Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Entrada: 25/9/2008
Aceite: 30/1/2009
Resumo: O ovo, por conter em sua gema cerca de 213 mg de colesterol, foi considerado um vilão da dieta, e sua
recomendação foi limitada durante muito tempo. Este artigo tem o objetivo de revisar a evolução dos conceitos em
relação ao consumo de ovo e seu efeito no colesterol sérico, o risco de doenças cardiovasculares e as propriedades
nutricionais desse alimento. Os dados utilizados para a revisão foram obtidos em artigos científicos, tabelas de
composição química de alimentos, sites e livros nacionais e internacionais identificados pelo Medline (1982 a 2008).
Estudos incluíram conceitos como composição química da gema do ovo, valor nutricional, relação do colesterol
sérico no plasma com o consumo da gema de ovo de galinha e sua interferência na associação de doenças crônicas
não-transmissíveis, como doenças cardiovasculares (DCVs) e dislipidemia. O ovo é fonte de colina, biotina e
carotenoides luteína e zeaxantina, que lhe conferem propriedade antioxidante. A recomendação de 300 mg/dia
de colesterol foi indicada para prevenção de doenças coronarianas. A administração de 1 ovo/dia não apresenta
risco para doenças cardiovasculares em indivíduos saudáveis e não-diabéticos e mostrou aumentar a razão entre
colesterol total e lipoproteína de alta densidade (HDL) e concentrações de HDL colesterol (HDL-c).
Palavras-chave: gema de ovo; colesterol total; HDL; nutriente; doença cardiovascular.
Abstract: One egg has in its yolk approximately 213mg of cholesterol and was considered the diet villain, so its
recommendation was limited during a long time. The objective of this work is to review the concepts in relation
to egg consumption and its effect in serum cholesterol, risk of cardiovascular disease and nutritive properties.
The data presented in this study were achieved in scientific articles, charts of food chemical composition, sites,
national and international books identified by Medline (1982-2008). Studies included concepts like chemical
composition of egg yolk, its nutritional value, the relationship of serum cholesterol in plasma with the consumption
of chicken egg yolk and its interference in the association of no forward chronic diseases as cardiovascular
heart disease (CHD) and dyslipidemia, were also used. The egg is a source of choline, biotin and carotenoids
lutein and zeaxanthin, which give its antioxidant properties. The recommendation of 300mg/day of cholesterol
was indicated to prevent coronary diseases. The ingestion of one egg/day does not offer risk for cardiovascular
disease in healthy and non diabetic people and has increased the rate between total cholesterol and high density
lipoprotein (HDL) and concentrations HDL cholesterol (HDL-c).
Keywords: egg yolk; total cholesterol; HDL; nutrient; cardiovascular disease.
– 47 –
O ovo e sua contribuição na saúde humana
– 48 –
Revista Saúde e Ambiente / Health and Environment Journal, v. 10, n. 1, jun. 09
– 49 –
O ovo e sua contribuição na saúde humana
atuante na fluidez destas e na ativação de enzimas (Sposito et al., 2007). Uma dieta rica em colesterol e
em gorduras, principalmente as saturadas, conduz a um nível alto de colesterol na circulação sanguínea
(Campbell, 2000).
O adulto ingere cerca de 60 a 150 g de lipídeos diariamente, dos quais 90% são constituídos de
triacilgliceróis (TAGs) e o restante consiste principalmente de colesterol, ésteres de colesterol (ECs),
fosfolipídeos (FLs) e ácidos graxos não-esterificados (livres). A digestão dos lipídeos da dieta começa
no estômago e continua no intestino delgado, onde são emulsificados pela ação peristáltica e pelos
sais biliares, os quais servem como detergentes. Essa degradação enzimática dos lipídeos resulta em:
2-monoacilglicerol, colesterol não-esterificado e ácidos graxos livres (mais alguns fragmentos resultantes
da digestão dos FLs). Tais compostos, mais as vitaminas lipossolúveis, formam as micelas mistas, que
facilitam a absorção dos lipídeos da dieta pelas células da mucosa intestinal (enterócitos), as quais
sintetizam novamente TAGs, ECs e FLs e também proteínas (apoproteína B48). Todos esses compostos
são associados com as vitaminas lipossolúveis, formando os quilomicra, que são liberados para a linfa,
a qual os transporta até o sangue, e logo em seguida os lipídeos da dieta são distribuídos para os
tecidos periféricos (figura 1).
