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O COLAPSO

DO
UNIVERSO

O Colapso do Universo – Isaac Azimov i


ii O Colapso do Universo – Isaac Azimov
ISAAC ASIMOV

O COLAPSO
DO
UNIVERSO

Tradução de
Donaldson M. Garschagen

5ª edição

O Colapso do Universo – Isaac Azimov iii


Copyright (c) 1977 by Isaac Asimov
Titulo original: The Collapsing Universe

Capa: Eugenic Hirsh

Impresso no Brasil
Printed in Brazil

1ª. edição: Novembro de 1979


2ª " Abril de 1980
3ª " Abril de 1980
4ª " Setembro de 1981

Ficha Catalográfica
CIP-BRASIL. Catalogação-na-fonte
Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ

Asimov, Isaac.
A857c O Colapso do universo / Isaac Asimov ; tradução de Do-
naldson M. Garschagen. — Rio de Janeiro : F. Alves, 1982 . 5ª ed.
1. Cosmogonia I. Titulo
CDD — 523.1
79-0638 CDU — 523.1

Todos os direitos desta tradução reservados à


LIVRARIA FRANCISCO ALVES EDITORA S.A.
Rua Sete de Setembro, 177 — Centro
20.050 Rio de Janeiro, RJ

Não é permitida a venda em Portugal e paises de língua portuguesa.

iv O Colapso do Universo – Isaac Azimov


SUMÁRIO

Partículas e Forças...................................................1
AS QUATRO FORÇAS.....................................................................................2
ÁTOMOS............................................................................................................6
DENSIDADE....................................................................................................10
GRAVITAÇÃO................................................................................................13

Os Planetas............................................................20
A TERRA..........................................................................................................20
OS OUTROS PLANETAS...............................................................................24
VELOCIDADE DE ESCAPE...........................................................................27
DENSIDADE E FORMAÇÃO PLANETÁRIA..............................................32

Matéria Comprimida...............................................38
INTERIORES PLANETÁRIOS.......................................................................38

O Colapso do Universo – Isaac Azimov v


RESISTÊNCIA À COMPRESSÃO.................................................................42
ESTRELAS.......................................................................................................46
MATÉRIA DEGENERADA............................................................................49

Anãs Brancas.........................................................55
GIGANTES VERMELHAS E COMPANHEIRAS ESCURAS......................55
SUPERDENSIDADE.......................................................................................59
O DESVIO PARA O VERMELHO DE EINSTEIN........................................63
FORMAÇÃO DE ANÃS BRANCAS..............................................................66

Matéria em Explosão..............................................71
A GRANDE EXPLOSÃO................................................................................71
A SEQÜÊNCIA PRINCIPAL..........................................................................75
NEBULOSAS PLANETÁRIAS.......................................................................80
NOVAS.............................................................................................................84
SUPERNOVAS................................................................................................89

Estrelas de Nêutrons..............................................95
ALÉM DA ANÃ BRANCA.............................................................................95
ALÉM DA LUZ................................................................................................98
PULSARES.....................................................................................................101
PROPRIEDADES DAS ESTRELAS DE NÊUTRONS................................106
EFEITOS DE MARÉ......................................................................................111

Buracos negros....................................................118
VITÓRIA FINAL...........................................................................................118
A DETECÇÃO DO BURACO NEGRO........................................................123
MINIBURACOS NEGROS............................................................................129
O USO DOS BURACOS NEGROS...............................................................133

Fins e Começo.....................................................136
O FIM ?...........................................................................................................136
vi O Colapso do Universo – Isaac Azimov
BURACOS DE MINHOCA E BURACOS BRANCOS................................140
QUASARES...................................................................................................144
O OVO CÓSMICO.........................................................................................149
Apêndice.............................................................................................................155

O Colapso do Universo – Isaac Azimov vii


Partículas e Forças

Desde 1960 o universo adquiriu uma fisionomia inteiramente nova. Tornou-


se mais excitante, mais misterioso, mais violento e mais extremo, pois nosso
conhecimento a seu respeito cresceu subitamente. E dentre todos os
fenômenos, o mais excitante, o mais misterioso, o mais violento e o mais
extremo é o que tem o nome mais simples, comum, tranqüilo e sereno. Trata-
se tão-somente de um " buraco negro ".
Um buraco é um nada. E se é negro, nem podemos vê-lo. Por que o
entusiasmo por um nada invisível?
Há causa para esse entusiasmo — se aquele buraco negro representa o
estado mais extremo possível da matéria, se representa o possível fim do
universo, se representa o possível começo do universo, se representa novas
leis físicas e novos métodos para ultrapassar o que antes eram consideradas
limitações absolutas.

O Colapso do Universo – Isaac Azimov 1


No entanto, para compreendermos o buraco negro, convém começar do
começo e seguir passo a passo o caminho que leva até ele.

AS QUATRO FORÇAS

As várias partículas que compõem o universo interagem entre si de


quatro maneiras diferentes. Cada uma dessas maneiras é uma forma
particular de interação ou, para usarmos um termo mais antiquado, porém
mais comum, uma força. Os cientistas jamais conseguiram detectar uma
quinta força, ou mesmo descobrir qualquer razão pela qual uma quinta força
seria necessária.
O Quadro 1 relaciona as quatro forças em ordem decrescente de
intensidade.
QUADRO 1 — Intensidade relativa das quatro forças

Força Intensidade relativa*


Nuclear 103
Eletromagnética 1
Fraca 10-11
Gravitacional 10-39

Toda partícula existente no universo é fonte de uma ou mais dessas


forças. Cada partícula serve como centro de um volume de espaço em que
essa força existe com uma intensidade que diminui ao aumentar a distância
da fonte. O volume de espaço em que aquela força pode atuar é o campo de
força.
Qualquer partícula capaz de servir como fonte de um campo particular
responderá a um campo semelhante criado por outra partícula.
Em geral, a resposta se dá em termos de movimento: as partículas mo-

* As intensidades relativas são dadas em números exponenciais, ou


seja, 103 representa 1.000 e 10-11 representa 1/100.000.000.000. Alguns
detalhes concernentes aos números exponenciais aparecem no Apêndice,
caso o leitor não esteja familiarizado com eles.

2 O Colapso do Universo – Isaac Azimov


vem-se uma em direção à outra (atração) ou afastam-se uma da outra
(repulsão), a menos que obstáculos físicos o impeçam.
Assim, qualquer objeto capaz de produzir um campo gravitacional
haverá de se mover, se colocado no campo gravitacional da Terra, em
direção ao centro da Terra — isto é, cairá. A Terra, por sua vez, também se
moverá em direção ao centro do objeto, mas já que, com toda probabilidade,
será muito maior do que o objeto, subirá correspondentemente mais devagar
— em geral, na verdade, com uma lentidão incomensurável.
Dentre as quatro forças, duas — a nuclear e a fraca — só atuam em
distâncias incrivelmente pequenas, da ordem de 10-18 centímetros ou menos,
Essa distância representa praticamente a largura do minúsculo núcleo
existente no centro do átomo.
Só dentro do núcleo, na vizinhança imediata de partículas isoladas, é
que essas forças existem. Por esse motivo, a denominação força nuclear é,
às vezes, dada a ambas, sendo diferenciadas, no tocante à sua intensidade
relativa, pelas expressões força nuclear forte e força nuclear fraca.
Neste livro, entretanto, raramente haverá oportunidade para nos
referirmos à força fraca, de modo que nos referiremos simplesmente à força
nuclear mais forte como sendo a força nuclear, sem maiores qualificativos.
Não é provável que uma determinada partícula produza cada uma
dessas forças, nem que responda a cada uma delas. Somente certas
partículas, por exemplo, produzem força nuclear e respondem a ela. As que
assim fazem são chamadas hádrions, termo derivado de uma palavra grega
que significa "forte", uma vez que a força nuclear é a mais forte das quatro.
Os hádrions mais comuns e mais importantes para a estrutura do universo
são dois núcleons — o próton e o nêutron.
O próton foi descoberto em 1914 pelo físico britânico Ernest Rutherford
(1871-1937) e seu nome provém da palavra grega que significa "primeiro",
isso porque, ao tempo de sua descoberta, era o menor objeto conhecido que
possuía carga elétrica positiva.
O nêutron foi descoberto em 1932 pelo físico inglês James Chadwick
(1891-1974). Não tem carga elétrica, positiva ou negativa. Em outras
palavras, é eletricamente neutro — donde seu nome.
Já em 1911 Rutherford havia demonstrado que um átomo contém quase
toda sua massa numa região pequeníssima em seu centro, o núcleo. Assim
que se descobriram os prótons, compreendeu-se que são partículas
relativamente sólidas e que deviam estar localizadas no núcleo. O
número de prótons varia de uma espécie de átomo para outra:

O Colapso do Universo – Isaac Azimov 3


o átomo de hidrogênio possui um único próton no núcleo, o átomo de
hélio tem 2, o átomo de lítio tem 3 e assim por diante — até o átomo de
urânio, que tem 92 prótons. Átomos de massa ainda maior já foram criados
em laboratório.
Mas o que mantém os prótons juntos no núcleo, onde se acham todos
eles comprimidos em tamanha proximidade?
Antes de 1935, somente se conheciam duas forças — a eletromagnética
e a gravitacional. A força gravitacional é fraca demais para conservar os
átomos juntos.
A força eletromagnética é suficientemente forte para isso, mas ela só
pode se manifestar como uma atração ou como uma repulsão. Entre duas
partículas de carga elétrica oposta (positiva e negativa) há uma atração. Entre
duas partículas com a mesma carga elétrica (positiva e positiva ou negativa e
negativa) há uma repulsão.
Todos os prótons têm carga positiva e, por conseguinte, deveriam
repelir-se mutuamente, sendo a repulsão mais intensa quanto riais próximos
estiverem os prótons uns dos outros. No núcleo atômico, com os prótons
apertados de tal maneira que se acham praticamente em contato, a repulsão
eletromagnética deve ser de uma intensidade enorme — e, no entanto, os
prótons permanecem juntos.
Além de prótons, no núcleo também existem nêutrons, mas isso não
parece resolver a situação. Como os nêutrons não têm carga elétrica, eles
não produzem força eletromagnética nem reagem a ela; por isso, não
deveriam atrair nem repelir os prótons. Não deveriam manter os prótons
juntos nem acelerar sua separação.
Só em 1935 o físico japonês Hideki Yukawa (1907 - ) expôs uma teoria
satisfatória da força nuclear, mostrando que seria possível aos prótons e
nêutrons, quando muito próximos uns dos outros, produzir uma força de
atração mil vezes maior que a força de repulsão eletromagnética. O que a
força nuclear junta, a força eletromagnética não pode separar.
A força nuclear só funciona plenamente e mantém os átomos estáveis
quando os prótons e nêutrons se acham presentes em certas proporções.
Para os átomos que contêm 40 partículas ou menos, a melhor proporção
parece ser a de números iguais de prótons e nêutrons.
No caso de núcleos mais complicados, é preciso haver uma
preponderância de nêutrons, crescendo essa preponderância à medida que o
núcleo se torna mais complexo. Um núcleo de bismuto, por exemplo, contém
83 prótons, mas 126 nêutrons.
Quando um núcleo atômico é forçado a ter proporções fora
da região de estabilidade, ele não se mantém intacto. Sob a influência da

4 O Colapso do Universo – Isaac Azimov


força fraca, pequenas partículas beta (beta é a segunda letra do alfabeto
grego) são emitidas até a proporção ajustar-se às normas de estabilidade.
Existem ainda outras formas pelas quais os átomos podem ser decompostos,
porém todas essas maneiras se reúnem sob o título de radioatividade.
Por mais forte que seja a força nuclear, ela tem limites. A intensidade da
força nuclear diminui muito rapidamente com a distância, e ela pode se fazer
sentir fora do núcleo. Na verdade, sua influência atrativa reduz-se
consideravelmente quando ela tem de se estender de uma extremidade à
outra dos núcleos maiores.
A força eletromagnética também diminui, porém muito mais lentamente.
O tamanho do núcleo é limitado, uma vez que por fim a repulsão
eletromagnética de uma extremidade à outra se tornará igual à atração
nuclear rapidamente decrescente de uma extremidade à outra. É por isso que
os núcleos atômicos têm dimensões tão infinitesimais. A força nuclear
simplesmente não consegue produzir qualquer coisa maior (exceto em
condições raríssimas, de que trataremos mais tarde).
Concentremo-nos agora na interação eletromagnética, a qual, como já
foi dito, só é produzida por aquelas partículas que têm carga elétrica, e às
quais só as partículas carregadas reagem. A carga é de dois tipos, positiva e
negativa. A força entre cargas positiva e negativa é uma atração, ao passo
que a força entre cargas positiva e positiva ou negativa e negativa é uma
repulsão.
O próton, com sua carga elétrica positiva, é fonte de força nuclear e
eletromagnética e reage a ambas. O nêutron, que é eletricamente
descarregado, é fonte apenas de força nuclear e reage somente a ela.
Além dessas, existem as partículas denominadas léptons, cujo nome
deriva de uma palavra grega que significa "fraco"; os léptons são fonte da
força fraca, à qual reagem, mas jamais reagem à força nuclear. Alguns
léptons, no entanto, têm carga elétrica e são fontes de força eletromagnética
e a ela respondem, da mesma forma que são fonte de força fraca, à qual
reagem.
O mais importante dos léptons, no que diz respeito à matéria ordinária, é
o elétron, que tem carga elétrica negativa. (As partículas beta produzidas por
núcleos instáveis, por intermédio da força fraca, são elétrons.) O elétron foi
descoberto em 1897 pelo físico inglês Joseph John Thomson (1856-1940), e
recebeu esse nome por ser a menor unidade de carga elétrica então
conhecida (ou, aliás, conhecida até hoje).
As informações de que agora dispomos podem ser sumarizadas como
mostra o Quadro 2.

O Colapso do Universo – Isaac Azimov 5


QUADRO 2 — Partículas e forças
Próton Nêutron Elétron
Força nuclear Sim Sim Não
Força eletromagnética Sim Não Sim
NOTA: Existem também partículas como o elétron, mas com carga elétrica
positiva: são os antielétrons ou pósitrons. Um próton com carga elétrica negativa é um
antipróton. Um nêutron com algumas de suas propriedades invertidas é um
antinêutron. Como grupo, esses opostos são as antipartículas. Da mesma forma que
as partículas comuns compõem toda a matéria que nos rodeia, as antipartículas
poderiam compor a antimatéria. Tal antimatéria pode existir em algum ponto do
universo, mas nunca pudemos detectá-la; contudo, os cientistas podem produzi-la em
quantidades ínfimas, em laboratório.
ÁTOMOS
Já que os elétrons não estão sujeitos à força nuclear, não podem fazer
parte do núcleo. Não obstante, um elétron é atraído para um próton graças à
força eletromagnética e tende a permanecer perto de um deles. Assim sendo,
se um núcleo é constituído de um único próton, existe a probabilidade de que
um único elétron seja mantido em sua vizinhança pela força eletromagnética.
Se houver dois prótons no núcleo, é provável que sejam dois os elétrons
mantidos em sua vizinhança, e assim por diante.
O núcleo e os elétrons próximos perfazem o átomo. (Átomo vem de uma
palavra grega que significa "inquebrável", porque quando se começou a lidar
com átomos julgava-se que não pudessem ser decompostos em unidades
menores.)
Sucede que a carga do elétron é exatamente igual à do próton (ainda
que de natureza oposta). Portanto, quando existem x prótons no núcleo, a
existência de x elétrons nas regiões vizinhas a ele significa que as duas
espécies de carga elétrica se neutralizarão de maneira precisa. Como um
todo, o átomo é eletricamente neutro.
Ainda que o elétron e o próton sejam iguais no tamanho da
carga elétrica, eles não têm a mesma massa. *O próton tem massa 1.836,11

* Quando dizemos que um objeto possui massa, queremos dizer que é necessária
uma força para fazê-lo mover-se, se está parado, ou para alterar a velocidade ou o
sentido do movimento, se já está se movendo. Quanto mais massa ele possui, mais
força é necessária. Em circunstâncias normais, aqui na superfície da Terra, os objetos
possuidores de grande massa impressionam nossos sentidos como sendo "pesados".
Quanto mais massa têm, mais pesados são. Entretanto, massa e peso não são coisas
idênticas, e embora o significado fique claro se dissermos que o próton é muito mais
pesado do que o elétron, é mais seguro dizer que "possui mais massa".

6 O Colapso do Universo – Isaac Azimov


vezes maior que a do elétron. Imaginemos, pois, um átomo com 20 prótons e
20 nêutrons no núcleo e 20 elétrons nas regiões exteriores. A carga elétrica
está equilibrada, porém mais de 99,97% da massa do átomo se encontram no
núcleo. Entretanto, ainda que o núcleo contenha quase toda a massa de um
átomo, ele constitui uma fração minúscula de seu volume (Isto é um ponto
importante para o tema deste livro, como haveremos de ver). O núcleo tem
um diâmetro de aproximadamente 10-43 centímetros; o de um átomo é de
mais ou menos 10-8 centímetros.
Isso significa que o átomo é 100.000 vezes mais largo que o núcleo.
Seriam necessários 100.000 núcleos, postos lado a lado, para cobrir o
diâmetro do átomo de que faz parte. Se o leitor imaginar que o átomo é uma
esfera oca e começar a enchê-la de núcleos, há de verificar que são
necessários 1015 (um milhão de bilhões) de núcleos para enchê-lo,
Consideremos agora dois átomos. Cada um deles tem uma carga elétrica
geral igual a zero. Poderíamos supor, nesse caso, que não se atrairiam
mutuamente; que, por assim dizer, não tomariam conhecimento da existência
um do outro, no que se refere à força eletromagnética.
Idealmente seria assim. Se em vários átomos, a carga do elétron
estivesse espalhada com perfeita uniformidade numa esfera em torno do
núcleo, e se a carga positiva do núcleo estivesse uniformemente misturada à
carga negativa dos elétrons, nesse caso a força eletromagnética não
desempenharia nenhum papel entre os átomos.
As coisas, entretanto, não sucedem assim. A carga negativa dos
elétrons está presente nas regiões externas do átomo e a carga positiva do
núcleo está oculta em seu interior; quando dois átomos aproximam-se um do
outro, é a região externa negativamente carregada de um deles que está se
aproximando da região externa carregada negativamente do outro. As duas
regiões de carga negativa se repelem (cargas iguais repelem-se), e isso
significa que quando dois átomos se aproximam muito, eles se desviam ou
ricocheteiam. Uma amostra de hélio, por exemplo, é constituída de átomos de
hélio separados que giram eternamente um em volta do outro, num mútuo
movimento de ricochete. A temperaturas normais, os átomos de hélio movem-
se com bastante rapidez e imprimem um ao outro um movimento de ricochete
de força considerável. À medida que a temperatura baixa, entretanto, os
átomos movem-se cada vez mais devagar e ricocheteiam com crescente
fraqueza. Os átomos de hélio juntam-se mais, o hélio se contrai e. seu
volume diminui.
Por outro lado, se a temperatura aumenta, os átomos movem-se mais
depressa, ricocheteiam com mais força e o hélio se dilata.
Aparentemente, não haveria limite para a rapidez com que os
átomos poderiam mover-se (dentro do razoável), mas é fácil estabelecer

O Colapso do Universo – Isaac Azimov 7


um limite para seu movimento lento. Se a temperatura cair suficientemente,
chega-se a um ponto em que eles se movem tão lentamente que nenhuma
energia poderá mais ser tirada deles. A esse nível de frio alcançamos uma
temperatura de zero absoluto, que é igual a -273,18°C.
Ainda que os átomos de hélio tenham uma distribuição de carga que se
aproxima bastante da perfeita simetria, ela não é completamente perfeita. A
carga elétrica não se distribui de maneira exatamente uniforme e, em
conseqüência disso, certas partes da superfície do átomo são um pouco
menos carregadas negativamente do que outras. Por isso, a carga positiva
interna do átomo se infiltra pelas áreas menos negativas do exterior, por
assim dizer, e dois átomos vizinhos atraem-se mutuamente com muita
debilidade. Essa débil atração é denominada força de van der Waals, por ter
sido definida pela primeira vez pelo físico holandês Jones Diderik van der
Waals (1837-1923). Quando a temperatura cai e os átomos de hélio movem-
se cada vez mais lentamente, a força de ricochete acaba por não ser
suficiente para vencer as minúsculas forças de van der Waals. Os átomos se
juntam e o hélio se liquefaz.
As forças de van der Waals são tão fracas no átomo do hélio, altamente
simétrico, que a temperatura tem de cair a 4,3 graus acima do zero absoluto
para que o hélio se torne líquido. Todos os demais gases têm uma
distribuição de carga menos simétrica em seus átomos; por conseguinte,
experimentam forças de van der Waals maiores e se liquefazem a
temperaturas mais altas.
Às vezes os átomos podem se atrair de modo mais forte. Nas regiões
externas dos átomos os elétrons dispõem-se em camadas, e a estrutura tem
estabilidade máxima se todas as camadas estiverem cheias. Exceto no caso
do hélio e de alguns elementos semelhantes, em geral os átomos têm sua
camada mais exterior incompleta ou possuem alguns elétrons de sobra,
depois de completada aquela camada.
Existe, por isso, uma tendência para que, no momento da colisão de
dois átomos, haja uma transferência de um ou dois elétrons do átomo em que
são excedentes para aquele em que faltam, o que deixa ambos com as
camadas mais externas completas. Mas, nesse caso, o átomo que recebe
elétrons ganhou uma carga negativa e o que perdeu elétrons não pode mais
equilibrar completamente a carga de seu núcleo, ganhando com isso uma
carga positiva. Os dois átomos apresentam, então, tendência para se
aglutinarem.
Pode ocorrer ainda que dois átomos, ao colidirem, partilhem elétrons, o
que ajuda a preencher a camada mais externa de ambos. Assim, os dois
átomos passam a apresentar suas camadas mais externas completas, desde
que permaneçam em contato.

8 O Colapso do Universo – Isaac Azimov


Em ambos os casos — transferência ou partilha de elétrons — é preciso
uma energia considerável para separar os átomos, em circunstâncias normais
eles permanecem juntos. Tais combinações de átomos são chamadas
moléculas, de uma palavra latina que significa "pequeno objeto".
Às vezes, dois átomos em contato bastam para produzir estabilidade.
Dois átomos de hidrogênio formam uma molécula de hidrogênio; dois átomos
de nitrogênio, uma molécula de nitrogênio, e dois átomos de oxigênio, uma
molécula de oxigênio.
Às vezes, é preciso que mais de dois átomos entrem em contato para
completar todas as camadas; a molécula de água é constituída de um átomo
de oxigênio e dois átomos de hidrogênio; a molécula de metano compõe-se
de um átomo de carbono e quatro átomos de hidrogênio; a molécula de
bióxido de carbono é constituída por um átomo de carbono e dois átomos de
oxigênio, e assim por diante.
Em alguns casos, uma molécula pode ser formada por milhões de
átomos. Isso acontece porque os átomos de carbono, em particular, são
capazes de partilhar elétrons com até quatro outros átomos diferentes. Por
conseguinte, é possível a formação de longas cadeias e complicados anéis
de átomos de carbono; tais cadeias e anéis formam a base das moléculas
que caracterizam o tecido vivo. As moléculas de proteínas e de ácidos
nucléicos, no corpo humano e em todas as demais coisas vivas, são
exemplos dessas macromoléculas (macro é uma palavra grega que quer
dizer "grande").
As combinações de átomos em que os elétrons são transferidos podem
acarretar a formação de cristais, nos quais os átomos existem em incontáveis
milhões, enfileirados em colunas uniformes.
De modo geral, quanto maior a molécula e quanto menos uniforme for a
distribuição da carga elétrica na mesma, mais provável será a reunião de
muitas moléculas e a formação de substância líquida ou sólida.
Todas as substâncias sólidas que vemos são mantidas fortemente
coesas pelas interações eletromagnéticas que existem, primeiro, entre
elétrons e prótons, depois entre diferentes átomos e, por fim, entre diferentes
moléculas.
Além disso, essa capacidade que a força eletromagnética apresenta de
manter juntas miríades de partículas estende-se em direção ao exterior,
indefinidamente. A interação nuclear, que envolve uma atração que se dissipa
com extrema rapidez ao aumentar a distância, só é capaz de gerar o
pequeníssimo núcleo atômico. A força eletromagnética, que se dissipa
lentamente com a distância, é capaz de amalgamar qualquer coisa, desde
partículas de pó a montanhas; pode produzir um corpo do tamanho da Terra
e corpos ainda muito mais colossais.

O Colapso do Universo – Isaac Azimov 9


A força eletromagnética está intimamente relacionada conosco, e de
maneiras mais complexas que simplesmente nos possibilitando, e ao planeta
em que vivemos, ser mantidos coesos. Toda mudança química é resultado de
deslocamentos ou transferências de elétrons de um átomo para outro. Isso
inclui os delicadíssimos e versáteis deslocamentos e transferências nos
tecidos de seres vivos, como nós. Todas as mudanças que ocorrem dentro de
nosso corpo — a digestão dos alimentos, a contração dos músculos, o
crescimento de novo tecido, os impulsos nervosos, a geração de
pensamentos no cérebro — são o resultado de mudanças sob o controle da
força eletromagnética.
Alguns deslocamentos de elétrons liberam considerável energia; a
energia de uma fogueira, da queima de carvão ou óleo, assim como a energia
produzida dentro do tecido vivo, resultam de mudanças sob o controle da
força eletromagnética.

DENSIDADE
Ao se separarem os átomos ou moléculas de um dado fragmento de
matéria, devido ao aumento da temperatura ou por qualquer outro motivo,
passa a haver menos massa num determinado volume fixo daquela matéria.
Acontece o oposto se os átomos ou moléculas se juntarem mais.
A quantidade de massa por volume dado é dita densidade; em outras
palavras, quando a matéria se expande sua densidade diminui; quando a
matéria se contrai, sua densidade aumenta.
Usando o sistema métrico, os cientistas medem a massa em gramas e o
volume em centímetros cúbicos. Para darmos um exemplo típico de
densidade, um centímetro cúbico de água tem massa de um grama. (Não é
por coincidência; as duas unidades de medida foram definidas na década de
1790 para se ajustarem dessa maneira.) Isso significa que podemos dizer que
a água tem uma densidade de 1 grama por centímetro cúbico ou,
abreviadamente, 1 g/cm3.
As mudanças de densidade não são apenas questão de dilatação ou
contração. Substâncias diferentes têm densidades diferentes devido à própria
natureza de suas estruturas.
Os gases apresentam densidades muito inferiores às dos líquidos
porque são constituídos de átomos ou moléculas separadas, com pequena
atração uns pelos outros. Enquanto as moléculas dos líquidos estão
praticamente em contato, os átomos ou as moléculas dos gases movem-se
rapidamente, ricocheteando uns nos outros e assim permanecendo bastante
separados. A maior parte do volume de um gás é constituída do espaço vazio
entre os átomos e moléculas.

10 O Colapso do Universo – Isaac Azimov


Por exemplo, uma amostra de hidrogênio gasoso preparada na Terra, a
temperaturas e pressões normais, teria uma densidade de aproximadamente
0,00009 (ou 9 x 10-5) g/cm3. A água líquida é um pouco mais de 11.000 vezes
mais densa que o hidrogênio gasoso.
A densidade do hidrogênio poderia ser tornada ainda mais baixa se
fosse permitido às moléculas de hidrogênio (ou átomos separados, no caso)
se separarem mais. No espaço exterior, por exemplo, há tão pouca matéria
que só existe, em média, um átomo de hidrogênio em cada centímetro
cúbico. Nesse caso, a densidade do espaço exterior seria alguma coisa
semelhante a 0,0000000000000000000000017 g/cm3 — praticamente
nenhuma, na verdade. A densidade da água é cerca de 600 bilhões de
trilhões de vezes maior que a do espaço exterior.
Diferentes gases tendem a diferir em densidade. Em condições
semelhantes, os átomos e moléculas que compõem os gases estão
separados por um espaço vazio praticamente igual. A densidade depende
então da massa dos átomos ou moléculas individuais. Se um gás é composto
de moléculas com o triplo da massa das moléculas de outro, nesse caso a
densidade do primeiro é três vezes maior que a do segundo.
Por exemplo, um gás com uma molécula de massa particularmente
grande é o hexafluoreto de urânio. Cada molécula compõe-se de um átomo
de urânio e seis átomos de flúor e o conjunto tem massa 176 vezes maior que
as moléculas de hidrogênio, com seus dois átomos de hidrogênio. O
hexafluoreto de urânio é um líquido que se transforma em gás com pequeno
aquecimento, e a densidade do gás é de aproximadamente 0,016 g/cm 3. A
água líquida é apenas 62,5 vezes mais densa que esse gás.
Ainda assim, qualquer gás, mesmo o hexafluoreto de urânio, é formado
principalmente por espaços vazios. Se tal gás for comprimido — por exemplo,
colocado num recipiente fechado cujas paredes sejam então empurradas
uma em direção à outra — as moléculas são empurradas mais para perto
umas das outras e a densidade aumenta.
O mesmo efeito é produzido com eficiência ainda maior se a
temperatura for baixada. As moléculas de gás se ajuntam mais, e a uma
determinada temperatura, suficientemente baixa, o gás se transforma em
líquido, no qual as moléculas ficam praticamente em contato.
Se o hidrogênio é esfriado a temperaturas baixíssimas, ele não só se
liquefaz, como, a 14 graus acima do zero absoluto, congela. As moléculas
não só estão em contato, como também permanecem mais ou menos fixas
no lugar, de modo que a substância é agora um sólido.
O hidrogênio sólido é a substância sólida menos densa que existe, com
uma densidade de 0,09 g/cm3 — um décimo da densidade da água
sólida. Contudo, apesar de sua baixa densidade, o hidrogênio sólido é

O Colapso do Universo – Isaac Azimov 11


apenas cinco vezes mais denso que o hexafluoreto de urânio, um gás
densíssimo.
De modo geral, a densidade dos líquidos e dos sólidos também aumenta
ao aumentar a massa dos átomos e moléculas individuais que os compõem.
Um sólido constituído de átomos de grande massa é geralmente mais denso
que um sólido composto de átomos de menor massa. Entretanto, a regra não
é invariável. No caso dos sólidos a situação é mais complexa que no caso
dos gases.
A massa comparativa de diferentes átomos é dada por um número
conhecido como peso atômico. O peso atômico do hidrogênio é de
aproximadamente 1, de modo que o peso atômico de qualquer outro átomo
nos dá uma idéia aproximada do número de vezes que ele é mais pesado
que um átomo de hidrogênio. O átomo de alumínio, por exemplo, tem um
peso atômico de aproximadamente 27, enquanto o átomo de ferro tem um
peso atômico de cerca de 56. O átomo de ferro tem 56 vezes a massa de um
átomo de hidrogênio e pouco mais do dobro da massa de um átomo de
alumínio.
O ferro, no entanto, tem uma densidade de 7,85 g/cm3, ao passo que a
do alumínio é de 2,7 g/cm3. O ferro é quase três vezes mais denso que o
alumínio.
Se o ferro se compõe de átomos com massa duas vezes maior que os
de alumínio, por que o ferro tem densidade três vezes maior? Por que não
apenas duas vezes maior?
A resposta está em que outros fatores intervêm; por exemplo, a
quantidade de espaço que é ocupada pelos elétrons de um determinado
átomo e o fato de certas disposições atômicas serem mais compactas do que
outras. Os átomos cujos elétrons giram a uma distância grande do núcleo
central são menos densos do que seria de se esperar de sua massa, que
está, afinal, concentrada no minúsculo núcleo. Os elétrons representam
quase que apenas espaço vazio, e se eles se estendem para fora e ocupam
mais espaço, a densidade diminui.
Assim, o césio, com um peso atômico de 132,91, tem uma densidade de
apenas 1,873 g/cm3, pois seus elétrons ocupam grande quantidade de
espaço. Os átomos de cobre, muito mais compactos e com um peso atômico
de 63,54, menos da metade do peso atômico do césio, dão ao cobre uma
densidade de 8,95 g/cm3, quase cinco vezes superior à do césio.
Portanto, se desejarmos conhecer a substância com maior densidade
conhecida devemos procurar entre átomos de grande massa, mas não
necessariamente entre aqueles de massa máxima. O elemento de ocorrência
natural que possui átomos de maior massa é o urânio, com um peso atômico
de 238,07. Sua densidade é alta — 18,68 g/cm3 , o dobro da do cobre —

12 O Colapso do Universo – Isaac Azimov


mas não estabelece um recorde: há nada menos que quatro elementos com
densidade maior, os quais, juntamente com o urânio, estão listados no
Quadro 3 em ordem de densidade crescente.

QUADRO 3 — Elementos de alta densidade


Elemento Peso atômico Densidade (g/cm3)
Urânio 238,07 18,68
Ouro 197,0 19,32
Platina 195,09 21,37
Irídio 192,2 22,42
Ósmio 190,2 22,48

O ósmio, um metal raro, mantém o recorde. Dentre os materiais que


compõem a crosta terrestre ou que dela podem ser obtidos, é o mais denso.
Imagine-se um lingote de ósmio puro, com 15 cm de comprimento, 5 cm de
largura e 2 cm de espessura; não é muito, mas esse lingote, com apenas 150
cm3, pesaria 3,372 kg.

GRAVITAÇÃO
Até aqui estendemo-nos longamente sobre as forças nuclear e
eletromagnética e deixamos de lado a força fraca, considerando-a
relativamente sem importância para nossos objetivos. Contudo, praticamente
não fizemos menção à força gravitacional — e ela é a mais importante de
todas, no que se refere ao tema deste livro. Na verdade, falaremos tanto dela
que seria conveniente pouparmos algum esforço e nos referirmos à força
gravitacional simplesmente como gravitação, quando isso parecer natural.
A gravitação afeta qualquer partícula com massa, hádrions, léptons e
qualquer combinação deles — o que significa todos os objetos que vemos na
Terra e no céu. * Podemos agora expandir o Quadro 2, transformando-o no
Quadro 4 pelo acréscimo da força fraca e da gravitação.

* Há certas partículas sem massa, que não são afetadas, no sentido comum do
termo, pela gravitação. Por exemplo, as partículas de luz e de radiações semelhantes,
chamadas fótons (de uma palavra grega que significa "luz"), não têm massa. Outro
exemplo são certas partículas sem carga elétrica, denominadas neutrinos. Ambas
aparecerão mais tarde, neste livro.

O Colapso do Universo – Isaac Azimov 13


QUADRO 4 — As partículas e as quatro forças
Próton Nêutron Elétron

Força nuclear Sim Sim Não


Força eletromagnética Sim Não Sim
Força fraca Não Não Sim
Força gravitacional Sim Sim Sim

Dentre todas as forças, a gravitação é de longe a mais fraca, como


mostramos no Quadro 1. Podemos demonstrar isso, ao invés de
simplesmente afirmá-lo, com cálculos matemáticos simples.
Suponhamos dois objetos dotados de massa, sozinhos no universo. A
força gravitacional entre eles pode ser expressa por uma equação elaborada
pela primeira vez em 1687, pelo cientista inglês Isaac Newton (1642-1727), e
que é:
F(g) = Gmm’ (Equação. 1)
2
d
Nessa equação, F(g) é a intensidade da força gravitacional entre os dois
corpos, m é a massa de um dos corpos, m’ é a massa do outro corpo, d a
distância entre eles e G a constante gravitacional universal.
Cumpre termos cuidado com nossas unidades de medida. Costuma-se
medir a massa em gramas e a distância em centímetros. G é medido em
unidades um pouco mais complicadas, com que não precisamos nos
preocupar aqui. Se usarmos gramas e centímetros, terminaremos
determinando a força gravitacional em unidades chamadas dinas.
O valor de G é fixo, pelo que sabemos, em todas as partes do universo.*
Seu valor nas unidades que estamos empregando para ele é de 6,67 x 10-8,
ou 0,0000000667. Suponhamos que os dois corpos em questão estejam
separados por exatamente 1 cm, de modo que d = 1 e que, portanto, d2 = d x
d = 1 x 1 = 1. Nesse caso, pois, a Equação 1 torna-se:
F(g) = 6,67 x 10-8 mm’ (Equação. 2)
Suponhamos agora que estamos lidando com um elétron e
um próton. A massa do elétron (m) é de 9,1 x 10-28 gramas. A massa

* Há uma certa discussão a respeito disso, assunto que será abordado mais
adiante.

14 O Colapso do Universo – Isaac Azimov


do próton (m') é de 1,7 x 10-24 gramas. Se multiplicarmos esses dois números
e multiplicarmos o produto por 6,67 x 10-8, terminamos com um produto final
de 1 x 10-58 dinas, ou 0,0000000000000000000000000000000000000000000
000000000000001 dinas (Temos aí um exemplo do motivo pelo qual os
cientistas preferem usar números exponenciais e não os decimais comuns).
Podemos, Por conseguinte, dizer que para um próton e um elétron
separados por 1 cm a atração gravitacional entre eles pode ser representada
como:

F(S) = 1 x 10-58 dinas. (Equação 3)

Passemos agora para a força eletromagnética e montemos uma


equação para sua intensidade entre dois objetos carregados eletricamente
sozinhos no universo.
Exatamente cem anos depois de Newton haver elaborado a equação
para a força gravitacional, o físico francês Charles Augustin de Coulomb
(1736-1806) conseguiu demonstrar que uma equação muito semelhante
poderia ser empregada para determinar a intensidade da força
eletromagnética. A equação é:

F(e) = qq’ (Equação 4)


2
d

Nessa equação, F(e) é a intensidade da força eletromagnética entre os


dois corpos, q é a carga elétrica de um corpo, q’ é a carga elétrica de outro e
d é a distância entre eles. Também neste caso a distância é medida em
centímetros, e se medirmos a carga elétrica nas chamadas unidades
eletrostáticas não será necessário adotar um termo análogo à constante
gravitacional, desde que os objetos estejam separados pelo vácuo. (Como
estou supondo que os objetos se acham sozinhos no universo, é claro que há
um vácuo entre eles.) Além disso, se usarmos essas unidades obteremos
para F(e) um resultado também expresso em dinas.
Se, mais uma vez, supusermos que os dois objetos em questão acham-
se a 1 cm de distância um do outro, d2 é novamente igual a 1 e a equação
pode ser escrita da seguinte maneira:

F(e) = qq’ (Equação 5)

O Colapso do Universo – Isaac Azimov 15


Suponhamos ainda que esses corpos sejam um elétron e um próton. As
duas partículas possuem cargas elétricas iguais (muito embora sejam de
sinais contrários), sendo cada uma dessas cargas de 4,8 x 10-10 unidades
eletrostáticas. O produto qq’ é igual a 4,8 x 10-10 x 4,8 x 10-10 = 2,3 x 10-19
dinas.
Portanto, para um elétron e um próton separados por 1 cm, a força
eletromagnética entre eles é de:
F(e) = 2,3 x 10-19 dinas (Equação 6)

Se desejarmos saber o quanto a força eletromagnética é mais forte que


a força gravitacional, temos de dividir F(e) por F(g). Como em nossos
exemplos ambas as intensidades estão sendo medidas em dinas, essas
unidades serão mutuamente canceladas e teremos como resultado um
número "puro", um número sem unidades.
Se dividirmos a Equação 6 pela Equação 3, teremos:
F(e) = 2,3 x 10-19 = 2,3 x 1039 (Equação 7)
-58
F(g) 1,0 x 10

Em outras palavras, a força eletromagnética é


2.300.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000 vezes mais forte
que a força gravitacional.
Para termos uma idéia da enormidade dessa diferença de intensidade,
suponhamos que representemos a força gravitacional por uma massa de 1
grama. Que massa teríamos então de usar para representar a força
eletromagnética? Teria de ser uma massa igual a um milhão de corpos com a
massa de nosso Sol.
Suponhamos, ainda, que a intensidade da força gravitacional seja
simbolizada por uma distância igual à largura de um átomo. A intensidade da
força eletromagnética teria então de ser representada por uma distância mil
vezes maior que a largura de todo o universo conhecido.
A gravitação, portanto, é a mais fraca das quatro forças. Mesmo a
chamada força fraca é 10.000 trilhões de trilhões de vezes mais forte que a
gravitação.
Não é de admirar, assim, que os físicos nucleares, ao estudarem o
comportamento das partículas subatômicas, levem em consideração a força
nuclear, a força eletromagnética e a força fraca, mas ignorem inteiramente a
força gravitacional. A gravitação é tão fraca que simplesmente nunca

16 O Colapso do Universo – Isaac Azimov


influencia o rumo dos acontecimentos no interior dos átomos e dos núcleos
atômicos num nível mensurável.
Também é esse o caso na química: em todas as considerações das
várias mudanças químicas no corpo e no ambiente não-vivo, só é preciso
levar em conta a força eletromagnética — dedicando-se algum
interesse à força nuclear e à força fraca, no caso da radioatividade — mas
nunca à força gravitacional. A gravitação é tão fraca que não causa nenhum
efeito mensurável nas mudanças químicas comuns.
Nesse caso, por que não poderíamos simplesmente esquecer a
gravitação?
Porque, seja como for, ela existe e porque, apesar de sua incrível
debilidade, ela se faz sentir. Percebemos sua influência toda vez que levamos
um tombo. Sabemos que se cairmos de uma pequena altura (digamos, da
janela do terceiro andar até o chão) é muito provável que venhamos a morrer
por causa do puxão da gravitação. Sabemos que é a gravitação que mantém
a Lua em órbita ao redor da Terra e a Terra em redor do Sol. Como é
possível que uma força tão pequena tenha tais efeitos?
Consideremos novamente as quatro forças. A força nuclear e a fraca
diminuem tão depressa com a distância que não há necessidade de as
levarmos em conta fora de objetos como os núcleos atômicos.
A força eletromagnética e a gravitacional, no entanto, só diminuem na
razão do quadrado da distância, e esse ritmo de diminuição é suficientemente
lento para possibilitar que ambas as forças se façam sentir a grandes
distâncias.
Contudo, há uma diferença crucial entre as duas forças. Existem dois
tipos opostos de carga elétrica e, até onde sabemos, apenas uma espécie de
massa.
No caso da força eletromagnética, há atrações (entre cargas diferentes)
e repulsões (entre cargas iguais). Sendo a força eletromagnética tão forte
como é, a poderosa repulsão entre cargas iguais tende a dispersá-las,
impedindo a acumulação de um grande número delas em qualquer lugar. A
atração igualmente poderosa entre as cargas de sinais contrários tende a
juntá-las, neutralizando-as. No fim, as cargas positivas e negativas (que se
acham presentes no universo em quantidades iguais, ao que sabemos) ficam
inteiramente misturadas, e em nenhum lugar existe mais que um minúsculo
excesso de qualquer uma dessas cargas sobre a outra.
Por isso, embora a interação eletromagnética seja poderosa e
esmagadora ao manter os elétrons na vizinhança do núcleo e ao manter
reunidos os átomos vizinhos, um pedaço de matéria com dimensões
razoáveis tem pouquíssima atração ou repulsão eletromagnética por outro

O Colapso do Universo – Isaac Azimov 17


pedaço de matéria de dimensões razoáveis a alguma distância, uma vez que
em ambos objetos as duas diferentes espécies de carga acham-se tão bem
misturadas que os dois corpos terminam por apresentar uma carga geral
aproximadamente igual a zero.*
Todavia, já que só existe uma espécie de massa, só existe uma atração
gravitacional. Ao que sabemos, não existe nada que se poderia chamar de
repulsão gravitacional. Todo objeto com massa atrai todos os outros objetos
com massa, e a força gravitacional total entre dois corpos quaisquer é
proporcional à massa total dos dois corpos tomados em conjunto; não existe
limite superior. Quanto maior a massa dos corpos, maior será a força
gravitacional que atua entre eles.
Consideremos um objeto como a Terra, que possui massa igual a 3,5 x
1051 vezes a de um próton. Em outras palavras, a Terra tem uma massa
3.500 trilhões de trilhões de trilhões de trilhões de vezes maior que um
próton. Por conseguinte, a Terra produz um campo gravitacional que é 3,5 x
1051 vezes maior que o de um simples próton. Outra maneira de olharmos a
situação consiste em considerar que toda partícula na Terra que possui
massa — todos os prótons, nêutrons e elétrons — é fonte de um pequeno
campo gravitacional, e que todos esses pequenos campos se juntam para
formar o campo gravitacional total da Terra.
A Terra possui também campos eletromagnéticos, para os quais todos
os prótons e elétrons agem como fonte. Os campos dos prótons e dos
elétrons tendem a cancelar-se, no entanto, de modo que o campo magnético
da Terra é pequeníssimo. É suficiente para afetar a agulha da bússola e para
desviar partículas carregadas provenientes do Sol e de outros corpos
celestes, mas é terrivelmente fraco para um objeto do tamanho enorme da
Terra, constituído de tantas partículas carregadas. Assim, muito embora a
força gravitacional seja muito mais fraca que a força eletromagnética, quando
se consideram partículas isoladas, a força gravitacional da Terra, como um
todo, é muitíssimo maior que sua força eletromagnética. A força gravitacional
da Terra é bastante forte para que a sintamos inequivocamente e até para
nos matar, se não tivermos cuidado.
O enorme campo gravitacional da Terra é capaz de interagir com o
campo menor da Lua, de modo que os dois corpos se mantêm fortemente
unidos. Forças gravitacionais mantêm juntos os planetas e o Sol.

* É possível remover alguns elétrons de um objeto por fricção, deixando-o com


uma pequena carga positiva, ou acrescentar alguns elétrons, deixando-o com uma
pequena carga negativa. Tais corpos podem atrair-se ou repelir-se mutuamente ou a
outros objetos, mas a força envolvida é inconcebivelmente pequena comparada ao
que seria se todas as partículas carregadas em qualquer um dos corpos pudesse
exercer sua plena força eletromagnética.

18 O Colapso do Universo – Isaac Azimov


Há forças gravitacionais mensuráveis entre os planetas e entre diferentes
estrelas.
Na verdade, é a força gravitacional, e apenas ela, que mantém o
universo e dita o movimento de todos os seus corpos; todas as demais forças
têm influência localizada. Somente a força gravitacional, que é de longe a
mais fraca de todas, guia os destinos do universo — através da combinação
de atuar à distância e só exercer atração.
Em particular, é a força gravitacional que representa a chave para
qualquer consideração dos buracos negros. Portanto, já estamos no caminho
que leva a eles. Estudemos com cuidado os marcos dessa estrada.

