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CRONI STAS DO DESCOBRI MENTO: Os documentos exploração, passou o ser o produto de maior importância

de informação e a introdução da cultura européia para os portugueses, que até por volta de 1560 utilizava
em nossa terra. O Brasil na visão dos descobridores. esse produto para tingir seus tecidos em Portugal.
Inicia-se um processo de exploração dos índios, quando
Antes dos portugueses descobrirem o Brasil, o Brasil os portugueses, em troca de machados, facas e até armas
tinha descoberto a felicidade. (Oswald de Andrade) de fogo, faziam com que os nativos derrubassem e
transportassem as árvores, levando-as até o litoral.
Neste mesmo dia, à hora de vésperas, avistamos terra! Conseqüentemente, essa exploração demasiada, levou a
Primeiramente um grande monte, muito alto e redondo; um desmatamento rápido, devastando as matas do litoral,
depois, outras serras mais baixas, da parte sul em relação levando os nativos a se distanciarem cada vez mais em
ao monte e, mais, terra chã. Com grandes arvoredos. Ao busca de novas árvores para satisfazer a ganância do
monte alto o Capitão deu o nome de Monte Pascoal; e à europeu. Com o passar do tempo, a chegada de novos
terra, Terra de Vera Cruz. exploradores levaram o rei de Portugal, dom João III a
organizar expedições à nossa terra com o intuito de
(Carta de Pero Vaz de Caminha protegê-la dos invasores, em defesa, principalmente, do
litoral brasileiro. Apesar da expedição de Cristóvão Jacques,
Conforme sabemos, vários viajantes europeus estiveram foi mesmo a partir de 1531, com a expedição de Martim
aqui em nossas terras durante o século XVI registrando no Afonso de Sousa, com a fundação da Vila de São Vicente,
papel sua observações pessoais sobre a terra recém no litoral paulista, que a ocupação definitiva do território se
descoberta. A necessidade de prestação de contas e a consagra e se inicia a criação de um centro de expansão
obrigatoriedade do registro sobre o Novo Mundo, em forma portuguesa rumo ao litoral. Sem recursos para explorar a
de cartas, diários, tratados ou crônicas formam aquilo que Colônia, dom João III cria o sistema de capitanias
chamamos de Literatura de I nformação , de nosso hereditárias, que como sabemos, constitui a primeira
período quinhentista. divisão administrativa brasileira, em que terras foram
A chegada das caravelas portuguesas à costa da Bahia, doadas a donatários pela Coroa portuguesa. Novo fracasso
em 1500, colocou frente a frente dois povos muito de Portugal com o fim do sistema de capitanias
diferentes. Os viajantes que aqui estiveram no século XVI hereditárias. O próximo passo seria a implantação do
mostraram como se deu esse contato. Nos relatos que Governo Geral, que criou uma centralização administrativa
fizeram, encontramos o registro de imagens da terra e de e a defesa da Colônia. O primeiro Governador Geral foi
sua gente que marcaram para sempre a identidade Tomé de Sousa, que fundou a cidade de Salvador, na Bahia
brasileira. de Todos os Santos e trouxe consigo a Companhia de
Embora A Carta de Caminha contenha a primeira Jesus. Na administração de Duarte da Costa, segundo
descrição das terras brasileiras, não foi ela quem divulgou, Governo Geral, os franceses ocuparam o território brasileiro
para o público europeu, as características do território durante cinco anos até que por fim, Mem de Sá, como o
americano. Por ser um documento que continha terceiro Governador Geral, teve a incumbência de expulsar
informações importantes para a coroa portuguesa, a Carta os franceses de nosso território. Essa luta entre
ficou guardada nos arquivos da Torre do Tombo até o início portugueses e franceses ainda durou até 1565, quando
do século XIX. Portugal fundou a vila de São Sebastião do Rio de Janeiro,
O 22 de abril de 1500 é a data oficial da integração do dominando definitivamente a região.
território brasileiro no sistema econômico mercantilista, em A partir da segunda metade do século XVI, Portugal
vigor na Europa, e que teve no comércio do ouro e das começa a dar mais importância a questão econômica que a
especiarias sua principal atividade. O território português política em nosso território. Com o fim da exploração do
conquista nossas terras e há a inclusão do Brasil na História pau-brasil, a Metrópole passa a valorizar a agricultura,
universal. tornando a cana-de-açúcar o principal produto a ser
O Brasil passa então a ser tratado como celeiro para a explorado na Colônia.
Coroa portuguesa, submetendo-se ao modelo econômico Pelo fato de Pernambuco e Bahia apresentarem uma
imposto pela Metrópole, que via o Brasil apenas como um maior proximidade dos portos portugueses e o clima e o
fornecedor de matéria-prima e também de metais solo também serem favoráveis, a economia brasileira
preciosos. A ocupação inicia primeiramente pelo litoral que desenvolve-se no Nordeste, pois barateava mais os custos
corresponde do Nordeste e ao Sudeste. Portugal inicia de transporte. Inicia-se assim o processo de escravidão do
assim o momento de luta entre os índios, pela posse da negro em nosso território, uma vez que Portugal faz a
terra, e com outros povos (espanhóis e franceses), pelo concessão das terras a latifundiários e para o plantio do
direito de explorar a terra recém-descoberta. Por fim, novo produto econômico era necessária uma mão de obra
depois de várias lutas, Portugal implanta-se definitivamente diferente da do índio, uma vez que esses nativos resistiram
em nossa terra, criando inclusive um sistema político- à escravidão e, além do mais, o tráfico negreiro também
administrativo. era lucrativo para Portugal.
Durante o primeiro século de colonização, Portugal se Ao lado dele, o comércio regular com o Brasil também
voltava com mais afinco para as especiarias encontradas era importante elemento da exploração econômica da
nas Índias, que, naquele momento, lhe era mais lucrativo, Colônia. Comerciantes compravam açúcar por preços baixos
principalmente em seu apogeu, com a viagem de Vasco da nas zonas produtivas nordestinas e revendiam por altos
Gama, em 1498. O pau-brasil, por não apresentar tanta preços na Europa. Ao mesmo tempo, vendiam no Brasil, a
dificuldade nem mesmo investimento para obter sua preços também altos, produtos manufaturados e alimentos,

