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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIENCIAS HUMANAS, PROGRAMA DE POS-GRADUACAQ EM HISTORIA SOCIAL DO TRABALHO A ARQUITETURA ECLIPSADA NOTAS SOBRE HISTORIA E ARQUITETURA A PROPOSITO DA OBRA DE GREGOR! WARCHAVCHIK, INTRODUTOR DA ARQUITETURA MODERNA NO BRASIL voeoo . vu M_ CE i oO oR f € N T A D OR NICOLAU SEVYCENKO Oo R 1} € N_T A N DO “ AGNALDO ARICE CALDAS FARIAS cA PINAS, 19 9 0 Lush INDICE TIE x 70 108 138 AGRADECIMENTOS PRELOGO INTRODUGAG 14/ Questbes da historiogratia arquiteténica: 2 case Gregori Warchavchik 26/ Reterencial metodologico CAPITULO 1 = MGDERNISMO - 0 NOVO E A TRADICRO 35/ As raizes ambiguas do modernismo 42/ & vontade de ser moderno 49/ Uma estética forjada na ambiguidade 62/ @ vontade de ter vassado €5/ Identidade e futuro CAPITULO 2 ARQUITETURA MODERNA NO BRASIL E A INVENCAO DA TRADICAQ 71/ 0 Ecletismo 79/7 0 Neocolonial 88/ Lucio Costa: arquitetura moderna e tradisio 94/ A direc#o da Escola Nacional de elas Artes CAPITULO 3 UMA HISTORIOGRAFIA E SEUS ARDIS 111/ As raizes "legitimas" da arquitetura moder na brasileira Brazil Builds ~ Philip Goodwin 116/ Modern Architecture in Brazil — Henrique Mind lin 118/ Arquitetura Contemperanea no Brasil ~ Yves Bruand 127/ Warchavchik @ a Intradugae da Nova Arquite- tura no Brasil ~ Geraldo Galvio Ferra? CAPITULO 4 AS VANGUARDAS E 0 DISTANCIAMENTO DA HISTORIA 141/ @ arquitetura moderna e 0 silencio do pas~ sado 147/ Da historia positivista & nova histéria 193/ Dos tratados historicistas 4 crise da historia 199/ @ arquitetura moderna © 4 negacio da histo- 169/ As vanquardas modernas @ a linguagem abs— trata 174 222 224 CAPITULO 5 GREGURI WARCHAVCHIK E A INTRODUGRO 183/ 188/ 193/ 200/ 201/ 207/ 211s 216/ 219/ DA ARGUITETURA MODERNA NO BRASIL, Arquitetura e@ idade da maquina "Passadistas” e “futuristas" Referencias formais @ concesstes As primeiras obras de Warchavenik Casa da rua Santa Cruz Resid@ncia Max Graf, casa da rua Melo Alves Casa da rua Itépclis - "@ casa modernista" Resid@ncia Luiz da Silva Prado, casa da rua Bahia Residéncia Antonio da Silva Prado Neto. ca sa da rua Estados Unidos MANEIRA DE CONCLUSRO BIBLIOGRAFIA —LIVROS E ARTIGOS 224/ 228/ T ~ Histeria/Modernismo If - Arte/Arquitetura ANEXOS AGRADECIMENTOS A meus pais. Fernandina © Antenor. luz de meus olhos, @ Marisa, Azael. Carlos @ Gelson. pelo curso/viagem que juntos ini~ bor campartilharem comigo o peso dos sonnos. Este trabalho & fruto de uma trajetéria que combinou indistintamente interesses intelectuais @ afetivos. Como, talvez, qualquer trabalho Seja o resultado desse mesmo amélgama -o que sinceramente descontio- Jeste, como se veré, abusa dessa condicao na medida em que o deixa claramente exposto. £, como ao longo dos seus capitulos serao indicados os autores cujas idéias iluminaram-me e cujas falas muitas vezes me apropriei para conferir substancia e proporcionar abrigo ao meu texto nos momentos em que o percebia fragil, aproveito-me deste ponto de entrada para consignar meus agradecimentos & todos aqueles laue através do contato direto e caloroso, constituem-se no verdadeiro Jesteio do que esta pesquisa possui de melhor. 0 primeiro alvo do meu’ agradecimente n¥o paderia ser outro que nao icolau Sevcenko. Amigo e, para minha felicidade, meu orientador, devo pobretudo a ele e sua intelig@ncia brilhante e generosa, minha |condugde pelo fascinante territério da historia da cultura e o stimulo para investigagtes que tinham 0 conde de me fartilizar o pspirite. Buardo com carinho a lembranga do ambiente encontrado no programa de pestrado em historia social da UNICAMP, & particularmente a atenc3c muito especial da professora Maria Stela Bresciani e do professor Fogar De Decca, primeiros a contiarem na presenca de um arauiteto unto ao corpo de pesauisaderes da instituiexo. Bo professor Luis Marques quero agradecer a leitura acurada deste krabalho feita durante o exame de qualiticag%o, onde ficou nitido todo beu esforso em escoima-lo de um numero de erros além do aceitavel. evo frisar que o auxflie financeira da CAPES foi um elemento Pssencial para a realizagao deste trabalho. Qutras pessoas, amigos e colegas, de diferentes iugares e em diferentes momentos contribuiram decisivamente para esta pesquisa. Embora corra a risca de omitir involuntariamente alguns, nao ha como no explicitar meu debito, agradecendo-os de forma mais direta. 0 professor Herbert Duschenes, mestre maior, amorosamente proporcionou Js atmostera e o'exemplo que sempre carregarei em mim. Feu, Naira, Chico, Milton © Bozito, ofereceram-me a verdadeira lexpressa0 da amizage que, se nao & tudo. & quase. [heus amigos oswaldianos: Paulo que viu em mim um professor quando eu pesmo nao sabia que era. Yudith que, tanto quanto eu, ama essa protissto, Malu. que me apresentou Pedro Nava, © que entre tentas imagens 6 presenga. feus colegas do recém fundado Curso de Arquitetura da EESC/USP, pspecialmente meu chefe © amigo, Eugenio Foresti, que no hesitou em acrificar sua propria carreira para nos ajudar na sua complexa tarefa fe implantacto. Mas, quero destacar também os outros "“pioneiros", todos igualmente dedicados a pensar essa nossa fascinante e estranna bradusao aquitetonica. Agradeco sinda & Cibele e a extrema paciéncia com que se dedicou a fevisdo desta pesquisa, e@ as preciosas sugesttes do Renato Sobral Anelli, meu amigo mais ciosamente empenhada em fazer com que eu g@ntenda alguma coisa de arquitetura. leus alunos, que me obrigam # eveluir, a me tornar melhor do que sou. Is funcionarios do SAP, particularmente o Zanardi que "pescou” o back~ 4p da Introdus%o, quando eu, contristado frente 4s teclas, ja me havia esignado a rebaté~la. @ Lana © ao Chico, pela capa acachapante. pos meus irmaos. Anajas, Alberone e Araken, pela fonte de energia que oram © s& para mim, e@ ao Rodrigo que, além disso, iniciou-me nos ate pnt3o insondaveis misterios do [BM-PC. Therezinha e Aluizio, que me deram apoio constante © generoso. » finalmente, quero agradecer a Maze, pela solidariedade silenciosa, elo sutilissimo afeto com que me envolvia quando eu me voltava para pete trabalho. “@ forma projeta sentido, @ um aparelho de significar." Getavio Paz (marcel Duchamp ou o Castelo da Pureza) PROLOGO Escrevo este prolcgo apos haver concluido o trabalho. Trata-se, |portante, de uma falsa porta de entrada. Confeccionado av final, ele, |no entanto, deveria servir para assegurar um encaminhamento seguro para o que vem a seguir. Um portico definitivo, prenunciador exato do caminho que sera trilhado. Nele seriam estabelecidas as rotas a serom seguidas pele leitor, de forma a garantir que os desvios existentes no |secorrer do trabalho n3o sejam entendidos comm algo além dos acidentes comuns aos territérios compostas por palavras. Deveria ent&o encobrir las conexdes mais imperfeitas, asseverando @ garantindo a qualquer custo uma unidade que talvez nao esteja embutida dentro dele, Enfin. lum Ultimo dispositive, estrategicamente disposto no comeso ao trabalho, com a finalidade de he garantir uma aconselhave! homogeneidade. las, sinto gue esta apresentag’o n&o deve obedecer ao impulso de forsar um acabamento redondo a esta pesquisa. De fato, passando mais yma vez os olhos por ela, concluo que @ da sua prépria natureza seu sspecto facetado. Talvez sua qualidade repouse justamente af; em nxo pretender sero que nio &, e, por outra, em obececer sua inclinagao interna, ser fiel as demandas que presidiram sua construsie. Explicando meLhors Esta pesquisa se propfe a ser um estude interdisciplinar entre Brquitetura e historia. Ela compreende a analise das primeiras obras Ho arquiteto russo Gregori Warchavchik, intredutor da arquitetura derna ono Brasil. Mas, mais do que tentar demonstrar para o istoriador a importancia da leitura do documento arquiteténico para o ntendimento do conjunta da produgao cultural de um momento histérico jade -9 que aqui se faz fornecendo-lhe algumas chaves-, ests pesquisa pretende, 30 mesmo tempo e utilizando # mesma obra, enfrentar certes problemas relatives & produsdo historiogratica de arquiteturs. Sop este prisma a obra de Warchavchik & muito rica, posto que esta Jlocalizada precisamente no momento em que a arquitetura nega a |nistoria, o que coincide no tempo com o periodo em que a histeria |passa a negar a si prépria, operands profundas transformastes em seus |fundamentos epistemolégicos. Nao obstante todas estas evidéncias quanto a sua importancia intrinseca, a analise da obra de Warchaychik |presta-se ainda a uma discussto suplementar embora nao menos importante, @ que consiste no seu confronto como debate promovido pelos modernistas locais. 4 re pao entusiasmada que ela mereceu a principio, seguida do tratamento secundério dispensedo pela historiografia de arquitetura, @ um dos capitulos mais fascinantes @ laltamente esclarecedor nie s6 da dinamica do nossa madecnismo, como leas tramas engendradas pela nossa historiogratia. como se ve, muitos sto os pontes que esta dissertas’a ambiciona contemplar. H& que se considerar que ela assume plenamente o fato de |resultar de uma trajetéria intelectual de quem, ao longa de quase dez Janos, transitou por esses dois campos, detendo-se mais em algumac |auesttes do que em cutras, deixendo-se levar pele ritmo das suas latinidades. Com efeito, ela & produto da minha graduacio em Jarquitetura, minha passagem = fugaz pela filasotia © minha |especializagao em historia. Esta ditima, 20 invés de ser um lugar de Jacomodamento, de ponto para onde convergissem meus interesses, Iterminou sendo fator de realimentaczo para que eu refletisse sobre a [prquitetura, © que pude e venho podendo realizar em condigtes Ipxcepcionais, gracas a minha atividade de docente © pesquisador junto ja Escola de Engenharia de Sao Carlos/USP. E nesta instituigto que, 2 partir de 1964, junto com outros colegas, venho tendo a rara Jpossibilidade de formular @ montar um curso de arquitetura. Por tudo isso € que posso atirmar que, mais do que um transito de lordem teérica desembocado na histéria, esse percurse derivou em um vies especifico de engajamento tanto na docencia quanto na pesquisa de larquitetura e que tenta tirar proveito exatamente dessa complexa jposic3o, & cavaleira de dois campos do conhecimento. Sendo assim, nfo hd coma nagar que minha formasto marcadamente linterdisciplinar -eventualmente indisciplinada-, agudizada .com 0 |exercicia ‘da docéncia em histéria da arte e arquitetura, \Visivelmente a forma e 0 conteddo desta pesquisa, dimenstes igualmente |comprometidas pelo meu interesse em faz@-la ser uma contribuicke da larea de histéria para a arquitetura e vice-versa. Dessa maneira, se em relagae ao seu conteddo houve um desdobramente provecado pelas fiversas angulasSes na apreensao da problematica analisada, © mesmo lpcorreu am relacto a sua forma, gracas a amplitude do tema e a maneira hue se optou pare sua abordagem. smo assim, com todas as imperfeictes que ele apresenta, acredito que Pste € um caminho que merece ser percorrido. @ familiaridade com |kampos diversos de conhecimento @ a tentativa de realizar mesclas kntre eles carece-me um procedimento que deve ser cultivado junto com p da especializagto. Ausim, acredite, pode-se concorrer para a Fonstrusz0 de painéis mais amplos, eshocos de vitrais. A abertura nterdisciplinar, ao passa em que fecunda as investigates [possibilitando-Ihe uma mirfade de saidas, estimula o exercicio jintelectual que se ve obrigado a tecer como fio da invencdo as |ligag®es entre aspectos aparentemente dispares. INTRODUGRO " € impossivel restaurar o passado em estado Je pureza Basta que ele tenha existido para que a meméria o corrompa cam lembrangas superpostas. Mesmo pensando diariamente no mesmo fato sua restauras4o trara de mistura o analégico de cada dia - @ que chega para transforma-lo. E como navegar, arrastando dentro do mar/tempo um fio @ um anzol que sto sempre os mesmos mas sobre os quais se grudam as camadas e as camadae de plancton que acabarso por transtormar a coisa filiforme e aguda numa espécie de esponja. A viagem da meméria no tem possibilidades de ser feita numa sé dires%o: ado passado para o