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0 Cédigo Penal ¢ o Cédigo de Processo Penal nao contém normas sobre & formalidade da queixa, o que legitima o entendimento de que a manifestagaio inequivoca do ofendido de gue se exerga 0 procedimento criminal por um certo facto deve ser considerada queixa, independontemente da expressio formal dessa manifestaglo, seja ou nfo apelidada de queixa, dentincia, ou qualquer outro conceito, ou ainda do rigor da qualificaggo jurldico- penal dos factos Indispensavel é s6 que 0 queixoso revele indubitavelmente a sua vontade de que tenha lugar procedimento criminal contra os agentes (eventuais) pelo substrato féctico que descreve ou menciona (Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Portugués, As Consequéncias Juridicas do Crime, Editoris! Noticias, 1993, , pagina 675, § 1086). Como entendeu este Supremo ¢ Secgao, no seu Ac, de 29-01-2007, in Proc. n.° 4458/06 , a queixe, exterior & acgdio tépica, funciona nos crimes de natureza semipiiblica (ou particular) como condigao objectivai de procedibilidade, do exercicio da perseguibilidade penal, de natureza processual, embora regulamentada no mbito do direito penal substantivo, assim sendo concebida pela jurisprudéncia pela doutrina mais autorizada (ef. Prof. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, 1, pig. 117). ‘Nao se exige que da queixa conste a formula sacramental de desejo de procedimento criminal; o seu contetido ¢ muito menos exigente e tecnicista, situando-se ao nivel da simples deseri¢ao factica. Nao se exige, ainda, a identificagao, total ou parcial, do sujeito activo do delito, que o ofendido pode ignorar, competindo a sua individualizagfio & entidade dirigente do inquérito 0 MP ow a entidade em quem ele delegue os inerentes poderes de investigagéo. que nao se dispensa & que dos seus termos ou dos que se Ihe seguirem se conclua, de modo inequivoco, a manifestago de vontade de perseguir criminalmente os autores de um facto ilieito, Por outro lado: De harmonia com 0 art® 242° n° | do CPP. a denuncia ¢ obrigatéria, ainda que os agentes do crime nao sejam conhecidos: a) Para as entidades policiais, quanto a todos os crimes de que tomarem conhecimentos E, segundo o n° 2; Quando varias pessoas forem obrigadas & dentincia do mesmo crime, a sua apresentagio por uma delas dispensa as restantes. Acrescenta o artigo seguinte: 1. Sempre que uma autoridade judiciéria, um drgao de policia criminal ou outra entidade Judicial, um érgfo de policia criminal ou outra entidade policial presenciarem qualquer crime de dentincia obrigatéria, levantam ou mandam levantar auto de noticia, onde se mencionem: a) Os factos que constituem o crime; ©) 0 dia, a hora, o local ¢ as circunsténcias em que o crime foi cometido; ¢ ¢) Tudo 0 que puderom averiguar accroa da identificagko dos agentes dos ofendidos, bem como os meios de prova conhecidos, nomeadamente as testemunhas que puderem depor sobre 03 factos. O n° 2 do mesmo preceito diz. que o auto de noticia ¢ assinado pela entidade que 0 Jevantou e pela que o mandou levantar. Tal obrigatoriedade legal, tem apenas por objecto crimes de deniincia obrigatoria, E, orimes de dentincia obrigatéria sf os erimes publicos, Como refere Maia Gongalves, ibidem, p. 508, nota 3, O disposto na alinea a) do n® 1 deve interpretar-se em conjugagio com o dispositive do n° 3 ¢ dai resulta que a obrigatoriedade de dentincia para as entidades policiais relativamente aos crimes de que tomarem conhecimento ¢ s6 relativamente aos crimes pablicos, Por outro lado, deve entender-se que a aludida obrigatoriedade ¢ extensiva ao conhecimento indirecto dos crimes puiblicos, desde que adquirido por causa das fungSes: Na verdade, o n° 3 do mesmo artigo refere expressamente que o disposto nos mimeros anteriores nao prejudica o regime dos crimes cujo procedimento depende de queixa ou de acusagao particular Assim, no caso concreto, 0 auto