Cronistas do descobrimento 1
que eram escassos, devido ao cultivo exclusivo
(monocultura) do açúcar nos latifúndios. A consolidação do ( História da província de santa Cruz, de Pero de
domínio de Portugal sobre o Brasil se dá nas últimas do Magalhães Gandavo)
século XVI, com o aumento dos lucros com a cana de
açúcar e a ocupação de grande parte das terras litorâneas. A literatura jesuítica também fez parte desses
Afirma Antônio Carlos Olivieri: documentos escritos no século XVI. Os impérios continham
em sua expansão uma profunda ambigüidade. Ao espírito
Ironicamente, o ápice desse processo aconteceu sob o capitalista-mercantil associavam um certo ideal religioso,
domínio espanhol. Em 1578, na inexistência de herdeiros definido por Darcy Ribeiro como salvacionista. Dezenas de
portugueses ao trono, o rei Felipe II da Espanha, neto de religiosos acompanhavam as expedições a fim de converter
D. Manuel, foi considerado o herdeiro legítimo do trono os gentios. O racionalismo capitalista não se encontrava em
português. Em 1580, Portugal e suas Colônias, incluindo o estado puro, tanto em Portugal como na Espanha, devido à
Brasil, passaram a ser governados pela corte de Madri. O ausência de uma legítima burguesia comercial. Ao contrário
domínio espanhol se estende até 1640. da Inglaterra e dos Países-Baixos, onde triunfara o
capitalismo e o protestantismo, nos países ibéricos vingara
A LI TERATURA I NFORMATI VA DO SÉCULO XVI : a Contra-Reforma, de inspiração nitidamente feudal.
Primeiras manifestações literárias e informativas Dentre as várias ordens religiosas, destacou-se a
sobre o Brasil jesuítica. Disciplinados e ardorosos, os padres da
Companhia de Jesus lançaram-se ao desconhecido no
As primeiras manifestações literárias sobre a América intuito de salvar a alma indígena. A história colonial é
estão delimitadas pelo seu caráter informativo. Expressam, também a história dos jesuítas, pois além do trabalho
sem maiores intenções artísticas, os contatos do europeu catequético exerceram o domínio absoluto da vida
com o novo mundo. São documentos a respeito das educacional e, portanto, cultural até meados do século
condições gerais da terra conquistada. Neles se descrevem XVIII. Organizando um sistema de ensino humanista e
os problemas, as prováveis riquezas, as lutas de religioso, muitas vezes desligavam os alunos da realidade
dominação, a paisagem física e humana, etc. as cartas de concreta brasileira, preferindo o ensino de teologia, latim e
Fernão Cortez sobre a conquista do México são o exemplo retórica aos ofícios e às ciências.
mais famoso dessa literatura informativa. O seu trabalho com os nativos até hoje gera uma certa
A princípio, a visão européia é idílica. Dentro da tradição discussão. De um lado, os admiradores celebram a
utópica do Renascimento, a América surge como o paraíso resistência dos padres á ganância dos colonos, lembram as
perdido, local de maravilhas e abundância. O país de reduções ou missões, onde se praticava uma espécie de
Eldorado seduz a imaginação e os nativos aparecem sob socialismo cristão. De outro lado, os detratores vêem nos
tintas favoráveis. Porém, à medida que em que os índios padres agentes das potências européias, domesticando os
começam a se opor aos desígnios imperiais, iniciando a indígenas até o seu extermínio final. Independente de tais
guerra contra os invasores, a visão rósea transforma-se. A posicionamentos, não podemos deixar de assinalar algumas
natureza continua exuberante na ótica colonizadora contradições na prática cotidiana dos religiosos. Se
mas os habitantes da terra são pintados como seres boçais defendiam o nativo da escravidão brutal, também o
e selvagens. No Brasil, a Carta de Pero Vaz de Caminha deculturavam, destruindo o seu conjunto de mitos, crenças
inicia a série de documentos que compõem a nossa e rituais e oferecendo-lhe, em troca, um estatuto de
literatura informativa. valores estranho ao dia a dia das aldeias e tabas.
Ainda dentro da linha da exaltação da terra, ao lado de
registros realistas dos primeiros esforços de colonização, Desta maneira ir-lhes-ei ensinando as orações e
encontramos a História da província de santa Cruz, de Pero doutrinando-os na Fé até serem hábeis para o batismo.
de Magalhães Gandavo (1576), Tratado descritivo do Brasil, Todos estes que tratam conosco, dizem que querem ser
de Gabriel soares de Sousa e Tratados da terra e gente do como nós, senão que não têm com que se cubram como
Brasil, de Fernão Cardim. nós, e este só inconveniente tem. Se ouvem tanger a
missa, já acodem e quanto nos vêm fazer, tudo fazem,
Tem esta província, assim como vai lançada da linha assentam-se de giolhos, batem nos peitos, levantam as
equinocial para o sul, oito capitanias povoadas de mãos aos céu e já um dos principais deles aprende a ler e
portugueses, que contém cada uma em si, pouco mais ou toma lição cada dia com grande cuidado e em dois dias
menos, cinqüenta léguas de costa e demarca-se umas das soube o A, B, C todo, e o ensinamos a benzer, tomando
outras por uma linha lançada leste-oeste: e assim ficam tudo com grande desejos. Diz que quer ser cristão e não
limitadas por estes termos entre o mar oceano e a linha da comer carne humana, nem ter mais de uma mulher e
repartição geral dos reis de Portugal e Castela. outras cousas; somente que há de ir à guerra, e os que
(...) cativar, vendê-los e servir-se deles, porque estes desta
A primeira e mais antiga se chama Tamaracá, a qual terra sempre têm guerra com outros e assim andam todos
tomou este nome de uma ilha pequena onde sua povoação em discórdia, comem-se uns aos outros, digo os contrários.
está situada. Pero Lopes de Sousa foi o primeiro que a É gente que nenhum conhecimento tem de Deus. Têm
conquistou e livrou dos franceses, em cujo poder estava ídolos, fazem tudo quanto lhes dizem.
quando foi povoar: esta ilha em que os moradores habitam ( Carta ao padre mestre Simão Rodrigues de
divide da terra firme em braço de mar que a rodeia, onde Azevedo, de Manuel da Nóbrega)
também se ajuntam alguns rios que vêm do sertão.