presente. No é a sés que velejamos para os anos atrés em busca dos nossos eus. Levamos conosco uma experiéncia tio inarrancével que ela ¢ elemento de deformag3o que nos obriga a agir com as nossas recordasBes como ©s primeiros primitivos que pintavam a Natividade, o Preterio e a Ressurreigio, dando & Virgem, a Sao José, a Nosso Senhor, a Pilatos © aos centurites, roupas medievais em ambientes italianos, flamengos @ espanhois.” Pedro Nava - Baldo Cativo Os historiadores narram tramas, que so tantas quantos forem os itinerérios tragados livremente por eles, através do campo factual bem objetivo (o qual € divisivel até o infinito # ago & composto de particulas factuais); nenhum historiador descreve a tetalidade desse campo, pois um caminho deve ser escolhide e nao pode passar por toda parte; nenhum desses caminhos € verdadeiro ou @ a Historia." Paul Veyne - Como se Escreve a Historia Iwao @ casual, nem parece deslocada, esta convergéncia entre a visagen do artista com ado cientista. Pedro Nava, marcado simultaneamente pela perplexidade e pelo encantamente face a impossibilidade de uma lreconstrugao total do passado, contempla o espetaculo da meméria e, proustianamente, a recria. £ como se navegasse por um oceano difuso jpnde, @ deriva, flutuam fragmentos do passado. Nava, como Sisito de Ingo paciente, vai “compondo © puzzle de uma paisagem que € impossivel completar porque as pesas que faltam deixam buracos no céu, hiatos nas Aguas, rombos nos sorriscs, furos nas silhuetas interrompidas @ nos peitos que se abrem nos vacuos ~ como vitrais fraturados (see, como aqueles recortes que suprimem os limites do real e do irreal nas telas onfricas de Salvador Dali.” (Nava 1964, p.50) |De cada objeto, evento, pessoa, aroma, emana uma iluminag3o diversa que parece tissurar a névoas em meio ao caos composto de coisas trespassadas por tempos dispares, ele persegue via escritura o momento no qual, tumultuadamente, acontesa o “entrechoque arbitrério de diversidades se conjuntando em coisa anica +) tal a subita franja feita por limalha de ferro atraida pela forga dum ‘m%." (Nava 1994, pp.301/302) |Mas, como se pode obter coma escriturao efeito de um ima? como restaurar num tecido inconsutil o que foi irreversivelmente obliterado pele fluxo das coisas? Por isso, ao mesmo tempo em que se arroja cum pais profundidade na empreitada de reconstrucdo da vida vivida, Nava lesbarra nas fronteiras do ja esquecido e se indaga: foi bem assim? ou Heveria ter sido assim? Diante da paisagem quase totalmente em sombras [prde vive o tempo passado, como argamassar as impresstes embaralhadas, [paltiplas e simult@neas, se elas se superptem as disposighes do tempo resente? Como, sen%o com a imaginag%o criadora, escapar § porosidade jo tempo © da via fragmentada por onde ele escoa? — se, como termina por atirmar Nava, so h& dignidade na recriasao, sendo o resto relaterio..., como fica ent&o quem, comprometide cam as ci€ncias histéricas, pretende um discurso mais objetivo, transparente, veraz, & salvo da cerga de afetividade que nos enlaga a todos indistintamente? Com a assepsia propria dos relatérios? E€ se assin fosse, se caso o modelo prescrite fosse adotado, o discurso histérico— cientifico seria mais objetivo? Qu o formato de um relatério Possibilita apenas uma suposta certeza, que ¢ duplamente falsa porquante promete aquile que nunca poderia cumprir? A julgar pelas palavras de Paul Veyne, 0 modelo de relatorio para a | historia est& amplamente superado, o que deixa o problema irresoluto. Também nelao trabalho do cientista/historiador se faz sobre um piso fragil, onde os fatos histéricos, outrora presenga que apaziguava as afligdes dos investigadores positivistas, agora N30 existem isoladamente, nesse sentido de que o tecido da historia € que chamaremos de uma trama, de uma mistura muito humana e@ muito pouco "cientifica" de causas materiais, de fins & de acasos; de um corte de vida que o historiador tomou, segundo sua conveni€ncia, em que os fatos t@m seus lagos objetivos e@ sua importancia relativa." (Veyne 1962, p.28) Em Veyne as tramas parecem simbolizar uma das formas de parentesco Jentre a ciencia ea arte e, como se n&o fosse suficiente, ele se aproxima ainda mais da posigo do ficcionista quando distingue na historia a exist@ncia de apenas algumas “zonas de cientificidade” (Veyne 1976, pp-64/88). Sabe-se que Veyne nao esté sé nessa forma de |eonceber o si oficio, impregnado de imponderabilidades. N%o @ por Joutro motivo que Le Goff imicia da seguinte maneira o seu verbete Historia" da ENCICLOPEDIA EINAUDI: “estamos quase todos convencidos de que a historia nto @ uma ci€ncia como as cutras - sem contar com aqueles que nao a consideram uma ci@ncia." (Le Goff 1984, p. 158) |Deve-se considerar que foram varias as tentativas de se estabelecer Juma linha limitrofe entre um campo e autre, sendo que mesmo a |caracterizas30 da histéria como um tipo diferenciado de ciéncia, ou mesmo como n’o sendo ciéncia, n30 a colocava necessariamente no mesoo Jlugar da literatura. A distingsao entre um e outro género comesou a ser |feita j& dentro do pensamento classico por Aristételes: ngo diferem oa historiadar e o poeta por escreverem verso ou prosa (pois que bem poderiam ser postos em verso as obras de Herédoto, © nem por isso deixariam de ser historia, se fossem em verso o que eram em prosa) - diferem, sim, em que diz um as coisas que sucederam, e outro as que poderiam suceder.” (ristoteles 1979, p.249) [Tem-se assim, que o historiador conecta-se com a realidade e o poeta/escritor coma possibilidade. Possibilidade de invensao, poder— Pe-ia acrescentar. Invengxo da propria palavra, o que equivale a nvensao do proprio discurso verbal e, junta comele, as infinitas ealidades que ele engendra. € por esse motivo que essa argumentas’o resolve e nio resolve o Problema, conservando o mesmo desconforto no entrentamento dessa matéria poliforme que €0 passada. De saida, fixe-se que o processo estabelecido pelo escriter @ de fato uma operasie escorpiOnica, que se d& na incessante tentativa de ruptura com a linguagem que ele recebe de heranga. Um merguiho destemido em dires%o ag centro da linguagem para promover sua morte e ressurrei¢%o, como tio bem ensina a "Lig%o" de Joao Cabral: "Toda a manh& consumida como um sol imbvel diante da folha em branco: Principio do mundo, Lua nova (Melo Neto, 1975, p.354) Trate-se de um projeto feito pelo signa da invengzo e@ que faz da literatura um territério sem fim, dado que os seus limites esta exatamente onde cada autor logra colocé-los. Em contraposigao, diz Aristételes, o historiador opera com realidades. O que se pode deduzir desta atirmag%o? Abandonada a ilusao tranquilizadera, hegemOnica no s@cule XIX, de que o mundo estaria poveade por um infinito elenco de coisas -melhor seria dizer, de positividades-, todas elas se oferecendo ao conhecimento, o que resta @ nko ser a constatagxo de que 9 conceito de realidade supte em si mesmo a linguagem, a rigor nutre— se dela @ da sua substancia to complexa, t#o abstrata.... Afinal, sua |mera enunciagae faz aflorar instantanea e respectivamente as nogtes de sujeito e abjeto, e com eles a evidéncia de que a realidade € uma sorte de construg%o intelectual, um territerio oscilante, tornada possivel pela linguagem, uma vez que neles convivem, nao apenas os s@res, mas todos os significados que thes sao atribuidos. Neste sentido, tanto um quanto outro, histeriador @ escritor, cientista e artista, opera com Linguagens. Ambos, irrestritamente, juntos com todos os outros homens, est¥o condenados a elas, como lexplica Octavio Paz em 0 ARCO £ A LIRA (1982). A diterenca estaria em que um trabalha com uma linguagem estabilizada ou ao menos préxima esse estado, pretendendo como resultado a confecs3o de um discurso niveco, purgado de rufdes ou variasdes semanticas al@m daquelas ja lhrevistas. Ja 0 outro, o artista, colocaria a linguagem em movimento, Psularia sua inclinag3o natural para a metamorfose, ocupar-se-ia em fertiliza—la com sua as30 ludica, obtendo, em contrapartida o seu Feordenamento, @ maneira de um cristal que se@ fratura consoante sua égica caleidoscopica. Em qualquer um dos usos possiveis tém-se como lenominador comum 9 jugo inapelavel da linguagem. Ambos est’ presos as suas malhas, enredados nessa teia que ao mesmo tempo os aproxima @ ps afasta do mundo e que, dialeticamente, modela~os @ se deixa modelar or eles, E toda uma produszo historiografica realizada ao longo do culo vem confirmar sua indisponibilidade quante ao enclausuramento isciplinar. Para s6 ticarmos entre nos, pode-se indagar, por exemplo, pode deve ser entrincheireda as obras de Gilberto Freyre, Euclides da €unha, Sergio Buarque de Holanda? Em historia ou literatura? Em ambas, alvez. Fome se sabe, todas estas ideias nso constituem nenhuma novidade para $s bistoriadores. 9 achado de que qualquer narrativa, por nao brescindir de linguagem, sofre as disposi¢tes e as arbitrariedades de guen Marra @ um pressupesto contiso ja na raiz etimolégica do terme. Novamente Le Goff: "@ palavra historia (em todas as linguas remanticas @ em inglés) vem do grego antigo historie, em dialeto Jenico. Esta forma Geriva da raiz indo-eurepéia wid-, wed, "ver". Dai © sanserito vettas stemunha" e@ 0 grego histor “testemunha” no sentido ae aquele que vé. Esta concers4o da visao como fonte essencial de conhecimento leva-nos a id@ia que histor "aquele que ve" @ tambem “aquele que sabe" ..." (Le Goff 1984, p.158) 9 rastreamento prossegue inventariando as imprecistes do terac e acaba [Per aconselhar reflexes tedricas sobre os préprios métodos © objetos da historia, em outros termos, assevera que o historiador tambem faga |filosofia da historia (Le Gott, p.160). Novamente aqui menhuma novidade: Croce, Bloch, ebvre, Braudel, jFoucault, estao entre aqueles que salvaram a ci€ncia da historia neste [Péculo pelo pretundo questionamento dos seus alicerces. Investigando seu cardter, puseram ang suas incongruencias, desvendaram certas Pecultaridades do seu discurso, suas regularidades, ordem interna, pxiomas etc, e acabaram por recrié-la. A partir dessa orientasio, essa descontinuidade face aos seus fundamentos epistemolégicos mais Fensagrades, a historia pode ent&o iluminar certos pontos que se fantinham impermesveis aos instrumentos tradicionais, fosse pela fradequasao estes wltimos, ou pelo préprio desinteresse dos Pistoriadores. Assim, da antiga historia positivista, calcada nes fatos, mas figuras dos grandes homens ¢, sebretudo, nas fontes Klassicas -os documentos escritas, descortinou-se uma outra histeria om um numero insuspeitado de objetos: das minucias do cotidiano a ecuperagto da oralidade, do clima aos objetos mais heteréclitos, tudo assou para o seu ambito, © ela prossegue com interesse € inguietude nesgotaveis. P presente trabalho pretende contrbuir a e S@ processo que vem correnda no campo da historia. Para tanto, ele operar& no horizonte ot le outres fontes documentais, acentuando a importéncia de uma questao fue a nistoriogratia brasileira, até o momento, tem s@ acupado pouc: # arquitetura. Relevar @ anélise desse produto da praxis social Fignifica explorar uma senda & qual Lucien Febvre j& se referia em 94 “A historia faz com documentos escritos, sem duvida. Quando estes existem. Mas pode fazer-se, deve fazer-se sem documentos escritos, quando n§o existem, Com tuda a que a nabilidade do historiador lhe permite utilizar para fabricar o seu mel, na falta das flores habituais. Logo, com palavras. Signos. Paisagens @ telh. - Com as formas do campo e das ervas daninhas. Com os eclipses da lua e a atrelagem dos cavalos de tiro. Com os exames feitos pelos geblogos e com as anéli de metais feitas pelo quimicos. Numa palavra, com tudo como que, pertencends ao homem, Gepende do homem, serve o homem, exprime o homem, demonstra a pre enga, a atividade, os gostos e as maneiras de ser do homem. Toda uma parte, © sem duvida a mais apaixonante do nosso trabalho de historiadores, nao consistiré num esforso constante para fazer | falar as coisas mudas, para faz@-las dizer © que elas por si | oréprias n¥o dizem sobre o homem, sobre as sociedades que as | produziram, @ para constituir, finalmente, entre elas, aquela vasta rede de solidariedade @ de entre-ajuda que supre @ auséncia | do documento escrito?” (in Le Goff 1976, p.98) |Esta linda passagem atesta a revolugae documental ocorrida na historia neste século. Revolusto que, obviamente, tambem se fez sentir no campo lespecifico da historia da arte, muito embora esta, no momento da |manifestas’o de Febvre, 8 houvesse evoluico enormemente pela lcontribuigto da corrente deflagrada com o “puro visibilisma” (Venturi 1984). Entretanto, destague-se que s&o ponderastes como a de Febvre |que permitiram & histéria da arte, formulagtes no tao circunscritas Jao universo intimo da obra de arte, arriscando interpretactes que as peresentam como expresstes da presensa da atividade, dos gostos © das fpaneiras de ser do homem. Um exemplo classito dessa abrangencia do Ipstudo da obra de arte que nto descarta sua dimensio prépria, ao mesmo tempo em que a referencia cuidadosamente ao seu contexto cultural e histérico est& no Livro PERSPECTIVA COMO FORMA SIMBOLICA, de Panotsky (1963). Uma outra etapa da expansdo dessa 4rea vai se dar com a sua lsdesto aos parametros e contribuigtes da experiencia cultural Kontemporanea: da estética a sociologia, da semiética & teoria da informasta, da psicologia a, enfim, todas as varias hipbteses Kientiticas que tem sido relacionadas, de algum modo, a esse campo. Un Ipxemplo da potencialidade dessa altima etapa esta na obra de Barthes e He Otavie Paz, o autor da epigrate deste trabalho: 10 "(Na arte) as formas s%0 as emisseras de signiticados. @ forma projeta sentidos} € um aparelho de significar." (Paz 1977, pp.23/24) Lastreado pelo aporte dessas passagens de Febvre e Paz, esta pesquisa debruga~se sobre a forma arquiteténica por aceitar sua potencialidade que tange ao fornecimento de subsidios para a compreensto de um determinado contexto histérico, Nesse sentido ele aceita a concepsto de Marc Le Bot que enxerga na arquitetura, na sua qualidade de forma particular de expressto artistica, uma dupla insers30 social: no terreno da produgio, onde ela intervem mais decisivamante na divisao social do trabalho do que as outras manifestastes artisticas, © no plano visual, onde cumpre, tambem com maior amplitude do que as outras artes visuais, a fungio de estruturar uma “ordem de visibilidade” (Le Bot 1976, pp.20/24). Q conceito “ordem de visibilidade", fornece a chave para © entroncamenta entre as distintas vertentes adotadas até o momento, e justifica a utilizasdo da arquitetura como vaiioso elemento para a intelecs%o da arte junto a sociedade. Citando Le Bot: Algumas configuragtes do visivel tomam forma ao mesmo tempo no campo dos objetos estéticos ¢ no dos objetos visuais ou em lugares © comunitarios. Concernem, a0 menos em direito, a totalidade do campo social e tem valor de instituistes historicas. Trata-se, pois, emum e outro campo, de um mesmo processo diferenciado, que tem um unico objeto (, A instituigao de uma ordem de visibilidade como mod@lo ideal e norma perceptiva, ocorre por meio de demarches que sao Com at Simultaneamente empiricas e reflexivas. 0 aspecto empirico tem, sem divida, supremacia quando se trata da produs%o de formas do espaso das quais seus produtores esperam obter uma eficacia restrita a um campo ralativamente limitado e pouco conflitual. Diante de um problema de organizag¥o espacial que diz respsito apenas a pratica mais cotidiana dos membros de uma determinada comunidade -lugares ou objetos de trabalho, de lazer, das diversas relagbes hierarquicas ou simbélicas- as finalidades ¢ solushes concretas sto concebidas como particulares e permanecem em grande medida inconscientes de suas implicastes no sistema global. O aspecto reflexive se torna mais evidente toda vez que problemas analogos se colocam escala de uma comunidade onde o poder se encontra dividido e hierarquizado em instancias distintas, reconhecidas com tais. A definicde das finalidades das solustes passa a resultar ents de um calculo intencional, politice propriamente, uma vez que seu objeto ¢€ o sistema social em sua dimens&’o sistematica (pouco importa que os produtores de formas em sua intengao consciente de sistematicidade, coloquem em jogo, na verdade, uma ideologia inconsciente de suas finalidades objetivas). Poderiamos dizer, em tais casos, quando se trata de construir estruturas gerais do vis{vel, que o desenho (dessin) da forma @ 0 designio (dessein} de formalizagdo s&o uma coisa sd. Designio (dessein) e@ desenho (dessin) © duplo sentido, exatamente, do termo em lingua inglesa". (Le Bot 1976, p.20) efeito, este @ um dos achados que mais interessa: todo desenho, fnquanto estrutura geral de formalizag’o de certos aspectos do 12 \Visivel, deriva efetivamente de um designio (dessein) politico. [Estendendo o raciocinio para as artes e a arquitetura, ¢€ facil reconhecer que elas nunca desconheceram sua fung¥o politica, o papel singular que desempennam na organizacdo normativa do espacso social, na \definisto das relaghes espaciais hierarquizedas entre as diferentes linstancias de uma comunidade, seja essa funsio exercida pela lconstrugto de modelos concretos imediatamente aplicaveis & ordem jpaterial do ambiente natural e urbano, geja ela exercida de maneira Jnenos direta pela instituig&’o de um sistema ideolégico cultural de alores de representas3o (Le Sot 1976, p.20). Mas, por Ultimo, pode-se Iestender ainda mais esse raciocinia notando-se um papel homblogo lpxercido por toda e qualquer produg&o historiografica dentro de uma Heterminada comunidade. Tambem ela esta, a seu modo, ocupada em | linstituir sistemas ideolégicos de valores. [nteressado nesse prisma, este trabalho optou pela efetuasio de um ntrelagamenta entre ambas inst@ncias da praxis social. 0 objeto scolhido para a analise concorre favoravelmente na medida em que nele roincidem de modo singular problemas internos @ externos atinentes aos Hois aspectos, focados. Trata~se da obra de um arquiteto moderno, feita bob 0 Signo de questtes que atravessavam, naquele momento, todas as produstes culturais, n3o deixando de lado as produgtes arquitetonica e historiogratica. Tambem a arquitetura, pode-se dizer, enfrentava Islqumas das inquietastes © proporcionava alentadas reacomodastes |intradisciplinares, a exemplo e mesmo de forma semelhante aquelas que pcorreram na historia e que foram indicadas aqui. Quanto 6 esse Rrquiteto, cuja obra, a despeito da sua grandeza, foi tratada isplicentemente pela historiografia dedicada 4 arquitetura moderna no 13 Brasil, afigura-se como um caso paradigmatico para o estudo do objeto arquitetOnico e sua relag%o com a histéria e de ambas com seu tempo. 14 JQUESTSES DA HISTORIOGRAFIA ARQUITETONICA: 0 CASO GREGORI WARCHAVCHIK uma vez demonstrados alguns dos pressupostos basicos que norteiam esse pensamente sobre arquitetura, entre eles 0 pressuposte de que nao Jexiste uma relas¥o de exterioridade entre arquitetura e sociedade, |pode-se apresentar o interesse em estudar a obra do arquiteto russo Gregori Warchavchik, apresentando-o como o introdutor da arquitetura moderna no Brasil. Aqui radicado a partir de 1923, Warchavchik Iconstruiu e divulgou, sempre de forma coerente e sistematica, um nosaico de idéias amplo e eclético, constituido por fragmentos de temas gestados na nova ordem industrial, onde se encontravam jamalgamados, preocupastes sociais, aspectos relativon 4 linguagem |Plastico-formai moderna, e outros quesites presentes nos varios grupos He vanguardas atuantes nos primeiros decénios do século. Agindo \desapaixonadamente, talvez por sua fixas%o numa Italia relativamente & jnargem dos embates das vanguardas, Warchavchik montou com tode o rigor IRue Lhe seria uma marca caracteristica, um painel @ um corpo de idéias lparticulares, ainda que inteiramente haurido de grupos inequivocamente IHistintos entre si, © que Ihe balizariam sua obra futura. Para que se |tenha uma id@ia da amplitude das suas reteréncias basta considerar-se ue ele logrou conjugar em seus varios escritos # em suas obras brquitetonicas. pontos pertencentes a vertente construtiva do podernismo europeu, que inclufa desde a Bauhaus alem& de Walter Bropius e Mies Van der Rohe, 9 grupo holandés De Stijl, até o Prquiteto @ artista plastico Le Corbusier. 45 Analisar a obra pioneira de Gregorio Warchavchik significa, portanto, verificar as condigtes e a forma como foi implantada a arquitetura moderna no Brasil, uma arquitetura que em varias das suas facetas | apresentava-se embebida de um profundo compromisso sociel, o que a Jlevava a assumir um tom messianico, disposta que era a empreender por via do seu proprio corpo, uma verdadeira cruzada de fé nilo apenas |contra as desigqualdades sociais como tambem, @ af sim em todas as suas |manitestastes, contra o fantasma da irracionalidade, que para ela |tanto incluia nosses como o nacicnalismo, quanto o peso rigido da tradisto. Uma arquitetura que inseminou nos seus promotores a ilusio de que seriam 05 avatares de uma nova sra, onde estariam compatibilizados o espirito humano e a logica cristalina das maquinas. )A partir de uma geometria plasmada em paredes brancas, um nova homem seria concebido. Indubitavelmente nova, uma das singularidades da utopia em que consistiu a arquitetura moderna foi o tato dela ter lagrado ser |implantada em grande parte, instaurando indelevelmente uma nova ordem visual. Obviamente no foi uma implantas3o sem reveses, sem Onus das suas intengBes iniciais. Ainda assim seu @xite foi surpreendente e ela Jooteve a penetrasto que tanto perseguiu. Desconhecende fronteiras, como rezava a ess@ncia do seu credo estetico-politico, ela atravessou paises e fixou-se nas regites mais dispares do planeta. Brasilia, |chandigard, Argel, Toquic etc, confirmam a abrangéncia das adestes. No nosse caso o seu @xito foi extraordinario. Aqui também ela se instalou |solidamente, modificando a paisagem urbana, reformando @ criando |cidades ©, acima de tudo, ocupando-as com suas edificastes e, dentro |eetas, seu mobiliario. Com todo esse aparato @ que se pode afirmar que 16 dentro do modo de ser caracteristico do objeto arquiteténico, ela, arquitetura moderna, prossegue interferindo na moldagem e@ orientasao de nossa vivencia ambiental cotidian, 0 alcance deste estudo esta na incluso das questtes 4 arrolades, relativas & ordem de leitura que se deve fazer de uma producso larquitet@nica. Quanto a isso, deve-se considerar que o estudo dessa obra obriga a uma leitura do contexto ac qual ela se relacionou, lestreitando lagos, interferindo, alimentando-se ou entrando em conflito. © necessario estabelecimento de limites dentro desta investigasie fez com que se optasse por uma leitura de relasao | jpbra/contexto, focada primordialmente no plano da cultura. Assim, o Ipstudo da obra de Warchavehik implicara primeiramente na feitura de Juma revisit do movimento Modernista com o qual ele manteve um vinculo [tntime desde sua chegada, em 1923. Com essa revisto pretende-se lHestacar as peculiaridades do movimento, ge modo a que se possa lquilatar as igualdades e diferengas que Warchavchik sentiu entre o meio que o abrigavae a sua formagao européia, finalizada com seu Pstudo em Roma. Nesse ponto @ esctsado lembrar que se faz necessério lim tratamento simetrico entre os pélos da questo de modo que, ao seu inal, a anélise nao fique desequilibrada. Por isse € que também o povimento moderno, tal como foi encampado pelas vanguardas européias e hue serviu de guia para © arguiteto, sofreré igualmente uma revisso OS SeUs pressupostes Gerais. (Antes que se incorra numa jesaconselhdvel imprecis30 conceitual, convém esclarecer que o termo fodernismo, aqui empregado, refere-se ao movimento realizado no Brasil fue, como seré visto, pautava-se entre outras preocupastes, pelo Pesejo ambiguo de, simultaneamente, fazer com que o pais se 17 modernizasse e construisse uma identidade para si. J& modernidade ou | moderna refere-se, genericamente, ndo apenas ao passo empreendido pela filosofia com Descartes e¢ Bacon, mas com duas de suas importantes derivagtes: o movimento estetico gestade dentro do Iluminismo, e& a Revoluso Industrial, Guanto as