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ge 0 0, ap BAREEYEYYY Imagens do outro, imagem de si: Alem das diferengas que foram cri- adas por hist6rias cuja profundidade e complexidade 6 agora comegamos a per- ceber, as culturas amerindias dos baixos territ6rios da América do Sul participam de uma imagem global do ‘amerindio* que recebe um forte investimento inte- lectual € afetivo. A.C. Taylor (1984) lem- brou como, desde o século XVI, a ima- gem do amerindio da floresta amazénica confundiu-se com a do selvagem na for- magao de um imaginirio do exotismo na historia do Ocidente e na elaboracio de um imaginirio do Outro na historia da etnologia. A estas representacdes do “amerindio’, na maioria das vezes dotadas de conotagio positiva no imagindrio oci- dental, opdem-se, nas sociedades onde ‘esses povos estio hoje em dia inseridos, representagdes variadas mas em geral de- preciativas do ‘primitivo. Ambas represen- tagdes se opdem em parte, mas juntas elas conferem aos amerindios uma alteridade radical, que influi sobre a for- magao de uma identidade ao suscitar a imposig¢ao de uma imagem e de um Status, Na Guiana Francesa, os Kalina conhe- ceram essa histéria comum. Estando em contato com 0 mundo europeu e crioulo desde 2 chegada dos europeus, os Kalina (Kloos, 1971) sio hoje, no entanto, entre todos 0s grupos étnicos presentes hi muito tempo na regio, um dos grupos que po- dem impor com maior forga e legitimidade a questio da representagdo, do lugar que ‘ocupam no processo de formagao de uma identidade, e que podem negociar as con- digdes de encenago institucional dessa ntidade - uma situagao que € pouco fre- Qiiente nas demais etnias anierindias da Guiana, a respeito das quais 0 etnologo & classicamente levado 3 fazer com que sua Prdpria visio do mundo prevaleca. A partir de um trabalho de pesq etno-histérica, elaborado em toro de um evento com uma carga simbélica conside- rivel para os Kalina ~ a vinda para a Fran- 4, em 1882 e 1892, de vrias familias para serem exibidas diante dos parisienses, nds gostarfamos de mostrar neste artigo como © projeto da fotografia antropol6gica do final do século XIX foi aplicado sobre pessoas deslocadas para a Franga, com 0 Ocidente exercendo através deste instrumento 0 seu “direito de olhar", € de que maneira seus descendentes pensam recuperar atualmente essas imagens, que constituem os testemu- hos de uma hist6ria que foi durante lon- gos anos deformada, desvalorizada, escamoteada, ¢ em torno da qual hoje se faz e refaz a identidade de seu povo.' Cadernos de Antropologia ¢ Imagem, Rio de Janeiro, 6(1): 65-80, 1998 * Una pinta eso deve wo {ot preset ro Coli “Seine et pe, xpi 193 pelo AHA, em Manca. "0 vataho relma Gir emia 8 Space de ors cepenclo ds ‘ot do —s eo “O Jardim Zoolégico da Acclimatation, dando seqiiéncia a suas interessantes exibigoes etnogrdficas...” Em 1877, os parisienses compareceram ‘em peso para assistir 20 espeticulo de “um ‘bando de animais exbiicos, acompanbado ‘por individuos ndo menos singulares”. Nes- te ano, o Jardim Zool6gico da Acclimatation, preocupado em atrair um pablico novo para tum lugar arruinado pelos efeitos da guerra de 1870, realizou paralelamente a vinda dos Snubiens", que acompanhavam um bando de animais africanos, 005 etnogrdficas que ‘anos. Mais de 20 grupos provenientes de diversos paises foram assim transportados para 0 zool6gico, de 1877 até 1903. Duran- te 0 verio, as pessoas eram acomodadas ‘no gramado, do lado de fora, onde uma réplica de vila indigena havia sido reconstituida; durante 0 inverno, elas eram abrigadas no interior de um galpao. As exi- bigdes organizadas posteriormente nao apre- sentaram 0 mesmo atrativo, uma vez que, neste interim, 0 processo tomou-se banal, gasto, tantas foram as oportunidades ou locais em Paris onde tais eventos foram ‘montados.? ‘As apresentagoes do Jardin d'Acclima- tation destinavam-se a um vasto publico, ‘mas nos primeiros anos 0s organizadores mostraram também uma pretensio cientifi- ca, chegando a convidar uma comissio de cientistas constituida pela Société Anthropologie de Paris para que viesse observa esses representantes de uma humani- dade primitiva: “A citncia americanista est ainda em seus primérdios. Ela deve se limita, por um longo tempo ainda, em recolher ma- teriais antes de tentar chegar as idéias gerais. Mas essa ciéncia progreiri muito lentamente fem razho das dificuldades imensas encontra- das pelo antropélogo e pelo etndlogo para continuarem suas pesquisas dentro das profundezas mas recénditas da grande flores- ta americana. Assim, quando os bons selva- gens do Nove Mundo nos fazem o favor de mostrar 0 seu acampamento no grande ball do Jardin d'Acc tation, como fazem os caraibas do comboio atual, nés s6 pode- mos nos congratular com isto, tendo em vista as investigagdes e pesquisas de nos- ‘sos cientistas” (Coudreau, 1892). Passados alguns