O Colapso do Universo – Isaac Azimov 19


Os Planetas
A TERRA

Um dos primeiros marcos na estrada que conduz ao buraco negro


(embora nem por sonhos fosse considerado como tal na época) foi a
determinação da massa da Terra, o que foi efetuado através da força
gravitacional.
Newton havia determinado que a intensidade do campo gravitacional
produzido por qualquer objeto é proporcional à sua massa. Com efeito, essa
é outra maneira de se definir massa: aquela propriedade da matéria que
produz um campo gravitacional.
Não foi assim que eu defini massa no começo deste livro. Eu a descrevi
como aquela propriedade da matéria que faz com que seja necessário usar
uma força, de alguma espécie, a fim de produzir uma mudança no movimento
da matéria, seja em velocidade ou direção. Quanto maior a força necessária
para produzir uma certa mudança no movimento, maior será a massa do
corpo ao qual a força é aplicada.
A primeira definição de massa, dada acima, é às vezes
denominada massa gravitacional. A segunda, por envolver a relutância da
matéria em sofrer uma mudança em seu movimento, propriedade
essa chamada inércia, é denominada massa inercial. A gravitação e a inércia

20 O Colapso do Universo – Isaac Azimov


parecem ser duas propriedades inteiramente diferentes, e não parece haver
qualquer razão para se supor que as duas espécies de massa devessem ser
exatamente iguais e que, sempre que uma massa tivesse o dobro da inércia
de outra, teria também um campo gravitacional de intensidade duas vezes
maior. Não obstante, é assim que as coisas parecem suceder. Ninguém pôde
jamais mostrar qualquer distinção entre a massa gravitacional e a massa
inercial, de modo que atualmente não se discute que sejam idênticas.
Assim, o campo gravitacional da Terra exerce uma força sobre um corpo
em queda livre, de modo que ele passa por uma mudança em seu
movimento, ou aceleração, caindo cada vez mais depressa. Como a massa
inercial e a massa gravitacional são iguais, podemos supor que o aumento de
velocidade com que um objeto cai pode ser usado para medir a intensidade
da gravitação da Terra.
Essa aceleração foi medida pela primeira vez na década de 1590, pelo
cientista italiano Galileo Galilei (1564-1642). Ela é igual a 980 cm por
segundo por segundo. Isso significa que a cada segundo um corpo em queda
livre está se movendo 980 cm por segundo mais depressa do que estava no
segundo anterior.
Voltemos agora à equação de Newton:

F = Gmm' (Equação 8)
2
d

onde F é a intensidade do campo gravitacional e, portanto, o valor da


aceleração de um corpo em queda livre, o qual, como eu disse, é conhecido
há muito tempo. G é a constante gravitacional, m é a massa do corpo que cai,
m' é a massa da Terra e d é a distância entre o corpo e a Terra. O que nos
interessa realmente é a massa da Terra, de modo que vamos alterar a
equação lançando mão das habituais técnicas algébricas, de modo a isolar m'
na porção esquerda da equação. Temos então:

m' = Fd2 (Equação 9)


Gm

Se tivermos valores para todos os símbolos do membro direito


da equação podemos multiplicar o valor de F pelo valor de d, multiplicar

O Colapso do Universo – Isaac Azimov 21


o produto novamente por d, dividir esse resultado por G, dividir o quociente
por m e isso dará o valor de m', a massa da Terra.
Bem, isso parece fácil, pois realmente dispomos do valor de F, como
acabei de explicar. Temos também o valor de m, a massa do corpo em queda
livre, pois podemos simplesmente pesá-lo numa balança, para encontrar sua
massa em gramas.
A distância entre o corpo que cai e a Terra é um pouco complicada.
Newton mostrou que quando um corpo produz um campo gravitacional, esse
campo se comporta como se fosse produzido por toda a massa do corpo
concentrada em seu centro de gravidade. Quando um corpo possui forma e
propriedades que preenchem certas condições de simetria, o centro de
gravidade encontra-se no centro geométrico do corpo. Essas condições de
simetria prevalecem para a Terra e para todos os corpos mensuráveis que
conhecemos no universo.
Isso significa que a Terra age como se seu campo gravitacional se
originasse em seu centro; d, portanto, representa a distância que vai do corpo
em queda livre até o centro da Terra, e não até a superfície do planeta. Se o
corpo estiver perto da superfície da Terra, então a distância será igual ao raio
da esfera da Terra naquele ponto.
Esse valor foi demonstrado pela primeira vez mais ou menos em 240
a.C. por um geógrafo grego chamado Eratóstenes (276-192 a.C.), que
determinou o tamanho da esfera terrestre através do ângulo de curvatura da
Terra, o qual, por sua vez, ele determinou medindo o ângulo com que os raios
do Sol caíam em diferentes partes da superfície da Terra ao mesmo tempo. O
raio da Terra (a distância desde a superfície até o centro) é igual a
637.000.000 de centímetros.
Temos agora os valores de F, m e d, mas até fins do século XVIII não
tínhamos o valor de G, e até obtermos esse valor não podíamos usar a
Equação 9 para calcular m', a massa da Terra.
Há algum meio pelo qual possamos determinar o valor de G?
Bem, se G for verdadeiramente universal, suponhamos então que
meçamos o campo gravitacional entre duas bolas de chumbo e que façamos
uso de outra forma da Equação 8. Técnicas algébricas permitem convertê-la
em
G = Fd2 (Equação 10)
mm'
Podemos facilmente medir a massa de cada uma das bolas
de chumbo, o que nos fornece os valores de m e de m'. Podemos medir

22 O Colapso do Universo – Isaac Azimov


também a distância entre elas, e isso nos dá o valor de d. Se pudermos então
medir também a força gravitacional entre elas e obter F, poderemos resolver
a equação e calcular o valor de G. Depois poderemos colocar o valor de G na
Equação 9 e calcular imediatamente a massa da Terra.
Encontramos aí outra dificuldade. As forças gravitacionais são de tal
forma fracas, em relação à massa, que é preciso um objeto de massa
descomunal, como a Terra, para se ter um campo gravitacional
suficientemente intenso para se medir facilmente. Antes de podermos
trabalhar com objetos pequenos o bastante para serem levados ao
laboratório, precisamos de algum dispositivo que possa medir essas forças
ínfimas.
O necessário aprimoramento na mensuração ocorreu com a invenção,
em 1777, da balança de torção, por Coulomb (aquele mesmo que definiu a
Equação 4). Nesse tipo de balança medimos forças minúsculas fazendo-as
torcer um fio ou um arame fino.
Para se detectar a torção é preciso prender ao fio vertical uma longa
barra horizontal equilibrada no centro. Mesmo uma torção minúscula, quase
imperceptível, produziria um movimento mensurável na extremidade da barra.
Se o fio utilizado for bastante fino e a barra bastante longa, podemos medir a
torção provocada pelos ultraminúsculos campos gravitacionais de objetos de
tamanho comum.
O fio ou arame, entendamos, é elástico, de modo que existe dentro dele
uma força que tende a destorcê-lo. Quanto mais ele for torcido, maior se
torna a força de destorção. Por fim, esta equilibra a força de tensão e a barra
assume uma nova posição de equilíbrio. É medindo-se a extensão em que a
barra se torceu para alcançar um novo equilíbrio que se determina a
intensidade da força que age sobre ela.
Em 1798 o químico inglês Henry Cavendish (1731-1810) tentou a
seguinte experiência:
Começou com uma barra de 180 cm de comprimento e colocou em cada
extremidade dela uma bola de chumbo com 5 cm de diâmetro. Em seguida
suspendeu a barra com um fio metálico fino, preso a seu centro.
Depois Cavendish pendurou uma bola de chumbo com pouco mais de
20 cm de diâmetro de um lado de uma das bolas de chumbo menores, na
extremidade da barra horizontal. Pendurou outra bola semelhante do lado
oposto da outra bola de chumbo menor. O campo gravitacional das bolas
grandes serviria agora para atrair as pequenas e girar o fio,
dando-lhe uma nova posição. Pela mudança representada pela
nova posição, comparada com a antiga, Cavendish poderia medir a
minúscula força gravitacional entre as bolas de chumbo.

O Colapso do Universo – Isaac Azimov 23


(Evidentemente, Cavendish fechou tudo isso numa caixa e tomou todas as
precauções para evitar que o fio fosse agitado por correntes de ar.)
Cavendish repetiu a experiência várias vezes, até se convencer de que
tinha uma boa medida para F. Como não havia nenhum problema em medir a
massa das bolas de chumbo ou as distâncias entre as bolas grandes e as
pequenas, ele já dispunha dos valores de m, m' e d. Agora podia calcular o
valor de G na Equação 10, e foi o que ele fez.
Empregando aprimoramentos das experiências de Cavendish,
acreditamos hoje que a massa da Terra seja de 5,983 x 10 27 gramas, ou
aproximadamente 6.000 trilhões de trilhões de gramas.
Podemos determinar a densidade de qualquer objeto dividindo sua
massa por seu volume. O volume da Terra tinha sido calculado cor-
retamente, ou quase corretamente, com base no número determinado por
Eratóstenes para a circunferência da Terra. Tendo Cavendish determinado a
massa de nosso planeta, foi possível, portanto, calcular imediatamente a
densidade média da Terra —5,52 g/cm3.

OS OUTROS PLANETAS
A importância da determinação da massa da Terra está não apenas
nesse cálculo em si, mas também no fato de que ela permitiu aos astrônomos
determinar a massa de grande número de outros objetos no universo.
Temos, por exemplo, a Lua, o único satélite da Terra, que se encontra a
384.000 quilômetros de nós e que gira em torno da Terra uma vez a cada
período de 27 1/3 dias.
Mais precisamente, tanto a Terra como a Lua giram em torno de um
centro de gravidade comum. Exigem as leis da mecânica que a distância
entre cada corpo e seu centro de gravidade esteja relacionada com sua
massa; em outras palavras, se a Lua tivesse a metade da massa da Terra
estaria duas vezes mais distante do centro de gravidade do que a Terra; se
tivesse uma massa três vezes menor, estaria três vezes mais longe, e assim
por diante.
A posição do centro de gravidade do sistema Terra-lua pode ser
determinada pelos astrônomos, que o situam a cerca de 1.650 km sob a
superfície da Terra e a cerca de 4.720 km do centro de nosso planeta (Não
nos esqueçamos de que é o centro que importa no que tange a questões
gravitacionais). A Lua gira em torno daquele ponto, e o mesmo faz a Terra,
cujo centro bamboleia em torno desse ponto a cada 27 1/3 dias.
O centro de gravidade está 81,3 vezes mais distante do centro
da Lua que do centro da Terra, de modo que a massa da Lua é igual a

24 O Colapso do Universo – Isaac Azimov


1 / 81,3 ou 0,0123 da massa da Terra. Portanto, a massa da Lua é de
7,36 x 1025 gramas, mas é mais fácil expressar o valor como uma fração da
massa da Terra.
Os astrônomos podem também determinar a massa dos outros planetas
do sistema solar em relação à da Terra; uma das maneiras de fazê-lo
consiste em comparar o efeito do planeta sobre seu satélite com o da Terra
sobre a Lua.
O tempo que um pequeno satélite leva para completar sua órbita em
torno do planeta depende apenas de duas coisas: da distância do satélite até
o centro do planeta e da intensidade do campo gravitacional do planeta.
Por exemplo, Júpiter possui um satélite, Io, que se encontra quase
exatamente à mesma distância de Júpiter que a Lua da Terra. Entretanto, Io
circunda Júpiter em 1¾ dias, ao passo que a Lua circunda a Terra em 27 3/4
dias.
Pode-se calcular que a gravitação de Júpiter deve ser 318,4 vezes mais
intensa que a da Terra para que possa fazer Io circundar aquele planeta tão
depressa. Em outras palavras, Júpiter deve ter uma massa 318,4 vezes maior
que a da Terra. Usando esse método e outros, pode-se determinar a massa
de todos os objetos do sistema solar.
No Quadro 5 temos as massas e as densidades dos nove planetas do
sistema solar, bem como de nossa Lua, em ordem de distância do Sol.

QUADRO 5 — Massa e densidade dos planetas


Massa Densidade
(Terra = 1) (g/cm2)
Mercúrio 0,055 5,4
Vênus 0,815 5,2
Terra 1 5,52
Marte 0,108 3,96
Júpiter 317,9 1,34
Saturno 95,2 0,71
Urano 14,6 1,27
Netuno 17,2 1,7
Plutão 0,1 4

A intensidade do campo gravitacional de cada um desses


corpos é proporcional à sua massa, e como o leitor pode ver, a Terra não

O Colapso do Universo – Isaac Azimov 25


possui de modo algum a maior intensidade gravitacional ou a maior massa
entre os planetas do sistema solar. Há quatro planetas com maior massa do
que a Terra — Júpiter, Saturno, Urano e Netuno. Júpiter é o gigante do
sistema planetário: sua massa é aproximadamente 2,5 maior que a dos
outros oito planetas juntos.
A intensidade do campo gravitacional de cada planeta (ou de qualquer
corpo) diminui com o quadrado da distância, o que significa que a intensidade
relativa do campo gravitacional de dois corpos de massa diferente permanece
a mesma a qualquer distância.
Por exemplo, para uma nave espacial a 1 milhão de quilômetros do
centro de Júpiter o arrasto gravitacional de Júpiter seria 317,9 vezes maior do
que seria o arrasto gravitacional da Terra, se a nave estivesse a 1 milhão de
quilômetros do centro da Terra.
Se a nave aumentasse sua distância do centro de Júpiter de 1 para 2
milhões de quilômetros, o campo gravitacional de Júpiter passaria a ter um
quarto da intensidade que tinha antes. Se o mesmo fosse feito com relação à
Terra, o campo gravitacional da Terra também teria um quarto da intensidade
na nova posição, em relação à anterior. O campo de Júpiter, na nova
localização da nave, continuaria a ser 317,9 vezes mais forte do que o campo
da Terra no novo ponto.
O campo gravitacional de Júpiter seria 317,9 vezes mais forte que o da
Terra em todo par de pontos correspondentes. Mas, e se os pontos não
corresponderem?
Há um momento importante em que seríamos forçados a permanecer a
uma distância do centro de um planeta diferente da distância do centro de
outro. Ocorreria esse caso quando estivéssemos na superfície de um planeta
e depois na superfície de outro, e os dois planetas fossem de tamanhos
diferentes.
Podemos demonstrar isto mais claramente comparando a Terra com a
Lua, uma vez que o homem já esteve em ambos e pôde confirmar a teoria.
A massa da Terra é 81,3 vezes maior do que a da Lua, e para posições
a iguais distâncias do centro de cada corpo a intensidade do campo
gravitacional da Terra é sempre 81,3 vezes maior que a da Lua.
Suponhamos, porém, que estejamos sobre a superfície da Lua;
estamos, então, a 1.738 km do centro do satélite. Se estivermos de pé na
superfície da Terra, estaremos a 6.371 km de seu centro.
A intensidade gravitacional na superfície de um corpo é sua gravidade
superficial (conceito importante na história dos buracos negros), e para

26 O Colapso do Universo – Isaac Azimov


calculá-la temos que levar em conta as diferenças de distância até o centro. A
distância entre a superfície e o centro da Terra é 3,666 maior que a distância
entre a superfície e o centro da Lua.
A intensidade gravitacional enfraquece com o quadrado da distância, de
modo que a gravidade superficial da Terra torna-se fraca em relação à da Lua
segundo um fator igual a 3,666 x 3,666, ou 13,44. Por isso, temos que dividir
a intensidade gravitacional inata da Terra, que é de 81,3 (comparada com a
da Lua) por 13,44, e isso nos dá um resultado de 6,05.
Assim, embora a Terra tenha uma massa 81,3 vezes maior que a da
Lua, sua gravidade superficial é apenas 6,05 maior. Em outras palavras, a
gravidade superficial da Lua é aproximadamente um sexto da gravidade
superficial da Terra.
De modo análogo, podemos calcular a gravidade superficial de todos os
corpos do sistema solar. Os quatro planetas gigantes constituem um
problema porque o que vemos como uma "superfície" é, na verdade, a
camada exterior de suas gigantescas atmosferas, cuja espessura não
podemos avaliar com facilidade. Não, podemos sequer ter a certeza de que
haja uma superfície sólida ou líquida em algum lugar. Entretanto, se fizermos
de conta que podemos ficar de pé no alto dessa camada de nuvens e se
calcularmos a intensidade do campo gravitacional naquele ponto, podemos
chamá-la de gravidade superficial. Tendo isso em mente, podemos elaborar o
Quadro 6.

QUADRO 6 Gravidade superficial (Terra = 1)

Mercúrio 0,37
Vênus 0,88
Terra 1,00
Lua 0,165
Marte 0,38
Júpiter 2,64
Saturno 1,15
Urano 1,17
Netuno 1,18
Plutão 0,4

VELOCIDADE DE ESCAPE
É o campo gravitacional da Terra que faz com que tudo que suba acabe
caindo. Qualquer objeto atirado ao ar com uma dada velocidade está

O Colapso do Universo – Isaac Azimov 27


submetido à constante atração da gravitação da Terra. Por isso ele perde
velocidade continuamente, até chegar a uma parada momentânea em algum
ponto acima da superfície da Terra. Nesse ponto ele começa a cair,
ganhando velocidade continuamente, até atingir o chão com a mesma
velocidade com que foi originalmente atirado para o alto.*
Se dois objetos forem atirados para cima com velocidades diferentes, o
de maior velocidade levará mais tempo para perdê-la; por conseguinte, subirá
mais alto, antes de começar a descida. Poder-se-ia supor que não importa a
velocidade com que um objeto começasse sua subida, essa velocidade
acabaria por ser erodida. O objeto poderia subir 100 km, 1.000 km, mas por
fim o implacável arrasto do campo gravitacional se imporia,
Seria assim . . . se a intensidade do campo gravitacional não
enfraquecesse com a distância.
A gravidade superficial da Terra exerce uma certa força sobre um objeto
na superfície, que está a 6.371 km do centro do planeta. A intensidade da
gravitação decresce quando qualquer objeto sujeito àquela força se ergue da
superfície e aumenta sua distância em relação ao centro da Terra. O
decréscimo de intensidade é proporcional ao quadrado da distância — mas à
distância do centro, não da superfície.
Suponhamos que subamos à estratosfera, a cerca de 35 km sobre a
superfície da Terra. Esta é uma altitude elevada segundo os padrões
normais, mas a distância até o centro da Terra só aumenta de 6.371 km para
6.406 km. Não é uma grande mudança; a intensidade gravitacional a essa
altitude ainda é de 98,9% da que existe na superfície. Um homem que
pesasse 70 kg na superfície da Terra ainda pesaria 69,23 kg na estratosfera.
Na vida comum não temos consciência de qualquer mudança na intensidade
da gravitação da Terra, de modo que nunca levamos essa mudança em
consideração.
Imaginemos, entretanto, que um objeto suba a uma distância realmente
grande — digamos, a 6.371 km acima da superfície da Terra. Ela estará,
nesse caso, a 6.371 + 6.371 ou 12.742 km do centro do globo. Sua distância
desse centro terá sido multiplicada por dois e, com isso, a intensidade
gravitacional terá diminuído para um quarto do que era na superfície.
Se imaginarmos um objeto atirado para o alto com velocidade tal que
atinja a estratosfera antes que essa velocidade se dissipe, veremos então
que nos estágios finais de sua ascensão a intensidade gravitacional é

* Na verdade, a resistência do ar complica a situação e retarda ainda mais tanto


a subida quanto a descida do objeto. Entretanto, vamos partir do princípio, neste
capítulo, de que a resistência do ar não existe. Esse fator envolve uma mudança
muito pequena e não altera a essência de nossa argumentação.

28 O Colapso do Universo – Isaac Azimov


ligeiramente menor do que era nos estágios iniciais. A perda adicional de
velocidade é menor, então, do que seria se a intensidade da gravitação
permanecesse a mesma em todo o percurso. O objeto sobe um pouco mais
do que seria de se esperar, antes daquela pausa momentânea e do início da
descida.
Imaginemos agora que um segundo objeto seja lançado para o alto com
uma velocidade inicial duas vezes maior que a do primeiro objeto. Quando o
segundo tiver atingido a altura em que o primeiro perdeu toda sua velocidade,
ele terá perdido apenas metade de sua velocidade. Estará agora movendo-se
à velocidade que o primeiro objeto possuía ao deixar a Terra.
O segundo objeto irá alcançar uma distância adicional igual à distância
total percorrida pelo primeiro objeto?
Não, pois o segundo está agora fazendo sua ascensão adicional através
de uma região de gravitação mais débil. Ele perde velocidade mais
lentamente e percorrerá uma distância maior do que a percorrida pelo
primeiro objeto desde a superfície.
Devido ao declínio da intensidade gravitacional com a altura, a
duplicação da velocidade inicial de um objeto atirado para cima mais que
duplica a altura por ele alcançada. No Quadro 7 vemos a altura que os
objetos sobem acima da superfície da Terra com dadas velocidades iniciais.

QUADRO 7 — Corpos em ascensão

Velocidade inicial (km/seg) Altura máxima sobre a superfície da Terra (km)


1,6 130
3,2 560
4,8 1.450
6,4 3.100
8,0 6.700
9,6 17.900

Aumentando a velocidade inicial, a altura máxima aumenta também,


e aumenta cada vez mais depressa à medida que o objeto entra em
regiões de gravitação cada vez mais fraca. Entre a primeira e a

O Colapso do Universo – Isaac Azimov 29


última linhas da tabela a velocidade inicial aumentou 6 vezes, mas a altura
máxima aumentou 140 vezes.
Chega um ponto em que um objeto sobe tão rapidamente que seu
decréscimo de velocidade iguala-se ao declínio da intensidade gravitacional.
Quando ele perdeu metade de sua velocidade a intensidade gravitacional
também caiu à metade, de modo que, nesse momento, para que a menor
intensidade removesse a metade restante da velocidade seria preciso tanto
tempo quanto o necessário para que a plena intensidade gravitacional
eliminasse a velocidade plena. O objeto em ascensão continua a perder
velocidade, mas a um ritmo cada vez mais lento à medida que a gravitação
se torna cada vez mais fraca. O corpo em ascensão jamais perderá toda sua
velocidade e, assim, dar-se-ia o caso em que aquilo que sobe não cai, porque
nunca deixa totalmente de subir.
A velocidade mínima em que isso acontece é a velocidade de escape.
A velocidade de escape da superfície da Terra é de 11,23 km por
segundo. Qualquer coisa lançada da superfície da Terra a uma velocidade
igual ou maior que essa subirá e jamais cairá, afastando-se cada vez mais do
planeta. Qualquer coisa que suba com uma velocidade inicial inferior a 11,23
km/seg (sem que lhe seja dado outro impulso, além daquele que já possui*)
retornará à Terra.**
O valor da velocidade de escape depende da intensidade do campo
gravitacional; com o declínio daquela intensidade, diminui também a
velocidade de escape. Verifica-se que, ao aumentarmos nossa distância do
centro da Terra, a velocidade de escape diminui segundo a raiz quadrada
daquela distância.
Suponhamos que estamos no espaço, a 57.400 km do centro da
Terra — nove vezes mais longe desse centro do que estaríamos
se estivéssemos na superfície da Terra. A raiz quadrada de 9 é 3, e isso
* Um objeto que tenha uma velocidade inicial e nenhum impulso adicional está
em vôo balístico, e precisa partir com a velocidade de escape ou mais para se afastar
indefinidamente da Terra. Um foguete, porém, pode ser impulsionado continuamente
por seus jatos, de modo que, embora se mova com velocidade inferior à de escape,
pode subir tanto quanto queira. Contudo, nos casos em que seres vivos não estão
envolvidos, o movimento no universo é quase sempre balístico, com um impulso
inicial e nada mais.
** Se um objeto se move com velocidade inferior à de escape, porém não menor
que 70% dela, e se tem também um movimento lateral poderá, nesse caso, não
escapar da Terra, mas tampouco voltará à superfície. Poderá estabelecer uma órbita
em torno da Terra e nela permanecer indefinidamente. Um astronauta que orbite em
tomo da Terra a cerca de 200 km, apenas, acima da superfície precisa mover-se a,
pelo menos, 7,94 km/seg a fim de permanecer em órbita. .

30 O Colapso do Universo – Isaac Azimov


significa que a velocidade de escape a uma altura de 57.400 km do centro da
Terra é apenas um terço do que é na superfície. Àquela altura ela é de
11,23 / 3, ou seja, 3,74 km/seg.
A velocidade de escape é diferente de planeta para planeta. Um mundo
com menos massa que a Terra e com gravidade superficial mais baixa
apresentará também menor velocidade de escape de sua superfície. A
velocidade de escape da superfície da Lua, por exemplo, é de apenas 2,40
km/seg.
Por outro lado, os planetas com massa maior que a da Terra possuem
maiores velocidades de escape. No Quadro 8 estão as velocidades de
escape dos vários planetas, medidas na superfície visível (ou seja, a camada
superior do revestimento de nuvens, no caso dos planetas gigantes).

QUADRO 8 — Velocidades de escape dos planetas

Planeta Velocidade de escape

Mercúrio 4,2
Vênus 10,3
Terra 11,23
Lua 2,40
Marte 5,0
Júpiter 60,5
Saturno 35,2
Urano 21,7
Netuno 24,0
Plutão 5,0

Não surpreende que o gigante do sistema planetário, Júpiter, apresente


a maior velocidade de escape.
Além disso, por ser tão volumoso, Júpiter tem um campo gravitacional
que diminui, com a distância, mais lentamente que o da Terra. Como a
superfície da Terra acha-se a 6.371 km de seu centro, sua gravitação reduz-
se a 1/4 de seu valor na superfície a uma altura de 6.371 km sobre a mesma.
A uma altura de 19.113 km da superfície, a distância do centro da Terra é 4
vezes maior do que era na superfície, e a gravitação representa apenas 1/16
de seu valor superficial.
A superfície de Júpiter, contudo, está a 71.450 km do centro. Por
isso, seria necessário que se subisse a uma altura de 71.450 km sobre

O Colapso do Universo – Isaac Azimov 31


a superfície para que a gravitação jupiteriana caísse a 1/4 do valor superficial
e a 214.350 km para que ela caísse a 1/16 desse mesmo valor. A intensidade
da gravitação de Júpiter cai tão mais lentamente que a da Terra que, a
distâncias iguais no espaço, a intensidade gravitacional de Júpiter é 317,9
vezes a da Terra (a que deveria ser, considerando-se as massas
comparativas dos dois planetas), muito embora a gravidade superficial de
Júpiter seja apenas 2,64 vezes maior que a da Terra.
A velocidade de escape de Júpiter também diminui, com a distância,
mais lentamente que a da Terra. A velocidade de escape é apenas 5,4 vezes
maior que a da superfície terrestre. Contudo, a velocidade de escape de
Júpiter diminui tão lentamente com a distância que mesmo a uma altura de
2.000.000 km ela ainda é igual à da superfície da Terra.
DENSIDADE E FORMAÇÃO PLANETÁRIA
Apesar da grandeza da gravidade superficial e da velocidade de escape
de Júpiter, em comparação com as da Terra, a impressão que fica é a da
tenuidade de Júpiter.
Afinal de contas, a massa de Júpiter é 300 vezes maior que a da Terra
e, em conseqüência disso, o grande planeta tem um campo gravitacional
mais de 300 vezes maior que o da Terra; no entanto, a gravidade superficial
de Júpiter é menos de três vezes superior à da Terra e sua velocidade de
escape é menos de seis vezes a de nosso planeta. A mesma disparidade
entre a intensidade gravitacional, de um lado, e a gravidade superficial e a
velocidade de escape, do outro, pode ser vista no caso dos outros planetas
gigantes.
A razão disso é que esses planetas são tão volumosos que suas
superfícies (ou pelo menos as superfícies de seus revestimentos de nuvens)
se encontram de quatro a onze vezes mais distantes de seus centros do que
ocorre no caso da Terra.
E a explicação não termina aí: os planetas gigantes têm baixas
densidades, o que significa que a matéria de que se compõem não se acha
disposta compactamente, e sim dispersa de modo a ocupar um volume maior
do que o normal, segundo os padrões da Terra. Assim sendo, suas
superfícies se acham mais distantes do centro do que estariam se esses
planetas fossem mais densos.
Imaginemos que a massa de Saturno pudesse ser comprimida, ao ponto
em que sua densidade média fosse igual à da Terra. Se isso acontecesse,
Saturno teria sido comprimido ao ponto em que seu volume seria apenas 1/8
do que é agora. Seu raio seria apenas metade do que é: 30.000 km, ao invés
dos atuais 60.000.

32 O Colapso do Universo – Isaac Azimov


Nessas condições, Saturno ainda teria toda sua massa. Tanto sua
massa como a intensidade de seu campo gravitacional seriam ainda 95,2
vezes maiores que as da Terra. A superfície ainda estaria mais distante do
centro do que ocorre na Terra, porém não tão distante para que a gravidade
superficial fosse não 1,15 vezes maior que a da Terra, mas 4,60 vezes maior.
Imaginemos que também Júpiter pudesse ser comprimido até a
densidade média da Terra. Seu volume seria apenas 1/4 do que é atualmente
e seu raio equivaleria a 5/8 do atual: 44.200 km, ao invés dos atuais 71.400.
Com sua massa intacta e sua superfície muito mais próxima ao centro, a
gravidade superficial de Júpiter seria apenas 7 vezes maior que a da Terra.
Haverá algum outro meio pelo qual possamos nos aproximar do centro
de um planeta e assim aumentar a intensidade gravitacional? Por exemplo,
se mergulhássemos na crosta da própria Terra, a força gravitacional sobre
nós aumentaria cada vez mais à medida que nos aproximássemos do centro?

Não!

Imaginemos que a Terra tivesse uma densidade uniforme de 5,52 g/cm3


e que por algum meio pudéssemos mergulhar em sua massa livremente. Ã
medida que cavássemos, parte da estrutura da Terra estaria sobre nossa
cabeça. Na verdade, toda uma esfera exterior da estrutura da Terra estaria
mais longe do centro do que nós. A matemática de Newton mostrou que essa
parte exterior não contribuiria para a força gravitacional que nos puxa para o
centro. Somente a parte da Terra que estivesse mais próxima do centro do
que nós, a qualquer momento determinado, contribuiria para isso, e essa
parte diminuiria progressivamente, à medida que cavássemos mais e mais.
Isso significa que o arrasto gravitacional sobre nós se tornaria cada vez
mais fraco à medida que nos aprofundássemos na Terra, até atingirmos o
centro exato do planeta, quando o arrasto gravitacional seria zero. No centro
da Terra, ou de qualquer mundo esférico, toda a massa do planeta estaria
nos arrastando para longe do centro, uma vez que estaria inteiramente sobre
nós. Estaria, entretanto, arrastando para fora igualmente em todas as
direções, e as atrações se cancelariam, deixando-nos com uma gravidade
zero.
Num buraco de grandes dimensões, no centro da Terra ou de qualquer
planeta esférico, a gravidade seria nula em qualquer ponto dentro desse
buraco. Já se escreveram contos de ficção científica em que a Terra era
imaginada oca, com uma superfície interior habitada, iluminada por um objeto
de características solares no centro. São exemplos as histórias de Edgar Rice
Burroughs sobre "Pellucidar". Contudo, os habitantes de tal mundo não

O Colapso do Universo – Isaac Azimov 33


sentiriam nenhuma atração gravitacional que os prendesse àquela superfície
interior, mas flutuariam livremente no espaço interno — algo que Burroughs
não percebeu.
Não, a única maneira de aumentar a atração gravitacional consiste em
comprimir todo o mundo, apertando toda a massa para que seja possível
aproximar-se do centro, ao mesmo tempo em que se mantém toda a massa
entre o cavador do túnel e o centro — esse conceito é de importância
fundamental para a compreensão do buraco negro.
A única coisa no universo capaz de assim comprimir um mundo é a
própria gravitação, e isso já aconteceu no passado, quando, por exemplo, da
formação dos planetas de nosso sistema solar.
No princípio, o material de que se formaram os planetas era uma vasta
massa de poeira e gás. A maior parte desse material era hidrogênio, hélio,
carbono, neônio, oxigênio e nitrogênio, com o hidrogênio constituindo cerca
de 90% de todos os átomos. A totalidade desse material, rodopiando
lentamente em remoinhos turbulentos e separados, aos poucos caiu sob a
atração, fraca mas sempre contínua, da gravitação mútua de todos os átomos
e moléculas.
Quanto mais o material se juntava, mais era comprimido, mais os
campos gravitacionais das partes constituintes se sobrepunham e se
reforçavam. A intensidade gravitacional aumentava e a compressão adicional
acontecia mais depressa... cada vez mais depressa.
A maior parte do material permaneceu gasosa. O hélio e ,o neônio
continuaram como átomos separados. Os átomos de hidrogênio combinaram-
se em moléculas de dois átomos, mas permaneceram moléculas separadas.
Cada átomo de carbono combinou-se com quatro átomos de hidrogênio para
formar moléculas de metano, que permaneceram separadas. Cada átomo de
nitrogênio combinou-se com três átomos de hidrogênio para formar moléculas
de amônia, que permaneceram separadas. Cada átomo de oxigênio
combinou-se com dois átomos de hidrogênio para formar moléculas de água,
que permaneceram separadas.
Dois elementos moderadamente comuns não subsistiram como átomos
separados nem formaram pequenas moléculas separadas — o silício e o
ferro. Os átomos de silício combinaram-se com átomos de oxigênio, mas, no
processo, não formaram moléculas que permaneceram separadas. Nesse
caso, a força eletromagnética continuou em atuação, juntando sem limite
mais e mais combinações silício-oxigênio. Essas combinações, denominadas
silicatos, eram capazes de crescer até o tamanho de partículas de pó, depois
de seixos, pedras e matacões. Acrescentaram-se átomos de outros
elementos capazes de participar da estrutura do silicato: magnésio, sódio,

34 O Colapso do Universo – Isaac Azimov


potássio, cálcio, alumínio etc. É essa mistura de silicatos que forma os
materiais rochosos da crosta terrestre, os quais tanto conhecemos.
Em geral, os átomos de ferro se reuniram, juntamente com outros
metais, como cobalto e níquel, que se misturavam com ele livremente.
Assim, enquanto a poeira e o gás giravam na direção de um centro,
formando uma massa cada vez mais densa, constituíram-se pedaços de
rocha ou de metal (ou combinações de ambos), cada vez maiores. Como o
metal era mais denso que a rocha, respondia mais à atração gravitacional; ao
se formar um mundo, o metal era puxado para o centro, formando um núcleo,
ao passo que o material rochoso permanecia num invólucro fora do núcleo
metálico.
A Lua e Marte são constituídos basicamente de rocha; Mercúrio, Vênus
e a Terra compõem-se de rocha e metal. Pequenos fragmentos sólidos de
matéria ainda se acham dispersos pelo espaço, e alguns atingem a atmosfera
terrestre como meteoros. Se conseguem vencer a atmosfera e atingir a
superfície sólida ou líquida da Terra, passam a chamar-se meteoritos. Alguns
meteoritos são de rocha, outros de metal, outros ainda uma mistura das duas
coisas.
Objetos pequenos, como os asteróides menores, não são
suficientemente grandes para ter um campo gravitacional bastante intenso,
que os mantenha coesos. São mantidas assim pela força eletromagnética
que existe dentro dos átomos e entre eles, força que é, naturalmente,
muitíssimo mais intensa do que a força gravitacional desses pequenos
corpos.
Os átomos e moléculas que permanecem separados e não formam
combinações intermináveis, mantidas eletromagneticamente, não se prendem
a mundos por interação eletromagnética — só podem ser retidos
gravitacionalmente. Os átomos e moléculas separadas que compõem uma
atmosfera gasosa são exemplo disso.
Os pequenos mundos carecem de campos gravitacionais
suficientemente intensos para reter tais gases. A Lua, portanto, com uma
gravidade superficial equivalente a somente 1/6 da terrestre, não é capaz de
reter moléculas de gás e não possui atmosfera. Além disso, não é capaz de
reter moléculas de líquidos que sejam voláteis, isto é, que se evaporem e se
transformem facilmente em gases; por esse motivo, a Lua não tem água livre
em sua superfície. Mundos ainda menores do que a Lua também careceriam
de atmosferas e líquidos voláteis.
Mercúrio, com uma gravidade superficial 2,3 vezes maior que a da Lua,
mas que vale apenas 3/8 da terrestre, não possui nem atmosfera nem
oceanos, ao passo que Marte, com uma gravidade superficial mais ou menos
semelhante à de Mercúrio, consegue ter uma atmosfera muito rarefeita —

O Colapso do Universo – Isaac Azimov 35


com uma densidade equivalente a 0,006 da nossa — juntamente com traços
de água.
Por que?
Por causa do efeito da temperatura. Quanto mais alta a
temperatura, mais rapidamente movem-se os átomos e moléculas dos gases,
mais aumenta a probabilidade de que alguns se movam com rapidez maior,
que a velocidade de escape do planeta a que pertencem, mais provável será
que a atmosfera (se existe alguma) venha a dissipar-se no espaço e menos
provável será que essa atmosfera tenha sequer chegado a formar-se. Quanto
mais baixa a temperatura, mais devagar se movem os átomos e as
moléculas, menos provável será que algum se mova com rapidez maior que a
velocidade de escape, menos provável será que a atmosfera se dissipe e
mais provável será que essa atmosfera tenha se formado.
Marte tem a mesma gravidade superficial de Mercúrio, porém se acha
quase quatro vezes mais longe do Sol que aquele planeta, e por isso é
apreciavelmente mais frio. Enquanto a superfície de Mercúrio pode alcançar
temperaturas de 350°C, a temperatura média na superfície marciana é de
apenas 20°C.
Examinemos o caso de Titã, o maior satélite de Saturno. A gravidade
superficial de Titã provavelmente não passa da metade da de Marte, mas Titã
tem uma temperatura superficial de aproximadamente -180°C, apenas 90
graus acima do zero absoluto. Por isso, possui uma atmosfera que parece ser
mais densa que a de Marte e que pode ser tão densa quanto à da Terra.
Quanto menor é a massa de um átomo ou de uma molécula, mais
depressa eles se moverão a uma dada temperatura, mais provável será que
escapem para o espaço e mais difícil será que sejam retidos como parte de
uma atmosfera.
Assim, o campo gravitacional da Terra tem intensidade suficiente para
reter átomos de argônio (com um peso atômico de 40). Pode reter também o
bióxido de carbono, uma vez que o átomo de carbono desse composto tem
um peso atômico de 12, e seus dois átomos de oxigênio têm um peso
atômico total de 32, o que conduz a um peso molecular total de 44,
Da mesma forma, o campo gravitacional da Terra tem intensidade
suficiente para reter o oxigênio (peso molecular 32) e o nitrogênio (peso
molecular 28), mas não o hélio (peso atômico 4) ou o hidrogênio (peso
molecular 2).
Se a acumulação gradual do material que forma um planeta se torna
bastante grande para criar um campo gravitacional bastante intenso e que
possa reter até o hélio e o hidrogênio, o planeta começa então a crescer
rapidamente, uma vez que o hélio e o hidrogênio são os mais comuns dentre

36 O Colapso do Universo – Isaac Azimov


os materiais formadores. O planeta, na realidade, aumenta como uma bola de
neve, uma vez que, quanto mais cresce, mais intenso se torna seu campo
gravitacional e mais eficazmente ele pode continuar a coletar mais hélio e
hidrogênio.
Isso acontece com mais facilidade longe do Sol, onde é mais frio e os
gases leves são constituídos de átomos e moléculas que se movem
relativamente devagar. O resultado é a formação dos planetas gigantes
Júpiter, Saturno, Urano e Netuno, relativamente distantes do Sol - eles
possuem densidades tão baixas por serem constituídos basicamente por
elementos leves.
Os planetas que se formam nas proximidades do Sol onde as
temperaturas são mais elevadas, não podem reter os elementos leves:
compõem-se principal ou inteiramente daqueles átomos menos comuns, que
podem se juntar pela força eletromagnética. Por isso são os planetas
menores, compostos de rochas e metais, com altas densidades, que
constituem a região interna no sistema solar.

O Colapso do Universo – Isaac Azimov 37


Matéria Comprimida
INTERIORES PLANETÁRIOS

Quando as partículas que compõem um planeta se juntam — formando


seixos, matacões, montanhas e mundos — elas se aquecem. A gravitação
produz um movimento de aceleração de fora para dentro; quanto maiores se
tornam os fragmentos e quanto mais depressa se movem, mais energia
cinética (cinética vem de uma palavra grega que significa "movimento")
possuem. Os fragmentos maiores, planetesimais, que se chocam com o
mundo em crescimento, dispõem de energia para cavar imensas crateras.
Essas crateras são eliminadas pelos impactos e pelas novas crateras cada
vez mais intensas que se seguem, até que finalmente as últimas a se
formarem permanecem indefinidamente.
Vemos as crateras que marcam as últimas colisões na Lua, em
Mercúrio, em Marte e nos dois pequenos satélites marcianos, Fobos e
Deimos. Poderíamos seguramente vê-las em Vênus, se conseguíssemos
enxergar além das nuvens, e nos satélites de Júpiter, se conseguíssemos
fotografias com detalhes suficientes.*
* Essas fotos e a comprovação dessas crateras foram obtidas com a missão do
"Voyager", em março de 1979. (N. do T.)

38 O Colapso do Universo – Isaac Azimov


Sem dúvida, também a Terra tem sua cota de crateras. Em nosso
planeta, entretanto, a água corrente e a ação dos seres vivos as erodiram, e
apenas vestígios delas podem ser vistos.
Nem toda a energia cinética do impacto acumulativo de corpos em
movimento rápido se perde. A energia não pode ser perdida; só pode ser
transformada em outras formas de energia. Nesse caso, a energia cinética é
transformada em calor e se concentra no centro do mundo que se está
formando. Isso se aplica à Terra e, indubitavelmente, a todos os mundos
suficientemente grandes para terem recebido muita energia cinética no
processo de formação. Em última análise, o calor interno é o produto da
energia do campo gravitacional, ao se concentrar cada vez mais
intensamente no processo de formação planetária.
No caso da Terra, coletaram-se provas, há muito tempo, de que o
interior é quente. Quando se cavam minas, a temperatura sobe
continuamente com a progressão do túnel. Há também indícios de calor
interno na forma de fontes termais e de vulcões (os quais, provavelmente,
deram ao homem antigo a idéia de um inferno de fogo sob a terra).
O conhecimento moderno a respeito do interior do planeta decorre da
análise das ondas sísmicas que percorrem o planeta. Pelos caminhos que
seguem, pelo tempo que levam para viajar e pela maneira como realizam ou
não mudanças bruscas de direção pode-se inferir muita coisa com relação às
propriedades do interior da Terra. Acredita-se que a temperatura aumente
continuamente em direção ao núcleo, onde a temperatura poderá chegar a
5.000°C (quase tanto quanto os 6.000°C da superfície do Sol).
O fato de o interior da Terra ser candente significa que grande parte de
sua estrutura interna estava (e ainda está) em estado líquido após formar-se
e após o planeta ter alcançado mais ou menos suas dimensões atuais. Isso
significa que se a Terra fosse constituída de espécies diferentes de matéria,
que não se misturam facilmente umas com as outras, elas se separariam, as
mais densas movendo-se para mais perto do centro e as menos densas
flutuando sobre as mais densas.
Realmente, foi isso o que aconteceu. A Terra compõe-se principalmente
de silicatos rochosos e de uma mistura metálica de ferro e níquel, numa
proporção de mais ou menos nove para um. O metal depositou-se no centro,
onde atualmente forma um núcleo de níquel-ferro; em torno desse núcleo
dispõe-se o manto de silicato. O manto é sólido, pois sua temperatura no
ponto mais quente (que é, naturalmente, o mais profundo) provavelmente não
ultrapassa 2.700°C, que não é suficiente para fundir a rocha. O núcleo, com
uma temperatura consideravelmente mais alta, é quente o suficiente para
fundir o ferro; por isso a Terra tem um núcleo líquido.

O Colapso do Universo – Isaac Azimov 39


O calor no interior da Terra formou-se originalmente nos primeiros
estágios da história do planeta — há 4,6 bilhões de anos. Talvez há 4 bilhões
de anos tenham chegado ao fim as grandes colisões dos planetesimais, e
muito pouco, no que tange a mais energia cinética, foi acrescentado à Terra.
A gravitação havia terminado sua obra de formação.
Seria de imaginar que nesses 4 bilhões de anos passados, desde então,
o calor interno houvesse escapado da Terra e todo o planeta se resfriado.
Realmente, a rocha do manto e da crosta é péssima condutora de calor, de
modo que o calor interno só poderia escapar com grande lentidão, mas 4
bilhões de anos é muito tempo.
Na verdade, porém, a Terra possui, como parte de seus constituintes,
pequenas quantidades de elementos como urânio e tório que, por meio da
força nuclear e da força fraca, lentamente se decompõem no decorrer das
eras e liberam calor. (Depois de 4,6 bilhões de anos de existência na Terra,
metade do urânio original e 4/5 do tório original ainda se acham intactos.) O
calor liberado por esses elementos radioativos não é muito grande, mas ele
se acumula com o passar dos bilhões de anos; é pelo menos tão grande
quanto a quantidade de calor interno que escapa. Aquilo que começou com a
força gravitacional é agora mantido pelas forças nuclear e fraca; por isso, o
interior da Terra não se resfriará antes que se passem ainda muitos bilhões
de anos.
Naturalmente, um planeta maior que a Terra deve ter recebido muito
mais energia cinética no processo de formação. Em primeiro lugar, uma
massa total centenas de vezes maior chocou-se contra o planeta em
crescimento. Além disso, em virtude do campo gravitacional cada vez mais
intenso, essas massas colidiram com maior velocidade. Tanto a massa como
a velocidade contribuem para a energia cinética. Por tudo isso, um planeta de
grandes dimensões teria um interior mais quente que o da Terra (e um
planeta pequeno teria um interior mais frio).
Considera-se o caso de Júpiter. Em 1974 e 1975 duas sondas, a
Pioneer 10 e a Pioneer 11, passaram bastante perto do planeta (a 100.000
km de sua superfície) e, pelos dados recebidos, os cientistas puderam
estimar as temperaturas interiores do grande, planeta.
Da camada externa de nuvens até o centro de Júpiter vai uma distância
de 71.400 km. Quando se alcança uma profundidade de 2.900 km abaixo da
superfície das nuvens (apenas 4% da distância até o centro), a temperatura já
atinge cerca de 10.000°C, o dobro da que existe no centro da Terra.
A 24.000 km abaixo da superfície das nuvens, um terço da distância até
o centro de Júpiter, a temperatura já é de 20.000°C. No centro, a
temperatura atinge um nível impressionante — 54.000°C, nove vezes a da
superfície do Sol.

40 O Colapso do Universo – Isaac Azimov


Entretanto, a interação gravitacional não produz apenas altas
temperaturas nos interiores dos planetas. Produz também elevadas pressões.
Sob a ação do campo gravitacional, as camadas mais externas de um planeta
são atraídas para o centro e comprimem as camadas inferiores, que são
também puxadas para o centro e comprimem as camadas abaixo delas. Essa
série de compressões se faz desde a superfície até o centro, cada camada
transmitindo a compressão de tudo mais que está sobre ela e acrescentando
a sua própria, de modo que a pressão cresce continuamente à medida que se
penetra num planeta.
A pressão é freqüentemente medida como um certo peso distribuído
sobre uma certa área — por exemplo, o número de gramas que recai sobre
um centímetro quadrado, Tomemos como exemplo nossa atmosfera. Ela é
atraída contra a superfície da Terra, pela gravitação, com intensidade
suficiente para comprimir aquela superfície com considerável pressão.
Cada centímetro quadrado da superfície da Terra recebe a compressão
(ou o peso, como se diz freqüentemente) de 1.033,2 gramas de ar. Podemos
dizer, então, que a pressão do ar (pressão atmosférica) ao nível do mar é de
1.033,2 g/cm2, o que chamamos de l atmosfera. Essa pressão também é
exercida sobre nossos corpos, mas em todas as direções, tanto de fora para
dentro como de dentro para fora, de modo que é cancelada e não tomamos
conhecimento dela.
A pressão da água nas profundidades oceânicas é muito maior que a
atmosférica, uma vez que a água é muito mais densa que o ar e existe uma
grande massa líquida a ser puxada para baixo. Na parte mais profunda do
oceano a pressão da água é pouco superior a 1.000.000 g/cm 2, ou cerca de
1.000 atmosferas. As criaturas vivas expostas a tais pressões, tanto de fora
para dentro como de dentro para fora, vivem perfeitamente à vontade nessas
condições. (Contudo, se uma criatura das fossas abissais é trazida à
superfície, a pressão interna diminui apenas ligeiramente, ao passo que a
externa reduz-se enorme-mente. As células do animal rebentam e ele morre.
Nós próprios morreríamos, por motivos inversos, se as pressões sobre nós
fossem grandemente aumentadas.)
Se considerarmos o interior da Terra, as pressões tornam-se ainda mais
elevadas, pois a rocha e o metal são mais densos do que a água e as
profundidades são maiores (as colunas de rocha e metal que comprimem as
camadas inferiores são mais longas que as colunas de água comprimindo o
leito do oceano),
Assim, a uma profundidade de 2.200 km, um terço da distância da
superfície ao centro da Terra, a pressão já é de 1.000.000 atmosferas

O Colapso do Universo – Isaac Azimov 41


— mil vezes maior que a da parte mais profunda do oceano. A uma
profundidade de 4.000 km, a pressão é de 2,500.000 atmosferas, e no centro
da Terra é possível que atinja 3.700.000 atmosferas. Essa pressão titânica
força o núcleo líquido a se endurecer e a tornar-se sólido no próprio centro,
apesar de sua enorme temperatura, de modo que no interior do núcleo líquido
de níquel-ferro há um pequeno núcleo sólido de níquel-ferro.
Júpiter, naturalmente, também nesse caso apresenta condições mais
extremas. Sua região central tem sobre si colunas de material onze vezes
maiores do que o núcleo da Terra (embora o material de Júpiter seja menos
denso que o da Terra) e suporta uma pressão de até 10.000.000 atmosferas.