vanguardas modernas, foram as |depositarias ativas desea complexa reunito de efeitos estéticos e politico-econémicos, que se ocuparam em plasma~ia em realidade material sobretuda no periode entre-guerras}. Um outro alerta deve ser feito no intuito de esclarecer o carater desta pesquisa que mio se propOs a construir um painel completo da trajetéria de Warchavchik, examinando todas suas obras e elaborando uma biografia. Outros interesses presidiram a formulasdo do seu escopo e@ em azo deles que se esquivou de uma abordagem mais global da sua produgio, ainda que se reconhesa que seu valor e significagdo esto a merecer um tratamento desse teor. Da mesma forma, nemo inventariamento das realizagtes do Modernismo como, tampouco, um lesquadrinhamente de todas as nuances das vanguardas modernas, sao Jodjetives presentes. A circunscrig%o do objeto fei deliberadamente Pronunciada @ se justifica pelo que se apresenta a seguir. Coma se depreende do titulo deste trabalhe, ratificado pelo titulo deste item da introdugao e pelo conteudo da apresentag’o, o objeto de Jestudo sers tratado em duas chaves. Além do enfeque consagraco a \discuss’e da obra em si, sem descurar de alguns liames que a conectam com © momento historico em que ela foi produzida, ele tera um outro, jeorelario da sua origem @ enderegamente duplos, ou seja, da sua dupla |elivagem em historia e arquitetura. Por conta disso € que esta pesquisa se interessa em refletir sobre alguns aspectos, pontos 18 |ebscuros e problematicos, da dimens¥o epistemica de histéria, mais precisamente, da historia da arquitetura. Antes de prosseguir convem |explicar o porque desse destaque dado a dimensdo epistemica. | €m principio ele decorre do alinhamento com algumas das correntes mais jatuais da produgzo arquiteténica, que tem na histéria nie uma |disciplina extrinseca & formasao da arquiteto, um verniz que se J@crescenta 4 sua forma¢3o, mas um corpo de conhecimantos e de métodos |que deve atuar na pratica ena reflex3o desse profissional. E & |precisamente essa dimensto estratégica da histéria, que chegaa se |traduzir em asto efetiva, substantivando a operagtes criativas do arquiteto, que merece ser enfatizada. Note-se também que essa saida Joperativa do conhecimento histérico se, por um lado, talver seja |intuida pelo arquiteto €, muito provavelmente, ignorada pelo |nistoriador. Desse modo, outra finalidade desta dissertesao é |concorrer para o reconhecimento dessa intervensao concreta da historia ro ensino da arquitetura. Canterir esse estatuto & histéria cria um problema que tange ao rigor que deve ser observado quando da sua produsto, particularmente entre 0s historiadores da arte e da provitetura que, coma j& notou Renato de Fusco, notabilizam-se por um Iprande desconhecimenta dos aspectos metedolégicos gerais da ja historia historiografia. Sem duvida, enquanto os cultores [frequentemente interrompem sua investigac3o para indagar sobre tais Bspectos, os estudiosos da arte e da arquitetura, quando se empenham @ plano teérico, antes de abordar o termo “histéria" eepeculam como ermo “arte", ou seja, desenvolvem investigastes mais estéticas que fistoricas (De Fusco, 1977, 9.19). Isto paste, esta investigasso }ncorpora a orientasto de De Fusco, de se importar para a 19 historiografia © arquitetonica as questtes metadolégicas da historiografia geral. A concerd&ncia vem do conhecimenta da produsao histeriografica feita sobre a arquitetura no nosso pais, que se poderia exemplificar como resultado relativamente recente os ANAIS DO I ENCONTRO NACIONAL SOBRE ENSINO DE FPROJETO ARGUITETONICO (UFRGS 986), dedicado 4s relagbes entre a "Historia da Arquitetura e 9 sino de Projeto". Nestes, chama a atens&o o desconhecimento quase jeneralizade por parte dos historiadores da arquitetura, dos problemas linternos, das transformagtes epistemolégicas efetuadas no campo da histeria. No plano do pais, a pradug8o historiogratica dedicada brquitetura, salvo algumas excesses, aparentemente desconhece que a istoria da arquitetura seja um campo particular da historia. Wo hd duvida que a superas%o do atual estégio das relastes entre rquitetura e@ historia s6 se daré as custas de muito aprofundamento, Yado que a sua mera indexag%o como tema interdisciplinar em naga permite avangar. Operastes de aprofundamento, inventariando as pemelhangas © diferensas, este ¢ 0 procedimento exigido por quem se pventura por esses territorios, © a primeira medida a ser tomada, $egundo Panofsky, @ uma distingdo mais cabal entre posis’o © soluso: | “O historiador que tem que trabalnar somente com os fenémenos empiricos coloca-se em situagdo inversa da dos tedricos da arte, para quem se trata de desenvolver os conceitos fundamentais da | ci@ncia da arte e de diferencia-los em conceitos particulares: se este ultimo (. pode definir 3 posig#o mas n3o a solus’o dos problemas artisticos, ao historiador da arte sé © dado, sob a forma de obra de arte, apenas solustes, sem que ele nossa 20 reconhecer suas posifves; os fenémenos empfricos-reais que se colocam frente & considerasso rigorosamente histérica da arte, n3o revelam em si e por si nenhum “problema” - @ estes n&o se do nes fendmenos, presumem-se por detras cestes © pourtanto sto acessiveis a um tipo de consideras30 que no @ histérica mas teoria da arte: somente a “especulag3o conceitual nao sensivel” que ¢ propria desta teoria, pode colocar esses fins segundo os quais deve orientar-se, Passo 3 passo, a atividade do investigador empirico - somente ela tem 4 possibilidade e@ a fungo0 de reconhecer os problemas artisticos que a praxis historiografica pressuptie conhecidos e@ de brindar uma formulagzo conceitual mediantes os conceitos fundamentais @ particulares da | historia da arte". (in De Fusco, 1977, p.19) |Foi precuranda no perder de vista a exigéncia de Panofsky, e © |referido desejo de contribuir para o didlego entre os campos da Inisteria e da arquitetura que se definiu a abordagem do tema em duas |claves, capaz de garantir uma ago em duas frentes: ao passo que o Jestudo da produsto de um arquiteto pode fornecer aos historiadores insumos importantes para a sua pratica, 0 recorte em tarno de uma reflexdo sobre os procedimentos metodolégicos no campo da historia, Ivoltado para o debate que perpassa a produgio arquiteténica, sera, iguaimente, um “aproach” importante para os arquitetos. Entao, com a finalidade de avancar nesse caminho, optou-se por efetuar no primeiro capitulo uma revis%o Gos vetores e contradigtes basicas em que se lapoiava oc movimento modernista no Brasil, reservando-se ao segunde e erceiro capitulos, respectivamente, o papel de detaihar como nossa 21 |produg#e arquitet@nica incorporou essas questbes e como elas se reverteram @ influiram na constituigao de uma matriz historiografica. Para explicar melhor esta abordagem e, posteriormente, defender a pertinéncia de apresent4-la como senda afinada com os dois planos de investigasto deste trabalho, deve-se reportar ao raciocinio do historiador de arquitetura Juan Pablo Bonta, que: "Cre.) reconhece que cabe 4 critica uma participasae ativa e fundamental, n&o S60 na propagasdo como também na gerasio de cultura arquiteténica.( A experiéncia verbal nao pode Substituir a experi€ncia artistica. Mas a experiencia artistica pode ser descrita verbalmente, e a analise verbal pode modificar © de fato modifica, a experi@ncia artistica. (Bonta, 1977, p.8) |Foi © reconhecimento de que a critica influi decisivamente na |construgte da cultura arquiteténica que levoy a pensar a obra de Marchavchik a partir dela mesma e@ & luz das interpretastes que ela ltofreu por parte da historiografis. Esta, homologamente a critica, bossui os mesmos mecanismos que Ihe permite montar @ fixar valores, Iuadros de referéncias, matrizes de leitura etc. HA que se coteJar, Iportanto, © modo como a nossa historiografia montou um modelo e uma matriz de interpretagio da arquitetura moderna no Brasil e, a partir Histo, perscrutar 0 modo como ela qualifica, valora e situa a obra de Warchavchik. Isto posto, parece ser evidente que, constatada a Pingularidade da obra arquitetonica estudada, seria um desperdicio no Fezer algumas especulastes de ordem metadalegica no campo da histori, fais uma vez @ licito admitir que o elenco variegado de fatorer que 22 nfluem na concep¢a0 do trabalho, a duplicidade das reas das quais ble senutre © retorna, agregada as questbes que reciprocamente a prauitetura ea historia se proptem, tornam imperativo que seja feita, ho minimo, uma breve embora oportuna revista bibliogratica. be tato, a oportunidade no deve ser perdida em fungiio da magnitude do ema; a abra de Warchavchik por tudo quanto ela significa, pela sua walidade @ pioneirismo, pelas dificuldades que ele passou na sua Teeeira profissional, exige um tratamento a altura. Construindo sua bbra Warchavchik percorreu um caminho sinuoso, cheio de idas e vindas, envolvendo-se em todos os aspectos relativos @ profissio: o projeto, a fonstrusso, a divulgasto, a pol@mica, o magistério, a incorporagao @ a yenda. Ele significou para a arquitetura o que Lasar Segall, seu oncunhado, significou para a pintura. m que pese todo o mérito da obra de Warchavchik, com o seu esforso ombinado em varias frentes de aso, em que pese o impacto decisivo que a sua obra provocou no préprio desenvolvimento da arquitetura do pais, seu nome corre hoje A margem da historiografia arquitetonica @ficial. Por ser tratado com excessiva ligeireza por alguns autores e sa historiografia mere: jendo até omitide por autres, e se juestionada a proposito dos seus motivos. Neste sentido esta analise rk se servir do trabalho realizado por Carlos Alberta Ferreira jartins (1987). Nele @ desvendada a trama historiogréfica, na acepsio ge Veyne, construida pela maior parte dos historiadores da arquitetura Moderna no Brasil. A leitura de Martins, adiante-se, aponta que, de jodo geral, faz-se concidir a "verdadeira" entrada da arquitetura joderna no Brasil, quando ela, pela mo de Lucio Costa, juntou-se 30 qstado varguista no proptsite de construir uma identidade nacional. 23 Longe de negar 0 estupendo feito de Costa © Niemeyer -feito de dupla jface: teoricoe artistico-, a intencio deste trabalho @ demonstrar o ator da poetica de Warchavchik, indiscutivelmente moderna @ Iperfeitamente sintonizada com as vanguardas histéricas, cujo maior Hefeito, ao menos para os historiadores oficiais, € ter passado ao largo de quest®es como tradig%o @ identidade nacional. Fssas quest0es, como se pode notar, sto dois aspectos importantes este trabalho. Contestando a historiografia hegemonica da arquitetura b a fixasto de 1936 -data do inicio da construgao do Ministerio de ucagxo @ Saude Publica~, como sendo a data em que se instituiu a brquitetura moderna, optou-se exatamente pela periodizas3o que ela ltaz, coma finalidade de, através dos seus préprios marcos, fazer-ihe [ma leitura a contrapelo, capaz de enfatizar com mais propriedade a atureza dos seus equivocos. Tem-se, portanto, com es: trabalho, o oposite de concorrer para o desvendamento de uma trama, de um ardil istoriografico que, por ter sido identificado como a primeira leitura onsequente dentro dos moldes modernos, assumiu a propors3o de um Hiscurso tot@mice e, como tal, indiscutivel. f novanente em respeito & dupla clivagem desta analise que o quarto kapitulo @ encaminhado. A partir da verificag’o dos contornos e fealizaghes especificas do nosso Modernismo @ a confirmas3o de que a istoriografia da arquitetura moderna, como se vera, faz uso fistematico das suas armadilhas ideolégicas sem, no entanto, escosmar- @ disto -talvez porque n3a se dé conta~ , esta dissertagso ampliaré o feu raio de agzo, remetendo-se as vanguardas modernas. Do particular para ogeral, do planc recortado para um plano mais aberto, a @strategia utilizada © passar a limpo a modarnidade retomando alguns 24 dos fundamentos e programas daqueles que a encamparam: as vanguardas madernas. O motivo dessa mudanga de diresio €0 de assegurar uma descrig80 mais criteriosa do movimento que funcionaria como o principal catalizador das nossas convulstes internas no plano da cultura, para que se possa aferir com