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Colegao ANTROPOLOGIA SOCIAL diretor: Gilberto Velho © Riso £0 Riser Verena Alberti ANTROPOLOGIA CULTURAL, Franz Boas © Esriniro Miurran (Os Muurazes € « RePUBLICA Celso Castro Da Vion Neavosa Luiz Fernando Duarte Ganoras v= Procana Maria Dulce Gaspar Nova Luz soare 1 ANTROPOLOGIA Clifford Geertz © Compiavo va Pouca Karina Kuschnir CCurrura: uM Concer ANTROPOLOGICO Roque de Barros Laraia AUuTORDADE & AFETO Myriam Lins de Barros Guerra De Oxné Yvonne Maggie = Cucruna & Razio PRAricn Ihuas 0 HisTORA Marshall Sahlins (Os Mandaeins MILAGROSOS Elizabeth Travassos ANTROPOLOGIA URBANA Déswio € Drerctncia Iwomwouausmo © CucruR® Projero © MetaMORFose SuajermoAde € SocieDave A.UroPa Uneana Gilberto Velho Pesquisas Unsanas Gilberto Velho e Karina Kuschnir (© Mundo Funk Canioca (© Misrénio 00 Sama Hermano Vianna BEZERRA DA Suva ProouTO 96 MoRRo Leticia Vianna (© Muno on AsrroLocin Luis Rodolfo Vilhena Franz Boas Antropologia Cultural Textos selecionados, apresentagao e tradugao: Celso Castro Jorge Zahar Editor Rio de Janeiro ‘Copyright da selecto de textos eapresentagao © 2004, Celso Castro Copyright © 2004 desta edgar Jorge Zahar Editor Ltda ra Mexico 31 sobreloja 2031-144 Rio de Jancio, R) tele (21) 2240-0226 / fax: (21) 2262-5123 ‘e-mail: jae @zahar-com-br site: wwwzaharcom.be ‘Todos os direitos reservados. A reprodusso nio-autorizada desta publicao, no todo ‘ou em parte, constitu violacae de direitos autorais. (Li 9.610198) pa: Valeria Naslausky Foto da capa: Franz Boas representando a danga do spirit canibal, parte de uma cerimdnia da sociedade secreta Hamatsa, dos indioe Kwakiutl (Vancouver, Canad) foto fo tirada para servir de modelo ao escultor de um diorama em tamanho natural, exbido no United Statet National Museum em 1895. Copyright ‘© National Anthropological Archives, Smithsonian Iastiution/MINH 8304, CIP-Brasl Catalogasso-na-fonte Sindicato Nacional dos Eitores de Livros, I. Besa Antropologia cultural / Franz Bas; rganizaho € ttadusto Celso Castro, — Rio de anc: Jorge Zahar Fd, 2008 (Antopologia socal) ISBN 85.7110-760-2 1. Antropoogia 2. Ragas. 1 Casto, Celso, 1963 Tita, Sexe pp 306 3167 03.2456 Ll 25 4 53 6 8 SUMARIO = Apresentagio, Celso Castro As limitagoes do método comparativo da antropologia, 1896 Os métodos da etnologia, 1920 Alguns problemas de metodologia nas ciéncias sociais, 1930 Raca e progresso, 1931 Os objetivos da pesquisa antropol6gica, 1932 “SF Apresentagdo Celso Castro E dificil acreditar que este sejao primeiro livro publi- cado no Brasil de um autor da importancia de Franz Boas, indiscutivelmente um dos fundadores da mo- 4derna antropologia. Nao hé nem mesmo trabalhos de Boas publicados em coletaneas ou em revistas acadé- micas no Brasil, com a louvavel excesdo de um pequeno texto em uma revista de alunos da Use.’ Existem ainda algumas poucas tradugdes feitas por professores para uso exclusivo em sala de aula.’ Em Portugal foi traduzido apenas um livro de Boas (Primi- tive Art), de dificil acesso no Brasil’ Diante desse quadro, grande parte do ensino de antropolo- gia em curses de graduagdo — nos quais em geral é problematico adotar textos em inglés — trata répida e superficialmente da obra de Boas, por vezes utilizando-se apenas de comentadores. © obje- tivo desta pequena coletanea é justamente contribuir para modi- ficar esse quadro, permitindo que se amplie o conhecimento so- bre um dos mais importantes antropélogos de todos os tempos. oe Franz Uri Boas nasceu na pequena cidade prussiana de Minden (Vestfélia) em 9 de julho de 1858, em uma familia de comercian- tes judeus ja culturalmente assimilados a vida alema.‘ Entrou para a universidade em 1877, estudando fisica sucessivamente 8 Antropologia cultural em Heidelberg, Bonn e Kiel. Nesses anos, como era comum entre os estudantes, envolveu-se em varios duelos — pelo menos um motivado por ataques de natureza anti-semita —, nos quais ga- nhou cicatrizes na face visiveis por toda a sua vida. Em 1881, Boas concluiu seus estudos universitarios com uma dissertagao sobre a absorgio da luz pela agua. Data dessa época seu interesse pela psicofisica (desenvolvida por Gustav Fechner), disciplina que buscava compreender a relagdo entre sensagdes fisicas e percepedo psicolégica. No entanto, insa com as perspectivas da carteira de fisico, mudou seu interesse para a geografia, em parte por influéncia do ge6grafo Theobald Fischer, seu professor em Kiel e de quem se tornaria amigo. Apés prestar um ano de servigo militar obrigatério, mudou-se para Berlim, onde conheceu Adolf Bastian (1826-1905), patriarca da antropologia alema e entao diretor do Museum fiir Volkerkunde (Museu do Folclore), por ele fundado em 1873 € ao qual Boas ficou provisoriamente ligado. Nessa época, também estudou téc- niicas de medigbes, entao caracterfsticas da antropologia fisica, com 0 médico anatomista