partilha de poder, portanto, A democracia consensual, Contudo, apesar do papel proeminents do presi- dencialismo na vida politica brasileira, a dinamica politica do pais também é consideravelmente influenciada pelaalta fragmentacio do sistema partidario, Por governos de ampla coalizao, pelo bicameralismo simétrico, pelo federa- lismo robusto, pela revisio Judicial das leis, por uma Constituicao extensa e Protegida por regras de emendas que exigem supermaiorias, evidéncias de que designar o Brasil como uma democracia consensual poderia Ser enganoso, Portanto, a Seguir, examina-se 0 debate sobre a organizacio legislativa brasileira e os governos de coalizao, dos de coalizao sio a principal rast das altas taxas de sucesso legislativo dos presidentes brasileiros (igueiredo; Limongi, 1999, p, 102). Portanto, de acordo com os dois autores, 114 LEGISLATIVO BRASILEIRO EM PERSPECTIVA COMPARADA (... 0 sistema politico brasileiro no opera de forma muito diferente dos regimes parlamentaristas, Os presidentes formam governo da mesma forma que os primeiros-ministros em sistemas multipartidarios, isto é, distribuem ministérios aos partidos e formam assim uma coaliz4o que deve assegurar os votos necessérios no Legislativo. (Figueiredo; Limongi, 1999, p. 101) Com base no trabalho de Figueiredo e Limongi, seria possivel afirmar que os governos de coalizdo no Brasil, apesar de nominalmente terem ampla maioria legislativa, devem, na realidade, operar como gabinetes de maioria minima, dadas a disciplina partidaria ea centralizacao do processo legislativo nas méos do presidente e de alguns lideres partidarios. Portanto, a pontuagao do Brasil na primeira varivel de Lijphart do Quadro 2 (percentagem de tempo durante 0 qual o pais é governado por gabinetes de maioria minima) pode estar subestimada. Consequentemente, o nivel de consenso da democracia no Brasil poder estar sobre-estimado. Outro problema com a aplica¢ao das medidas de Lijphart ao Brasil est relacionado a representa¢ao meramente simbélica dos partidos em gabinetes de coalizao nos regimes presidencialistas. De acordo com Lijphart (1999, p- 108), um importante achado geral com relagao a gabinetes de coalizao 6 que a pro- porcionalidade na divisio de cargos ministeriais tende a ser seguida de forma escrupulosa (...). Portanto, nao é dificil fazer a distingao entre representacdo meramente simbélica e coalizées genuinas, podendo os ministros que dio representa¢io meramente simbélica aos partidos ser ignorados ~ assim como ministros apartidarios em gabinetes partidarios — na classificagao de gabinetes. Contudo, pesquisas recentes sobre os gabinetes presidenciais mostram que a distin¢ao entre representacdo meramente simbélica e coalizao genuina ou precisa ser averiguada de forma rigorosa (Amorim Neto, 2006), ou é con- siderada sem consequéncias (Cheibub et al., 2004). O Brasil, especificamente, é um pais cujos gabinetes de coalizio tém baixa média de proporcionalidade na alocagao de pastas ministeriais e alta frequéncia de ministros apartidarios, em comparacao com outros regimes pre- sidencialistas nas Américas (Amorim Neto, 2006). De maneira complementar, um estudo indica que a proporcionalidade na alocagao de pasta (ou falta de) afeta 0 apoio legislativo do presidente no pais (Amorim Neto, 2000). Entio, a questo é: todos os gabinetes de coalizao do Brasil so coalizées genuinas? Se a resposta for negativa, entdo a pontuagao do Brasil na primeira variavel de Lijphart no Quadro 2 est4 subestimada e, portanto, o valor consignado ao pais na medida suméria da dimensao Executivo-partidos é imprecisa. (© BRASIL, LUPHART € © MODELO CONSENSUAL De DeMocRACIA 115 Em suma, a discussao anterior levanta dividas sobre se é apropriado considerar o Brasil uma democracia consensual @ la Lijphart. Contudo, essas davidas podem ser solucionadas pelo uso de indicadores que complementem os de Lijphart e também captem as especificidades da estrutura institucional e do processo decisério brasileiros. E disso que tratar4 a proxima secao. NOVAS MEDIDAS DO CONSOCIATIVISMO NO BRASIL A Itélia é um caso importante de democracia consensual