– 50 –
Revista Saúde e Ambiente / Health and Environment Journal, v. 10, n. 1, jun. 09
aumentaram 10%, e o de colesterol total, 4%, mas idade ou mais durante 14 anos para avaliar a
a razão colesterol total e HDL-c (CT/HDL-c) não relação do consumo de ovo e colesterol sérico e as
alterou significativamente, assim como os níveis causas específicas de mortalidade. Os indivíduos
de TAGs e LDL-c. Esse trabalho concluiu que o foram divididos em cinco grupos de acordo com
consumo moderado de ovos não deve ser restrito o consumo de unidades de ovos (> 2/dia, 1/dia,
em indivíduos saudáveis (Schnohr et al., 1994). ½/dia, 1-2/semana e raramente). Nas mulheres,
Uma análise estatística de 224 estudos dietéticos todas as causas de mortalidade no grupo de
feita nos últimos 24 anos relacionando níveis de 1-2 ovos/semana foram pouco significativas se
colesterol em mais de oito mil pessoas demonstrou comparadas às dos outros grupos, enquanto nos
que não são os alimentos ricos em colesterol, como homens não foi verificada relação semelhante. O
os ovos, os responsáveis pelo aumento do colesterol trabalho apontou que o consumo limitado de ovo
sanguíneo, mas sim o excesso do consumo de pode ter algum benefício na saúde, pelo menos em
gordura saturada e de gordura vegetal hidrogenada mulheres em áreas geográficas cujo consumo de
(Howell et al., 1997). ovo faz diferença na ingestão de colesterol total
Um trabalho apresentado em 1999, realizado dietético. Em homens, outras fontes além de ovos
na Escola de Saúde Pública de Harvard (EUA), podem contribuir para a ingestão total de colesterol
examinou a associação entre consumo de ovo, (Nakamura et al., 2004).
risco de DACs e cardiopatia isquêmica, com Em 2006, Nakamura et al. examinaram a
117 mil indivíduos profissionais da saúde. As associação entre o consumo de ovos e a concentração
descobertas sugeriram que a ingestão de 1 ovo por total de colesterol com o risco de DCVs, num total
dia não apresenta risco para DACs ou cardiopatia de 90.735 indivíduos com idade entre 40-59 anos.
isquêmica em homens e mulheres saudáveis não- Constataram que o consumo de ovos quase diário
diabéticos e concluíram também que os indivíduos não foi relacionado ao aumento da incidência de
variam amplamente em suas respostas ao colesterol DCVs; no entanto indivíduos hipercolesterolêmicos
dietético (Hu et al., 1999). Uma meta-análise com não ingeriam ovos com frequência, provavelmente
17 ensaios mostrou que a adição de 100 mg de por evitarem esse alimento, pois permanece ainda
colesterol dietético aumentou a CT/HDL-c, e os o mito de que o consumo de ovo está vinculado à
autores concluíram que a recomendação para elevação dos níveis de colesterol sanguíneo.
limitar o consumo de ovos e outros alimentos ricos Um estudo controle com desvio randomizado
em colesterol não tem impacto significativo na investigou os efeitos da ingestão de ovo na função
prevenção de DACs (Weggemans et al., 2001). endotelial e a relação com o índice de risco
Um estudo pesquisou o colesterol alimentar cardiovascular. Participaram 49 adultos saudáveis,
proveniente de ovos e a elevação do HDL-c do com média de idade de 56 anos, e receberam a
plasma em 28 indivíduos do sexo masculino com orientação de comer 2 ovos ou aveia diariamente
excesso de peso e obesidade, com idade entre 40 por 6 semanas. Os resultados demonstraram
e 70 anos, que consumiam uma dieta restrita em que a ingestão de 2 ovos diários não teve efeito
carboidratos (CHO). Os resultados indicaram que adverso na função endotelial e na elevação dos
incluir ovos em uma dieta restrita em CHO aumenta níveis de colesterol em adultos saudáveis (Katz
o HDL-c, resultando também na diminuição et al., 2005).