RESISTÊNCIA À COMPRESSÃO

O que possibilita ao material no interior dos planetas resistir a tamanhas


pressões?
Para respondermos a essa pergunta, consideremos uma mesa sobre
cuja superfície colocamos um objeto, como um livro. A gravitação da Terra
atua no sentido de puxar o livro para baixo. Se esse objeto pudesse mover-se
livremente cairia, em resposta à gravitação da Terra, e continuaria a cair até o
centro do planeta, se nada lhe obstasse o caminho.
Mas há uma coisa que o impede de cair: a mesa. Na verdade, a mesa
também é puxada para baixo, mas é impedida de cair pelo chão onde
repousa, o qual, por sua vez, é impedido de cair pelo piso do edifício, que é
impedido de cair pelos alicerces, que são impedidos...
Se nos concentrarmos apenas no livro e na mesa, por que razão o livro,
em reação à atração da Terra, não cai simplesmente através da mesa?
Isso não pode acontecer. O livro é constituído de átomos, como também
a mesa. As partes exteriores de todos os átomos, tanto do livro como da
mesa, são compostas de elétrons. Isso significa que há uma superfície de
elétrons, por assim dizer, no livro e na mesa.
As duas superfícies de elétrons se repelem, e a força eletromagnética é
tão mais forte que a gravitação que nem toda a enorme atração da Terra é
capaz de fazer o livro atravessar a mesa, vencendo a resistência daqueles
elétrons em repulsão. Em outras palavras, a força gravitacional é neutralizada
pela força eletromagnética, alcançando-se um equilíbrio em que o livro
repousa tranqüilamente sobre a mesa, nem a atravessando, em resposta à
atração gravitacional, nem se erguendo sobre ela, em resposta à repulsão
eletromagnética.

42 O Colapso do Universo – Isaac Azimov


Contudo, se o peso dos objetos sobre a mesa se tornar suficientemente
grande, se um número suficiente de livros de grande massa for empilhado
sobre ela, a mesa se quebrará em algum ponto débil; os átomos que a
compõem se soltarão uns dos outros num ponto em que o cimento
eletromagnético for mais fraco.
Se o peso for exercido sobre um outro tipo de objeto — um bloco de
cera, por exemplo — as moléculas da cera, sob a pressão do peso,
deslizarão, umas sobre as outras, muito lentamente. O bloco se deformará e
o peso afundará na cera — não entrando na substância, mas passando pela
superfície original, porque a cera fluirá para os lados a fim de abrir caminho.
(Depois, possivelmente há de refluir sobre o peso.)
Ambos os efeitos são produzidos na Terra, sob o peso de suas próprias
camadas superiores. Há fendas, por exemplo, que representam pontos fracos
na crosta da Terra. Na verdade, a crosta terrestre se compõe de várias
grandes lâminas que eternamente se separam, se juntam e se deslocam
umas sobre as outras. Um movimento súbito do material de um lado de uma
fenda equivale a um rompimento repentino sob tensão, e disso resulta um
terremoto. A alguma distância sob a superfície, onde o calor torna a rocha
mais sujeita a deformar-se lentamente, como a cera, a rocha aquecida, ou
magma, pode esguichar através de pontos fracos nas camadas mais duras
acima dela e produzir uma erupção vulcânica.
À medida que cresce a profundidade no interior da Terra, porém, há
menos chances de fendas e rompimentos, e a deformação se torna mais
lenta. Alguma outra coisa deve acontecer a materiais a grandes
profundidades e sob grande pressão. Essa alguma coisa é a compressão,
No laboratório, os cientistas estão familiarizados com os efeitos do
aumento da pressão nos gases. Os gases compõem-se de moléculas que se
movem a alta velocidade, separadas de outras moléculas por distâncias
grandes, em comparação com seu próprio tamanho. Quando os gases são
comprimidos, as moléculas se agrupam mais e parte do espaço vazio é, por
assim dizer, eliminado pelo aperto. Então, os gases são facilmente
comprimidos, pela pressão, a volumes menores. Podem ser comprimidos a
um volume igual a um milésimo do original ou menos, antes que todo o
espaço vazio seja eliminado e as moléculas entrem em contato.
Nos líquidos e sólidos, contudo, os átomos e moléculas já se acham em
contato e, por isso, não podem ser comprimidos como os gases, eliminando-
se os espaços vazios. É por isso que quando os líquidos ou sólidos são
submetidos à espécie de pressão suficiente para comprimir os gases nada
parece lhes acontecer. Assim, diz-se que os líquidos e sólidos são
"incompressíveis".

O Colapso do Universo – Isaac Azimov 43


Essa afirmação é suficientemente, verdadeira, em condições normais,
para possibilitar as prensas hidráulicas funcionarem e as vigas de aço
sustentarem arranha-céus. No entanto, não é inteiramente verdadeira.
Quando se exerce pressão sobre líquidos e sólidos os próprios átomos
são comprimidos; os elétrons são empurrados para dentro, em direção ao
núcleo. Isso é feito até mesmo sob a mais ligeira das pressões — a do livro
sobre a mesa, por exemplo. Os elétrons mais exteriores são empurrados para
dentro, ao longo do plano de contato; o grau em que os elétrons são
empurrados para dentro, sob a espécie de pressão que encontramos na vida
diária, é tão microscopicamente pequeno, porém, que não pode ser
mensurado.
Ao serem os átomos comprimidos e os elétrons empurrados para mais
perto do núcleo, aumenta a intensidade da repulsão entre os elétrons dos
átomos adjacentes (que também são empurrados para mais perto uns dos
outros, pela pressão). É mais ou menos como comprimir uma mola que
oferece cada vez maior resistência à compressão. Em ambos os casos
alcança-se um novo equilíbrio. Uma pressão de fora comprime o átomo ou a
mola até que a reação de dentro aumente a um ponto em que há equilíbrio
com a pressão exterior.
Ainda que uma compressão incomensurável baste para a pressão
comum, havendo pressão suficiente a compressão dos átomos se torna
mensurável e os elétrons são empurrados para dentro perceptivelmente. Isso
significa que os átomos de substâncias sob pressão ocupam menos espaço,
o que quer dizer que passa a haver mais massa num volume dado — uma
outra maneira de dizer que a densidade aumenta.
Seria de esperar, portanto, que no interior da Terra as densidades das
substâncias que o compõem aumentassem e fossem maiores do que se tais
substâncias estivessem na superfície, submetidas apenas à pressão da
atmosfera.
A densidade da substância da Terra realmente aumenta com a
profundidade e com a pressão sobre ela. Assim que Cavendish calculou a
massa da Terra, tornou-se óbvio que nosso planeta não poderia ter a mesma
densidade uniformemente — era forçoso que ele fosse consideravelmente
mais denso em suas profundezas do que na superfície.
O oceano tem uma densidade de 1 g/cm3 e as rochas da crosta externa,
ainda que difiram em densidade, têm uma densidade média de
aproximadamente 2,8 g/cm3. No entanto, a densidade média da Terra, como
um todo, é de 5,52 g/cm3.
Como as camadas externas da Terra têm densidade inferior a 5,52
g/cm3, as internas têm de ter densidade superior. Realmente, o centro da
Terra consiste em níquel e ferro fundidos, que de fato são mais densos que

44 O Colapso do Universo – Isaac Azimov


as rochas exteriores. A densidade do ferro, o principal componente do núcleo
terrestre, é de 7,86 g/cm3 aqui na superfície. Isso, contudo, não basta para
explicar a densidade média da Terra. O que a explica é o aumento de
densidade através da ação da pressão e da compressão.
O manto da Terra estende-se desde as proximidades da superfície até
uma profundidade de 2.900 km, cerca de 4/9 da distância até o centro. Em
toda sua extensão, a composição química do manto não se altera
significativamente, e uma amostra de sua substância na superfície teria uma
densidade um pouco acima de 3 g/cm3. Contudo, sua densidade cresce
continuamente com a profundidade e, no fundo do manto, chega perto de 6
g/cm3. A densidade média do manto é de 4,5 g/cm3.
A uma profundidade de 2.900 km passa-se do manto rochoso para o
núcleo líquido de níquel-ferro e há um aumento súbito de densidade, já que o
ferro é mais denso que a rocha. Entretanto, embora o ferro tenha uma
densidade de 7,86 g/cm3 na superfície, sob a pressão do manto de 2.900 km
de espessura a densidade do ferro, em sua parte inferior, é de
aproximadamente 9,5 g/cm3. A densidade aumenta ainda mais ao
penetrarmos no núcleo, e no centro da Terra ela é de mais ou menos 12
g/cm3. A densidade média do núcleo é de 10,7 g/cm3. Contudo, até mesmo a
densidade máxima do núcleo ainda é de aproximadamente metade da
densidade do ósmio na superfície da Terra. Se o núcleo da Terra fosse feito
de ósmio, a pressão levaria sua densidade a cerca de 30 g/cm3.
(Observei anteriormente que se a Terra tivesse uma densidade
uniforme, a atração gravitacional diminuiria progressivamente, ao
penetrarmos sob a superfície, chegando a zero no centro. Mas devido à
desigualdade de densidade no interior da Terra as coisas não se passam
exatamente assim. Uma parte tão grande da massa terrestre se concentra em
seu relativamente pequeno núcleo líquido — e esse núcleo contém 31,5% da
massa da Terra em 16,2% de seu volume — que a atração gravitacional, na
verdade, aumenta ligeiramente ao penetrarmos na Terra. Na verdade, no
momento em que nos encontrássemos, por hipótese, no limite entre o manto
e o núcleo, a atração gravitacional sobre nós seria 1,06 vezes maior do que
na superfície. Contudo, ao penetrarmos no núcleo, a atração gravitacional
finalmente começaria a diminuir, atingindo zero no centro.)
No centro da Terra os átomos têm apenas cerca de 85% do diâmetro
que têm na superfície. Os elétrons foram comprimidos em cerca de 15% em
direção ao núcleo central, e isso basta para criar uma pressão de dentro para
fora suficiente para equilibrar os piores efeitos que a atração gravitacional da
Terra, exercendo pressão para dentro, poderia causar. Isso é outra indicação
do grau em que a força eletromagnética é mais intensa do que a
gravitacional.

O Colapso do Universo – Isaac Azimov 45


ESTRELAS

Vemos, portanto, que todos os objetos, pelo menos até o tamanho de


Júpiter, são estáveis graças à força eletromagnética.
Para começar, as moléculas individuais de gás, as pequenas partículas
de pó e as partículas sólidas maiores que alcançam as dimensões de seixos,
pedras e montanhas, tudo isso é mantido coeso apenas pela força
eletromagnética. A força gravitacional desses corpos pequenos é desprezível.
Quando começamos a lidar com objetos do tamanho de grandes
asteróides, os campos gravitacionais criados por esses objetos começam a
puxar para dentro, com força considerável, a matéria que os compõem. Por
conseguinte, as regiões interiores são submetidas a uma compressão
gravitacional mensurável, e isso se torna mais verdadeiro à medida que os
objetos em consideração aumentam de tamanho: Lua — Terra — Saturno —
Júpiter. Em todos os casos os átomos do objeto são comprimidos até que o
nível de compressão produz uma contrapressão.
O equilíbrio assim estabelecido é essencialmente permanente.
Imaginemos um corpo, como a Terra ou Júpiter, sozinho no universo. A
força gravitacional e a eletromagnética em tal mundo permaneceriam num
impasse perpétuo, e a estrutura material do próprio corpo permaneceria, até
onde sabemos, para sempre em seu estado geral existente. Poderiam ocorrer
agitações sísmicas de pequena monta quando a substância do planeta
realizasse pequenos ajustes em sua posição. O planeta poderia resfriar-se
lentamente até não ter mais nenhum calor, no centro ou na superfície, e seus
oceanos e atmosfera poderiam congelar-se, mas essas mudanças são
consideradas, do ponto de vista astronômico, triviais.
Entretanto, o equilíbrio não é entre fenômenos iguais. Embora a força
eletromagnética seja inimaginavelmente mais intensa que a gravitacional,
esta última é a mais importante.
A força eletromagnética, embora colossal e intensa, só atua através do
átomo individual. Cada um dos átomos está comprimido e não pode pedir
qualquer ajuda, por assim dizer, a seus vizinhos, que se acham igualmente
comprimidos. Por conseguinte, quando a resistência máxima à compressão é
oferecida por um átomo, ela é oferecida por todos os átomos submetidos à
mesma pressão. Se a pressão aumenta ainda mais, cada um dos átomos e
todos eles juntos são encurralados.
A força gravitacional, no entanto, por mais inacreditavelmente fraca que
seja, acumula-se indefinidamente, à medida que mais e mais matéria se
agrupa num só lugar e enquanto cada pedaço de matéria acrescenta seu
próprio campo gravitacional ao total. Embora a resistência à compressão só

46 O Colapso do Universo – Isaac Azimov


possa alcançar um determinado limite, as forças que produzem a compressão
podem aumentar ilimitadamente.
A força eletromagnética resiste à compressão e suporta (com gemidos,
podemos imaginar) as pressões das camadas da Terra, ao serem estas
puxadas para o centro pelo campo gravitacional da Terra. Ela suporta (com
gemidos ainda mais agonizantes, em nossa fantasia) as pressões muito
maiores das camadas de Júpiter, atraídas para dentro pelo campo
gravitacional daquele planeta, muito maior.
Bem, nesse caso, o que acontece se juntarmos matéria suficiente para
formar um corpo ainda maior do que Júpiter? Não poderá chegar um ponto
em que, tornando-se o campo gravitacional cada vez mais intenso e as
pressões no centro ainda maiores, os átomos encarregados de suportar tudo
isso finalmente desmoronem — como uma mesa que se quebra sob um peso
grande demais colocado sobre ela?
Mas poderemos honestamente dizer que são possíveis acumulações de
matéria maiores do que Júpiter? Pode ocorrer que, por algum motivo, Júpiter
tenha o maior tamanho possível para um objeto.
É claro que isso não é verdade. Júpiter pode ser, de longe, o maior
planeta que já observamos, mas temos, perto de nós, mais perto do que
Júpiter, um objeto ainda maior — o Sol.
No que toca a dimensões, o Sol está para Júpiter assim como Júpiter
está para a Terra. O Sol tem um diâmetro de 1.391.400 km, ou seja, 9,74
vezes maior que o de Júpiter. Seriam necessários quase dez planetas de
tamanho de Júpiter, lado a lado, para ocupar a largura do Sol. Por outro lado,
seriam necessários onze planetas como a Terra, lado a lado, para ocupar a
largura de Júpiter.
E enquanto Júpiter tem uma massa 317,9 vezes maior que a da Terra, a
massa do Sol é 1,049 vezes maior do que a de Júpiter.
Outra indicação do tamanho enorme do Sol, em comparação com
qualquer um dos planetas, mesmo Júpiter, está na questão da gravidade
superficial. Na superfície visível do Sol a atração de seu campo gravitacional
é apenas 28 vezes maior que a da Terra, ou 10,6 vezes a de Júpiter.
A velocidade de escape da superfície do Sol é de 617 km/seg — 55
vezes a da Terra e 10,2 vezes a de Júpiter. Na verdade, mesmo a uma
distância de 149,5 milhões de quilômetros do centro do Sol a velocidade de
escape é ainda de 40,6 km/seg.
Como 149,5 milhões de quilômetros é a distância do Sol à Terra, segue-
se que a velocidade de escape do Sol, a partir de uma posição na Terra, é
consideravelmente maior que a velocidade de escape da própria Terra. Isso
significa que quando um satélite é enviado à Lua, Marte ou Vênus, a uma

O Colapso do Universo – Isaac Azimov 47


velocidade suficiente para libertá-lo da atração gravitacional da Terra, ele não
é necessariamente libertado da atração do Sol. Tal satélite poderá não
circundar a Terra, mas permanece em órbita em torno do Sol.
Até hoje, apenas dois objetos feitos pelo homem atingiram velocidades
bastante grandes para libertá-los não só da Terra como também do Sol: as
sondas jupiterianas Pioneer 10 e a Pioneer 11. Isso foi conseguido fazendo-
se as sondas roçarem na atmosfera de Júpiter e deixando que o campo
gravitacional desse planeta lhes desse a aceleração necessária (sendo a
velocidade de escape do Sol, em todo caso, menor à distância de Júpiter do
que à nossa própria distância).
Há diferenças mais importantes entre o Sol e Júpiter. Júpiter é muito
maior que a Terra, mas ainda assim é um planeta. Tanto Júpiter como a Terra
são, pelo menos na superfície, frios, e não seriam visíveis não fosse o fato de
refletirem a luz do Sol.
O Sol, contudo, é uma estrela. Ele brilha com luz própria, fulgente e
candente.
Será por coincidência que o Sol tem uma massa muito maior do que
qualquer planeta que conheçamos, e que também emita luz própria? Ou
essas coisas estão relacionadas entre si?
Poderíamos argumentar que o tamanho e a luz têm relação mútua, e da
seguinte forma:
Ao se formar, um mundo converte a energia cinética da queda de seus
componentes em calor, como vimos anteriormente. Quanto maior o mundo,
mais elevado será o calor interno. A Terra é incandescente em seu centro, e
Júpiter é ainda muito mais quente.
O Sol, portanto, sendo muito maior do que Júpiter, seria também muito
mais quente em seu centro — suficientemente quente, talvez, para que a
região externa não servisse mais como isolamento suficiente para manter a
superfície fria. Poderíamos argumentar que o calor interno de um objeto do
tamanho do Sol seria suficiente para fluir de dentro para fora o bastante para
manter a superfície solar à temperatura de 6.000°C.
O problema com essa concepção do Sol e de sua estrutura é que se
pode facilmente demonstrar sua impossibilidade.
O Sol, afinal de contas, está emitindo energia em quantidade enorme, e
evidentemente vem fazendo isto sempre. Parece que o faz há muitos milhões
de anos, a se julgar pelos sinais de vida na Terra. No entanto, se toda a
energia possuída pelo Sol fosse a que ele ganhou através da energia cinética
de sua formação ele simplesmente não teria à sua disposição, nesse caso,
energia suficiente para ser o Sol que conhecemos.

48 O Colapso do Universo – Isaac Azimov


Em 1853 o físico alemão Hermann Ludwig Ferdinand Von Helm-holtz
(1821-1894) tentou calcular qual seria a energia cinética necessária para
abastecer a radiação do Sol. Concluiu que seria preciso que o Sol tivesse se
contraído de uma massa de matéria com 300 milhões de quilômetros de
diâmetro até seu tamanho atual, e isso num período de aproximadamente 25
milhões de anos, para produzir toda a energia que despendeu nesse tempo.
Com um diâmetro de 300 milhões de quilômetros, no entanto, o Sol teria
preenchido toda a órbita da Terra, que nesse caso teria uma idade máxima
de 25 milhões de anos. Mas isso era impossível. Geólogos e biólogos tinham
absoluta certeza de que a Terra era muito mais antiga.
Isso significava que o Sol estava, na verdade, ganhando energia de
alguma outra fonte que não sua própria contração, que essa energia estava
se radiando sob a forma de luz e calor e que poderia ter radiado durante toda
a história da Terra, sem em nada se resfriar. Durante todo o século XIX, no
entanto, não se conseguiu imaginar nenhuma fonte da qual o Sol estivesse
recebendo energia, sem se introduzir na explicação dificuldades
intransponíveis.
A resposta começou a ser dada no fim do século, quando se veio a
conhecer a estrutura do átomo. Descobriu-se o núcleo atômico, e tornou-se
claro que existe, dentro do núcleo, energia muitíssimo maior que aquela
existente nos elétrons, dos quais se derivam as formas mais comuns de
energia.
Por conseguinte, o Sol não é de maneira alguma uma bola de fogo
comum. É uma bola de fogo nuclear, por assim dizer. Em algum ponto, em
seu centro, as energias possibilitadas pela força nuclear, mil vezes mais
intensas do que a força eletromagnética, estão sendo aproveitadas de
alguma forma.
MATÉRIA DEGENERADA
A densidade média do Sol é de 1,41 g/cm 3, apenas um pouco superior à
de Júpiter. Trata-se de uma densidade associada aos líquidos e sólidos
compostos das variedades mais leves de átomos. Decididamente, não é uma
densidade associada a gases. Até mesmo o gás mais denso da Terra tem
uma densidade apenas um pouco maior que 1/100 da do Sol.
Além disso, o valor 1,41 g/cm3 representa apenas a densidade média do
Sol. Bem no interior do Sol sua substância, submetida às pressões colossais
das camadas superiores atraídas para baixo pela enorme gravitação do Sol,
deve estar comprimida a uma densidade consideravelmente maior do que a
média.
A rigor, as camadas mais externas do Sol são claramente gasosas, uma
vez que podemos ver pelo telescópio, por exemplo, grandes jorros de gás

O Colapso do Universo – Isaac Azimov 49


incandescente que saltam da superfície. Além disso, a temperatura superficial
do Sol é de 6.000°C, e não conhecemos nenhuma substância capaz de
permanecer líquida ou sólida a essa temperatura, em condições normais de
pressão.
O interior do Sol deve ser consideravelmente mais quente que sua
superfície, porém as pressões serão decerto enormes. Mesmo ainda em fins
do século XIX parecia natural supor que, sob essas pressões, a substância
solar fosse comprimida até se transformar em sólidos ou líquidos
incandescentes, e que isso explicasse a alta densidade do Sol. (Sabe-se hoje
que essa explicação é válida para Júpiter.)
Contudo, um exame atento das propriedades do Sol, no primeiro quartel
do século XX, deixou claro que ele se comporta como se fosse inteiramente
gasoso, até mesmo no centro. Isto teria parecido inteiramente impossível
para os cientistas da década de 1890, mas uma geração depois o fato
parecia bastante natural, pois já então o homem passara a conhecer o interior
do átomo. Sabia-se então que o pequenino átomo é uma estrutura frouxa, de
partículas ainda mais minúsculas. É a seguinte a explicação que veio a ser
dada:
Os átomos são comprimidos no centro da Terra e a força de expansão
desses átomos comprimidos é bastante grande para suportar toda a
substância das camadas externas do planeta, como se fossem pequenos
Atlas a sustentar o mundo nas costas. Os átomos são ainda mais
comprimidos no centro de Júpiter, e por isso são capazes de suportar a
massa muitíssimo maior desse planeta gigante.
Contudo, até mesmo os pequeninos Atlas têm seu ponto de ruptura. A
massa do Sol, mil vezes maior que a de Júpiter, sob a atração de uma
gravitação colossal alcança e ultrapassa os limites da resistência de átomos
intactos. A pressão no centro do Sol é igual a 100 bilhões de atmosferas, ou
seja, 10.000 vezes a de Júpiter.
A contínua acumulação de matéria aumenta a intensidade gravitacional
até o ponto em que ela supera a força eletromagnética que mantém os
átomos intactos, e esses átomos, por assim dizer, "implodem".
Os envoltórios de elétrons são esmagados sob pressão e os elétrons
passam a se mover sem a restrição dos envoltórios. Juntam-se de modo a
formar uma espécie de fluido eletrônico desestruturado, ocupando muito
menos espaço do que ocupariam como parte de envoltórios de átomos
intactos. Ao se aglutinarem, a repulsão eletromagnética entre eles aumenta
ainda mais; o fluido eletrônico pode resistir mais que os átomos intactos a
uma compressão gravitacional muito maior. Dentro do fluido eletrônico os
núcleos podem mover-se livremente e aproximar-se uns dos outros muito
mais, ao acaso. Podem até mesmo colidir.

50 O Colapso do Universo – Isaac Azimov


Nos átomos comuns, como os que existem na Terra e até no centro de
Júpiter, os envoltórios de elétrons atuam como "pára-choques". Os
envoltórios de elétrons de um átomo não podem ser muito interpenetrados
pelos de outro; e uma vez que os núcleos têm de permanecer no centro
desses envoltórios, eles são mantidos relativamente afastados. Quando os
envoltórios de elétrons são esmagados e os elétrons se comprimem no fluido
eletrônico mais compacto, a separação média dos núcleos diminui
consideravelmente.
A matéria em que os envoltórios de elétrons se rompem e em que os
núcleos circulam num fluido eletrônico é chamada de matéria degenerada.
Ela pode ser muito mais densa do que a matéria ordinária. Os núcleos
constituem a porção da matéria que realmente apresenta massa, e são eles
os verdadeiros responsáveis pela massa de qualquer objeto. Se forem
forçados a se juntar na matéria degenerada mais do que na matéria comum,
passa a haver muito mais massa por volume e, por conseguinte, uma
densidade muito mais elevada.
Apesar dessa alta densidade, porém, os núcleos, ocupando apenas um
milionésimo de bilionésimo do volume dos átomos intactos, ainda podem se
mover livremente, tal como os átomos e as moléculas de gases comuns.
Portanto, apesar de sua elevada densidade, a matéria degenerada age como
um gás e apresenta propriedades características de um gás — um "gás
nuclear", poderíamos dizer.
A primeira análise desse conceito do Sol como um corpo gasoso
apareceu em 1907, num livro do astrônomo suíço Jacob Robert Emden
(1862-1940). A idéia ganhou corpo e substância em 1916, com o trabalho do
astrônomo inglês Arthur Stanley Eddington (1882-1944).
Eddington raciocinou que se o Sol fosse composto como uma bola de
gás, com átomos ordinários nas camadas exteriores e átomos esmagados
nas camadas interiores, deveria comportar-se como qualquer outro gás.
Quando se estudam os gases em laboratório, há sempre um equilíbrio entre
qualquer força que tenda a comprimir o gás e a temperatura do gás, que
tende a expandi-lo.
No Sol, portanto, a atração gravitacional deveria ser também
neutralizada pela temperatura interna. As dimensões do campo gravitacional
do Sol e de seu efeito compressivo eram conhecidas. Eddington dispôs-se,
então, a calcular quais seriam as temperaturas que o Sol deveria ter a fim de
produzir um efeito expansivo que neutralizasse o efeito compressivo.
Os resultados foram espantosos. As enormes compressões produzidas
pela gravitação solar resultam numa densidade do material, no centro do Sol,
que deve orçar em 100 g/cm3, quatro vezes maior que a do mais denso
material na superfície da Terra. No entanto, mesmo com um núcleo tão

O Colapso do Universo – Isaac Azimov 51


denso, o Sol se comporta como se fosse inteiramente gasoso. A temperatura
do centro do Sol é de 15.000.000°C. É necessária uma temperatura dessa
ordem para manter o Sol suficientemente expandido para produzir uma
densidade geral de apenas 1,41 g/cm3, em face de sua gravitação. (O
espantoso com relação a essa densidade, pelo que se vê, não é que seja tão
grande, mas que seja tão pequena.)
E o que produz uma temperatura tão fantástica no centro do Sol? Na
época de Rutherford era evidente que só a energia nuclear poderia causá-la.
As reações nucleares, nas quais os núcleos absorvem, cedem e transferem
hadríons, produzem muito mais energia do que as reações químicas, com as
quais estamos familiarizados, e nas quais os átomos absorvem, _cedem e
transferem elétrons. As primeiras envolvem a força nuclear, que é muito mais
intensa do que a força eletromagnética envolvida nas segundas.
A pergunta seguinte, pois, era: quais as reações nucleares que estão
envolvidas na alimentação energética do Sol? Para se responder a essa
pergunta era preciso conhecer alguma coisa a respeito da constituição
química do Sol, para que se pudesse partir de uma idéia razoável quanto aos
núcleos que existem no centro e, portanto, quais as reações nucleares
possíveis.
Felizmente, a composição química do Sol pode ser deduzida de uma
análise de sua luz. A luz compõe-se de pequenas ondas, e a luz solar
consiste de uma mistura de luz de todos os comprimentos de onda possíveis.
Átomos diferentes produzem luz com determinados comprimentos de
onda, que são característica exclusiva deles e, ocasionalmente, absorvem luz
com exatamente esses comprimentos de onda. A luz solar pode ser
decomposta, por um instrumento chamado espectroscópio, num espectro em
que todos os comprimentos de onda estão dispostos em ordem.* No espectro
existem milhares de raias escuras que representam os comprimentos de
onda que foram absorvidos pelos átomos nas camadas mais externas do Sol.
As posições de tais raias no espectro podem ser determinadas com precisão,
e de acordo com essas posições identificam-se as várias espécies de átomos
responsáveis pela absorção.

* Percebemos os diferentes comprimentos de onda da luz como diferenças de


cor, e o exemplo mais espetacular de espectro que ocorre na natureza é o arco-íris.
Já em 1862 o físico suíço Anders Jonas Angstrom (1814-1874) havia
detectado a presença de hidrogênio no Sol. O conhecimento da composição
do Sol aumentou continuamente e, em 1929, o astrônomo americano Henry
Norris Russell (1877-1957) foi capaz de determinar a composição do Sol em
detalhes apreciáveis.
Constatou-se que cerca de 90% de todos os átomos do Sol são de
hidrogênio e, portanto, parece plausível supor que os núcleos no centro

52 O Colapso do Universo – Isaac Azimov


sejam predominantemente núcleos de hidrogênio, formados por um único
próton. Por conseguinte, as reações nucleares necessárias para suprir as
vastas reservas de energia irradiadas constantemente pelo Sol teriam, com
quase toda a certeza, de envolver os núcleos de hidrogênio. Simplesmente
não existe qualquer outra espécie de núcleos suficiente para explicar toda a
energia que o Sol vem irradiando em seus 5 bilhões de anos de existência.
Em 1938 o físico germano-americano Hans Albrecht Bether (1906-)
empregou o conhecimento relacionado às reações nucleares em laboratório a
fim de determinar o que poderia estar acontecendo no Sol.
Nas condições de elevadas pressões e densidades do centro do Sol, os
núcleos de hidrogênio — prótons — estão muito agrupados e desprotegidos
por envoltórios intactos de elétrons. Sob a enorme temperatura do centro do
Sol, eles se movem com uma velocidade muito maior do que seria possível
na Terra. Essa combinação de proximidade e velocidade significa que os
prótons chocam-se freqüentemente e com força imensa. Ocasionalmente
permanecem juntos, fundindo-se num núcleo atômico maior.
Os detalhes sobre o que acontece podem ser controversos em aspectos
secundários, mas os resultados gerais parecem claros. No centro do Sol os
núcleos de hidrogênio se fundem para formar núcleos de hélio, que ocupam o
segundo lugar na escala de complexidade. Quatro prótons se combinam para
formar um núcleo de hélio, composto de quatro núcleons — dois prótons e
dois nêutrons.
Temos aqui, pois, uma diferença fundamental entre um planeta e o Sol.
Em um planeta o arrasto da gravitação, de fora para dentro, resulta na
compressão dos átomos, o que produz um empuxo da força eletromagnética
de dentro para fora.
No Sol, o arrasto muito maior da gravitação não pode mais ser
neutralizado pela resistência dos átomos à compressão e os átomos se
despedaçam, por assim dizer, sob a pressão. Ao invés disso, a gravitação é
contrabalançada pelo empuxo expansivo do calor produzido por reações
nucleares que não são possíveis nas temperaturas e pressões mais baixas
do interior dos planetas.
Sem dúvida, há alguma massa crítica abaixo da qual a compressão dos
átomos é suficiente, e o corpo é um planeta; e acima da qual os átomos se
despedaçam, entra em ignição uma reação nuclear e o corpo é uma estrela.
Essa massa crítica deve encontrar-se em algum ponto da variação de massa
entre a de Júpiter e a do Sol.
Conhecem-se estrelas que têm massa muito menor que a do Sol. Uma
estrela relacionada em catálogos, como a Luyten 726-8B tem, por estimativa,
1/25 da massa do Sol; no entanto, podemos vê-la fracamente pela luz débil

O Colapso do Universo – Isaac Azimov 53


que emite. Luyten 726-8B tem uma massa apenas 40 vezes maior que a de
Júpiter, mas é uma estrela e não um planeta.
Na verdade, o próprio Júpiter é suspeito, pois emite para o espaço cerca
de três vezes mais energia do que recebe do Sol. De onde virá essa energia
extra?
É possível que Júpiter ainda esteja se contraindo ligeiramente, e que a
energia cinética daquela contração seja transformada em calor, É ainda
possível que os átomos no centro de Júpiter estejam submetidos a uma
temperatura e a uma pressão que os estejam levando à beira do ponto de
ruptura, que um pouco de fusão de hidrogênio esteja ocorrendo — apenas o
suficiente para explicar aquela pequena emissão extra de calor do planeta.
Se isso estiver acontecendo, Júpiter está à beira da ignição nuclear. Não
há perigo de ignição real, naturalmente; Júpiter não é bastante grande e
permanecerá para sempre à beira da ignição, apenas.

54 O Colapso do Universo – Isaac Azimov


Anãs Brancas
GIGANTES VERMELHAS E COMPANHEIRAS ESCURAS

Há uma diferença entre planetas e estrelas que, no fim das contas, é


mais importante que o simples fato de os planetas terem menos massa do
que as estrelas ou de os planetas serem frios e opacos, ao passo que as
estrelas são quentes e brilhantes.
Os planetas se encontram num estado de estabilidade essencialmente
estática. O equilíbrio entre a gravitação, que puxa para dentro, e o campo
eletromagnético de átomos comprimidos, que empurra para fora, constitui um
impasse eterno. Até onde nos é dado saber, trata-se de um equilíbrio capaz
de se manter para sempre, na ausência de interferência externa. Se estivesse
sozinha no universo, a Terra poderia ser gelada e sem vida, mas sua
estrutura física persistiria, talvez para sempre.
As estrelas, contudo, acham-se num estado de estabilidade dinâmica,
pois mantêm sua estrutura à custa de alguma coisa interna que está
constantemente mudando. A gravitação que puxa para dentro é, na verdade,
essencialmente imutável, mas o empuxo da temperatura no centro do Sol,
que equilibra aquele arrasto, depende de reações nucleares que consomem
hidrogênio e produzem hélio. O Sol só continua a ser o que é porque converte
continuamente 600.000.000.000 quilos de hidrogênio em 595.800.000.000 de
quilos de hélio a cada segundo.*

O Colapso do Universo – Isaac Azimov 55


Por felicidade, há no Sol uma quantidade tão grande de hidrogênio que
até mesmo a essa taxa de conversão não precisamos temer que algo de
drástico venha a acontecer no futuro próximo. O Sol vem consumindo
hidrogênio em sua fornalha nuclear há cerca de 5 bilhões de anos e, ainda
assim, resta o suficiente para pelo menos mais 5 a 8 bilhões de anos.
Entretanto, até mesmo 5 a 8 bilhões de anos não são a eternidade. O
que acontece quando o hidrogênio acaba?
Pelo que os astrônomos podem dizer atualmente, com base em seus
estudos das reações nucleares e da natureza das várias estrelas que podem
ver, parece que a redução do hidrogênio constitui prelúdio para mudanças
sensíveis na estrutura de uma estrela.
À medida que o Sol, por exemplo, consumir hidrogênio e acumular hélio
no centro, o núcleo solar se contrairá mais, enquanto núcleos mais pesados
concentrarem ainda mais a porção interna do campo gravitacional. O miolo do
Sol se tornará mais quente e mais denso. Por fim, o calor desse miolo
começará a aumentar bruscamente e o calor adicional obrigará as regiões
exteriores do Sol a se expandirem enormemente.
Muito embora o calor total das regiões externas do Sol venha, então, a
ser consideravelmente maior do que é hoje, esse calor se espalhará por uma
superfície imensamente maior. Cada trecho da superfície terá menos calor do
que agora e a nova superfície será mais fria que a atual. Enquanto o Sol
possui atualmente uma temperatura superficial de 6.000°C, a superfície do
Sol expandido não terá mais de 2.500°C, e a essa temperatura mais baixa ele
emitirá apenas um brilho avermelhado. Essa combinação de tamanho imenso
e brilho rubro dá a essa fase da história de uma estrela o nome de gigante
vermelha. Conhecemos atualmente estrelas que já alcançaram essa etapa,
notadamente Betelgeuse e Antares.
Em sua extensão máxima, a gigante vermelha em que nosso Sol se
transformará será suficientemente grande para abranger a órbita de Mercúrio,
ou até mesmo a de Vênus.** A Terra estará então inteiramente inabitável; a
vida no planeta ter-se-á tornado impossível nas primeiras fases da expansão
do Sol. (É possível que nessa época a humanidade, se ainda existir, tenha
deixado a Terra para viver em planetas de outras estrelas ou em colônias
artificiais longínquas.)

* Os 4.200.000.000 kg restantes são convertidos na radiação que é despejada


continuamente do Sol em todas as direções.
* Ê claro que se uma estrela for, para começar, maior do que o Sol, ela se
expandirá ainda mais. Antares é tão grande que, se estivesse no lugar do Sol, sua
esfera gigantesca abrangeria as órbitas de Mercúrio, Vênus, Terra e Marte.

56 O Colapso do Universo – Isaac Azimov


Quando o Sol houver atingido sua expansão máxima como uma gigante
vermelha, ele estará reduzido aos restos finais de seu hidrogênio. O centro do
Sol, todavia, terá então atingido uma temperatura (pelo menos de
100.000.000°C) suficiente para fazer com que os átomos de hélio (que nas
eras passadas tinham sido formados a partir de átomos de hidrogênio)
fundam-se para formar núcleos ainda maiores, e estes em outros ainda
maiores, até serem formados núcleos de ferro, cada um com 26 prótons e 30
nêutrons.
A quantidade de energia proporcionada pela ampliação adicional de
núcleos equivale a cerca de 6%, apenas, da proporcionada anteriormente
pela fusão de hidrogênio em hélio. Além disso, ao se formar o ferro a história
chega ao fim. As reações nucleares não podem mais proporcionar energia.
Depois que o hidrogênio for consumido, portanto, e a gigante vermelha
se encontrar em sua expansão máxima, o resto de sua vida como objeto
alimentado por reações nucleares tem de ser inferior a um bilhão de anos —
ou consideravelmente menos.
E quando as reações nucleares diminuírem e cessarem, não haverá
então nada que resista à inexorável atração do campo gravitacional produzida
pela própria massa do objeto. A gravitação esteve esperando, paciente e
incansavelmente, durante bilhões de anos; por fim, a resistência a essa
atração chegou ao fim e o Sol, inchado, ou qualquer outra estrela, não pode
seguir outro caminho senão o do encolhimento.
E realmente ele encolhe, e é exatamente isso que nos coloca na reta
final para o buraco negro, com dois pontos de parada nos quais temos de
fazer uma pausa em nosso caminho.
A história do primeiro ponto de parada começa com um astrônomo
alemão chamado Friedrich Wilhelm Bessel (1784-1846), um dos primeiros a
tentar medir a distância que nos separam das estrelas e, na verdade, um dos
primeiros a ter êxito na empreitada.
As estrelas têm um movimento próprio, mas esse movimento é
aparentemente pequeníssimo devido à enorme distância em que se
encontram. (Por exemplo, um avião a uma altitude muito grande parece
mover-se mais lentamente que um outro a baixa altitude.)
Além de seu movimento próprio, as estrelas pareceriam mover-se em
resposta à mudança do ângulo do qual são vistas da Terra, à medida que
nosso planeta percorre sua grande órbita elíptica em torno do Sol. Enquanto
a Terra assim gira em torno do Sol, uma estrela deveria traçar, como reflexo
desse movimento, uma elipse minúscula no céu (desde que subtraiamos o
movimento próprio e outros efeitos interferentes). Quanto mais distante a
estrela, menor a elipse, e se o tamanho da elipse (denominada paralaxe)

O Colapso do Universo – Isaac Azimov 57


puder ser determinado por um trabalho muito meticuloso no telescópio, pode-
se determinar a distância da estrela.
Em 1838 Bessel anunciou que havia realizado a tarefa com relação a
uma estrela pouco brilhante chamada 61 Cygni, a qual, conforme se verifica,
está a cerca de 150 trilhões de quilômetros da Terra. Mesmo a luz, que viaja
a uma velocidade de 299.792,5 km/seg, não é capaz de vencer rapidamente
essa distância tremenda. A luz leva 11 anos para vir de 61 Cygni até nós; por
conseguinte, diz-se que 61 Cygni está a 11 anos-luz de nós.
A seguir, Bessel tentou determinar a distância de outras estrelas, e fixou-
se em Sirius que, por diversas razões, parecia estar mais perto do que 61
Cygni. Para começar, Sirius é a estrela mais brilhante do céu, e esse brilho
poderia ser decorrência de sua relativa proximidade.
Bessel estudou cuidadosamente a posição de Sirius, noite após noite, e
observou a maneira como ela se move lentamente em relação às outras
estrelas no curso de seu movimento próprio, maior do que a média. Esperava
Bessel que o movimento se alterasse de forma a indicar a formação de uma
elipse, em resposta ao movimento da Terra em torno do Sol. A elipse existe,
mas superposta a ela Bessel detectou uma oscilação que evidentemente não
tem nada a ver com a maneira pela qual a Terra se move em torno do Sol.
Após uma análise meticulosa do estranho movimento de Sirius, Bessel
concluiu que ela se move numa elipse própria e que completa o giro daquela
elipse em mais ou menos 50 anos.
A única coisa capaz de fazer uma estrela mover-se numa elipse
estranha como aquela seria o fato de ela responder a um campo
gravitacional. Não se conhecia, no tempo de Bessel, outra coisa capaz de
provocar aquela oscilação; aliás, também não conhecemos ainda. Além
disso, um campo gravitacional bastante grande e intenso para tirar uma
estrela de seu caminho e forçá-la a descrever uma elipse suficientemente
grande para ser medida à grande distância deve provir de uma massa
bastante grande para ser outra estrela.
Bessel não conseguia ver nada na vizinhança de Sirius que pudesse
servir como a fonte do campo gravitacional, mas, no entanto, tinha de haver
alguma coisa ali. Por Isso, ele concluiu que existia realmente uma massa
estelar no lugar certo, mas que ela se originava não de uma estrela brilhante
e sim de uma estrela escura. Seria um gigantesco planeta, de dimensões
estelares, por assim dizer. Por conseguinte, os astrônomos passaram a se
referir à "companheira escura" de Sirius.
A seguir, Bessel notou que Procyon, outra estrela brilhante, apresentava
também um movimento oscilante, e portanto concluiu que também ela
provavelmente tinha uma companheira escura. Chegou-se a crer que as

58 O Colapso do Universo – Isaac Azimov


companheiras escuras fossem bastante comuns, mas que esse fato fosse
mascarado pela impossibilidade de se vê-las diretamente.
Hoje em dia encararíamos com bastante suspeita tal conclusão.
Sabemos que qualquer objeto com uma massa estelar tem de entrar em
ignição nuclear no centro e arder, para que seja semelhante a nosso Sol. Ter
massa estelar e ser escuro, ao mesmo tempo, exigiria um conjunto de
condições diametralmente diferentes das que conhecemos em nosso próprio
Sol.
Para Bessel e seus contemporâneos, entretanto, uma companheira
escura não encerrava nada de misterioso. Tratava-se de uma estrela que, por
algum motivo, havia deixado de brilhar. Havia consumido toda sua reserva de
energia (qualquer que fosse, pois Bessel não tinha como saber a respeito de
reações nucleares) e continuava a girar, com o mesmo tamanho de sempre e
o mesmo campo gravitacional, mas agora fria e escura.
Como poderia Bessel ter adivinhado que havia descoberto um objeto
estranhíssimo? Evidentemente, não poderia saber da ligação desse objeto
com gigantes vermelhas, uma vez que a existência delas ainda não fora
sonhada em sua época.
SUPERDENSIDADE
As trevas que envolviam as companheiras escuras terminaram em 1862,
graças ao trabalho de um fabricante de telescópios norte-americano, Alvan
Graham Clark (1832-1897). Clark estava preparando uma lente para um
telescópio encomendado pela Universidade de Mississipi, pouco antes de
começar a Guerra Civil. (Por causa da guerra, ela não pôde ser entregue e
acabou indo para a Universidade de Chicago.)
Terminado o polimento da lente, Clark resolveu submetê-la a um teste
final, usando-a realmente para olhar o céu e verificar sua qualidade. Apontou-
a para a estrela Sirius, durante o teste, e observou uma minúscula centelha
de luz em suas vizinhanças, uma coisa que não aparecia em nenhuma carta
celeste.
A princípio Clark julgou que a centelha fosse resultado de uma
imperfeição da lente, e que parte da luz de Sirius estivesse sendo desviada.
Novos testes, porém, revelaram que não havia nada de errado com a lente.
Tampouco Clark podia fazer qualquer coisa que levasse a centelha a
desaparecer ou mudar de posição. Além disso, essa posição parecia ser
exatamente aquela em que deveria estar, na época, a companheira escura de
Sirius.
A conclusão de Clark foi de que estava vendo a companheira escura.
Seu brilho era muito débil, equivalente a apenas 1/10.000 do de Sirius, mas o
objeto não era inteiramente escuro. A companheira escura de Sirius tinha-se

O Colapso do Universo – Isaac Azimov 59


tornado a companheira pálida e, atualmente, ela é designada como Sirius B,
enquanto a própria Sirius pode ser chamada de Sirius A. Sirius é hoje
chamada de um binário, ou sistema estelar duplo.
Em 1895 o astrônomo germano-americano John Martin Schaeberle
(1835-1924) observou um ponto de luz perto de Procyon. Sua "companheira
escura" também era uma companheira pálida, hoje designada Procyon B.
Na verdade, isso não parecia mudar muito a essência das coisas.
Significava que, se as companheiras não eram estrelas totalmente mortas,
eram pelo menos estrelas moribundas; que, embora não inteiramente opacas,
sua luz estava se apagando.
Contudo, na época em que Schaeberle observou a companheira pálida
de Procyon, as coisas estavam mudando.
Em 1893 o físico alemão Wilhelm Wien (1864-1928) havia demonstrado
que a natureza da luz emitida por qualquer objeto quente (seja ele uma
estrela ou uma fogueira) varia com a temperatura. Podemos estudar os
comprimentos de onda da luz emitida e a natureza das raias escuras no
espectro, e chegar a uma conclusão segura quanto à temperatura do corpo
que está emitindo luz.
Segundo a lei de Wien, qualquer estrela que esteja se apagando e que,
portanto, esteja se resfriando e a caminho da escuridão, tem que ter
coloração vermelha. No entanto, Sirius B e Procyon B são brancas — baças,
talvez, mas brancas.
O simples estudo visual dessas duas estrelas não bastava. Era preciso
um espectro, de modo que os comprimentos de onda e as raias escuras
pudessem ser estudados em detalhe. Isso não era fácil, já que as
companheiras são tão baças e se acham tão perto de estrelas muito mais
brilhantes que tendiam a ser ofuscadas pelo brilho destas.
Entretanto, em 1915 o astrônomo norte-americano Walter Sydney
Adams (1876-1956) conseguiu fazer a luz de Sirius B passar por um
espectroscópio, produzindo um espectro que ele pôde estudar. Assim que ele
analisou esse espectro, não teve dúvidas de que Sirius B não estava se
apagando. Ela é quente, quase tão quente quanto Sirius A e
consideravelmente mais quente que o nosso Sol.
Enquanto Sirius A tem uma temperatura superficial de 10.000°C, a de
Sirius B é de 8.000°C. A temperatura superficial do Sol é de apenas 6.000°C.
Pela temperatura de Sirius A sabemos qual o brilho que cada pequena
porção de sua superfície deve ter — quatro vezes mais que uma porção
semelhante da superfície do Sol. Sabemos ainda que brilho deve ter a
superfície total, a partir de seu aspecto visto da Terra, a uma distância de 8,8
anos-luz. Podemos calcular que ela deve irradiar 35 vezes mais luz que o Sol;

60 O Colapso do Universo – Isaac Azimov


e que para produzir essa quantidade de luz (considerando a quantidade que
cada pedaço de sua superfície produz), ela deve ter um diâmetro cerca de 1,8
vezes maior que o Sol, ou seja, de 2.500.000 km.
(Ao fim do século, como vemos, os astrônomos começavam a
compreender que o Sol, que até então reinava como o mais glorioso de todos
os corpos celestes e de cuja energia dependiam todos os seres vivos na
Terra é, afinal de contas, uma simples estrela média e nada mais. Sirius A
tem duas vezes o tamanho do Sol, quase o dobro da temperatura e mais de
30 vezes sua luminosidade. No entanto, não há porquê nos sentirmos
diminuídos. Se Sirius A viesse substituir nosso Sol no céu, seria um luzeiro
realmente brilhante, mas brilhante demais... pois os oceanos da Terra
ferveriam e se evaporariam e, em breve, a Terra passaria a ser um mundo
morto.)
Contudo, o mistério era Sirius B. Em vista de sua temperatura
superficial, cada porção de sua superfície deveria estar emitindo não muito
menos luz do que uma porção semelhante da superfície de Sirius A. Nesse
caso, para explicar porque Sirius B pode ser tão menos brilhante do que
Sirius A, temos de concluir que Sirius B tem menos superfície — muito menos
superfície. Face à temperatura de Sirius B, concluiu-se, que este objeto
deveria ter apenas 1/2.800 da superfície de Sirius A.
Para ter tal superfície, Sirius B deveria ter um diâmetro equivalente a
apenas 1/53 do de Sirius A, ou 47.000 km. Sendo assim, Sirius B tem um
tamanho planetário, aproximadamente o mesmo de Urano ou Netuno. Tem
apenas 1/3 do diâmetro de Júpiter e somente 1/30 do volume deste. Na
verdade, seu diâmetro é apenas 3,7 vezes maior que o da Terra.
A descoberta de Clarke significava que Sirius B pertencia a uma classe
de estrelas totalmente nova — um tipo de estrela de temperatura elevada e
ao mesmo tempo de tamanho ínfimo, em comparação com estrelas comuns
como o Sol. Sirius B é uma anã branca, tal qual Procyon B, como logo se
verificou.
Se Sirius B fosse planetária não só em tamanho, mas também em
massa, não haveria como explicar sua elevada temperatura. Objetos com o
tamanho e a massa de Urano ou Netuno simplesmente não têm em seus
centros a espécie de pressão suficiente para alimentar as fogueiras
nucleares.
Contudo, não havia possibilidade de Sirius B ter massa planetária,
qualquer que fosse seu tamanho. Não tivesse ela própria uma massa estelar,
não poderia fazer com que uma estrela grande como Sirius A se desviasse de
seu rumo em linha reta. Pelo menos, o desvio não seria tão acentuado.
Com base na distância conhecida de Sirius A e de Sirius B da Terra e de
seu afastamento aparente no céu, podemos calcular a distância que as

O Colapso do Universo – Isaac Azimov 61


separa. Sirius A e Sirius B acham-se afastadas por uma distância média de
3.000.000.000 km, de modo que a distância média entre os dois objetos é um
pouco maior do que a existente entre Urano e o Sol, No entanto, enquanto
Urano leva 84 anos para dar uma volta em redor do Sol, Sirius B leva apenas
50 anos para completar seu giro em torno de Sirius A.
Pode-se, pois, calcular que a intensidade dos campos gravitacionais de
Sirius A e de Sirius B é de 3,4 vezes os do Sol e de Urano. Isso significa que,
em conjunto, Sirius A e Sirius B têm uma massa 3,4 vezes maior que a
massa conjunta do Sol e de Urano (ou apenas do Sol, pois Urano acrescenta
tão pouco à massa solar que pode ser desprezado).
Na verdade, Sirius B não gira em tomo de Sirius A. As duas estrelas
descrevem órbitas em torno do centro de gravidade do sistema. Poderíamos
imaginá-las como as duas pontas de um haltere girando em torno de algum
ponto, o centro de gravidade, ao longo da barra que as liga. Se as duas
esferas do haltere tiverem massa exatamente igual, o centro de gravidade
estará no centro da barra; se uma tiver mais massa que a outra, o centro de
gravidade estará mais perto de uma delas, e em proporção à diferença de
massa.
No caso do Sol e de qualquer um de seus planetas, o Sol tem massa tão
maior que o centro de gravidade está sempre suficientemente perto do centro
do Sol para tornar razoavelmente correto dizer que o planeta gira ao redor do
Sol. O mesmo princípio é válido para dizermos que a Lua gira em torno da
Terra — uma vez que a Terra tem 81,3 vezes mais massa que a Lua e o
centro de gravidade do sistema Terra-lua está 81,3 vezes mais próximo da
Terra, portanto, do que da Lua. O mesmo acontece quando falamos de
qualquer outro sistema de planeta e satélite entre a família de mundos do Sol.
No caso de Sirius A e de Sirius B, no entanto, a massa está dividida
mais ou menos igualmente, de modo que o centro de gravidade do sistema
acha-se quase no meio da distância entre os dois objetos. As duas estrelas
giram em torno desse centro, e por isso mudam de posição
consideravelmente enquanto descrevem essa órbita. (Não fosse assim,
Bessel não teria observado uma ondulação nítida no movimento de Sirius no
céu.)
Com base nas órbitas de Sirius A e Sirius B, pode-se determinar o
centro de gravidade das duas estrelas. Pela posição do centro de gravidade
em relação às duas estrelas verifica-se que Sirius A deve ter massa 2,5 vezes
maior que a de Sirius B. Como o total da massa das duas estrelas é igual a
3,4 vezes a massa do Sol, vemos que Sirius A, aquela fulgente estrela em
nosso céu, tem 2,4 vezes a massa do Sol, enquanto Sirius B, aquela centelha
quase imperceptível, tem uma massa um pouco menor que a do Sol.