no que diz respeito exclusivamente A dimensao Executivo-partidos. Assim como no Brasil, a fragmentacao do sistema partidario esta na raiz do padrao de governanga daquele pais, levando aos seus famosos gabinetes multipartidarios de curta duracao (ver Quadro 2), os quais, para Lijphart, significam relagées Executivo-Legislativo equilibradas. Convém registrar que a palava adotada no jargio politico italiano para descrever o seu modelo de democracia ~ con- sociativismo ~ parece uma traducao literal do termo original de Lijphart, consociationalism. O consociativismo tem sido amplamente associado a alguns dos piores males que tém assolado a democracia italiana desde seu inicio em 1948, destacando-se 0 clientelismo, a corrupsao e a falta de efetividade governamental.5 Entre os cientistas politicos empiricamente orientados, h4 uma linha de pesquisa muito interessante sobre medidas de consociativismo na Itélia (Capano; Giuliani, 2001; Giuliani, 1997; 2008; Newell, 2006; Zucchini, 1997). Neste capitulo, essas medidas servirao de inspiracao para desenvolver indicadores semelhantes para 0 Brasil. JA os dados relativos A Itlia extraidos da bibliografia académica aqui citada servirao como refe- rencial comparativo para avaliar o Brasil. Quatro medidas propostas por estudiosos do consociativismo italiano podem ser adequadamente adaptadas ao Brasil: (1) o tamanho das maiorias legislativas verificadas em votagdes nominais finais que aprovam projetos que sao transformados em lei (Capano; Giuliani, 2001); (2) a frequéncia de leis que sao aprovadas por meio do poder conclusivo de apreciagio de proje- tos conferido as comissdes do Poder Legislativo (Giuliani, 1997; 2008); (3) a frequéncia de projetos de lei patrocinados por mais de um partido (Giuliani, 1997); (4) a frequéncia de leis originadas em medidas provisérias (Giuliani, 1997; Capano; Giuliani, 2001). A essas quatro medidas se adicionara uma quinta que nao foi tirada da literatura sobre a Itdlia, a frequéncia de leis cujo projeto tramitou sob regime de urgéncia. 116 LEGISLATIVO BRASILEIRO EM PERSPECTIVA COMPARADA Aprimeira medida é titil para os propésitos deste trabalho Porque possi- bilitard verificar se os ‘gabinetes de (nominalmente) ampla coalizdo formados no Brasil com alocacées ministeriais frequentemente desproporcionais sao, de fato, apoiados por maiorias legislativas correspondentemente amplas. Se forem, podemos ter maior confianca no carater genuino das coalizbes formadas pelos presidentes brasileiros e na pontuacao do Brasil na segunda varidvel da dimenso Executivo-partidos. A segunda medida ~ a frequéncia de leis aprovadas por meio do poder conclusivo das comissées ~ é valida para medir 0 grau de consenso do pro- cesso decissrio no Brasil por duas razGes. Primeiro, a Constituicao brasileira de 1988, daramente inspirada no texto do artigo 72 da Constituicao italiana de 1947 (Lacerda, 2006, p. 82; Pacheco, 2004, p. 15), confere as comissdes o poder de promulgar leis em algumas circunstncias. Segundo, como a com- Posicdo das comissées no Brasil é proporcional ao tamanho dos partidos eas decisdes nelas tomadas s4o menos partidarias do que as decisées tomadas em plendrio (Pereira; Mueller, 2000), entao, quanto mais alta a frequéncia de leis promulgadas por meio do poder conclusivo das comissées, mais consensual 0 proceso legislativo. Arazio pela qual a frequéncia de projetos de lei patrocinados por mais deum partido é uma indicador de um estilo decisério consensual é facilmente percebida: se os projetos delei tendema ser patrocinados por varios partidos, entaoa partilha do poder esta acontecendo na fase inicial do proceso legisla. tivo. Contudo, essa medida precisa ser adaptada ao Brasil porque, nesse pais, legisladores de diferentes partidos raramente, se é que alguma vero fizeram, patrocinam projetos conjuntamente, No entanto, o. patrocinio multipartidario de emendas orcamentarias é frequentenanacao sul-americana. Este trabalho, Portanto, verificard a taxa de copatrocinio de emendas orgamentarias, um aspecto-chave do processo decisério, entre os deputados brasileiros. Finalmente, 0 