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STA Ao Foto a DRE Interagao! Jaume Cela e Jul Palou" + Aclasse é 0 cenario... Quando um caminhao deta na entrada da escola mesas e cadeiras para reposicao, a primeira coisa que perguntamos € quem vai levé-las para a sala de aula, e a segunda coisa é se ‘chegaram todas as que pedimos, ou se por alguma razo absurda, mas real, vamos ter que nos conformar com algumas a merios. Com 0 que ndo estamos acostumados a nos preocupar & se chegou a nossa mesa. Porque 0 mais comum & que nao falte. A mesa do professor ou professora é ‘uma das pecas mais importantes da mobflia que compée o cendrio da classe. ‘Quando acomodamos esta mesa, deseniamos um espaco concrete. Ao redor dela costuma haver um territério pelo qual podemos nos mover com absoluta liberdade. O circulo que nos separa dos alunos ¢ maior do que o circulo que os separa entre si. A nossa intimidade nao & negocidvel, a deles, porém, no costuma ser o que mais se respeita. Além disso, o mais freqdente 6 colocar a mesa maior, a nossa, perto da lousa, com que ja temos um espago de liberdade com tum valor sobreposto muito interessante: 0 poder da palavra. Sobre o que diz respeito ao dominio do tempo, 0 outorgamos a ns cada inicio de curso, quando combinamos horas e minutos para que possam entrar na descricdo todas as disciplinas, cada uma segundo sua categoria. Dessa maneira, entramos em cena com um horérie indiscutivel - se encontram tantos interesses atrés de qualquer horério! ~ com um espago reservado e, principaimente, com 0 dominio absoluto da palavra. Os educadores esto acostumados a ser os grandes donos da paiavra, Falamos quando e quanto queremos, perguntamos a quem queremos 0 que queremos e exigimos silencio quando nos interessa. Se & certa a crenca que diz que quando um quarto se toma vazio, ‘sem ninguém, se esculam as vozes dos que o habitaram, em uma classe soltétia se ouviia a voz do professor ou da professora e 0 tom de pergunta seria o mais abundante, Com certeza, quem inventou aquilo de “falar pelos cotovelos” estava observando alguém relacionado profissionaimente ‘com a docéncia. N&o chegar a dar aula, isto é, quando cabe a possibilidade de que outros invadam de rmaneira impune qualquer de nossos dominios, ¢ um dos grandes terrores de nossa profissao. ‘Sabemos o que se espera de nés, através do que sabemos também por onde podem aparecer os dentes mais afiados do confito. Todo aquele que transgride a norma ¢ motivo de preocupacdo: {quem se move sem permissao, quem, na hora prevista, nao esta disposto a raciocinar segundo os cénones de determinada matéria 0 quem ndo se cala quando se deve. Nao importa muito se 0 Conjunto & plausivel ou nao, o importante é que se atue com a aisciplina suficiente para que a pega possa continuar. Nenhum cenério € neutro e 0 espago de onde lecionamos no escapa dessa regra. A primeira dificuldade que teros, quando se fala sobre interacao na classe, precisamente é 0 que implica dirgit toda a cultura escolar socialmente acumulada em uma diregdo diferente. As escolas ‘onde nos movernos esto planejadas para que aiguém explique e para que os demais atendam. Essa imagem 6, por sua vez, a que socialmente funciona, Acreditar ra importancia da interago a partir de posturas inocentes ndo é bom nem aconselhdvel. Temos que saber que o cenario escolar, ‘com toda @ sua carga simbélica, condiciona e impée suas normas. Para modiicar estas normas ‘Somente vemos um caminho: acordar de maneira coletiva que a situag3o pode mudar. AS altemativas, para que isso realmente seja assim, devem acontecer no ambito de conselho de classe, no 2mbito escolar. + ...de uma representagao em que todos tenham 0 seu papel ‘A classe, esse lugar chamado classe, é um espaco concebido para trabalhar. Esta é a funglo principal. No trabalhar significa perder tempo. Na classe, como acabamos de comentar, 08 papéis estéo distibuidos da seguinte maneira: um organiza 0 que os outros tém que fazer, ou, 0 que € 2 mesma coisa, cabe 30 educador levar a batuta do que acontece. O resultado deste " Tradugdo ao portugués por: Adriana Marcelle