Você está na página 1de 2

Cap.

2 - parte 04
Maluquices do Imperador
* * *
D. João acabara de jantar. Comera os seus três franguinhos. Comera-os com os ded
os, enlambuzando-se, atirando os ossos ao chão. O infante D. Miguel correu ao ap
arador e trouxe a bacia com o jarro de prata. O príncipe D. Pedro ergueu o jarro
, despejou a água, ofereceu a toalha ao Rei. D. João lavou-se, enxugou as mãos,
fez o sinal da cruz. Depois, feliz e bonacheirão, enlaçou o braço no braço do Co
nde Parati:
- Vamos dar graças a Deus, Conde. E partiram para o oratório.
D. Pedro, livre do protocolo, correu ansioso ao seu apartamento. Que alvoroço! O
coração batia-lhe descompassado. Era o momento de partir para o Largo do Rócio.
..
Naquela tarde, porém, mal o príncipe entrou, o Plácido, assustadíssimo, surgiu c
omo um fantasma diante dele. D. Pedro estranhou aquela fúria:
- Que é isso?
- Vossa Alteza ainda não sabe?
- Você está louco, homem! Não sabe o quê?
- Vossa Alteza não sabe o que aconteceu a Noemi?
D. Pedro agarrou forte nos ombros do criado. Sacudiu-o violentamente:
- À Noemi?
- Pois Vossa Alteza não sabe? A menina partiu hoje para Pernambuco...
- Para Pernambuco?
- Sim, Alteza. Na corveta que acaba de sair do porto. Imagine Vossa Alteza o que
aconteceu: D. João obrigou a pobre rapariga a casar-se com o tenente da Guarda.
Deu-lhe cinco contos de dote...
E desembuchou tudo. D. Pedro fremia. Os seus nervos estalavam. Os olhos ardiam-l
he, febrentos. Aquilo desordenara-o. Era doloroso como um punhal que lhe entrass
e pelas carnes. Eis que o príncipe, no seu atordoamento, começa a tremer. De rep
ente, sem saber como, uma nuvem passa-lhe pelos olhos. As órbitas dilatam-se-lhe
. Uma súbita rigidez penetra-lhe os músculos. A boca espumeja-lhe, sangrenta. E
D. Pedro desaba pesadamente no chão.
Era o ataque.
* * *
Seis meses depois, em Pernambuco, morria a filha da bailarina. O General Luís do
Rego, que governava a Província, ordenou para a bastardinha funerais de princes
a. Houve grande luto oficial. Não se pejou o general em lançar mão de tão acinto
sa sabujice para ganhar o coração do herdeiro do trono. A criança foi embalsamad
a. Veio para o Rio. E dizem que D. Pedro, durante anos, guardou na Câmara dos Pá
ssaros, debaixo do alçapão, o cadaverzinho adorado, relíquia fúnebre da sua gran
de paixão da mocidade.
http://www.biblio.com.br/defaultz.asp?link=http://www.biblio.com.br/conteudo/Mac
hadodeAssis/MachadodeAssis.htm

Você também pode gostar