presidencialismo brasileiro é conhecido pelo uso e abuso das chamadas medidas provisérias, decretos presidenciais com forca de lei, Convém notar que as medidas provisorias foram importadas diretamente da Constituicao italiana para a brasileira, assim como 0 foi poder conclusive das comissées. Uma ver assinada uma medida proviséria, seja pelo premier italiano ou pelo presidente brasileizo, cla passa a ser lei por um dado periodo de tempo. A partir dai, tem que ser votada pelo Poder Legislativo. Se nao for aprovada, a medida provisoria expira. As medidas provisérias conferem ao Executivo uma vantagem consi- deravel face ao Poder Legislativo, pois permite que o presidente ou primeiro- ~ministro sobresteja leis por completo e ajuste a legislacao a posicéo que deseje, ED EEE SASSO Or O BRASIL, LUPHART © MODELO CONSENSUAL DE DEMOCRACIA 117 independentemente das preferéncias dos deputados (Carey; Shugart, 1998). Entio, a frequéncia de leis originadas em medidas provisérias pode nos for. necer uma medida comportamental direta do dominio do Executivo sobre o Legislativo ou do unilateralismo do Executivo. Qualquer um é 0 oposto de um processo decisério consensual, As Tabelas 1, 2, 3, 4 e 5 exibem os dados das quatro medidas do grau de consenso do processo decisério inspiradas pela literatura académica sobre a Italia e da frequéncia de leis cujo projeto tramitou sob regime de urgencia. Como na primeira década do regime democratico iniciado em 1985 as eleicoes Para a presidéncia e o Congreso néo eram cassadas, os dados nas Tabelas 2, 3 €4 sao apresentados por periodo presidencial-legislativo. Os dados da Tabela (emendas orcamentérias) sio organizados em base anual, A Tabela 1 mostra o tamanho das maiorias legislativas verificadas em volacdes nominais finais que aprovam projetos que sao transformados em lei, utilizando dois denominadores diferentes: sim + nao; e 0 total de mem- bros da Camara dos Deputados. O primeiro denominador exclui auséncias © abstencdes; o segundo nao exclui qualquer um desses tipos de acao. Os dois denominadores sao necessarios Porque se somente o mais simples fosse ado- tado (sim + no), o tamanho das maiorias legislativas teria um viés a favor da hipotese segundo a qual os gabinetes de ampla coalizio observados no Brasil Sao, de fato, apoiados por maiorias legislativas correspondentemente amplas. Para evitar tal viés, o outro denominador hé de ser calculado. TABELA 1 Tamanho das maiorias legislativas verficadas em votages nominais fins que aprovam proje- tos transformados em lei, Por periodo presidencial-legislativo (1987-2006) . ‘Tamanho das maiorias tesa |e ta Enna ga norninais | dor - simmio) detepumton Comeso Fim % | Desvio-padrio | * Desvio-padrao 71/02/1987 | 14/03/1990 Sarney r 10 0,79 0,08 0,54 O1 73/03/1990 | 31/01/1991 Collor 6 0,71 0,12 0,62 0,13 “1/02/1991 | 02/10/1992 Collor i4 0,77 0,13 5 01 3/10/1992 | 31/12/1994 Ttamar 7 08 0,11 0,54 1 0,11 21/01/1995 | 31/12/1998 FHCI 49 0,74 0,06 0,57 0,09 ‘V01/1999 | 31/12/2002 FHC It 21 _| 0,74 011 0,58 0,09 71/01/2003 | 31/12/2006 Lulal 14 0,76 O11 0,55 0,11 “onte: Dados do Cebrap fomecidos por Argelina Figueiredo. 118 LEGISLATIVO BRASILEIRO EM PERSPECTIVA COMPARADA Nessa tabela, primeiramente, foram selecionadas da base de dados do Cebrap as votacées que continham a rubrica PRO quanto ao procedimento. Depois, foi realizada uma filtragem para que apenas as votagées que geraram normas juridicas fossem mantidas. Entio, foi feito um cruzamento, a partir do niimero de identificacao da votacao, com os resultados das votacées que figuram na base de dados. A partir do resultado das votacées, foram calcula~ das as maiorias. Convém ainda registrar que auséncias nem sempre ocorrem porque um deputado esta doente ou viajando. Auséncias podem ser decisées. estratégicas, no sentido de que os legisladores propositalmente deixam de estar presen- tes na Camara no dia de uma votacao nominal particularmente embaracosa para evitar o seu custo politico. O segundo denominador serve para captar 0 impacto de tais decisées. O tamanho médio das maiorias legislativas por periodo presidencial- -Legislativo