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Quais as condições para se encerrar definitivamente

o conflito entre Israel e palestinos?


A paz, a confiança no outro, a desmobilização de forças e de espíritos não
virá com a assinatura de um acordo e estabelecimento do estado palestino.
Será preciso que uma ou duas gerações cresçam na paz, se relacionem na
paz e não sejam educadas no ódio.

Artigo de *Paulo Geiger

Um conflito decorre de um embate entre duas ou mais vontades, dois


direitos, duas intenções, duas visões que, naquele momento, não há como
se realizarem concomitantemente, sendo necessário que, como no título do
filme, “alguém tenha que ceder” e abra lugar à realização da vontade do
outro, do direito do outro, porém, uma das partes não cede.

A origem do conflito entre Israel e os palestinos se baseia no conceito, seja


ele verdadeiro ou não, de que a justa vontade nacional judaica, portanto o
direito judaico de ter seu estado no único lugar do mundo onde é possível,
exclui a possibilidade de que se realize também a justa vontade de uma
parte da nação árabe, os palestinos, de ter seu estado próprio, ao lado de
muitos outros estados árabes.

A noção de que essas duas vontades são excludentes, ou seja, que só há


lugar para a satisfação de uma delas gerou o conflito que, ao longo de
quase cem anos, teve consequências e realimentaram a oposição. E, às
vezes, distorcem a percepção de sua verdadeira causa: a noção de
excludência, de que só há a possibilidade de uma realização nacional no que
era a antiga Canaan, Judeia, Palestina.

A noção de excludência não é sionista: o sionismo aceitou a divisão da


Palestina em 1922, quando 70% de seu território foi entregue a árabes
palestinos. O sionismo aceitou a divisão do que restara da Palestina,
sugerida em 1937 por uma comissão internacional, depois decidida na ONU
na resolução da Partilha, em 1947. O estado judaico recém-criado registrou
em sua Declaração de Independência sua disposição de viver em paz com
seus vizinhos e teve de vencer uma guerra movida contra ele para destruí-
lo no berço. Depois, viveu pacificamente dentro das fronteiras do armistício
durante 19 anos, até ter sua existência novamente ameaçada pela aliança
de Egito, Síria e Jordânia.

A visão excludente veio dos governos e da população árabe da Palestina,


que de fato e de jure recusaram-se a aceitar a dupla realização das
vontades nacionais. A guerra de independência, o terrorismo e o boicote
contra Israel, a guerra de 1967 e a ocupação de territórios, são
consequência do conflito resultante dessa visão de excludência. Mesmo
hoje, grande parte dos palestinos (Hamas, Jihad Islâmica etc.) e do mundo
árabe (Hizbolá, Irã) rejeitam programaticamente a ideia dessa partilha e
advogam a destruição do estado judaico. Mesmo os ‘moderados’ da
Autoridade Palestina recusaram, até agora, o reconhecimento do caráter
judaico de Israel como condição para a paz e o estabelecimento do estado
palestino. Em Israel, a descrença, a desconfiança, o temor de uma solução
que coloque em risco a própria existência física são também um entrave a
entendimento.

Existe então alguma perspectiva de paz? Ou, reformulando a pergunta, a


partir da vontade de que exista: quais as condições para que se possa
finalmente encerrar o conflito? Os palestinos se agarram a condições que
dizem respeito às consequências: fim da ocupação, volta de refugiados,
fronteiras etc. Mas, juntamente com a tática da paz, não se comprometem
a reconhecer o estado judaico, recusando-se a  ter como estratégia o fim
definitivo do conflito, reservando ao futuro a possibilidade de volta à sua
posição inicial, de excludência. Nada na atitude palestina de hoje, mesmo
dos moderados, permite deduzir que abriram mão de sua visão estratégica,
na qual não há lugar para um estado judaico na região. Por isso, alguns
setores israelenses, com justiça, não confiam nas intenções palestinas e
temem, em nome de uma paz tática (para os palestinos), enfraquecer Israel
e torná-lo vulnerável. O antissemitismo, o antissionismo e o anti-israelismo
internacional dão uma forte contribuição a esse sentimento e às posturas
que ele suscita.

Então, diante de tudo isso, quais seriam afinal as condições que poderiam
levar à paz? Num exercício de lógica:

 Neutralizar todas as forças que se opõem ao conceito da convivência


definitiva das duas vontades nacionais (dois estados para dois
povos): Irã, Hamas, Hizbolá, Jihad Islâmica e seus aliados;
 Inserir no acordo de paz e de criação de um estado palestino o
reconhecimento explícito e irremovível de que o estado de Israel é,
por direito, o estado do povo judeu e que nenhuma reivindicação
futura pode desfazer esse conceito;
 Com base nesse reconhecimento, estabelecer que os chamados
‘refugiados palestinos’ não serão absorvidos em Israel (o que na
prática anularia o princípio de ‘dois estados para dois povos’), a não
ser um número reduzido de casos familiares, aceito por Israel.
Poderia haver acordo no sentido de apoio internacional (inclusive
financeiro) a seu estabelecimento definitivo no estado palestino.

Até que o processo de paz reduza efetivamente tensões e neutralize as


remanescentes visões ‘excludentes’ de grande parte dos palestinos, até que
a paz verdadeira substitua a aspiração de hegemonia dos grupos
extremistas palestinos e islâmicos, o estado palestino seria desmilitarizado,
com controle internacional.

Negociar fronteiras definitivas, status de Jerusalém e todas as questões que


resultam das consequências do conflito (ocupação, bloqueios, cerca de
segurança, entre outros), segundo o conceito de que resolvidas as questões
que envolvem as verdadeiras causas e que são inegociáveis, todas as
outras são negociáveis.

A paz, a confiança no outro, a desmobilização de forças e de espíritos não


virá com a assinatura de um acordo e estabelecimento do estado palestino,
mesmo se satisfeitas todas as condições necessárias. Será preciso que uma
ou duas gerações cresçam na paz, se relacionem na paz, e não sejam
educadas no ódio e na perspectiva de ganhar o paraíso se destruir o outro,
para que exista realmente paz. Um acordo de paz seria apenas uma
mudança de direção, uma esperança, o possível início de um processo.
Contanto que prevaleça a consciência de que a convivência não é
concessão, é condição de vida num mundo de diferenças.

*Paulo Geiger é editor, atua como consultor-geral e palestrante no Centro


de História e Cultura Judaica do Rio de Janeiro, além de ser membro do
Conselho do Departamento de Estudos Judaicos da UERJ.

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