de noticia por detengiio era sempre legalmente obrigatério, por se referir a factos (ofenses corporais aos agentes policiais, no exereicio de fungdes ¢ por causa delas) integrantes de crime pitblico, portanto de demincia obrigatéria, conforme art® 243° n° 1 do CPP ¢ 143° n® 2 do C.Penal. Os ofeendidos eram agentes da PSP, em exereicio de fung6es, ocorrendo os factos por causa delas; bastava tum agente policial levantar o auto por crime piblico, para que se considerasse haver demtincia,~ art® 242° n° 2.do CPP -, pois que o auto de noticia € obrigatoriamente remetido ao Ministério Publico no mais eurto prazo ¢ vale como dentincia, Art? 243° n° 3 do CPP. Mas, para que fosse exercido o procedimento criminal por crime semi-puiblico, 0 de injirria agravado, necessério se tomava que cada um dos ofendidos, explicitasse ou manifestasse de forma inequivoca a vontade de que pelos factos integrantes de tal crime desejava procedimento criminal, ou seja que nfio houvesse diividas de que a vontade de cada ofendido era a prossecugao da ac¢do penal por esses factos criminais de natureza semi publica — art? 243° n° 3 do CPP. Ora, apesar de no referido auto de noticia por detenedo, assinado pelo autuante, ¢ indicados os demais agentes policiais como testemunhas, constarem os factos vazados na matéria de facto provada referentes ao crime de injiria agravado ¢ os referentes aos crimes de ofensas corporais aos agentes de autoridade, nfo consta do mesmo auto qualquer manifestagiio inequévoca de que 03 ofendidos, incluindo o autuante ou participante, subseritor do auto, desejassem procedimento criminal pelo crime de injtiria agravado. Nao consta que fosse feita queixa por tal crime, quer no auto de noticia (onde o proprio autuante a podia explicitar no que Ihe dizia respeito, bem como receber ¢, assinalar a queixa dos demais colegas que Iha tivessem participado), quer posteriormente, durante o inquérito, sendo certo que apesar de 0 auto de noticia englobar todos 0s factos relatados, no enquadramento da ocorréncia, apenas se assinalou quanto a tipificagio: resistencia e coacgiio sobre funcionério ¢, no modus operandi: murtos ¢ pontapés. Ali, a tinica justificagio apresentada no auto para a sua elaboragdio, apés a descrigiio dos factos, é simplesmente a de que: Por todo 0 exposto foi a suspeita detida, ‘A detengio no caso dos autos foi em flagrante delito. Embora o artigo 255° do CPP, estabelega que em caso de flagrante delito, por crime punivel com pena de prisiio, qualquer autoridade judiciéria ou entidade policial procede a detengio (n° | al a)), sendo que nfo hé lugar a detengéio em flagrante delito, mas apenas a identificagao do infractor, tratando-se de crime cujo procedimento dependa de acusagtio particular (n° 4 do preceito), hé que ter em atengfo 0 disposto no n° 3 do mesmo preceito no que respeita aos crimes semi-piiblicos, que reza assim: Tratando-se de crime cujo procedimento dependa de queixa, a detengio s6 se mantém quando, em acto a ela seguido, o titular do dircito respectivo o exercer. Neste caso, a autoridade judiciéria ou a entidade policial levantam ou mandam levantar auto em que a queixa fique registada, Ora, como se referiu, do auto de noticia por detengo, nao consta o registo de qualquer queixa pelo crime de injitria agravado. A detengio havida somente pode compreender-se assim no ambito do crime piiblico, o de ofensa a integridade fisica p .