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Cronistas do descobrimento
Foi um período de intensa produção de textos E assim seguimos nosso caminho, por este mar, de
documentais. Para o vestibular da UFPB-2007, foram longo, até que, terça-feira das Oitavas de Páscoa, que oram
indicadas as seguintes crônicas: vinte e um dias de abril, estando da dita ilha obra de 660
ou 670 léguas, segundo os pilotos diziam, topamos alguns
sinais de terra, os quais era muita quantidade de ervas
1) A Carta do achamento do Brasil, de pero Vaz de compridas, a que os mareantes chamam Botelho, assim
Caminha como outras a que dão o nome de rabo-de-asno.

2) Diário de Navegação (1530), de Pero Lopes e A descrição e a admiração diante do elemento nativo
Sousa. também podem ser destacadas como ponto fundamental
3) Tratados da terra e da gente do Brasil, de na percepção do escrivão, já que se trata de um choque
Fernão Cardim cultural entre o velho e o novo mundo, o que faz com que
o cronista se torne, muitas vezes, preconceituoso e
4) Tratado Descritivo do Brasil (1587), de Gabriel etnocêntrico em relação ao índio.
Soares de Sousa.
5) Relação da viagem de Pedro Álvares Cabral, de Eram pardos, todos nus, sem coisa alguma que lhes
Piloto Anônimo. cobrisse suas vergonhas. Nas mãos traziam arcos com suas
setas. Vinham todos rijamente sobre o batel; e Nicolau
6) Carta e Diálogo sobre a conversão do gentio, de Coelho lhes fez sinal que pousasse os arcos. E eles o
Manuel da Nóbrega pousaram
7) As singularidades da França Antártica, de André
A questão do choque de linguagem não é, à primeira
Thevet.
vista, percebida pelo colonizador; no momento em que se
8)Viagem ao Brasil, de Hans Standen inicia um aparente diálogo entre nativos e europeus, o
escrivão atribui ao barulho do mar o fato de não poder
9) Viagem à terra do Brasil, de Jean de Lery
perceber o que eles (índios) falavam, não obtendo,
10) Santa I nês e Carta, de José Anhieta portanto, nenhum entendimento. Os gestos e trocas de
materiais passaram a ser uma forma de comunicação entre
11) História da província de Santa Cruz, de Pero os colonizadores e os nativos. É bastante interessante
de Magalhães Gândavo observar que, muito embora haja uma barreira lingüística,
portugueses e índios ainda conseguem estabelecer um
Pero Vaz de Caminha: A certidão de nascimento contato pacífico e um entendimento através da relação de
do país troca de objetos.

É a primeira expressão de deslumbramento e ao mesmo Deu-lhes somente um barrete vermelho e uma carapuça
tempo das inverdades e intenções do colonizador de linho que levava na cabeça e um sombreiro preto. Um
português, através da utilização de uma linguagem fluente deles deu-lhe um sombreiro de penas de ave, comprida,
e poética, com certo senso de humor, embora seja um com uma copazinha pequena de penas vermelhas e pardas
tanto grave, de mistura com um ou outro trocadilho como de papagaio; e outro deu-lhe um ramal grande de
malicioso. A Cara revela um estilo bem claro, marcado ramihas brancas, miúdas, que querem parecer de aljaveira,
pela objetividade que convém a um relatório. as quais peças creio que o capitão manda a Vossa Alteza, e
com isso se volveu às naus por ser tarde e não poder haver
Carta do achamento do Brasil deles mais fala, por causa do mar.