em 1987-2006, calculado com base no primeiro denominador, foi de 76%. Esse valor é um pouco inferior ao encontrado na Italia. De acordo com Capano e Giuliani (2002, p. 21), “uma andlise mais detalhada dos tltimos cinco anos (1996-2001) mostra que mais de dois tercos das leis aprovadas na assembleia foram apoiadas por ao menos 95% dos MPs [membros do Parla- mento] e quatro quintos foram apoiadas por nao menos de 85% dos MPs”.6 No entanto, se se examina o tamanho médio das maiorias legislativas brasileiras com base no segundo denominador, o valor cai para 56%. De acordo com o primeiro valor de média das maiorias no Brasil, fica claro que os gabinetes nominalmente amplos do pais séo sustentados por amplas maiorias em plenério, pelo menos no que tange d etapa final do processo legislativo, Por esse critério, nao seria errado denominar o Brasil de democra- cia consensual. Porém, o segundo valor altera a figura, uma vez que maiorias médias de 56% implicam a existéncia de oposigao significativa no plendrio da Camara, o que vai contra um aspecto central do modelo consensual de democracia. Qual medida é a mais valida? Sea preocupacao do capitulo fosse com o tamanho médio das maiorias em plendrio em geral, a segunda medida certamente seria melhor. Contudo, cumpre ressaltar que o objetivo, aqui, é estimar o tamanho das maiorias legislativas verificadas em votagées nominais finais que aprovam projetos que sao transformados em lei. Mesmo que o primeiro denominador (sim + nao) exclua abstengées e auséncias, as maiorias incluidas na amostra sao todas efetivas, pois foram capazes de aprovar projetos. Isso é 0 que importa, ow seja, identificar quem governa. E o Brasil, entre 1987 e 2006, pelo menos com relacao ao estagio final do processo legislativo, foi governado por maiorias legislativas amplas, assim conferindo um pouco mais de confianca a sua classificagao como democracia consensual. (© BRASIL, LUPHART EO MODELO CONSENSUAL DE DEMOCRACIA 119 ATabela 2 apresenta dados sobre a frequéncia de leis aprovadas por meio do poder conclusivo das comissées. Houve um aumento impressionante da frequéncia dessas leis no comeco dos anos 1990. A partir dai, a percentagem de leis aprovada por meio do poder conclusivo se estabilizou nos dois mandatos de Fernando Henrique, com um pequeno pico no primeiro mandato de Lala. A percentagem média de leis aprovadas por meio do poder conclusive no Brasil no periodo 1988-2006 é de 12%. Giuliani (1997, p. 87) relata que, na Itdlia, entre 1948 e 1976, a média foi de aproximadamente 80%. No entanto, ocorreu um decréscimo consideravel nos anos 1980 e especificamente nos anos 1990, ficando abaixo de 10% na XIJ* legislatura (1994-1996), Assim, comparada ao periodo do auge do consociativismo na Italia (as primeiras trés décadas do regime democratico do pos-guerra), a média brasileira de leis aprovadas por meio do poder conclusivo das comissées é muito baixa. TABELA 2 Frequéncia de leis aprovadas por meio do poder conclusivo das comissées, por periodo presidencial-legislativo (1985-2006) Legislatura ; Namexo de leis apro- | tae) ge Presidente vadas pormeio do | 792 % Comego Fim: poder conclusivo 15/03/1985 | 31/01/1987 Samey 0 290 | 0,00 01/02/1987 | 14/03/1990 Samey 4 416 | 0,01 15/03/1990 | 31/01/1991 Collor 5 im | 003 01/02/1991 | 02/10/1992 Collor 56 293 | 0,19 03/10/1992 | 31/12/1994 Itamar 64 504 0,13 01/01/1995 {31/12/1998 FHC] 108 805 0,13 01/01/1999 | 31/12/2002 FHC I 133 860 0,15 ov/o1/2003 | 31/12/2006 Lulal 139 792 | 0,18 15/03/1985 | 31/12/2006 TOTAL 509 4131 | 0,12 Fonte: Compilacao prépria com base nos dados extraides de Por que as comissées brasileiras nao utilizam 0 poder conclusive mais frequentemente? Ou, em outras palavras, por que as comissées brasileizas sao fracas em comparacao as suas equivalentes italianas (nota bene: nas trés primeiras décadas do pés-guerra, periodo do auge do consociativismo na Italia)? Porque aquelas sio usualmente sobrestadas por requerimentos de urgéncia feitos pelos lideres partidarios (Pereira; Mueller 2000). Existem dois tipos de requerimentos de urgéncia: a urgéncia simples ea urgéncia