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CONTEÚDO

PROF. ASSAID
04 SOCIEDADE AÇUCAREIRA II
A Certeza de Vencer KL 080408

A PRODUÇÃO AÇUCAREIRA ções naturais no Nordeste, chegava-se a fazer mais de uma co-
Antes mesmo da colonização, é possível, de alguma forma, lheita por ano, sempre obedecendo as fases da lua. A área de
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ter havido plantação de cana-de-açúcar no Brasil. É certo que plantação ficava longe do “centro” da propriedade. A cana colhi-
na América espanhola houve. Mas o que diferencia a produção da era transportada de carro de boi ou de barco para ser moída.
açucareira decorrente da colonização dessas plantações anteri- Os Tipos de Engenho
ores é o caráter sistemático e planejado de uma produção em Os engenhos podiam ser diferenciados pelo tipo de moenda,
larga escala, voltada para o mercado internacional. ou melhor, pelo tipo de força empregada para movê-las.
O primeiro engenho construído no Brasil foi na capitania de Engenhos Reais: Movidos a água, eram os maiores e mais
São Vicente, sob a ordem de Martim Afonso de Souza. Mas on- produtivos, por isso eram chamados “reis” dos engenhos. Eram
de o açúcar progrediu, verdadeiramente, foi no Nordeste. O solo também os que exigiam grandes investimentos, sendo caríssima
fértil, o massapé, aliado à uma boa hidrografia e o clima quente a sua montagem.
e úmido, criavam condições excepcionais para o plantio da ca- Engenhos Trapiches: Eram movidos por forma animal, bois ou
na. Além disso, a proximidade com a Metrópole e a Europa faci- cavalos.
litava a comunicação e o comércio. Em Pernambuco, os primei- Havia ainda engenhos menores, denominados engenhocas,
ros engenhos funcionaram a partir de 1535. Em 1570 já eram destinados à produção de aguardente e rapadura.
30. Também na Bahia, com a instalação do Governo Geral, a A forma de moagem evoluiu com o tempo, mas não muito.
produção prosperou. Se em 1570 eram 18 os engenhos, esse Chegou a se utilizar três tambores, onde a cana era passada pa-
número pulou para 40 em 1584. No final do século XVI, o Brasil ra a obtenção do caldo. As rodas, os aros, as engrenagens, co-
exportava 350 mil mo os cilindros dentados, tudo exigia mão-de-obra especializa-
A Grande Propriedade da, e até instrumentos vindos da Europa, como algumas ferra-
Mas, afinal, o que era um engenho? Bem, inicialmente a pa- gens.
lavra denominava apenas as instalações onde a cana era trans- Para o funcionamento da casa-de-engenho utilizava-se muita
formada em açúcar. Com o tempo, passou a denominar toda a lenha para alimentar as fornalhas. Isso resultou numa devasta-
propriedade, incluindo as lavouras. Essa propriedade açucareira ção da floresta local. É que no Brasil não se conseguiu utilizar o
formava uma estrutura complexa, envolvendo terras, constru- bagaço da cana como combustível, tal qual ocorria nas Antilhas.
ções, técnicas, escravidão e trabalho livre. A sua forma clássica A Fabricação do Açúcar
é a grande plantação, baseada no trabalho escravo. Dentre as Após chegar à moenda, a cana era limpa para a extração
suas edificações, destacam-se: do caldo. Daí o caldo era levado à um reservatório, o parol, de
Casa Grande: Era a residência do proprietário, servindo tam- onde seguia para o cozimento nas casa das fornalhas. Clarifi-
bém como fortaleza, alojamento e administração. Feitas em ge- cado em enormes vasilhames de cobre (tachos e caldeiras), es-
ral de adobe e taipa1, possuíam mobiliário muito simples. Podi- se caldo, já livre de impurezas, transformava-se em melaço,
am ser construções térreas ou assobradadas, mas eram sempre despejados em espécies de vasos e levados para a casa de
imponentes. purgar, onde era drenado e depois branqueado. Após a seca-
Casa de Engenho: Era onde se fazia o processamento na ca- gem, desenformava-se e a parte branca era separada da escura
na-de-açúcar para a produção do açúcar. Em geram, constituía- (mascava). Esse processo gerava diferentes açúcares que ti-
se em várias edificações interligadas. Havia a moenda, as forna- nham preços diferenciados pela qualidade.
lhas e a casa de purgar, onde o açúcar era branqueado.
Senzala: Era onde habitava os escravos em suas poucas horas
de descanso. Em instalações insalubres, sem higiene, os escra-
vos eram alojados às dezenas. Os escravos dormiam sobre es-
trados com esteiras, às vezes com um travesseiro de palha.