anos, os antropélogos comecaram a duvidar do interesse das ob- servacbes etnogrificas efetuadas sobre po- pulagdes agrupadas nessas condigdes. Tor- nou-se evidente que 0 tnico objetivo des- sas *exibigdes etnogréficas” era atrair uma ‘multid’o de curiosos e que tinham uma finalidade puramente comercial. A sua ver- dadeira natureza tomara-se clara: nada além de espeticulos circenses, Alguns amerindios Kalina? (ou Galibi, como So chamados na Guiana até hoje), or- indrios da Guiana francesa e do Suriname, foram levados para Paris em 1882 e 1892 para serem exibidos no Jardin d'Acclimatation. Outs familias Kalina haviam sido apresentadas em ‘Amsterdam por ocasito da Exposigio Colo- nial a primeira no género), organizada na Holanda em 1883. Cadernos de Antropologia e Imagem, Rio de Janeiro, O(1): 65-80, 1998 Py Jn Action, 182. Fao de Pee Pe Pt, ee Nac Argos de Sod de Chap de Ps “Eles partiram para o pats dos brancos.”” Em 1882, umas 15 pessoas permaneceram ‘em Paris, de ulho a setembro. Junto com os Kalina, mandaram vir duas pirogas para nave- ‘gat no laguinho do Jardin e também varios objetos da vida cotidiana: “Grandes arcos € flechas,tridentes para a pesca, grandes estojos de palha trancada, de aproximadamente um metro € meio de comprimento por um decimetro de ditmetro,xicara de madeira ou terracota, uma espécie de abanador tringado para soprar o fogo, um tambor e uma flauta de bambi (Manouvrier, 1883). Trouxeram tam- bém da Guiana barro para fazer cerimica, algodio para que as mulheres trabalhassem as redes,fbra de arouman para que os homens Gadernos de Antropologia ¢ Imagem, Rio de Janeiro, 6(1): 65-80, 1998 _#l fabricassem cestas,folhas para cobrit as répli- a3 das palhoras exguidas para acolhé-los, provisées de farinha de mandioca € peixe salgado, “Durante 0 da, duas amplas choupanas larga- ‘mente aber, em forma de hangat, na beta do sande gramado do jardim, serviam como refigio ara toda a coldnia. Era ali que 0 pablco podia ‘observa 05 Galb, ora em seu tabalho de trancar cests ou bolas de diversas formas, ora deitados ‘em eseras ou redes(.) De noite, ou quando fala ‘may tempo, a colGnia se refugiava em uma cabana ‘mais confortivel siuada no centro do gramado e vida em vitios compartments. Ai, 0 dois cass tinham seu quarto separado, os dois rapazes tam- bém. A velha morava com sua fia, a mesia, a jovem Yaroumadalie 0 pequeno Aritamono." (Os lias sto organizatos, para as mulheres, em torno os cuidados com as criangas e das pequenas tare- fas domésticas, como a feitura de redes ou de ce- ‘mica, “Os homens, euja ica ocupacdo em seu as € praticamente a cag, encontravamse bastante desocupados no Jardin cAcclimataion, Os dois ‘maridos permaneciam quase absolutamente ocio- sof, deitados ou sentados perto de suas mulheres. Pegavam as criangas no colo enquantosuzs mulhe- ‘es tabalhavam. Comanépo, no entato, nio hes tava em ajudar a esposa 2 avar roupa e tomava ‘conta do pequeno com muita pacgncia® (bidem), Em 1892, outras familias Kalina da Guiana € do Suriname, umas 30 pessoas, chegaram outra vez em Paris. No dia $ de margo, illustration anunciava: “Depois de té-os obri- ado a fazer uma consulta com um médico ligado insituigio, o Dr. Geoffoy Saint Hilaire, diretor do Jardin ¢ Accimatation, instalou seus héspedes no novo Aall-boulevard, uma espé- cie de grande estufa cheia de drvores e de plantas exéticas. Construiram ali uma am- pla galeria de madeira, separada em duas partes por um corredor, com uma fileira de camas de armar de cada lado, onde sio jogados colchdes. £ neste lugar que os caraibas organizaram um acampamento exiremamente curioso de ser vistado, (..) te da galeria onde eles acampam, a administragio do Jardin des Plantes man- dou construir uma plataforma de carpinta- ria, bastante parecida com um palco de teatro, cercada de postes, onde estio suspensos utensilios que pertencem aos sel- vagens, tas corto remos, vasos, arcos, fle- chas, etc. (..) A galeria onde eles estio acampados € aquecida por fogbes, e para aludar os selvagens a agientarem a mudan- 2 de clima, durante o dia eles recebem Porgdes de punch ou de rum. Assim que 0 tempo permitir, seré erguida sobre a plata- forma uma cabana feita de troncos de drvo- te igual as de seus paises, ¢ eles ld ficardo de preferéncia. Sua estadia em Paris durard dois meses.” AA imprensa contemporanea reflete a cu- tiosidade equivoca suscitada entre os ¥i tantes pelo espeticulo do Jardin. A maioria dos esterestipos que neste final do século XIX servem para caracterizar 0s povos das colénias recentemente dominadas sto apli- cados 0s Kalina, © 0s textos publicados Por ocasito das exibigdes controem uma tipologia das representagdes do “selvagem” dentro de uma dupla variagao: de um lado, 4 origem das populagdes assim qualifica- das; de outro, segundo a pertinéncia social € cultural do redator, a matéria apresenta Cadermos de Antropologia e Imagem, Rio