mais seguranga suas diferenga: com 0 debate gerado aqui e fornecer maiores subsidios para a |compreens’o de qual era o perfil intelectual do arquiteto Warchavchik, formado na Italii » um pouco distanciada @ verdade, mas muito atento ao cebate promovide pelas vanguardas. Outra vez cumpre frisar que a |Pescristo das vanguardas modernas estara estritamente guiada pelos |pressupostos © objetivos deste trabalho, o que a faz ser reduzida lquase que exclusivamente aum ponto: a5 relates entre histéria e Ierquitetura = moderna. Uma = quest4o = certamente = fulcral, se strategicamente eleita em fung%o do que ela passa incrementar o |intercambio entre historia e arquitetura. [om a apresentasac desse importante aspecto das vanguardas modernas Pspera-se preparar a leitor para o quinto capitulo onde, apes uma Hescrigao enxugada da trajetéria da Warchavehik no pais, sera efetuada lma analise das suas primeiras obras teéricas e projetuais, realizadas bté muito antes do tao festejado projeto do Ministerio. A partir disso Pspera-se provar que eram reais e conscientes os elos que o arquiteto mantinha com os grupos de arquitetura ligado as vanguardas modernas e, fm segundo lugar, que a qualidade da sua obra n¥o justifica o ratamento secundério que Ihe deu a historiografia, a nBo ser pelo fetivo que se oculta nas entrelinhas do seu discurso: de que ela nao $e interessava em cumprir um dos pontos mais sensiveis para os fodernistas locais, aquele que se refere 4 necessidade de construs#o 25 de uma identidade nacional. Dai se conclui que n’o se poda aceitar os frequentes Obices que a ela sio colocados, come o juizo frequente e |inadequade de que ela n¥o seria totalmente moderna. Por ultimo, antes de se proceder a exposigio do referencial Jmetodolégico adotado na confecsao desta pesquisa @ © detalhamento final de certos aspectos, convéem, ainda, que se faga um comentério Isuplementar sobre a sua forma. A solugio adotada em favor de um Hesdobramento tematico e 3 prépria amplitude do tema eleito, pobrecarrega esta pesquisa no que diz respeito a um acabamente mais redondo, sem aparas, efeito que se louva em um praduto dessa natureza. lb& se aludiu previamente 4 descontinuidade geologica deste trabalho, hue remete & deambulas3o inicial pela verve aliciante de Veyne e Nava, uso capcioso, sem duvida, mas sempre um Slibi contra a excessiva Ipsterilidade que o academicisme pode conduzir. Sempre um alibi a Ikonsignar a evidencia de que inclusive o trabalho cientifico esta ‘Mulneravel a disposistes subjetivas, ineféveis, @ que mesmo dentro da pscolha de um objeto de estude, como afirma Bachelard, lateja sempre o peguinte segredo: afinal, quem escolheu quem? 26 | REFERENCIAL METODOLOGICO A posi¢xo adotada nesta pesquisa vai ao encontro do processo de desenvolvimento da histéria através da reformulagic de referenciais tericos, de objetos eleitos por critérios inteiramente diversos dos critérios classicos, abtides pelo desenvolvimento interior da disciplina e/ou pelo seu consércio com cutras esferas do saber. Sua |contribuigao se daré pelo desvelamento de formas arquiteténicas a partir de um dupla registro: pala sua refer@ncia & praxis social pela preservag#o simultanea, ao ambito da sua analise interior, da sua autonomia como objeto construido para produzir sentide, para manitestar efeito estetico, para ser partador de valor de gosto etc. 0 |vies tedrico utilizado, além da assunsio de posigtes proximas embora |matizadas como Le Bot e Panofsky, esta sintetizado em Omar Calabrese. Este autor, que entende a arte como fenémeno de comunicagto e de significado, parte das seguintes premissas. “a) a arte € uma linguagems b) a qualidade estetica, necessaria para que um objeto seis | artistico, pade ser explicada também coma dependente do modo de comunicar dos préprios objetes artisticos; c) 9 efeito estético transmitido ao destinatsrio depende, também, do moda como as mensagens artisticas si0 construidas.* (Calabrese, 1986, p.11) 27 F oportuna que se mencione © “puro visibilismo" de Fiedler e a quase jpbsessiva procura por Wolfflin de estabelecer uma "ciencia da arte", como sendo as raizes da posisto de Calabrese. De fato, eles foram figuras basilares no avango do estudo do objeto artistico, como se Frouvessem conseguide descolar dele as energias da civilizasao que pele se concentram, como poéticamente fala Focillon (Focillon, 1983, P-9). Aduzindo novas razBes ao que j& foi explicado, o vies de [alabrese interessa pela maneira critica que incorpora as Fontribuigtes de outros campos teéricos, particularmente a teoria dos Fignos e a tearia da informasao. [Todas essas argumentastes, somadas 4s posigtes de Panofsky e, Fobretudo, com as de Le Bot, fundamentan © uso de formas Prquiteténicas como elemento auxiliar para a compreensdo da historia e pinda dao motivos de sobra para que isso nto seja feito de forma ec@nica, reduzindo em um esquema rigido as relasbes entre os pradutos prquiteténicos © as condigtes econémicas, politicas @ culturais. Resta fonsiderar que a transposi¢ga#o de todo esse balizamento teorico para a nalise da obra arquitet@nica, no caso a de Warchavchik, supte tres jomentos diferenciados: 1) relative a sua histeria externa, isto ¢, aos fatores | econémicos, sociais e culturais que a afetam: 2) sua histéria interna: conjunto de idéias, tecnicas @ conhecimentos adquiridos, mediante os quais enfrenta os problemas @ propte programas de agao, Note-se que ser&o levados em conta os documentos escrites pelo arquiteto. Aqui se trata de seguir a risca as argumentastes de Bonts © Le Bot, admitindo-se que tambem 28 © comentario sobre 4 obra, ainda mais senda do seu préprio autor, termina funcionando como elemento gerador @ transformador da cultura arquitetonica, e também concorre para a constituisao de uma “norma perceptiva."; 3) analise da sua carga de significasao, entendendo-se com isso o use de categorias que explicitam o sistema de linguagem utilizado pela arquitetura” (Bill Hillier, in Durand 1972). CAPITULO 1 MODERNISMO - 0 NOVG E A TRADICAD 29 |Embora a produsaq modernista como um todo tenha side muito estudada, lela insiste em permanecer como uma quest&o viva e inquieta. Cada olhar que se langa em sua diregio precisa novos marcos, define novos Iconceitas. Um exame mais atento sob qualquer uma de suas faces & lsuficiente para que sua superficie se estilhasse @ passe a minar uma serie de id@ias insuspeitadas que ali repousavam secretas. 0 curioso idessas ideias, marcos e© conceitos @ o mado como encontram ressonancia ipa nossa sociedade. Ou seja, como elas sofreram a metamorfose radical le sarem apansgio exclusive de efelibatas” e "futuristas”, como eram eunnados seus defensores nos anos 20, para serem incorporadas por [todos os rautos da cultura oficial e, por conseguinte, estarem Hisseminadas em todos os intersticios da produs%o e fruig%o cultural jo pais. De complex compésito de id@ias que era, © Modernismo hoje Poquiriu uma homogeneidade discutivel. Além disso @ frequentemente lardeado como movimento gue equacionou cu que proporcicnou as chaves $e todos os problemas @ falsos problemas que a burguesia brasileira vem colocande as tengo do século. For que, afinal, essa produgdo tem essa capacidade toda? Gual a razao para que ele ainda comparega t3o fortemente das mais diversas formas, &, principalmente, entranhada dentro de qualquer especulas3o sobre a atureza da cultura brasileira? & primeira tentativa de resposta esbarrar& num ponto demasiadamente fonhecido. 0 Modernismo foi, desde o Romantismo, atravessando todo o feculo XIX com seus naturalistas, nacionalistas etc, senXo o ultima, 40 menos um dos mais bem sucedidos movimentos a se empenhar no fegistro ena construg3o das raizes brasileiras, ou seja, de uma adig¥o. Por sua ess@ncia mesma, a tradigs¥o cumpre o papel de um 30 |alicerce dentro de qualquer sociedade. Discutindo sobre ela, Lefort | | defende-a como um ponto chave para que as sociedades tenham de si uma | imagem uniforme e sem descontinuidades: uma sociedade n&o pode referir-se a si mesma, existir como sociedade humana, a n&o ser sob a condi¢¥e de foriar para si mesma a representas¥0 de sua unidade —unidade que, na realidade, simultaneamente se atesta na relagie de dependéncia reciproca de | seus membros e se esconde na separasao de suas atividades." \ (Lefort, 1979, p.304) Conseguir a unidade social através de uma imagem homogénea que uma sociedade tem de si seria, portanto, a fungio basica disso que, genericamente denomina-se tradis4o @ que o senso comum costuma embutir na detinis&o de cultura. Mas, ser& possivel assumir na totalidade a afirmasto de Lefort? Seria assim tao necessaria a constituisto de uma tradisao para que uma comunidade garantisse sua unidade? Seria, mais do que isso, uma pulsao pertencente 4 natureza de toda e qualquer sociedade? Historicamente a questdo parece no se apresentar dessa maneira, afinal, nem todas as sociedades se lansaram nesse mister e@ tampouco colocaram a si esse Problema. Por outro lade, ressalvando-se © inadequado tom genérico da passagem de Lefort, h& que se reconhecer a incidéncia de@ segmentos, grupos localizados, dentro das mais diversas comunidades, que se |envolveram nessa tarefa de criar, para em seguida resolver, portanto sempre de forma arbitraria, esse problema. A partir dai, fica mais 3 | facil concordar com Lefort @ até enxergar a presenca desse fenémeno no | Brasil. | necessidade de um grupo ocupar-se em montar uma tradigko derivaria da funs%o estabilizadera que esta possui, uma vez que permite a ele, Jgrupo, alem de afastar de si o fantasma da alteridade, sonhar com a |sua eternidade. Pois, como explica Borheim, @ através da determinagso do passado e do presente que uma sociedade capacita-se a prever o |préprio futur A tradis¥o se pretende, assim, uma grande seguranga -nés estamos | na prépria seguranga, vivemos numa resposta e estamos assegurados nela, nés somos organizados pela tradig40, ela @ nosso principio. — n&o foi isso @ que nos ensinaram os gregos, em especial o platonismo? © fundamento est& na mesmidade do mesmo, na Idéia divina. £ toda teoria e toda pratica se constituem pautadas pelo principio da identidade, base da logica aristotélica. A tradigxo | sorve a sua energia da identidade que ela tem consigo mesma. (Borheim, 1987, p-18) [Pais cuidadoso, o trecho de Borheim deixa entreyer o@ grau de lartificielidade e pretens’o subjacente a todo projete relacionado com IP rastreio da tradis30. Voltanda ao Modernismo, no se deve ignors-lo bob pena de n&o se aferir corretamente a vigéncia de suas idéias, sua validade ou caducidade. Afinal, 0 Modernismo, na figura dos seus iversos protagonistas, indicou caminhos, definiu valores, orientou Plhares e gostos, forneceu, enfim, algumas das mais hem acabadas e pais correntes ideias que os brasileiros tem hoje de si préprios. Por 32 conta disso @ que @ imperativo revisé-lo frequentemente. S6 esse gesto @ capaz de impedir que certos mitos sejam perpetuados, filhos previsiveis da mecanica peculiar as expresstes culturais desse genero. © territerio da cultura nutre-se do engendramento prolifico de imagens © conceitos arbitrérios. Estudé—lo nao implica absolutamente em esvaziar esse territério desse conteido -o que o extinguiria, mas talvez faculte a entrada nele, para interrogar e submeter ao juizo, as imagens e@ conceitos existentes e, quem sabe, criar outros mais @finados com outros desejos. Como ja foi dito anteriormente, rever ¢ um dos objetivos deste trabaiho. Rever, no caso, a obra arquitetonica de Gregori Warchavchik, avalig-la e, simultaneamente, desvendar os critérios adotados pela linha hegeménica da historiografia da arquitetura moderna brasileira. Mas h& uma discussao anterior que pode contribuir para a compreensao dos motivos que levaram essa historiogratia a deslocar para um segundo plana a obra daquele arquiteto. Seu ponto nevrdlgico aparentemente reside no carter ambiguo que perpassa de ponta a ponta toda a Pradugio modernista e que contagia todas as suas propostas, sobretudo aquela que era entendida como sendo mais urgente naquele momento e que justamente se referia & necessidade de construso de uma tradigdo. Mas, antes