Relatando ao rei de Portugal o descobrimento, o escrivão O processo de aculturação e dominação se inicia ainda de
da armada da Cabral descreve, deslumbrado, a terra e seus forma inibida, porém, já se percebe pela descrição feitas
habitantes, registrando as emoções do primeiro contato dos fatos ocorridos nesse primeiro contato entre brancos e
com os índios. índios que essa dominação é unicamente questão de tempo
e oportunidade para que os portugueses iniciem esse
Através de uma expressão solene, Pero Vaz de Caminha processo de domínio sobre os nativos. Os índios passam a
inicia seu relato retratando o início da chegada ao Brasil. dançar e brincar diante dos portugueses, fazendo com que
Mostrando-se ignorante, porém de boa vontade, o escrivão Diogo Dias aproveitasse o ensejo para mandar um gaiteiro
avisa que vai relatar suas impressões sobre a nova terra, que ali trouxe com sua gaita, e meter-se a dançar com os
de tal forma que não pretende nem alindar nem afear , índios.
limitando a colocar no papel somente aquilo que lhe O contraste entre a atitude de preservação e a de
parecer verdadeiro. destruição que se dá entre os dois povos é latente. Vale
Na noite seguinte, segunda-feira, ao amanhecer, séc observar também que os índios apresentam certa
perdeu da frota Vasco de Ataíde com sua nau, sem haver desconfiança em relação aos brancos, da mesma forma que
tempo forte nem contrário para que tal acontecesse. Fez o estes procuram sempre uma forma de poder dominá-los,
capitão suas diligências para o achar, a uma e outra parte, cautelosamente tentando amansá-los . Nota-se que os
mas não apareceu mais. portugueses, de forma premeditada, agiam cordialmente
como maneira mais rápida de poder se estabelecer

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Cronistas do descobrimento
futuramente em nosso território, sem que para isso informações que complementam e às vezes contradizem o
precisasse de conflitos com os nativos. texto de Caminha.
A impressão inicial que os índios causam em caminha é O relato inicial mostra de forma bastante objetiva o dia
ótima, sempre a observar que estes estão plenamente da saída de Portugal, desde a cidade de Restelo, passando
aptos a serem civilizados pela ação dos brancos. A leitura por Belém até a chegada ao Brasil. Assim como na Carta de
do Evangelho, durante a celebração da segunda missa em Caminha, o encontro com o nativo também surpreende o
território brasileiro, em 1º de maio, demonstra a piloto, tanto pelas vestimentas quanto pelo aspecto físico
necessidade de catequese pretendida pelos colonizadores, do índio; diferentemente da Carta , aqui a falta de
o que justifica a presença, mais tarde, de padres jesuítas comunicação não é atribuída ao barulho do mar, e sim à
pertencentes à Companhia de Jesus em nosso território, própria diferença de linguagem.
conforme veremos em textos um pouco mais adiante.
...uma gente parda, bem disposta, com cabelos
E quando veio ao Evangelho, que nos erguemos todos compridos; andavam todos nus sem vergonha alguma,e
em pé, com as mãos levantadas, eles se levantaram cada um deles trazia o seu arco com flecha, como quem
conosco e alçaram as mãos, ficando assim, até ser estava ali para defender aquele rio; não havia ninguém na
acabado; e então tornaram-se a assentar como nós. E armada que entendesse a sua linguagem, de sorte que,
quando levantara a Deus, que nos pusemos de joelhos, vendo isto, os dois batéis tornaram para Pedro Álvares e no
eles se puseram assim todos, como nós estávamos com as entanto se fez noite e se levantou com ela um muito rijo
mãos levantadas, em tal maneira sossegados, que, certifico temporal.
a Vossa Alteza, nos fez muita devoção.
E, acabada a pregação, como Nicolau Coelho trouxesse No capítulo II, o escrivão passa a relatar como os
muitas cruzes de estanho com crucifixos, que lhe ficaram homens daquela terra trataram aos colonos, recebendo-os
ainda da outra vinda, houveram por bem que se lançasse com hospitalidade, e também como ocorreu a celebração
uma ao pescoço de cada um. Pelo que o padre Frei da primeira missa. É feita uma descrição das riquezas
Henrique se assentou ao pé da Cruz e ali, a um por um, naturais da terra, sua abundância de árvores e de água,
lançava a sua atada em um fio ao pescoço, fazendo-lha milho, inhame e algodão, e a ausência de animais
primeiro beijar e alevantar as mãos. Vinham a isso muitos; quadrúpedes, reforçando assim, toda a visão de Caminha.
e lançaram-nas todas, que seriam obra de quarenta ou No capítulo III se percebe a intenção catequética, de
cinqüenta. forte imposição religiosa e a visão etnocêntrica do cronista
Percebe-se que essa distribuição feita de crucifixos pelos quando faz referência à cruz que foi enterrada ao chão e o
portugueses aos índios demonstra a ação efetiva de sentimento de piedade que afirma terem expressa os índios
catequização sobre o nativo. De forma bastante em relação ao símbolo cristão.
equivocada, o escrivão imagina que, pelas atitude dos
nativos, estes já estariam aptos ao processo de ...os quais começaram a chorar,e foram animados pelos
cristanização, o que na verdade não se pode confirmar esse naturais do país, que mostravam ter piedade deles.
fato, uma vez que não sabemos se, verdadeiramente, os
índios entenderam tal ação por parte dos colonizadores, o A exuberância da paisagem também é objeto de
verdadeiro significado da religiosidade cristã. Por isso se admiração do cronista.
confirma a superposição religiosa imposta pelo europeu e
seu acentuado etnocentrismo, menosprezando ou Esta terra é muito populosa, como vimos navegando ao
desconhecendo o sentido da fé indígena. longo da praia com bom vento e tempo aprazível; além
disso, é muito frutífera, como muitos rios grandes e muitos
Assim, Senhor, a inocência desta gente é tal, que a de animais, de modo que toda era bem povoada.
Adão não seria maior, quanto à vergonha.
Pero Lopes de Sousa: A conquista e a posse
Piloto Anônimo: Uma outra versão da História
relação da viagem de Pedro Álvares cabral Tendo chegado ao Brasil juntamente com a primeira
expedição, Pero Lopes de Sousa ajudou a combater os
Esse relato feito por um dos pilotos da frota de Cabral franceses, e fixar os limites das terras pertencentes a
teve mais sorte que a de caminha, já que foi mais Portugal e fundar os primeiros núcleos de colonização em
rapidamente conhecida do que a do primeiro escrivão. Até nossa terra. Irmão mais moço de Martim Afonso de Sousa,
trava-se uma polêmica sobre a verdadeira autoria dessa registrou cronologicamente os acontecimentos da
narrativa. Quanto ao autor, alguns historiadores acreditam expedição de Martim Afonso de Sousa, as aventuras que
que não se trata de nenhum dos pilotos das seis caravelas tiveram que enfrentar no decorrer da viagem marítima e a
da expedição de Cabral, que retornaram a Portugal um ano exploração da terra, bem como a luta com os franceses.
após o descobrimento de nossa terra. Em 1539, em viagem de volta ao seu país, sofreu um
Esse texto nos fornece importantes informações que não naufrágio bem próximo à ilha de Madagascar, tendo
constam na Carta de Caminha, nem sempre fazendo o desaparecido no oceano. Apresenta um estilo sóbrio no que
mesmo seguimento que do outro escrivão. De autoria, se refere à descrição que faz da terra, sem acrescentar
como já afirmamos, desconhecida, este relato reconstitui a qualquer que seja uma nota de subjetividade em seu
travessia do oceano atlântico pela frota de Cabral, com relato, a não ser quando se refere, e de forma bastante
rápida, á beleza das mulheres indígenas e o pasmo diante