de Janeiro, 6(1): 65-80, 1998 inflexdes que traduzem o fato de ele ser uum simples *publicista", um sébio membro de sociedades eruditas ou um famoso via- jante Paralelamente, chega até nés, hoje em dia, o testemunho das pessoas que fizeram 4 viagem para Paris ha cem anos, e que foi transmitido através de duas ou trés gera- ‘gbes nas vilas Kalina. Enquanto a viagem de 1882 parece no ter deixado grandes marcas na meméria coletiva, a de 1892 Fepresenta um acontecimento importante na elaboragio que os Kalina da Guiana € do Suriname fazem de sua hist6ria recente: “Muitos foram embora, e a maioria era de jvens. Foram, numerosos, levados pelos brancos, e muitos morreram por causa do frio, poucos voltaram... Eles tinham sido Dresos para que os brancos pudessem vé- los, Ninguém podia sair. Todo dia, os bran- cos se reuniam para olhi-los. £ 0 que Maliana contava para minha mae, faz pou- o tempo que ela morreu. Havia muitos Kalina, maronis e irecoubos. Eo que contava também o pai dos meus flhos. (..) Otha, eles feram exatamente como estfo na foto; eram Viglados e os brancos vinham observé-ios en- (quanto trabalhavam, faziam cerimica..” "Os brancos mandavam-nos dancar, & 0 que ‘me contava Molko quando ela ainda era viva, Fla moriva nas margens da Mana. (..) Eram ‘muitos brancos, que se juntavam para vé-os. Tiravam fotos e 0s pagavam. £ 0 que Molko ‘os contava, bem como sua mie, que tinha ido ‘com ela...) Quando bebiam, os jovens dor- ‘iam do lado de fora, sentiam fio ¢ ficavam doentes. Quando os brancos vam que os Kalina rap ou, ge estavam comegando a more, mandaram-nos de volta para suas vias. O homem que cs tna leva- do ficou rico gras a eles.” (Langamankondre, Suriname/Awala, Guiana, 199) Em sua estadia em Paris, em 1892, no final do inverno europeu, os indios fica- am doentes; cinco deles foram levados para © Hospital Beaujon. Trés morreram inter- nados, outros talvez durante a viagem de volta. No dia 21 de abril de 1892, a Société Anthropologie fez uma sessio extra: “O Sr. Presidente pede a0 St. Gabriel de Monillet informagdes a respeita, dos dois Caratbas mortos no Hospital Beaujon. O Sr. Gabriel de Monillet afirma que atvalmente € impossivel estudar e fotografar os caraibas, que estes estio cansados com lantas visitas © fotografias © no querem ‘mais ser examinados. Na ocasito do fale- cimento do primeiro caratba, o Muséum pediu sua cabeca; esta Ihe foi negada pela Prefei- 12, No entanto, talvez possamos conseguir a obtencio de outras. O Sr. Hervé infor- ‘mou que hé atualmente um caratba sendo submetido 2 dissecagto no Muséum." O viajante G. Verschuur estava no por- to de Paramaribo quando o grupo desem- barcou, voltando da Franga: “No grupo, hé alguns que provocam isos. Sio os que Voltam da Franca vestindo um terno de uma loja de confecrdes qualquer, com 0 pesco- ¢0 preso por um colarinho de onde sai uma gravata da mais bela cor escarlate. De uma maneirta geral, sua odisséia nao [hes deixou boas lembrancas, segundo as expli- cagdes do guia que os trouxe" (Verschiur, 1893), Cadernos de Antropologia ¢ Imagem, Rio de Janeiro, 6(1): 85-80, 1998 “Bln do angio de Pa ino ‘esto de 1 de ai eto Fu Jan Acta 162 Coq pub a apes pre: sive asec de a semi os mens fa es Clb Jara Choa’, em La Vi Moon, 12 deg de 12 “Produsir a imagem 0 mais semelhante posstvel. Os Kalina agrupados no Jardin d'Acclimatation assim como os demais povos que eram trazidos das coldnias em formacio ou de outras terras longinquas fascinam os fot6grafos desejosos de fxarem a imagem desta humanidade singular, As imagens realizadas por eles constituirio a base das gravuras que ilus- ‘tram os artigos publicados pela imprensa da poca, mas serdo destinadas também 3s socie- dades erudias, como material centfico impres- Cindivel para 0s estudos de antropologia fsa Pierre Petit (1832-1909) fez intmeros clichés dos Kalina que foram trazidos para Paris em 1882. Discipulo de Disdéri, Petit era um especialista no que se chamava entdo de “cartao postal’, seguindo uma tra- diglo de retrato herdada de Carjat e de Nadar. As fotografias dos Kalina deixadas por ele manifestam esta arte da composi- 0 que torna o retrato fotogrético pareci- do com a pintura: trabalho de construgio da imagem, arranjo da pose, escolha dos acessérios, insergio do sujeito em um ce- nirio de pedras e folhagens, que consttu- ‘em transformagdes da tela pintada e da ‘mesinha que costumavam servir de decora- 0 para 0 relrato tipo “cartio de visita’. Mas Petit € alguns outros fotografos acos- tumados com o Jardin d’Acclimatation e com ‘exposigdes trabalhavam como artista, atra- ‘dos pela estranheza do tema e pelo suces- Cadernos de Antropologia « Imagem, Rio de Janeiro, 6(1): 65-80, 1998 50 ambigio que essas exposigdes suscita- ‘vam junto ao piiblico parisiense, O mesmo io aconteceu com um empreendimento grandioso que foi elaborado a partir de 1883 pelo principe Roland Bonaparte. Rico