dos fatores de risco associados com a Síndrome Uma análise do Primeiro Exame de Inspeção
Metabólica (SM) (Mutungi et al., 2008). Nacional de Saúde e Nutrição (NHANES-I) e
Vander Wal et al. (2005) analisaram indivíduos subsequentes séries de estudo de acompanhamento
com sobrepeso e obesidade para verificar o efeito (NHEFS) determinaram a relação do consumo
em curto prazo do consumo de ovos no café da de ovo com o risco de DCVs, incluindo 30.000
manhã quanto à saciedade em relação ao café da indivíduos entre 71 e 74 anos, e não foi encontrada
manhã com carboidrato de igual caloria. Esses relação do risco por derrame (hemorrágico ou
autores constataram que o ovo induziu a maior isquêmico), IAM ou causa de mortalidade total
saciedade e diminuiu a ingestão de alimento em nos indivíduos que consumiram 6 ovos ou mais
curto prazo, gerando perda de peso no grupo por semana, quando comparado a menos de 1 ovo
investigado. por semana (Qureshi et al., 2007).
Uma pesquisa epidemiológica foi feita com Em um estudo de corte com 21.327 participantes
5.186 mulheres e 4.077 homens com 30 anos de do I Estudo de Saúde Médica, foi avaliada a
– 52 –
Revista Saúde e Ambiente / Health and Environment Journal, v. 10, n. 1, jun. 09
Pearson TA, Reed J, Washington R, Smith Jr. Kuller LH, Arnold AM, Psaty BM, Robbins JA,
SC (1998). Primary prevention of coronary heart O’Leary DH, Tracy RP, Burke GL, Manolio
disease: guidance from Framinghan – a statement TA, Chaves PHM (2006). 10-year follow-up of
for healthcare professionals from the AHA task subclinical cardiovascular disease and risk of
force on risk reduction. Circulation 97:1876-1887. coronary heart disease in the cardiovascular
health study. Arch. Intern. Med. 166:71-78.
Handelman GJ, Nightingale ZD, Lichtenstein
AH, Schaefer EJ, Blumberg JB (1999). Lutein and Lee A, Griffin B (2006). Dietary cholesterol, eggs
zeaxanthin concentrations in plasma after dietary and coronary heart disease risk in perspective.
supplementation with egg yolk. Am. J. Clin. Nutr. British Nutrition Foundation Nutrition Bulletin
70:247-251. 31(1):21-27(7).
Herron KL, Fernandez ML (2004). Are the current
McNamara DJ (1997). Cholesterol intake and
dietary guidelines regarding egg consumption
plasma cholesterol: an update. J. Am. Coll. Nutr.
appropriate? J. Nutr. 134:187-190.
16:530-534.
Howell WH, McNamara DJ, Tosca MA, Smith
BT, Gaines JA (1997). Plasma lipid and lipoprotein McNamara DJ (2000). The impact of egg limitations
responses to dietary fat and cholesterol: a meta- on coronary heart disease risk: do the numbers
analysis. Am. J. Clin. Nutr. 65:1747-1764. add up? J. Am. Coll. Nutr. 19(5):540S-548S.
Hu FB, Stampfer MJ, Rimm EB, Manson JE, Mutungi G, Ratliff J, Puglisi M, Torres-Gonzalez
Ascherio A, Colditz GA, Rosner BA, Spiegelman M, Vaishnav U, Leite JO, Quann E, Volek JS,
D, Speizer FE, Sacks FM, Hennekens CH, Fernandez ML (2008). Dietary cholesterol from eggs
Willett WC (1999). A prospective study of egg increases plasma HDL cholesterol in overweight
consumption and risk of cardiovascular disease in men consuming a carbohydrate-restricted diet. J.
men and women. JAMA 281(15):1387-1394. Nutr. 138(2):272-276.
Jiang Y, Noh SK, Koo SI (2001). ���� Egg Nakamura Y, Iso H, Kita Y, Ueshima H, Okada
phosphatidylcholine decreases the lymphatic K, Konishi M, Inoue M, Tsugane S (2006).
absorption of cholesterol in rats. J. Nutr. 131:2358- Egg consumption, serum total cholesterol
2363. concentrations and coronary heart disease
incidence: Japan Public Health Center-based
Katz DL, Evans MA, Nawaz H, Njike VY, prospective study. Br. J. Nutr. 96:921-928.
Chan W, Comerford BP, Hoxley ML (2005).
Egg consumption and endothelial function: a
Nakamura Y, Okamura T, Tamaki S, Kadowaki
randomized controlled crossover trial. Int. J.
T, Hayakawa T, Kita Y, Okayama A, Ueshima H
Cardiology 99:65-70.