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Cronistas do descobrimento
da beleza observada às margens do rio do Prata. Por esse Quinhentismo Brasileiro, com sua produção dividida na
motivo, o valor literário de sua obra tem sido contestado Literatura Informativa ou na Literatura de catequese2.
pela crítica. Seus relatos são todos basicamente voltados
para os acontecimentos cotidianos no mar. Estilo lento, - Carta do Achamento do Brasil:
técnico e científico, sendo às vezes, um pouco evocativo e
emotivo em relação aos perigos e mistérios do mar. Escrita por Pero Vaz de Caminha (escrivão-mor da
esquadra liderada por Pedro Álvares Cabral capitão-mor)
Sábado, 12 do mês de março ao meio-dia tomei o sol em ao rei de Portugal D. Manuel, e recebida por este em junho
doze graus e dois terços; e em se pondo o sol houve vista de 1500. Considerada a certidão de nascimento do Brasil,
de terra, que me demorava a oeste: fazia-me dela seis mostra o primeiro contato do português com a terra e com
léguas. E de noite, por nos afastar de terra, fizemos o o nativo e os ideais mercantilistas portugueses, revelados a
caminho ao sul e a quarta do sudoeste, até o quarto d alva, partir da exposição dos planos para a exploração da terra
que tornamos a fazer o caminho do sudoeste. recém descoberta.

Percebe-se que o texto apresenta-se de forma muito Linguagem: elegante e próxima ao estilo literário
técnica, já que as referências náuticas e geográficas são
extremamente demasiadas. Com certeza, esclarecer todos (...) não deixarei também de dar minha conta disso a
os detalhes informativos levaria bastante tempo. O Vossa Alteza, o melhor que eu puder, ainda que para o
vocabulário naval torna-se importante para a compreensão bem contar e falar , a saiba fazer pior que todos. (19)
do texto desse cronista.
O ritual de antropofagia também tornou-se objeto de Eram pardos, todos nus, sem coisa alguma que lhes
admiração desse navegador, conforme se percebe em seu cobrisse suas vergonhas. (20)
texto abaixo. Função da carta: informar ao rei as impressões do
escrivão sobre a viagem, a terra e o índio
A gente dessa terra é toda alva; os homens mui bem
dispostos, e as mulheres mui formosas, que não hão Da marinhagem e singraduras do caminho não darei aqui
nenhuma inveja às da Rua Nova de Lisboa. Não têm os conta a Vossa Alteza, porque o não saberei fazer, e os
homens outras armas senão arcos e flechas; a cada duas pilotos devem ter esse cuidado. Portanto, Senhor, do que
léguas têm guerra uns com os outros. Estando nessa baía hei-de falar começo e digo (...) (19)
no meio do rio pelejaram cinqüenta almadias de uma
banda,e e cinqüenta da outra; que cada almadia traz A tentativa de dar verdade ao fato relatado: números e
sessenta homens todas apavesadas de paveses pintados citações específicas
como os nossos: e pelejaram desde o meio-dia até o sol
posto: as cinqüenta almadias, da banda de que estávamos Mandou lançar o prumo3. Acharam vinte e cinco braças;
surtos foram vencedores e trouxeram muitos dos outros e, ao sol posto, obra de seis léguas da terra, surgimos
cativos, e os matavam com grandes cerimônias, presos por âncoras, em dezenove braças ancoragem limpa. (20)
cordas, e depois de mortos as assavam e comiam, não têm
nenhum modo de física: como se acham mal ao comem, e O índio: apresentação do choque cultural (estranheza)
põem-se ao fumo; e assim pelo conseguinte os que são do e visão pejorativa (inocente e selvagem)
que a terra dava, e lhes deixou muitas sementes.
Ali não pôde deles haver fala, nem entendimento de
Conforme afirmamos anteriormente, esse texto é proveito, por o mar quebrar na costa. Deu-lhes somente
bastante técnico, não havendo assim importância em um barrete vermelho e uma carapuça de linho que levava
dissecá-lo de todo, por apresentar uma preocupação na cabeça e um sombreiro preto. Um deles deu-lhe um
meramente em registrar cada dia de sua estada em terra sombreiro de penas de ave (...) (20)
brasileira.
(...) estariam já na praia assentados perto do rio obra de
sessenta ou setenta homens que se haviam juntado ali
CRONISTAS DO DESCOBRIMENTO1 poucos e poucos (...)com aquilo muito os segurou e
afagou, tomavam logo uma esquiveza como de animais
Essa obra traz uma seleção de onze textos escritos monteses, e foram-se para cima. (21)
sobre o Brasil, durante o século XVI, e, para a melhor
compreensão dela, é necessário lembrar o contexto do (...) com aquilo muito os segurou e afagou, tomavam
logo uma esquiveza como de animais monteses, e foram-se
para cima (...).Todos andam rapados até cima das orelhas;
e assim as sobrancelhas e pestanas.(22-23)