herdeiro, apaixonado por geografia € antropologia, homem que mais tarde dddicard sua fortuna para estimular e ajudar 4 pesquisa cientifica, Bonaparte tem em ‘mente um projeto ambicioso: juntar, no decorrer de suas viagens e visitas as exposigdes, uma ampla colegto de vérios milhares de clichés antropol6gicos sobre os povos do mundo. Esse empreendimento guarda certas semelhangas com aquele efetuado, na rota dos exploradores ou militares, nesta segunda metade do século XIX, pelos fotégrafos que mergulharam em um verdadeiro inventirio etnografico, arqueolégico ou monumental do planeta Uma ambiglo que se manifestard também, mais tarde, em Edward Curtis, por exemplo, que durante mais de 20 anos, através de dezenas de milhares de fotografias, ealizaré sua busca das culturas amerindias do Oeste, assim como 0 fizeram igualmente virios ‘outros pioneiros da fotografia etnografica No entanto, se 0 projeto & de fato comum ~ dar conta, pelo inventirio fotogrifico, da diversidade das culturas que a expansio colonial revela -, a construgio do olhar obedece a uma intengao que varia bastante. Bonaparte fotégrafo Mais cientista do que anista, apaixonado pela antropologia mais do que pela fotografia, ape ect, gn Bonaparte ndo teri lugar na linhagem dos rmesires da fotografia que marcaram seu sécu- lo, Sua abordagem esté antes de mais nada ligada ao desejo de elaborar, por intermédio da tomada fotogrtica, 0 projeto de uma bis- ‘ria natural do bomem, segundo 0 progra- ‘ma imaginado por Paul Broca e seus disci- Pulos’ Em seu primeito trabalho, 0 Gnico Propriamente antropol6gico que conhece- ‘mos, 2 Monographie des babitants du Suriname, para o qual reuniu o material 9s 25 anos quando visitou a exposigio colonial de Amsterdam em 1883, ele cita 0 ensino de Broca ¢ determina como objeto, seguindo seus mestres, “a mondgrafia do homem, isto €, 0 estudo do homem fisico € de suas manifestagdes". Para ele, existem duas maneiras de se atingir este objeto, dois instrumentos classicos de trabalho: 0 questionério etnografico, segundo um pla- no monogrifico do qual fornece uma ver- sfo na introdugio de sua obra, destinado a colher ‘todas as informagies relativas as manifestagdes do homem’, e 2 fotografia sistemética, junto com a tomada de mensuragbes, para “descrever 0 homem’ Ele aplicou ambos os métodos nos Kalina, que observou em Amsterdam, assim como nos demais grupos (crioulos, bushinenges) apresentados na exposig2o colonial. Pouco importa na verdade se ele foi o autor dos lichés que conhecemos ou se delegou essa tarefa para algum colaborador: ele mesmo regulou cuidadosamente as condigdes das tomadas, definindo enquadramentos e con- digoes de iluminacao, escolhendo os sujei- tos € presctevendo as poses, em perfeita sintonia com as instrugdes da Société Anthropologie. Gadernos de Antropologia « Imagem, Rio de Janeiro, 6(1): 65-80, 1998 72 Cadermos de Antropologia ¢ Imagem, Rio de Janeiro, 6(1): 05-80, 1998 Prt, juin dAcinastiog, 192. eos de Rod Beate ‘bls en Gla! Calor Kali der amir 2 ar Phares ds prince Bland Dap, Chis, Pu, 18, 1S p Fo nds pel Fone do tac do Hone, Pat rugs oa, age es Aplicadas pelos membros da Société Anthropologie de Paris ¢ da Ecole Anthropologie, as Instructions pour les recherches antbropologiques redigidas por Bro a, em 1965, cotificaram de fato 0 uso da fotografia nas pesquisas de campo: ‘Reprod riremos através da Fotografia: 1) as cabecas nuts que deverio sempre, sem excecio, se rem tomadas de frente, ou exatamente de perf 8 outros pontos de vista nio tém nenhuma utitidade; 2) retratos de pe, tomados exatamen- te de frente, com o sujeito de peé, nu na me. Aid do possivel, com as bracos pendentes a0 lado do corpo. Todavia, os retratos em pé com as vestimentas caracteristicas da tribo também. ‘ém sua importincia.” Veremos que a série de retratos realizados por Bonaparte para sua colegao segue escrupulosamente estes preceitos. A maneira segundo a qual Bonaparte € os ‘outros fotdgrafos que tabalharam na esfera de influéncia da Société «Anthropologie pratca fam o retrato tem muito pouco a ver com os inones da escola retratista que marcou a historia da fotografia na Franca no meio do século XIX; numa certa medida, ela chega a ser quase sewn pasts, A ate dha retraty Fotogrific, em su forma clissiea ilustrads, notadamente por um Carjat ou um Nadar, & antes de mais nada uma arte di compost sao. Os fotégrafos adotam como regra in {erpretar seu modelo pelo trabalho de cons- trugio, 20 qual se dedicam determinando as poses, introduzindo acess6rios, constru- indo 0 cenfrio em harmonia com a perso- nalidade de cada modelo. O fot6grafo re- tratista deve, de alguma maneira, dar 20 envelope fisico, cujo traco ele fixa sobre a Cadermos de Antropoiogia ¢ Imagem, Rio de Janeiro, 6(1): 65-80, 1998 {N.S ed edo rome em sien pin, sad em leopais gelatina, uma forma modelada sobre o ser profundo do sujeito. 