¢ p, no art® 143° n® 2 do C.Penal. ia a agente de autoridade no exerescio das respectivas fungdes, ou por causa delas, nfo integra ipso facto um crime de natureza publica, mas sim um crime de natureza semi pliblica, em que o agente de autoridade ofendido, se desejar procedimento criminal tem de manifestar de forma inequivoca tal vontade na demincia desse erime. facto de a injéria ter por destinatario agente de autoridade no exercicio dessas fungdes, ou, por causa delas, apenas agrava a ilicitude, nfo e natureza desta, que é sempre semi pablica. O crime de injiria a agente de autoridade, no exercicio das respectivas fingdes, ou por causa delas, nao é piiblico nem de acusagéo particular, mas exige a queixa. Inexistindo no auto de noticia, nem posteriormente, por qualquer dos agentes de autoridade ofendidos, manifestagio inequivoca de vontade de procedimento criminal quanto aos crimes de injtiria agravada, n&o pode & mesma presumir-se, e, por conseguinte, nfo assumindo tal crime natureza pitblica, nfo tem o Ministério Pablico legitimidade para acusar, por tal crime, pelo que & de manter 0 acérd%o quanto & decisto da referida questéio prévia. Embora na verdade, o tribunal colectivo pudesse conhecer da questio prévia antes da dar inicio a produgao da prova, nos termos do art? 338° n° 1 do CPP, contudo, ainda poderia faz2-lo na fase da decisto final, possibilitado pelo art® 368° n° 1 do mesmo diploma adjectivo. Quer a Lei n° 59/2007 de 5 de Setembro, que procedeu a alterages ao Cédigo Penal, quer a Lei n® 48/2007 de 29 de Agosto que procedeu a alteragdes ao Cédigo de Processo Penal, néo trouxcram alteragdes a situagao supra perspeetivada, Quanto a0 demais: Discorda o Digno Recorrente da taxa didria da multa aplicada, que foi de 3 €, entendendo que deve sé-lo de 5 €, porquanto a taxa didria de multa de trés euros 6 deverd ser aplicada a quem for manifestamente indigente, nunca a quem - como a arguida - aufere por hora de trabalho quantitativo superior. Vejarnos A aplicagao de penas ¢ de medidas de seguranga visa a protecg&o de bens juridicos e a reintegragfio do agente na sociedade art® 40° n? 1 do C.Penal, A determinagio da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em fango da culpa do agente e das exigéncias de prevengao art® 71° n° 1 do CP. Na determinagao da medida conereta da pena o tribunal atende a todas as circunstancias que, nfio fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando nomeadamente as indicadas no art? 71° n° 2 do CP. Em caso algumn a pena pode ultrapassar a medida da culpa, art? 40° n° 2 do Cédigo Penal. ‘A pena de multa ¢ fixada de acordo com os critérios estabelecidos no n? | do art? 71° - art? 47° n° 1 do CP, Cada dia de multa corresponde a uma quantia entre €1 ¢ € 498,80, que o tribunal fixa em fungio da situag&o econdmica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais.- nf 2 do art? 47° Como salienta MAIA GONGALVES, Cédigo Penal Portugués, anotado e comentado, 17 edigdo, 2005,p, 194, nota 3: O Cédigo utiliza o modelo escandinavo dos dias de mutta, largamente deserito nos lugares supra mencionados, segundo o qual a fixagéo desta pena pecunidria se faz. através de duas operagdes sucessivas: na primeira determins- s¢ 0 niimero de dias de multa através dos eritérios gerais de fixago das penas e na sogunda fixa-se 0 quantitativo de cada dia de multa em funeao da capacidade econémica do agente. E, quanto ao montante didrio da muita esté assim no pensamento legislative a ideia de da realizagao, também quanto a pena de multa, ao prineipio da igualdade de onus ¢ de sacrificios, esfumando-se deste modo 0 maior inconveniente que se tem apontado a esta pena o seu peso desigual para os pobres e para os ricos idem, ibidem, p. 189, nota 1. Porm, a lei nifo fornece ao juiz. quaisquer critérios de determinagao da capacidade econémica para os fins pretendidos. Segundo informa FIGUEIREDO DIAS, Direifo Penal Portugués, As Consequéncias Juridicas do Crime, Aequitas, Editorial Noticias, p. 138, na legislagio alema, o § 40 I do CP respectivo manda que se parta em regra do rendimento bruto que o agente, em média, tem ou poderd ter diariamente, eritério este que poderd ser demasiado rigoroso, e sé-lo corre o risco de vir a revelar-se dessocializador, Dai que surgisse em contraposi¢ao um outro critério chamado da «retiradan ou de «diminuigion (inbusseprinzip), segundo 0 qual o juiz deveria calcular a quantia, que, © agente