Rudolf Virchow (1821-1902). Sem grandes perspectivas em Berlim, Boas alimentou o pla. no de realizar uma expedigao a ilha de Baffin (Canada), para es tudar os esquimés (hoje conhecidos, no Canad, como Inuit). Apés varias tentativas, conseguiu obter recursos do dono de um grande jornal berlinense em troca de artigos sobre a experiéncia. Em 1881, antes de embarcar, conheceu e apaixonou-se por Marie Krackowizer, érfa de um importante médico austriaco que emi- grara para os Estados Unidos ¢ se estabelecera em Nova York. Marie visitava a Alemanha em companhia de sua mae e de um amigo da familia, Abraham Tacobi, coincidentemente, tio mater- no de Boas que também se mudara para Nova York (no futuro, Jacobi seria de grande importancia para o sobrinho, inclusive ajudando-o financeiramente). Em 20 de junho de 1883, Boas partiu para sua expedigdo aos esquimés. Por insisténcia do pai, ia acompanhado por um em- presenta pregado da familia, Wilhelm Weike, da sua idade. Passou um ano na ilha, convivendo com os esquimds em muitas de suas ativida- des difrias. Durante a estada na localidade de Anarnitung, escre- veu em seu didrio: “Sou agora um verdadeiro esquimé. como eles, cago com eles e fago parte dos homens de Anarnitung” (cf. Cole, p. 78). Sua permanéncia entre os esquimés também gerou observacées como as seguintes, registradas em seu diario no dia 23 de dezembro de 1883: Freqilentemente me pergunto que vantagens nossa “boa socieda- de” posiui sobre aquela dos “selvagens” e descubro, quanto mais, vejo de seus costumes, que nao temos 0 dircito de olhi-los de cima para baixo, Onde, em nosso povo, poder-se-ia encontrar hospitaidade tao verdadeira quanto aqui? ... NOs, “pessoas alta- mente educadas’, somos muito piores, elativamente falando, Creio que, se esta viagem tem para mim (como ser pensante) uma influéncia valiosa, ela reside no fortalecimento do ponto de vista da relatwidade de toda formagao { Bildung], que a maldade, bem como a valor de uma pessoa, residem na formagao do coragio [Herzersbildung], que eu encontro, ou ndo, tanto aqui quanto entre nés.? Apesar das grandes dificuldades causadas pelo rigoroso cli- ma da regiio, Boas conseguiu cumprir em parte seu projeto de obter informagoes sobre distribuigio € mobilidade entre os es- quimés, suas rotas de comunicagao ¢ a historia de suas migra- goes. As observagbes geogrificas que fez foram publicadas em 1885 no livro Baffinland; as etnogréficas viriam a puiblico em 1888, em The Central Eskimo, Boas parece ter permanecido entre os esquimés muito mais como um observador do que como um pesquisador participante —no sentido que essa expresso assumiria na antropologia pos- ‘Malinowski, No entanto, para contextualizar historicamente as duas experiéncias, devemos lembrar que ele viveu entre os esqui- més trinta ¢ nove anos antes de Malinowski publicar seu famoso 10 Antropologia cultural Argonautas do Pacifico Ocidental (192), fruto de alguns anos de pesquisa entre os nativos dos arquipélagos da Nova Guiné. Em- bora a expetiéncia de Boas nao deva ser encarada como uma sti- bita “conversao” antropolégica, sem diivida pode ser vista como © primeiro momento de um longo ritual de passagem que o leva- ria da geografia & antropologia. inda a experiéncia entre os esquimds, sua preocupagao principal era casar com Marie, Procurou emprego nos Estados Unidos (onde permaneceu por quase seis meses) ¢ depois na Ale- ‘manha, quando para ld voltou, em 1885.0 clima na Alemanha de Bismarck — com sua onda nacionalista conservadora eo fortale- cimento do anti-semitism, sensivel até mesmo na esfera acadé- mica — passou a atrai-lo menos que o dos Estados Unidos, pais entio visto como terra do liberalismo politico ¢ de melhores oportunidades profissionais, com vastas possibilidades de cresci- mento académico. Boas voltou, por um curto tempo, a ser assistente de Bastian na catalogacao de colegdes etnograficas. Também habilitou-se como privatdozent de geografia na universidade de Berlim. Trata- va-se, no entanto, de uma posigao precaria, remunerada apenas por taxas pagas pelos alunos. ‘Viajou para os Estados Unidos em julho de 1886, durante as férias letivas, para rever Marie e procurar trabalho. Aproveitou para fazer uma expedigao de dois meses e meio a provincia cana- dense de British Columbia, 0 que fez com que cancelasse o curso ‘em Berlim por um semestre. Seus interesses ja eram essencial- mente etnograficos. Visitou, entre outras tribos, a dos Kwakiutl (atualmente denominados Kwakwaka'wakw), que se tornariam ‘um de seus grandes interesses de pesquisa. Nessa expedicio, os objetivos principais de Boas eram estudar linguas ¢ mitos nativos € reunir objetos para colecdes museolgicas. De volta a Nova York no final de dezembro, quando jé se esgotava seu periodo de licenga em Berlim, Boas finalmente con- seguiu emprego como editor-assistente da recém-criada revista Apresencasion " de divulgagio cientifica Science, Essa posigio permitiu que ele permanecesse em definitive nos Estados Unidos e finalmente se casasse com Marie, em margo de 1887. Os nove primeiros anos na América foram dificeis. 