Importante é perceber que a senzala era construída junto à casa


do senhor, mesmo que isso representasse certos inconvenien-
tes, como o odor, provocado pelas condições precárias do local
e de vida dos escravos, e o próprio medo.

Capela:Podia ou não fazer parte da casa-grande, era o local Agromanufatura açucareira. Nos primeiros tempos do Brasil colo-
onde até a vizinhança se reunia aos domingos e dias santos, ou nial, este era o principal espaço social e produtivo. Este aí é um en-
em cerimônias de casamentos, batizados ou funerais. genho real, movido à água. Observe o carro de boi trazendo cana-
de-açúcar para a moagem. Vê-se também várias funções do traba-
O Canavial lho escravo, além da presença, importante, de trabalhadores livres
em atividades variadas.
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O plantio de cana começava junto com as chuvas. E o solo


era preparado à base das queimadas e da coivara. A cana culti-
vada no Brasil era a “crioula”2, que foi a única cultivada aqui até Os Trabalhadores na Fabricação do Açúcar
o século XIX. Era colhida após 12 a 18 meses. Devido às condi- “E verdadeiramente quem via na escuridade da noite aquelas for‐
nalhas tremendas perpetuamente ardentes (...) o ruído das rodas, das 
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Adobe é um tijolo feito de argila. Taipa é uma construção em que o cadeias, da gente toda de cor da mesma noite, trabalhando vivamen‐
barro preenche espaços entre madeiras cruzadas. te, e gemendo tudo ao mesmo tempo, sem momento de tréguas, nem 
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Era originária da Índia e na Idade Média foi cultivada na Sicília (Itália).
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descanso; quem vir enfim toda a máquina e aparato confuso e estron‐ dizer que num ponto os eles concordam, os portugueses tive-


