Você está na página 1de 3

Augusto dos Anjos

Poesia Erótica
O lupanar

Ah! Por que monstruosíssimo motivo


Prenderam para sempre, nesta rede,
Dentro do ângulo diedro da parede,
A alma do homem polígamo e lascivo?!
Este lugar, moços do mundo, vêde:
É o grande bebedouro colectivo,
Onde os bandalhos, como um gado vivo,
Todas as noites, vêm matar a sede!
É o afrodístico leito do hetairismo,
A antecâmara lúbrica do abismo,
Em que é mister que o gênero humano entre,
Quando a promiscuidade aterradora
Matar a última força geradora
E comer o último óvulo do ventre!

Volúpia imortal

Cuidas que o genesíaco prazer,


Fome do átomo e eurítmico transporte
De todas as moléculas, aborte
Na hora em que a nossa carne apodrecer?!

Não! Essa luz radial, em que arde o Ser,


Para a perpetuação da Espécie forte,
Tragicamente, ainda depois da morte,
Dentro dos ossos, continua a arder!
Surdos destarte a apóstrofes e brados,
Os nossos esqueletos descamados,
Em convulsivas contorções sensuais,

Haurindo o gás sulfídrico das covas,


Com essa volúpia das ossadas novas
Hão de ainda se apertar cada vez mais!

Pecadora

Tinha no olhar cetíneo, aveludado,


A chama cruel que arrasta os corações,
Os seios rijos eram dois brasões
Onde fulgia o simb’lo do Pecado.

Bela, divina, o porte emoldurado


No mármore sublime dos contornos,
Os seios brancos, palpitantes, mornos,
Dançavam-lhe no colo perfumado.

No entanto, esta mulher de grã beleza,


Moldada pela mão da Natureza,
Tornou-se a pecadora vil. Do fado,

Do destino fatal, presa, morria


Uma noute entre as vascas da agonia
Tendo no corpo o verme do pecado!

Depois da orgia
O prazer que na orgia a hetaíra goza
Produz no meu sensorium de bacante
O efeito de uma túnica brilhante
Cobrindo ampla apostema escrofulosa!

Troveja! E anelo ter, sôfrega e ansiosa,


O sistema nervoso de um gigante
Para sofrer na minha carne estuante
A dor da força cósmica furiosa.

Apraz-me, enfim, despindo a última alfaia


Que ao comércio dos homens me traz presa,
Livre deste cadeado de peçonha,

Semelhante a um cachorro de atalaia


Às decomposições da Natureza,
Ficar latindo minha dor medonha!

Você também pode gostar