0 em- prego na Science era modesto € durou apenas dois anos. Em se- guiida, Boas foi por trés anos professor de antropologia na recém- inaugurada Clark University (Worcester, Massachusetts), dedi- cando-se sooretudo ao ensino e pesquisa na érea de antropolo: ja fisica. Def partiu para um trabalho temporério como assisten- te de Frederick W. Putnam na secao de antropologia da World's columbian Exposition, que celebrava os quatrocentos anos da chegada de Colombo a América. Os anos de empregos inconstan- tes ou temporérios foram intercalados por expedigoes aos indios, viagens a Alemanha e filhos. (Boas e Maria tiveram seis filhos entre 1888 ¢ 1902, dos quais um morreu antes de completar um ano.) Com a mudanga para os Estados Unidos, Boas se tornou cada vez mais antropélogo, embora o campo institucional da an- tropologia ainda fosse limitado naquele pais. Um pequeno artigo publicado em 1889, “On alternating sounds’, é considerado por George Stocking, Jr um marco dessa mudanga. Ao analisar rengas de audigao em relagao a um mesmo som, pronunciado por uma pessoa de outra sociedade, Boas chegou A conclusio de que clas nao se deviam a causas fisicas,e sim a “apercey cial do ouvinte com respeito aos sons a que estava acostumado, Para Stocking, Jr, artigo continha, em germe, a maior parte da futura nogao boasiana de “cultura” 40” diferen- eo Em 1896, finalmente Boas conseguiu um emprego estavel, sendo contratado para trabalhar na curadoria das colecées etnol6gicas do American Museum of Natural History, em Nova York. A insti- ‘uigdo estava sendo revitalizada sob a lideranga (e com os recur~ 2 Antropologia cultural sos) do milionério Morris K. Jesup. Boas convenceu Jesup a fi- nanciar uma ampla pesquisa coletiva para investigar as afinidades e relagdes entre os povos da Asia e do Noroeste norte-americano — que ficou conhecida como a Jesup North Pacific Expedition. Foi durante a preparacao dessa expedicdo que escreveu, em 1896, o texto sobre “As limitagoes do método comparativo da antropo- logia’, incluido na presente coletanea. A expedigao, que se desenrolou entre 1897 e 1902, nio foi tao bem-sucedida quanto Boas imaginava. A pesquisa na Sibéria € no Alasca ficou muito aquém do esperado, tanto por falta de recursos quanto por dificuldades dos pesquisadores. Ele proprio participou apenas de uma etapa da expedigao, Mesmo assim, foi reunido um volumoso material etnogratico. A partir de 1896, Boas passou a acumular 0 emprego no ‘muse a condigao de professor em tempo parcial na universidade de Columbia, embora 0 contrato tivesse de ser renovado anual- ‘mente. Sua posigdo s6 se tornou permanente, mas ainda em tem: po parcial, no inicio de 1899, quando ele tinha quarenta anos. Por essa época, presidiu um comité para criar a revista aca- démica American Anthropologist. © primeiro mimero saiu em 1899, ¢ Boas teve um papel importante em sua criagdo, chegando ‘mesmo a doar dinheiro do préprio bolso. A American Anthropo- logical Association, criada em 1902, assumiu a publicagao da re- vista, ¢ ele tornou-se um dos primeiros vice-presidentes da enti- dade, Por diferengas de orientagao com o diretor com respeito & organizagao das colecdes e aos objetivos da instituigao, Boas saiu do museu em 1905. Isso permitiu que ele se tornasse professor em tempo integral em Columbia, concentrando-se em sua pro- dugio intelectual e na orientasao de alunos. Dentre os muitos livros que publicou nesse periodo, destacam-se © monumental Handbook of North American Languages (cujo primeiro volume é de 1911), The Mind of Primitive Man (1911, 2* ed. revista em 1938), Primitive Art (1927) e Anthropology and Modern Life Apresentagso 3 (1928), Foram seus orientandos alguns dos principais expoentes da antropologia norte-americana nas décadas seguintes, como Alfred Kroeber (seu primeiro aluno a doutorar-se, em 1901), Ed- ward Sapir, Robert Lowie, Ruth Benedict, Margaret Mead e Mel- ville Herskevitz, Teve ainda uma importante atuagao como in- centivador da antropologia no México, onde passou o ano acadé- mico de 1911-1912. Em 1936 aposentou-se em Columbia, apds trinta e sete anos de magistério. Lecionou também na New School for Social Re- search, instituigdo fundada em 1919 e que ab lectnais estrangeiros exilados ou fugidos da guerra na Europa. Entre eles encontrava-se o entdo jovem ¢ ainda desconhecido an- tropélogo Claude Lévi-Strauss, que estava sentado ao lado de Boas em um almogo realizado no Faculty Club da universidade de Columbia, em 21 de dezembro de 1942, quando este morreu de um ataque cardiaco fulminante, aos oitenta e quatro anos de idade. Na segunda metade de sua vida, Boas tornou cada vez mais piiblicas as suas posi¢gdes