de se empreender esse caminho, uma primeira medida deve ser tomada em relagto ac reexame dos pressupostes do Modernismo, qual lseja, a purgac¥o de um dos piores males entre os que JA o acometeram: |sua institucionalizaga’o. Citando Brito: +) 4 precoce entronizafao de herdis, marcas e periodizagtes dentro de um processo ainda em andamento, termina por constituir 33 em um entrave a sua desenvoltura, No processo cultural hé sempre @ retlex3o sobre o passado eo futuro, mas essa reflexto vai junto coma desejo que a anima e a produsdo que © afirma. Quer Sizer: ao contraério da produgéo técnica, com seu controle concomitante 4 cada etapa do processo, a produgxo artistica tanto @ consciencia quanto aventura, tanto projegio quanto risco. (Brito, 1983, p.13) [0 raciocinio € bem claro e© demonstra como, em respeito & maneira de per da produs3o cultural, da qual a arte é parcela constitutiva, a Enstitucionalizas4o pode ser prejudicial. A consagragao, o aplauso e a Hefesa cega podem significar a paralisia do produto cultural. Como [Praumenta Enzensberger, arte & um processo e, como tal, n4o pode ser [Fontida por nenhum museu, nem mesmo imaginérie, sob pena de ser Rranformada em fetiche (1705, p.35). Que fique claro que nto se [Fompartilha sem restrigses dessa visto que Enzensberger tem de museus Que, sob seu ponto de vista, ainda estariam muito proximos dos tumilos f templos com quem, alias, guardam uma clara filias%o. Entretanto, ompartilha-se da sua preocupas%o quanto ao congelamento de algo que por sua propria natureza @ avesso a redugtes classificatérias. Some-se f esse comentério do pensador @ poeta alemio o do seu colega mexicano ctavia Paz, quando este lembra que grande parte da obra de Marcel artista que mesmo sendo o reverso Buchamp Picasso, foi, juntamente com ele, quem maior influ€ncia exerceu neste sécule- aquela @linhada com os seus ready-made, consiste exatamente em ser uma ritica ativa contra a monumeestas¥o do seu enfraquecimento, lecorréncia direta do seu processo de totemizagao, esta na metamorfose 34 sofrida pela maxima oswaldiana, verdadeiro emblema da cultura nacional @ do Modernism tupi or not tupi, that is the question". Trocadilho inteligente do monélogo shakespeareano; equagto emitida pelo vetor antropofégico dos modernistas e@ que logra embutir astuciosamente uma indagag%o sobre a nossa identidade dentro de uma citasio classica, seu uso reiterade nao poderia ter acontecido alheio a sua necesssestagso do seu enfraquecimento, decorréncia direta do seu processo de totemizasao, est& na metamorfose sofrida pela maxima oswaldiana, erdadeiro emblema da cultura nacional e do Modernism: “tupi or not tupi, that is the question". Trocadilho inteligente do mondlogo shakespeareanoj equagta emitida pelo vetor antropofagico dos modernistas @ que logra embutir astuciosamente uma indagas%o sobre a nossa identidade dentro de uma citagao classica, seu uso reiterado nto poderia ter acontecido alheio a sua necesséria atualizasso. 0 resultado foi um desvio e o desgaste do seu alcance original, © 0 jfecorrente escancaramento da faceta mais fragil que essa formulasao carrega: apologia de uma paradoxal ingenuidade matreira, suposto traso jatavico do brasileiro. Comprometeu-se assim uma leitura possivel de latirmagao tegorica do poderio das diferensas, de orgulho da Pluralidade etnica constitutiva da mag3o, para um discutivel elogio de m pretenso traso de carater. Mas se, como se Viu, institucionalizasao @ enfraquecimento sido termos ue se conjugam com facilidade, deve-se considerar, por outro lado, we eles indiciam 0 @xito que o movimento madernista conheceu. Ou peia, efetivamente houve sucesso na tentativa de construgso de uma {dentidade para o Brasil. Artificial como qualquer uma, atrelada a nteresses de classe como ¢ de sua natureza, a raz%o desse sucesso e 39 dessa permanencia deriva tanto da pertinéncia como da oportunidade com que se colocou, articulando as ambiguidades que compunham o panorama social. laS RAIZES AMBIGUAS DO MODERNISMO lacastumados por um vies teérico que associau ao Modernisma a idéia de vezes incorre-se na @rro de nico se fazer caso das suas ruptura, muita: lprospecctes passadistas, voltadas para o rastreamente das tradigtes. De fato, hoje em dia se esté mais afeito ao Modernismo da parédia, da blague, © Modernismo oswaldiano, do que aquele mais sisudo, mais lenvolvido na construg§o do passado do que na sua destruigao. [Comentando esse pormenor, Silviane Santiago diz 0 seguinte: “Esse tipo de estetica -da ruptura, do desvio, da ironia e do serrise, da transgressto dos valores do passado- @ que tem o direito de cidadania, por assim dizer, na revalorizag4o dadaista por que passou o modernismo desde 1972." (Santiago, 1987, p.74) Ha, entretanto dentro do Modernisma, a concomitancia entre uma pulsde b favor da ruptura e outra da tradigao. Ambas igualmente importantes @ hue constituem sua raiz ambigua. 0 primeira termo tem sido, talver Pxcessivamente, associado ao Modernismo. Com isso o segundo ficou pbscurecido. Mas essa condigse nao © faz menos importante poste que a le coube resolver, obviamente a partir da sua sintese como outro 36 polo, a questao crucial para um determinado grupo de intelectuais que militavam dentro do periodo que vai da Primeira Republica até a insteuras%o do Estado Novo -este incluida: a identidade nacional. Aspecto problematico, a quest%o da identidade remete ac amago da nossa cultura e @ tema recorrente na nossa histéria. Se a obsessao pelo seu desvendamento € um impulse que pode ser flagrado nesta ou naquela sociedade, parece que entre as nasties estigmatizadas pelo subdesenvolvimento ela atinge contornos e complexidade muito maiores. Embora subdesenvolvimento sejsa um voc&bulo econ@mico, j4 que designa nasties pouco ou nada industrializadas e com baixa nivel de qualidade de vida, também serve para ilustrar @ justificar a existéncia de uma especie de duplo que éle possui no campo da cultura e que se espeiha numa profunda “sensagic de vazio" que esse campo frequentemente acusa. Trabalhando sobre essa vaga nosdo, Paz discute a existéncia de uma suposta literatura latino-americana e detecta esse “vazio" da seguinte formax 0 continente americano ainda nao havia sido inteiramente descoberto © j& féra batizado. G nome que nos deram nos condencu @ ser um mundo novo, Terra de eleis%o do futuro: antes de ser, a America j& sabia como iria ser. Mal se transplantou para as nessas terras o imigrante j& perdia a sua realidade histerica: deixava de ter passado © convertia-se em um projétil do tuturo. Durante mais de tr@s séculos a palavra americano designou um homer que nao se definia pelo que fizera © sim pelo que faria. Um ser que nao tem passado, que no tem mais do que futuro, ¢ um ser de pouca realidade. Americano: homens de pouca realidade, homens: 37 | de pouco peso. Nosso nome nos condenava a ser o projets historico de uma consci@ncia alheia: a européia." (Paz, 1976, p.127) la argumentas#o de Paz pode servir muito bem para demonstrar como que a |relativa opacidade do problema suscita digresstes mais enevoadas |sinda, perigosamente vizinhas da mais pura fics#o. Mas, com um pouco |de boa vontade pode-se atentar que, para essa posigto, o nd |problematico residiria na fato da América ser a alteridade da Europa, |mundo complementar, produto de uma caréncia ou de um esgotamento |geogratico-cultural da metrépole iluminada. Dessa maneira ocorreria o que outro critico mexicano, Eduardo Milén, dispte como sendo um interc@mbio de identidades, e que resultaria na dialética criada pelas culturas latino-americanas em relasio & eurapéia, de modo que squelas |tenderiam a produzir o que esta julgasse ser correto que elas |produzissem (Milan, 1987, p.43). Com efeita, a relasao com a cultura Jeurepéia ser’ de signo positive, na medida que na colénia até o século |xx, quase 86 se fazia perseguir diligentemente os modelos que ela nos Japresentava. No caso brasileiro o elo ser& moldado de uma outra maneira como Modernismo. Mas, atensao!, sera moldado de uma outra |forma, a exemplo do que outros movimentos fizeram ou iriam fazer, Jiguaimente preocupados com a questac. 0 motivo desse ultima comentario @ a defesa exacerbada, o tom apologético que invariavelmente se dedica |aos feitos modernistas, e que por ser despido de maiores cuidados, termina por desqualificar injustamente a realizactes de outros grupos. lUm excelente exemplo desse tom estentorio, encontra-se em Francisco Igl@sias no seu trabalho sobre o assunto: "0 Modernismo € © maior movimento que j& se verificou no Brasil no sentido de dar balanco do que ¢@ realidade, com orientagio eminentemente critica, de modo a substituir o falso e o superado pelo autentico e atual (...) Se @ comum data—lo da Semana de arte Moderna, de Fevereiro de 1922, n&o @ possivel dizer quando termina -se € que j& terminou, Em sentido estrite, vai de 22 a 30} dando-Ihe mais extens&o, pode falar de 22 a 45; com mais amplitude ainda, de 22 a nossos dias." (Iglésias, 1975, p.13) Mesmo tendo iniciado este capitulo coma defesa do Modernismo como acontecimento plural, fica dificil concordar com a incandescéncia de Iglésias. Se bem que ele comparega aqui como fito de ilustrar a atualidade © a importancia exageradas que normalmente se d4 ao tema, a referéncia feita, mesmo sendo de passagem, & construs’o ge uma representas’o moderna do pais, j& deixa subtendide o carater natural @ Recessariamente arbitrario que reveste qualquer construsae, sobretudo dessi tipo, que traz amalgamada orientagdes esteticas com politicas. Dai se conclui que ¢ dificil concordar com afirmagtes to categéricas como, por exemplo, que 0 Modernismo substituiu o falso e o superado pelo aut@ntico e atual. 0 que se chama de falso: o Parnaso, a Academia? O qu@ legitima uma eleig3o estetica sen%o um propésito que se pretende atingir? Ora, desde Kant sabe. que qualquer apreensio do mundo €, desde logo, uma vis%o de mundo; uma criage de sujeito e, como tal, suscetivel aos seus estados de espirito e interesses. Relacionar coisas falsas e verdaveiras sem definir claramente em |fungso de quais parametros elas s&o assim julgadas, © admitir 39 indiretamente que elas em si mesmas falsas e verdadeiras, qualidade lontolagica, de resto, insustentavel. Ha que se acostumar com o teor dos depoimentos e dos estudos sobre o Modernismo. Fazem uso frequente de uma linguagem apaixonada, adequada, lentretanto, nao custa admitir, 4 prépria trajetéria do movimento, que possui o magnetismo dos acontecimentos revolucionarios. [Descontando-se © analisande com mais frieza os comentarios kencomiasticos que sto feitos a proposite do Madernismo, como ¢ o caso He Iglesias, resta reconhecer, em primeiro lugar, que o movimento punca possuiu essa fachada monolitica que leituras mais superficiais kinsistem em pintar e, em segundo, que o qué efetivamente houve de mais potsvel em alguns dos Seus grupos constitutives foi o astorso de Ibintese na aproprias3o da realidade brasileira, combinado com uma IFrenga fervorosa de que houvesse uma verdadeira identidade nacional, para a postulasao de um futuro para a nasi. fe determinadas sociedades, ou de determinados grupos socisis, terem fe si uma mesma imagen. Varios dos modernistas levavem isso en Fonsiderasao. Oswald e Maria, por examplo, tinham consciéncia de que ha eleigto e construstc do passado estaria implicitamente definida a fontigurasae do pértice através do qual os brasileiros seriam lancados fo futuro. Duas interrogasfies afleravam naquele momento na cabesa estes e@ daqueles com quem guardavam preocupagtes mais comuns: qual passado havia nos limites brumosos em que conviviam colénia com fulturas pre-colombianas? — qual futuro podia-se aspirar, so o presente, premide pelo provincianismo e pelo subdesenvolvimento, farecia ser empurrado para tras? 40 Esta parece ser a maior ambiguidade do movimento moderna no Brasil e, Por conta disso, merece um olhar mais acurado. Buscava-se a sintonia com os achados estéticos das vanguardas, 66 que, enquanto estas esforgavan-se na dissolugte das identidades e de modo geral tocavam fogo no corpo da tradig80, uma parcela significativa da vanguarda |brasileira