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“Num fim de tarde, quando eu recebia o governador do Rio Grande do

Norte, Garibaldi Alves (PMDB), Jorge Bornhausen me telefonou aflito. Grande


estrépito: ele me pedia ajuda para apagar um incêndio no Maranhão,
porque a família Sarney e amplos setores do PFL estavam irritados com a
violência da invasão, por agentes da Polícia Federal, dos escritórios de uma
empresa de propriedade da governadora Roseana e do marido, Jorge Murad.
Como não sabia da investigação – que corria nas mãos do Ministério Público,
tendo a intervenção da PF se dado por determinação da Justiça -, procurei o
ministro da Justiça para me informar. Não o encontrei. Recorri ao diretor da
PF, delegado Agílio Monteiro Filho, que tampouco sabia de alguma ordem
para praticar o ato. Mais tarde me telefonou informando que a PF dava
cumprimento a uma decisão judicial, informação que tive também de
Everardo Maciel, secretário da Receita Federal, igualmente envolvida na
ação. Ato contínuo pedi uma cópia da ordem judicial. À noite, telefonei para
o presidente do PFL e transmiti a ele os termos do mandato de busca e
apreensão.

No episódio, minha boa-fé revelou-se pouco útil. Tudo foi atribuído a uma
armação com propósitos eleitorais para beneficiar... José Serra, àquela
altura pré-candidato à Presidência pelo PSDB. Ficou claro que o governo
nada teve a ver com a ação do Ministério Público e da polícia, mas
continuamos levando a “culpa” por não termos interferido para impedi-la.
Caso se tratasse de um “inimigo” das forças atingidas, como ocorreu com
Jader, tudo bem que a lei desabasse sobre sua cabeça, fosse quem fosse.
Tratando-se, porém, de forças políticas “amigas”, a isenção do governo é
vista como conveniência com os adversários, na melhor das hipóteses. De
qualquer forma o caso mostra também que muita coisa mudou. O espírito
republicano prevaleceu sobre o favoritismo, em um número significativo
deles.

Diante dos acontecimentos, pensei comigo com certo contentamento:


termino o governo rompido com as principais oligarquias políticas. Isto
representa um avanço institucional. Não poderia imaginar que o PT,
vitorioso, iria reerguer o prestígio de muitos anjos decaídos do poder... “

A Arte da Política: a história que vivi / Fernando Henrique Cardoso


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