doso daquela Babilônia, não poderá duvidar, ainda que tenha visto Et‐ ram que adaptar hábitos e costumes a uma nova realidade:
nas e Vesúvios, que é uma semelhança do inferno.”      (Padre Antônio  a vida na colônia.
Vieira)  Ora, como toda sociedade, a que vai se formar no Brasil é
cheia de contradições e diversidades. Ela foi moldada com forte
As observações acima dão uma idéia do quão penoso era o influência dos valores, religião e moralidade portuguesa. Mas,
trabalho escravo no fabrico do açúcar. A jornada de trabalho era ao mesmo tempo, houve uma frouxidão desses valores, pela
extenuante, podia chegar a vinte horas diárias na safra. As qua- própria sensação de liberdade aqui existente. Além disso, gran-
tro horas seguintes eram para a limpeza do equipamento A pro- de parte dos colonos vinha para cá sozinhos, pois viam a Colô-
dução era dividida em tarefas e supervisionados por artesãos nia como um local para
especializados. Os trabalhadores eram divididos em dois turnos, se ganhar dinheiro e de-
destinados à execução das tarefas de moer, cozer, purgar e pois retornar ao seu país
embalar. Os escravos que trabalhavam na moenda, nas forna- de origem, daí que não
lhas e nas caldeiras eram os que mais sofriam. Às vezes, mãos pensavam em reproduzir
ou braços eram perdidos nas moendas. Pessoas que presencia- aqui uma unidade famili-
ram essas atividades relatam que sempre havia por perto um ar. A já citada falta de
pé-de-cabra e um facão ou machadinha, para amputar o mem- mulheres brancas muito
bro em caso de acidente. As fornalhas e caldeiras geravam uma contribui para essa situa-
temperatura tão alta, que os escravos mais fortes eram escolhi- ção, pois as uniões aca-
dos para esse tipo de serviço. As queimaduras eram comuns e, bam acontecendo com as
como o jesuíta descreveu acima, era a visão do próprio inferno. índias, que não tinham a
mesma moral sexual dos
europeus. No século XVI,
alguns religiosos, como o
jesuíta Manoel da Nóbre-
ga, chegaram a pedir que
a Coroa enviasse mulhe-
res brancas para cá,
“mesmo as de mau pro-
ceder”.
Famílias Coloniais
Dois dos mais impor-
tantes estudiosos da sociedade brasileira, Gilberto Freire e Sér-
gio Buarque de Holanda, por caminhos diferentes, consideraram
que a tradição patriarcal portuguesa, aliada ao meio rural e es-
cravista da colônia, está nas raízes do patriarcalismo brasileiro.
Moagem de cana-de-açúcar e o trabalho nas fornalhas (H. Koster) Esse poder, em geral, é associado aos grandes proprietários de
terras e escravos que, além de impor seu comando sobre sua
Importantíssimo nesse processo foram os trabalhadores li-
mulher, filhos, empregados, agregados e escravos, estendia sua
vres. Em geral, era um técnico especializado em procedimentos
autoridade, muitas vezes, sobre áreas vizinha. Aí está uma das
desconhecidos dos negros. Dentre eles, destacavam-se o fei-
características da família senhorial, ela é extensa, agrupan-
tor-mor (espécie de gerente do engenho) e o mestre-de-
do a família nuclear (pai, mãe e filhos) parentes, filhos de
açúcar (o mais especializado de todos; de seus conhecimentos
criação, filhos bastardos, além dos já citados empregados e
resultava a qualidade do açúcar). Havia ainda caldereiros, le-
os escravos que trabalhavam na casa-grande, que era onde
vadeiros (responsáveis pela água que movia a moenda), pur-
viviam essas pessoas.
gador, barqueiro, carpinteiros e outros. Também trabalhado-
Entretanto, esse é apenas um modelo familiar dentre os i-
res não ligados ao trabalho produtivo, como o caixeiro, o co-
números tipos de famílias existentes à época. Havia famílias
brador de rendas e o escrivão, por exemplo.
mais simples, compostas apenas de pais, mães e filhos. Além
Com o tempo e a maior intimidade com o processo de pro-
de solteiros e famílias lideradas por viúvos e viúvas. Isso mes-
dução, várias dessas tarefas passaram a ser feitas por escra-
mo, famílias lideradas por mulheres, em geral resultantes de
vos. Há registros de escravos trabalhando até de mestres-de-
ausência, abandono ou morte do marido.
açúcar.
Muitos engenhos contavam com trabalhadores índios não “(...) o próprio caráter de uma sociedade estratificada, na
escravos. Eles exerciam funções que iam de mariscadores até qual a condição legal e racial dividia os indivíduos entre brancos
cortadores de lenha. Mas era o trabalho de “capitães do mato”, e negros, livres e escravos, dificulta a tentativa de buscarmos de
responsável pela busca de escravos fugitivos, que acabava cri- norte a sul do país, no mundo urbano e rural e ao longo de qua-
ando uma situação de antagonismo com os negros, que, nesse se quatro séculos, padrões semelhantes de vida e de organiza-
caso, identificavam esses índios como inimigos. ção familiar, até mesmo no interior de uma determinada camada
da população.“3
SOCIEDADE E MENTALIDADES Outro aspecto que a historiadora chama a atenção é para o
Em textos anteriores, foi analisada a sociedade tupi-guarani. fato de que famílias nem sempre compartilhavam um domicílio.
E em texto futuro, vai ser melhor observada a organização social Se havia lares em que as famílias eram extensivas, com todos
dos negros no Brasil do açúcar, visto que eram atingidos direta- os agregados e parentes próximos, havia também aqueles em
mente pela condição de escravos. Daí que este texto vai ser di- que a família nuclear compartilhava o espaço com um ou dois
recionado aos grupos e indivíduos brancos, de origem portugue- escravos. Sem falar dos padres que, por vezes, conviviam
sa. Mas sem deixar de lado as suas vinculações com índios e com suas concubinas e escravas.
negros. Mesmo porque a escassez de mulheres brancas por Como se vê, existe uma multiplicidade de organizações fami-
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aqui, nos primeiros tempos de colonização, levou uma boa liares, que podem variar conforme a região ou a composição so-
quantidade de colonos a juntar-se a índias, e não eram inco- cial dos indivíduos, por exemplo.
muns relações entre brancos e escravas.
Os estudos sobre a chegada e fixação dos portugueses no
Brasil são vários; as abordagens e os objetos de análise são
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múltiplos e as conclusões são diversas. Mas, no geral, pode-se - ALGRANTI, Leila Mezan. Famílias e Vida Doméstica. in Histó-
ria da Vida Privada no Brasil. São Paulo, Cia. das Letras.1997
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