urgentissima. Dois 120 LEGISLATIVO BRASILEIRO EM PERSPECTIVA COMPARADA tergos dos membros da Mesa da Camara, um terco dos membros desta (ou lideres partidarios representando esse niimero) ou dois tercos dos membres de uma comissio podem requerer urgéncia simples para um projeto de lei. Para que seja concedida, uma maioria simples precisa apoid-la numa votacao simbélica. A urgéncia simples permite apenas que um projeto de lei seja votado em algum momento durante a mesma sessao legislativa (uma sessio legislativa dura cinco meses). Ademais, somente dois projetos podem ser considerados sob urgéncia simples por sesso, Com relacdo & tramitagao da urgéncia urgentissima, esta deve ser requerida por meio de petigao assinada seja pela maioria absoluta dos membros da Camara ou lideres partidarios representando esse mimero. Para ser concedida, um requerimento deurgéncia urgentissima deve ser aprovado por uma maioria absoluta dos membros da Camara numa vota¢do nominal, ATabela 3 mostra que 29% das leis aprovadas em 1985-2006 tramita- ram sob regime de urgéncia.’ Assim, é plausivel afirmar que pode haver uma telagio indireta entre a utilizagao de um instrumento de, por assim dizer, Vocacao majoritaria (o pedido de urgéncia) ea relativamente baixa frequéncia de uma pritica consociativa, a aprovacio de leis por meio do poder conclusive das comissées.8 TABELA 3 Frequéncia de leis cujo projeto tramitou sob regime de urgéncia, por perfodo presidencial-legislativo (1985-2006) ———_legislatura Némoro de eis cujo | Presidente | projeto tramitou sob eral de % Comeco Fim urgencia as 15/03/1985 |31/01/1987 | _ Same 136 299 | 0,45 01/02/1987 {14/03/1990 | samney 91 425 [0,21 15/03/1990 [31/01/1991 | Collor 35 172_| 0,20 o1/oasi9e1 [02/10/1992 | Collor 113 302 | 0,37 os10/1992 [31/12/1994 | _Itamar 141 516 | 027 1/1/1995 [31/12/1998 | FHCT 220 a3s_ | 0,26 01/01/1999 | 31/12/2002 FHCIL 259 399 0,29 o1/o1/2003 {31/12/2006 | Lula 246 813 | 0.30 15/03/1985 |31/12/2006 | TOTAL 1241 4261 | 0,29 Fonte: Compilagao prépria com base nos dads extraidos de . Nota Quando a urgéncia foi requisitada pelas duas Casas do Congresso, 66 se contou uma requisiggo. © BRASIL, LUPHART E 0 MODELO CONSENSUAL DE DEMOCRACIA | 121 ATabela 4 apresenta a percentagem de leis ordinarias originadas em medidas provisérias (doravante, MPs) no Brasil em 1988-2006, por periodo presidencial-legislativo. Dessas leis, 19% foram iniciadas por medida pro- viséria, com um pico de 40% no primeiro ano da fracassada presidéncia de Collor e um aumento considerdvel para 28% no primeiro mandato de Lula, se comparado aos governos de Itamar Franco e FHC. Na Itélia, num perfo- do relativamente similar, 1987-2001, a percentagem de leis originadas em medidas provisérias é de 18,3% (Capano; Giuliani, 2001, p. 22). Portanto, 0 Brasil e a Italia sao muito parecidos nesse aspecto. TABELA 4 Percentagem de leis ordindrias originadas em medidas provisérias (MPs), por periodo presidencial-legislativo (1988-2006) Legislatura Presidente | Leis originadas em MPs | Total deleis | % Comeso Fim os/io/i968_|14/03/1990 | _Sarney 94 41s | 0,23 15/03/1990 [31/01/1991 | Collor 68 im | 0,40 o1/o2/ie91 [02/10/1992 | Collor 7 293 | 0,02 o3/1o/1992_ [31/12/1994 | Ttamar 69 504 | O14 oror/ise5_| 31/12/1998 | FHC 129 805 | 0,16 o1/o1/1999_| 31/12/2002 | FHC It 154 860 | 0,18 1/01/2003 | 31/12/2006 | Lulal 218 792 | 0,28 5/10/1988 [31/12/2006 | TOTAL 739) sea | 0,19 Fonte: Compilacéo prépria com base nos dados extraidos de . Contudo, nao é simples identificar o que est por trés das MPs. Deacordo com Pereira, Power e Renné (2005), existem duas linhas de pensamento na literatura académica sobre os motivos subjacentes ao uso dessa, prerrogativa do Executivo. A primeira linha, denominada de unilateralista, afirma que, quando o Executivo nao tem apoio legislativo, ele recorre mais aos decretos. A segunda, conhecida como delegacionista, sustenta que o Executivo utiliza 0 seu poder de decreto mais quando, de forma implicita ou explicita, a maioria dos legisladores delega essa tarefa a ele. O que nos dizem os dados? Como os presidentes brasileiros