62 O Colapso do Universo – Isaac Azimov


O fato de Sirius A ter 2,4 vezes a massa de nosso Sol não é
surpreendente. Afinal, ela é maior, mais quente e mais brilhante que o Sol.
Sirius B, no entanto, constitui um objeto claramente anormal. Com o tamanho
de Urano ou Netuno, tem uma massa quase semelhante à de nosso Sol.
Isso significa que deve ser um objeto densíssimo. Sua densidade média
deve ser da ordem de 35.000 g/cm3, o que representa uma densidade 3.000
vezes maior que a do material do núcleo da Terra e 350 vezes maior que a do
material do núcleo do Sol.
Na época em que Adams calculou o tamanho de Sirius B, era difícil
aceitar densidades dessa magnitude. No entanto, quatro anos antes da
descoberta de Adams, Rutherford havia descrito a estrutura do átomo e
demonstrado que a maior parte de sua massa se concentra no núcleo
ultraminúsculo. Ainda assim, os cientistas não se haviam habituado à idéia, e
o conceito de átomos partidos, com as partes se agrupando muito mais
densamente do que era possível em átomos intactos, era difícil de ser
engolido. Havia considerável ceticismo, portanto, sobre a possibilidade da
existência de tais anãs brancas.

O DESVIO PARA O VERMELHO DE EINSTEIN

Pouco tempo depois da descoberta de Adams, entretanto, elaborou-se


uma maneira de conferir a hipótese de uma direção inteiramente diferente.
Em 1915 o físico Albert Einstein (1879-1955) publicou sua teoria geral da
relatividade, a qual representou uma perspectiva inteiramente nova do
universo como um todo. Segundo essa nova teoria, haveria alguns
fenômenos capazes de serem observados e que não seriam possíveis se as
perspectivas mais antigas estivessem corretas. Por exemplo, quando um
corpo de grande massa irradia luz, o forte campo gravitacional do corpo
deveria, segundo a relatividade geral, ter algum efeito sobre a luz.
Einstein, ampliando o trabalho realizado em 1900 por outro cientista
alemão, Max Karl Ernst Ludwig Planck (1858-1947), havia demonstrado que
se poderia considerar que a luz consistia não apenas em ondas, mas também
em ondas que, em alguns aspectos, agem como partículas. Essas partículas
luminosas são chamadas de fótons, de uma palavra grega que significa "luz".
Os fótons têm massa zero quando em repouso e, por conseguinte, não
atuam como fonte de um campo gravitacional nem reagem a um campo
gravitacional da maneira ordinária. Contudo, os fótons nunca estão em
repouso, mas viajam (num vácuo) a uma determinada velocidade precisa:
299.792,5 km/seg. (Da mesma forma que todas as demais partículas sem
massa.) Ao viajarem a essa velocidade, os fótons possuem certas energias; e

O Colapso do Universo – Isaac Azimov 63


ainda que a ação de um campo gravitacional não possa alterar a velocidade
dos fótons no vácuo (nada o pode fazer), ela pode modificar a direção em que
a luz viaja e reduzir a energia.
Essa mudança de direção foi observada em 1919. A 29 de maio daquele
ano um eclipse total do Sol podia ser observado da ilha Príncipe, na costa da
África. Estrelas brilhantes se tornaram visíveis nas proximidades do Sol
eclipsado e a luz proveniente dessas estrelas, a caminho da Terra, passou
roçando pelo Sol. A teoria de Einstein previa que essa luz se curvaria
ligeiramente na direção do Sol ao passar por ele, de modo que as próprias
estrelas, avistadas ao longo da nova direção, pareceriam estar localizadas
um pouco mais distantes do disco do Sol do que realmente estavam. As
posições das estrelas foram cuidadosamente medidas durante o eclipse e
também seis meses depois, quando o Sol se encontrava no lado oposto do
céu e não podia exercer nenhum efeito sobre a luz dessas mesmas estrelas.
Verificou-se que a luz se comportava da forma prevista na teoria de Einstein,
e esse fato contribuiu decisivamente para garantir a validade da relatividade
geral.
Naturalmente os astrônomos estavam ansiosos por submeter a teoria a
novos testes. O que dizer a respeito da perda de energia da luz num campo
gravitacional? A luz que deixava o Sol devia fazê-lo resistindo à atração da
gravitação solar. Se os fótons fossem partículas ordinárias, dotadas de
massa, suas velocidades deveriam decrescer ao deixarem o Sol. Como os
fótons têm uma massa, em repouso, igual a zero, isso não acontece, mas
ainda assim cada fóton perde um pouco de sua energia.
Essa perda de energia deveria ser detectada no espectro do Sol. Quanto
maior é o comprimento de onda de um determinado fóton, menor é sua
energia. No espectro, onde a luz se dispõe em ordem de comprimentos de
onda, desde o violeta (com o menor comprimento de onda) ao vermelho (o
maior comprimento de onda), há uma progressão regular da alta energia do
violeta para a baixa energia do vermelho.
Se a luz solar perde energia por resistir à atração da gravidade, toda ela
deverá terminar ligeiramente mais perto da extremidade vermelha do
espectro, o que não aconteceria se não existisse nenhum efeito gravitacional.
Esse desvio para o vermelho poderia ser detectado estudando-se as raias
escuras no espectro solar e comparando-se suas posições com as raias
escuras nos espectros de objetos submetidos apenas a pequenos efeitos
gravitacionais — no espectro de objetos brilhantes em laboratórios na Terra,
por exemplo.
Infelizmente, não havia nenhum sentido em procurar esse desvio para o
vermelho einsteiniano no espectro solar, porque seu efeito é tão pequeno que
nem mesmo o poderoso campo gravitacional do Sol produz desvio suficiente
para ser medido.

64 O Colapso do Universo – Isaac Azimov


Foi então que Eddington (que estava estudando a estrutura interna do
Sol e acolhia com entusiasmo a teoria da relatividade) observou que se Sirius
B é realmente tão pequena como parece e tem a enorme massa que parece
ter, ela poderia ser a resposta. O que afeta a luz é menos a atração
gravitacional total do que a intensidade dessa atração na superfície, na qual a
luz é emitida e onde ela dá o salto inicial para o espaço.
Ora, a intensidade do campo gravitacional do Sol é 333.500 vezes a da
Terra, mas a superfície do Sol acha-se tão distante de seu centro que a
gravidade superficial do Sol é apenas 28 vezes maior que a da Terra.
E Sirius B? Ela tem a massa do Sol, comprimida num objeto do tamanho
de Urano. Tem a mesma intensidade gravitacional do Sol, mas pode-se estar
muito mais perto do centro de Sirius B ficando-se em pé em sua superfície
(apenas em imaginação, é claro) do que jamais se poderia chegar perto do
centro do Sol.
Portanto, a gravidade superficial de Sirius B é aproximadamente 840
vezes a do Sol e 23.500 vezes a da Terra. O desvio einsteiniano para o
vermelho seria muito mais pronunciado na luz de Sirius B do que na luz do
Sol.
Eddington sugeriu a Adams, que era o especialista em Sirius B, que
estudasse novamente o espectro de sua luz, a fim de verificar se podia
detectar o desvio para o vermelho. Em 1925 Adams realizou a experiência e
viu que realmente podia detectar o desvio, e precisamente no grau fixado
pela teoria de Einstein.
Isso não só proporcionou outra comprovação importante da relatividade
geral como ofereceu também, a estar correta a teoria, forte indício de que
Sirius B é realmente tão pequena e tem tão grande massa como sustentara
Adams, pois somente assim ela pode possuir gravidade superficial suficiente
para produzir o desvio para o vermelho observado.
Em 1925, portanto, a existência das anãs brancas teve de ser aceita.
Desde então não se duvidou mais delas.
A enorme gravidade superficial de Sirius B implica numa enorme
velocidade de escape. Partindo da superfície da Terra, um foguete lançado
ao espaço, sem outra fonte de energia senão seu impulso inicial, tem que sair
com uma velocidade mínima de 11,23 km/seg, para que deixe a Terra
permanentemente. Partindo da superfície do Sol, a velocidade de escape
seria de 617 km/seg. Da superfície de Sirius B a velocidade de escape é de,
aproximadamente, 3.300 km/seg.
Mesmo 11,23 km/seg é uma alta velocidade pelos padrões da Terra.
Contudo, uma velocidade de 3.300 km/seg é fantástica: apenas 1/90 da
velocidade da luz.

O Colapso do Universo – Isaac Azimov 65


FORMAÇÃO DE ANÃS BRANCAS
Examinemos outra vez o que acontecerá depois que o Sol chegar ao
estágio de gigante vermelha e consumir toda a energia nuclear em seu
interior. A atração gravitacional, não contando mais com a oposição do efeito
expansivo do calor, começará a encolher o Sol (como parece estar fazendo
agora com outras estrelas que se encontram nesse estágio) até um ponto em
que a gravitação passe a enfrentar a resistência de outra coisa além do calor.
à medida que o Sol se encolher, ganhará densidade até chegar ao ponto
em que poderá compor-se de átomos intactos em contato, a exemplo de
corpos planetários como a Terra e Júpiter. No entanto, uma massa de
dimensão estelar produz um campo gravitacional suficientemente forte para
esmagar esses átomos. Assim, o encolhimento continuará. A interrupção do
processo, se houver, terá de ser feita pelas partículas subatômicas que
compõem os átomos.
Quais são essas partículas subatômicas, e de que maneira elas mudam
à medida que o Sol (ou qualquer outra estrela) envelhece?
O Sol, ou qualquer outra estrela, é constituído principalmente de
hidrogênio. O hidrogênio consiste num núcleo composto de um único próton,
carregado positivamente, que é equilibrado por um único elétron, carregado,
negativamente, e que completa o restante do átomo.
à proporção que o Sol envelhece, seu hidrogênio pouco a pouco sofre
fusão: quatro núcleos de hidrogênio se fundem para formar um único núcleo
de hélio. Uma vez que um núcleo de hélio é constituído de dois prótons e dois
nêutrons (sem carga elétrica), podemos dizer que quando todo o hidrogênio
se houver fundido e desaparecido, metade dos prótons da estrela ter-se-á
transformado em nêutrons. À medida que os núcleos de hélio sofrem fusão
adicional durante a formação da gigante vermelha, até que finalmente sejam
formados núcleos de ferro, mais alguns prótons se transformam em nêutrons
e, por fim, a estrela compõe-se de uma mistura de prótons e nêutrons na
proporção de 45 para 55.
Entrementes, o que acontece com os elétrons?
Toda vez que um próton (de carga positiva) é convertido num nêutron
(sem carga), alguma coisa tem que ser feita com aquela carga positiva. Ela
não pode simplesmente desaparecer. O que ocorre é que ela é ejetada dos
núcleos em fusão, juntamente com uma quantidade mínima de massa. Essa
quantidade mínima de massa é suficiente para produzir uma partícula
exatamente igual ao elétron, com a única diferença de apresentar uma carga
elétrica positiva e não negativa. Esse elétron carregado positivamente é
denominado pósitron. Para cada quatro prótons fundidos num núcleo de
hélio, formam-se dois pósitrons.

66 O Colapso do Universo – Isaac Azimov


Assim que se forma um pósitron, ele forçosamente colide com um dos
elétrons presentes no Sol (e em toda matéria ordinária) em número elevado.
Embora uma carga elétrica positiva não possa desaparecer por si só, da
mesma forma que uma carga elétrica negativa não pode também
desaparecer, as duas cargas podem cancelar-se mutuamente no caso de se
encontrarem. Quando um pósitron e um elétron colidem, há um
aniquilamento mútuo, tanto da carga elétrica como da massa, e os dois são
convertidos em fótons energéticos chamados raios gama, que não possuem
nem carga elétrica nem massa. Dessa maneira, cerca de metade dos elétrons
do Sol ter-se-á destruído no curso de sua vida como uma estrela normal. A
metade restante será suficiente para compensar a metade dos prótons que
terão permanecido como prótons.
Na conversão de prótons para nêutrons e no aniquilamento mútuo de
elétrons e pósitrons perde-se massa suficiente para ser convertida nas vastas
quantidades de radiação que o Sol emite em sua vida como reator de fusão
de hidrogênio. Um volume adicional de massa se perde porque o Sol está
constantemente emitindo um fluxo de prótons em todas as direções, o
chamado vento solar.
Toda essa perda é trivial em comparação com a massa total do Sol. Ao
tempo em que o Sol, ou qualquer outra estrela isolada, houver completado
seu período de gigante vermelha e estiver pronto para encolher, poderá ter
retido até 98% de sua massa original; é essa massa que começa então a
encolher.
Tanto os elétrons, como os prótons e nêutrons têm propriedades
ondulatórias, além de propriedades de partículas. Quanto maior a massa de
uma partícula, mais curtas serão as ondas a ela associadas e mais
pronunciadas as propriedades dessa partícula. Quanto menor a massa, mais
longas as ondas e mais pronunciadas as propriedades dessas ondas.
Os prótons têm muito mais massa que os elétrons — 1.836 vezes mais.
Os nêutrons têm 1.838 vezes mais massa do que os elétrons. Os prótons e
os nêutrons estão associados a ondas curtíssimas e são classificados como
partículas de tamanho extremamente diminuto. O elétron está associado a
ondas relativamente longas e por isso ocupa muito mais espaço do que os
prótons e os nêutrons.
Quando uma estrela encolhe além do limite imposto por átomos intactos,
as partículas que primeiro entram em contato, por assim dizer, são os
volumosos elétrons.
Os elétrons postos em contato acham-se apertados muito mais entre si
do que estariam em átomos intactos. Assim, por exemplo, Sirius B e o Sol
têm massas aproximadamente iguais, mas Sirius B ocupa apenas 1/27.000
do espaço ocupado pelo Sol. (É mais ou menos como a diferença do espaço

O Colapso do Universo – Isaac Azimov 67


ocupado por cem bolas de pingue-pongue intactas e pelas mesmas cem
bolas reduzidas a pó de plástico.)
Não obstante, mesmo depois de os elétrons terem sido postos em
contato, os prótons e os nêutrons muito menores (porém dotados de mais
massa) e os núcleos atômicos por eles constituídos ainda encontrarão muito
espaço para se movimentar. Esses núcleos estão muito mais próximos entre
si do que estariam como parte de átomos intactos, mas ainda estão
suficientemente separados para que as distâncias entre eles sejam enormes,
em comparação com seu próprio tamanho.
No que diz respeito aos núcleos, uma anã branca, por densa que seja,
ainda se compõe primordialmente de espaços vazios. Em Sirius B, por
exemplo, que quase poderia ser considerada como um fluido eletrônico
contínuo, os núcleos ocupam apenas 1/4.000.000.000 de seu volume. Os
núcleos, portanto, mostram as propriedades de gases.
Uma anã branca, naturalmente, não apresenta estrutura sempre
uniforme, tanto quanto qualquer outro objeto dotado de massa. Encontra-se
uma pressão crescente ao se mover, em imaginação, da superfície para o
centro.
Uma anã branca tem uma pele quase normal, uma camada externa de
átomos intactos que são puxados para baixo com força pela intensa atração
gravitacional na superfície, mas que não têm o peso de outras camadas
sobre si. Várias espécies diferentes de átomos podem existir nessa
"atmosfera" de uma anã branca — até mesmo uma pequena quantidade de
hidrogênio que, de alguma forma, no decorrer de toda a vida da estrela,
escapou à fusão devido ao fato de aqueles átomos em particular nunca terem
feito parte das profundezas estelares. Essa atmosfera poderá ter apenas
algumas centenas de metros de espessura.
Ao nos imaginarmos mergulhando no material da anã branca, veremos
que esses átomos atmosféricos gradualmente se rompem em elétrons e
núcleos, todos movendo-se livremente. Ali, pequenos restos de reações
nucleares continuam a se desenrolar, até que todo o hidrogênio tenha sido
consumido. À medida que continuamos a descer, os elétrons entram em
contacto e começam a resistir a uma maior compressão. Quanto mais forem
comprimidos, mais resistem à compressão adicional, e é essa resistência que
finalmente detém a contração da estrela no estágio de anã branca.
No núcleo da estrela o material da anã branca é considerável-mente
mais denso que a média de toda a estrela. A densidade central pode ser da
ordem de 100.000.000 g/cm3.
Quando se forma uma anã branca ela é quentíssima porque a energia
cinética da contração foi transformada em calor. Uma anã branca recém-
formada pode ter uma temperatura superficial superior a 100.000°C.

68 O Colapso do Universo – Isaac Azimov


À medida que a anã branca irradia calor para o espaço circundante,
porém, seu conteúdo energético tem de decrescer, e muito pouco desse
decréscimo pode ser compensado pelas reações nucleares nos restos de
matéria razoavelmente normal que, a princípio, permanece nas camadas
exteriores. Aos poucos, a anã branca se resfria. Conhecem-se velhas anãs
brancas com uma temperatura superficial não superior a 5.000°C.
Essa perda de calor não afeta seriamente sua estrutura.
As estrelas comuns se contrairiam se perdessem calor, uma vez que é o
calor produzido no centro que as mantém expandidas, resistindo ao puxão da
gravidade. Uma anã branca resiste à contração gravitacional com a
resistência dos elétrons comprimidos, e isso não depende de calor. Os
elétrons resistem à maior compressão com a mesma eficiência, tanto frios
quanto quentes.
Presumivelmente, pois, a perda de temperatura há de continuar, sem
qualquer mudança significativa na estrutura da anã branca, até que ela não
seja mais suficientemente quente para brilhar. Ela se torna uma anã negra e
continuará a se resfriar por eras a fio, até que seu conteúdo energético seja
apenas igual à média para todo o universo — alguns graus acima do zero
absoluto.
Este é um processo lentíssimo, e toda a duração do universo até o
presente não foi bastante para que tenha ocorrido o esgotamento total da
energia de qualquer anã branca. Todas as anãs brancas que jamais se
formaram ainda fulgem hoje, mas, com o tempo, haverão de escurecer.
Até este ponto, portanto, só examinamos neste livro dois tipos de objetos
eternos — isto é, objetos capazes de resistir à atração da gravidade por
períodos de tempo indefinidamente longos. Há os objetos planetários, que
são de massa suficientemente pequena para jamais terem iniciado uma fusão
nuclear e nos quais a compressão gravitacional é perpetuamente equilibrada
pela força, de dentro para fora, de átomos intactos comprimidos, situados no
centro.
Há, também (ou haverá, algum dia), anãs negras, que possuem massa
bastante grande para ter iniciado uma fogueira nuclear mas que, com o
tempo, se apagaram e nas quais a compressão gravitacional é
perpetuamente equilibrada pela pressão, de dentro para fora, de elétrons
comprimidos.
. Todos os objetos que vemos no céu, fora de nosso próprio sistema
solar, além do Sol, não são objetos eternos. As estrelas ordinárias que
contemplamos são estruturas temporárias que estão ardendo, a caminho da
condição de anã negra (ou, como veremos, de outros objetos ainda mais
estranhos).

O Colapso do Universo – Isaac Azimov 69


Podemos ver também nuvens de poeira e gás no espaço interestelar,
mas sob a atração de seu próprio campo gravitacional grande parte dessas
nuvens terminará por se condensar e formar estrelas, iniciando também o
longo caminho na direção do estado de anã negra. Algumas das nuvens
poderão, ao se condensar, formar corpos com massa demasiado pequena
para iniciar uma fogueira nuclear, e serão corpos planetários. Se qualquer
parte da nuvem escapar à condensação e se unir ao tênue vapor de átomos
individuais, moléculas e partículas de pó que se estende entre as estrelas e
as galáxias, então esses corpúsculos poderão ser considerados corpos
planetários separados ultrapequenos.
Restam-nos, portanto, os corpos planetários e as anãs brancas como as
duas classes de objetos eternos do universo que até agora examinamos
neste livro.
Já se observaram várias centenas de anãs brancas, e esse número não
parece muita coisa entre os bilhões e bilhões de estrelas no céu. Convém
recordarmos, porém, que as anãs brancas, ainda que brilhantes para seu
tamanho, são de maneira geral objetos baços. Elas têm somente de 1/1.000 a
1/10.000 da luminosidade das estrelas ordinárias médias, e por isso não
podem ser vistas, a menos que estejam muito perto de nós.
Se vemos tão poucas anãs brancas é porque às distâncias estelares
comuns, onde estrelas ordinárias ainda são bastante brilhantes para serem
vistas e estudadas, as anãs brancas são baças demais para serem
reconhecidas ou até mesmo vistas, talvez. Por isso, a única maneira de que
dispomos para avaliar com justeza o número de anãs brancas consiste em
estudar a vizinhança imediata do Sol.
No espaço contido dentro de 35 anos-luz do Sol, por exemplo, há cerca
de 300 estrelas. Dessas, oito são anãs brancas. Supondo-se que esta seja
aproximadamente a proporção habitual no espaço de modo geral (e não
temos nenhum motivo para julgar que não seja), podemos então dizer que
entre 2 e 3% de todas as estrelas são anãs brancas. É possível que haja
nada menos que 4 bilhões de anãs brancas somente em nossa galáxia.

70 O Colapso do Universo – Isaac Azimov


Matéria em Explosão
A GRANDE EXPLOSÃO

Por que existirão tantas anãs brancas? Por que elas serão em número
de 4 bilhões somente em nossa galáxia?
Afinal de contas, uma estrela não se transforma em anã branca antes de
haver consumido todo seu combustível nuclear, e nosso Sol, por exemplo,
dispõe ainda de combustível nuclear suficiente para bilhões de anos. Talvez
se possa dizer o mesmo de um número infindável dos 135 bilhões de estrelas
que compõem nossa galáxia. Nesse caso, por que razão 4 bilhões dessas
estrelas viram esgotar seu combustível, expandiram-se e depois encolheram?
Ou vejamos o problema pelo ângulo oposto. Por que há tão poucas anãs
brancas? Se bilhões de estrelas utilizaram todo seu combustível nuclear e
chegaram ao fim, por que o mesmo não aconteceu a todas as demais
estrelas?
Para dar uma resposta a essas perguntas, precisamos saber
primeiramente qual é a idade do universo e, portanto, há quanto tempo as
estrelas se formaram. Poderemos então ter uma idéia do tempo em que elas
vêm usando combustível nuclear e da quantidade desse combustível que
ainda resta a ser fundido.
Mas como podemos afirmar a idade do universo?
A resposta a essa pergunta nasceu, inesperadamente, de um exame
dos espectros das estrelas.
Estudando-se esses espectros podemos dizer se uma estrela está se
movendo em nossa direção ou para mais longe de nós e, em ambos os
casos, com que velocidade. Se as linhas espectrais se desviam para a
extremidade vermelha do espectro, a estrela está se afastando de nós. Se
elas se desviam para a extremidade violeta, a estrela está se aproximando de
nós.
Evidentemente, cabe a pergunta: como podemos saber se o desvio para
o vermelho das linhas espectrais é causado por um afastamento ou por um

O Colapso do Universo – Isaac Azimov 71


efeito gravitacional, como o descrito no capítulo anterior? A resposta é que a
maioria das estrelas não é suficientemente densa para produzir um desvio
para o vermelho mensurável resultante de um efeito gravitacional. Portanto, a
menos que haja razões para se acreditar no contrário, todo desvio para o
vermelho é considerado resultante de um movimento de afastamento.
Naturalmente, algumas estrelas se afastam e outras se aproximam de
nós, de modo que os desvios para o vermelho e para o violeta se distribuem
em número mais ou menos igual.
A partir de 1912, mais ou menos, os astrônomos começaram a estudar o
espectro das galáxias (que são coleções, vastas e distantes, de milhões,
bilhões ou mesmo trilhões de estrelas, semelhantes à nossa própria Galáxia,
a Via Láctea) que se situam além da nossa. Em 1917 tornou-se evidente que,
com exceção de duas das galáxias mais próximas, todas as demais exibem
um desvio espectral para o vermelho e que, portanto, estão se afastando de
nós. Além disso, esses desvios são mais acentuados do que os associados
às estrelas de nossa própria galáxia.
Com o estudo de um número cada vez maior de galáxias, constatou-se
que todas elas (com exceção das mesmas duas, as mais próximas)
apresentam um desvio para o vermelho e que o grau desse desvio aumenta
progressivamente, quanto mais distantes estão as galáxias de nós.
Levando tudo isso em conta, o astrônomo norte-americano Edwin Powell
Hubble (1889-1953) enunciou em 1929 a chamada lei de Hubble. Segundo
essa norma, a velocidade com que uma galáxia se afasta está relacionada
diretamente à sua distância de nós. Ou seja, se a galáxia A está se afastando
5,6 vezes mais depressa do que a galáxia B, então a galáxia A está 5,6 vezes
mais distante de nós do que a galáxia B.
Não é fácil determinar a taxa de aumento da velocidade de recessão de
acordo com a distância. A princípio os astrônomos julgaram que a velocidade
aumentasse bastante depressa, mas novos dados levaram a crer que o
aumento é muito menor do que de início se supôs.
Atualmente os astrônomos acreditam que a velocidade de recessão
aumente 16 km por segundo para cada milhão de anos-luz de distância. Por
exemplo, uma galáxia situada a 10.000.000 de anos-luz está se afastando a
uma velocidade de 160 km/seg; a que se situa a 20.000.000 de anos-luz
afasta-se com uma velocidade de 320 km/seg; e uma terceira situada a
50.000.000 de anos-luz se afasta a 800 km/seg, e assim por diante.
Mas por que isso? Por que deveriam estar todas as galáxias se
afastando, e por que motivo a velocidade de afastamento deveria ser
proporcional à distância que estão de nós? O que nos torna a chave para o
comportamento do universo?

72 O Colapso do Universo – Isaac Azimov


Não somos!
Já em 1917 o astrônomo holandês Willem de Sitter (1872-1934)
demonstrou que de um ponto de vista teórico, usando as equações da
relatividade geral, o universo deveria estar se expandindo. A rigor, galáxias
individuais e, às vezes, aglomerados que variam de dezenas a milhares de
galáxias, são mantidos juntos pela atração gravitacional. Mas as unidades
galácticas (sejam galáxias isoladas ou aglomerados delas) que estão
separadas de suas vizinhas por uma distância tão grande que a gravitação é
fraca demais para afetá-las suficientemente, participam da expansão geral do
universo. Isso significa que as unidades galácticas individuais estão, todas
elas, separando-se umas das outras a alguma velocidade constante.
De um posto de observação em qualquer galáxia ter-se-ia a impressão
de que todas as outras (com exceção das que fazem parte do aglomerado
local, se houver) estão se afastando. Além disso, a velocidade constante de
expansão amplia-se com a distância, de modo que terminaríamos com a lei
de Hubble, não importa a galáxia em que vivêssemos.
Se as unidades galácticas se dispersam cada vez mais à medida que o
tempo passa e o universo envelhece, então se voltássemos o olhar no tempo
(como se virássemos um filme de cinema para que fosse projetado ao
contrário) veríamos as unidades galácticas se aproximando umas das outras
cada vez mais. Em outras palavras, quanto mais jovem for, mais compacto é
o universo. E se retrocedermos suficientemente no tempo, poderemos ver
como todas as galáxias devem ter-se chocado numa vasta coleção de
matéria.
Em 1927 o astrônomo belga Georges Lemaître (1894-1966) sugeriu que
as coisas tinham-se passado exatamente assim — que há um certo número
de bilhões de anos toda a matéria do universo estava agrupada num único
lugar e formava uma estrutura denominada átomo primordial. Outros a
denominaram ovo cósmico.
Durante quanto tempo o ovo cósmico existiu ou como veio a se formar,
Lemaître não se aventurou a dizer, mas em algum momento esse ovo
cósmico deve ter explodido. Essa deve ter sido certamente a maior explosão
que o universo jamais havia experimentado; foi a explosão que criou o
universo que conhecemos. O físico russo-americano George Gamow (1904-
1968) denominou-a "a grande explosão".
A partir dos vastos fragmentos do ovo cósmico, terminaram por se
formar as estrelas e galáxias, e é por causa do impulso da grande explosão
que o universo ainda hoje está se expandindo. No último meio século
acumularam-se provas em favor da grande explosão, e hoje em dia quase
todos os astrônomos acreditam que foi assim que se formou o universo.

O Colapso do Universo – Isaac Azimov 73


Entretanto, a pergunta importante é: quando ocorreu a grande explosão?
Os astrônomos sabem (ou julgam saber) com que velocidade o universo se
expande atualmente. Supõem-se que essa velocidade sempre foi e sempre
continuará a ser a mesma, então, se lançarmos o olhar adiante no tempo, o
universo simplesmente se expandirá para todo o sempre; as unidades
galácticas se separarão cada vez mais. Finalmente, um astrônomo que olhar
o universo de um ponto de observação na Terra verá apenas nossa própria
galáxia e aquelas outras que fazem parte de nossa aglomeração local. Todo
o resto estará longe demais para ser visto.
Por outro lado, se olharmos para trás e supusermos que o universo se
contrairá constantemente a uma velocidade uniforme, ele se agrupará no
átomo primordial de há 20 bilhões de anos.
Contudo, as diversas galáxias exercem uma força gravitacional umas
sobre as outras. Essa atração pode não bastar para impedir a expansão, mas
tenderá a retardá-la. Isso significa que, ao olharmos para o futuro, a
velocidade de expansão se tornará cada vez menor e levará mais tempo do
que imaginamos para que todas as galáxias distantes, fora do aglomerado
local, venham a perder-se de vista. Da mesma forma, significa que ao
olharmos para o passado, as galáxias se reunirão cada vez mais depressa, à
medida que a atração gravitacional se fizer progressivamente maior. Portanto,
o tempo do ovo cósmico e da grande explosão deve situar-se a menos de 20
bilhões de anos.
Não podemos afirmar com segurança em que grau a força gravitacional
no universo está retardando a velocidade de expansão. Isso depende da
quantidade de matéria que existe (em média) por volume de espaço — em
outras palavras, da densidade média de matéria no universo.
Se a densidade for suficientemente grande, então o efeito retardante é
bastante pronunciado para fazer com que a velocidade de expansão caia a
zero. A expansão do universo haverá um dia de interromper-se. Assim que
isso acontecer, o universo, sob a atração de suas próprias forças
gravitacionais, começará a se contrair — a princípio muito lentamente, depois
mais depressa, mais depressa, até o ovo cósmico se formar e explodir
novamente. Esse ciclo pode repetir-se várias vezes, e teremos então um
universo oscilante. O astrônomo norte-americano Allan Rex Sandage (1928-)
sugeriu que um ovo cósmico se forma e explode a cada 80 bilhões de anos.
Se a densidade da matéria do universo for exatamente suficiente para
interromper a expansão das galáxias (uma densidade igual a 6 x 10-30 g/cm3,
ou cerca de um próton ou nêutron para cada 350.000 cm3 de espaço), então
a expansão está se retardando numa taxa tal que a grande explosão deve ter
ocorrido a aproximadamente 13,3 bilhões de anos.

74 O Colapso do Universo – Isaac Azimov


Na verdade os astrônomos ainda não têm uma idéia segura quanto à
densidade da matéria no universo, em média, de modo que não podemos
saber com exatidão quando ocorreu a grande explosão ou se o universo está
oscilando ou não. No momento, acredita-se em geral que a densidade média
não seja suficientemente alta para oscilação, de modo que a grande explosão
deve ter ocorrido entre 13,3 bilhões e 20 bilhões de anos atrás.
Neste livro partiremos do pressuposto razoável (sujeito a modificações,
com a coleta de novos dados) de que o universo tem 15 bilhões de anos.
Se o universo tem 15 bilhões de anos, isso significa que as próprias
estrelas não podem ter mais do que essa idade.
Contudo, poderiam ser mais jovens. O Sol, por exemplo, deve ser mais
jovem, pois de outra forma já teria consumido seu combustível nuclear,
transformando-se em gigante vermelha e depois em anã branca.
Serão, pois, as anãs brancas remanescentes de estrelas antiqüíssimas
que vêm brilhando desde o começo do universo, enquanto as estrelas que
ainda fulgem devido à fusão nuclear foram formadas muito mais tarde e são,
portanto, muito mais jovens?
É possível que haja alguma verdade nisso, mas não toda. Muitas
estrelas devem ter-se formado após a grande explosão, e se todas elas
tivessem chegado já ao estágio da anã branca, haveria muito mais anãs
brancas em nossa galáxia do que existem, na verdade. Além disso,
consideremos os casos de Sirius A e Sirius B. Parece lógico supor que as
duas estrelas de um binário se formaram ao mesmo, tempo (da mesma forma
que o Sol e os planetas devem ter-se formado mais ou menos à mesma
época), mas, ainda assim, uma delas é uma anã branca e a outra não é.
Ocorrerá, porventura, que a idade não seja o único fator importante? Por
acaso algumas estrelas queimaram seu combustível nuclear mais devagar do
que outras? Ou será que algumas possuem maior quantidade de combustível
nuclear do que outras? Ocorrendo uma coisa ou outra, algumas estrelas
levam mais tempo para chegar à fase de contração do que outras?
A resposta para essas perguntas também foi proporcionada pelos
estudos dos espectros.

A SEQÜÊNCIA PRINCIPAL

Para começar, uma estrela nasce de uma massa de poeira e gás que
gira lentamente e que, por força de sua própria atração gravitacional,
lentamente se torna coesa. À medida que essa massa de poeira e gás
(espalhados pelo espaço como resultado da grande explosão) se une, a

O Colapso do Universo – Isaac Azimov 75


atração gravitacional se faz cada vez mais intensa, de modo que o processo
se acelera.
Quando a nuvem se condensa, a temperatura e a pressão no centro
aumentam progressivamente, até que finalmente se tornam suficientes para
romper os átomos no centro e iniciar a fusão nuclear. Nesse momento de
ignição nuclear, nasce a estrela.
O período de condensação não é muito longo em comparação com os
muitos bilhões de anos de vida total da estrela. Quanto maior for a estrela e
quanto mais massa ela tiver, mais forte será a atração gravitacional em todas
as fases e menor será o tempo de condensação. Uma estrela com a massa
de nosso Sol poderia levar 30 milhões de anos para atingir a ignição nuclear,
ao passo que uma outra, de massa dez vezes maior, poderia condensar-se e
atingir a ignição nuclear em apenas 10 mil anos. Por outro lado, uma estrela
com apenas um décimo da massa do Sol poderia levar cem milhões de anos
para entrar em ignição.
É claro que todas as estrelas que vemos no céu já alcançaram a ignição
nuclear. Assim que chegam a esse estágio, continuam a produzir e a irradiar
energia a um ritmo constante durante um longo período. O ritmo em que
qualquer estrela produz e emite energia depende de sua massa.
Quando Eddington calculou as temperaturas reinantes no interior de
uma estrela, compreendeu que quanto mais massa tiver uma estrela, mais
forte será a atração gravitacional que ela exercerá sobre si própria. Isso
significa que quanto maior for a massa de uma estrela, maior será a
temperatura interna necessária para obrigá-la a permanecer expandida,
opondo-se à gravidade. Quanto mais alta for a temperatura interna, mais
energia será produzida e mais a estrela irradiará. Em outras palavras, quanto
mais massa tiver uma estrela, mais luminosa ela será. A regra de Eddington é
chamada lei da massa-luminosidade.
Se estudarmos as estrelas que vemos, concluiremos que elas formam
uma seqüência regular: desde as estrelas de muita massa, muito luminosas e
muito quentes, passando por estágios de massa, luminosidade e calor cada
vez menores, até estrelas de pouquíssima massa, pouquíssima luminosidade
e superfícies bastante frias. Esta seqüência Denomina-se principal, porquanto
abrange aproximadamente 90% de todas as estrelas que conhecemos. (Os
10% restantes são constituídos de estrelas invulgares, como as gigantes
vermelhas e as anãs brancas.)
Os espectros das estrelas da seqüência principal formam uma
seqüência própria. Ao percorrermos a seqüência principal em direção às
estrelas cada vez mais frias, os espectros refletem as temperaturas
constantemente mais baixas na natureza das raias escuras que contêm. Por

76 O Colapso do Universo – Isaac Azimov


conseguinte, as estrelas podem ser divididas em classes espectrais, segundo
o desenho das raias escuras.
As classes espectrais em que se dividem as estrelas da seqüência
principal são O, B, A, F, G, K e M. Dessas classes, a O inclui as de mais
massa, as mais luminosas e as mais quentes; a classe M compreende as de
menos massa, menos luminosidade e mais frias. Cada classe espectral
subdivide-se em subclasses numeradas de 0 a 9. Assim, podemos falar de
B0, B1, B2 e assim por diante, até chegarmos a B9, seguida por A0. Nosso
próprio Sol pertence à classe espectral G2.
O Quadro 9 relaciona a massa e a luminosidade das estrelas por classe
espectral. Será a distribuição quantitativa dessas estrelas igual? Não.
QUADRO 9 - A seqüência principal
Classe espectral Massa Luminosidade
(Sol = 1) (Sol = 1)
O 32 6.000.000
B0 16 6.000
B5 6 600
A0 3 60
A5 2 20
F0 1,75 6
F5 1,25 3
G5 0,92 0,8
K0 0,8 0,4
K5 0,69 0,1
M0 0,48 0,02
M5 0,2 0,001

No universo, como um todo, os objetos grandes são sempre


excepcionais e menos comuns que objetos pequenos da mesma categoria.
Existem menos animais grandes que animais pequenos (compare-se o
número de elefantes com o de moscas), menos rochas grandes que grãos de
areia, menos planetas grandes que asteróides pequenos etc.
Seria de se esperar, pois, que existissem menos estrelas de grande
massa e luminosidade que estrelas pequenas e pálidas, e é isso que
acontece. Os levantamentos, feitos pelos astrônomos, das estrelas que
podem ver e as deduções que fizeram com base nesses levantamentos
levam-nos a supor que quase 3/4 de todas as estrelas em nossa galáxia
pertencem à classe espectral M, a mais baça de todas. Os resultados
detalhados são apresentados no Quadro 10.

O Colapso do Universo – Isaac Azimov 77


QUADRO 10 — Freqüência de classe espectral

Classe Percentage Número de


espectral m de estrelas estrelas na galáxia

O 0,00002 20.000
B 0,1 100.000.000
A 1 1.200.000.000
F 3 3.700.000.000
G 9 11.000.000.000
K 14 17.000.000.000
M 73 89.000.000.000
(Podemos pressupor, naturalmente, que tudo que for válido para nossa
galáxia será também para a grande maioria de outras galáxias. Não temos
nenhum motivo para acreditar que nossa própria galáxia seja particularmente
diferente.)
A pergunta seguinte é se as estrelas das várias classes espectrais levam
tempo diferente para consumir seu combustível nuclear e se, portanto,
algumas permanecem na seqüência principal mais tempo que outras e
retardam a expansão e a contração inevitáveis.
Se supusermos, por exemplo, que todas as estrelas começam suas
carreiras com uma constituição composta basicamente de hidrogênio, o
principal combustível nuclear, constatamos então que quanto mais massa
tiver uma estrela, maior será seu suprimento de combustível. Uma estrela O5,
com 32 vezes a massa (e portanto o suprimento de energia nuclear) do Sol
poderia (supomos apenas) levar 32 vezes mais tempo para consumir seu
combustível e assim permanecer tranqüilamente na seqüência principal um
período 32 vezes mais longo que o de nosso Sol — e um período 160 vezes
mais longo que o de uma estrela M5.
Contudo, as estrelas não consomem o combustível nuclear com a
mesma rapidez, independentemente de suas massas. Quanto mais massa
tiver uma estrela, com mais força seu próprio campo gravitacional consome
sua matéria e mais quente tem de ser seu núcleo a fim de compensar a
compressão gravitacional. Quanto mais quente for o núcleo, mais combustível
tem de ser consumido por segundo a fim de manter a temperatura. Em suma,
quanto maior for a massa de uma estrela, mais depressa ela tem que
consumir seu combustível nuclear.
Eddington pôde demonstrar, na verdade, que à medida que passamos
das estrelas de menor para as de maior massa o ritmo em que elas têm que
consumir seu combustível nuclear aumenta muito mais depressa que o
suprimento de combustível nuclear. Em resumo, ainda que uma estrela O5

78 O Colapso do Universo – Isaac Azimov


possa possuir 32 vezes mais energia nuclear que o Sol, aquela estrela O5
deve consumir combustível nuclear 10.000 vezes mais depressa que o Sol —
portanto, haverá de consumir seu maior suprimento de combustível nuclear
muito mais cedo do que o Sol consumirá o seu, bem menor. Dentro do
mesmo raciocínio, o Sol tem que usar seu combustível nuclear muito mais
rapidamente que uma baça estrela M5, que possui apenas um quinto do
suprimento do Sol.
Em suma, quanto maior for a massa de uma estrela, mais curta será sua
permanência na seqüência principal e mais depressa ela se tornará uma
gigante vermelha e depois se contrairá. O período de vida das várias classes
espectrais aparece no Quadro 11.

QUADRO 11 — Período de vida da seqüência principal


Classe espectral Duração da vida (anos)
O 1.000.000 ou menos
BO 10.000.000
B5 100.000.000
AO 500.000.000
A5 1.000.000.000
FO 2.000.000.000
F5 4.000.000.000
GO 10.000.000.000
G5 15.000.000.000
KO 20.000.000.000
K5 30.000.000.000
MO 75.000.000.000
M5 200.000.000.000

Uma vez que são as estrelas maiores e menos comuns as que se


contraem primeiro, eis uma explicação para a relativa raridade das anãs
brancas. Nenhuma estrela da classe espectral K ou M, que em conjunto
perfazem 87% de todas as estrelas, já teve oportunidade de utilizar todo seu
combustível nuclear, mesmo que todas elas estejam emitindo energia desde
a grande explosão. Somente as estrelas O, B, A, F e algumas G podem já
haver deixado a seqüência principal, e constituem menos de 10% de todas as
estrelas.
Mesmo assim, não explicamos inteiramente a raridade das anãs
brancas. Se todas as estrelas da galáxia tivessem se formado logo após a
grande explosão e se nenhuma se formasse desde então, não haveria na

O Colapso do Universo – Isaac Azimov 79


galáxia quaisquer estrelas maiores e mais luminosas do que as pequenas
estrelas da classe G. Todas as mais brilhantes do que essas já teriam se
expandido e contraído. No entanto, não é isso que ocorre. Existem hoje no
céu estrelas extraordinariamente brilhantes — até mesmo da classe O.
Evidentemente, as estrelas brilhantes que existem atualmente não
podem ter existido durante toda a vida do universo. Nosso próprio Sol
(pertencente à classe espectral G2) deve ser muito mais jovem do que o
universo, pois de outra forma já se teria convertido em anã branca. Na
verdade, ele parece ter sido formado há cerca de 5 bilhões de anos, quando o
universo já tinha 10 bilhões de anos. E há lugares na galáxia onde se crê
haver estrelas se condensando, rumo à ignição nuclear, neste exato
momento. E haverá estrelas que se formarão daqui a um bilhão de anos.
Durante muito, muito tempo haverá estrelas luminosas e de vida breve
no céu, nascendo e morrendo, enquanto as anãs brancas continuam a brilhar
firmemente.
Mesmo assim, se supusermos que o universo se expandirá
eternamente, então finalmente todas as estrelas, até mesmo as menores,
consumirão todo seu combustível nuclear, passando à expansão e depois à
contração. E podemos supor que daqui a muitos trilhões de anos o universo
venha a consistir em apenas dois tipos de corpos "eternos" — anãs negras,
que são as cinzas das estrelas, e objetos planetários negros, que jamais
foram estrelas.
Mas se supusermos que este é o fim, estaremos certos? Por acaso todo
objeto suficientemente grande para tornar-se uma estrela acaba como uma
anã branca que se resfria até tornar-se uma anã negra? Ou haverá objetos no
universo ainda mais estranhos que as anãs brancas?
Sim, existem objetos mais invulgares no horizonte. Não nos esqueçamos
de que estamos avançando rumo aos buracos negros.