0 método fo sistematizado e teorizado nos escritos de Bugne Disdéri (1862), um dos meses do retrato do meio do século XIX: “A primeira coisa que 0 fotdgrafo desejoso de cobter um bom retrato deve fazer € penetrar, através dos mil aspectos sob os quais ele vai ver seu modelo, 0 tipo real € 0 verdadeiro catiter do individuo, € estudé-lo ¢ conhect-lo. Somente nesta condicao, poder conceber um modo de representacio apropriado, escolher tanto a atitude quanto o gesto ¢ a expresso, ‘bem como a distincia e a luz, a vestimenta € 0s acessérios do quadro, ¢ efetuar a busca das combinagbes 6ticas proprias para evidenciar aquilo que suas observagdes Ihe revelaram; fem summa, compor 0 retrato.” Antropologia e poltcia Durante a segunda metade do século XIX surge outra escola, para @ qual a foto- grafia e, principalmente, o retrato, nio tem rnenhuma ligagio com a arte da composi- ‘20 que @ aparentava 2 pintura, da qual nao passava de mera imitac2o, ou, na melhor das hipéteses, de um pobre auxili- ar, Para esses fot6grafos, a técnica, agora bem mais desenvolvida, tornava possivel a realizaglo da tomada instantinea gracas 20s aperfeigoamentos introduzidos pela gelatino- bromure® “Pois, enfim, salvo excegdes, a cimera nio sabe ment’, exclamava Alphonse Bertllon, que ‘em 1880 inventou os métodos da antropometia judicira, aplicando notadamente 2 identificacio polical a técnica da tomada fotogréfica. Filho de Louis-Adolphe Bertllon, médico e demégrafo, ‘um dos fundadores (junto com Broca) da Société ‘Anthropologie de Paris, Alphonse Berillon se considerava um antropélogo; aceito como rmembro da Société em 1880, ele publicou em 1882 uma obra de “oulgarizardo”initulada Les races sauvages, que teve uma recepeio apenas polida por parte de seus colegas. ‘Alguns anos mais tarde ele adaptou para uso poll o método elaborado por Broce seus ds- cipulos. Para Berilon; que apresentou sua obra sobre a antropometria juicer 1886, pernte a Société ‘Anthropologie (Sesto de 4 de margo de 1886), 0 procedimento judiciirio ¢ o procedi- ‘mento centfico sko muito parecidos: “Ente a an- ‘eopologiajudiciia € a antropologa cintica, existe uma semelhanga, para io falar uma iden- tidade de metas. Esta Gltima compara ragas, a primeira compara individuos, a fim de estabelecer suas diferencase similtudes.” Assim como 0 po- licial do departamento de identidade judiciéria, en- carregado de reconhecer os delingientes, ou como ‘0 médico no asilo de San Clemente, em Veneza, ou junto a Charcot em Salpétrire, fixam sobre uma pla- a sensiel 05 retratos que possibiltario uma let ‘tura nosogrifica da histeria, na mesma época, 0 fot6grafo-antropélogo ‘deve constituir colegées, séries, formar arquivos, a fim de permitir 0 estudo comparativo cujo programa foi elaborado por Bro- ca (871): "Mesmo camregando a marca incontes- ‘tavel e incontestada do tipo fundamental, a hu- manidade apresenta em suas inimeras varieda- des profundas modificagdes, que atingem 20 mesmo tempo os caracteres externos, os caracteres anatbmicos e isioldgicos, os craceres intelectuais e morais.” Cadernos de Antropologia « Imagem, Rio de Janeiro, (1): 65-80, 1998 O fotdgrafo retratsta, & semelhanga do pintor, interpretava seu modelo. Postulan- do a identidade entre 0 sujito e sua repre- sentagio fotogrifica, o fot6grafo-antropélo- go deve, pelo contririo, “produzir a ima- ‘gem mais parecida possivel". E, como ob- Serva Bertillon (1890), isto demanda que se Penetre além das aparéncias, para ler “a ‘expresso fisiondmica do sujeito"; 0 foté- srafo deve captar no rosto ‘a natureza dos ‘sentimentos indiferentes ou passionais que © agitam naquele momento”. A identifica- $80, objeto tanto da fotografia polical, como, de certa forma, da fotografia antro- poldgica, consiste, assim, menos no reco- nhecimento do rosto e mais na leitura da alma. As paixdes modelam assim a face; 0 espitito dé forma ao envelope camal, ¢ é Possivel, através do estudo dos traos, pe- netrar nos niveis profundos de uma perso- nalidade, ler nos rostos as ameacas de um desvio social ou os sinais de alguma selva- geria: a velha teoria gnoménica, de lLavater a Lombroso, impregna o século XIX. © retrato, para Bonaparte, que reunia € dlassificava em Albuns milhares de clichés ra, antes de tudo, um meio seguro de obter © conhecimento antropolégico dos verda- deiros desviantes da humanidade, isto é, aos olhos de seus contemporineos, os re- Presentantes das ‘racas primitivas". Através de sua colegio, & 0 homem em sua diver- sidade, em sua historia ~ a antropologia estava na época impregnada pelas teorias evolucionistas ~, que se pretende captar ¢ que se deseja mostrar: trata-se de dar um osto € um corpo a0 continuum da huma- nidade, ge ot, pen ds Reapropriar-se de sua imagem... Estas séries de retratos que constitufam © material para 0 estudo cientifico, segun- do 0 projeto da antropologia iniciante do final do século XIX, perderam