Cronistas Literatura Brasileira: Era Colonial


do Descobrimento Periodização e Textos

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Cronistas do descobrimento
(...) nos erguemos todos em pé, com as mãos Do índio:
levantadas, eles se levantaram conosco e alçaram as mãos,
ficando assim, até ser acabado; e então tornaram-se a (...) alguns dos nossos caminharam até uma povoação
assentar como nós (...).Ora veja Vossa Alteza se quem em onde eles habitavam, coisa de três milhas distante do mar
tal inocência vive se converterá ou não, ensinando-lhes o (...) (Piloto Anônimo, 31)
que pertence à sua salvação. (23-25)
Isto me faz presumir que não têm casas nem moradas a
A terra: a idéia de descobrimento e posse, a extensão que se acolham, e o ar, a que se criam, os faz tais, Nem
e as riquezas naturais nós ainda até agora vimos casa alguma ou maneira delas.
(Caminha, 22)
Neste dia,(...) houvemos vista de terra! Primeiramente
dum grande monte, mui alto e redondo; e doutras serras - Diário da Navegação:
mais baixas ao sul dele; e de terra chã, com grandes
arvoredos: ao monte alto o capitão pôs nome o Monte Crônica escrita por Pero Lopes de Sousa, irmão de
Pascoal e à terra a Terra da Vera Cruz. (20) Martim Afonso de Sousa, de quem foi companheiro na
primeira expedição portuguesa propriamente de exploração
(...) uma lagoa grande de água doce, que está junto com pelo litoral brasileiro, em busca do Rio Prata, em 1530. O
a praia, porque toda aquela ribeira do mar é apaulada por texto foi escrito em forma de diário revelando o dia-a-dia
cima e sai a água por muitos lugares.(21) da viagem e as impressões momentâneas dos fatos6.

Esta terra, Senhor, me parece que (...), será tamanha Referências náuticas:
que haverá nela bem vinte ou vinte e cinco léguas por
costa. Tem, ao longo do mar, nalgumas partes, grandes Sábado 12 do mês de março ao meio-dia tomei o sol em
barreiras, delas vermelhas, delas brancas; e a terra por doze graus e dois terços, e em se pondo o sol houve vista
cima toda chã e muito cheia de grandes arvoredos. De da terra, que me demorava a oeste: fazia-me dela seis
ponta a ponta, é tudo praia-palma4, muito chã e muito léguas. (...) (37)
formosa. (25)
O Caramuru (Diogo Álvares):

- Relação da Viagem de Pedro Álvares Cabral: Domingo 13 dias de março (...) achegamos (...) a Bahia
de Todos os Santos (...) neta baía achamos um homem
De autoria desconhecida ( piloto anônimo ), essa português, que havia vinte e dois anos que estava nesta
narrativa também trata da viagem da esquadra de Cabral, terra; e deu razão larga do que nela havia. (...) (37)
algumas vezes, reafirmando os relatos de Caminha, de
outras, dando uma nova versão dos fatos. Os índios:

Da saída de Portugal: (...) os homens mui bem dispostos, e as mulheres mui


formosas, que não hão nenhuma inveja às da Rua Nova de
(...) Em um domingo, 8 de março daquele ano (1500), Lisboa, não têm os homens outras armas senão arcos e
estando tudo prestes, saímos (...) de Lisboa (...) Convento flechas; a cada duas léguas têm guerras uns com os outros
de Belém (...) (Piloto Anônimo, 29) (...) da banda que (...) foram vencedores; trouxeram
A partida de Belém5, como Vossa Alteza sabe, foi, muitos dos outros cativos, e os matavam com grande
segunda-feira, 9 de março. (Caminha,19) cerimônias, presos por cordas, e depois de mortos os
assavam e os comiam (...) (38)
Da viagem:
A terra:
(...) aos 14 do mesmo mês (março) chegamos às
Canárias; aos 22 passamos Cabo Verde (...) (Piloto Quinta-feira 27 do mês de abril pela manhã houve vista
Anônimo, 29) de terra (...) é toda ao longo do mar mui chã sem
arvoredo; no sertão serras mui altas e formosas (...) (39-
(...) Sábado, 14 do dito mês, entre as oito e as nove 40)
horas, nos achamos entre as Canárias, mais perto da Grã
Canária(...) E domingo, 22 do dito mês, às dez horas, As dificuldades da viagem:
pouco mais ou menos, houvemos vista das ilhas de Cabo
Verde (...) (Caminha, 19) Terça-feira 26 do mês de setembro partimos desta ilha
com o vento leste (...) com muita água e relâmpagos (...)
(43)

Brasil: uma História: a Incrível Saga de um País

6
Cronistas do descobrimento
- Carta ao Padre Mestre Simão Rodrigues de trouxemos a estes que querem ser cristãos, repartindo-lha
Azevedo: até ficarmos todos iguais com eles. (48-49)