NEBULOSAS PLANETÁRIAS
Quando uma estrela se contrai e se transforma numa anã branca, sua
massa, sob a influência de sua própria gravidade, se contrai e se torna cada
vez menor, até que o fluido eletrônico comprimido no núcleo torna-se
bastante resistente a uma contração adicional para suportar o peso das
camadas de matéria sobre ele.
Quanto maior for a massa de uma estrela em contração, com mais força
ela se encolherá e mais intensamente comprimirá o fluido eletrônico.
Para fazermos mais uma analogia, a situação é semelhante à dos pneus
que sustentam um automóvel. O peso do carro comprime o ar dentro das

80 O Colapso do Universo – Isaac Azimov


câmaras de ar. A força feita pelo ar nos pneus, de dentro para fora, aumenta
à medida que é comprimido, de modo que por fim ele passa a suportar o peso
do carro. Se carregarmos o veículo com bagagem, o ar nos pneus é
comprimido ainda mais, até ele fazer força suficiente para suportar a carga
adicional. Quanto mais peso houver, mais o ar dentro dos pneus será
comprimido.
Se tivermos isso em mente no caso de uma estrela, percebemos ser
provável que quanto maior for a massa de uma anã branca, menor em
tamanho ela deverá ser. Por isso, uma anã branca denominada Van Maanem
2 tem apenas 3/4 da massa de Sirius B — ela não se comprime tanto e tem
um diâmetro mais ou menos igual ao de Júpiter, ou seja, três vezes o de
Sirius B. Por outro lado, algumas anãs brancas de massa relativamente
grande não têm volume maior do que nossa Lua.
Mas até que ponto uma anã branca pode aumentar em massa e diminuir
de tamanho? Afinal de contas, se continuarmos a colocar peso dentro de um
carro, chegará um momento em que o material dos pneus não será
suficientemente forte para resistir à compressão cada vez maior do ar. Mais
cedo ou mais tarde, o pneu acabará por estourar.
Existe também um ponto em que o núcleo da anã branca simplesmente
não consegue sustentar a massa que o comprime.
A questão foi estudada pelo astrônomo norte-americano de origem
indiana, Subrahmanyan Chandrasekhar (1910-). Em 1931 ele conseguiu
demonstrar que há uma determinada massa crítica (limite de Chandrasekhar)
além da qual uma anã branca não pode existir, uma vez que nesse ponto o
fluido eletrônico não é capaz de suportar o peso, não importa o quanto esse
fluido esteja comprimido. O núcleo de tal estrela haverá simplesmente de
desabar.
A massa crítica, mostrou Chandrasekhar, é 1,4 vezes a do Sol. O limite
poderia ser um pouco mais alto se a anã branca estivesse girando
rapidamente, pois a ação centrífuga ajudaria a levantar uma parte da massa.
As anãs brancas, contudo, não parecem girar com rapidez suficiente para que
esse fator se torne substancial.
O limite de Chandrasekhar não é muito elevado. Todas as estrelas da
classe espectral O, B e A, juntamente com as estrelas de maior massa da
classe F, possuem massas que são 1,4 vezes maiores que a do Sol. Essas
são também as estrelas de menor período de vida, e estrelas como essas,
que se tenham formado nos primeiros tempos do universo, com toda certeza
já se expandiram e se contraíram. E depois disso, transformaram-se em quê?
Seria crível que algumas tivessem se convertido em anãs brancas de massa
muito grande, muito além do limite de Chandrasekhar — mostrando assim
que a análise desse astrônomo estava errada?

O Colapso do Universo – Isaac Azimov 81


Seria concebível que sim, mas a verdade é que todas as anãs brancas
estudadas mostraram possuir massa inferior ao limite de Chandrasekhar, e
quanto mais estrelas desse tipo são descobertas, mais correto parece o limite
estabelecido.
Outra alternativa é a de que as estrelas com massa superior ao limite de
Chandrasekhar pudessem ter perdido parte de sua massa, em alguma fase
antes ou durante sua contração.
Essa alternativa parece bastante fantasiosa. Como pode uma estrela
perder massa? O fato, entretanto, é que conhecemos vários meios pelos
quais isso pode ocorrer, e é tão provável que uma estrela com massa
particularmente grande venha a perder massa por um desses modos que
poderíamos considerar essa perda inevitável.
Consideremos o fato de que toda estrela se expande, quando sua
permanência na seqüência principal chega ao fim porque seu suprimento de
combustível nuclear caiu abaixo de algum valor crítico, transformando-se
numa gigante vermelha, que depois se contrairá.
Quanto mais massa tiver uma estrela, mais quente será seu núcleo por
ocasião da expansão. A combinação de mais massa e mais calor produz uma
gigante vermelha cada vez maior. Por outro lado, quanto maior for a massa
de uma estrela, mais rapidamente ela se contrai quando chega o momento da
contração, pois maior é o campo gravitacional que impulsiona a contração.
Suponhamos uma estrela, portanto, que tenha massa
consideravelmente maior que a de nosso Sol e que, ao inchar, se transforme
numa gigante vermelha bastante grande. As camadas mais externas da
gigante vermelha, as quais se encontram muito distantes das camadas
internas mais densas, acham-se submetidas a um puxão gravitacional
relativamente fraco. Quando a estrela se contrai, então, as camadas internas
desabam rapidamente, deixando para trás as camadas externas mais
rarefeitas. A parte da estrela que está se contraindo se aquece brutalmente, à
medida que a energia da contração é convertida em calor. A onda de calor
atinge as camadas mais externas, que estão sendo atraídas para dentro
relativamente devagar, e as empurra novamente para fora.
Portanto, se uma estrela for suficientemente densa e formar uma gigante
vermelha bastante volumosa, somente sua porção interior poderá contrair, ao
passo que a porção externa poderá ser expulsa como um turbulento invólucro
de gás. Nesse caso, embora toda a estrela possa estar acima do limite de
Chandrasekhar, a porção que se contrai pode estar abaixo dele e formar,
assim, uma anã branca.
O resultado, portanto, é uma anã branca cercada por um invólucro de
gás. A anã branca se acha quentíssima ao irradiar as vastas energias da
rápida contração, e a radiação se faz na forma de luz ultravioleta e radiações

82 O Colapso do Universo – Isaac Azimov


ainda mais carregadas de energia. O invólucro de gás absorve essa radiação
e a re-irradia como uma fluorescência de cores brandas.
O que vemos da Terra, pois, é uma estrela circundada por um anel
nebuloso. Na verdade é um invólucro, mas as partes do invólucro gasoso
viradas para nós (na frente da estrela) e as escondidas de nós (do outro lado)
são difíceis de ver porque estamos olhando o invólucro através de sua
pequena espessura. Nos lados da estrela (visível para nós) nossa linha de
visão passa pela extremidade do invólucro, atravessando uma espessura de
material relativamente grande. Por conseguinte, o invólucro mostra-se como
um anel de fumaça. O exemplo mais notável disso é a nebulosa do Anel, na
constelação da Lira.
Tais nebulosas são denominadas planetárias porque o invólucro de gás
parece circundar a estrela como se estivesse numa órbita planetária.
Conhecem-se cerca de mil nebulosas planetárias; evidentemente, talvez
existam muitas outras que não podemos enxergar. Cada uma das nebulosas
planetárias conhecidas tem uma estrela densa, quente e pequena no centro
— provavelmente uma anã branca, ainda que isso, na verdade, só pôde ser
demonstrado em alguns poucos casos.
Se as estrelas centrais das nebulosas planetárias forem realmente anãs
brancas, elas devem ter-se formado recentemente e tiveram pouco tempo
para irradiar grande parte do calor que obtiveram através da contração. E, na
verdade, essas são as estrelas com as mais elevadas temperaturas
superficiais conhecidas, variando de pelo menos 20.000°C até, em certos
casos, mais de 100.000°C.
Os invólucros gasosos que vemos parecem ter, ao que se pode avaliar,
massa equivalente a 1/5 da solar, porém talvez sejam possíveis invólucros
maiores, também. Alguns astrônomos acreditam que uma estrela possa
perder mais da metade de sua massa na forma de um invólucro gasoso e
que, se isso realmente acontecer, uma estrela com massa 3,5 vezes maior
que a do Sol pode perder massa suficiente, através da formação de uma
nebulosa planetária, para permitir que o núcleo em contração caia abaixo do
limite de Chandrasekhar e forme uma anã branca.
Naturalmente, tendo sido expulso para a periferia pelas energias da
contração do núcleo, o invólucro gasoso da nebulosa planetária está se
afastando da estrela. A velocidade desse movimento pode ser medida, sendo
característicos números entre 20 e 30 km/seg.
À medida que o invólucro de gás se afasta cada vez mais da estrela,
adquire volume cada vez maior e sua matéria se faz cada vez menos densa.
Com isso, qualquer porção do invólucro passa a receber menos radiação da
estrela e produz cada vez menos fluorescência. O resultado é que o invólucro
se torna cada vez mais opaco e menos visível, à medida que aumenta.

O Colapso do Universo – Isaac Azimov 83


Na nebulosa planetária típica, o invólucro de gás situa-se de 1/4 a 1/2
ano-luz da estrela central, ou seja, cerca de 500 vezes a distância entre
Plutão e nosso Sol.
É possível que tenham sido necessários de 20.000 a 50.000 anos de
expansão para o invólucro afastar-se a essa distância, e isso é muito pouco
na vida das anãs brancas. O simples fato de o invólucro ser visível é,
portanto, prova cabal de que a anã branca formou-se recentemente.
Cerca de 100.000 anos depois da formação da anã branca, o invólucro
gasoso ter-se-á espalhado e rarefeito ao ponto em que será insuficientemente
luminoso para ser observado da Terra. É possível, então, que aquelas anãs
brancas que não têm em volta de si um invólucro de gás só não o possuam
por terem bem mais de 100.000 anos de idade.
Entretanto, a formação de uma nebulosa planetária não é a única forma
pela qual uma estrela pode perder massa. Na verdade, são muitos os modos
pelos quais podemos encontrar matéria em explosão. A grande explosão
pode ter sido a maior e a mais sensacional manifestação desse fenômeno,
mas existem "pequenas" explosões de uma espécie ou outra, de magnitude
suficiente para serem de grandiosidade espantosa.
NOVAS
Qualquer pessoa que contemplar o céu sem nuvens, noite após noite, a
olho desarmado, observará um espetáculo que parece ser de serenidade e
imutabilidade sem igual. A tal ponto essa imutabilidade tem sido vista como
sinal de segurança, em meio à vida turbulenta, durante a história do mundo,
que qualquer alteração rara — um eclipse, uma estrela cadente, um cometa
— causa susto.
Essas mudanças intensas, perceptíveis por qualquer observador casual,
não afetavam, porém, as estrelas; eram fenômenos de nosso sistema solar.
Para um observador atento, todavia, mesmo no universo estrelado surgiam
mudanças. Ocasionalmente aparecia uma nova estrela no céu, num ponto
onde nenhuma antes havia sido detectada. Não se tratava de uma estrela
cadente; ela permanecia ali. Mas não era uma residente permanente,
tampouco. Por fim, ela desmaiava e voltava a desaparecer.
O maior dos astrônomos da antiguidade, Hiparco de Nicéia (190-120
a.C.), observou uma nova estrela desse tipo em 134 a.C. e isso o levou a
preparar o primeiro mapa estelar, para que no futuro as intrusas fossem
reconhecidas com mais facilidade.
Uma estrela temporária particularmente brilhante apareceu em
novembro de 1572 na constelação Cassiopéia, e um astrônomo dinamarquês,
Tycho Brahe (1546-1601), escreveu sobre ela um livro intitulado De Nova

84 O Colapso do Universo – Isaac Azimov


Stella (que em latim significa A respeito da estrela nova). Devido a esse título,
a palavra "nova” passou a ser aplicada às estrelas temporárias em geral.
De certa forma a designação é ruim, pois as estrelas chamadas novas
não são realmente novas, nem são verdadeiramente estrelas criadas do nada
ou de material não-estelar, que depois retornam ao nada ou a um material
não-estelar.
Logo depois que se inventou o telescópio, em 1608, tornou-se claro que
existem milhões de estrelas com luz fraca demais para serem vistas a olho
nu. Algumas dessas estrelas podiam, por algum motivo, brilhar com muito
mais intensidade por um breve período e depois sumir outra vez. Podia
ocorrer que uma estrela pálida demais para ser vista sem o telescópio
passasse a brilhar a ponto de ser vista a olho nu e depois retornasse a uma
palidez abaixo do nível da visão ordinária. Antes da invenção do telescópio
pensar-se-ia que a estrela tinha vindo do nada e retornado ao nada.
Essa idéia seria bastante fortalecida se alguma estrela baça pudesse ser
realmente vista alcançando brilho suficiente para ser detectada pela visão
ordinária, mas só em 1848 é que uma nova foi realmente apanhada em
flagrante. Por acaso, um astrônomo inglês, John Russell Hind (1823-1895),
estava observando uma estrela pálida, ordinariamente invisível a olho nu,
quando ela começou a aumentar de brilho. Atingiu o máximo na quinta
grandeza, e então já podia ser contemplada, como uma estrela débil, por
qualquer pessoa que olhasse para o ponto certo do céu. Depois, desvaneceu-
se.
Após a invenção da fotografia, partes do céu passaram a ser
fotografadas em épocas diferentes e, por comparação entre as fotos, podia-
se dizer se alguma estrela havia mudado de brilho. Outras novas puderam
ser detectadas assim; não teriam sido descobertas no ato real de aumentar
de brilho. Viu-se que as novas não eram fenômeno tão incomum como se
pensava antes. Calcula-se hoje que seria possível haver até 30 novas por
ano, em média, em nossa galáxia.
Mas, o que provoca uma nova?
Seja o que for, tem de ser alguma coisa violenta. A estrela que se
transforma em nova pode tornar-se milhares ou mesmo dezenas de milhares
de vezes mais brilhante do que era antes. Além disso, o aumento de brilho
pode ocorrer muito depressa — num dia, ou menos ainda. Depois que é
atingido o brilho máximo, o declínio nunca é tão rápido como a ascensão. À
medida que uma estrela empalidece, a velocidade do empalidecimento
adicional diminui, de modo que por fim ela pode levar anos para regressar
totalmente a seu estado primitivo.

O Colapso do Universo – Isaac Azimov 85


É bastante provável, portanto, que o súbito aumento explosivo de brilho
seja explosivo no sentido literal. Um estudo pormenorizado do espectro das
novas faz supor que tais estrelas emitam invólucros de gás.
Poderia uma nova ser o início da formação de uma nebulosa planetária?
Pode a explosão da nova ser o último arquejo de brilho antes de a estrela se
contrair numa anã branca?
Provavelmente não. Antes de se formar a anã branca, a estrela deveria
estar no estágio de gigante vermelha; no entanto, nos casos em que se pôde
observar uma estrela antes de se transformar em nova, ela não parecia ser
uma gigante vermelha. Além disso, a massa de gás ejetada por uma nova
representa apenas 1/50.000 da massa de nosso Sol. Uma nebulosa
planetária ejeta milhares de vezes mais massa.
Poderíamos esperar outras espécies de explosão além das que formam
nebulosas planetárias?
As possibilidades poderiam parecer pequenas, de início. Afinal, a
maioria das estrelas parece ser bastante estável — como nosso Sol, por
exemplo. O puxão gravitacional e a resistência oposta pela temperatura
acham-se em equilíbrio, e uma estrela como nosso Sol pode brilhar bilhões
de anos sem quaisquer mudanças súbitas de tamanho ou temperatura. Há as
manchas solares, que resfriam ligeiramente o Sol, e as chamas, que o
aquecem ligeiramente, mas as mudanças são pequeníssimas e
microscópicas em comparação com aquelas que ocorrem nas novas.
Nem todas as estrelas, contudo, são estáveis como o Sol. Há, por
exemplo, estrelas cujo brilho varia continuamente, às vezes com regularidade
rítmica. Talvez isso ocorra porque uma estrela brilhante seja eclipsada em
parte ou no todo por uma companheira mais pálida que, em sua órbita em
torno da estrela brilhante, passe periodicamente entre ela e nós.
Outras vezes, a variação decorre de mudanças na própria estrela.
Em 1784, um astrônomo inglês de origem holandesa, John Goodricke
(1764-1786) — surdo-mudo que morreu com 21 anos — observou que a
estrela Delta Cephei (na constelação Cefeu) variava de brilho. Não é uma
mudança muito grande: ela aumenta da grandeza 4,3 para a 3,6,* e depois
volta a 4,3, repetindo esse vaivém incessantemente. Em seu ponto mais
brilhante, Delta Cephei tem apenas o dobro do brilho do ponto mais pálido, e
não era provável que isso fosse notado sem um telescópio — como não é,
realmente.
Contudo, a natureza da mudança é notável. A estrela aumenta de brilho
com rapidez, empalidece mais lentamente, aumenta de brilho rapidamente,
empalidece mais lentamente, com grande regularidade, em ciclos de 5,4 dias.
Nos últimos 200 anos foram detectadas em nossa galáxia cerca de 700

86 O Colapso do Universo – Isaac Azimov


estrelas com o mesmo padrão de aumento de brilho rápido e lento
empalidecimento, e todas elas são chamadas variáreis cefeidas, em
homenagem à primeira a ser descoberta.
As variáveis cefeidas diferem quanto à duração de seus períodos.
Algumas chegam a ter um período de 100 dias, enquanto o de outras não vai
além de 1 dia. (Na verdade, há um grupo especial de estrelas variáveis, muito
semelhantes às cefeidas, que têm períodos de 6 a 12 horas e que são
chamadas estrelas Lyrae RR, por causa da primeira a ser descoberta.)
Em 1915 a astrônoma norte-americana Henrietta Swan Leabitt (1868-
1921) demonstrou que a duração do período depende da massa e do brilho
da estrela. Quanto maior for a massa de uma variável cefeida e maior sua
luminosidade, mais longo é seu período.
Aparentemente as variáveis cefeidas pulsam, e essa é a razão para sua
mudança de brilho. A variável cefeida atingiu um estágio em sua evolução em
que o equilíbrio entre a gravitação e a temperatura já não é estável. Talvez o
suprimento de combustível nuclear esteja caindo ao ponto em que a
temperatura interior comece a diminuir. Por isso, a estrela começa a desabar,
mas o próprio desabamento comprime seu interior, acelera as reações
nucleares e aumenta a temperatura. Isso obriga a substância da estrela a se
expandir novamente, e o próprio ato de expansão diminui a densidade do
interior e o resfria, de modo que recomeça uma compressão.
Quanto maior a massa de uma estrela, mais tempo é necessário para a
contração e a expansão completarem o ciclo. Esse estágio é provavelmente
breve em termos astronômicos, e após certo tempo virão as mudanças finais
que levam à expansão (e transformação numa gigante vermelha) e depois à
contração (e transformação numa anã branca).
As novas serão, porventura, variáveis cefeidas nas quais a pulsação se
tornou extrema? É possível que, com a continuação dos pulsos, eles se
tornem cada vez mais violentos, até que a expansão se torne explosiva e a
parte mais externa de uma cefeida seja expulsa, num processo que faz a
estrela aumentar de brilho temporariamente, não duas ou três vezes mais,
porém dez mil vezes mais. A perda de massa poderia acalmar a variável
cefeida e devolvê-la a um estágio de pulsação tranqüila (a qual pode,
entretanto, após certo tempo, tornar-se explosiva outra vez). É possível que
haja várias explosões antes da expansão e da contração finais.
Com efeito, já se observaram novas recorrentes, as quais já explodiram
duas ou três vezes no breve período de pouco mais de um século em que os
astrônomos têm observado as estrelas detidamente. Além disso, todas as
variáveis cefeidas, mesmo as menores delas, têm massa consideravelmente
maior que a do Sol. São estrelas grandes e brilhantes — exatamente o tipo

O Colapso do Universo – Isaac Azimov 87


de estrelas que teriam de perder massa para permaneceram dentro do limite
de Chandrasekhar e serem capazes de formar uma anã branca.
Tudo isso parece juntar-se como partes de um quebra-cabeças, mas a
idéia não se sustenta. Um estudo de estrelas que se transformam em novas,
tanto antes de isso ocorrer como depois de voltarem a empalidecer, mostra
que elas simplesmente não são variáveis cefeidas. Elas não são sequer
estrelas grandes; são pequenas e pálidas, ainda que possuam altas
temperaturas superficiais.
A combinação de pequenez e pouco brilho, com altas temperaturas
superficiais, sugere anãs brancas; no entanto, as anãs brancas são de tal
modo compactas e densas e possuem gravidade superficial tão elevada que
têm de ser muito estáveis. Como poderiam passar por uma expansão
explosiva?
Uma idéia que parece estar ganhando apoio, e que foi proposta pela
primeira vez em 1955 pelo astrônomo russo-americano Otto Struve (1897-
1963), sugere que toda nova pode ser um dos membros de um binário
estreito, uma dentre duas estrelas que giram a uma distância relativamente
pequena. Uma delas, a que chamaremos A, é a maior e por isso chega ao fim
de sua permanência na seqüência principal antes de sua companheira
menor, B. À medida que A se expande rumo ao estágio de anã branca, sem
passar pelo estágio de nebulosa planetária, a qual ainda não iniciou sua
expansão. Como resultado disso, B ganha massa e A perde massa. A pode
então encolher diretamente para o estágio de anã branca, sem passar pelo
estágio de nebulosa planetária, ainda que sua massa possa ter sido, de
início, um pouco superior à do limite de Chandrasekhar.
Por fim, chega a vez de B deixar a seqüência principal, tendo seu
período de vida sido ligeiramente abreviado pelo ganho de massa às
expensas de A. À medida que B se expande em direção ao estágio de
gigante vermelha, ela devolve o presente: parte de sua matéria se derrama
sobre A, que agora é uma anã branca.
A gravidade superficial de A é extremamente intensa e a matéria que ela
ganha sofre uma súbita compressão. Como a matéria recebida conterá
alguns átomos suscetíveis de fusão, a compressão pode eventualmente
produzir uma reação nuclear muito rápida, se ela coletar material suficiente e
assim que esse material for suficientemente comprimido. A reação nuclear
libera energias imensas, que produzem um vasto clarão, o qual explica o
repentino e enorme aumento de brilho que vemos como uma nova, bem
como a expulsão do gás candente. A nova pode repetir-se ao receber
incrementos adicionais de matéria expulsa pela expansão de B.

88 O Colapso do Universo – Isaac Azimov


Dessa maneira, B poderá terminar por se contrair e transformar-se numa
anã branca, muito embora tenha ganho massa suficiente para ultrapassar um
pouco o limite de Chandrasekhar, quando A se expandiu.
Sirius A e Sirius B seriam um bom exemplo dessa teoria, se estivessem
mais perto uma da outra. Infelizmente, a distância média entre elas é um
pouco maior que a existente entre Urano e o Sol, de modo que a influência
recíproca é limitada.
Quando ambas se formaram, há talvez 250 milhões de anos, a Estela
que hoje é Sirius B deve ter sido a maior e mais brilhante das duas, com
talvez três vezes a massa do Sol; era vista da Terra (que se achava então na
era dos dinossauros) com um brilho semelhante ao de Vênus.
Sirius B não permaneceu na seqüência principal por muito tempo;
expandiu-se, transformando-se em gigante vermelha, e depois formou uma
nebulosa planetária com talvez 2/3 de sua massa no invólucro de gás. Esse
invólucro desde então afastou-se tanto que se tornou invisível, mas parte dele
deve ter sido capturado pela distante Sirius A, cujo brilho certamente
aumentou e cuja vida por isso será abreviada. Estivesse Sirius A
consideravelmente mais perto de Sirius B e teria capturado uma porção muito
maior das camadas externas de Sirius B; poderia, então, ter ganhado massa
suficiente para deixar, ela própria, a seqüência principal pouco depois de
Sirius B. Nesse caso, é possível que Sirius A fosse hoje um binário de anãs
brancas.
Da forma como estão hoje, em algum momento no futuro, Sirius A se
expandirá para se transformar numa gigante vermelha, e então formará uma
nebulosa planetária. Sirius B haverá de receber parte do invólucro de gás,
possivelmente o suficiente para aumentar de brilho, como nova. O espetáculo
deverá ser deslumbrante para os homens que estiverem vivos e o
observarem.
Conhecemos agora dois métodos pelos quais as estrelas de grande
massa podem livrar-se de massa em quantidade suficiente para cair abaixo
do limite de Chandrasekhar e formar uma anã branca. Esses dois métodos —
a formação de nebulosas planetárias e a troca de matéria entre os pares de
um binário próximo — funcionam para estrelas de tamanho moderado, até
três vezes a massa do Sol. No entanto, há estrelas com massa ainda maior.
E o que dizer delas? Voltemos à questão das novas.
SUPERNOVAS
Antes do telescópio, as únicas novas que certamente poderiam ser
notadas seriam aquelas de brilho excepcional.
A nova sobre a qual Tycho Brahe escreveu seu livro, a que deu nome ao
fenômeno, foi um exemplo desse tipo. Ao atingir seu ponto máximo, o brilho

O Colapso do Universo – Isaac Azimov 89


da nova de Tycho era 5 a 10 vezes maior que o de Vênus, e talvez 100 vezes
maior que o da estrela estável mais brilhante, Sirius. A nova de Tycho podia
ser vista de dia, e à noite chegava a lançar uma sombra fraca, capaz de ser
vista se a Lua não estivesse no céu.
Mais tarde, em 1604, apareceu outra nova brilhante na constelação
Ofiuco. Essa nova teria, talvez, apenas 1/30 do brilho da de Tycho, mas ainda
era cerca de três vezes mais brilhante do que Sirius. Desde então não
apareceu nenhuma outra nova tão espetacular quanto essas duas.
Entretanto, houve um caso anterior de uma outra nova brilhante — a que
apareceu em julho de 1054 na constelação do Touro. Não há registros de sua
observação na Europa, que estava então emergindo de uma "idade das
trevas" durante a qual a astronomia praticamente deixou de existir. Dispomos
de registros, entretanto, feitos por astrônomos da China e do Japão.
A nova de 1054, tal como a de Tycho, era muito mais brilhante do que
Vênus. Na verdade, era provavelmente a mais brilhante das duas e pôde ser
vista em pleno dia durante 23 dias. Lentamente empalideceu após ter
alcançado seu brilho máximo, mas passaram-se quase dois anos antes que
ela voltasse a ser invisível a olho nu.
Por que essas novas são muito mais brilhantes do que outras? Uma
resposta lógica seria, aparentemente, que elas simplesmente estavam mais
perto de nós e por isso pareceram mais brilhantes.
Em 1885, entretanto, apareceu uma nova na região que era então
denominada nebulosa de Andrômeda (a palavra "nebulosa" vem do latim
nebula, que significa "nuvem"). A "nebulosa de Andrômeda" é uma mancha
nevoenta de luz que os astrônomos julgavam ser uma nuvem de gás e poeira
dentro de nossa própria galáxia. A nova, que eles simplesmente supuseram
estar por acaso na direção da nuvem, não tinha nada de particularmente
notável, pois alcançou apenas um brilho máximo de sétima grandeza e jamais
foi suficientemente brilhante para ser observada sem auxílio de telescópio.
Não obstante, com a observação atenta da nebulosa de Andrômeda nos
anos seguintes descobriram-se em seus limites inúmeras outras novas.
Tamanha quantidade de novas não poderia ser descoberta numa só direção;
isso seria atribuir à coincidência coisas demais. Surgiu então a idéia de que a
nebulosa de Andrômeda fosse um grupo distante de estrelas, pálidas demais
para serem vistas individualmente, exceto quando uma se transformava em
nova. Por fim, por volta da década de 1920 havia um consenso geral de que
devíamos falar da galáxia de Andrômeda, que é uma galáxia muito distante
da nossa, e bem maior.
Todas as novas observadas na galáxia de Andrômeda após a nova de
1885 eram notavelmente pálidas e equivaliam às novas ordinárias de nossa
própria galáxia.

90 O Colapso do Universo – Isaac Azimov


Mas a nova de 1885 era diferente. Tinha de ser muito mais brilhante que
as novas comuns, tanto as da galáxia de Andrômeda quanto da nossa. Era
tão brilhante que, sozinha, havia momentaneamente fugido quase com o
mesmo brilho de toda a galáxia de Andrômeda. Ao atingir o máximo, era 10
bilhões de vezes mais brilhante que nosso Sol e 100.000 vezes mais que
uma nova comum. Era o que passou a ser chamado de supernova, de modo
que a nova de 1885 veio a ser designada como S Andromedae, o S
significando supernova.
Estabelecido isso, ficou claro que as novas brilhantes de 1054, 1572 e
1604 eram supernovas de nossa própria galáxia.
As supernovas são muito mais raras que as novas. Os astrônomos as
vêem de vez em quando, aqui e ali, numa galáxia distante ou noutra. Assim
que uma supernova passa a existir, sua detecção é fácil. Quando uma estrela
fulge em alguma galáxia e atinge um brilho máximo que lhe dá o mesmo
brilho de todo o resto da galáxia junta, um astrônomo sabe que está diante de
uma supernova. Talvez se possa dizer que há, em média, 3 supernovas por
milênio por galáxia, em comparação com 30.000 novas comuns. Em outras
palavras, para cada 10.000 novas há uma supernova.
É difícil estudar com detalhes as supernovas, quando estão em galáxias
situadas a milhões de anos-luz. Uma supernova em nossa própria galáxia
seria muito mais útil, mas por azar nenhuma foi vista desde 1604, de modo
que nenhum objeto próximo, desse tipo, jamais pôde ser investigado com o
telescópio. Na verdade, nos quatro séculos transcorridos desde 1604, S
Andromedae foi a supernova mais próxima que se pôde observar.
É obvio que a supernova deve representar uma imensa explosão de
uma estrela de tamanho e massa particularmente grandes. De outra forma,
não poderia produzir radiação 10 bilhões de vezes maior que a do Sol.
Além disso, uma supernova emite invólucros de gás, os quais são
incomparavelmente maiores que os produzidos por nebulosas planetárias,
tanto em termos de massa como de energia. O exemplo mais conhecido está
em Touro, no local da grande supernova de 1054. Temos ali uma grande
mancha de gás fulgurante.
Essa mancha foi observada pela primeira vez em 1731 pelo astrônomo
inglês John Bevis (1963-1771). Em 1844 o astrônomo irlandês William
Parsons, Lord Rosse (1800-1867), examinou-a atentamente com um grande
telescópio que ele havia construído e observou que a nuvem está cheia de
filamentos irregulares que lhe lembraram as pernas de um caranguejo.
Chamou-a de nebulosa do Caranguejo, e este é o nome pela qual é
conhecida até hoje.
Um estudo detido dos gases da nebulosa do Caranguejo mostra que
eles ainda estão se expandindo a uma velocidade de aproximadamente 1.300

O Colapso do Universo – Isaac Azimov 91


km/seg. (Essa velocidade, tão maior do que a do invólucro de uma nebulosa
planetária, é por si só prova do poder incomparável da explosão da
supernova.) Calculando-se no sentido inverso, parece que todo o gás estava
no centro justamente na época da supernova de 1054.
Os astrônomos fazem os cálculos retrocederem em outros casos. Se
encontram tênues filamentos de gás que parecem fazer parte de um
invólucro, suspeitam que em alguma época, no centro daquele invólucro,
explodiu uma supernova. Pela velocidade de expansão do invólucro podem
até mesmo avaliar há quanto tempo se deu essa explosão. Cerca de 14
supernovas, inclusive as três que conhecemos, parecem ter explodido em
nossa galáxia nos últimos 20.000 anos. Se o número de supernovas em
nossa galáxia for igual ao de outras, deve ter havido 60 ou 65. As 50,
aproximadamente, que não vimos, devem ter explodido em partes distantes
da galáxia, partes que não conseguimos ver por causa da interposição das
nuvens de poeira.
Dentre as supernovas restantes que podemos detectar, a mais próxima
parece ter sido uma na constelação de Vela. Essa supernova, que deu
origem a uma nuvem de gás chamada nebulosa Gum (em homenagem ao
astrônomo australiano Colin S. Gum, que foi o primeiro a estudá-la em
detalhes, nos anos 50, e que morreu num acidente de esqui, em 1960) tem
seu centro situado a apenas 1.500 anos-luz da Terra, ao passo que a
nebulosa do Caranguejo está a 4.500 anos-luz de nós. A borda mais próxima
da nebulosa Gum acha-se a somente 300 anos-luz da Terra.
A supernova de Vela, que deu origem à nebulosa Gum, fulgiu há cerca
de 15.000 anos, quando a Era Glacial chegava ao fim. Em seu momento de
brilho máximo pode ter sido tão brilhante como a Lua cheia, durante alguns
dias, e os homens pré-históricos terão assistido a um espetáculo maravilhoso.
O que acontece para provocar uma supernova?
Quanto maior for a massa de uma estrela, mais alta será sua
temperatura interna, em todas as fases de sua evolução. Uma estrela de
massa realmente grande atinge temperaturas internas que estrelas menores
jamais atingem nem podem atingir, e para explicar as supernovas temos de
investigar as coisas que acontecem a essas altíssimas temperaturas.
O astrônomo sino-americano Hong-Yee Chiu (1932-) propôs uma
explicação interessante. As reações nucleares no centro da estrela, diz ele,
provocam a emissão de duas espécies de partículas sem massa, que viajam
à velocidade da luz. Uma delas é o fóton, a partícula fundamental da luz e
das radiações semelhantes à luz. A outra é o neutrino.
Essas duas espécies de partículas diferem no seguinte:

92 O Colapso do Universo – Isaac Azimov


Os fótons são facilmente absorvidos pela matéria, de modo que tão logo
se formam são absorvidos. A seguir, formam-se de novo e são reabsorvidos,
um número indefinido de vezes, pelo que só podem mover-se à velocidade da
luz durante os diminutos e raros intervalos entre a formação e a absorção. O
resultado é que os fótons lavam cerca de um milhão de anos para percorrer a
distância entre o núcleo da estrela, onde são formados, até a superfície, de
onde escapam. Assim a exaustão da energia central por meio de fótons é
pequeníssima, e a estrelas, ao emitirem fótons, irradiam sua energia de uma
maneira lenta e contínua, podendo por isso durar bilhões de anos.
Os neutrinos formados não reagem absolutamente com a matéria (ou
reagem muito pouco), e uma vez formados no núcleo da estrela eles
atravessam as suas camadas externas à velocidade da luz, como se nada
existisse ali. São necessários cerca de 3 segundos para os neutrinos viajarem
do núcleo de nosso Sol à sua superfície e depois saltarem para o espaço.
Poderiam levar 12 segundos para percorrer o mesmo caminho nas estrelas
maiores da seqüência principal. Assim sendo, toda energia emitida na forma
de neutrinos se perderia quase no mesmo instante.
Nas estrelas comuns, entretanto, a percentagem de energia emitida sob
a forma de neutrinos é muito pequena, de modo que em geral só temos de
levar em consideração os fótons.
Chiu sugere, no entanto, que a temperaturas extremamente elevadas —
da ordem de 6 bilhões de graus, digamos — as espécies de reações
nucleares ocorridas começam a formar neutrinos em grande quantidade. A
temperatura interna do Sol, atualmente, é de apenas 15.000.000°C
aproximadamente, e o Sol jamais atingirá uma temperatura de 6 bilhões de
graus, em nenhuma circunstância. Contudo, as estrelas possuidoras de
massa suficientemente grande atingem essas temperaturas, e quando se
chega ao ponto crítico, no qual de repente uma enorme quantidade de
neutrinos começa a se formar, todos eles escapam da estrela em segundos,
levando energia consigo e esgotando o núcleo da energia necessária para
manter a estrela expandida, em face da atração da gravidade.
Como resultado disso, o centro da estrela esfria-se rapidamente, talvez
em questão de minutos, e a estrela desaba sobre si mesma com uma
violência que sobrepuja tudo quanto possa acontecer na formação de
nebulosas planetárias.
Nessas estrelas de grande massa, cujos centros têm uma temperatura
da ordem de 6 bilhões de graus e nas quais os núcleos atômicos chegaram
ao nível do ferro, através do processo de fusão, as camadas exteriores ainda
se acham relativamente frias e ainda se compõem de núcleos atômicos
menores. Se nos imaginarmos passando do centro da estrela para a
superfície, percorremos regiões crescentemente isentas de evolução, onde se
encontra um número cada vez maior de núcleos menores que são capazes

O Colapso do Universo – Isaac Azimov 93


de se combinar e produzir energia e que apresentam temperaturas cada vez
menores, de modo que as reações de fusão ainda não ocorrem. Nas regiões
mais periféricas da estrela é possível que ainda haja abundância de
hidrogênio.
Com a súbita e esmagadora implosão da estrela, a temperatura como
um todo se eleva a níveis colossais, devido à conversão da energia
gravitacional em calor, e todo o combustível nuclear restante na estrela entra
em fusão quase instantaneamente. Isso dá origem à enorme explosão da
supernova e possibilita à estrela fulgir temporariamente com o mesmo brilho
de toda uma galáxia.
Na fúria da explosão, acontecem duas coisas. Em primeiro lugar,
formam-se muitos núcleos atômicos que são mais complexos que o ferro,
pois há um vasto excedente temporário de energia que possibilita a formarão
de tais núcleos. Em segundo lugar, a explosão expulsa da estrela vastas
quantidades de matéria, sob a forma de um invólucro de gases aquecidos
contendo todos os átomos complexos que se formaram — até aqueles com
núcleos cinco vezes maiores que os do ferro. No decurso de um período de
milhares de anos, essa matéria gradualmente se espalha pelo espaço, se
rarefaz e torna-se parte dos tenuíssimos gases do espaço interestelar.
Por fim, formam-se novas estrelas de segunda geração, a partir dos
gases que são, em parte, remanescentes dessas antigas estrelas.
As estrelas de primeira geração, formadas da matéria primeva da grande
explosão, compõem-se quase inteiramente de hidrogênio e hélio, e o mesmo
terá que acontecer com seus planetas. Núcleos mais complexos que o hélio
só são encontrados no centro dessas estrelas, e ali eles permanecem — se
não houver explosões como as das supernovas.
As estrelas de segunda geração, como nosso próprio Sol, começam com
núcleos complexos que as supernovas dispersaram, acrescentados em
pequenas quantidades ao hidrogênio e ao hélio. Os planetas das estrelas de
segunda geração, como a Terra, possuem também esses núcleos atômicos.
A vida seria impossível sem esses elementos mais complexos que o hélio, e
todos os átomos no interior de nossos corpos, exceto o hidrogênio, se
encontravam no passado no centro de estrelas que explodiram como
supernovas.
A fantástica explosão de uma supernova pode expulsar para o espaço
até 9/10 da matéria de uma estrela, deixando apenas um pequeno resto para
desabar e assim permanecer. Não é difícil imaginar que uma supernova deixe
sempre um resto inferior ao limite de Chandrasekhar, de modo que,
independentemente do tamanho anterior de uma estrela, ela sempre possa
tornar-se uma anã branca — serenamente, se tiver menos de 1,4 vezes a

94 O Colapso do Universo – Isaac Azimov


massa do Sol, ou com uma explosão de violência tanto maior quanto mais
acima ela estiver daquele limite.
Como existem, segundo cálculos, três supernovas por milênio em cada
galáxia, e como se estima que o universo tenha cerca de 15 bilhões de anos,
é possível que tenha havido cerca de 45 milhões de explosões de supernovas
em nossa própria galáxia. Se todas essas supernovas deram origem a anãs
brancas, elas representariam mais ou menos 1% do número total de anãs
brancas que se julga existir em nossa galáxia.
Isso parece razoável. Podemos supor que somente as estrelas de
massa muito grande passam por uma explosão do tipo supernova, ao passo
que as estrelas menores chegam ao estágio de anã branca por meio de
explosões do tipo nebulosa planetária ou mesmo por contrações mais
tranqüilas. E existem mais estrelas pequenas que estrelas grandes, de modo
que haverá muito mais anãs brancas do que houve explosões de supernovas.
(Cumpre lembrar, todavia, que mesmo as "estrelas pequenas" aqui
mencionadas não são muito menores que nosso Sol. Nenhuma das estrelas
realmente pequenas que constituem a grande maioria já viveu o suficiente
para atingir o ponto de expansão e contração, nem mesmo que houvessem
nascido no momento da grande explosão.)
Assim, seria crível que já tenhamos uma imagem clara do fim das
estrelas, e que esse fim seja sempre a anã branca se resfriando e se
transformando em anã negra. No entanto, alguns astrônomos não ficaram
satisfeitos...

Estrelas de Nêutrons
ALÉM DA ANÃ BRANCA

O Colapso do Universo – Isaac Azimov 95


Já se descobriram estrelas com até 50 e, possivelmente, 70 vezes a
massa do Sol. Quando tal estrela explode, ocorre algo de indescritível. Além
disso, quando ela explode tem de perder 97 ou 98% de sua massa para que
o restante tenha apenas 1,4 vezes a massa do Sol e possa contrair-se com
segurança para o estágio de anã branca.
Isso pode acontecer, é claro. Mas, e se não acontecer? Os astrônomos
sabem que as supernovas se libertam de grande quantidade de massa, mas
não há nada no processo, ao que saibam, que afirme que uma supernova
tenha de libertar-se de massa suficiente para deixar apenas um corpo abaixo
do limite de Chandrasekhar. E se, após a explosão de supernova, o que
restar de uma estrela tenha uma massa duas vezes maior que a do Sol e
essa massa de dois Sóis se contrair? O fluido eletrônico assim formado se
contrairá... se contrairá... e pam! A atração da gravidade será simplesmente
intensa demais para ser neutralizada pelo fluido eletrônico em sua
compressão máxima.
Os elétrons serão então impelidos para dentro, atingindo densidades em
que na verdade não podem existir. Dentro do fluido eletrônico os prótons e
nêutrons vinham se movimentando livremente; agora os elétrons se
combinarão com os prótons para formar nêutrons adicionais. Os elétrons e os
prótons acham-se presentes em qualquer pedaço de matéria, seja ele um
fragmento de poeira ou uma estrela, em quantidades aproximadamente
iguais, de modo que o resultado da união será que, na prática, a estrela em
contração consistirá apenas de nêutrons.
Esses nêutrons serão impelidos pela contração gravitacional até ficarem
praticamente em contato. Então, e apenas então, essa contração se
interromperá. A força nuclear, que governa a interação das partículas com
massa, impede os nêutrons de se aproximarem mais. Não se trata agora de
força gravitacional equilibrada pela força eletromagnética, como acontece nos
planetas, nas estrelas comuns e até nas anãs brancas. Trata-se da força
gravitacional equilibrada pela força nuclear, que é muito mais forte do que a
eletromagnética.
Uma estrela composta de nêutrons em contato denomina-se estrela de
nêutrons. Ela é constituída de um fluido neutrônico que às vezes é chamado
neutrônio. Em certo sentido, um núcleo atômico é composto de neutrônio e,
inversamente, uma estrela de nêutrons é como um gigantesco núcleo. O
neutrônio é inacreditavelmente denso; atinge um pico de algo como
1.000.000.000.000.000 (ou 1015) vezes a densidade da matéria comum.
Se uma esfera de matéria comum fosse convertida numa esfera de
neutrônio, seu diâmetro se reduziria a 1/100.000 do original, sem perda de
massa. Assim, se a Terra fosse subitamente convertida em neutrônio, seu
diâmetro, que é de 12.740 km, se reduziria a 0,127 km (127 metros). Uma

96 O Colapso do Universo – Isaac Azimov


esfera com diâmetro igual a um quarteirão e meio conteria toda a massa da
Terra.
Da mesma forma, se o Sol, cujo diâmetro é de 1.400.000 km, fosse
convertido em neutrônio, passaria a ser uma esfera com 14 km de diâmetro.
Teria o volume de um pequeno asteróide, mas conteria toda a massa do Sol.
Não é seguro, como veremos, imaginar estrelas de nêutrons com massa
muito maior que a de nosso Sol, mas apenas para termos uma imagem clara
podemos imaginar que a estrela conhecida de maior massa se transforme, de
algum modo, em neutrônio e não perca nem um pouco de sua massa. Ela
passaria a ser uma esfera com apenas 50 ou 60 km de diâmetro.
Até mesmo o ovo cósmico já foi imaginado como uma gigantesca bola
de neutrônio contendo toda a massa do universo — um "universo de
nêutrons", por assim dizer. Ele teria 300.000.000 km de diâmetro. Se tal ovo
cósmico fosse colocado onde se encontra o Sol, ele alcançaria apenas o
cinturão dos asteróides e, no entanto, conteria toda a massa dos
100.000.000.000 de estrelas de nossa galáxia e de todas as estrelas de
100.000.000.000 de outras galáxias.
Tampouco precisamos imaginar que somente massas acima do limite de
Chandrasekhar formem estrelas de nêutrons. Quando uma supernova
explode, a contração daquela porção da estrela que não é expulsa é tão
repentina que ela esmaga o fluido eletrônico com incrível velocidade.
Portanto, é menos a pura massa do que a rápida contração que rompe a
barreira do fluido eletrônico. Assim que o fluido eletrônico é esmagado, esse
esmagamento se torna irreversível; o fluido eletrônico não pode reconstituir-
se. Em conseqüência disso, surge uma estrela de nêutrons com apenas 1/5
da massa de nosso Sol e com um diâmetro de apenas 8,2 km.
A probabilidade de que a força do desabamento de uma supernova
possa esmagar o fluido eletrônico, mesmo quando a massa em contração
está abaixo do limite de Chandrasekhar, faz com que as supernovas pareçam
forçosamente formar estrelas de nêutrons. Só haverá formação de anãs
brancas quando estrelas pequenas demais para explodirem como
supernovas atinja seu ciclo de expansão e contração sem nada pior do que o
surgimento de uma nebulosa planetária.
Em 1934 o astrônomo suíço-americano Fritz Zwicky (1898-1974) e o
astrônomo germano-americano Walter Baade (1893-1960) foram os primeiros
a especular quanto à possibilidade da formação e existência de estrelas de
nêutrons. Alguns anos depois, o físico norte-americano J. Robert
Oppenheimer (1904-1967) e um aluno seu, George M. Volkoff,
pormenorizaram a teoria.

O Colapso do Universo – Isaac Azimov 97


Entretanto, veio a 2ª Guerra Mundial, que se tornou a preocupação única
dos cientistas. Oppenheimer, por exemplo, chefiou a equipe que criou a
bomba nuclear.
Contudo, mesmo se descontando as pressões do trabalho de guerra, o
interesse pelas estrelas de nêutrons não era muito generalizado entre os
cientistas. Afinal, o assunto parecia excessivamente teórico. Um astrônomo
seria capaz de explicar exatamente o que poderia acontecer na explosão de
uma supernova. Podia calcular a maneira como a matéria seria expulsa, em
que ponto o fluido eletrônico seria esmagado e como se poderia formar o
neutrônio — no entanto, tudo isso permaneceria como números no papel.
Como se poderia provar que a teoria estava correta e que existem as
estrelas de nêutrons? Seria razoável supor que um objeto com 8 a 15 km de
diâmetro e, seguramente, a anos-luz de distância, pudesse ser visto?
Mesmo que uma estrela de nêutrons tivesse o mesmo brilho intenso da
estrela mais brilhante, sua superfície reduzidíssima emitiria somente um
lampejo fosco. Mesmo que o maior e mais bem construído telescópio fosse
assestado em sua direção, ela apareceria, na melhor das hipóteses, como
uma estrela muito, muitíssimo pálida. Como seria possível a uma pessoa
dizer que se tratava de uma estrela de nêutrons que se encontrava perto o
bastante para ser detectada, ao invés de uma estrela comum, que só parecia
pálida por se encontrar extremamente distante?
Então, por que nos preocuparmos com as estrelas de nêutrons?
Enquanto a única maneira importante pela qual os astrônomos podiam
estudar o céu era observando a luz emitida pelos objetos, era inútil pensar
nas estrelas de nêutrons. Contudo, com o avanço do século XX, os
astrônomos se tornaram cada vez mais conscientes de radiações cósmicas,
diferentes da luz e, por fim, o problema de se detectar uma estrela de
nêutrons acabou não parecendo tão impossível assim.