(2004). Egg
����������������������������������������
consumption, serum cholesterol, and
Krauss RM, Eckel RH, Howard B, Appel LJ, cause-specific and all-cause mortality: the National
Daniels SR, Deckelbaum RJ, Erdman Jr. JW, Kris- Integrated Project for Prospective Observation of
Etherton P, Goldberg IJ, Kotchen TA, Lichtenstein Non-communicable Disease and its trends in the
AH, Mitch WE, Mullis R, Robinson K, Wylie- aged, 1980 (NIPPON DATA80). Am. J. Clin.
Rosett J, Jeor SS, Suttie J, Tribble DL, Bazzarre Nutr. 80:58-63.
TL (2000). AHA dietary guidelines: revision 2000
– a statement for healthcare professionals from Nepa / Unicamp (2006). Tabela brasileira de
the Nutrition Committee of the American Heart composição de alimentos – T113 versão II. 2. ed.
Association. Stroke 31:2751-2766. Campinas, SP, 113 pp.
Kritchevsky SB, Kritchevsky D (2000). Egg Paschoal V, Naves A, Fonseca ABBL, Carvalho
consumption and coronary heart disease: an G (2007). Nutrição clínica funcional: dos princípios
epidemiologic overview. J. Am. Coll. Nutr. à prática clínica. Ed. Valeria Paschoal, São Paulo,
19(5):549S-555S. SP, pp. 266-267.
– 54 –
Revista Saúde e Ambiente / Health and Environment Journal, v. 10, n. 1, jun. 09
Patterson KY, Bhagwat SA, Williams JR, Howe Sposito AC, Caramelli B, Fonseca FAH,
JC, Holden JM (2008). USDA Database for the Bertolami MC (2007). IV �����������������������
Diretriz Brasileira
Choline Content of Common Foods. Disponível
����������� sobre Dislipidemias e Prevenção da Aterosclerose.
em: <http://www.nal.usda.gov/fnic/foodcomp/ Departamento de Aterosclerose da Sociedade
Data/Choline/Choln02.pdf>. Acesso em: 16 jun. Brasileira de Cardiologia. Arquivos Brasileiros de
2008. Cardiologia 88(1):2-19.
Qureshi AI, Suri MFK, Ahmed S, Nasar A, Vander Wal JS, Marth JM, Khosla P, Jen KLC,
Divani AA, Kirmani JF (2007). Regular egg Dhurandhar NV (2005). Short-term effect of eggs
consumption does not increase the risk of stroke on satiety in overweight and obese subjects. J. Am.
and cardiovascular diseases. Med. Sci. Monit. 13(1): Coll. Nutr. 24(6):510-515.
CR1-8.
Vorster HH, Benadé AJS, Barnard HC, Locke
Royal Society of Chemistry / Food Standards MM, Silvis N, Venter CS, Smuts CM, Engelbrecht
Agency (2002). The composition of foods. �������
6. ed. GP, Marais MP (1992). Egg intake does not change
Disponível em: <http://www.nutritionandeggs. plasma lipoprotein and coagulation profiles. Am.
co.uk/eggs_nutrition/nutrition1.html>. Acesso J. Clin. Nutr. 55:400-410.
em: 16 jun. 2008.
Schnohr P, Thomsen O, Hansen PR, Boberg-Ans Vorster HH, Beynen AC, Berger GM, Venter CS
G, Lawaetz H, Weeke T (1994). Egg consumption (1995). Dietary cholesterol – the role of eggs in
and high-density-lipoprotein cholesterol. J. Intern. the prudent diet. S. Afr. Med. J. 85(4):253-256.
Med. 235(3):249-251.
Weggemans RM, Zock PL, Katan MB (2001).
Song WO, Kerver JM (2000). Nutritional Dietary cholesterol from eggs increases the ratio
contribution of eggs to American diets. J. Am. of total cholesterol to hight-density lipoprotein
Coll. Nutr. 19(5):556S-562S. cholesterol in humans: a meta-analysis. Am. J.
Clin. Nutr. 73:885-891.
Souci SW, Fachmann W, Kraut H (1990). Food
composition and nutrition tables. 4. ed. WBG Zeisel SH (2000). Choline: needed for normal
Wissentschaftliche Verlagsgesellschaft, Stuttgart, development of memory. J. Am. Coll. Nutr.
1028 pp. 19(5):528S-531S.
– 55 –