seu interes- se depois de algum tempo. Continvam, entretanto, sendo hoje documentos que ‘marca etapas de uma hist6ria da antro- ologia e testemunhos de um momento da hist6ria humana. Doadas pelo principe Bonaparte 2 Société d'Anthropologie de Paris © & Société de Géographie, as fotos dos Kalina © os clichés correspondentes esto hoje conservados no Musée de Homme, seguindo os procedimentos ¢ as Normas que regulam o funcionamento das fototecas. Em 1994, a Association des Amérindiens de Guyane (AAGF) quis realizar, a partir dos dlichés de Bonaparte, uma exposigio destinada 4s comunidades Kalina da Venezuela, uma ramificacio deste Povo separada pelas fronteiras coloniais. Apesar dde a questio nio tendo sido levantada em uma exposigao realizada anteriormente em Paris com as mesmas fotografias, desta vez a fototeca detentora dos clichés do principe Bonaparte exigiu o pagamento de direitos para 2 utlizag20 dos clichés pela AGF. A reaida- de da propriedade dos clichés, proveniente de onativos ou depésitos sucessivos, nto podia Set contestada de maneira razoavel, mas o argument no era aceitivel para os respon- siveis pela AGF, que declararam nao que- ter efetuar 0 pagamento para fazer uso de fotografias de membros de suas familias. Cadernos de Antropotogia ¢ Imagem, Rio de Janeiro, 6(1): 65-80, 1998 © caso, no entanto, nao se reduzia apenas a uma disputa, apesar de banal, entre ‘uma fototeca e seus usuarios. Os Kalina vim nessa situago uma transfiguracto, para a atualidade, da maneira como seus ances- trais, colocados sob o olhar dos vistantes, haviam sido despossuidos de sua propria imagem e propiciado o enriquecimento suposto das pessoas que tinham organiza- do sua exibigio. O incidente Ihes formeceu 4 oportunidade de afirmarem uma posiclo de principio, e eles se indignaram com 0 fato de que esas fotografias pudessem ser utilizadas sem seu conhecimento para ex- posigdes ou publicagdes. A partir dai, a questio passou a ser dirigida 20 etnélogo, a quem pedia-se que atuasse no caso en- ‘quanto mediador. As discussdes diziam res- peito tanto a dimensio juridica do proble- ‘ma encontrado, quanto as suas conseqién- cias éticas: em que condigdes poderia apli- care, relativamente a estas colegdes foto- grificas, 0 direito que a pessoa detém so- bre sua imagem, como diz a lei de 17 de julho de 1970, relativa & protecao da vida privada? E que estatuto € conveniente atti buir-se hoje em dia 2 documentos fotog; ficos deste tipo, produzidos ha um século pela pesquisa etnolégica, sob as diversas formas que ela assumiu sucessivamente? Da consulta as obras especializadas que retinem a abundante jurisprudéncia que acompanha esta lei parecia se destacar uma atitude constante do juiz, que ia no sentido de «uma restrigio ou de uma contestacio do dire to 20 uso da imagem de uma pessoa, quando esta € captada sem 0 seu consentimento, em lugar ou ocasito privados. ( Frémond, 1981). Sem prejulgar a attude dos juzes caso fossem assumir esta disputa, podia-se entdo, com se- Tiedade, sustentar que as pessoas fotografadas por Pierre Petit, em 1882, e, em 1892, pelo principe Bonaparte, o tinham sido de ple- ‘no acordo, e que esse acordo havia sido dado por elas com inteiro conhecimento de causa, uma vez que a propria existéncia da fotografia e a natureza de suz utilizagio thes eram, como € de se esperar, inteira- mente desconhecidas? £ verdade que cem anos se passaram desde que os clichés foram realizados, e todas as pessoas retratadas jf faleceram. Mas, aqui, também, a jurisprudéncia parece ter optado por uma protecio do individuo ‘em sua vida privada até mesmo aps a sua morte. E jé que a jurisprudéncia apcia-se ‘em geral neste caso sobre a nogio de aten- tado @ vida privada, o que dizer dessas fotografias que mostram os sujeitos em uma rnudez quase total, que reveste na cultura do fotdgrafo e do espectador um sentido € um valor bem diferentes dos cinones da cultura e da ética kalina? Ao construir essas imagens, o fot6grafo fixava sobre a pelicu- la muito mais os *selvagens* do que retra- tos de homens ¢ mulheres. Para os sesponsiveis pela Association des Amérindiens de Guyane, o problema ‘mo parecia no entanto estar relacionado a ‘um tratamento juridico, o qual eles pres- sentiam que seria longo, complexo e, no final das contas, iris6rio, em comparagio com o que eles desejavam afirmar, © 4 aventura processval nem foi tentada. Entre- tanto, a revista Eubnologie Frangaise rela- Cadernos de Antropologia ¢ Imagem, Rio de Janeiro, 6(1): 65-50, 1998 tou um caso semelhante sob virios aspec- tos que foi contestado com éxito na justica alguns anos atris, 0 que mostra que a re- feréncia a dimensio juridica do problema & ‘muito mais do que uma simples cléusula de estilo: uma fotografia representando os convidados de um casamento na regiio da Bretanha nos anos 30 foi exposta por um ‘Museu em uma exposig2o. Um vistante se Feconheceu