podem governar tanto por decretos quanto por projetos de lei ou uma mescla de ambos, Pereira et al. (2005) calcularam, para cada més entre novembro de 1988 e dezembro de 1998, a raz4o entre MPs emitidas e a soma de todas as iniciativas legislativas presidenciais (projetos de lei, emendas constitucionais e MPs), gerando uma amostra de 116 observacées. Eles utilizam essa raz4o como a varidvel 122 LEGISLATIVO BRASILEIRO EM PERSPECTIVA COMPARADA dependente para uma anilise estatistica (no caso, uma andlise de séries temporais). As variaveis explicativas incluem a proporcionalidade na alocacio de postos ministeriais aos partidos, a popularidade do presidente, o tama- ho legislativo do gabinete, a percentagem mensal média de deputados que, durante vota¢des nominais, seguem a recomendagao do lider do governo na Camara dos Deputados, o ciclo eleitoral, planos econémicos anti-inflacao iniciados pelo Executivo, periodos de lua de mel presidencial, a extensio da agenda legislativa do presidente, a taxa de inflagao, e uma variével bindria que captao direito dos presidentes a reeleicao obtidoa partir de 1997. As varidveis independentes que se revelaram significativas foram a proporcionalidade na alocagao de pastas ministeriais, 0 tamanho legislativo do gabinete, 0 ciclo éleitoral, os planos econémicos ea percentagem mensal média de deputados que votaram com o lider do governo na camara baixa. Enquanto a proporcio- nalidade na alocacao de pastas e a percentagem mensal média dos deputados que votaram com o lider do governo diminuiram o uso de MPs (relativo 4 soma de todas as iniciativas legislativas presidenciais), o tamanho legislative do gabinete, o ciclo eleitoral e os planos econémicos aumentaram o uso de MPs. Assim, os achados estatisticos de Pereira et al. tendem a validar alinha unilateralista. Vale a pena cit4-los extensamente: Estudado de forma isolada, Fernando Henrique parece se beneficiar da dele- ga¢ao. No entanto, se examinamos os dez anos ¢ os quatro presidentes em seu conjunto (..), hé apoio para a teoria da agao unilateral, O modelo abrangente sugere que, quando se controlam uma série de varidveis contextuais, 0 uso do decreto aumenta a medida que o apoio dado pelo Congreso cai, Isto esta completamente de acordo comas previsées de Cox e Morgenstern (2002), que aficmam que o uso do decreto é essencialmente uma fungao (negativa) do apoio do presidente na assembleia. Frustrados por um Congresso recalcitrante, os presidentes fardo uso do seu poder decreto de modo a contornar o Legislativo (Pereira et al., 2005, p. 195). Uma comparacao com a Itélia ajuda a reforcar a conclusao de Pereira, Power e Renn6. Para tanto, hé que antes se considerar o trabalho de Amorim Neto, Cox e McCubbins (2003). Ajustando a teoria de Cox e McCubbins (2002) originalmente desenvoivida para analisar 0 Congresso americano Para © contexto institucional brasileiro, Amorim Neto, Cox e McCubbins buscaram verificar a proposi¢ao segundo a qual governos efetivamente majoritarios controlam ou “cartelizam” a agenda legislativa. Existe um cartel legislativo quando os partidos que o formam raramente sio derrotados em votacées nominais envolvendo os procedimentos, o estabelecimento da pauta legislativa e o contetido final dos projetes de lei que foram aprovados. De “1 WUPHART & © MODELO CONSENSUAL DE DEMOcRACIA 123 forma mais precisa, um partido é derrotado nas votacées em que a maioria dentro dele vota contra uma proposta que é aprovada. Isso se chama “taxa de atropelamento” (em ingles, roll rate). Os partidos de uma coalizéo majo- ritaria devem ter uma baixa taxa de atropelamento, normalmente menor do compativeis com a existéncia de um cartel legislativo, Mais vecentemente, Amorim Neto (2007) apresentou dados sobre as taxas de atropelamento dos gabinetes nomeados no segundo mandato de FHC (1999-2002) e dos gabinetes nomeados nos 31 primeiros meses do Primeio mandato de Lula, isto é, entre janeiro de 2003 e julho de 2005. De acordo com esses dados, houve um cartel sob 0 segundo mandato de FHCe Sutto sob o primeiro gabinete de Lula, nomeado ex janeiro de 2003 e findo janeiro de 