ALÉM DA LUZ
Em 1911 o físico austríaco-americano Victor Francis Hess (1883-1964)
demonstrou que algumas formas de radiação muito fortes atingem a Terra,
vindas do espaço; por isso, foram chamadas de raios cósmicos.
Os raios cósmicos compõem-se de núcleos atômicos muito velozes,
carregados eletricamente, que com toda certeza se originaram nos milhões
de supernovas que já explodiram em nossa galáxia. Entretanto, como os
raios cósmicos são carregados eletricamente, seus caminhos descrevem
curvas, em respostas aos vários campos magnéticos associados às estrelas
e à Galáxia como um todo. Terminam chegando até nós de todas as
direções, e não há nenhum meio de sabermos de qual direção específica

98 O Colapso do Universo – Isaac Azimov


uma determinada partícula de raio cósmico iniciou suas viagens. Embora os
raios cósmicos continuem a interessar aos astrônomos, não podem ser
usados para nos prestar informações a respeito de estrelas particulares.
Em 1931 o engenheiro eletrônico norte-americano Karl Guthe Jansky
(1905-1950) descobriu que existem microondas que chegam até nós,
provenientes do céu. As microondas são radiações semelhantes à luz e sem
carga elétrica, de modo que viajam em linha reta, sem serem afetadas por
campos magnéticos. Como o nome indica, as microondas são constituídas de
ondas, tal como a luz, mas são cerca de um milhão de vezes mais longas do
que as ondas luminosas.
Apesar disso, o micro de microondas é uma palavra grega que significa
"pequeno", pois as microondas pertencem a um grupo de radiações
chamadas ondas de rádio, sendo as menores desse grupo. (Aliás, as
microondas são comumente chamadas de ondas de rádio.)
Em virtude de as microondas serem tão longas, comparadas com as
ondas luminosas, têm menos energia e são detectadas com menos
facilidade. Além disso, a exatidão com que uma fonte de ondas pode ser
determinada diminui com o comprimento da onda, se todas as outras
circunstâncias forem iguais. Por conseguinte, era muito mais difícil descobrir
o ponto de origem das microondas do que o da luz. Durante longo tempo,
portanto, pouco se pôde fazer com as microondas.
A existência de microondas provenientes do céu deixou claro que as
estrelas emitem radiações em todos os comprimentos de onda. Sucede que
os comprimentos curtos da luz ordinária e os comprimentos longos das
microondas conseguem penetrar em nossa atmosfera, enquanto os demais
comprimentos de onda não o podem fazer. Por um motivo ou outro, a
atmosfera é mais ou menos opaca aos comprimentos de onda mais curtos
que o da luz visível, mais longos do que os das microondas, ou intermediárias
entre as duas.
No começo da década de 1950 começaram a ser enviados foguetes
além da atmosfera, a fim de estudar e medir essas faixas de ondas
bloqueadas pela atmosfera. A princípio os foguetes só conseguiam
permanecer além da atmosfera durante curtos períodos, antes de voltarem à
Terra.
A partir de 1957, entretanto, a União Soviética e depois os Estados
Unidos começaram a colocar satélites em órbita ao redor da Terra, além da
atmosfera. Esses satélites podiam permanecer ali durante períodos
indeterminados e eram capazes de transportar instrumentos para detectar
toda a faixa de radiações vindas do espaço. Com os instrumentos
apropriados, podiam detectar: radiação ultravioleta, que tem comprimentos de
onda mais curtos do que os da luz visível; raios X, cujos comprimentos de

O Colapso do Universo – Isaac Azimov 99


onda são ainda menores; e até raios gama, que apresentam comprimentos
de onda ainda mais curtos.
Isso despertou esperanças, pois acontecimentos violentos envolvem
temperaturas mais elevadas e, portanto, radiação mais energética. Qualquer
estrela pode emitir luz, mas apenas as estrelas violentas — e por isso
interessantes — emitem raios X, por exemplo.
Para ilustrarmos, nosso próprio Sol emite raios X a partir de sua tênue
atmosfera exterior, a corona. Isso porque o calor produzido pelo Sol é
absorvido pelos átomos escassamente dispersos da corona, e portando cada
átomo tem sua temperatura elevada a um milhão de graus ou mais. (Contudo,
o calor total da corona não é muito grande, pois embora cada um dos átomos
tenha temperatura tão alta, eles são muito poucos.)
Por estar tão perto da Terra, o Sol é para nós o mais importante emissor
de raios X no espaço, mas se ele estivesse a uma distância igual às das
estrelas mais próximas sua radiação de raios X seria tão diluída pela
distância que não poderia ser detectada. Sirius, por exemplo, é
consideravelmente maior e mais quente que o Sol, e portanto emite raios X
com intensidade várias vezes superior à do Sol. No entanto, Sirius acha-se a
uma distância de quase nove anos-luz e seus raios X não podem ser
detectados.
Se os raios X pudessem ser detectados a distâncias estelares,
indicariam violência realmente sem par, mas a princípio os astrônomos
julgaram que tais detecções não poderiam ser feitas. No começo de 1960
pressupunham que o Sol fosse a única fonte de raios X detectável no espaço.
Não obstante, havia algum interesse em estudar o céu noturno, pois era
possível que os raios X solares pudessem ser refletidos da Lua e que isso
nos pudesse prestar alguma informação a respeito da superfície lunar. (Isso
foi antes que os astronautas caminhassem na Lua.)
Em 1963, sob a orientação do astrônomo americano Herbert Friedman
(1916-), realizaram-se investigações além da atmosfera para detecção de
raios X provenientes da Lua. Esses raios X não foram detectados, mas,
surpreendentemente, detectaram-se outros, vindos de outras direções. Desde
então foram lançados alguns satélites com o objetivo precípuo de mapear o
céu em busca de fontes de raios X, sendo localizadas centenas delas.
Isso deu ao universo um aspecto inteiramente novo. Uma fonte de raios
X que pode ser detectada a distância das estrelas e, até mesmo, em muitos
casos, a distância das outras galáxias, só pode assinalar acontecimentos
muito invulgares.
Para começar, a existência de tais fontes de raios X deu origem a
esperanças de que se pudessem detectar estrelas de nêutrons. Quando uma
estrela de nêutrons se forma, ela é, por assim dizer, como o âmago exposto

100 O Colapso do Universo – Isaac Azimov


de uma estrela e possui, em sua superfície, a temperatura de um interior
estelar. Cálculos teóricos fazem crer que a superfície de uma estrela de
-nêutrons fulgiria a uma temperatura de 10.000.000°C.*
Uma estrela de nêutrons com superfície tão quente emitiria radiação
principalmente na região dos raios X. Conseqüentemente, imaginou-se se
algumas das fontes de raios X no espaço não poderiam originar-se de
estrelas de nêutrons.
Essa não era a única possibilidade, é claro. Os raios X poderiam
originar-se dos gases quentíssimos expulsos pelas supernovas, por exemplo,
da mesma forma como se originam da coroa solar.
Essas duas possibilidades poderiam ser distinguidas da seguinte
maneira: uma estrela de nêutrons seria um ponto diminuto no céu, ao passo
que uma região de gases representaria claramente uma mancha. Muito
dependeria, pois, de os raios X parecerem provir de um único ponto ou de
uma área mais ampla.
Uma das primeiras áreas suspeitas foi a nebulosa do Caranguejo, Essa
nebulosa constitui os remanescentes de uma tremenda supernova, e poderia
haver uma estrela de nêutrons em algum ponto, no meio de todos àqueles
gases. E, naturalmente, os gases estão ali, e eles se acham evidentemente
num turbilhão energético. Os raios X poderiam vir de uma estrela de
nêutrons, se houvesse uma ali, ou dos gases, ou de ambos.

* Se o ovo cósmico fosse uma gigantesca estrela de nêutrons, sua temperatura


superficial seria provavelmente de, pelo menos, 1.000.000.000.000°C e ela emitiria
raios gama.
Em 1964 sabia-se que a Lua haveria de passar em frente da nebulosa
do Caranguejo e, à medida que ela avançasse, bloquearia a emissão de raios
X. Se esses raios estivessem vindo apenas da estrela de nêutrons,
continuariam a chegar com plena intensidade, enquanto a Lua avançasse, e
de repente cairiam a zero. Se os raios X estivessem vindo do gás,
diminuiriam de intensidade paulatinamente. Se proviessem de ambos,
diminuiriam aos poucos, de início, depois sofreriam uma queda repentina, e
depois continuariam a diminuir regularmente, como no início.
No momento apropriado, foi lançado um foguete para medir a
intensidade dos raios X provenientes da nebulosa do Caranguejo, e os
valores caíram gradualmente, enquanto a Lua avançava. Os raios X pareciam
provir do gás turbulento e, com isso, desvaneceram-se as esperanças de
detecção de uma estrela de nêutrons.

PULSARES

O Colapso do Universo – Isaac Azimov 101


Enquanto isso, entretanto, os astrônomos haviam começado a trabalhar
com microondas, e a ciência da radioastronomia havia se transformado
rapidamente, ganhando alta complexidade e eficiência. Os astrônomos
aprenderam a utilizar complexos sistemas de dispositivos detectores
(radiotelescópios) de maneira a poder localizar fontes de microondas com
grande precisão e descrever suas propriedades com muitos detalhes.
No começo da década de 1960, por exemplo, os radioastrônomos
perceberam que algumas fontes de microondas mudam de intensidade com
bastante rapidez, como se estivessem cintilando. Começaram a projetar
radiotelescópios adaptados especialmente para captar as rápidas mudanças.
Um desses radiotelescópios foi projetado no observatório da Universidade de
Cambridge, por Anthony Hewish (1924-) e compunha-se de 2.048 dispositivos
de recepção separados, espalhados por uma área de 18.000 m2.
Em julho de 1967 o novo radiotelescópio começou a sondar os céus, e
daí a um mês uma jovem estudante, Jocelyn Bell, estava recebendo jorros de
microondas provenientes de um ponto entre as estrelas Vega e Altair. A
princípio ela pensou que se tratasse de interferência no radiotelescópio,
devido a aparelhos elétricos nas vizinhanças. Entretanto, descobriu que as
fontes das emissões de microondas se moviam regularmente, noite após
noite, acompanhando as estrelas. Alguma coisa fora da Terra tinha de ser
responsável por elas, e Jocelyn transmitiu os resultados a Hewish.
Em fins de novembro o fenômeno podia ser estudado em detalhes.
Hewish havia esperado flutuação rápida, mas não tão rápida. Cada emissão
de microondas durava apenas 1/20 de segundo, e as emissões ocorriam a
intervalos de 1⅓ segundos. Na verdade, ocorriam com extraordinária
regularidade — a cada 1,33730109 segundos.
O novo instrumento captava essas emissões de microondas com
facilidade, pois cada uma das emissões tinha energia suficiente para ser
detectada sem problemas. Contudo, os radiotelescópios comuns não haviam
sido projetados para captar essas emissões curtíssimas e haviam detectado
apenas uma intensidade de microonda média, inclusive o período morto entre
as emissões. Essa média é apenas 3,7% das máximas das emissões, e isso
tinha passado despercebido.
A pergunta que se fazia era: o que representava esse fenômeno? Como
a fonte de microondas parecia ser um simples ponto no espaço, Hewish
pensou que ela poderia representar algum tipo de estrela. Como as
microondas emergiam em pulsos curtos, ele pensou nessa estrela como uma
espécie de estrela pulsante. A expressão foi abreviada quase imediatamente
para pulsar, e foi assim que o novo objeto passou a ser conhecido.

102 O Colapso do Universo – Isaac Azimov


Hewish procurou outros objetos desse tipo entre os longos registros de
suas observações anteriores, com seus instrumentos, e encontrou mais três
pulsares. Conferiu o registros e a 9 de fevereiro de 1968 anunciou sua
descoberta ao mundo.
Outros astrônomos começaram a pesquisar avidamente, e mais pulsares
foram rapidamente descobertos. Em 1975 já se conheciam 100 pulsares, e é
possível que haja até 100.000 delas em nossa galáxia.
Dois terços dos pulsares descobertos situam-se nas direções em que as
estrelas de nossa galáxia estão mais concentradas. Isso constitui bom sinal
de que, de modo geral, os pulsares pertencem à nossa própria galáxia. (Não
há motivos para se supor que não existam em outras galáxias, também, mas
às grandes distâncias em que estão as outras galáxias provavelmente são
fracos demais para serem detectados.) O mais próximo pulsar conhecido
pode estar a pouca distância de nós — mais ou menos 300 anos-luz.
Todos os pulsares caracterizam-se por uma extrema regularidade de
pulsação, mas é claro que o período exato varia de um para outro. O período
mais longo de um pulsar é de 3,75491 segundos.
O pulsar com menor período até hoje conhecido foi descoberto em
outubro de 1968 por astrônomos de Green Bank, no estado norte-americano
de Virgínia Ocidental. Ele se localiza na nebulosa do Caranguejo
(estabelecendo o primeiro vínculo claro entre pulsares e supernovas) e foi
possível constatar que apresenta um período de .0,033099 segundo. Pulsa
30 vezes por segundo, ou 113 vezes mais depressa que o pulsar com o maior
período conhecido.
Mas o que é capaz de produzir tais emissões curtas de maneira tão
fantasticamente regular?
Tão atônitos ficaram Hewish e seus colaboradores diante dos primeiros
pulsares que imaginaram se não seria possível que fossem sinais enviados
por formas inteligentes de vida no espaço. Na verdade, entre eles, referiam-
se à questão, antes que a palavra pulsar passasse a ser usada, como LGM
— iniciais de little green men (homenzinhos verdes).
Entretanto, essa idéia não durou muito. Para produzir os pulsos, seria
necessário 10 bilhões de vezes a quantidade total de energia que a
humanidade fosse capaz de gerar. Não parecia provável que tamanha
quantidade de energia fosse esbanjada apenas para enviar sinais
regularíssimos que praticamente não transmitiam nenhuma informação. Além
disso, à medida que mais e mais pulsares eram descobertos, pareceu
improvável que tantas formas diferentes de vida estivessem enviando sinais
para nós. A teoria foi rapidamente abandonada.

O Colapso do Universo – Isaac Azimov 103


Entretanto, alguma coisa os estava produzindo; algum corpo
astronômico devia estar passando por uma mudança periódica regular —
uma revolução em torno de algum outro corpo, uma rotação em volta de seu
próprio eixo, uma pulsação — a intervalos suficientemente rápidos para gerar
os pulsos.
Forçar mudanças tão rápidas com a liberação de tanta energia exigiria
um campo gravitacional de intensidade descomunal. Os astrônomos só
conheciam uma coisa que atendia a essas condições, e instantaneamente
pensaram nas anãs brancas.
Os teóricos meteram mãos à obra incontinenti, mas por mais que se
esforçassem não parecia haver nenhum meio de conceber uma anã branca
circundando outra, girando em seu eixo ou pulsando, com um período
suficientemente curto para explicar os pulsares. Poderiam existir anãs
brancas pequenas e com intenso campo gravitacional, mas não podiam ser
bastante pequenas nem ter campos gravitacionais suficientemente intensos
para a tarefa. As anãs brancas literalmente se esfacelariam se começassem
a orbitar, girar ou pulsar em períodos inferiores a 4 segundos.
Era necessária alguma coisa menor e mais densa que uma anã branca,
e o astrônomo Thomas Gold (1920-) sugeriu que os pulsares deveriam ser as
estrelas de nêutrons que Oppenheimer havia previsto teoricamente. Gold
observou que uma estrela de nêutrons é suficientemente pequena e densa
para poder girar em torno de seu eixo em quatro segundos ou menos.
Além disso, uma estrela de nêutrons teria um campo magnético, da
mesma forma que uma estrela comum, mas esse campo magnético estaria
comprimido e concentrado, como a matéria da estrela de nêutrons. Por esse
motivo, o campo magnético de uma estrela de nêutrons é imensamente mais
intenso que o de uma estrela comum. Ao girar em torno de seu eixo uma
estrela de nêutrons emite elétrons, mas esses elétrons são detidos por seu
campo magnético e só são capazes de escapar nos pólos magnéticos,
localizados nos lados opostos da estrela.
Não há nada que obrigue os pólos magnéticos a coincidirem com os
pólos rotacionais. (No caso da Terra, por exemplo, não coincidem.) Cada pólo
magnético poderia circundar o pólo rotacional em segundos ou numa fração
de segundo, e espalhar elétrons ao fazê-lo (da mesma forma que um
espargidor giratório de água esguicha água). Ao serem disparados, os
elétrons descrevem uma curva, em resposta ao campo magnético e ao
campo gravitacional da estrela de nêutrons. Perdendo energia, não podem
escapar inteiramente, mas a energia que perdem toma a forma de
microondas.
Assim, toda estrela de nêutrons esguicha dois jorros de microondas dos
lados opostos de seu pequeno globo. Se uma estrela de nêutrons, ao girar,

104 O Colapso do Universo – Isaac Azimov


por acaso emite um desses jatos de elétrons diante de nossa linha de visão, a
Terra receberá um brevíssimo pulso de microondas em cada rotação. Alguns
astrônomos calculam que apenas uma em cem estrelas de nêutrons envia
fortuitamente microondas em nossa direção, de modo que das possíveis
100.000 delas que existirão em nossa galáxia, é de se crer que jamais
consigamos detectar mais de mil.
Em prosseguimento, Gold observou que, a estar correta sua teoria, a
estrela de nêutrons está perdendo energia pelos pólos magnéticos e sua
velocidade de rotação deve estar diminuindo. Isso significa que quanto mais
rápido for o período de um pulsar, provavelmente, mais jovem ele será e mais
rapidamente estará perdendo energia e desacelerando seu movimento.
O mais rápido pulsar conhecido e que possui os pulsos mais energéticos
é o da nebulosa do Caranguejo, e é bem possível que seja o mais jovem que
já observamos até agora, já que a explosão de supernova que provocou o
surgimento dessa estrela de nêutrons ocorreu há apenas 900 anos. No exato
momento de sua formação, o pulsar da nebulosa do Caranguejo poderia estar
girando em volta de seu eixo 1.000 vezes por segundo, mas com isso teria
perdido energia rapidamente; nos primeiros 900 anos de sua existência mais
de 97% de sua energia se perdeu, até atingir sua velocidade atual, de apenas
30 giros por segundo.
E deve estar diminuindo sua velocidade ainda mais, embora cada vez
mais lentamente.
Por isso estudou-se cuidadosamente o período do pulsar da nebulosa do
Caranguejo e verificou-se que ele estava se retardando, exatamente como
previsto por Gold. O período está aumentando em 36,48 bilionésimos de
segundo a cada dia, e a esse ritmo ele duplicará em 1.200 anos. O mesmo
fenômeno foi descoberto em outros pulsares, cujos períodos são mais longos
que o da nebulosa do Caranguejo e cujo ritmo de retardamento também é
mais lento. O primeiro pulsar descoberto, hoje denominado CP1919, tem um
período 40 vezes mais longo que o da nebulosa do Caranguejo e está se
retardando a um ritmo que só duplicará seu período daqui a 16 milhões de
anos. Ao diminuir o período de um pulsar, seus pulsos tornam-se menos
energéticos. Quando o período vai além de 4 segundos, o pulsar torna-se
fraco demais para ser detectado. Contudo, é possível que os pulsares durem,
como objetos detectáveis, dezenas de milhões de anos.
Como resultado desses estudos do retardamento dos pulsos, os
astrônomos acham-se bastante convencidos de que os pulsares são estrelas
de nêutrons.
Às vezes um pulsar acelera de repente seu período, muito ligeiramente,
para depois retomar a tendência ao retardamento. Isso foi descoberto em
fevereiro de 1969, quando o período do pulsar Vela X-1 (detectado entre os

O Colapso do Universo – Isaac Azimov 105


destroços da supernova que explodiu há 15.000 anos) alterou-se
repentinamente. Essa súbita modificação foi denominada glitch, uma palavra
ídiche que significa "escorregão", e por isso o termo entrou para o vocabulário
científico.
Suspeitam alguns astrônomos que os glitches possam ser resultado de
um starquake, uma modificação da distribuição da massa dentro da estrela de
nêutrons que levaria seu diâmetro a reduzir-se em um centímetro ou menos.
Ou talvez fosse resultado do choque de um meteoro de grande dimensão
com a estrela de nêutrons, com o que ele adicionaria seu próprio momento ao
da estrela.
Não há, naturalmente, nenhum motivo para que os elétrons que
emergem de uma estrela de nêutrons só percam energia como microondas;
eles deveriam produzir ondas em toda a extensão do espectro. Deveriam, por
exemplo, emitir também raios X, e, com efeito, a estrela de nêutrons da
nebulosa do Caranguejo os emite. Cerca de 10 a 15% de todos os raios X
que a nebulosa do Caranguejo produz provêm de sua estrela de nêutrons;
são os outros 85% ou mais que vêm dos gases em turbulência que
obscureceram esse fato e desalentaram os astrônomos que procuraram ali
uma estrela de nêutrons em 1964.
Uma estrela de nêutrons deveria também produzir emissões de luz
visível. Em janeiro de 1969 observou-se que a luz de uma pálida estrela de
16ª grandeza na nebulosa do Caranguejo realmente pisca, acompanhando
precisamente os pulsos de microondas. Os lampejos e o período entre eles
são tão breves que foi preciso equipamento especial para captá-los; sob
observação comum, a estrela parece ter luz constante. A estrela de nêutrons
da nebulosa do Caranguejo foi o primeiro pulsar óptico a ser descoberto, a
primeira estrela de nêutrons visível —- e até agora é a única.
PROPRIEDADES DAS ESTRELAS DE NÊUTRONS
Os astrônomos têm procurado detalhar a composição das estrelas de
nêutrons. Na superfície, é possível que haja uma fina camada de matéria
normal, principalmente ferro, e até mesmo uma atmosfera de ferro gasoso,
talvez com meio centímetro de espessura. Há também partículas carregadas,
como elétrons e núcleos atômicos, presos ao superintenso campo magnético
da estrela. Essas partículas, sobretudo os elétrons, são aquelas emitidas
pelos pólos magnéticos e que produzem os pulsos de radiação detectados na
Terra.
Abaixo desse invólucro externo de matéria normal acham-se núcleos de
ferro muito compactos, apresentando características que consideraríamos
como "sólidas", muito embora essa crosta possua uma temperatura de
milhões de graus. A borda exterior dessa crosta tem uma densidade de

106 O Colapso do Universo – Isaac Azimov


apenas 100.000 g/cm3, mas essa densidade aumenta rapidamente com a
profundidade.
É essa superfície sólida, com uma resistência um quatrilhão de vezes
superior à do aço e com "montanhas" de talvez um centímetro de altura, que
se reajusta ocasionalmente para aceitar uma forma mais compacta,
produzindo os glitches, que diminuem ligeiramente o período de rotação.
Abaixo da crosta, ao aumentar a densidade, os núcleos atômicos não
conseguem manter sua integridade e o material transforma-se numa massa
de nêutrons. Nas proximidades do centro pode haver um mar de partículas
com massa ainda maior, denominadas híperons.*
Uma propriedade importante da estrela de nêutrons é sua massa. Em
1975 foi determinada, pela primeira vez, a massa de uma estrela de nêutrons;
o objeto em questão, Vela X-1, tem uma massa de 1,5 vezes a do Sol. A
descoberta foi interessante, pois a massa estava ligeiramente acima do limite
de Chandrasekhar. Nenhuma anã branca poderia ter massa tão grande
(embora devamos lembrar que estrelas de nêutrons com massas abaixo
do limite de Chandrasekhar também são possíveis, em teoria).
A massa de Vela X-1 pôde ser determinada porque essa estrela de
nêutrons é parte de um binário. Sua companheira é uma estrela da seqüência
principal, com 30 vezes a massa do Sol. Indubitavelmente os membros de um
binário, se tiverem massa suficiente, podem trocar matéria mutuamente
quando da expansão de cada um deles, formando por fim um par de estrelas
de nêutrons, da mesma forma que binários de maior massa podem, dessa
* Os híperons podem ser produzidos em laboratório, mas nas condições
terrestres eles se decompõem em menos de um bilionésimo de segundo.
maneira, produzir um par de anãs brancas.
Vela X-1 deve ter sido, originalmente, a estrela mais brilhante do par, e
há 15.000 anos, quando tornou-se uma supernova, sua companheira pode ter
capturado até um milésimo da matéria expulsa pela explosão, aumentando
consideravelmente em massa e brilho; com isso, naturalmente, encurtou sua
própria vida na seqüência principal. Dentro de um milhão de anos ou menos a
companheira de Vela X-1 também explodirá como uma supernova, e poderá
haver então duas estrelas de nêutrons girando em torno de um centro de
gravidade comum. O fato de uma estrela de nêutrons poder fazer parte de um
binário, como Vela X-1, mostra que quando uma estrela de um par se
transforma em supernova, a outra pode sobreviver.
A troca de matéria entre uma estrela e outra, quando primeiro uma e
depois a outra se expandem, resulta na conversão de energia gravitacional
em radiação, sobretudo quando está envolvida uma anã branca ou uma
estrela de nêutrons, com um campo gravitacional muito intenso. Até 40% da
massa de matéria podem ser transformados em energia dessa maneira —

O Colapso do Universo – Isaac Azimov 107


mais de 100 vezes a quantidade de massa que pode ser convertida em
energia por meio de fusão nuclear. Isso é outro ponto que ajuda a explicar o
brilho das novas e das supernovas.
Consideremos agora algumas das propriedades gravitacionais de uma
estrela de nêutrons, tomando como espécime médio uma que possua
exatamente a mesma massa do Sol, mas o diâmetro 100.000 vezes menor.
Para atender a essas especificações, tal estrela deverá ter um diâmetro de 14
km e uma densidade média de 1.400.000.000.000.000 g/cm3.
Se examinarmos primeiramente o Sol, sua gravidade superficial é igual a
28 vezes a da Terra. Assim, uma pessoa que pese 70 kg na Terra pesaria
quase 2.000 kg na superfície do Sol (supondo-se que o Sol tenha uma
superfície no sentido terrestre e que uma pessoa pudesse sobreviver à
experiência).
Ora, se imaginarmos um corpo com uma dada massa sendo comprimido
cada vez mais, qualquer objeto em sua superfície torna-se cada vez mais
próximo do centro. De acordo com a lei da gravitação de Newton, a gravidade
superficial (supondo-se que a massa não mude) se altera segundo a razão
inversa* do quadrado do diâmetro. Assim, se comprimirmos uma estrela, de
modo que ela passe a ter apenas metade de seu diâmetro original, a
gravidade superficial será de 2 x 2, ou 4 vezes a original. Se ela for
comprimida a um sexto do diâmetro original, então a gravidade superficial
será de 6 X 6 ou 36 vezes a original, e assim por diante.
Sirius B, que tem um diâmetro equivalente a 1/30 do diâmetro do Sol e
uma massa aproximadamente igual à dele, deve ter uma gravidade superficial
de 30 x 30, ou 900 vezes a do Sol. Nossa hipotética pessoa de 70 kg, capaz
de sobreviver à experiência, pesaria na superfície de Sirius B 1.800.000 kg.
Uma estrela de nêutrons com a massa do Sol e um diâmetro de 14 km
(1/100.000 do Sol) deve ter uma gravidade superficial de 100.000 x
100.000, ou 10.000.000.000 de vezes a do Sol. Nossa pessoa de 70 kg
pesaria 20 trilhões de quilos. E os períodos de rotação?
A Terra, com uma circunferência de 40.000 km, gira em torno de seu
eixo em um dia. Isso significa que um ponto no equador, que descreve num
dia de rotação um círculo maior do que qualquer outro ponto fora do equador,
está se movendo em torno do eixo da Terra a uma velocidade constante de
aproximadamente 0,5 km por segundo. Essa velocidade diminui
uniformemente ao nos afastarmos do equador, para o norte ou para o sul, até
chegar a zero nos pólos.
Uma velocidade rotacional acarreta um efeito centrífugo que tende a
neutralizar a atração da gravidade. Esse efeito centrífugo aumenta com a
velocidade de rotação, de modo que é nulo nos pólos e aumenta
progressivamente até chegar ao máximo no equador. O efeito centrífugo

108 O Colapso do Universo – Isaac Azimov


tende a arrastar material para longe do eixo, sendo mais forte no equador, de
modo que podemos dizer que a Terra tem uma protuberância equatorial. Não
é muito grande; o diâmetro equatorial (a distância que vai de qualquer ponto
no equador ao ponto oposto, passando pelo cento da Terra) é 43 km maior do
que o diâmetro polar (de pólo a pólo). O diâmetro equatorial da Terra é,
grosso modo, 1/300 mais longo que o diâmetro polar, e essa é uma medida
do achatamento da Terra.
Por outro lado, Júpiter, o maior planeta do sistema solar, tem uma
circunferência equatorial de 449.000 km e gira em torno de si mesmo em 9,85
horas. Por conseguinte, um ponto situado no equador jupteriano move-se a
uma velocidade de 12,7 km/seg, quase 25 vezes mais depressa que um
ponto no equador da Terra.
Apesar da maior gravidade de Júpiter, essa enorme velocidade de
rotação, combinada com o fato de que a substância de Júpiter compõe-se de
elementos mais leves, muito menos comprimidos que os da substância da
Terra, tem como resultado um maior achatamento de Júpiter, O diâmetro
equatorial de Júpiter é 8.700 km mais longo que seu diâmetro polar; seu
achatamento é de 1/16.**

* Com razão inversa queremos dizer que a gravidade superficial e o diâmetro


mudam em direções opostas. Se o diâmetro diminui, a gravidade superficial aumenta;
se o diâmetro aumenta, a gravidade superficial diminui.
** Saturno é um pouco menor que Júpiter e não gira tão depressa, mas seu
campo gravitacional também é menor, e Saturno é ainda mais achatado que Júpiter.
Para comparar: o Sol tem uma circunferência de 4.363.000 km e gira em
torno de seu eixo em 25,04 dias. Portanto, um ponto em seu equador move-
se com uma velocidade de cerca de 2 km/seg — quatro vezes maior que a
velocidade de um ponto no equador terrestre, mas apenas 1/6 da velocidade
de um ponto no equador jupiteriano. A combinação de velocidade de rotação
relativamente baixa e imensa gravidade superficial é tal que, no caso do Sol,
nenhum achatamento pode ser medido. Até onde podemos dizer, o Sol é uma
esfera perfeita.
Não sabemos qual seja o período de rotação de Sirius B, nem o de
nenhuma outra anã branca, mas sabemos que uma estrela de nêutrons típica
gira em torno de seu próprio eixo em cerca de 1 segundo, a julgar pelo
período de pulsação dos pulsares. Se nossa estrela de nêutrons de 14 km de
diâmetro gira em torno de si mesma em 1 segundo, então um ponto em seu
equador estará se movendo a uma velocidade de aproximadamente 44
km/seg.
Essa velocidade é 3,5 vezes maior que a de um ponto no equador de
Júpiter, 21,8 vezes maior que a de um ponto no equador do Sol e 95 vezes
maior que a de um ponto no equador da Terra. Não obstante, considerando-

O Colapso do Universo – Isaac Azimov 109


se o intensíssimo campo gravitacional de uma estrela de nêutrons, podemos
ter certeza absoluta de que sua velocidade de rotação, por grande que
pudesse ser pelos padrões do sistema solar, simplesmente não é, nem de
longe, capaz de erguer qualquer quantidade de material contra a gravidade,
através de um efeito centrífugo. Apesar de tudo, a estrela de nêutrons tem de
ser uma esfera perfeita. Podemos ter quase a mesma certeza de que uma
anã branca deve ser também uma esfera perfeita.
Se não é provável que a força centrífuga seja capaz de erguer a
substância das anãs brancas e das estrelas de nêutrons a uma distância
mensurável, vencendo a gravidade, podemos imaginar que a velocidade de
escape de tais objetos deve ser altíssima.
A velocidade de escape varia na razão inversa da raiz quadrada
do diâmetro (pressupondo-se nenhuma mudança na massa). Assim, se
reduzirmos uma estrela a 1/36 de seu diâmetro original, a velocidade de
escape aumenta seis vezes (uma vez que 6 é a raiz quadrada de 36).
Com base nisso, vemos que Sirius B, com uma massa igual à do Sol e
um diâmetro 30 vezes menor, deve ter uma velocidade de escape 5,5 vezes
maior que a do Sol. Como a velocidade de escape do Sol é de 617 km/seg, a
da superfície de Sirius B será de 3.400 km/seg.
Por outro lado, nossa estrela de nêutrons, com uma massa igual à do
Sol mas um diâmetro igual a apenas 1/100.000 do solar, terá uma velocidade
de escape maior que a do Sol por um fator igual à raiz quadrada de 100.000,
ou 316. Será igual a 617 x 316, ou cerca de 200.000 km/seg.
Esses números referentes à velocidade de escape são particularmente
importantes para nós porque representam outro marco no caminho para o
buraco negro. Por isso, vamos apresentá-los em forma tabular.

QUADRO 12 — Velocidades de escape


Velocidade de escape
Objeto km/seg Fração da velocidade da luz
Terra 11,2 0,0000373
Júpiter 60,5 0,0002
Sol 617 0,002
Sirius B 3.400 0,011
Estrela de nêutrons 200.000 0,67

Para os objetos de matéria ordinária, as velocidades de escape são


frações diminutas da velocidade da luz. Mesmo para o Sol a velocidade de
escape equivale a apenas 1/500 da velocidade da luz. No caso da anã

110 O Colapso do Universo – Isaac Azimov


branca, a velocidade de escape é de 1/100 da velocidade da luz, e a própria
luz perde uma quantidade mensurável de energia ao deixar o corpo. Foi por
intermédio dessa perda de energia e por causa do conseqüente pequeno
desvio para o vermelho na luz de Sirius B que Adams pôde verificar sua
natureza densa.
Uma estrela de nêutrons terá provavelmente uma velocidade de escape
igual a 2/3 da velocidade da luz, e o desvio de Einstein seria muito maior.
Podemos receber raios X de uma estrela de nêutrons, mas se não fosse o
intenso efeito gravitacional da estrela os raios X que recebemos teriam ondas
muito mais curtas do que realmente têm. E quanto a radiação de ondas
longas que recebemos — as ondas de luz visível e as microondas, muito
mais longas — grande parte dela não existiria se não fossem os efeitos
alongadores de onda do campo gravitacional da estrela de nêutrons.

EFEITOS DE MARÉ
Existe um outro efeito gravitacional que podemos desprezar na
superfície da Terra, mas que adquire importância primordial nas vizinhanças
de uma estrela de nêutrons. É o efeito de maré.
A intensidade da atração gravitacional entre dois objetos de massa dada
depende da distância entre seus centros. Por exemplo, quando estamos em
pé na superfície da Terra, a intensidade da atração gravitacional da Terra
sobre nós depende de nossa distância até o centro da Terra.
Contudo, nem todo o corpo da pessoa se acha a mesma distância do
centro da Terra; os pés estão quase dois metros mais perto do cento da Terra
do que a cabeça. Isso significa que os pés são mais atraídos para a Terra do
que a cabeça, pois a atração gravitacional aumenta com a distância. Essa
diferença na atração gravitacional entre duas extremidades de um objeto é o
efeito de maré.
Em circunstâncias normais, os efeitos de maré não são prenunciados.
Imaginemos uma pessoa corpulenta, com 2 metros de altura e 90 kg de peso.
Se ela estiver de pé ao nível do mar, nos Estados Unidos, as solas de seus
pés estarão a aproximadamente 6.370.000 m do centro da Terra. Digamos
que estejam exatamente a essa distância. Nesse caso, o alto de sua cabeça
estará a cerca de 6.370.002 m do centro da Terra.
A atração gravitacional no alto de sua cabeça é igual a (6.370.000 /
6.370.002)2 vezes a atração gravitacional nas solas de seus pés. Isso
significa que a atração sobre seus pés é aproximadamente 1,0000008 vezes
maior que a atração sobre sua cabeça, o que equivale a dizer que ela está
numa roda de tortura, com o alto da cabeça e as solas dos pés sendo
distendidas pelo peso de 0,000071 kg — mais ou menos o equivalente a

O Colapso do Universo – Isaac Azimov 111


quatro gotas de água. Esse tipo de puxão é pequeno demais para ser
sentido, e é por isso que não tomamos consciência dos efeitos de maré
produzidos pela Terra sobre nosso corpo.
O efeito de maré é maior se o objeto submetido a um campo
gravitacional tiver maiores dimensões, de modo que haja uma diferença maior
na força exercida sobre as duas extremidades do objeto. Ao invés de uma
pessoa, escolhamos como exemplo a Lua.
A Lua tem um diâmetro de 3.475 km e seu centro acha-se a uma
distância média de 384.321 km do centro da Terra. Se imaginarmos que a
Lua está sempre a essa distância (na verdade há uma pequena variação para
mais e para menos durante o mês, mas não é grande), então a parte de sua
superfície voltada diretamente para a Terra estaria a 382.584 km do centro da
Terra e a parte oposta de sua superfície estaria a 386.058 km.
Nessas circunstâncias, a atração gravitacional da Terra sobre o lado
próximo da Lua seria 1,018 vezes maior que sobre o lado mais afastado.
A força total da atração gravitacional da Terra sobre a Lua (o peso que
imaginaríamos que ela tivesse se repousasse numa plataforma atraída para o
centro da Terra e com 384.321 km de altura) seria de
20.000.000.000.000.000.000 kg.
Se toda a Lua estivesse à distância de sua superfície mais próxima, ela
pesaria 800.000.000.000.000.000 kg mais do que se toda ela estivesse à
distância da parte mais remota de sua superfície. Podemos então imaginar a
Lua sendo esticada para perto e para longe da Terra por esse grau de
atração; 800 quatrilhões de quilos não é uma atração a ser desprezada, e a
Lua mostra uma pequena protuberância nessa direção. O diâmetro que
aponta para a Terra é ligeiramente maior que o diâmetro perpendicular a
esse.
O efeito funciona inversamente também. A Lua exerce atração sobre a
Terra, e essa atração é mais intensa sobre o lado da Terra mais próximo a
ela que sobre o lado oposto. Como a Terra tem diâmetro maior que o da Lua,
há uma distância mais longa, na qual a atração gravitacional pode decrescer,
o que leva a um aumento do efeito de maré. A Lua é um corpo menor que a
Terra e produz uma atração gravitacional total menor, e isso leva a uma
diminuição do efeito de maré. A diminuição vence. O menor campo
gravitacional da Lua é fator mais importante que o maior diâmetro da Terra.
Se o efeito gravitacional fosse preponderante, o efeito de maré exercido pela
Lua sobre a Terra seria 1/81 do efeito de maré da Terra sobre a Lua. O maior
diâmetro da Terra compensa isso, e o efeito de maré da Lua sobre a Terra é
igual a 1/70 do efeito de maré da Terra sobre a Lua.

112 O Colapso do Universo – Isaac Azimov


A Terra é esticada na direção da Lua em grau perceptível. A sólida
esfera da Terra é esticada em cerca de 33 cm. As águas dos oceanos cedem
mais facilmente e esticam-se pouco mais de l metro.
Por conseguinte, há uma protuberância no oceano (e uma outra, menor,
na crosta sólida) no lado que dá para a Lua e outra no lado oposto da Terra.
À medida que a Terra gira, as superfícies terrestres entram e saem da
protuberância, e depois entram e tornam a sair da outra protuberância. Em
resultado disso, o oceano invade um pedaço da praia e se afasta dela duas
vezes por dia (de uma forma fortemente afetada pelo feitio da linha de costa e
por outros fatores que podemos deixar de lado neste livro). Esse movimento
oceânico bidiário é denominado maré, e por isso o fenômeno é chamado de
efeito de maré.
Os efeitos de maré de corpos como a Terra e a Lua não são realmente
muito grandes, comparados com a força gravitacional total, mas aumentam
com o tempo. À medida que a Terra gira sobre as protuberâncias, a fricção da
água sobre o fundo das porções mais rasas do oceano converte parte da
energia rotacional em calor. E resultado disso, a Terra está sofrendo uma
lenta diminuição de sua velocidade de rotação e um lento aumento da
duração de seu dia. O dia torna-se 1 segundo maior a cada 100.000 anos.
Isso não parece muito, mas se esse ritmo de diminuição tiver sido constante,
a Terra girava em apenas 12,7 horas quando se formou.
A Terra não pode perder momento angular (algo que envolve sua
velocidade de rotação) sem que essa perda seja ganha em outro ponto do
sistema Terra-lua; no caso, a Lua ganha esse momento angular e, por causa
disso, está lentamente se afastando da Terra, uma vez que esse é o
resultado de ela aumentar seu momento angular.
O efeito de maré da Terra sobre a Lua retardou o movimento de rotação
de nosso satélite até o ponto de fazer com que ele nos mostre a mesma face
constantemente.
Tal como a gravitação como um todo, o efeito de maré muda com a
distância entre dois corpos dados, mas de uma maneira um pouco diferente.
Suponhamos que a Terra e a Lua estivessem se aproximando
lentamente. A atração gravitacional total aumentaria à medida que se
aproximassem, variando na razão inversa do quadrado da distância. Se a
Terra e a Lua estivessem na metade de sua distância atual, a atração
gravitacional aumentaria 2 x 2, ou 4 vezes. Se estivessem a um terço da
distância atual, a atração gravitacional entre ambas aumentaria 3 x 3, ou 9
vezes, e assim por diante.
O efeito de maré depende do tamanho do corpo submetido a um campo
gravitacional total. Aumenta, além disso, por outro motivo.

O Colapso do Universo – Isaac Azimov 113


O efeito de maré depende do tamanho do corpo submetido a um campo
gravitacional; quanto maior o corpo, maior será o efeito de maré. Contudo, o
que conta não é apenas o tamanho do corpo, porém seu tamanho comparado
com a distância total até o centro da atração gravitacional.
Atualmente, o diâmetro da Lua, de 3.475 km, equivale a quase 0,009
vezes a distância entre a Terra e a Lua. Se a distância entre os dois corpos
fosse dividida ao meio, o diâmetro da Lua (que continuaria a ser o mesmo)
passaria a equivaler a 0,018 vezes essa distância. Em outras palavras, à
medida que a distância diminuísse, o efeito de maré aumentaria
proporcionalmente à diminuição, uma vez que o diâmetro da Lua
representaria uma fração cada vez maior da distância total.
Temos então dois fatores que tendem a aumentar os efeitos de maré —
um deles variando na razão inversa do quadrado da distância e o outro
variando na razão inversa da distância. Se dividíssemos ao meio a distância
entre a Terra e a Lua, o efeito de maré aumentaria 2 x 2 vezes devido ao
primeiro fator, e 2 vezes devido ao segundo. O aumento total seria de 2 x 2 x
2, ou 8 vezes. Ora, 2 x 2 x 2 é o cubo de 2, de modo que o que estamos
dizendo é que o efeito de maré varia na razão inversa do cubo da distância.
Se a distância entre dois corpos triplicar, então o efeito de maré será
reduzido para 1/3 x 1/3 x 1/3, ou 1/27 do que era. Inversamente, se a
distância entre o corpo reduzir-se a 1/3, o efeito de maré aumentará 3 x 3 x 3,
ou 27 vezes.
Se a Terra e a Lua estivessem se aproximando um do outro, portanto, o
efeito de maré recíproco aumentaria constantemente e muito depressa.
(Qualquer que fosse a distância, porém, o efeito de maré da Terra sobre a
Lua continuaria a ser 70 vezes maior que o da Lua sobre a Terra.)
Por fim, chegaria um ponto, bem antes de ser feito contato, em que o
efeito retesador sobre a Lua seria tão forte que a própria estrutura do satélite
se partiria. Nesse momento, a Terra, sofrendo apenas 1/70 do efeito de maré
sofrido pela Lua, ainda conseguiria manter sua integridade, muito embora as
enormes marés oceânicas indubitavelmente viessem a destruir tudo na
superfície continental.
Em 1849 o matemático francês Edouard A. Roche (1820-1883)
demonstrou que se um satélite for mantido íntegro apenas pela atração
gravitacional — se for líquido, por exemplo — ele se partirá ao aproximar-se
de um planeta a uma distância inferior a 2,44 vezes o raio desse planeta.
Esse é o chamado limite de Roche. Se um satélite for mantido íntegro por
forças eletromagnéticas, como é o caso da Lua, pode aproximar-se um pouco
mais de 2,44 vezes o raio da Terra, antes que o retesamento provocado pelo
efeito de maré o esmague e destrua.

114 O Colapso do Universo – Isaac Azimov


O raio da Terra no equador é de 6.378,5 km, de modo que para a Terra
o limite de Roche é de aproximadamente 15.500 km — apenas 1/25 da
distância verdadeira até a Lua. Se um dia a Lua chegasse tão perto da Terra,
seria despedaçada e suas partículas se espalhariam em órbita ao redor da
Terra; a Lua se transformaria num conjunto de anéis, como os de Saturno,
porém com maior massa, e não mais exerceria qualquer efeito de maré
substancial sobre a Terra, uma vez que as diversas partes do anel puxariam
igualmente em todas as direções.
O despedaçamento não prosseguiria indefinidamente. À medida que a
Lua se desintegrasse em fragmentos menores, cada fragmento, sendo de
tamanho menor, experimentaria um menor efeito de maré. Por fim, cada
fragmento seria pequeno demais para que o decrescente efeito de maré
continuasse a quebrá-lo.
Chega-se a um ponto em que o efeito de maré é insuficiente para
quebrar o corpo, mesmo que ele entre em contato com o corpo que o atrai. É
por isso que uma nave espacial pode pousar na Lua sem se romper e nós, e
todos os outros objetos sobre a superfície da Terra, podemos permanecer
intactos. O efeito de maré para objetos de nosso tamanho e para o tamanho
das coisas que construímos é insignificante. Quanto mais intenso um campo
gravitacional, contudo, mais intenso é o efeito de maré e mais fina se torna a
pulverização dos objetos que se desfazem ao atingir o limite de Roche.
Para examinarmos campos gravitacionais mais intensos que o da Terra,
consideremos o caso do Sol, que tem uma massa 333.500 vezes maior que a
da Terra e que, por conseguinte, tem um campo gravitacional 333.500 mais
intenso. O maior diâmetro do Sol faz com que sua superfície esteja mais
distante de seu centro que a superfície da Terra está do centro da Terra; e
como a intensidade da atração gravitacional varia na razão inversa do
quadrado da distância, a gravidade superficial do Sol é apenas 28 vezes
maior que a da Terra.
O efeito de maré, no entanto, varia na razão inversa do cubo da
distância. Como o diâmetro do Sol é 109,2 vezes maior que o da Terra, temos
que dividir 333.500 (a intensidade do campo gravitacional do Sol em
comparação cem o da Terra) por 109,2 x 109,2 x 109,2, ou 1.302.170.
Dividindo 333.500 por 1.302.170, obtemos 0,256.
Segue-se, pois, que o efeito de maré exercido pelo Sol sobre objetos em
sua superfície equivale a apenas 1/4 o efeito de maré exercido pela Terra
sobre objetos em sua superfície.
Suponhamos, porém, que o Sol se contraísse, sem perder nada de sua
massa. Um objeto em sua superfície estaria cada vez mais. perto de seu
centro, e o efeito de maré sobre ele aumentaria rapidamente.

O Colapso do Universo – Isaac Azimov 115


Sirius B tem massa igual à do Sol, mas diâmetro 30 vezes menor. O
efeito de maré sobre a superfície de Sirius B seria 30 x 30 x 30 ou 27.000
vezes o exercido sobre a superfície solar, e 7.000 vezes o da superfície da
Terra.
Se pudermos imaginar um ser humano (com 2 m de altura e 90 kg de
peso) de pé sobre uma anã branca, sem ser afetado por sua radiação, calor
ou gravidade total, ele ainda não se sentiria muito prejudicado pelo efeito de
maré, mesmo que esse efeito fosse muito maior do que na superfície da
Terra. Multiplicando-se o efeito terrestre por 7.000 ainda veríamos esse ser
humano ser esticado por um puxão de apenas 0,5 kg aproximadamente.
E quanto ao limite de Roche? Como o limite de Roche é de 2,44 vezes o
raio do corpo que exerce a atração gravitacional, e como o cubo de 2,44 é
14,53, o efeito de maré produzido por qualquer corpo em seu limite de Roche
é de 1/14,53 do efeito de maré que ele produz em sua superfície. Se o efeito
de maré de Sirius B sobre sua superfície é 7.000 vezes o da Terra em sua
superfície, e se ambos os efeitos forem divididos por 14,53, a proporção
continua ainda a mesma; o efeito de maré ao limite de Roche de Sirius B é
7.000 vezes o do limite de Roche da Terra.
Isso significa que qualquer objeto de grandes dimensões que se
encontre perto demais de uma anã branca será despedaçado em fragmentos
muito mais finos do que se estiver perto demais do Sol ou da Terra. Significa
também que objetos pequenos que fossem capazes de resistir aos efeitos de
maré do Sol ou da Terra, em seus limites de Roche, e permanecessem
intactos, poderiam, entretanto, despedaçar-se sob a influência de uma anã
branca.
Indo além, imaginemos que um objeto com a massa do Sol se contraia
até chegar ao estágio da estrela de nêutrons e tenha apenas 14 km de
diâmetro. Agora, um objeto colocado em sua superfície estará a apenas
1/100.000 da distância até seu centro do que estaria se estivesse na
superfície do Sol. Portanto, o efeito de maré sobre a superfície da estrela de
nêutrons é 100.000 x 100.000 x 100.000, ou um quatrilhão de vezes maior
que na superfície do Sol, ou 250 trilhões de vezes maior do que na superfície
da Terra.
Um ser humano de 2 m de altura que ficasse de pé numa estrela de
nêutrons e que fosse imune à sua radiação, calor e gravidade total, seria,
entretanto, repuxado pelas suas extremidades por uma força de 18 bilhões de
quilos, e é evidente que esse ser humano, ou qualquer outra coisa, se
desintegraria numa nuvem de pó. Da mesma forma, a estrela de nêutrons,
em seu limite de Roche (34 km de seu centro), transformaria os objetos em
pó fino.