politicas progressistas. Em 1906 procu rou convercer, sem sucesso, alguns miliondrios a financiar a construgao de um African Institute, que teria como objetivo mos- trar que a inferioridade do negro dos Estados Unidos se devia inteiramente a causas sociais, e nao raciais. Vale lembrar que, na- quela época, os afro-americanos eram cidadaos de segunda clas- se, sem direitos politicos e civis basicos — nao votavam e viviam, uma realidade cotidiana de segregacao em escolas, bancos de ni bus, banheitos piblicos e templos religiosos. Boas, que se tornara cidadio americano em 1891, desilu- diu-se com a politica dos Estados Unidos a partir da guerra his: pano-americana de 1898, e principalmente apés a entrada do pais em 1917 na Primeira Guerra Mundial, & qual se opds. Nas cleigdes de 1918, preocupado com o clima cada vez mais repres- sivo, anunciou publicamente sua intengao de votar no Partido Socialista, No final de 1919, denunciou no jornal a atuagao de 4 Antropologia cultural antropélogos que agiam como espides do governo dos Estados Unidos no México, 0 que motivou sua suspensio por dois anos da American Anthropological Association. Foi um dos fundadores, em 1939, do American Committee for Democracy and Intellectual Freedom, criado em uma época de intensa “caga as bruxas” dos dois lados do Atlantico. Quando, em 1938, a universidade de Heidelberg foi invadida pelas SS na- zistas, seus livros estavam entre os que foram queimados. Franz Boas morreu no auge da Segunda Guerra Mundial. No obituario que fez, Ruth Benedict ressaltava a importancia de sua agdo pii- blica, além da contribuicao cientifica que dera, concluindo: “Ele foi um grande homem, ¢ neste momento precisamos de homens como ele.”* ° Para esta coletinea, selecionei artigos e textos de conferéncias, completos em si mesmos. Optei por nao incluir capitulos de li- vyros monogréficos, para evitar fragmenté-los (mantenho a espe- rranga de que venham a ser publicados integralmente em portu- gués). Os textos aqui traduzidos foram publicados em Race, Lar: ‘guage and Culture (1940), coletanea organizada por Boas quase no final da vida. Ele selecionou os sessenta e dois textos curtos de antropologia que julgava mais representativos de sua carreira, agrupando-os em trés partes principais, conforme o titulo do livro. Quatro dos cinco textos do presente livro estavam incluidos na parte sobre cultura, Ficaram de fora os escritos mais especifi- camente etnograficos de Boas, bem como suas importantes con- tribuicdes nos campos da lingtiistica e da antropologia fisica (neste caso, com a honrosa excegio de “Raga e progresso”). Na selegao que fez para Race, Language and Culture, Boas privilegiou os textos da fase madura, na qual suas idéias ¢ sua posigdo institucional estavam mais consolidadas. Quatro dos cin- Apresentasio 1s co textos aqui incluidos foram publicados entre 1920 ¢ 1932, ‘quando Boas tinha entre sessenta e dois e setenta e quatro anos. A excegdo é “As limitagdes do método comparativo da antropolo- gia’, publicado em 1896, quando ele tinha trinta e oito anos —e aqui incluido sobretudo em fungao de sua ampla disseminacao e extraordinaria importancia historica. Fiz a mesma opgio crono. égica que Boas para sua coletinea, embora reconhecendo que isso dificulta a percepgao de mudangas conceituais ¢ de orienta- Gao em sua trajetéria intelectual. Aquilo que se perde com essas exclusdes telvez seja compensado pela concentracio, neste livro, da contribuigao metodolégica de Boas para a entao nascente an- tropologia cultural. O primeiro texto, “As limitagdes do método comparativo da antropologia’, foi ido em um encontro da American Association for the Advancement of Science (AAAS) em 1896. Trata-se de uma critica contundente a método do evolucionismo cultural — chamado por Boas, nesse texto, de “método comparativo” ou “novo métedo”—, a época doutrina dominante na antropologia. Impubionado pela analogia com a teoria da evolugao biol6- gica (Darwin publicara A origem das espécies em 1859), essa linha buscava descobrir leis uniformes da evolucao, partindo do pres- suposto fundamental de uma igualdade geral da natureza huma: na, Em fungao disso, todos os diferentes povos deveriam progre- dir segundo os mesmos estigios sucessivos, snicos e obrigatérios — dai o uso que os evolucionistas fazem de “cultura humana” e “sociedade humana’; sempre no singular. Esse substrato comum de toda a humanidade explicaria a ocorréncia de elementos se- melhantes em diferentes épocas ¢ lugares do mundo. A compara- ¢a0 entre tis elementos permitiria esclarecer, nao s6 esse cami tho tinico da evolugio da humanidade, como também 0 estagio no tempo em que cada povo se encontra, Obviamente esses auto- res colocavam no épice do processo de evolugao a prépria socie- dade em que viviam, 16 Antropologia cultural A ctitica de Boas, no entanto, nao era tanto contra a teoria da evolugao