Você está na página 1de 2

Da erva rvore

Eram dunas e dunas, a perder de vista. Montes de areia para o vento brincar...
Hoje, fazia uma duna maior aqui, amanh apagava-a, para faz-la mais alm e, sempre
segundo os seus caprichos, onde estavam montes, cavava vales, onde estavam vales,
amoldava montes. O vento era uma vassoura enorme.
Cabeleiras dceis de ervinhas rasteiras deixavam-se pentear, despentear, ao sabor do
vento gigante. Ele que mandava.
Uma delas, beira de um tojo s picos, cresceu.
Delgadinha que era arriscou-se vida. Rompera a areia e apontava para cima. Ela l
sabia.
De dentes a ranger, o vento passou. Partiu-se o tronquinho? No se partiu. Fincava as
razes, segurava-se com toda a fora e, quando o vento descia, inclinava-se vontade dele.
Tinha de ser assim.
L se foi aguentando. O vento, a princpio, nem dava por ela. Era uma erva como as
outras. Senhor daquelas dunas, o que ele queria era disciplina, ordem, submisso. A erva, que
erva afinal no era, submetia-se. ptimo.
Foi crescendo e o vento sem dar por ela. Era um tronco j, uma arvorezinha de Natal
para casa de bonecas. Outras ervinhas como, dantes, ela tinha sido, despontavam tambm, na
mesma duna.
Ali havia uma pequena nao de pinheiros novos. A ordem era: persistir. Por enquanto,
persistir. Resistir, seria para depois. E foram vingando.
Quando o vento deu por eles, teve uma grande clera e soprou, dias a fio, sobre a duna,
donde nascia, miudamente, frgil ainda, um sinal de rebeldia ao seu poder. Nada conseguiu.
Os pinheiros sabiam que eram pinheiros.
Tinham raa e coragem para fazer frente ao vento.
Uns e outros, os maiores e os mais pequenos, comearam a olhar para a sombra.
Alastravam para outras dunas. Guerreiros chamavam por outros guerreiros e desafiavam
o vento. Nada podes contra ns, gritavam-lhe.
O maior, o chefe, o mais velho, que da erva se fez tronco, do tronco se fez rvore,
comandava a defesa e dizia aos mais novos, nas alturas em que o vento lhes fazia ranger os
ramos: Aguentem, que j passmos por pior.
Eles aguentavam.
E foi assim que o vento, o gigante caprichoso que dantes arrasava dunas, teve de deixar
de fazer castelos na areia.

Antnio Torrado

www.historiadodia.pt
Adaptao

Você também pode gostar