116 O Colapso do Universo – Isaac Azimov


(Um segundo efeito de maré decorre do fato de que um corpo em um
objeto esférico tem suas duas extremidades atraídas para o centro em
direções ligeiramente diferentes; isso tende a comprimi-lo latitudinalmente.
Desde que o corpo seja bastante grande para que sua superfície seja
praticamente plana sobre a largura, esse efeito é mínimo. Até mesmo numa
estrela de nêutrons é bastante pequeno para ser ignorado — pelo menos em
comparação com o enorme efeito distensor sobre as extremidades
longitudinais.)
Mesmo a uma distância de 5.000 km do centro de uma estrela de
nêutrons, um ser humano sentiria um esticamento de aproximadamente 45 kg
se o eixo longitudinal de seu corpo estivesse apontando para a estrela, e
esse efeito seria deveras doloroso.
Se uma espaçonave do futuro, devidamente protegida contra o calor e a
radiação, se aproximasse a 5.000 km de uma estrela de nêutrons (distância
essa à qual ela seria meramente um pontinho vago a olho nu), não haveria
necessidade de seus ocupantes se preocuparem com o efeito gravitacional
total. A nave poderia passar pela estrela em queda livre numa órbita curva e
afastar-se novamente (caso se movesse a uma velocidade suficientemente
grande). Não sentiria então nenhuma gravitação, da mesma forma como não
sentimos a atração gravitacional do Sol, quando, juntamente com a Terra e
tudo que nela existe, orbitamos em torno do Sol em queda livre.
Contudo, não haveria meio de se eliminar o efeito de maré, e deslizar a
5.000 km da estrela seria uma experiência das mais emocionantes. (A
distâncias menores, os astronautas seriam mortos e a nave perderia
despedaçar-se.)
Em 1966 o escritor de ficção científica Larry Niven escreveu um
excelente conto intitulado Estrela de Nêutrons no qual os efeitos de maré de
uma delas quase destroem um astronauta descuidado que se aproxima
demais. No ano seguinte esse conto conquistou o prêmio Hugo (que para o
mundo da literatura de ficção científica corresponde ao Oscar).
Na verdade, entretanto, os fatos narrados na história são inverossímeis.
Os efeitos de maré não constituem mistério para os astrônomos desde o
tempo de Isaac Newton, há 300 anos. Qualquer grupo de cientistas capaz de
construir uma nave espacial destinada a se aproximar de uma estrela de
nêutrons certamente perceberia o perigo do efeito de maré, e evidentemente
(excluindo-se a possibilidade de defeito no equipamento) o astronauta
permaneceria a uma distância segura.

O Colapso do Universo – Isaac Azimov 117


Buracos negros
VITÓRIA FINAL

Ainda não chegamos ao fim do caminho.


A força nuclear que mantém o neutrônio é capaz de suportar um puxão
gravitacional suficientemente intenso para esmagar átomos ordinários e até o
fluido eletrônico. O neutrônio é capaz de tolerar o peso de massa além do
limite de Chandrasekhar. No entanto, é certo que nem a força nuclear tem
poder infinito. Nem mesmo o neutrônio pode suportar massas empilhadas
interminavelmente.
Uma vez que existem estrelas com massa 50 a 70 vezes superiores à do
Sol, não é inconcebível que, começada a contração, ela possa ser
ocasionalmente impulsionada por uma fúria gravitacional ainda maior e mais
intensa que a suportável por uma estrela de nêutrons. E aí?
Em 1939, quando Oppenheimer estava estudando as implicações
teóricas da estrela de nêutrons, ele levou em conta também essa
possibilidade; parecia-lhe que uma estrela em contração, se tivesse massa
suficientemente grande, poderia contrair-se com tanta força que mesmo os
nêutrons cederiam sob o impacto; até mesmo a força nuclear terá que curvar-
se ante a gravitação.
Qual seria, então, o próximo ponto de parada da contração?
Oppenheimer percebeu que não há nenhum — não há o que interrompa
a contração, nesse caso. Quando a força nuclear falha, não subsiste nada
que possa deter a gravitação — a mais fraca de todas as forças e que,

118 O Colapso do Universo – Isaac Azimov


quando ampliada sem cessar, pelo acúmulo interminável de massas,
finalmente torna-se a mais forte. Se, ao se contrair, uma estrela ultrapassa a
barreira de neutrônio, a gravitação conquista a vitória final. Depois disso a
estrela continuará a se contrair indefinidamente, com seu volume reduzindo-
se até zero e sua gravidade superficial aumentando sem limites.
Verificou-se que o ponto crítico situa-se em 3,2 vezes a massa do Sol.
Da mesma forma como uma anã branca não pode ter mais que 1,4 vezes a
massa do Sol sem se contrair ainda mais, nenhuma estrela de nêutrons pode
ter mais que 3,2 vezes a massa do Sol sem levar adiante sua contração.
Qualquer objeto em contração com mais de 3,2 vezes a massa do Sol
não pede interromper sua contração, seja no estágio da anã branca ou no
estágio da estrela de nêutrons, mas terá que ir avante. Além disso, acredita-
se que qualquer estrela da seqüência principal que tenha uma massa mais de
20 vezes a do Sol não poderá livrar-se de massa suficiente através de uma
explosão tipo supernova, que crie uma anã branca ou uma estrela de
nêutrons, mas terá, por fim, de contrair-se a zero. Portanto, para qualquer
estrela da classe espectral O, a vitória final da gravitação parece inevitável
tão logo chegue ao fim o suprimento de combustível.
(Embora as massas maiores que 3,2 vezes a do Sol tenham de passar
por essa contração final assim que começa o processo, massas menores que
essas podem fazê-lo, como havemos de ver.)
O que acontece quando ocorre essa vitória final da gravitação e até o
neutrônio cede? O que acontece se uma estrela de nêutrons se contrai ainda
mais?
Para começar, a gravidade superficial de uma estrela de nêutrons em
contração aumenta constantemente, o mesmo acontecendo com a velocidade
de escape, pois a superfície do objeto em contração se aproxima cada vez
mais do ponto central para o qual tende toda contração. Já vimos antes que
uma estrela de nêutrons com a massa de nosso Sol tem uma velocidade de
escape de 200.000 km/seg, o que representa 2/3 da velocidade da luz.
Se a matéria de uma estrela de nêutrons continuar a se contrair e a
gravidade superficial se tornar ainda mais intensa, evidentemente se chegará
a um ponto em que a velocidade de escape se tornará igual à velocidade da
luz. O valor do raio do corpo em que isso acontece é chamado raio de
Schwarzschild, pois foi calculado pela primeira vez pelo astrônomo alemão
Karl Schwarzschild (1873-1916). O ponto zero, no centro, denomina-se
singularidade de Schwarzschild.
Para uma massa igual à do Sol, o raio de Schwarzschild é pouco inferior
a 3 km. Portanto, o diâmetro é de 6 km.

O Colapso do Universo – Isaac Azimov 119


Imaginemos, pois, uma estrela de nêutrons, com a massa do Sol, se
contraia além da barreira de neutrônio e cujo diâmetro passe de 14 km para 6
km. Sua densidade aumenta 13 vezes e se torna igual a
17.800.000.000.000.000 g/cm3; sua gravidade superficial é de
1.500.000.000.000 vezes a da Terra, de modo que um ser humano normal
pesaria 100 trilhões de quilos se estivesse de pé sobre tal objeto. O efeito de
maré desse objeto é 13 vezes mais intenso que o de uma estrela de
nêutrons.
Contudo, a propriedade mais importante desse objeto supercontraído é o
fato de sua velocidade de escape ser igual à velocidade da luz.
(Evidentemente, se o objeto se reduzir a dimensões ainda menores que o raio
de Schwarzschild, a velocidade de escape torna-se maior que a velocidade
da luz.)
Os físicos estão absolutamente seguros de que nenhum objeto físico,
dotado de massa, pode mover-se a uma velocidade igual à da luz; isso
significa que nenhum corpo com o raio de Schwarzschild ou menos pode
perder massa por ejeção. Nada que possua massa pode escapar à sua
apreensão final, nem mesmo objetos como elétrons, que são capazes de,
com dificuldade, escapar da estrela de nêutrons.
Os objetos podem cair sobre tal corpo supercontraído, mas não podem
ser expulsos dele. É como se ele fosse um buraco sem fundo no espaço.
Além disso, nem a luz ou qualquer radiação semelhante pode escapar. A
luz consiste em partículas sem massa, de modo que se poderia pensar que a
força gravitacional de qualquer objeto, por mais forte que fosse, não tivesse
nenhum efeito sobre ela. Segundo a teoria da relatividade geral de Einstein,
contudo, sabemos que a luz, ao se contrapor à gravidade, perde parte de sua
energia e sofre o desvio para o vermelho de Einstein. Isso é fato sabido e
comprovado desde que Adams o detectou com relação a Sirius B. Quando
um objeto possui o raio de Schwarzschild ou menos, a luz que dele emana
perde toda sua energia e sofre um desvio para o vermelho infinito. Isso
significa que nenhuma luz emerge.
Esse objeto supercontraído age não só como um buraco, mas também
como um buraco negro, pois não pode emitir nenhuma luz ou radiação
semelhante. Daí seu nome.
Essa expressão — buraco negro — não parece de modo algum
apropriada para um objeto astronômico cuja existência é comprovada por
complexos raciocínios teóricos; é uma expressão demasiado comum e
cotidiana. Por isso, sugeriu-se o nome collapsar, do inglês collapsed star, ou
estrela contraída. Entretanto, a imagem dramática de um "buraco negro" e a
própria simplicidade de seu nome levam a crer que a expressão continuará a
ser usada.

120 O Colapso do Universo – Isaac Azimov


Temos, então, quatro tipos de objetos possivelmente estáveis:
1) Objetos planetários variando de pequenas partículas subatômicas
até massas iguais a, digamos, 50 vezes a de Júpiter, mas não mais que isso.
Todos eles são constituídos (exceto as partículas subatômicas) de átomos
intactos, e geralmente possuem densidades gerais inferiores a 10 g/cm3.
2) Anãs negras, que são anãs brancas que perderam uma parte tão
grande de sua energia que não podem mais brilhar visivelmente. Esses
objetos têm massas que vão até 1,4 vezes a de nosso Sol, mas não mais que
isso; são constituídos de fluido eletrônico, dentro do qual se encontram
núcleos atômicos em movimento livre e apresentam densidades na faixa de
20.000 g/cm3.
3) Estrelas negras de nêutrons, que são estrelas de nêutrons que
perderam tanta energia que não podem mais brilhar visivelmente. Possuem
massa de até 3,2 vezes a de nosso Sol, mas não mais que isso. São
constituídas de neutrônio, com densidades na faixa de
1.500.000.000.000.000 g/cm3.
4) Buracos negros, que não emitem nenhuma luz, têm massas que
atingem qualquer valor e são constituídos de matéria num estado que não
podemos descrever e com densidades de qualquer valor, até o infinito.
Mas serão essas quatro variedades de objetos verdadeiramente
estáveis, no sentido de que não sofrerão nenhuma outra mudança,
independentemente de quanto venham a durar?
Se um membro de qualquer uma dessas quatro classes de objetos
estivesse sozinho no universo, até onde podemos dizer que seria estável e
jamais sofreria qualquer mudança apreciável. O problema, contudo, é que
nenhuma dessas coisas está sozinha no universo, o qual é uma vasta mistura
de objetos nas diferentes classes de estabilidade, juntamente com objetos
instáveis como as estrelas, que estão evoluindo para uma das três últimas
classes ou, tendo chegado a uma delas, ainda estão radiando luz a caminho
do enegrecimento final e da estabilidade.
Então, e daí?
Consideremos o caso da Terra, por exemplo. Ela tende a perder parte
de sua massa, à medida que sua atmosfera lentamente se esvai. Tende
também a ganhar um pouco de massa, à medida que colide com matéria
meteórica — cerca de 35.000.000 quilos por dia. Isso não é muito,
comparado com a massa total da Terra, mas é consideravelmente maior que
a quantidade de massa perdida pela Terra a cada dia. Podemos dizer,
portanto, que a Terra está, lenta mas constantemente, adquirindo maior
massa.

O Colapso do Universo – Isaac Azimov 121


Da mesma forma, o Sol está constantemente perdendo massa, em parte
pela conversão de hidrogênio em hélio e em parte pela ejeção de prótons e
outras partículas, na forma do vento solar. Contudo, também ele deve estar
coletando pó e matéria meteórica no espaço que percorre.
Essa capacidade de perder massa é comum a todos os objetos, exceto
os buracos negros. (No entanto, segundo certas sugestões cientificas
teóricas, que examinaremos, também os buracos negros podem perder
massa, em casos especiais.) Até mesmo as estrelas de nêutrons emitem
elétrons, ou não seríamos capazes de detectar aqueles pulsos de
microondas. E as supernovas ejetam massas que podem ser várias vezes
maiores que a do Sol.
Não obstante, é fácil argumentar que a tendência geral no universo é de
os objetos grandes crescerem às expensas dos pequenos. Poderíamos
imaginar, pois (simplesmente como uma concepção abstrata) que um objeto
planetário chegasse, por fim, a ganhar tanta massa que sofresse uma ignição
nuclear e se tornasse uma estrela — uma estrela muito pequena, é claro —
que terminasse por atingir o estágio da anã branca e finalmente se tornasse
uma anã negra.
Poderíamos ainda imaginar que depois que uma estrela alcançasse, de
uma maneira ou de outra, o estágio presumivelmente estável da anã negra,
ela pudesse coletar em sua viagem pelo espaço massa suficiente para
esmagar o fluido eletrônico e contrair-se ainda mais, atingindo o estágio da
estrela de nêutrons. Da mesma forma, uma estrela de nêutrons poderia
ganhar massa suficiente para romper o neutrônio e contrair-se ainda mais,
tornando-se um buraco negro — o qual, como pareceria a um primeiro exame
perplexo, não pode jamais perder massa e só pode ganhá-la, sem limite
superior a esse ganho.
Só há um objeto, portanto, que pareceria verdadeiramente estável para
toda a eternidade, e esse objeto é o buraco negro. No fim, portando — no
distante e remoto fim — e sempre supondo-se que as coisas continuem a se
mover na direção em que parecem estar se movendo atualmente,
poderíamos decidir que o universo consistirá apenas de buracos negros. . . e,
finalmente, talvez, num único buraco negro que contenha tudo. Todo o
universo ter-se-á entrado em colapso (como sugere o título deste livro).
Ou talvez as coisas não sejam tão simples. Voltaremos à questão de
qual poderia ser o destino final do universo em termos de buracos negros
depois que tivermos examinado um pouco mais suas propriedades.
E, evidentemente, a primeira propriedade que devemos considerar a
questão da existência. Em teoria, os buracos negros devem existir.
Mas, existirão de fato?

122 O Colapso do Universo – Isaac Azimov


A DETECÇÃO DO BURACO NEGRO
Detectar um buraco negro não é fácil. As anãs brancas, devido a seu
pequeno tamanho e sua palidez, foram muito mais difíceis de detectar que as
estrelas comuns. As estrelas de nêutrons, menores e menos luminosas,
foram de detecção ainda mais difícil; se os astrônomos tivessem que
depender apenas da radiação luminosa, talvez nunca tivessem sido
detectadas; foram os pulsos de microondas que as revelaram. Obviamente,
um buraco negro, que não emite luz, nem microondas nem qualquer radiação
semelhante poderia evadir-se inteiramente à observação.
No entanto, a situação não é de todo irremediável: há o campo
gravitacional. Aconteça o que acontecer à massa que parece ser
interminavelmente acumulada e comprimida dentro de um buraco negro, essa
massa tem que continuar a existir (até onde sabemos) e tem que continuar a
ser fonte de um campo gravitacional.
A rigor, a atração gravitacional total exercida por um buraco negro a uma
grande distância não é em nada maior que a atração gravitacional total
exercida por aquela massa em qualquer outra forma. Assim, se estivemos a
100 anos-luz de uma estrela gigantesca, com 50 vezes a massa do Sol, sua
atração gravitacional estará de tal forma diluída pela distância que será
imperceptível. Se, de alguma forma, essa estrela tornar-se um buraco negro
com 50 vezes a massa do Sol, sua atração gravitacional a uma distância de
100 anos-luz será exatamente a mesma de antes e, portanto, ainda
imperceptível.
A diferença é a seguinte: um objeto pode chegar muito mais perto do
centro de um buraco negro que do centro de uma estrela gigantesca, de
modo que pode sofrer um puxão gravitacional imensamente mais
concentrado na vizinhança imediata de um buraco negro do que jamais
poderá sentir perto da superfície de uma grande estrela da mesma massa,
pois a superfície desta estará distante do centro.
Será possível, de alguma maneira, a detecção, a grandes distâncias, de
tais intensidades gravitacionais imensamente concentradas?
Segundo a teoria da relatividade geral de Einstein, a atividade
gravitacional libera ondas gravitacionais, as quais, em seu aspecto de
partícula, são denominadas grávitons (da mesma forma que os aspectos de
partículas das ondas de luz são denominados fótons). Contudo, os grávitons
têm muito menos energia que os fótons e não podem ser concebivelmente
detectáveis, a menos que presentes em energias invulgarmente altas e,
mesmo assim, mal. Não conhecemos nada que venha, provavelmente, a
produzir grávitons detectáveis — exceto, talvez, um grande buraco negro no
processo de formação e crescimento.

O Colapso do Universo – Isaac Azimov 123


Em fins da década de 1960 o físico norte-americano Joseph Weber
(1919 - ) usou grandes cilindros de alumínio, de várias toneladas cada um e
separados por centenas de quilômetros, como detectores de grávitons; tais
cilindros sofreriam uma ligeira compressão e expansão ao passarem ondas
gravitacionais. Weber detectou assim as ondas gravitacionais, o que
despertou considerável interesse científico. A conclusão mais fácil, se os
dados de Weber estivessem corretos, era a de que acontecimentos de
fantástica energia estão tendo lugar no centro da galáxia. Poderia estar
localizado ali um grande buraco negro.
Entretanto, outros cientistas tentaram repetir as verificações de Weber e
não conseguiram, de modo que a questão de os grávitons terem sido
detectados ou não permanece duvidosa. Pode haver um buraco negro no
centro da galáxia, mas o caminho utilizado por Weber para sua detecção está
hoje abandonado, sendo necessário considerar outros meios de detectá-lo.
Um desses meios, ainda utilizando o intenso campo gravitacional de um
buraco negro em suas vizinhanças, consiste em estudar o comportamento da
luz ao passar por perto de um buraco negro. A luz descreverá uma ligeira
curva na direção de uma fonte de gravitação; esse desvio é detectável
mesmo quando a luz passa por um objeto como o Sol, que tem um campo
gravitacional comum.
Suponhamos, pois, que haja um buraco negro exatamente entre uma
galáxia distante e a Terra. Nesse caso, a luz da galáxia passaria pelo buraco
negro, puntiforme e invisível, por todos os lados. A luz se curvaria em direção
ao buraco negro de todos os lados e seria forçada a convergir em nossa
direção. Assim, o buraco negro desviaria a luz, gravitacionalmente, do mesmo
modo que uma lente a desvia de forma mais convencional. Por isso, o efeito é
chamado de lente gravitacional.
Se virmos uma galáxia que, apesar de sua distância, parece
anormalmente grande, podemos suspeitar que ela esteja sendo ampliada por
uma lente gravitacional e que entre nós e essa galáxia haja um buraco negro.
No entanto, tal fenômeno ainda não foi observado.
Os buracos negros, entretanto, não estão sozinhos no universo; poderia
haver matéria ordinária em suas vizinhanças. Se isso acontecer, objetos de
dimensões razoáveis que se aproximem demasiadamente deles serão
transformados em pó e, juntamente com matéria já na forma de pó e gás,
ficarão girando em volta do buraco negro como um disco de acreção,
aproximadamente 200 km além do raio de Schwarzschild.
A poeira e o gás em torno de um buraco negro poderiam permanecer
nessa órbita eternamente, se cada uma das partículas não sofresse
interferência. Entretanto, colisões mútuas provocam uma transferência de
energia e algumas partículas, perdendo energia, aproximam-se do buraco

124 O Colapso do Universo – Isaac Azimov


negro e, por fim, podem ultrapassar o raio de Schwarzschild para nunca mais
saírem.
De modo geral, haveria uma pequena e contínua fuga de partículas em
direção ao buraco negro; essas partículas, entretanto, perdem energia
gravitacional, que é convertida em calor, e são aquecidas ainda mais pelo
esticamento e pela compressão dos efeitos de maré. O resultado é que
atingem temperaturas colossais e emitem raios X.
Assim, embora não possamos detectar um buraco negro propriamente
dito, cercado pelo vácuo completo, poderíamos, teoricamente, detectar um
buraco negro que esteja tragando matéria, uma vez que essa matéria haveria
de emitir raios X, como um canto de morte.
A radiação X tem de ser suficientemente intensa para ser detectada
após muitos anos-luz de espaço, de modo que seria necessário que a matéria
envolvesse mais que uma nuvem tênue de poeira ocasional. Deveriam ser
torrentes de matéria rodopiando em direção ao buraco negro, e isso significa
que o buraco negro teria de estar em um ambiente bastante preciso.
Por exemplo, é mais provável que os buracos negros sejam encontrados
onde houver imensas concentrações de estrelas, muito próximas umas das
outras e onde a acumulação de matéria pudesse atingir com mais facilidade o
grau em que fosse inevitável, mais cedo ou mais tarde, a formação de
buracos negros.
Existem, por exemplo, aglomerados globulares de estrelas em que
algumas dezenas de milhares ou mesmo centenas de milhares de estrelas se
aglomeram numa esfera bastante compacta. No ponto do universo em que
nos encontramos as estrelas acham-se separadas por uma distância média
de aproximadamente 5 anos-luz, ao passo que no centro de um aglomerado
globular podem estar separadas por uma distância média de 1/2 ano-luz. Um
volume dado de espaço num aglomerado globular poderia incluir 1.000 vezes
mais estrelas que o mesmo volume em nossa área do universo.
Na realidade, vários aglomerados globulares têm sido classificados
como fontes de raios X, havendo a possibilidade de que existam de fato
buracos negros em seu centro. Calculam alguns astrônomos que tais buracos
negros em aglomerados globulares possam ter massa 10 a 100 vezes maior
que a do Sol.
As regiões centrais das galáxias assemelham-se a gigantescos
aglomerados globulares, contendo dezenas de milhões ou mesmo centenas
de milhões de estrelas. A separação média nas regiões centrais pode ser de
1/10 de ano-luz, podendo mesmo reduzir-se a 1/40 de ano-luz no centro. Um
dado volume de espaço, num coração galáctico, pode ter centenas de
milhares (ou mesmo milhões) de estrelas para cada estrela de volume
semelhante em nossa própria área do universo.

O Colapso do Universo – Isaac Azimov 125


Esse amontoado não significa que as estrelas estejam batendo umas
nas outras. Mesmo 1/40 de ano-luz representa 40 vezes a distância entre o
Sol e Plutão; no entanto, a possibilidade de acontecimentos violentos
certamente aumentaria ao crescer a densidade estelar no espaço. Nos
últimos anos foram coletados indícios crescentes de explosões nos centros
de galáxias — explosões tão violentas que os astrônomos não sabem definir
as energias liberadas. Poderiam os buracos negros ser responsáveis, de uma
forma ou de outra? Talvez!
Nem mesmo nossa, própria galáxia está imune; foi detectada no centro
de nossa galáxia uma fonte muito compacta e enérgica de microondas, e é
tentador supor que haja ali um buraco negro. Certos astrônomos chegam
mesmo a especular que nosso buraco negro galáctico tenha uma massa de
100 milhões de estrelas, de modo que ele deve ter massa igual a 1/1.000 de
toda a Galáxia. Teria um diâmetro de 700.000.000 km, o que lhe dá
dimensões de uma grande gigante vermelha. No entanto, sua massa é tão
maior que destroça estrelas inteiras através de efeitos de maré, se elas se
aproximarem excessivamente, ou as engole inteiras antes que se possam
fragmentar, caso a aproximação seja suficientemente rápida.
Talvez todo aglomerado globular e toda galáxia tenha um buraco negro
em seu centro, só recebendo sem nunca dar, tragando matéria normal
implacavelmente e sempre crescendo. Terminarão por engolir tudo?
Teoricamente sim, mas a um ritmo lentíssimo. O universo tem 15 bilhões de
anos e, no entanto, ainda existem aglomerados globulares e galáxias que não
foram engolidos. Já houve até mesmo a sugestão de que os buracos negros
centrais sejam antes criadores que devoradores de aglomerados e galáxias.
Os buracos negros podem ter surgido primeiro e depois servido como
"semente", juntando estrelas em torno de si como superdiscos de acreção,
que se tornaram aglomerados e galáxias.
Por mais construtivo, porém, que o buraco negro tenha sido de início, no
momento ele está tragando matéria, e por mais lentamente que a absorva,
não seria nada confortável estar nas proximidades de um deles. Se realmente
houver um buraco negro no centro de toda galáxia, o que está mais próximo
de nós é o do centro de nossa própria galáxia — a 30.000 anos-luz. Essa é
uma distância confortável, mesmo com um gigantesco buraco negro na outra
extremidade.
Se realmente houver um buraco negro no centro de todo aglomerado
globular, o mais próximo de nós é o do aglomerado conhecido como Omega
Centauri, que se acha a 22.000 anos-luz de distância — ainda uma distância
tranqüilizante.
Até agora, porém, a existência de buracos negros nos centros de
aglomerados e galáxias não passa de especulação; não podemos ver o
interior de um aglomerado ou de um coração galáctico para estudar seu

126 O Colapso do Universo – Isaac Azimov


centro diretamente. A vasta quantidade de estrelas periféricas o oculta, e toda
indicação indireta que obtemos, na forma de raios X ou mesmo ondas
gravitacionais, provavelmente não será conclusiva no futuro previsível.
Haverá alguma coisa mais, então?
Suponhamos que consideremos não vastas conglomerações de
estrelas, mas apenas pares. Suponhamos que consideremos binários.
Podemos inferir a massa total de um binário se a distância a que se
encontra de nós e seu período de revolução puderem ser determinados. Se
uma estrela parece muito pequena, mas, no entanto, apresenta grande
massa, podemos afirmar que ela se acha numa ou noutra fase de contração.
Foi assim que se detectou a companheira de Sirius e foi assim que finalmente
ela foi classificada como uma anã branca.
Suponhamos, a seguir, um binário cujos dois membros se contraíram em
buracos negros. Suas massas, por mais invisíveis que sejam por observação
direta, ainda giram uma em torno da outra e ainda estão, com toda
probabilidade — se forem suficientemente jovens — coletando destroços da
matéria explodida durante a ocorrência de uma supernova. Assim, seria
detectada uma fonte dupla de raios X, revolvendo em torno de um centro de
gravidade. Conhecem-se hoje oito binários emissores de raios X, mas a
natureza da fonte permanece desconhecida.
E se apenas uma estrela de um sistema binário se transformar num
buraco negro? Sua companheira, que poderia facilmente estar a bilhões de
quilômetros, será impelida pela energia e se verá percorrendo um volume de
espaço muito mais cheio de poeira do que era antes, devido à matéria
ejetada na supernova que precedeu a formação do buraco negro.
Essa companheira pode tornar-se mais quente, ao coletar parte da
matéria, o que encurtará sua vida, mas por ora ela permanece na seqüência
principal. A atração gravitacional a que é submetida não aumenta, como
resultado do novo buraco negro que tem como companheiro; ao invés disso,
é provável que diminua, devido à perda de massa na explosão tipo supernova
de sua companheira.
Da Terra, o que se observaria seria uma estrela normal da seqüência
principal, movendo-se em torno de um centro de gravidade em cujo lado
oposto não haveria nada senão uma intensa fonte de raios X.
Esses raios X indicariam a presença de uma estrela de nêutrons ou de
um buraco negro? Há diferenças que poderiam ser utilizadas para
identificação. Os raios X de uma estrela de nêutrons talvez apresentassem a
forma de pulsos regulares correspondendo aos pulsos de microondas. Com
efeito, já se detectaram dois desses pulsares de raios X, Centauro X-3 e
Hércules X-1. Os raios X provenientes de um buraco negro variariam

O Colapso do Universo – Isaac Azimov 127


irregularmente, pois a matéria seria tragada às vezes em quantidades
abundantes, outras vezes em quantidades esparsas. Além disso, se tal fonte
puntiforme de raios X tiver uma massa superior a 3,2 a do Sol, terá que ser
um buraco negro. (Se vier a ser comprovado que um objeto com massa
superior a 3,2 vezes a do Sol é, sem qualquer dúvida, uma estrela de
nêutrons, isso destruirá toda a teoria dos buracos negros. Até hoje uma
estrela de nêutrons de massa tão grande não foi encontrada.)
No começo dos anos 60, quando se descobriram as primeiras fontes de
raios X no céu, localizou-se uma fonte particularmente intensa, por meio de
observação através de foguetes, na constelação do Cisne. Essa fonte,
localizada em 1965, foi denominada Cisne X-1.
Em 1969, assinalando o quinto aniversário da independência do Quênia,
foi lançado da costa desse país um satélite detector de raios X. Esse satélite,
que recebeu o nome de Uhuru, palavra swahili que significa "liberdade",
multiplicou o conhecimento das fontes de raios X a níveis inimaginados,
detectando 161 dessas fontes, metade delas em nossa própria galáxia e 3 em
aglomerados globulares.
Em 1971 o Uhuru detectou uma acentuada mudança na intensidade dos
raios X de Cisne X-1, o que praticamente eliminou esse objeto como uma
possível estrela de nêutrons, aumentando a possibilidade de ser ele um
buraco negro. Concentrando-se as atenções em Cisne X-1 detectaram-se
também microondas, e isso possibilitou localizar com exatidão a fonte, bem
ao lado de uma estrela visível.
Essa estrela era a HD-226868, uma estrela grande, azul e quente, da
classe espectral B e com massa aproximadamente 30 vezes maior que a de
nosso Sol. C. T. Bolt, da Universidade de Toronto, demonstrou que HD-
226868 era um binário, que gira claramente em órbita com um período de 5,6
dias — órbita cuja natureza faz crer que a outra estrela tenha de 5 a 8 vezes
a massa do Sol.
A estrela companheira não pode ser vista, porém, ainda que seja uma
intensa fonte de raios X; se não pode ser vista, deve ser muito pequena. Tem
massa excessivamente grande para ser uma anã branca ou uma estrela de
nêutrons, e daí se infere, portanto, que seja um buraco negro.
Além disso, HD-226868 parece estar se expandindo, como se estivesse
entrando no estágio de gigante vermelha. Sua matéria estaria, nesse caso,
derramando-se sobre o buraco negro que tem como companhia, e isso
explicaria por que esse buraco negro constitui uma fonte tão intensa de raios
X.
Esses, no entanto, são indícios indiretos, e nem todos os astrônomos
concordam que Cisne X-1 seja um buraco negro, o que depende muito da
distância entre os membros do binário. Quanto maior for a distância, maior

128 O Colapso do Universo – Isaac Azimov


será a massa que deverão ter as estrelas para apresentarem um período
orbital tão curto, e mais provável será que Cisne X-1 tenha massa
suficientemente grande para ser um buraco negro. Alguns astrônomos
sustentam que o binário acha-se consideravelmente mais próximo que os
10.000 anos-luz geralmente considerados como a distância que separa os
dois membros do binário, e nesse caso Cisne X-1 não é um buraco negro. O
consenso, todavia, parece favorecer (pelo menos por enquanto) a hipótese do
buraco negro.
Já se observaram alguns outros binários nos quais um dos membros do
par pode ser um buraco negro; entre eles estão fontes de raios X conhecidas
como X Persei e Circinus X-1.
Existem também possibilidades da existência de buracos negros em que
a emissão de raios X não é um fator; em certos casos pode-se deduzir a
existência de um binário muito próximo pelo comportamento das raias
espectrais. A julgar pelo comportamento dessas raias espectrais Epsilon
Aurigae parece estar girando em torno de uma companheira invisível, Epsilon
Aurigae B. Além disso, dados espectroscópicos fazem crer que Epsilon
Aurigae A, a estrela visível, tenha massa 17 vezes maior que a do Sol, ao
passo que Epsilon Aurigae B, a estrela invisível, tem massa 8 vezes maior
que a solar. Mais uma vez, a combinação de invisibilidade e grande massa
indica a possibilidade de que Epsilon Aurigae B seja um buraco negro
(embora alguns astrônomos afirmem que ela é invisível por se tratar de uma
nova estrela em período de formação e que ainda não entrou em ignição).
MINIBURACOS NEGROS
Se os buracos negros existem apenas nos centros das galáxias, haveria
então somente um em nossa galáxia. Se existissem também no centro dos
aglomerados globulares, haveria cerca de 200 em nossa galáxia. Entretanto,
se existirem também como parte de sistemas binários comuns, poderão
existir em grande número. Afinal de contas, existem dezenas de bilhões de
binários em nossa galáxia.
Ademais, não há porque serem apenas parte de sistemas binários.
Sucede que a companheira próxima revela a existência de um buraco negro,
e é por isso que pensamos neles como parte de binários. Os buracos negros
poderiam também surgir a partir de estrelas isoladas e, nesse caso, sem
matéria próxima que produza raios X e sem uma companheira próxima que
possibilite uma comparação de massa poderiam ser de detecção impossível,
mas nem por isso deixariam de existir.
Levando tudo isso em conta, alguns astrônomos suspeitam que é
possível existir pelo menos um bilhão de buracos negros de dimensões
estelares em qualquer galáxia como a nossa. Se isso for verdade e se os
buracos negros tiverem uma distribuição mais ou menos uniforme, a distância

O Colapso do Universo – Isaac Azimov 129


média entre eles é de 40 anos-luz e qualquer estrela estaria, em média, a 20
anos-luz de um ou outro buraco negro.
Evidentemente, o mais provável é que os buracos negros estejam
distribuídos com a mesma falta de uniformidade das estrelas. Noventa por
cento de todas as estrelas de nossa galáxia (ou de qualquer galáxia
semelhante) situam-se na região central, relativamente pequena. Apenas
10% se encontram nos braços espiralados, volumosos mas esparsamente
povoados, onde se localiza nosso próprio Sol. Poderia ocorrer, portanto, que
apenas 10% dos buracos negros de nossa galáxia estejam localizados nos
braços em espiral, mas eles se acham bem espalhados ali, e é provável que
o buraco negro mais próximo de nós se encontre a várias centenas de anos-
luz.
É claro que, ao falarmos sobre os buracos negros, estivemos falando até
agora de buracos negros com massas iguais às das estrelas de grande
massa, e há realmente astrônomos que julgam que o buraco negro típico
tenha uma massa 10 vezes maior que a de nosso Sol.
Seria de crer que buracos negros muito menores não possam existir,
posto que apenas objetos de dimensões estelares possuem campo
gravitacional suficientemente grande para produzir uma compressão bastante
intensa para romper a barreira de neutrônio e produzir um buraco negro.
Contudo, segundo a teoria da relatividade geral de Einstein, os buracos
negros podem ser de qualquer tamanho. Todo objeto que possua massa, não
importa quão pequena ela seja, possui também um campo gravitacional; se o
objeto for comprimido num volume cada vez menor, esse campo gravitacional
torna-se cada vez mais intenso em sua vizinhança imediata e por fim a
velocidade de escape de sua superfície passa a ser maior que a velocidade
da luz. Esse objeto terá, em outras palavras, encolhido além de seu raio de
Schwarzschild.
A Terra se tornaria um buraco negro se encolhesse até um diâmetro de
0,87 cm (tamanho de uma pérola grande). Uma massa do tamanho do
Everest se tornaria um buraco negro se reduzido às dimensões de um núcleo
atômico.
Poderíamos continuar com esses exemplos até chegarmos à menor
massa conhecida, a do elétron, mas há sutis razões teóricas para supormos
que massas com menos de 10-5 gramas sejam incapazes de formar buracos
negros. Uma massa de 10-5 gramas (um pedacinho de matéria no limite da
visão desarmada) se tornaria um buraco negro se fosse reduzida a um
diâmetro de aproximadamente 10-33 cm, quando teria uma densidade de 10 94
g/cm3. (À tal densidade, um objeto do tamanho de um núcleo atômico teria
uma massa igual à de todo o universo.)

130 O Colapso do Universo – Isaac Azimov


Mas o que poderia, concebivelmente, comprimir objetos pequenos e
transformá-los nesses miniburacos negros? Não poderiam ser seus próprios
campos gravitacionais, de forma que teria de ser uma força compressiva
externa. Mas que força externa pode ser tão forte para produzi-los?
Em 1971 o astrônomo inglês Stephen Hawking sugeriu que uma força
possível ter-se-ia feito sentir no momento em que se formou o universo — a
força da própria grande explosão. Havendo vastas quantidades de matéria
explodindo por todo lado, algumas partes diferentes da substância em
expansão poderiam colidir. Parte dessa matéria em colisão poderia ser então
apertada, sob pressões fantásticas de todos os lados. A matéria comprimida
poderia encolher ao ponto em que a intensidade gravitacional acumulada a
mantivesse encolhida para sempre.
Não existe, evidentemente, nenhuma prova da existência desses
miniburacos negros, nem mesmo no grau em que Cisne X-1 proporciona
indícios da existência de buracos negros de dimensões estelares. Além disso,
certos astrônomos desdenham inteiramente a idéia e acreditam que só
existam buracos negros com massas apreciavelmente maiores que as de
nosso próprio Sol.
Não obstante, se os miniburacos negros existem, é provável então que
sejam muito mais numerosos que os de dimensões estelares. Seria crível,
pois, que se existem buracos negros de dimensões estelares espalhados com
separações médias de 40 anos-luz, haja toda uma legião de buracos negros
de tamanho moderado a microscópico, separados por intervalos muito
menores? Poderia o espaço estar cheio deles? Acredita Hawking que possa
haver até 300 por ano-luz cúbico no universo.
É importante recordar que não há nenhum indício que confirme essa
teoria. Mas se os miniburacos negros estiverem densamente espalhados pelo
espaço, o efeito gravitacional total é diminuto e só pode ser detectado na
vizinhança imediata do objeto — à distância de alguns quilômetros, alguns
centímetros, alguns micrômetros, dependendo de seu tamanho.
A rigor, tais minúsculos buracos negros só podem estar crescendo
incessantemente, pois tragarão qualquer partícula de poeira com que colidam
—: pelo menos é essa a idéia geral que se tem da questão. (Hawking adianta
também razões sutis para se supor que os miniburacos negros possam
perder massa, e que os realmente pequenos "evaporem" e explodam antes
que possam ganhar muita massa.)
Se um miniburaco negro colidir com um objeto maior, ele simplesmente
o perfurará, saindo do outro lado. O miniburaco negro engolirá o primeiro
pedaço de matéria com que colidir, liberando, no processo, energia suficiente
para derreter e vaporizar a matéria imediatamente seguinte. Depois disso ele
atravessará o vapor quente, absorvendo-o de passagem, aumentando o calor

O Colapso do Universo – Isaac Azimov 131


e saindo do objeto por fim, como um buraco negro consideravelmente maior
do que era ao entrar.
(Se um miniburaco negro entrar num corpo maior que tenha muito pouca
energia de movimento, ele poderá ficar preso dentro do corpo e alojar-se, por
fim, em seu centro, onde poderá gradualmente cavar um buraco para si e
continuar a crescer num ritmo cada vez mais lento, como um parasita
consumindo seu hospedeiro.)
A rigor, o volume de tais miniburacos negros é tão pequeno, a gravitação
total tão diminuta e o volume e o vazio do espaço tão enormes que as
colisões devem ser realmente raríssimas. Em todos os 15 bilhões de anos
desde a grande explosão a vasta maioria dos minúsculos buracos negros
deve ter ganho tão pouca massa que estes são ainda minúsculos e de
detecção impossível.
É claro que, probabilisticamente, um miniburaco negro poderia colidir
com a Terra. O calor produzido durante sua passagem pela atmosfera seria
suficiente para produzir efeitos espetaculares que as pessoas não poderiam
deixar de notar, e sua passagem através da Terra poderia também produzir
efeitos.
Isso já aconteceu?
Não sabemos. Não há nenhum indício, ao que saibamos, de que algo
semelhante tenha ocorrido nos tempos pré-históricos, mas como saber ao
certo? Teria Sodoma sido destruída devido à colisão com o buraco negro?
Como sabermos? A destruição poderia ter sido causada por um meteorito
comum, uma erupção vulcânica e um terremoto, ou toda a história poderia ser
mítica. Os dados são insuficientes para uma avaliação.
Teria acontecido nos tempos históricos alguma coisa passível de ser
atribuída a um miniburaco negro?
A 30 de junho de 1908 algo que se pensou de início ser a colisão de um
grande meteoro ocorreu na região de Tunguska, na Sibéria central. Num raio
de 30 km, em todas as direções, todas as árvores foram derrubadas e um
rebanho de 500 cabeças de renas foi dizimado. Posteriormente, pesquisas
rigorosas na área não revelaram nenhuma cratera e nenhum fragmento de
meteoro.
Os pesquisadores concluíram que a explosão devia ter ocorrido na
atmosfera. Alguns supunham que poderia ter sido um pequeno cometa
constituído de materiais congelados e que se derreteram e vaporizaram na
passagem pela atmosfera, criando uma explosão colossal e dispersando
sobre a Terra fragmentos de cascalho (incrustados no gelo) de modo que não
se puderam descobrir marcas perceptíveis.

132 O Colapso do Universo – Isaac Azimov


Outros acreditavam tratar-se de um exemplo da colisão de anti-matéria
com a Terra. A antimatéria é composta de material semelhante à matéria
ordinária, com a diferença de que as partículas subatômicas que a constituem
têm propriedades opostas às que constituem a matéria ordinária. A
antimatéria interage com a matéria, convertendo tudo, de ambos os lados, em
energia. Uma partícula de antimatéria que atinja a matéria normal da Terra
desaparecerá, levando consigo uma massa igual de matéria normal e
produzindo uma explosão idêntica à de uma bomba de hidrogênio com uma
ogiva nuclear com massa cerca de 15 ou mais vezes maior que a sua própria.
Já se chegou mesmo a sugerir que a explosão foi causada pelo sinistro
de uma espaçonave de propulsão nuclear, tripulada por seres extraterrestres.
Uma outra sugestão, entretanto, é de que a explosão foi provocada por
um miniburaco negro, o qual criou uma enorme explosão ao passar pela
atmosfera, entrou na Terra obliquamente, atravessou-a e absorveu mais
matéria, emergindo por fim no Atlântico Norte, onde produziu um imenso
esguicho de água e uma explosão que não foram vistos nem ouvidos pelo
homem. Depois disso, continuou seu caminho pelo espaço,
consideravelmente maior do que antes, mas ainda assim um miniburaco
negro.
Evidentemente, essa idéia não passa de especulação, também. Alguns
astrônomos observam que um miniburaco negro que atravessasse a Terra e
saísse pelo oceano poderia ter dado início a terremotos e teria certamente
provocado uma onda de maré — e nada disso aconteceu juntamente com o
episódio de 1908.
Simplesmente não há, ainda, maneira de se corroborar ou desmentir a
explicação do acontecimento de 1908 como tendo sido causado por um
miniburaco negro. Talvez nunca tenhamos uma maneira de fazê-lo, a menos
que um fato idêntico torne a acontecer hoje, época em que os cientistas têm
conhecimento a respeito do universo muito maior que em 1908.

O USO DOS BURACOS NEGROS


É claro que nenhum cientista, por mais dedicado que seja, pode encarar
com satisfação a possibilidade de uma colisão entre um miniburaco negro e a
Terra. Se o acontecimento de 1908 não houvesse, por felicidade, ocorrido
numa das poucas áreas da Terra onde não viviam seres humanos em muitos
quilômetros em todas as direções, talvez ele provocasse uma medonha
destruição de vidas e bens.
Pode-se facilmente imaginar que tal colisão devastaria inteiramente
cidades como Washington ou Moscou, por exemplo. Os resultados poderiam
assemelhar-se de tal modo à explosão de uma bomba de hidrogênio que a

O Colapso do Universo – Isaac Azimov 133


superpotência atingida poderia lançar um ataque de retaliação antes de vir a
tomar conhecimento da verdade, e toda a Terra poderia ser arrasada.
Naturalmente, nunca é demais repetir que o incidente siberiano pode
não ter sido causado por um miniburaco negro; que pode não haver
absolutamente miniburacos negros e que, se existirem, as probabilidades de
colisão podem ser muito menores que as de um homem ser atingido por um
meteorito enquanto está dormindo na cama. Ainda assim... e se os
miniburacos negros existirem? Poderíamos aprender a nos proteger deles. Se
os homens algum dia chegarem a ter observatórios e colônias em outros
mundos do sistema solar e em estruturas artificiais no próprio espaço, pode
haver oportunidade de estudar os miniburacos negros em seu terreno nativo,
por assim dizer, e em condições que não envolvam uma colisão com a Terra.
Na verdade, podemos até mesmo sonhar com o desenvolvimento de
técnicas para captura de um miniburaco negro, através de seu campo
gravitacional (intensíssimo em sua vizinhança imediata, mas ínfima no total) e
obrigá-lo a desviar-se em sua rota, se ele estivesse a caminho da Terra. Esse
seria um efeito colateral da exploração do espaço que justificaria qualquer
investimento.
Aqueles que especulam muito além da atual capacidade da ciência e
que gostam de construir visões fantásticas do futuro* poderiam até mesmo
nutrir esperanças de que estejamos relativamente perto de um buraco negro
(ainda que a uma distância suficiente para nos sentirmos seguros).
Um buraco negro é, afinal de contas, uma fantástica fonte de energia;
qualquer objeto que nele penetre irradiará, no processo, grande quantidade
de energia.
A maior parte da energia de qualquer objeto reside em sua massa uma
vez que cada grama de massa equivale a 9 X 1020 ergs de energia. A energia
que obtemos ao queimar petróleo ou carvão, por exemplo, utiliza apenas uma

* Entre essa categoria de pessoas incluo a mim mesmo, uma vez que (come
leitor talvez saiba) sou um escritor de ficção científica de alguma reputação.
pequena fração de 1% da massa do combustível. Mesmo as reações
nucleares liberam apenas cerca de 2% da massa. Um objeto que rodopie em
direção a um buraco negro ou, em certas condições, que passe perto dele
sem verdadeiramente colidir pode converter até 30% de sua massa em
energia.
Além disso, somente certas substâncias podem ser queimadas para
proporcionar energia; apenas certos núcleos atômicos podem ser fissionados
ou fundidos para gerar energia. Entretanto, qualquer coisa criará energia ao
cair num buraco negro. O buraco negro é uma fornalha universal, e tudo
quanto exista e tenha massa é seu combustível.

134 O Colapso do Universo – Isaac Azimov


Talvez possamos imaginar alguma civilização avançadíssima do futuro
explorando a energia do buraco negro, lançando asteróides em seu interior
como atiramos carvão numa fornalha comum. Nesse caso, se a galáxia
possuir centenas ou mesmo milhares de civilizações avançadas (como alguns
astrônomos suspeitam que pode ocorrer), essas civilizações seriam aquelas
suficientemente próximas a buracos negros de dimensões razoáveis, que
detenham o mais abundante suprimento de energia disponível e que
floresçam como fazem as nações terrestres quando dispõem de grandes
recursos energéticos.
Na verdade, é muitíssimo improvável que venhamos a encontrar
grandes buracos negros que possam ser usados como uma fornalha
universal. Tampouco poderíamos estar realmente ansiosos por encentrar um
deles a poucos anos-luz de distância, uma vez que quanto maiores são, mais
perigosos se tornam.
Talvez seja melhor, até chegar uma época em que nossa tecnologia
tenha avançado o suficiente, tirarmos proveito dos miniburacos negros, muito
mais comuns (se é que existem mesmo) e fazer uso de meios mais
convencionais de produzir energia.
Suponhamos que encontremos um miniburaco negro em algum ponto do
sistema solar, atravessando o Sol, ou, melhor ainda, orbitando em torno dele.
Poderíamos, em ambos os casos, capturá-lo através de seu campo
gravitacional, atrelá-lo a algum objeto de grande massa e colocá-lo em órbita
em torno da Terra (se uma humanidade nervosa o permitir).
Uma corrente de pelotas de hidrogênio congeladas poderia ser
disparada na direção do miniburaco negro, de modo que roçassem o raio de
Schwarzschild sem penetrar nele. Efeitos de maré aquecerão o hidrogênio ao
ponto de fusão, de modo que na outra extremidade sairá hélio. O miniburaco
negro constituirá então o mais seguro e o mais simples reator de fusão
nuclear possível, e a energia que ele produzir poderá ser armazenada e
enviada à Terra.