se ocupava em inventariar a passado. aL "da um critico de senso comum afirmou que tudo quanta fez o movimento modernista, far-se-ia da mesma forma sem 0 movimento. Nxo conheco lapalisada mais preciosa. Porque tudo isso que se faria, mesmo sem oc movimento modernista, seria pura e simplesmente o mavimento madernista" | Mario de Andrade JO que se pode relacionar como sendo contribuigxo especifica do Modernismo? No minimo uma nova forma de se pensar e produzir a cultura do pais, a julgat pelo depoimento de uma das suas maiores lexpressbes, Mario de Andrade, que assim sintetizou a defini¢%o geral do movimento: que caracteriza esta realidade que a movimento (modernista) impés, @ a fusto de tres principios fundamentais: o direito permanente 4 pesquisa estéticay a atualizasto artistica brasileiras © a estabilizacto de uma consciencia artistica nacional." (in Iglesias, 1975, p.14) fer& aconselhavel avaliar as realizagtes de um grupo atraves da fala | fos seus membros? N30 teriam eles uma visdo excessivamente otimista | fuanto a envergadura dos seus préprios feitos? A quest&o @ pertinente f de considerado na analise do Modernismo, particularmente no Faso de Mario de Andrade, que sempre se confundiu com o proprio povimento. @s duas passagens de Mario de Andrade citadas acima comparecem como forma de enfatizar como que uma autoridade indiscutivel pode, por sua yez, fazer afirmastes discutibilissimas. Foram tantos e txo extraordinarios assim, expresso, por encaminhadas principal na aura” impreciso apolegetas, problema de quem se de seus |rigor também o os feitos madernistas? No exclusivamente que 0 envolve, no vicio por seus antecessores. Como estratégia de realizastes aprofundamento de alguns dos que no apenas membros @ Modernismo prossegue, exemplo, foram de fato az caso do trinémio Preocupag®es inauguradas @ pelos modernistas? no acento mesmo de categérico alguns dos Aparentemente 0 dispte a entfrentar o Modernismo reside © frequentemente seus estudiosos. A pela voz de seus pares ¢ de seus de diminuir a heranga e as descobertas efetuadas impedi modernistas, n&o chegavam a ser originais. A VONTADE DE SER MODERNO roum — exat que cond ustivo inv entariamento das juziria necessariamente ao pontos mais caros aos modernistas, co! da discuss%o apontada acima, optou-se palo detalhamento mm a consciéncia de nXo eram matéria consensual, como também muitas vezes Querer ser moderno em 1922 era querer acertar o passo com o mundo. Era timo de ci no inicio ndustrial. reivindicar 0 direito legi desenvolvimento. Com efeito, provocada pelo avassalador — processo consolidagao da nova ordem i mantivesse de pé. Como constatava Paul Liubiquite de 1931, “Nem a materia, ompartilhar do s@culo produtivo Era como valery em nem o tempo, das benesses do havia uma vertigem resultante da se nada mais se “La Conquete de nem o espago sao, | 43 ha vinte anos, aquilo que sempre foram." (in Schwartz, 1983, p.1). Nao ha que estranhar a existéncia de um sincronismo entre aquilo que o | | | |processo histérico eurcpeu estava desencadeando © a atmosfera local. iAqui, embora calma, a paisagem ja vinha se modificando: havia fortes [pstimulantes contrastes, sobretudo em S%o Paulo. Contrastes que se [acentuavam progressivamente com as noticias das incessantes novidades b invenstes ocorridas nas nasties mais avansadas. Nao se deve estranhar que houvesse correspond@ncia entre aqui e la, porque, afinal, ja se vivia sob a légica da constituigao simultanea e Enternacional do Capitalismo. Sobre este ponte, acompanha-se o [aciocinio de Marilena Chaus, para quen a modo de constituiste das felactes sociais do modo de produgsso capitalista, em sua dupla face de metrépole e colénia, gesta, reproduz e conserva a diferenciasgao Interna, necessdria 3 manutengao do proprio sistema capitalista [onaus, 1978, p.25). Portanta, nXo hé uma diferenciagio essencial no pode de produsso de um e de outro, mas particularidades resultantes do lovimente imanente a constituig3o e reprodugko do sistema capitalista, Una verificasa’o precisa do sincronismo com que oO impacto da Rdustrializag¥o @ sentido aquie na Europa esti no trabalho de ancisco Hardman, que se apdia na evidencia de que | “as formas e cadéncias da modernidade industrial, suas lagces tecnicas com a paisageme o trabalho, bem como seus impactos psicossociais, visiveis nas marcas de violencia e nos destrosos emergidos Ge culturas preexistentes, constituem padroes detectaveis tanto na Europa quanto ng Brasil Colonia e Império, 4a ate @sma nas intermiténciss e descompassos que lhes sto proprias." (Hardman, 1988, p.16) antonio Candido utiliza o mesmo raciocinio e expte com mais detalhes lesses nexos: © Brasil se encontrava, depois da Primeira Guerra Mundial, muito mais ligado ao Ocidente europeu do que antes; nao apenas pela participasio mais intensa nos problemas sociais e econdmicos da hora, como pelo desnivel cultural menos acentuado. Além disso, alguns estimulos da vanguarda artistica européia agiam também a sobre nés: a velocidad jecanizag&o crescente da vida nos impressionavam em virtude do brusco surto industrial de 1914- 1918, que rompeu nos maiores centroso ritmo tradicional. As agitagSes sociais, trazendo ao nivel da consciéncia literdria inspiragtes populares comprimidas, esbogavem-se também aqui, embora com miniatura. No campo operario, com as grandes greves de 1917, 18, 19 @ 20, em S%0 Paulo e no Rio, a fundagko do Partido Comuniste em 1922. No setor burgu@s, com a fermentagko politica destechada no levante de 1922, mais tarde na revolusio de 1924,” (Candido, 1976, pp-124/122) Pssim, as marcas de uma nova era imprimem um novo ritmo @ uma nova eisso no modo de vida e, consequentemente, na produsie de qualquer intelectual que estivesse em algum ponto do mercado internacional. onforme define Schwartz, @ 2 partir do século KIX que se chega a 45 |Acepsao, corrente ate hoje, do termo cosmopolita, como o cidad&o capaz |de adotar qualquer patriat "Mais ainda: 0 cosmopolita @ aquele que, em consequéncia da multinacionalidade, € capaz de falar varias linguas e transportar-se de um pais para outro sem maiores dificuldades. Isso n30 impede, no entanto, que autores de grande cultura universal, e© verdadeiros cosmopolitas do ponto de vista de sua pradus%o textual, nunca tenham saido de eus lugares de origen." (Schwartz, 1963, p.6) [Sto eminentes representantes desse clube, que merecia ter Philleas Fogg como patrono, homens como o romano que escrevia em francés, Pepolinaires o chileno-frances Huidobro; 6 alsaciano Jean Arp que |pssinava como Hans Arp seus poemas em alem’o; 0 visiondrio uruguaio-— vances Lautréamonts o romeno iconociasta e¢ apatrida Tzara; 0 poeta, lHesconhecido de si mesmo, Pessoa, que nao tem incluido entre seus heteroninos aquele que escrevia em inglés; 0 velho sabia cego, rgentino, Borges, que Cioran cunhou genialmente de aventureiro movel; oescritor de um gen@ro tido como menor, Emilio Salgari, que lescreveu as sagas do pirata Sandokan sem nunca ter entrada num navios americano Pound, reintrodutor da cultural oriental no Ocidente, inanciador de jovens artistas em Paris, © que morreu na ItAlia que kanto amava; 9 brasileire Souzandrade que compOs um poema-montagen tilizando fragmentos idiomaticos diversos, © que o aproxima de Whitman © Baudelaire; o genio silencioso e econémico de Marcel Puchamp, que transitava da Europa para a América carregando na mala os 46 museus em miniatura que continham sua obra; a nossa Tarsile que foi Jaluna de Léger em Paris; o russo-lituano Lasar Segall, correspondente Jae Kiee e que morava no bairro de Vila Mariana em S%0 Paulos o grego |Kavatis que nasceu em Constantinopla, foi educado na Inglaterra e passou a vida no Egito. @ lista @ grande e no & mondtona s6 para quem a escreve, deixando desenovelar pelo papel uma extraordingria |procissto de artistas. Acrescente-se a esta lista os nossos arquitetos |modernos, como maneira de destacé-los e deixar transparecer suas |mentes como perscrutadoras atentas © verdadeiras agentes do lespetaculo da modernidade: Rino Levi, que estudou na Italias Flavio de Carvalho, formado na Inglaterra e que, além de arquiteto, era pintor, \designer e pioneiro entre nés de performances; Lucio Costa, que nasceu Ina Franga e, finalmente, Warchavchik, russo de nascimento, graduado na |ttalia e aqui estabelecide em 1925. Rais do que uma condig%0, © cosmopolitisma era uma obrigasao, uma redida higifnica usada para purgar os espiritos mais vulneraveis dos ptaques do "passadismo" e@ do “previncianismo". Como exemplo do Kosmopolitismo estar na ordem do dia, pode-se ler essa passagem bpécrifa @ impiedosa retirada da revista KLAXO! “Um senhor Jo%e Pinto da Silva, pela AMERICA BRASILEIRA de Maio, | afirma: "“Anulados pelo fiasco, os cubistas, os futuristas, todos os delirantes da crise poetica da atualidade, cederao enfim lugar aos que restabelecerac... etc." Se o senhor Pinto soubesse o que 1a vai pela Europa n§c profetizaria essa anulaséo. Em vez de anulag§o 0 que ha @ desenvolvimento. Cubistas e Futuristas serdo continuados por homens que, nao necessitando mais, como aqueles, a7 de destruigtes © exageros, lhes desenvolver3o classicamente as inovastes. E saiba o senhor Pinto que a Nova Poesia cada vez tem | maior numero de adeptos. 0 articulista ignora Alemanha & Franga, Russia © Austria, Italia e Espanha, Bélgica e Estados Unidos. Na | propria Inglaterra “que de neve boreal sempre abunda", o grito da anfare" congraga as novas forgas pogticas do pais. 0 senhor Pinto n&o deveria ser t#o rico em profecias mortuarias sobre o | que desconhece. Mande buscar livros. Assine revistas. Estude e | volte." (Klaxon/3, 1960, p.3) Ler revistas, fazer viagens, estar atento as novidades, assim |funcionava o circuito que deveria cumprir o intelectual sério # cioso foo seu papel. Estar sensivel as moditicagtes introduzidas ma vida fsocial pela vaga da industrializaszo significava deixar que a propria Iprodus#o artistica fosse alimentada por ela. Uma prova da fertilidade [essa pista ests no trabalho de Flora Sussekind, CINENATOGRAFO DE LetRAS (1988), desicado a indicar uma historia da literatura brasileira e@ suas relastes com os meios e as formas de comunicasto, feuso surgimento © desenvolvimento teria afetado no sé a consciencia Hos autores e dos leitores quanto a propria materialidade das formas @ pevresentactes 1iterdrias. INto obstante essa vontade de nivelamenta, esse desejo de se inteirar jos acontecimentos que guiava o intelectual brasileiro, o Clima nterno do pats era, parco de recursos, como atestam os saguintes Hepoimentas colhidos por Aracy Amaral: 48 “Criticos de arte o Brasil nao possuia ent#o. Nao havia museus sé de arte, nao havia estudos especializados sobre a critica construtiva que muita falta nos fez", depte Anita (malfatti) nesta conferéncia de 1951 (quando voltou dos Estados Unidos). Ronald de Carvatho faz relato semelhante da situas%o no Riot “Limitamo-nos a distribuir anualmente prémios de viagem, que nem sempre 30 justamente dados, e a dispensar medalhas e mengtes honrosas, consoante aos caprichos de um juri por vezes mal orientado.” — © ambiente da cidade? Conta Di Cavalcanti, que vivia em Sx0 Paulo onde estudava Direito e trabalhava como jornalista e e artisticas pintor: “O academismo idiota das criticas literari dos grandes jornais, a empdfia dos subliteratos, acos e palavrosos, instalados no mundanismo e na politica, e a presensa morta de medalhes nacionais e estrangeiros, empestando o ambiente de uma pauliceia que se aprestava comercial e industrialmente para sua grande aventura progressista, isso desesperava nosso pequenc cla de criaturas abertas a novas especulagSes artisticas, curiosas de novas formas liter4rias, j& impregnadas de novas doutrinas filoséficas." (Amaral, 1979, pp-85/87) [Cheio de disparidades e@ contrastes internos, combinande atraso com Inovidade, © panorama do pais, como se pode depreender dessas falas, fomentava a angustia de varios intelectuais e criava obstaculos para a Jconsecusao do Modernismo. 