de Andrade e Josilady Xavier (FFLCH-USP) Jaume Cela e Regina Palou sto professores trabalho no é andnimo. Os alunos sabem muito bem que suas atuagses serdo submetidas a um julgamento. (© marco em que nos movemos é 0 que acabamos de descrever. Realmente é esta a situagao de que mais gostamos? Responder nao ¢ facil. A verdade & que uma grande tradi¢ao nos deixou este legado. AS escolas costumam estar delineadas para que seja assim e nossa cultura profissional tem compridas e imensas raizes nessa maneira de conceber 0 que acontece na classe. Nao ¢ uma inveneo nossa, € 0 que socialmente chegamos a conciliar. Oado 0 marco, © {que acontece dentro dele pode estar marcado de antemdo ou pode ser motivo de negociacao. Muitas vezes em nossos projetos centrais destacamos a importancia de educar em uma cultura democratica. No entanto, continuamos nés mesmos tomando decisdes, sobre as quais nossos alunos teriam muito 0 que dizer. A democracia comesa na ciasse, fazendo com que 0 espago e 0 tempo se organizem em fungdo das necessidades dos alunos, ¢ ndo ao contrario. ‘Quando tudo ja esta decidido, nao vale & pena opinar. Quando o saber se serve enlatado, eles ¢ elas $6 terdo duas op¢Ses: reproduzir docemente © aprendido ou reivindicar o seu papel, em geral com atitudes francamente hosts e desagradaveis. E necessario atrever-se 8 campartihar, dar a palavra e a interagir sabendo que isto leva muito mais longe do que perguntar de vez em quando 0U deixar um espaco para que digam se nossa exposi¢ao ficou suficientemente clara. Optar pelo caminho da negociagao ndo é 0 mais fécil, jd que representa inciinar-se de uma maneira clara pot uma escola democratica. Sabemos que a palavra democracia se encontra em cada uma das paginas de minares e mihares de projetos educativos, mas sabemos também que ‘em nenhum caso quer dizer o mesmo, nem tem as mesmas implicagSes, Em umas ocasiées se trata unicamente de uma palavra e, em outras, da vontade explicta de situat um lugar adequado ‘208 qué tém que ser os Verdadeiros protagonistas da aco educativa. A escola democratica nBo & © caminho facil, porque implica frequentemente virar um sentido contrario 20 que é habitual. Em uma escola democratica se exige mais @ cada um dos atores, porque nao existem figurantes e porque & mais facil repetir um papel aprendido de memoria que mudar, segundo as circunstancias, de texto, mascara e vestuari. Escola democratica € interagao vao de bragos dados. Uma & impensdvel sem a outra ambas tomam um relevo especial quando concebemos a educacao coma a capacidade para ‘solucionar problemas. Carles Llad6, nos comentarios que fez para este Tema do Més, explica isso com uma grande sensibilidade: a educagao faz parte do processo de inicia¢do dos meninos e das meninas naquilo que caracteriza a civiliza¢do humana, a conversago. Uma conversagao que Se iniciou em um bosque primitive e que se foi articulando durante os séculos. Educar é o proceso ‘que Nos inicia nesta conversacaa, através da qual aprendemos a reconhecer as distintas vozes (a nossa, a dos outros, @ da histéria) e através do que adauirimos os habitos intelectuais e morals para continusa, Algumas propostas ‘A patavra da vida. © gesto acompanha. O olhar é conhecimento. Mas 2 palavra também pode humilhar, O gesto, indicar despotisma. E um olhar, como o da mitica medusa, ‘capaz de dar a qualquer ser vivo a imobilidade de ura pedra. Na classe se interage em uma direcdo ou em outra. Se educar é construir 0 nés com 08 outros - como ditia Gerardo Diego -, entdo estas seguem so nossas propostas: Saber que 0 dnico mundo especificamente humano que existe é 0 que construimos entre todos 0 todas dia a Fazer um estorgo para conhecer quem 6 quem na sala de aula. Ensinar e adotar compromissos na comunicacéo: saber que 0 fala coisas. Estabelecer contatos formais e informais. Tentar ser bons receptores de todas as linguagens. Diversificar as estrategias para que os alunos interajam entre eles. Falara, olhar, rir...¢ fazer todo © possivel para criar um clima de aula que seja acolhedor.

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