pode economizar ou que the pode ser retirada sem dano para os gastos indispensaveis. #, acrescenta o mesmo Professor: Deve concordar-se com Schultz quando afirma que os dois critérios so praticamente equivalentes, devendo preferir-se 0 do rendimento bruto 6 porque oferece um ponto de partida mais preciso. seguro que deverd atender-se (numa base, em todo 0 caso, juridico-penal, que nao jurfdico-fiscal) a totalidade dos rendimentos proprios do condenado, qualquer que seja a sua fonte (do trabalho, por conta prépria ou alheia, como do capital: de pensées, como de seguros), com excepgéio de abonos, subsidios eventuais, ajudas de custo e similares. Como é seguro, por outro lado, que aqueles rendimentos hiio- de ser deduzidos os gastos com impostos, prémios de seguro obrigatérios ¢ voluntarios e eneargos andlogos. Como igualmente parece legitimo tomar em conta, a semelhanga do que expressamente dispde a lei alema, rendimentos ¢ encargos futuros, mas jé previsiveis no momento da condenagaio (v.g., 0 caso de um desempregado que dentro de alguns dias assumiré um posto de trabalho). Conforme ac. do STJ de 2 de Outubro de 1997 in Col, Jur. Aes do STJ, V, tomo 3, 183, 0 montante didrio da multa deve ser fixado em termos de constituir um sacrificio real para 0 condenado sem no entanto, deixar de Ihe serem assegurads as disponibilidades indispensaveis ao suporte das suas necessidades e do respectivo agregado familiar Considerou a decisio recorrida: A arguida é priméria, mostra-se inserida socialmente ¢ apesar de s6 se encontrar em Portugal hé cerca de 6 anos ja domina bem a lingua portaguesa o que propicia uma m: insergiio e maior facilidade no mereado de trabalho. A arguida estudou no seu pais durante 12 anos, tendo depois obtido formagiio profissional como pedreira e trabatha actualmente como empregada de limpeza fazendo algumas horas de trabalho durante 3 ov 4 dias por semana e auferindo S€ por hora. Assim, sem esquecer as exigéncias de prevengdo geral, neste tipo de delitos que tem tendéncia a aumentar & medida que aumenta o desrespeito pelos valores fundamentais dum estado de direito e que criam no cidaddo em geral ¢ nos préprios agentes policiais, uma ideia de desprotecgio da policia e um sentiment de maior inseguranga ja que a policia tem precisamente como principal objectivo a manutengao da ordem e da tranquilidade piblicas, entendemos adequada a pena de 80 dias de malta por cada um dos crimes, & taxa difria de 3€. Na verdade, vem provado que A arguida encontra-se em Portugal ha cerea de 6 anos ¢ trabalha como emprogada de limpeza durante 3 ou 4 dias por semana auferindo S€ & hora, Vive com 0 namorado que é portugués ¢ domina j4 bem a lingua portuguesa, Na Bielo- Russia tem dois filhos de 15 e 12 anos de idade e estudou durante 12 anos, no final dos quais fez um curso profissional de 1 ano e 6 meses como pedreira, profissio que exercia antes de vir para Portugal. Desconhece-se quantas horas trabalha a arguida por dia, € assim, nfo é possivel saber qual o montante pecuniério que aufere por dia ¢, por semana, ‘Também se desconhece se contribui para o sustento dos seus filhos, mas sendo eles menores, é de admitir que sim, de harmonia com as regras da experiéneia comum. ‘Também néo consta se fem outras fontes de rendimento, nomeadamente se & ajudada economicamente pelo namorado, ou 0 contratio. Pelo exposto, ¢, tendo em conta a materia factica provada, entenck didria de cinco euros, relativamente a pena de multa aplicada.. se por adequada taxa ‘Termos em que, decidindo: Dio parcial provimento ao recurso quanto A taxa didria da pena de multa aplicada, que alteram para cinco euros, ficando assim a arguida condenada na multa tinica de seiscentos euros, €, no mais, confirmam o acérdéo recorsido Sem custas. Lisboa, 05 de Dezembro de 2007 Pires da Graga (relator) Raul Borges Soreto de Barros Santos Monteiro

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