49 Ate aqui indicou-se que j4 se notava a presenga de inovastes no espaco |material e mental, Mas, n&o se pode enganar, concretamente a industrializagao vivie o si uo preludie, a reboque que estava da Produgae cafeeira. De fate, como se sabe, ela ocorria induzida pela politica efetuada por essa ditima, cujo controle do mecanismo cambial gerava, em contrapartida, a substituigac de importastes. A causa, evidentemente, nao pode ser reduzida a esse fator, ainda que tenha tide um papel significative dentro do processo. Juma ESTETICA FORJADA NA AMBIGUIDADE JO quadra & primeira vista era desanimador mas possuia um grande q potencial a r explorado, particularmente na semi-industrializada Sao Paulo. De acérdo com Ernani Silva Bruno, havia em S%o Paulo trés mil prédios em 1675, mais de sete mil em 186, vinte e um mil em 1900, |vinte @ cinco em 1905 @ trinta e dois mil em 1910. Tudo isso para uma |popuiagac correspondente de sessenta mil em 1866, duzentas mii em 1900 le quase seiscentos mil em 1920 (Bruno, 1988, p.115). ISensiveis a5 mudangas estruturais que estavam ocorrendo, os intelectuais modernistas comentavam essa transis3o entre aquilo que lpos seus olhos soava como antiga para a t80 aspirada modernidade, num Hiscurso que quase sempre se ressentia, & maneira dos temas tratados, pela ambiguidade © por um entendimento discutivel das teses da arte Ipoderna. Deve-se receber com naturalidade esse dado que decorria da Fomplexa posigéo de um intelectual ou de um artista formado naquelas qualquer coisa (.. |gama da sua produgt 50 condigbes. Afinal, quem, para citar um aspecto somente, n¥o estava de alguna forma comprometido coma aristocracia agréria, que ao mesmo tempo que servia de alvo cumpria seu papel de mecenas dos modernistas? (Em carta a Manuel Bandeira, Mario de Andrade lamenta-se por estar sempre entre os ricasos: “Preciso largar dessa gente. Mas como? se so 0s que eu amo, os que me amam. E do & possivel inculpé-los de " (in Nava, 1985, p.183)). Assim, sé se pode |imputer aos escritos apologeticos sobre o Modernismo, a feisso |monolitica e despojada de imprecistes e incompreenstes quanto ao jescOpo das vanguardas que a movimento frequentemente astenta em toda Por exemplo, referindo-se em 1926 a essa mesma So Paulo deserita por Silva Bruno, Alc&ntara Machado, indo além de Mario de Andrade que ja a havia apelidade de “cidade bolo de noiva", desfere essa ferociscina catilinaria: "S¥o Paulo por exemplo é uma batida arquitetOnica. Tem todos os estilos possiveis e impossiveis. E todos eles briganda com o ambiente. Quer os edificios publicos quer as casas particulares aberram do solo em que se levantam. @ cidade tem assim um arzinno de exposigie internacional." (in Fabris, 1987, p-281) Problema sem solucto, Alcantara Machado prossegue seu discurse lenfezado, propondo nada mais, nada menos, do que "um ciclone inteligente que comece ali no Pacaembu, de uma Vassourada nos monumentos da Avenida Paulista (primeira limpeza a SL fazer) e@ depois corra a cidade inteira liquidando com as belezas da capital. Uma faxina completa." (op-cit., 9.281) E patente a associagac, tao em voga naquale momento, entre Ecletisma prquitetOnico com mau-gésto. Nota-se, portanto, nessas palavras de Machado a militancia em favor de uma paisagem urbana mais moderna, laqui subentendida como algo mais homagéneo. Pinda acerca do contronto entre o atraso e 0 progresso nas mesmas ruas He S%o Paulo, uma nota ferina, ir@nica e inteligente emitida por Pswatd de Andrade, em seu poema “Pobre Alimaria" "O cavalo © carroga Estavam atravancados no trilho E como o motorneiro se impacientasse \ Porque levava os advagados para os escritérios Desatravancaram os veiculos E © animal disparou Mas o lesto carroceiro Trepou na boleia — castigou o fugitivo atrelado Com um grandiaso chicote." Peixe-se a glosa do poema a cargo de Roberto Schwar "A cidade em questa &€ adiantada, pois tem bondes, e atrasada, pois h& uma carrogae um cavalo atravessados nos seus trilhos. Outro sinal de ediantamento sdo os advogados e os escritérios, 92 embora adiantamento relative, j& que o bonde sé de juriconsultos sugere a sociedade simples, o leque profissional idilica ou | comicamente pequeno. Sem esquecer que o progresso requeria engenheiras, © que neste sentida, corrente ate hoje, o batalnao de bacharéis esta na contram’o © aponta para "o lado doutor, o lado citastes, o lado autores conhecidos" (Oswald de Andrade “Manifesto da Poesia Pau~Srasil"). 0 progresso @ inegdvel, mas a sua limitas30, que faz englob’-lo ironicamente com o atraso em relasto ao qual ele @ pragresso, também." (Schwarz, 19788, p.15) [Embora este poema em particular enfatize o veio satirico do Modernismo eapitaneado por Oswald de Andrade; veio cuja complexidade @ alcance em crescendo paulatinamente, a forga das sucessivas releituras que Xo feitas sobre ole, ressalte-se o modo como ele ratira do ospetaculo lincessante da vida citadina, mais do que os assuntos sobre os quais se IHetem. Mencione-se, portanto, o aspecto formal das narrativas literérias e das pesquisas plasticas, igualmente hauridos da dinamica lb dos personagens caracteristicos da vida metropolitana. Quanto a ele, # aconselhavel que se tenha sempre em vista que a ades’o acs feitos vanguardisticos era quase sempre bem vista, como comprovam as viagens pealizadas, a troce de informasdes © atualizag3o através das | Bssinaturas © compras de livros e publicagtes periédicas. Tinha-se ronsci@ncia, portanto, de que para que ocorresse a almejada entrada na epoca moderna, 0 movimento teria que absorver algo mais que os Enfluxos oriundes da desenvolvimento das forgas produtivas, seb pena je se manter num plano superficial, incorporande apenas novos temas. feria que haver, portanto, uma apgio estetica mais compativel com a 3s essencia mesma daquilo que © senso comum designava como “Futurismo”. Dessa preocupasso € que sairam os principios fundantes do movimento. Em relag’o aos padr6es vigentes, os primeiros anos do Modernismo caracterizou-se por uma mudanga na conceps¥o da obra de arte, que passou a ser vista n¥o mais como um produto que objetivava a mimese, no sentido em que o Naturalismo consagrou esse termo, ou seja, como representasto direta da natureza, mas como um objeto de qualidade diversa ede relativa autonomia (Lafet&, 1973, p-12). Oswald de Andrade e a critica demolidora contra o status-quo artistico do sev “manifesto © Pau-Brasil", com © qual apresenta 0 = "Prefacio Interessantissimo" de Marie de Andrade, onde afora a brilho habitual da sua verve, também cabe algumas imprecistes conceituais e 3 delimitas%o da nova diregao a ser tomada: “Houve um fen@meno de democratizagso estetica nas cinco partes sabias do mundo. Instituira-se o naturalismo. Copiar. Quadro de carneiros que nico fosse de 18 mesmo ndo prestava. A interpretacao do dicionario oral das Escolas de Belas Artes queria dizer reproduzir igualzinho... Veio a pirogravura. As meninas de todos os lares ficaram artistas. & com todas as prerrogativas do cabelo grande, da caspa eda misteriosa genialidade de olho virado -o artista fotegrato. Na musica, 0 piano invadiu as saletas nuas, de folhinha na parede. Todas as meninas ficaram pianistas. Surgiu o piano de 34 manivela, o piano de patas. A Playela. E a ironia eslave compos para a Playela. Stravinski. A estatutéria andou atras. As procissfes sairam novinhas das tabricas. S6 n&0 se inventou uma maquina de fazer versos —j& havia o poeta parnasiano. Ora, @ revolus%o indicou apenas que a arte voitava para as elites. £ as elites comesaram desmanchando. Duas fases: 1\) a de formagao através do impressionismo, a fragmentagto, © caos voluntario. De Cézanne a Mallarmé, Rodin e Debussy até agora; 21) o lirisma, a apresentas%e no templo, os materiais, a inocencia construtiva. QO Brasil profiteur. 0 Brasil doutor. E a coincid@ncia da primeira construs%0 brasileira no movimento de reconstrugao geral. Poesia Pau-Brasil. Como a epoca @ miraculosa, as leis nasceram do proprio rotamento dinamico dos tatores destrutivos. A sintese. 35 0 equilibric. 0 acabamento de carrosserie. A invengzo. Uma nova perspectiva. Uma nova escala. Gualquer esforgo nesse sentido sera bom. Poesia Pau-Brasil. © trabalho contra o detalhe naturalista; pela sintese; contra a morbidez rom&ntica ~pelo equilibrio geémetra e pelo acabamento tecnicos contra a copia, pela invengao e pela surpresa. Uma nova perspectivi A outra, a de Paolo Ucello, criou o naturalismo de apogeu. Era uma ilus3o ética. Os objetos distantes nao diminuiam, Era uma lei de aparéncia. Reagto 4 cépia. Substituir a pesquisa visual e@ naturalista por uma perspectiva de outra ordem: sentimental, intelectual, ir@nica e ing@nua." (in Teles, 1963, pp-326/331) Todo o trecho selecionado demonstra cabalmente como, em 1924, Oswald de Andrade ja se havia apoderado de varios elementos que compunham o Ikerritorio onde se localizavam as vanguardas européias; um territério ssentado na nova realidade urbano-industrial. Mas, tambem atraves tele pode-se notar a defesa de pontos discutiveis, tais como, um pntendimento equivocado do papel da fotografia, que a rigor foi uma jescoberta essencial e que suscitou por parte da pintura a busca de lbma nova posig#o dentro do @mbito das expresses artisticas. Este fato pode ser veriticade na frequencia de artistas © intelectuais ao famoso ptelier do fotégrato Nadar e principalmente na incorporag3o por parte os pintores, de procedimentos tipicos da expresso fotogréfica. Outro onto digna de nota @ a inconsistente e vaga caracterizas3o do [Impressianismo como um movimento que postularia o “caos voluntario”. or Ultimo, para evitar um exame exaustivo, o alheiamento das broposigtes detendidas pelos dadaistas e surrealistas, ainda tao htuantes naquéle momento, sobretudo 0 segundo grupo que se encontrava fa pleno vigor. Nao obstante essas restristes, 0 elenco de feitos anotade por Oswald prpisecta seu amplo conhecimento da matéria, assim como a propriedade fom que ele o incorporaria, iria notabilizs-lo, sobretudo fontemporaneamente, como um dos maiores artistas do pais. Com efeito, BR transmutag#o em obra desse manifesto de Oswald, dar- ia nos anos eguintes coms publicasto dos. seus dois melhores romances: Viagem Sentimental de Jo3o Miramar e Seratim Ponte Grande. Ambos «30 fanifestastes do alto nivel dessa interag’o com a sociedade Rndustrial, quer na tematica quer nas tecnicas de narrativa | fmpregadas, onde nag falta a velocidade, 9 "estilo telegratico" e a metafora lancinante", a simultaneidade, as técnicas de montagem © a facionalizas¥o da sintese (Lafeta, 1975, p-22). 37 ais algumas consideractes devem ser feitas em fung%o da presensa lconstante de Oswald neste capitulo. Como é de se supor isto nao Jacontece por descuido. Sua formula poética & dos pontos altos do Modernismo, na medida em que sintetiza colhidas de um impresste: momento historico crivade simultaneamente pelo progresso deseiado e pelo atraso -ou meio-progresso, se se prefere- aqui vivides. Sua formula efetivamente caminhava no sentido de promover, junto com a lassimilag3o das vanguardas europeias e do avango tecnolégico que Ihe lservia de referencia, de alimento mesmo, a emancipagéo intelectual e jnaterial do pais. lo admiravel o artificio de Oswald tentando transformar o atrasc em triunfo pode interessar igualmente como manifestagio dupla de lingenuidade © pretensto desmedida. De fato, para ele o Brasil lindustrializado, ainda em estado embrionérie, poderia romper a casca de forma alternativa, inovadora, possivelmente emancipada, sem se submeter t&o passivamente a din@mica econ@mica historicamente fixada. Este seu pensamento de evidente cunho politico econémico amoldava-se lao seu receitusrio artistico. Conforme depoimento que ele fez a Pericles Eugenio da Silva Ramos, sobre o grupo “Pau-Brasil”: “Pensei, ent&o em fazer uma poesia de exportasio e no de importag¥o, baseada em nossa ambiéncia geogratica, histérica e social. Como o pau-brasil foi a primeira riqueza brasileira exportada, denominei o movimento Pau-Brasil. Em 22 (explica o poeta, tomando como exemplo o caso do incontidente Jose Joaquim Maia que, na Eurepa, precurara obter 0 apoio de Jetterson para a sublevagzo mineira) 0 mesmo contato subversivo com a Europa se

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