2004 (Amorim Neto, 2007, P. 65). Porém, as taxas de atropela- mento indicam nio ter existido um cartel sob 0 segundo gabinete de Lula, de janeiro de 2004 a julho de 2005. Ou Seja, sob os dois mandatos de FHC, Presidente que contou com as mais sdlidas maiorias legislativas no periodo 1985-2006, a percentagem de leis ordinarias originadas em MPs foi inferior a dos presidentes que enfrentaram sérias dificuldades no seu trato com o Congresso (Sarney no final da sua administracao; Collor no comeco da sua, ¢ Lula no meio do seu primeiro mandato). ram taxas de atropelamento bastante baixas, em média 0,5% (Cox, Heller e McCubbins, 2008, p, 186), indicandohaver solide controle da agenda legislativa a0 longo do periodo. Dado que todos os gabinetes italianos em 1988-2000 foram de maiotia, uso de MPs nesse pais pode ser mais associado & linha delegacio- nista do que no caso brasileiro.9 Portanto, aluz da comparacao entre o Brasil ea Italia, é possivel argumentar que 0 uso de MPs na nagao sul-americana fem componentes claramente umilateralistas 0u, 20 menos, nao obviamente motivados por um estilo decis6rio consensual, Finalmente, a Tabela 5 a seguir apresenta a quantidade de dinheiro requerido pelas emendas orcamentarias Por tipo de autor. A quantidade é medida comoa Percentagem dos investimentos totais feitos pelalei orgamen- taria anual no Brasil, em 2003-2008. Essa tabela simplesmente estende uma Outra originalmente concebida por Figueiredo e Limongi (2008, p.115), para ° periodo 1996-2001 (os dados para 2002 nao estao disponiveis). A medida 124 LEGISLATIVO BRASILEIRO EM PERSPECTIVA COMPARADA Propostapor Figueiredo e Limongi ~ a quantidade de dinheiro requerida pelas emendas orcamentérias por tipo de autor ~ é mais precisa do que a simples contagem do namero de emendas apresentadas Porque vai ao cerne do pro- cesso orcamentario: a alocagao de recursos fiscais. Existem cinco tipos de autores de emendas orcamentarias no Congreso brasileiro: o relator geral, os relatores setoriais, as comissdes, as bancadas regionais, as bancadas estaduais © os deputados individuais. Comissées, bancadas regionais e estaduais s40 Por definicéo coalizdes suprapartidarias (ou coalizées de todos os partidos), portanto, consensuais. Ento, se uma grande quantia do dinheiro consignado nas emendas orcamentatias for requerida por comissées ou bancadas regio- nais ou estaduais, se esta diante de outra evidéncia de praticas consociativas animando o processo decisério brasileiro. TABELA 5. Quantidade de dinheiro requerido pelas emendas orcamentétias por tipo de autor, medida como a % dos investimentos totais feitos pela Lei Orcamentéria Anual (2003-2008) ‘Autor 200320042005 2006-2007 ~——~2008 Relator geral 28 2,8 ? - - Relatores setoriais 0,7 04 - - - - Comissées 248 28,1 342-368 319333, Bancadas regionais 3,7 2,6 3,2 120 25 - Bancadas estaduais 653 64,2 595 579606 58,8 Deputados 28 24 3,2 42 50 8,0 Total (em milhdes deRS)_ | 37.473 53.284 58.288 60.775 60.419 50.109 Fonte: Compilagio prépria com base nos dados extraides de . A Tabela 5 mostra que, em média, 63,2% do dinheiro consignado nas emendas orcamentarias (do total de investimentos feitos pela lei orcamen- taria) em 2003-2008 foram requeridos por comissdes ou bancadas regionais ou estaduais. De acordo com Figueiredo e Limongi (2008, p. 115), esse valor foi de 50,9% em 1996-2001. Portanto, pode-se afirmar com seguranca que uum aspecto crucial do processo orgamentario brasileiro é gerido por coali- 26es suprapartidarias, mais uma evidéncia, portanto, de um estilo decisério consociativo. De acordo com o Grafico 1, a Itdlia é mais consensual do que o Brasil na dimensio executivo-partidos, De maneira coerente com essa diferenca, a aplicacao ao Brasil de medidas de praticas consociativas inspiradas na literatura sobre a Italia sugere que este pais também tem um processo legislativo mais consensual do que o daquele. Tais medidas, por serem mais diretas e precisas do que os indicadores de Lijphart, reforcam a confiabilidade destes quando © BRASIL, LIUPHART E © MODELO CONSENSUAL DE CEMOCRACIA 125 calculados para a na¢do sul-americana. E