O Colapso do Universo – Isaac Azimov 135


Fins e Começo
O FIM ?

É inevitável que sintamos curiosidade quanto ao que pode ocorrer à


matéria que cai num buraco negro.
É dificílimo satisfazer essa curiosidade; com efeito, tudo que podemos
fazer é especular, pois não temos meios de saber se qualquer uma das leis
da natureza que foram tão penosamente definidas pela observação do
universo em torno de nós se aplica nas condições extremas do buraco negro.
Não podemos de modo algum duplicar essas condições aqui na Terra, nem
podemos observá-las no céu, uma vez que não temos conhecimento de
nenhum buraco negro em nossa vizinhança.
Daí, só nos resta pressupor que as leis da natureza continuarão válidas
e tentar imaginar o que poderia acontecer.
Uma coisa que poderia acontecer é que o pior não aconteça ou, pelo
menos, não seja observado. Por exemplo, como pode a massa ser
comprimida a volume zero e densidade infinita na singularidade de
Schwarzschild? Isso de tal forma tortura o pensamento que temos de
procurar alguma coisa que o impeça.
Por exemplo, a teoria de Einstein leva a crer que o aumento da
intensidade da gravidade tenha o efeito de retardar a passagem do tempo.
Isso não é algo que possamos observar com facilidade no
universo, pois fora dos buracos negros e das estrelas de nêutrons as
intensidades gravitacionais que encontramos têm efeito desprezível sobre o
ritmo do tempo.
Por isso, se pudéssemos observar alguma coisa caindo num buraco
negro, nós a veríamos movendo-se cada vez mais devagar à medida que se
aproximasse do raio de Schwarzschild, cada vez mais lentamente, até que ao

136 O Colapso do Universo – Isaac Azimov


chegar nele não a veríamos parar. Contudo, à medida que se aproxima, o
desvio para o vermelho de Einstein, também dependente da intensidade
gravitacional, rouba à luz e à radiação análoga a esta uma parcela cada vez
maior de sua energia. O objeto que cai se torna mais opaco enquanto retarda
seu movimento, e ao chegar ao raio de Schwarzschild, onde se detém,
também se torna invisível, O resultado é que não podemos observar coisa
alguma dentro do raio de Schwarzschild.
Se imaginarmos um astronauta caindo num buraco negro e conservando
a consciência e a capacidade de perceber o meio ambiente, ele não sentiria
nenhuma modificação no ritmo da passagem do tempo; essa mudança é uma
coisa cuja existência só um observador externo perceberia.
O astronauta que caísse num buraco negro ultrapassaria o raio de
Schwarzschild sem saber que havia alguma espécie de barreira e continuaria
a cair em direção à singularidade; contudo, uma forma de interpretar os
acontecimentos que se seguem consiste em supor que do ponto de vista do
astronauta a distância diante dele se expandiria enquanto ele caísse, de
modo que mesmo que ele caísse eternamente, jamais atingiria o centro.
Dentro dessa perspectiva, o buraco negro é um buraco sem fundo.
Ainda que, segundo qualquer dessas duas maneiras de se imaginar
objetos caindo num buraco negro, não haja nem chegada ao centro, nem
volume zero, nem densidade infinita — não existe também volta. A queda é
irreversível, de modo que mais uma vez vamos considerar o possível fim do
universo.
Se não existe, realmente, nenhuma maneira de inverter ou neutralizar o
buraco negro, então os que existem atualmente só podem crescer; e podem
surgir novos.
Se existe um buraco negro no centro de toda galáxia e no centro de todo
aglomerado globular, então, por fim (por mais tempo que isso leve) toda
galáxia há de se tornar um grande buraco negro cercado por buracos negros
satélites, muito menores.
Dois buracos negros podem colidir e formar um só, mas, uma vez
formado, um buraco negro não pode dividir-se. Por conseguinte, podemos
imaginar que mais cedo ou mais tarde os buracos negros dos aglomerados
globulares, em sua órbita em torno do buraco negro galáctico, venham a
fundir-se uns com os outros e, por fim, com o central, de modo que, havendo
tempo suficiente, toda a galáxia será um só buraco negro.
As unidades galácticas podem consistir em apenas uma galáxia, mas
podem também compor-se de várias galáxias (em casos extremos, de vários
milhares delas) unidas pela atração gravitacional. Cada galáxia numa unidade
pode ser um buraco negro, e também esses podem fundir-se.

O Colapso do Universo – Isaac Azimov 137


Será lícito prosseguirmos e supor que todos os buracos negros do
universo venham por fim a fundir-se num buraco negro universal?
Não necessariamente. O universo está em expansão, de modo que as
distâncias que separam as unidades galácticas (sejam elas galáxias isoladas
ou aglomerados galácticos) estão incessantemente aumentando. A maioria
dos astrônomos parece crer que isso continuará a ocorrer indefinidamente no
futuro; se assim for, temos a visão de um universo constituído de bilhões de
buracos negros, cada qual com uma massa de milhões a trilhões de vezes
maior que a de nosso Sol, afastando-se interminavelmente uns dos outros.
Contudo, o próprio ato de expansão pode criar uma mudança.
Em 1937 o físico inglês Paul Adrien Maurice Dirac (1902-) fez a
sugestão espantosa de que a intensidade da força gravitacional em geral
depende das propriedades do universo. Quanto maior a densidade média do
universo, mais forte é a força de gravidade em relação às outras forças do
universo.
Uma vez que o universo está se expandindo, a densidade geral da
matéria está diminuindo, ao espalhar-se por um volume cada vez maior. É
devido a grande expansão que já teve lugar (segundo essa concepção) que a
força gravitacional é tão fraca em comparação com as outras, e à medida que
o universo continuar a expandir-se, ela se tornará ainda mais fraca.
Ainda não foi possível comprovar pela observação a teoria de Dirac, e
muitos físicos suspeitam de que a constante gravitacional (o valor que
determina a intensidade básica da força gravitacional) seja não só a mesma
em todas as partes do espaço como também não varie no tempo. Não
obstante, se a hipótese de Dirac vier a ser comprovada, ela alterará o quadro
que acabamos de descrever.
À medida que o universo se expande e a gravitação se torna cada vez
mais fraca, os objetos mantidos coesos basicamente pela força da gravidade
se expandirão, tornando-se menos compactos e menos densos. Isso incluirá
as anãs brancas, as estrelas de nêutrons já formadas e também os buracos
negros. A tendência será no sentido de todos os objetos incharem,
transformando-se em matéria mantida coesa pela força eletromagnética, ou
mesmo deixarem de ser coesos. Até os buracos negros haverão de restituir
sua matéria, pouco a pouco, e por fim o universo será uma nuvem vasta e
incrivelmente tênue de cascalho, poeira e gás, tornando-se interminavelmente
mais vasta e mais tênue. Nesse caso, seria de crer que o universo começou
como uma gigantesca massa de matéria comprimida e que há de terminar
como um imenso volume de matéria rarefeita.
Isso levanta um problema: de onde veio a matéria comprimida? Não há
porque nos preocuparmos com a matéria em si, pois ela representa apenas
uma forma muito compacta de energia, e poderíamos supor que a energia

138 O Colapso do Universo – Isaac Azimov


tenha sempre existido e que há de existir para sempre — grande parte dela
na forma de matéria. A questão é saber como a matéria veio a ser
comprimida no ovo cósmico, para começar.
Poderíamos supor que se considerarmos que o universo progride de
comprimido para expandido, estamos levando em conta somente metade do
ciclo vital.
Suponhamos que o universo tenha começado com um volume
interminavelmente tênue de cascalho, poeira e gás. Lentamente, no decurso
de eras e eras, ele se condensou até formar o ovo cósmico, que então
explodiu e que, no decurso de eras e eras incrivelmente longas, vem
restaurando a matéria como ela era. Por acaso, estamos vivendo no breve
período (apenas 15 bilhões de anos) após a explosão.
No entanto, de alguma forma, a idéia do universo como uma coisa
acontecida uma vez só parece vagamente insatisfatória. Se a matéria
dispersa pôde juntar-se, fundir-se, contrair-se e finalmente formar um ovo
cósmico, por que não pode a matéria dispersa que constitui o produto final da
explosão do ovo cósmico (quer consista de buracos negros, quer seja
composta de matéria dispersa) juntar-se novamente, contrair-se mais uma
vez e formar um segundo ovo cósmico?
Por que isso não pode repetir-se indefinidamente? Por que, em suma,
não poderia haver um incessante universo oscilante?
Os astrônomos estudaram as condições necessárias para produzir um
universo oscilante; a escolha depende de alguma coisa como a velocidade de
escape. Há uma certa força gravitacional entre as unidades galácticas do
universo em geral, e há uma velocidade de escape associada a essa força.
Se o universo estiver se expandindo a uma velocidade maior que a de
escape, então ele se expandirá para sempre e jamais se contrairá. Se a
expansão for a uma velocidade menor que a de escape, então a atual
expansão terá que interromper-se um dia, tendo início então a contração.
Mas a atual velocidade de expansão é maior ou menor que a velocidade
de escape? Isso depende do valor da velocidade de escape, a qual depende
do valor da força gravitacional geral entre as unidades galácticas, que
depende, por sua vez, da densidade média da matéria no universo.
Quanto maior essa densidade média de matéria no universo, maior a
força gravitacional entre as galáxias, maior a velocidade de escape — e maior
a probabilidade de que a atual velocidade de expansão não seja maior que a
velocidade de escape e de que o universo haverá de oscilar, de que ele seja
fechado.
Evidentemente, é difícil determinar a densidade média do universo, já
que é difícil saber quanta massa total existe num volume suficientemente

O Colapso do Universo – Isaac Azimov 139


grande para ser representativo do todo. Utilizando os melhores dados
disponíveis, alguns astrônomos parecem convictos de que a densidade média
é aproximadamente igual a apenas 1/100 do valor necessário para a
oscilação e que o universo é aberto e destinado a se expandir
perpetuamente. (Se a força gravitacional estiver diminuindo à medida que o
universo se expande, então uma densidade média ainda maior é necessária
para a oscilação, e a densidade aparente afasta-se ainda mais daquele valor
necessário.)
No entanto, embora os argumentos contrários a um universo fechado e
oscilante pareçam fortes, serão eles realmente a palavra final? Aglomerados
de galáxias que parecem ser mantidos juntos pela atração gravitacional não
parecem ter, entretanto, massa suficiente para proporcionar essa atração.
Deveriam estar se dispersando, em resposta à expansão geral do universo e,
no entanto, não parecem estar procedendo assim. Existe, por conseguinte,
aquilo que se convencionou chamar de problema da massa perdida.
Poderá essa massa perdida consistir em buracos negros? Exceto em
pouquíssimos casos, não há meio de se detectar buracos negros, e não
temos a mais remota idéia da quantidade de massa que está presa
indetectavelmente nesses buracos negros, de todos os tamanhos. Parece
difícil acreditar que os buracos negros encerrem centenas de vezes a massa
total de todos os objetos visíveis do universo. No entanto, estamos pisando a
fronteira do que podemos observar e deduzir, e não podemos ter muita
certeza disso ou daquilo. Os indícios parecem apontar para um universo
aberto e em constante expansão, mas pode ser que, computando-se os
buracos negros, exista afinal de contas matéria suficiente para manter o
universo fechado e oscilando.
BURACOS DE MINHOCA E BURACOS BRANCOS
A aflição causada por um universo aberto, em contínua expansão e de
ocorrência única é tal que os astrônomos parecem debater-se num esforço de
fugir aos indícios que apontam nessa direção.
Em 1948 Thomas Gold, juntamente com os astrônomos ingleses Fred
Hoyle e Hermann Bondi, tentou contornar esses indícios com uma sugestão
que veio a ser conhecida como a do universo em criação contínua; a idéia era
a de que a matéria seria criada continuamente, um átomo de cada vez, aqui e
ali no universo. A criação da matéria se faria a um ritmo tão lento que não
poderíamos detectá-la.
Não obstante, à medida que o universo se expandisse e o espaço entre
as unidades galácticas aumentasse, seria formada matéria suficiente para se
transformar em novas galáxias nesse espaço intermediário. Ao todo, formar-
se-iam galáxias suficientes para compensar a dispersão das antigas; o
universo seria uma vasta colcha de retalhos de galáxias, variando desde as

140 O Colapso do Universo – Isaac Azimov


recém-formadas até as moribundas, passando por todos os estágios de
evolução. O universo ocuparia um espaço infinitamente grande e de duração
eterna no tempo. Estrelas e galáxias nasceriam e morreriam, mas o universo
como um todo seria imortal, nem nascendo nem morrendo.
Tratava-se de uma teoria cativante, mas os indícios a seu favor eram
quase inexistentes e assim permaneceram. Na verdade, diminuíram. Se o
universo de criação contínua era o que realmente existia, então jamais teria
ocorrido uma grande explosão. Por esse motivo, tudo quanto parecesse
consubstanciar a teoria da grande explosão tendia a desmentir a criação
contínua.
Em 1964 o físico americano Robert Henry Dicke (1916-) observou que a
grande explosão, se ocorreu há 15 bilhões de anos atrás, deve ter deixado
vestígios que ainda agora poderiam ser visíveis a 15 bilhões de anos-luz de
distância (pois a luz leva 15 bilhões de anos para chegar aqui, vinda daquela
distância, de modo que a luz da grande explosão está chegando agora).
A radiação da grande explosão, de um tipo muito enérgico e de ondas
curtas, sofreu um pronunciado desvio, devido a essa vasta distância, para a
extremidade vermelha do espectro, de baixa energia. No desvio, ela passou
além do vermelho, entrando na porção de microondas, muito mais longa e de
baixa energia, do espectro. Como a grande explosão deve ser visível a 15
bilhões de anos-luz em qualquer direção, as microondas têm de vir de todas
as partes do céu como uma radiação de fundo.
Em 1965 dois cientistas da Bell Telephone Laboratories, Arno A. Penzias
e Robert W. Wilson, demonstraram a existência de uma leve radiação de
fundo com exatamente as características previstas por Dicke. A grande
explosão havia sido detectada e a criação contínua está morta (pelo menos
por ora).
Esse caminho para evitar o universo aberto não deu em nada;
entretanto, há outros, e para chegarmos a esses, voltemos aos buracos
negros.
Até agora temos falado sobre buracos negros que têm apenas uma
propriedade — massa. Se um quilo de platina, de hidrogênio ou de tecido vivo
é acrescentado a um buraco negro, o que se acrescenta é um quilo de
massa, sem qualquer história de seu estado anterior.
Um buraco negro pode possuir duas outras propriedades — e apenas
duas. Uma delas é carga elétrica; a segunda, momento angular. Isso significa
que qualquer buraco negro pode ser descrito completamente medindo-se sua
massa, sua carga elétrica e seu momento angular. (É possível que tanto a
carga elétrica como o momento angular sejam iguais a zero; mas a massa
não pode ser zero, pois nesse caso o objeto não seria um buraco negro.)

O Colapso do Universo – Isaac Azimov 141


Embora um buraco negro possa ter carga elétrica, só pode tê-la se a
massa que o formou ou que lhe foi acrescentada depois tivesse carga
elétrica. Na verdade, as cargas elétricas, positivas e negativas, em pedaços
de matéria de grandes dimensões tendem a se apresentar em quantidades
iguais, de modo que a carga geral é zero. Conseqüentemente, é bastante
provável que os buracos negros tenham essencialmente carga zero.
O mesmo não ocorre com o momento angular; nesse caso, com efeito, a
situação se inverte e é bastante provável que todo buraco negro possua um
considerável momento angular.
O momento angular é uma propriedade de todo objeto que gira em torno
de seu eixo ou que revolve ao redor de um ponto externo, ou que faz ambas
as coisas. O momento angular inclui tanto a velocidade de rotação ou
revolução do objeto como a distância de suas várias partes até o eixo ou
centro em torno do qual gira. O momento angular total de um sistema fechado
(um sistema em que nenhum momento pode ser ganho ou perdido) tem de
ser conservado — isto é, não pode aumentar nem diminuir.
Isso significa que se a distância aumenta, a velocidade de giro tem de
diminuir, e vice-versa. Um patinador tira partido desse fato quando se põe a
girar com os braços abertos; quando ele puxa os braços pata perto do corpo,
diminuindo a distância média das partes de seu corpo do eixo de rotação, sua
velocidade de giro aumenta acentuadamente. Se ele abre os braços
novamente, seu movimento retarda-se no mesmo instante.
Todas as estrelas que conhecemos giram em torno do eixo e por isso
apresentam alto grau de momento angular rotacional. Quando uma estrela se
contrai, para compensar isso sua velocidade de rotação deve aumentar;
quanto mais extrema a contração, maior será o ganho em velocidade de
rotação. Uma estrela de nêutrons recente poderá girar até mil vezes por
segundo. Os buracos negros devem ter um movimento de rotação ainda mais
rápido. Não há como evitar isso.
Podemos dizer, então, que todo buraco negro tem massa e momento
angular.
A análise matemática de Schwarzschild aplicava-se apenas a buracos
negros destituídos de rotação, mas em 1963 o astrônomo Roy P. Kerr
encontrou uma solução para os buracos negros com rotação.
Nos buracos negros com rotação ainda existe o raio de Schwarzschild,
mas fora dele há um limite estacionário, que forma uma espécie de
protuberância equatorial em torno do buraco negro, como se de alguma forma
ele fosse dilatado pelo efeito centrífuga.
Um objeto que caia dentro do limite estacionário, mas que permaneça
fora do raio de Schwarzschild, está semicapturado. Isto é, ainda pode sair,

142 O Colapso do Universo – Isaac Azimov


mas apenas em circunstâncias especiais. Se por acaso ele se mover na
direção do giro, o buraco negro rotativo tenderá a fazê-lo girar como uma
pedra numa funda e a atirá-lo de volta, além do limite estacionário, com mais
energia do que ao entrar. Essa energia adicional é dada às expensas da
rotação do buraco negro. Em outras palavras, transfere-se momento angular
do buraco negro para o objeto e o buraco negro diminui de velocidade.
Teoricamente, pode-se retirar até 30% de toda a energia de um buraco
negro em rotação pelo envio cuidadoso de objetos para o limite estacionário,
com mais energia do que ao entrar. Essa energia adicional qual algumas
civilizações adiantadas poderiam utilizar os buracos negros como fonte de
energia.* Assim que toda energia rotacional houver desaparecido, o buraco
negro terá apenas massa; o limite estacionário coincide com o raio de
Schwarzschild. Diz-se então que o buraco negro está "morto", pois nenhuma
energia adicional pode ser obtida dele direta-mente (embora se possa obter
alguma da matéria que rodopie em direção a ele).
Mais estranho ainda que a possibilidade de se roubar energia rotacional
do buraco negro é o fato de a análise de Kerr oferecer um novo tipo de fim
para a matéria que entra num buraco negro. Esse novo fim foi prenunciado
por Albert Einstein e por um colaborador chamado Rosen, cerca de 30 anos
antes.
A matéria que penetre num buraco negro rotativo (e é muito provável
que não exista outra espécie de buraco negro) pode, em teoria, ser
esguichada em algum outro lugar, como pasta de dentes que salte de um furo
fino num tubo rígido submetido à lenta pressão de um rolo compressor.**

* Nem todos os astrônomos concordam com esse conceito de se roubar a


energia rotacional de um buraco negro. Na verdade, quase tudo quanto alguns
astrônomos sugerem com relação a um buraco negro é desmentido por outros
astrônomos. Situamo-nos aqui na própria fronteira do conhecimento e tudo, de uma
forma ou de outra, é muito incerto e sujeito a condições.
** Essa sugestão também é negada por alguns astrônomos.
A transferência de matéria pode, aparentemente, ter lugar através de
distâncias enormes — milhões ou bilhões de anos-luz — num período de
tempo mínimo. Tais transferências não podem ocorrer da maneira ordinária,
uma vez que no espaço que conhecemos a velocidade da luz é o limite para
qualquer objeto dotado de massa. Transferir massa, da maneira ordinária, a
distâncias de milhões ou bilhões de anos-luz leva milhões ou bilhões de anos.
Por conseguinte, tem-se de supor que a transferência se faça através de
túneis ou pontes que não têm, falando-se em termos rigorosos, as
características de tempo de nosso universo familiar. O percurso é às vezes

O Colapso do Universo – Isaac Azimov 143


chamado de ponte de Einstein-Rosen ou, mais pitorescamente, de buraco de
minhoca.
Se a massa atravessa o buraco de minhoca e aparece de repente a um
bilhão de anos-luz de distância, novamente no espaço ordinário, alguma
coisa deve equilibrar essa grande transferência na distância. Ao que parece,
essa passagem impossivelmente rápida pelo espaço é equilibrada por uma
passagem compensatória pelo tempo, de modo que a massa ressurge há um
bilhão de anos no passado.
Assim que a massa surge do outro lado do buraco de minhoca, ela se
expande repentinamente e se transforma em matéria ordinária novamente e,
ao assim fazer, incandesce com energia irradiada — a energia que tinha
ficado, por assim dizer, presa no buraco negro. O que estamos vendo surgir,
então, é um buraco branco, um conceito sugerido pela primeira vez em 1964.
Se tudo isso é realmente assim, seria crível que se pudesse detectar
buracos brancos, ou pelo menos alguns deles.
Isso dependeria, é claro, do tamanho do buraco branco e de sua
distância de nós. Talvez miniburacos negros formem miniburacos brancos a
vastas distâncias, e com toda certeza jamais os veríamos. Contudo, enormes
buracos negros formariam enormes buracos brancos, e esses poderiam ser
vistos por nós. Existirão sinais de tais buracos brancos?
Talvez...

QUASARES
Na década de 1950 detectaram-se fontes de ondas de rádio que, a um
exame mais detido, pareciam ser muito compactas, surgindo de áreas
puntiformes no céu. Normalmente, as fontes de ondas de rádio encontradas
naquele tempo vinham de nuvens de poeira ou de galáxias e, por isso,
apresentavam-se mais ou menos espalhadas por uma área maior do céu.
Entre essas fontes compactas de ondas de rádio estavam as conhecidas
como 3C48, 3C147, 3C196, 3C273 e 3C286. (Muitas outras foram
descobertas desde então.) O 3C é abreviatura de Third Cambridge Catalog of
Radio Stars (Terceiro Catálogo de Radioestrelas de Cambridge), lista
compilada pelo radio astrônomo inglês Martin Ryle (1918-).
Em 1960 as áreas contendo essas fontes compactas foram investigadas
pelo astrônomo norte-americano Allen Rex Sandage (1926-) e, em cada caso,
as ondas pareciam provir de uma estrela pálida. Contudo, havia indícios de
que talvez não fossem estrelas normais. Várias delas pareciam estar envoltas
em tênues nuvens de poeira ou gás e uma delas, 3C273, mostrava sinais de

144 O Colapso do Universo – Isaac Azimov


emitir um minúsculo jato de matéria. Na verdade, havia duas fontes de ondas
de rádio relacionadas com 3C273, uma da estrela e outra do jato.
Houve certa relutância, portanto, em denominar esses objetos de
estrelas, e por isso foram chamadas de fontes de rádio quase-estelares
(quasi-stellar radio sources). Em 1964 Hong-Yee Chiu abreviou essa
designação para quasar, e desde então tem-se usado esse nome.
Os espectros desses quasares foram obtidos em 1960, mas
apresentavam um conjunto de raias que era completamente irreconhecível,
como se fossem produzidas por substâncias inteiramente desconhecidas no
universo. Em 1963, entretanto, o astrônomo holandês-americano Maarten
Schmidt (1929-) solucionou o problema. As raias teriam sido perfeitamente
normais se existissem muito além do limite do ultravioleta. O aparecimento
delas na faixa da luz visível significava que haviam se desviado
acentuadamente na direção dos comprimentos de onda maiores.
A explicação mais simples para isso era a de que os quasares estavam
muito distantes; como o universo está se expandindo, as unidades galácticas
estão se separando, e tudo parece afastar-se de nós. Por isso, as raias
espectrais de todos os objetos distantes sofrem um desvio para as ondas
mais longas, pois isso é o que se deve esperar quando uma fonte de luz está
se afastando de nós. Além disso, como o universo está em expansão, quanto
mais distante o objeto mais depressa ele se afasta de nós e maior é o desvio
nas raias espectrais. Portanto, pode-se calcular a distância de um objeto por
seu desvio espectral.
Verificou-se que os quasares estavam a bilhões de anos-luz. Um deles,
00172, está a cerca de 12 bilhões de anos-luz de distância, e mesmo o mais
próximo, 3C273, está separado de nós por mais de um bilhão de anos-luz,
mais distante do que qualquer outro tipo de objeto conhecido. É possível que
haja até 15 milhões de quasares no universo.
Percebemos os quasares como objetos muito pálidos, mas para que
sejam visíveis a toda essa distância, mesmo palidamente, devem ser
extraordinariamente luminosos. O quasar 3C273 é cinco vezes mais luminoso
que nossa galáxia, e alguns quasares chegam a ter uma luminosidade 100
vezes maior que a de uma galáxia mediana.
No entanto, assim sendo, se os quasares fossem simplesmente galáxias
que tivessem até 100 vezes mais o número de estrelas de uma galáxia média
e fossem, por isso, muito mais brilhantes, deveriam ter dimensões
suficientemente grandes para que aparecessem, mesmo a distância era que
se encontram, como minúsculas manchas de luz e não como pontos
semelhantes a estrelas. Assim, apesar do brilho, devem ser muito mais
compactos que as galáxias comuns.

O Colapso do Universo – Isaac Azimov 145


Já em 1963 descobriu-se que os quasares variavam na energia emitida,
tanto na região da luz visível como na região das microondas. Aumentos e
diminuições de até três magnitudes foram registrados no intervalo de poucos
anos.
Para que a radiação varie tanto em período tão breve, um corpo tem que
ser pequeno. Taís variações devem envolver o corpo como um todo, e nesse
caso algum efeito deve se fazer sentir sobre toda a largura do corpo no
decurso do tempo da variação. Como nenhum efeito pode viajar mais
depressa que a luz, isso significa que se um quasar mostra variação
acentuada num período de poucos anos, ele não pode ter mais que um ano-
Iuz de diâmetro e talvez seja consideravelmente menor.
Há um quasar, o 3C446, capaz de duplicar seu brilho em dois dias e, por
conseguinte, não é possível que ele tenha diâmetro superior a 0,005 ano-luz
(50 bilhões de quilômetros), ou menos de cinco vezes a largura da órbita de
Plutão em torno do Sol. Podemos confrontar esse cálculo com os dados
referentes a uma galáxia comum, que pode apresentar um diâmetro de
100.000 anos-luz e cujo denso núcleo central pode ter até 15.000 anos-luz de
diâmetro.
A combinação de dimensões diminutas e enorme luminosidade faz com
que os quasares pareçam uma classe de objetos inteiramente diferentes de
tudo mais que conhecemos. Sua descoberta tornou os astrônomos
conscientes da possibilidade de fenômenos no universo até então ignorados
e os estimulou, pela primeira vez, a estudar esses fenômenos, inclusive os
buracos negros.
E é possível que haja um elo entre os buracos negros e os quasares. Os
astrônomos Igor Novikov, soviético, e Yuval Ne'eman (1925-), israelense,
propuseram a hipótese de os quasares serem gigantescos buracos brancos
na outra extremidade de um buraco de minhoca que parte de um gigantesco
buraco negro, em alguma outra parte do universo.*

* Isso não passa de pura especulação, naturalmente, e o restante do livro


também é formado de especulações, algumas minhas.
Examinemos outra vez os quasares. Serão mesmo objetos sui-generis,
como parecem ser, ou serão simplesmente exemplos extremos de alguma
coisa mais familiar?
Em 1943 um estudante de astronomia, Carl Seyfert, descreveu uma
galáxia especial, que posteriormente foi identificada como pertencente a um
grupo hoje denominado galáxias de Seyfert. É possível que constituam 1% de
todas as galáxias conhecidas (o que significa ao todo, um bilhão delas), ainda
que na verdade apenas uma dezena de espécimes tenha sido descoberta.

146 O Colapso do Universo – Isaac Azimov


De modo geral, as galáxias de Seyfert parecem normais e não se acham
extraordinariamente distantes. Contudo, seus núcleos são muito compactos,
muito brilhantes e parecem invulgarmente quentes e ativos — na verdade,
assemelham-se a quasares. Mostram variações de radiação que indicam que
os centros radioemissores em seus núcleos não são maiores do que
julgamos que sejam os quasares. Uma dessas galáxias, a 3C120, tem um
núcleo que compreende menos de 1/8 do diâmetro da galáxia, como um todo;
mas apresenta luminosidade três vezes maior que o resto da galáxia junta.
O centro fortemente ativo seria visível a distâncias maiores que as
camadas exteriores da galáxia de Seyfert, e se tal galáxia estivesse
suficientemente distante, tudo quanto veríamos, quer através de telescópios
ópticos, quer empregando radiotelescópios, seria seu núcleo. Diríamos então
que o objeto era um quasar, e assim, os quasares muito distantes podem ser
simplesmente os núcleos intensamente luminosos de galáxias de Seyfert
muito grandes e muito ativas.
Analisemos, porém, o núcleo de uma galáxia de Seyfert — muito
compacto, muito quente e ativo. Uma delas, a NGC 4151, talvez tenha 10
bilhões de estrelas num núcleo com diâmetro de apenas 12 anos-luz. São
exatamente as condições que estimulariam a formação de buracos negros.
Talvez o simples fato de um determinado volume de espaço estar sujeito à
formação de buracos negros também possa torná-lo sujeito ao florescimento
de um buraco branco.
Podemos imaginar buracos negros formando-se aqui e ali no universo,
cada qual produzindo uma enorme tensão na trama uniforme do espaço. A
formação de buracos de minhoca entre eles é possível, e a matéria poderá
passar por essa ponte a um ritmo lento, em comparação com a quantidade
total existente no buraco negro que serve de fonte, mas bastante grande para
produzir enormes quantidades de radiação, em certos casos. O ritmo do fluxo
da matéria pode variar por motivos que ainda não compreendemos, e isso
poderá provocar as variações no brilho dos quasares.
Talvez haja muitos buracos brancos de todos os tamanhos, cada qual
ligado a seu buraco negro (os quais também podem ter todos os tamanhos),
e é possível que apenas tomemos conhecimento dos de dimensões
gigantescas. Talvez, se todos os buracos, negros e brancos, fossem levados
em conta, fosse possível ver que os buracos de minhoca que os ligam
cruzam o universo densamente.
Esse pensamento estimulou as faculdades imaginativas de astrônomos
como Carl Sagan (1934-). Se é impossível imaginar qualquer meio pelo qual
um pedaço de matéria se mantenha intacto ao se aproximar de um buraco
negro, mais difícil ainda é imaginá-lo atravessando um buraco de minhoca e
saindo pelo buraco branco, mas Sagan não permite que isso limite suas
especulações.

O Colapso do Universo – Isaac Azimov 147


Afinal de contas, somos capazes de coisas que nossos antepassados
primitivos julgariam inconcebíveis, e Sagan conjectura se uma civilização
avançada não poderia imaginar meios de bloquear os efeitos gravitacionais e
de maré, de modo que uma nave espacial pudesse tirar partido dos buracos
de minhoca e percorrer enormes distâncias num momento.
Suponhamos que houvesse no universo uma civilização avançada,
neste mesmo instante, e que tivesse elaborado um mapa detalhado dos
buracos de minhoca, com suas entradas de buracos negros e suas saídas de
buracos brancos. Os buracos de minhoca menores seriam mais numerosos,
evidentemente, e por isso mais úteis.
Imaginemos um império cósmico interligado por uma rede desses
buracos de minhoca, com centros civilizados localizados perto das entradas e
das saídas. Afinal, para um mundo seria tão importante estar perto de um
centro de transporte desse tipo quanto para uma cidade da Terra é
importante localizar-se num porto ou num estuário de rio.
Os planetas mais próximos aos túneis poderiam estar a uma distância
segura deles, porém haveria enormes estações espaciais, construídas como
bases para as naves que percorressem os túneis e como usinas de força
para os planetas.
E como a teoria do buraco de minhoca afeta o passado e o futuro do
universo?
Mesmo que o universo se esteja expandindo, será possível que a
expansão seja compensada pela transferência de matéria para o passado,
através dos buracos de minhoca?
Seguramente, todos os poucos quasares detectados estão a bilhões de
anos-luz da Terra, e por conseguinte nós os vemos como eram há bilhões de
anos; além disso, estão sendo impulsionados fortemente para distâncias
maiores e para um passado mais remoto. Calcula-se que se os quasares
estivessem espacejados uniformemente por todo o universo, várias centenas
deles estariam mais perto de nós e seriam mais brilhantes que 3C273, que é
atualmente o mais próximo e mais brilhante.
Pois bem, temos então, afinal de contas, um universo eterno, uma
espécie de criação contínua em outro sentido?
Porventura o universo vem se expandindo há eras sem conta, durante
toda a eternidade, na verdade sem jamais se ter expandido além do nível
atual porque os buracos de minhoca criam um circuito fechado, enviando
matéria para o passado mais concentrado, a fim de reiniciar a expansão?
Porventura o universo nunca esteve na verdade inteiramente contraído,
e, portanto jamais houve verdadeiramente uma grande explosão? Sucederá,
por acaso, que só julgamos que houve essa grande explosão porque temos

148 O Colapso do Universo – Isaac Azimov


consciência apenas de metade do ciclo que envolve as galáxias — a
expansão — e não temos consciência da matéria que retoma através dos
buracos de minhoca?
Contudo, se não houve a grande explosão, como explicar a radiação de
fundo que é o eco dessa grande explosão? Poderá essa radiação ser produto
do fluxo retrógrado geral da matéria para o passado remoto? Serão os
buracos brancos ou os quasares numerosas "pequenas explosões" que se
superpõem à grande explosão e produzem a radiação de fundo?
E se as coisas se passam assim, de onde vem a energia que mantém o
universo em interminável reciclagem? Se o universo se retarda ao expandir-
se (isso é chamado pelos físicos de aumento de entropia), por acaso ele se
acelera novamente (entropia decrescente) ao voltar no tempo, através dos
buracos de minhoca?
Não há, no momento, resposta para nenhuma dessas perguntas. Tudo é
conjectura, até mesmo a própria existência de buracos de minhoca e buracos
brancos.
O OVO CÓSMICO
Cumpre admitir que a idéia de que o universo esteja reciclando-se
continuamente é uma conjectura bastante tênue.
Se a descartamos, entretanto, sobra-nos apenas a grande explosão —
uma única, se vivemos num universo aberto, ou um fenômeno perpetuamente
repetido, se o universo é fechado e oscilante. Ambas as suposições são
problemáticas. Qual é a natureza do ovo cósmico?
Quando se sugeriu pela primeira vez a idéia do ovo cósmico, ele era
imaginado de modo muito semelhante ao que hoje representa as estrelas de
nêutrons. O problema é que um ovo cósmico contendo toda a massa do
universo (igual à massa de 100.000.000.000 de galáxias, talvez) é certamente
grande demais para ser uma estrela de nêutrons. Se for verdade que
qualquer coisa com massa superior a 3,2 vezes a de nosso Sol tem de formar
um buraco negro ao se contrair, nesse caso o ovo cósmico era o maior de
todos os buracos negros.
Então, como pode ter explodido e provocado o nascimento do universo?
Buracos negros não explodem.
Imaginemos um universo em contração que formasse buracos negros de
várias dimensões ao se contrair; cada um deles poderia perder parte de sua
massa através de buracos de minhoca, contrabalançando a contração total,
mas não em medida suficiente para detê-la inteiramente (pois caso contrário
nem o universo em expansão nem nós estaríamos aqui, hoje).

O Colapso do Universo – Isaac Azimov 149


Ao se comprimir o universo, os buracos negros crescem às expensas de
matéria alheia a eles e, com freqüência cada vez maior, colidem e se fundem.
Por fim, naturalmente, todos os buracos negros estarão fundidos no ovo
cósmico. Esse ovo perde matéria, através de seu buraco de minhoca, a um
ritmo fenomenal, provocando na outra extremidade o maior buraco branco
concebível. Portanto, o buraco branco do ovo cósmico é que foi a grande
explosão que criou nosso universo em expansão. Essa hipótese valeria tanto
para o caso de o universo ser aberto como para o caso de ser fechado, quer
o ovo cósmico se tenha formado apenas uma vez, quer ele se repita
ciclicamente.
Evidentemente, essa solução só se mantém de pé se os buracos de
minhoca e os buracos brancos verdadeiramente existirem, o que é incerto. E
mesmo que existam, só será válida se o ovo cósmico tiver rotação. Mas,
terá?
Existe certamente momento angular no universo, mas ele pode ter sido
criado, apesar da lei da conservação, onde não existia antes.
Isso porque há dois tipos de momento angular, em sentidos opostos. Um
objeto pode girar no sentido horário ou no sentido anti-horário (positivo ou
negativo, se o leitor preferir). Dois objetos com momento angular igual, um
positivo e outro negativo, haverão de terminar, se colidirem e se fundirem,
com momento angular zero — e a energia dos dois movimentos de rotação
se converterá em calor. Inversamente, um objeto com momento angular zero
pode, com a adição de energia apropriada, dividir-se para formar dois sub-
objetos, um com momento angular positivo e outro com momento angular
negativo.
É possível que todos os objetos do universo tenham momento angular,
mas é muito provável que para alguns ele seja positivo e para outros
negativo. Não temos condições de saber se um desses tipos existe em maior
incidência que o outro. Se existir realmente essa diferença, quando toda a
matéria do universo se contrair e formar um ovo cósmico, esse ovo terminará
com uma quantidade de momento angular igual ao excesso de um tipo em
relação ao outro.
Pode ocorrer, todavia, que não exista no universo maior incidência de
um tipo de momento angular. Nesse caso, ao se formar o ovo cósmico, ele
não terá momento angular, e estará morto. Por conseguinte, não poderemos
contar com buracos de minhoca e buracos brancos para o surgimento da
grande explosão.
Que mais?
Da mesma forma como existem dois tipos opostos de momento angular,
existem também dois tipos opostos de matéria.

150 O Colapso do Universo – Isaac Azimov


Um elétron é equilibrado por um antielétron, ou pósitron. Quando um
elétron e um pósitron se combinam, há um aniquilamento mútuo das duas
partículas; não resta nenhuma massa, que é convertida em energia, na forma
de raios gama. Semelhantemente, um próton e um antipróton se combinam
para perder massa e formar energia; o mesmo farão um nêutron e um
antinêutron.
Podemos ter matéria constituída de prótons, nêutrons e elétrons; e
antimatéria constituída de antiprótons, antinêutrons e antielétrons. Nesse
caso, se qualquer massa de matéria se combinar com uma massa igual de
antimatéria haverá aniquilamento mútuo e serão formados raios gama.
Inversamente, a massa pode formar-se a partir de energia, mas jamais
como uma espécie de partícula, apenas. Para cada elétron formado, haverá
forçosamente um antielétron; para cada próton, um antipróton, e para cada
nêutron um antinêutron. Em resumo, quando a energia se transforma em
matéria, há também a formação de igual quantidade de antimatéria.
No entanto, se for assim, onde está a antimatéria que se formou ao
mesmo tempo que a matéria do universo?
A Terra é com certeza constituída inteiramente de matéria (afora
vestígios de antimatéria formada em laboratório ou encontrada nos raios
cósmicos). Com efeito, todo o sistema solar compõe-se de matéria, e com
toda probabilidade o mesmo acontece em toda a unidade galáctica de que
somos parte.
Onde está a antimatéria? Talvez haja também unidades galácticas
compostas inteiramente de antimatéria. É possível que haja unidades
galácticas e unidades antigalácticas que, por causa da expansão geral do
universo, nunca entram em contato e nunca provocam aniquilamento mútuo.
Como a matéria forma buracos negros, a antimatéria formará antiburacos
negros. Esses dois tipos de buracos negros são em todos os sentidos
idênticos, salvo serem constituídos de substâncias opostas. Se o universo
passou, algum dia, por uma contração, os buracos negros e os antiburacos
negros ter-se-ão formado ainda mais facilmente; e ao prosseguir a contração,
aumentariam as possibilidades de colisão entre dois buracos negros de
natureza oposta e do conseqüente aniquilamento mútuo. Na fusão final houve
o maior de todos os cataclísmicos aniquilamentos mútuos.
A massa total do universo desapareceu, levando consigo o campo
gravitacional que mantém existente o buraco negro e, aliás, também o ovo
cósmico. Em seu lugar ficou uma radiação inacreditavelmente enérgica, a
expandir-se para a periferia. Essa seria a grande explosão.
Algum tempo após a grande explosão, a energia, tornando-se menos
intensa através da expansão, ter-se-ia abrandado o suficiente para
novamente formar matéria e antimatéria — formando, as duas, unidades

O Colapso do Universo – Isaac Azimov 151


galácticas separadas por meio de algum mecanismo que, cumpre admitir, não
foi ainda explicado — e o universo em expansão tomaria forma.
Segundo essa concepção, a grande explosão foi o aniquilamento mútuo
da matéria e da antimatéria, independentemente de o ovo cósmico ter rotação
ou não ou de estar vivo ou morto.
No entanto, não dispomos de indicações da existência de unidades
antigalácticas. Será que, por alguma razão que ainda não compreendemos, o
universo consiste simplesmente de matéria?
Poderíamos argumentar que isso é impossível; o universo não pode
consistir simplesmente de matéria porque isso impossibilitaria a grande
explosão. Ou poderíamos pensar numa maneira de explicar a grande
explosão, mesmo num universo composto unicamente de matéria e mesmo
que, ao se contrair, aquele universo formasse um ovo cósmico destituído de
rotação e que seria, portanto, um buraco negro morto.
Bem, segundo as equações usadas para explicar a formação dos
buracos negros, o raio de Schwarzschild é proporcional à massa do buraco
negro.
Um buraco negro com a massa de nosso Sol tem um raio de
Schwarzschild de 3 km; portanto, tem uma largura de 6 km. Um buraco negro
com o dobro da massa do Sol tem largura duas vezes maior — 12 km.
Contudo, uma esfera duas vezes mais larga que outra tem volume oito vezes
maior que esta; segue-se que um buraco negro com o dobro da massa do Sol
terá o dobro dessa massa espalhada por um volume oito vezes maior. A
densidade do buraco negro maior será apenas 1/4 da do buraco negro
menor.
Em outras palavras, quanto mais massa tiver um buraco negro, maior e
menos denso ele será.
Suponhamos que toda a nossa galáxia, que possui cerca de 100 bilhões
de vezes a massa do Sol, fosse comprimida e transformada num buraco
negro. Seu diâmetro seria de 600.000.000.000 km e sua densidade média
seria da ordem de 0,000001 g/cm3. O buraco negro galáctico teria um
diâmetro 50 vezes maior que a órbita de Plutão e não seria mais denso do
que um gás.
Suponhamos que todas as galáxias do universo, possivelmente em
número de 100 bilhões, se transformassem num único buraco negro. Tal
objeto, contendo toda a massa do universo, teria um diâmetro de 10 bilhões
de anos-luz e sua densidade média seria igual à de um gás indescritivelmente
tênue.
No entanto, não importa a tenuidade desse gás, a estrutura é um buraco
negro.

152 O Colapso do Universo – Isaac Azimov


Suponhamos que a massa total do universo seja 2,5 vezes maior do que
acreditam os astrônomos. Nesse caso, o buraco negro formado por toda a
matéria do universo teria um diâmetro de 25 bilhões de anos-luz, número que
coincide com o diâmetro do universo real em que vivemos (até onde
sabemos).
É inteiramente possível, então, que todo o universo seja um buraco
negro (como foi sugerido pelo físico Kip Thorne).
Se for, é bem provável que sempre tenha sido um buraco negro e que
sempre o será. Nesse caso, vivemos dentro de um buraco negro e, se
desejarmos saber como são as condições num buraco negro (desde que ele
tenha enorme massa), basta olharmos em torno.
Ao se contrair o universo, então, poderíamos imaginar a formação de
qualquer número de buracos negros relativamente pequenos (buracos negros
dentro de um buraco negro!) e com diâmetros muito limitados. Contudo, nos
últimos segundos antes da catastrófica contração final, quando todos os
buracos negros se fundem num único buraco negro cósmico, o raio de
Schwarzschild salta para fora, cada vez mais longe, até a extremidade do
universo conhecido.
E pode ser que dentro do raio de Schwarzschild haja a possibilidade de
explosão. E possível que, ao se afastar o raio de Schwarzschild bilhões de
anos-luz num átomo, o ovo cósmico, no instante mesmo de sua formação, se
dilate para acompanhá-lo e que isso seja a grande explosão.
Sendo assim, poderíamos argumentar que o universo não pode ser
aberto, quaisquer que sejam os indícios atuais, uma vez que ele não pode
expandir-se além do seu raio de Schwarzschild. De alguma forma a explosão
terá que cessar naquele ponto e, então, terá inevitavelmente de recomeçar a
contrair-se e começar o ciclo outra vez. (Há quem acredite que a cada grande
explosão comece um universo em expansão inteiramente diferente, com
diferentes leis naturais.)
Porventura o que vemos então, à nossa volta, será o ciclo respiratório
inimaginavelmente lento (dezenas de bilhões de anos de inspiração e outras
dezenas de bilhões de anos de expiração) de um buraco negro de proporções
universais?
E pode então suceder que, separados de nosso universo por algum
meio que ainda não podemos vislumbrar, haja muitos outros buracos negros
de vários tamanhos, talvez em número infinito, todos se expandindo e se
contraindo, cada qual a seu próprio ritmo?
E nós estamos em um deles — e, através dos prodígios do pensamento
e da razão, é possível que, de nossa posição num fragmento menor que um

O Colapso do Universo – Isaac Azimov 153


grão de pó, perdidos no recôndito de um desses universos, tenhamos traçado
um quadro da existência e do comportamento de todos eles.

154 O Colapso do Universo – Isaac Azimov


Apêndice

NÚMEROS EXPONENCIAIS

Para maior conveniência, os números podem ser escritos como múltiplos


de 10. Assim, 100 = 10 x 10; 1.000 = 10 x 10 x 10; 1.000.000 = 10 x 10 x 10 x
10 x 10 x 10; e assim por diante. Uma maneira abreviada de escrever tais
números consiste em indicar o número de dezenas envolvidas na
multiplicação como um pequeno número ("expoente") no alto do 10.
Assim, se 100 = 10 x 10, podemos dizer que 100 = 102. Da mesma
forma, 1.000 = 103 e 1.000.000 = 106. Verificamos, na verdade, que o
expoente é igual ao número de zeros do número maior. Por exemplo, o
número 1.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000 (1 trilhão de
trilhões de trilhões) tem 36 zeros e pode ser grafado 1036.
O sistema exponencial também serve para frações; o número 1/100 é
1/102, e há bons motivos algébricos para grafá-lo 10 -2. Igualmente, 1/1.000 =
1/103 = 10-3 e 1/1.000.000 = 1/106 = 10-6. Se escrevemos esse número em
decimais, o expoente é sempre uma unidade maior que o número de zeros.
Assim, 1/1.000.000 = 0,000001, havendo cinco zeros à direita da vírgula, de
modo que o número exponencial é 10-6. Se preferirmos contar o zero,
geralmente colocado à .esquerda da vírgula, o expoente será igual ao número
total de zeros.
Desse modo, 0,0000000000000000000000000000000000001 (um
triIhonésimo de triIhonésimo de triIhonésimos) é 10-36.
Se tivermos um número como 6.000.000, ele é igual a 6 x 1.000.000 ou
6 x 106. Igualmente, 45.200.000 é igual a 4,52 x 10.000.000 = 4,52 x 107. E
0,000013 é igual a 1,3 x 0,0001 = 1,3 x 10-4.

O Colapso do Universo – Isaac Azimov 155

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