Primeira carta escrita pelo Padre Manuel da Nóbrega do O Caramuru (Diogo Álvares):
Brasil, em abril de 1549. Dirigida ao Padre Simão
Rodrigues, chefe da Companhia de Jesus em Coimbra, (...) um homem que nesta terra se criou de moço, o qual
relatando os primeiros dias no Brasil e as primeiras agora anda mui ocupado no que o governador lhe manda e
impressões sobre o trabalho de catequese dos jesuítas. não está aqui. Este homem com um seu genro é o que
mais confirma as pazes com esta gente, por serem eles
A saudação religiosa: seus amigos antigos.(49)

A graça e amor de Nosso Senhor Jesus Cristo seja A terra:


sempre em nosso favor e ajuda, Amém. (40)
A terra cá achamo-la boa e sã. Todos estamos de saúde,
A função da carta: Deus seja louvado, mais sãos do que partimos. (50)

Somente darei conta a Vossa Reverendíssima de nossa - Diálogo sobre a Conversão do Gentio:
chegada a esta terra, e do que nela fizemos e esperamos Criando duas personagens (os interlocutores Gonçalo
fazer no Senhor Nosso, deixando os fervores de nossa Alves curador de índios e Mateus Nogueira ferreiro da
próspera viagem aos Irmãos que mais em particular a Companhia de Jesus), Manuel da Nóbrega discorrerá sobre
notaram. (47) o trabalho de conversão do índio, enumerando pontos
positivos e negativos7.
A condição material:
(...)receberam-nos com grande alegria e achamos uma Gonçalo Alves: Pois assim é, que todos temos uma alma
maneira de igreja, junto da qual logo nos aposentamos os e uma bestialidade naturalmente, e sem graça todos somos
padres e irmãos em umas casas a par dela (47) uns, de que veio estes negros não serem tão bestiais, e
todas as outras gerações como os romanos, e os gregos, e
(...)ó, meu Pai, faze com que muitas naves aportem e os judeus, serem tão discretos e avisados.
vem a essa vinha que o Senhor planta. Cá não são Nogueira: Esta é boa pergunta, mas claro está a
necessárias letras mais que para entre os cristãos nossos resposta, todas as gerações tiveram também suas
(...) (49) bestialidades; adoravam pedras e paus, dos homens faziam
deuses, tinham crédito em feitiçarias do diabo; outros
E não há óleos para ungir, nem para batizar; faça-os adoravam os bois e vacas, e outros adoravam por Deus aos
Vossa Reverendíssima vir no primeiro navio, e parece-me ratos, e outras imundícies; e os judeus, que eram a gente
que os havia de trazer um padre dos nossos. Também me de mais razão, que no mundo havia, e que tinha contas
parece que mestre João aproveitaria cá muito, porque a com Deus, e tinham as escrituras desde o começo do
sua língua é semelhante a esta e mais aproveitar-nos-emos mundo, adoravam uma bezerra de metal e não os podia
cá da sua teologia.(50) Deus ter, que não adorassem os ídolos, e lhes sacrificavam
seus próprios filhos, não olhando as tantas maravilhas, que
A relação política de Manuel da Nóbrega: Deus fizera por eles, tirando-os do cativeiro do Faraó; não
vos parece tão bestiais os mouros, a quem Mafamede,
Eu prego ao governador e a sua gente na nova cidade depois de serem cristãos, converteu à sua bestial seita,
que se começa, e o padre Navarro a gente da terra. (48) como estes, se quereis cotejar cousa com cousa, cegueira
com cegueira, bestialidade com bestialidade, todas achareis
O padre Leonardo Nunes mando aos Ilhéus e Porto de um jaez, que procedem de uma mesma cegueira; os
Seguro (...) irá um de nós a uma povoação grande, das mouros crêem em Mafamede, muito vicioso e torpe, e
maiores e melhores desta terra, que se chama Pernambuco põem-lhe a bem-aventurança nos deleites da carne, e nos
(...) (49-50) vícios; e estes dão crédito a um feiticeiro, que lhes põe a
bem-aventurança na vingança de seus inimigos, e na
O índio: valentia, e em lerem muitas mulheres; os romanos, os
gregos, e todos os outros gentios, pintam, e têm inda por
(...) a gente da terra vive em pecado mortal, e não há Deus a um ídolo, a uma vaca, a um galo; estes têm que há
nenhum que deixe de ter muitas negras das quais estão Deus, e dizem, que é o trovão, porque é cousa que eles
cheios de filhos e é grande mal. Nenhum deles se vem acham mais temerosa e nisto têm mais razão, que os que
confessar (...) estes desta terra sempre têm guerra com adoram as rãs, ou os galos; de maneira que, se me
outros e assim andam todos em discórdia, comem-se uns a cotejardes horror com horror, cegueira com cegueira, tudo
outros, digo os contrários. É gente que nenhum achareis mentira, que procede do pai da mentira, mentiroso
conhecimento tem de Deus. Têm ídolos (...) (48) desde o começo do mundo. (53)

(...) são eles tão brutos que nem vocábulos têm (...)
parece-nos que não podemos deixar de dar a roupa que A Literatura Brasileira Através dos Textos