na foto quando era crianca, 50 nos apés a foto ter sido tirada. O museu foi condenado pelo tribunal a retirar a fo- tografia da exposiglo e do catélogo, ale- gando que “ele cometera um atentado 2 Vida privada de (..), naquilo que esta tem de intimo, a saber que ela pertence unica- mente a ele e aqueles aos quais ele dev 0 direito de conhect-la." A decisto do juiz suscita questées im- Portantes para a prética da pesquisa etnolégica e sua difusio cultural: além do aso particular citado, além das tomadas das por Bonaparte no Jardin @Acclimatation ou em outras exposicées, ‘io seria um julgamento desses suscetivel de ser aplicado a grande parte dos milha- res de clichés tirados pelos etndlogos em seu trabalho de campo, e que foram con- servados nos museus ou em centros de do- cumentacao especializados? Das tomadas de Bonaparte até as fotografias *de campo" mo- demas, ndo hé grande diferenca de nature- 24, as intengdes ~ se no técnicas - perma- necem as mesma. Exposto nestes termos, nesta escala ¢ dentro de uma faixa de tempo téo ampla, © problema deixa de ser juridico para tor- rapes ote, gen nar-se ético. A relagio que o etndlogo ‘mantém com seu campo ¢ as populacdes estudadas passou por uma modificagao essencial com o fim da situaco colonial e ‘com 0 acesso de fragdes dessas popula- G0es aos cédigos culturais e & midia, que © etndlogo usa em sua propria sociedade para dar conta de suzs observagies. Essa situagao inusitada, que coloca potencial- mente face & face dois atores que durante ‘muito tempo permaneceram confinados em caulturas e sociedades que nada tinham em comum, abriu 0 caminho para um amplo debate sobre o lugar que convém conce- der de agora em diante 2s populagdes que foram tradicionalmente objeto da observa- 0 etnogrifica, na construgdo que se faz hoje das representagdes de sua cultura. Assim, hi mais ou menos uns dez anos, um didlogo foi instaurado a respeito dessas questdes no Canada e nos Estados Unidos, entre os responsiveis culturais € politicos autéctones € 9 mundo universitirio e da Pesquisa, levando por exemplo o Canadé a formago de um *Grupo de Trabalho sobre ‘05 Museus e as Primeiras Nagdes”, a fim de discutir 0 lugar e a fungio que se deve ‘agora atribuir nessas instituigdes aos mem- bros dos povos cuja cultura cuja histéria elas representam (Dorion, 1992). Sem esconder os riscos de um desvio, Perceptivel por tris de certos propésitos marcados com o selo da “political correctness”, € Obvio que as novas rela- ‘9bes que tendem a se formar dessa manei 12 estlo em sintonia com uma antropol ‘agora mais preocupada em respeitar aque- les sobre os quais ela pde os olhos, e que Gadernos de Antropologia ¢ Imagem, Rio de Lanciro, 6(1): 65-80, 1008 1 ey denen de 1991, om Ave Yana, prize se Pana ‘tanto. Dor Cait em Pa 1082 pr cca do eine arena ds ‘secon des ‘anions de (Gaya fanaa Em even de 199, 2 pio tans ‘Serio om Pie ‘a apsencs ro Made Naa et est eden epi no gato A comereraso do 3 cm > seca do di mundo. * Deze de 15. ‘Aegogo Pasa ‘toarbal fa inayat om ‘ule aliape, ona ‘comune ann Gaia A cinta, ue smacaa tan © 1 anit ds scion ds ‘tens de (Gyan, ccores com 2 prensa ‘Maras lcs © eerste da Replica. No fa i fesice, Dit, chee ce oma va ‘omnia, we ren ie Ni everane er Kte in exp. Os trac cs fxm ‘ilo mal m0 fsa, «hj vot en 0% moa (9 ces sind 5 ais foes, pore slo des qe poser (era de nscs ce va as dificuldades evocadas no presente artigo poderiam encontrar sua solucio na criagao esse tipo de didlogo. Mas como deixar de ver também que € a presenca no territrio nacional (¢ no em terras de *além-mar’, de estatuto ambigio) de uma contestacio levada pelos préprios povos, que sto obje- to do discurso e das praticas museogrificas, que levou esses pafses a recolocar em questio maneiras de agir herdadas em par- te da situagio colonial, quando os ecos deste debate ainda chegam na Franga extremamente amortecidos. As fotografias de Bonaparte e de Pierre Petit sio igualmente os reratos de homens e ‘mulheres que viveram na virada de dois sécu- los, e, para alguns dels, a algumas décadas ars, Virias dessas pessoas fotografadas sio ‘dentficadas pelos Kalina de hoje — seus flhos € netos; elas sio nomeadas, € podemos situi- Jas com certeza nas genealogias das familias atualmente presentes nos paises Kalina. Blas testemunharam quando voltaram para seus vilarejos 0 absurdo e a dureza da viagem na qual foram langadas; seus relatos ainda sto ‘contados com grande emogio pelas pessoas ‘que conviveram com elas. Esta inscrigdo no presente, que possibi- lita 2 transmissio dos testemunhos relatados pelas pessoas deslocadas, confere um valor bem particular 2 esses documentos fotogrfi- 05, que hoje em dia sio muito mais do que ‘meros documentos, por mais preciosos que sejam a0s olhos dos pesquisadores. A existén- cia desses retrtos era ignorada pelos Kalina, ue 0s descobriram durante 0s preparativos para as