quanto com relagdo ao seu método. Para ele, antes de supor que os fendmenos aparentemente semelhantes pudessem ser atribuidos as mesmas causas — 0 que nao ficava de modo algum provado —, era preciso perguntar, para cada caso, se eles nao teriam se desenvolvido independentemente, ou se nao te- riam sido transmitidos de um povo a outro. Ao contrario do mé- todo dedutivo dos evolucionistas, Boas defendia o método da in- dugdo empirica, evitando amarrar os fendmenos em uma cami- sa-de-forga tedrica. O novo “método histérico’, por ele defen do em oposigao a0 comparativo, exigia que se limitasse a compa- ragdo a um territ6rio restrito e bem definido. A precondigao para oestabelecimento de grandes generalizagoes tedricas ea busca de leis gerais seria, portanto, o estudo de culturas tomadas indivi dualmente € de regides culturais delimitadas. Apenas apds esse longo ¢ arduo trabalho — ainda todo por ser feito —, € que se poderia avangar em terreno mais firme. Boas criticava também, nesse texto, o determinismo geogré- fico, afirmando que o meio ambiente exercia um efeito limitado sobre cultura humana — a grande diversidade cultural existen- te entre povos que vivem sob as mesmas condigées geogréficas reforga essa tese, Embora o texto seja hoje lido como uma critica dirigida a autores evolucionistas classicos, como Lewis Henry Morgan (1818-1881) e Edward Burnett Tylor (1832-1917), 0 alvo mais proximo e direto era seu contemporaneo norte-americano Da- niel G. Brinton (1837-1899), entdo expoente do método evolu- ionista nos Estados Unidos. Boas criticava indiretamente uma conferéncia que Brinton fizera no encontro de 1895 da AAAS, an- tecipando também as criticas que este Ihe faria com relagdo as ias apresentadas em seu Indianische Sagen von der Nord-Paci- fischen Kiiste Amerikas (Lendas indigenas da costa americana do Pacifico Norte), publicado no mesmo ano. Alids, em relagao a ‘Tylor, deve-se observar que ele ajudou Boas no inicio da carreira, Apresentagio 7 apoiando financeiramente suas pesquisas entre as tribos cana- denses, por intermédio da British Association for the Advance- ment of Science. Boas manteria uma relagao cordial com Tylor, escrevendo-lhe com freqiiéncia e visitando-o em Oxford durante suas viagens 4 Europa. Os textos 2, 3 € 5 — respectivamente, “Os métodos da etno- logia” (1920), “Alguns problemas de metodologia nas ciéncias sociais” (1930) e “Os objetivos da pesquisa antropol6gica” (1932) —sio fundamentais para melhor compreender 0 método defen- ido por Boas para a antropologia. Ele aj repetia as cr método comparativo dos evolucionistas ja feitas no texto ante- rior, embora agora ja nao atribuisse qualquer validade a idéia de evolugdo culturaltem si. ‘Além disso, Boas também critica 0 método “difusionista” Ao contrario do evolucionismo, do qual também eram criticos, 08 autores difusionistas colocavam todo 0 peso explicativo da {questao da diversidade cultural humana na idéia de difusdo. Ou seja, ao invés de supor, como os evolucionistas, que a ocorréncia de elementos culturais semelhantes em duas regides geografica- mente afastadas seria prova da existéncia de um tinico e mesmo caminho evolutivo, os difusionistas pressupunham que deveria ter ocorridoa difusio de elementos culturais entre esses mesmos lugares (por comércio, guerra, viagens ou quaisquer outros meios). Alguns autores, chamados de “hiperdifusionistas’, chega- ram mesmoa defender a existéncia de um tinico grande centro — em geral, o Egito antigo — a partir do qual a civilizagao se teria difundido para todas as regides do mundo. Ou seja, por outros caminhos, oresultado dos difusionistas acabava sendo semelhan- te ao dos evolucionistas — e suas suposigdes também nao po- diam ser bem fundamentadas. Embora Boas reconhecesse cabal- mente a importancia geral do fendmeno da difusdo, ele limitava sua pertinéncia explicativa apenas a reas relativamente préxi- ‘mas, onde se pudesse reconstituir com razodvel seguranca a his- ‘t6ria das transmissoes culturais. 8 Aneropologia cultural Nesses textos, aparece também, de forma mais desenvolvida a critica de Boas a varios determinismos: geogrifico, racial, psico- ogico (quando transposto dos individuos as culturas) ¢ econé- mico, Nessa critica, vai-se definindo a importancia que ele atri- buia a0 conceito de cultura como elemento explicativo da diver- sidade humana. E preciso observar, no entanto, que a principal contribuicdo para a antropologia cultural nao foi como formali- zador de teorias; seu papel foi acima de tudo o de critico de teo- rias entao consagradas, como 0 evolucionismo e o racismo. Com isso, abriu caminho para que outros antropélogos — muitos de- les, seus alunos — desenvolvessem as implicagoes decorrentes da percep homens tém vivido, A concepsio boasiana de cultura tem como fundamento tum relativismo de fundo metodolégico, baseado no reconheci- ‘mento de que cada