os célculos mostram que o Brasil, relativamente aos outros 36 paises avaliados no grafico, é uma democracia com um forte carater consensual. Conclusao Valendo-se de Lijphart, o carater consensual da democracia brasileira tem sido lowvado por varios analistas (Anastasia et al., 2007; Anastasia et al., 2004; Anastasia; Nunes, 2006; Santos, 1987). Porém, a obra daquele autor tem sido usada de maneira bastante seletiva no pais. Este capitulo procurou sanar um aspecto de tal uso ao aplicar ao Brasil todos os dez indicadores propostos pelo conhecido politélogo holandés. Os valores obtidos para o Brasil mostram ter essa nagio um sistema politico mais consensual do que o da India, uma sociedade profundamente dividida (Lijphart, 1996). Uma das proposigées centrais da teoria de Lijphart afirma que quanto mais dividida for uma sociedade, mais consensual deve ser 0 seu regime politico. Justifica-se, entdo, o alto grau de consociativismo do Brasil, se se considera a comparagdo com 0 caso indiano? A que necessidade responde o alto grau de consenso do processo decisério do Brasil, se nao se trata de uma sociedade rachada por agudas clivagens étnicas e religiosas?20 Surpreendentemente, essas perguntas jamais so feitas por aqueles que se apoiam em Lijphart para defender o consociativismo a brasileira. Como disse Timothy Power ao autor deste capitulo (em uma comunica- 40 privada), “o consociativismo brasileiro responde mais as necessidades do sistema politico do que as da sociedade”. Por exemplo, a pratica de governos de ampla coalizao, cerne do modelo consensual de democracia e uma das marcas distintivas do atual regime politico brasileiro, é, sem duvida, fundamental para que os presidentes governem efetivamente. Porém, nada na sociedade brasileira justifica que um gabinete presidencial tenha nove partidos, como foi o caso do quinto gabinete nomeado por Lula no seu primeiro mandato. Portanto, tem razdo Lamounier (2003, p. 271) quando sustenta que a estru- tura institucional brasileira é excessivamente consociativa, dado o nivel de heterogeneidade da sociedade. Outro traco do uso seletivo da obra de Lijphartno Brasil éa falta de aten- ¢40 para com o papel dos grupos de interesse no consociativismo do pais.11 De acordo com o indicador adotado por Lijphart para medir o indice de pluralismo de tais grupos, a pontuagao do Brasil é a mais majoritéria dentre os oito paises mais consensuais registrados no Grafico 1, isto é, aqueles que se encontram 126 LEGISLATIVO BRASILEIRO EM PERSPECTIVA COMPARADA no lado positivo dos dois eixos (Alemanha, Austria, Brasil, Holanda, fndia, Japao, Papua Nova Guinée Suica). Nao haveria af uma forte, contradicao dentro do consociativismo a brasileira que pode afetar 0 seu born funcionamento? Eis uma questo que merece ser tratada por futuras pesquisas, Por tiltimo, a literatura nacional que se inspira em Lijphart tem sido prédiga em destacar as virtudes politicas da democracia consensual e enfatizar que o desempenho desse modelo de democracia nao é inferior ao do modelo majoritario em uma série de politicas piéblicas. Cumpre aqui ressaltar que certamente alguinas instituigoes e praticas consociativas observadas no Brasil afirma que a ineficiéncia e a Paralisia deciséria estao entre os mais graves problemas do consociativismo (Lijphart, 1977,p. 50-51). Consoante o préprio Lijphart, esté na hora, pois, de os advogados do consociativismo a brasileira comecar a identi icar também seus defeitos e propor corretivos. © autor agradece as sugestdes ¢ os comentarios a versdes anteriores deste texto dados por Arend Lijphart, Timothy Power, Lucio Renné o Paolo Ricci, aassistencia de pesquisa de Carlos Frederico Coelho e Bruno Schroeder, ¢ as informagoes legislativas generosamente fornecidas por Argelina Figueiredo. Um agradecimento especial a Adalberto Cardoso or ter-se disposto a aplicar ao Brasil uma série de indicadoves relatives 4 organizacio e 4 atividade sindicais e patronais. Notas * Oprimeiro trabalho a utilizar a nogao de consociativismo ~termo earo a Lijphart, mas que nao é

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