exposigdes comemorativas (em 1991 € 1992) da viagem efetuada cem anos antes para Paris Longa e apaixonadamente con- templadas & comentadas nos vilarejos, es- sas fotografia transformaram-se no suporte de uma meméria familiar e coletiva para os Kalina da Guiana e do Suriname, que pro- ccuram hoje tragos de sua histéria e raizes de sua identidade étnica. Aos olhos dos responsiveis Kalina, esses documentos, conservados na Europa enquanto colecdes documentirias, tim o valor de um patrimo- nio que eles consideram que pertence, antes de mais nada; a eles mesmos. Levados a assumir uma certa prudéncia, até mesmo uma desconfianga bem real, plas ligdes que puderam tirar de uma lon- 2 convivencia com 0 mundo colonial, as elites Kalina quiseram colocar, hoje, atra- vés da reivindicagio da capacidade para exercer um controle sobre a utilizagdo que € feita das fotografias de seus parentes, a ques- {Ho da manutenglo de um genuino “diteto de lar sobre sua sociedade e sua cultura? Mas, por ts de tudo isto, desenha-se para amanha esta outra questio: qual é a imagem de sie de ‘suas relagdes Com 05 outros que esse povo pode construir de maneira aut6noma, e, de uma cert forma, opor aquela que é veiculada pela letura ocidental da histria? Notas Os clichés dos amerindios que foram para Paris em 1892 € os dos que estavam presentes em Amsterdam em 1883 ~ publica- dos em Les babitants de Suriname... (Bonaparte, 1884), tirados sob a diregio do Gadernos de Ansropologia e Imagem, Rio de Janciro, O(1): 65-80, 1908 principe Bonaparte, esti conservados na Photothéque du Musée de "Homme. As fotos ~ mas no as placas comespondentes ~ dos Galibi apresentados em 1882 em Paris (fotos de Pierre Petit) esto reunidas em élbuns consttuides por Bonaparte, guardados pelo Département de Cartes et Plans de la Bibliotheque Nationale (acervo da Société de Géographie de Paris) © acervo Bonaparte da Photothéque du Musée de I'Homme em Paris contém vitios Referéncias bibliogrdficas 5 BERTILLON, A. (1890), La photographie judicaie,' ciado em 'Dy bon usage de. la photographie. Une anthologie de textes. Pa- tis: Centre National de Photographie. BONAPARTE, Roland. (1884), Les habitants de Suriname. 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Roland Bonaparte, neto de Lucien, iimao de Napoledo I, € 0 pai da psicanalista e aluna de Freud, Marie Bonaparte. Ver 2 respeito do personagem de Bonaparte: Peaux-Rouges. Autour de la collection antbropologique du prince Roland Bonapane, Editions VAlbaron, Thonon-les-Bain, 1992, p. 112. FREMOND, P. (1981), Droit de la photographie, droit sur Vimage. Paris: Dalloz GALA, |, Des sauvages au jardin. Les exhibitions eth ques du Jardin ’Acclimatation de 1877 2.1912. Paris: Bibliotheque du Musée des Ans et Traditions Populaire. fd, 135 p. Mimeo. KLOOS, P. (1971), The Moroni River Carbs of Surinam. Assen: Van Gorcum & H.M.G. Prakke. p. 304, MANOUVRIER, L. (1882), “Sur les galibis du Jardin d’Acclimatation”, in: Bulletin de Ja Société d’Anthropologie’ de Paris. p. 602-643. COUTANCIER, Bemoit (org). (1992), Peaux- Rouges. ‘Autour de’ la collection an du prince Roland Bonaparte, ‘Thonon-les-Bains: Editions IAlbaron, p. 112. TAYLOR, A. = Ch. 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Aer dea poplso™ los conan hve tea ea camry dt te iin dete mito tengo, ses crinam sedo um egies city sad 9m ur ope 30 os povos mas imran desta gj, stare presen dees, Resumo: © povo Kalina, na Guiana Frances, tee contato com o mundo colonial e depois com o mundo iouo, Hoje, entre os grupos énics dessa ea, eles sto os que mais quesonam a manera pela qual sua cultura € representada por insiuigdes extangeias, © método fotogrifico antropol6gico foi aplcado a virias familias Kalina levadas para Paris € Amsterdam em 1882 e 192, para serem exbidas como cuisidade; um séeulo depois, seus Gesoendentes, Jncorporaram a meméria dessa viagem no processo de construgdo de sua identidade tent recuperat © controle sobre essas imagens, que hoje pertncem 4 museus eurpeus. Palavra cae: Indios Klin, acewos fotos, propriate da imagen, fotografia no século XIX Abstract: In French Guyana, the Kalina had contact with the colonial world, and later wih the creole word, ever since the arial ofthe European. Today, they are the ones among the ethnic groups in this area who most strongly question the way their culture is represented by foreign insttuons. ‘The andvopological photogaphy method was applied to sever! Kalina fais brought o Pars and Amsterdam between 1882 snd 193, to be shown as cutesies; one cont lteter descr Incorporate the memory ofthis trip in the process of constructing thet ideaties and try to recover the Control of these images, which now belong to european museums. Reebio em nto de 1996, ‘Aprorado em dezearo de 19. Cadernos de Antropologia ¢ Imagem, Rio de Janeiro, 6(1): 65-80, 1998

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