ser humano vé o mundo sob a perspectiva da cultura em que cresceu — em uma express4o que se tornou fa- ‘mosa, ele disse que estamos acorrentados aos “grilhées da tradi a0”. © antropélogo deveria procurar sempre relativizar suas préprias nodes, fruto da posicdo contingente da civilizagio oci- dental e de seus valores. Mas o relativismo cultural nao era, para Boas, apenas um instrumento metodolégico. A percepgao do valor relativo de to- das as culturas — a palavra aparece agora no plural, ¢ ndo no singular, como no caso dos evolucionistas — servia também para ajudar a lidar com as dificeis questoes colocadas para a humani- dade pela diversidade cultural. £ com isso em mente que pode- ‘mos apreciar plenamente a forga de “Raga e progresso” (1931). Esse texto reproduza conferéncia pronunciada por Boas em 15 de junho de 1931 como presidente da AAAs. E uma vigorosa critica as teorias racistas, que na época dominavam nao s6 0 sen- so comum, como também boa parte do ambiente académico, E também um exemplo da intensa participagao de Boas na cena publica norte-americana em relagdo as questoes sociais. Boas re- relatividade das formas culturais sob as quais os Apresentagso 19 cusava qualquer valor cientifico & suposigao de que existem dife rengas raciais significativas entre os homens. Segundo ele, a va- riagdo se daria entre diferentes linhagens familiares de uma mes- ma populacio, e nao entre supostas “ragas’, construfdas a partir de elementos puramente superficiais, como cor da pele, forma da cabeca ou textura dos cabelos. Haveria uma enorme variabilida- de genética, mesmo em uma populagao considerada “racialmen- te homogenea’, dai o absurdo cientifico de se pensar em “ragas puras’, Tracos ou caracteristicas que habitualmente se associa- vam a uma determinada raga estariam, na verdade, presentes em varias outras, Segundo Boas, para se compreender as diferengas observi- veis entre populagdes de origens diferentes, era importante con. siderar nao suas supostas caracteristicas “raciais’,esim o efeito de outras variaveis, como o meio ambiente e especialmente as con- digGes sociais em que vivem essas populages. Nao se podem abs- trair essas varidveis da anélise antropoligica. Era nesse sentido que ele rejeitava também a pretensa validade cientifica dos testes de inteligéncia, entdo usados para “provar” a inferioridade das pessoas “de cor” em relagao aos brancos. Boas terminava a conferéncia com um desafio aberto ao an- tropélogo escocés sir Arthur Keith (1866-1955), um dos cientis- tas britanicos mais importantes e reconhecidos de seu tempo. Keith fora presidente do Royal Anthropological Institute e da Bri- tish Association for the Advancement of Science. No discurso de posse como reitor da universidade de Aberdeen, em 1930, Keith desenvolveu a tese de que 0 nacionalismo era um poderoso fator de diferenciagao na evolugao das ragas humanas, interpretando (0s preconceitos racial e nacional como inatos. Em um contexto internacional crescentemente racista e belicista, Boas desafiava Keith a provar, nao apenas que a antipatia racial seria “implanta- da pela natureza’, e nao efeito de causas sociais, como também. a afirmagao de que as guerras teriam uma funcao positiva de selegao. 2» Antropologia cultural Chamo também a atengao para a importancia que essas, ideias tiveram sobre um dos principais intérpretes do Brasil. No preficio & primeira edigao de Casa-grande & senzala (1933), Gil- berto Freyre relembrava Boas, que conheceu quando estudara em Columbia no inicio da década de 1920: “O Professor Franz Boas €a figura de mestre de que me ficou até hoje maior impressao” (pivii). Freyre contava como as idéias de Boas haviam-no ajuda- do a pensar de forma diferente sobre um dos grandes problemas nacionais, na perspectiva de sua geragao: a questao da mestica- gem.” Segue-se um trecho famoso: Vi uma ver, depois de mais de trés anos macigos de auséncia do Brasil, um bando de marinheiros nacionais — mulatos ¢ cafuzos — descendo nao me lembro se do Sao Paulo ou do Minas [navios da Marinha de Guerra brasileira] pela neve mole de Brooklyn, Deram-me a impressio de caricaturas de homens. E veio-me & Jembranga a frase de um livro de viajante americano que acabara de ler sobre o Brasil: “the fearfully mongrel aspect of much of the population’® A miscigenasio resultava naquilo, Faltou-me quem me dissesse entdo, como em 1929 Roquette-Pinto aos arianistas do Congresso Brasileiro de Eugenia, que nao eram simplesmente -mulatos ou cafuzos os individuos que eu julgava representarem 0 Brasil, mas cafuzos e mulatos doentes. Foi o estudo de Antropologia sob a orientagao do Professor Boas que primeiro me revelou o negro eo mulato no seu justo valor — separados dos tragos de raga 0s efeitos do ambiente ott dda experiéncia cultural. Aprendi a considerar fundamental adife renga entre raga e cultura; a discriminar entre 0s efeitos de relago €s puramente genéticas ¢ os de influéncias sociais, de heranga cultural e de meio. Neste critério de diferenciacao fundamental entre raga e cultura assenta todo o plano deste ensaio. Também no a diferenciacio entre hereditariedade de raga e hereditariedade de familia? O efeito dessa influéncia foi evocado poeticamente por Ma- uel Bandeira:!? Apresentagao 2 Essa historia de raga, Ragas mas, ragas boas Dizo Boas — E coisa que passou ‘Com o francid Gobineau Pois o mal do mestigo Nao esti nisso. pstd em causas sociais, De higiene e outras que tais: Assim pensa, assim fala Casa Grande & Servala, ° Gostaria de agradecer a algumas pessoas que me ajudaram na preparagao deste livro, Karina Kuschnir leu atentamente todo 0 materiale fez diversas sugest6es. Marisa Schincariol de Mello au- xiliou-me com a pesquisa sobre pessoas citadas por Boas em seus textos, Piero Leitner e Alessandra Fl Far enviaram-me material de dificil acesso sobre Boas, e Verena Alberti reviuas tradugdes de palavras ¢ expresses em alemao no original. Se € sempre bom publicar um livro, melhor ainda é publicé- lo pela editora Jorge Zahar. Cristina Zahar apoiou incondicional- mentea idéia do livro desde o inicio, Gilberto Velho mais uma vez deu-me a honra de publicar por sua colegéo de Antropologia So- cial e Angela Vianna fez uma competente revisio dos originais. Organize’ este ivro pensando em meus alunos, que me fize- ram compreender uma frase de Guimaraes Rosa, em Grande ser- to: veredas: “Mestre nao é quem sempre ensina, mas quem de repente aprende.” °° 2 Antropologia cultural Os textos aqui reunidos foram originalmente publicados como: “The limitations of the comparative method of anthropology’, Science, N.S., vol. (1896), p.901-8. “The methods of ethnology’, American Anthropologist, N.S., vol.22 (1920), p.311-22, “Some problems of methodology in the social sciences’, Leonard D. White (org,). The New Social Science, Chicago, University of Chicago Press, 1930, p.84-98. “Race and progress” Science, N.S., vol.74 (1931) p.1-8. “The aims of anthropological research”, Science, N.S., vol.76 (1932), p.605-13. Notas "significado etnolégico das doutrnas estérica% raduridoeapresent do por Margarida Maria Moura epublicado em Cadernosde Campo: Revista dos Alunos de Pos-graduago em Antropolegia da USP, ano WV, n, 1994,. 131-3 ? A prodiugto académica brasileira sobre Boas também & pequena. Algo ‘mas excej6es sto o5trabalhos de Kitia Maria Perera de Almeida, Por uma antropoogia hstrica: arte primitva ecole enegrafca em Fran Boas, dsser tagio de mestrado em historia, Pc-Ro, 1995, 183, e “Por uma semantica profunda: art, culturaehistria no pensamento de Franz Boas Mana 42, ou 1998, p.7-34; ede Margarida Maria Moura, Celebrago de Boas. O nascimento da antropoogia cultural na obra de Franz Boas, tse de livee-docéncia em antropo~ Jogia sr, 2000,291p. * Art primitive, Lisboa, ends Edges, 1996. * Parainformagiessobres vida ea obra de Boas, consults principalmente os livros de Douglas Cole, Franz Boas: The Early Years, 1858-1906 (Seattle, The University of Seatle Press, 1999; «de George Stocking, Je, Race, Culture and Evolution, Nova York, The Free Press, 1968, The Ehnographer’s Magic, Maison, University of Wisconsin Pres, 1992, A Fran Boas Reader, Chicago ¢ Londres, ‘The University of Chicago Press, 1974 "CL Gale, Herbert, "The value ofa person ies in his Hersensbildung Franz Boas Baffin land leteriary, 1883-1884 in George Stocking (or), History of Anthropology, vol1, Observers Observed, Madison, University of Wis- consin Press, 1983, p33. CE An anthropologist at Work: Writings of Ruth Benedict by Margaret Mead, Boston, The Riverside Press, 1959, p.422. Apresentagio 23 ” Sobre a:nflutncia de Boas sobre Gilberto Freyre, ver as consideragaes de Ricardo Benzaquen de Aratijo em Guerra e paz: Casa-grande & senralae« obra de Gilberto Freyre nos anos 30, Rio de Janeiro, Bd. 34, 1994 0 aspe:to terrivelmentecruzado da maioria da populagio.” frase éde ‘Charles Samuel Stewart (1795-1870), capelao da marinha dos Estados Unidos, ‘em seu livro Bazil and La Plata: The Personal Record ofa Cruise, publicado em 1856. ° Casa-gande & senzala, 18° ed, Rio de Janeiro, José Olympio, 1977, pli, ‘Casa-grande & senzala’, poema publicado em 1949 (Mafuaé do malun 0), Poesia completa eprosa, Rio de Janciro, Aguilar, 1974, 397 As limitagdes do método comparativo da antropologia’ 1896 A antropologia moderna descobriu o fato de que a sociedade hu- ‘mana cresceu e se desenvolveu de tal maneira por toda parte, que suas formas, opiniges e agdes tém muitos tracos fundamentais em comum, Essa importante descoberta implica a existéncia de leis que governam 0 desenvolvimento da sociedade e que si0 aplicdveis tanto & nossa quanto as sociedades de tempos passados € de terras distantes; que seu conhecimento sera um meio de compreender as causas que favorecem e retardam a civilizagao; ¢ que, guiados por esse conhecimento, podemos ter a esperanga de orientar nossas ages de tal modo, que delas advenha 0 maior beneficio para a humanidade. Desde que essa descoberta foi cla: ramente formulada, a antropologia comecou a receber 0 genero- 50 quinhao de interesse publico que the havia sido negado en quanto se acreditou que ela nao poderia fazer mais do que regis- trar curiosos costumes e ctengas de povos estranhos; ou, na me- Ihor das hipsteses, retracar suas relagdes e, dessa forma, elucidar as antigas migragoes das racas ¢ as afinidades entre os povos. Embora os primeiros investigadores tenham concentrado sua atengio nese problema puramente histérico, a tendéncia agora mudou completamente; assim, ha até mesmo antropélogos que declaram que tais investigagdes pertencem ao historiador e “Trabalho lido no encontro da American Association for the Advancement ‘of Science em Buffalo, 1896. [NT] 2s 26 Aneropalogia cultural que 05 estudos antropolégicos devem limitar-se as pesquisas so- breas leis que governam o desenvolvimento da sociedade. Uma alteragao radical de método tem acompanhado essa mudanga de pontos de vista. Enquanto, anteriormente, identida- des ou similaridades culturais eram consideradas provas incon- troversas de conexio histérica ou mesmo de origem comum, a nova escola se recusa a consideré-las como tal, interpretando-as, como resultado do funcionamento uniforme da mente humana. O mais pronunciado adepto dessa visio em nosso pais éo dr. D.G. Brinton, ¢, na Alemanha, a maioria dos seguidores de Bastian, que a esse respeito vao muito além do préprio mestre. Outros, embora ndo neguem a ocorréncia de conexdes hist6ricas, consi- deram seus resultados e sua importancia te6rica insignificantes, quando comparados ao trabalho das leis uniformes que gover- nam a mente humana. Tal ¢a visio da grande maioria dos antro- pélogos vivos. Esse moderno ponto de vista esta fundamentado na obser- vagao de que os mesmos fendmenos étnicos ocorrem entre os mais diversos povos, ou, como diz Bastian, na espantosa monoto- nia das idéias fundamentais da humanidade em todo o planeta. ‘As nogdes metafisicas do homem podem ser reduzidas a poucos tipos que tém distribuigéo universal; o mesmo ocorre com rela ao as formas de sociedade, leis e invengdes. Além disso, as idéias ‘mais complicadas e aparentemente ilégicas ¢ os costumes mais curiosos e complexos aparecem entre algumas poucas tribos aqui ali, de tal maneira que fica excluida a suposigdo de uma origem hist6rica comum. Quando se estuda a cultura de uma tribo qual- quer, podem ser encontrados tragos andlogos mais ou menos préximos de tragos singulares de tal cultura numa grande diver sidade de povos. Exemplos dessas analogias tém sido amplamen- te colecionados por Tylor, Spencer, Bastian, Andree, Post e muitos outros, sendo portanto desnecessdrio dar aqui qualquer prova detalhada desse fato. A idéia de uma vida futura; um mesmo xa- ‘manismo subjacente; invengdes tais como o fogo e 0 arco; certas {As limitages do método comparativo 7 caracteristicas elementares de estrutura gramatical — sao ele- mentos que sugerem o tipo de fendmenos aos quais me refiro. Dessas observagdes deduz-se que, quando encontramos tracos de cultura singulares andlogos entre povos distantes, pressupde-se, nao que tenha havido uma fonte historica comum, mas que eles se originaram independentemente. ‘A descoberta dessas idéias universais, contudo, é apenas 0 comeso do trabalho do antropélogo. A indagacao cientifica pre- cisa responder a duas questoes em relagao a elas: primeiro, quais sio suas origens? Segundo, como elas se afirmaram em varias, culturas? AA segunda questao é a mais facil de responder. As idéias nao existem de forma idéntica por toda parte: elas variam. Tem-se acumulado material suficiente para mostrar que as causas de: variagdes sao tanto externas, isto é, baseadas no ambiente — to mando o termo ambiente em seu sentido mais amplo—, quanto internas, isto é, fundadas sobre condigoes psicol6gicas. A influén- cia dos fatores externos e internos sobre idéias elementares cor- orifica um grupo de leis que governa o desenvolvimento da cul- tura, Portanto, nossos esforgos precisam ser direcionados no sen tido de mostrar como tais fendmenos modificam essas idéias ele mentares. O primeiro método que se oferece, e que tem sido geralmen- te adotado pelos antropélogos modernos, causas, agrupando as variantes de certos fendmenos etnol6gicos de acordo com as condigdes externas sob as quais vive os pov entre 0s quais elas so encontradas, ou de acordo com causas internas que influenciam as mentes desses povos; ou, inversa- isolar e classificar mente, agrupando essas variantes de acordo com suas similarida- des. Podem-se encontrar, assim, condigdes correlatas de vida. Por esse método comecamos a reconhecer, mesmo que ain-

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