7
Cronistas do descobrimento
- As Singularidades da França Antártica: (...) em vez de se preocuparem em partilhar heranças e
muito menos em pleitear limites, (...) deixam que essas
Escritas por André Thevet, essas singularidades coisas sejam feitas pelos rústicos avarentos e chicaneiros
remetem ao período em que o autor esteve no Brasil, de daqui da Europa. (70)
novembro de 1555 a janeiro de 1556, tentando estabelecer
aqui uma colônia francesa, batizada França Antártica . (...) tendo eu vivido com eles, (os índios) confiaria mais
neles e de fato estava mais seguro em meio àquele povo
Intenção política em relação à terra: que chamamos selvagem do que me sinto hoje em alguns
lugares da nossa França (...) (79)
(...) Não vejo razão para que ela (a terra) seja chamada
de Índia, (...) tal nome vem8 do notável rio Indo, que está A desmitificação do índio:
bem distante de nossa América. Portanto, bastará chamá-la
de América ou de França Antártica. (59) (...) cabe notar que eles têm memória tão boa que, se
alguém lhes disser uma só vez o nome, (...) cem anos sem
O índio: rever essa pessoa, não o esqueceriam nunca. (73)

(...) gente prodigiosamente estranha e selvagem, sem fé, Quanto à caridade natural deles, direi que diariamente
sem lei, sem religião, sem civilidade nenhuma, que vive distribuem entre si e dão de presente veação9, peixes,
como animais irracionais, de modo como a natureza a fez frutos (...) não só a um parente ou vizinho seu (...) como
(...) talvez (...) convivendo com os cristãos, aos poucos se também (...) para com os estrangeiros seus aliados (...)
despoje dessa brutalidade, passando a vestir-se de modo (78)
mais civilizado e humano. (60)
- Viagem ao Brasil:
Como se não lhes bastasse viver nus, pintar o corpo (...)
e arrancar-se os pêlos, os selvagens (...) furam os lábios O alemão Hans Staden, aventurando no Brasil pela
com certa planta muito aguçada. (64) segunda vez, foi preso pela tribo tupinanbá e mantido
prisioneiro de janeiro a outubro de 1554, sendo preparado
A terra: para o ritual antropofágico por esse tempo e conseguindo,
depois, ser resgatado por um navio francês. Chegando a
Quanto ao território de toda a América, é muito fértil em Europa, relata a vida indígena: os casamentos, a poligamia,
arvores que dão frutos excelentes, mas sem lavoura nem os ritos.
cultivo (...) sendo terra cultivada, produziria muito bem (...) O ritual antropofágico:
(60)
(...) havia muitas mulheres (...) e fui obrigado então a
- Viagem à Terra do Brasil: gritar-lhes na sua língua: (...) Eu, vossa comida, cheguei .
(...) Quando entrei, correram as mulheres ao meu encontro
Este é o relato do francês Jean de Léry, calvinista, que e me deram bofetadas, arrancando a minha barba e
ficou no Brasil entre 1556 e 1558, na chamada França falando em sua língua: (...) Vingo em ti o golpe que matou
Antártica. O principal foco deste excerto é a apresentação o meu amigo, o qual foi morto por aqueles dentre os quais
do cotidiano indígena: as boas-vindas, a hospitalidade, o tu estiveste . (85)
cauim, a mística, a rede, a antropofagia.
A organização social do índio: Dão-lhes (aos prisioneiros) uma mulher para os guardar
e também para ter relações com eles. (...) Fornecem boa
Quanto à organização social de nosso selvagens, (...) comida; tratam assim deles alguma tempo (...) convidam
apesar de serem conduzidos apenas pelo seu natural (...) então os selvagens de outras aldeias para aí se reunirem
eles se dêem tão bem e vivam em tanta paz uns com os naquela época (...) conduzem o prisioneiro uma ou duas
outros. (69) vezes pela praça e dançam ao redor dele (...) pintam a cara
do prisioneiro, e enquanto uma das mulheres o está
(...) se alguém for ferido por seu próximo, e se o pintando, as outras cantam. E logo que começam a beber,
agressor for preso, ser-lhe-á infligido o mesmo ferimento levam o prisioneiro para lá, bebem com ele e com ele se
no mesmo lugar do corpo (...) é vida por vida, olho por entretêm. Acabando de beber, descansam no dia seguinte
olho, dente por dente etc. (...) (69) (...) de manhã, antes de clarear o dia, vão dançar e cantar
ao redor do bastão com que o devem matar (...) amarram
(...) não costumam permanecer mais de cinco ou seis a mussurana ao pescoço e em redor do corpo do paciente,
meses num lugar (...) vão assim mudando amiúde as suas esticando-a para os dois lados (...) aquele que deve matar
aldeias de lugar (...) (70) o prisioneiro (...) pinta o próprio corpo de pardo, com cinza
(...) pega na clava e diz: Sim, aqui estou, quero te matar,
Índios x europeus: porque os teus também mataram a muitos dos meus
amigos e os devoraram . (...) então desfecha-lhe um golpe

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Cronistas do descobrimento
na nuca, os miolos saltam e logo as mulheres tomam o
corpo, puxando-o para o fogo (...) (88-89)

- A Santa Inês:

Poema do padre José de Anchieta em estilo medieval,


direcionado aos índios, com fins catequéticos.

Cordeirinha linda, Virginal cabeça


como folga o povo pela fé cortada,
porque vossa vinda com vossa chegada
lhe dá lume novo! Já ninguém pereça.

Cordeirinha santa, Vinde mui depressa


de lesu querida, ajudar o povo,
vossa santa vinda pois, com vossa vinda,
o diabo espanta. lhe dais lume novo.

Por isso vos canta Vós sois, cordeinha,


com prazer, o povo, de lesu formoso,
porque vossa vinda mas o vosso esposo
lhe dá lume novo! já vos fez rainha.

Nossa culpa escura também padeirinha


fugirá depressa, sois de nosso povo,
pois vossa cabeça pois, com vossa vinda,
vem com luz tão pura. lhe dais lume novo. (93-94)

Vossa formosura
honra é do povo,
porque vossa vinda
lhe dá lume novo

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Cronistas do descobrimento

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