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Não é aos ateus nem aos visitantes das nossas igrejas que dirijo esta
pergunta, mas aos próprios crentes, aos que já são membros duma igreja.
Vejamos em primeiro lugar qual o significado de santidade nas
Escrituras.
A palavra hebraica geralmente traduzida por santo, é a palavra
“kadosh”, que corresponde à palavra grega “agios” que na origem
significavam simplesmente separado.
Por exemplo, em João 10:36 “Àquele a quem o Pai santificou, e enviou
ao mundo.....” aqui, santificar só pode significar separar ou consagrar.
Mas então, como e porque é que o significado destas palavras: santo,
santidade, santificar... evoluiu até ao significado que hoje lhe atribuímos de
pureza, justiça, bondade etc, quase que identificando santidade com os
atributos do nosso Deus?
Há muitas passagens no Pentateuco que nos falam em santidade, mas
trata-se sempre de uma santidade ritual, ou santidade higiénica. Mesmo no
Sinai, o povo teve de lavar as suas vestes para se santificarem, mas era uma
santidade que significava pureza ritual a simples ausência de sujidade (sujeira
imundícia).
Nessa época, a máxima expressão de santidade, talvez fosse o sumo-
sacerdote que tivesse tomado uns tantos banhos rituais, e podemos pensar
num cadáver, como o máximo de imundícia, ou o desgraçado do leproso,
rejeitado e escorraçado por todos, obrigado a gritar nas ruas a causa da sua
doença, e do seu crime, “Imundo... imundo...”
É esta a informação que encontramos em quase todo o Velho
Testamento. Somente na época de Jeremias e Isaías (600 a 500 AC) encontrei
as primeiras referências a um outro conceito de santidade, nomeadamente em
Isaías 1:11/17 em que o Senhor rejeita os holocaustos efectuados com todo o
rigor da velha lei... Nomeadamente o vr. 16 “Lavai-vos, purificai-vos, tirai a
maldade dos vossos actos de diante dos meus olhos: cessai de fazer mal.”
Nota-se, nesta passagem, que purificação já é alguma coisa mais que simples
limpeza higiénica e passa a relacionar-se com a bondade.
Mas é certamente nos evangelhos onde a santidade passou a ter o
significado que conhecemos hoje. Uma das principais passagens encontramos
em Mateus 15:11 “O que contamina o homem não é o que entra na boca, mas
o que sai da boca, isso é o que contamina o homem.” Em contraste com
pureza das comidas e a preocupação com os animais imundos que não
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podiam ser utilizados na alimentação, Jesus preocupa-se com a pureza nas
palavras e pensamentos.
Gostaria hoje de meditar convosco, numa dessas passagens, em que o
Mestre põe em contraste os dois conceitos de santidade. Essa passagem, bem
sei que poderá causar certa admiração a alguns, é a parábola do bom
samaritano. Vejamos o que é que essa parábola tem a ver com santidade.
A maior parte das pregações sobre o assunto, pelo menos aquelas que
ouvi e li, destaca a indiferença do sacerdote e do levita, “que mais obrigação
tinham de ajudar....”, é a informação mais vulgar, e muitos outros dão uma
interpretação alegórica, afirmando que “descer de Jerusalém” é descer dos
assuntos espirituais para tratar das coisas materiais do mundo em que vivemos
etc etc.
Certamente que como exortação, tudo isso é possível, mas não num
estudo bíblico. Deixemos pois estes engenhosos pensamentos, para investigar
o pensamento original do nosso Mestre, pois estudo bíblico não é qualquer
estudo que mencione versículos bíblicos, nem podemos aceitar que qualquer
sentido que se possa dar a uma passagem seja uma correcta interpretação da
Bíblia, por mais bem intencionado que seja o seu autor e por mais simpática
que seja a sua ideia.
Esta é das parábolas consideradas de certa maneira um tanto
“pacíficas” nos nossos dias. Parece à primeira vista que já sabemos tudo
sobre a frieza dos religiosos e do comportamento do samaritano... Mas trata-
se na verdade duma crítica que Jesus apresenta, não só aos religiosos do seu
tempo, como à própria teologia.
Tive de chegar a essa conclusão, ao examinar o contexto desta
parábola.
Vamos começar por ler nas nossas bíblias em Lucas 10:21/22.
“Naquela mesma hora, se alegrou Jesus no Espírito Santo, e disse: Graças te
dou, ó Pai, Senhor do céu e da terra, que escondestes estas coisas aos sábios
e inteligentes, e as revelastes às criancinhas; assim é, ó Pai, porque assim te
aprouve. Tudo por meu Pai me foi entregue; e ninguém conhece quem é o
Filho, senão o Pai, nem quem é o Pai, senão o Filho, e aquele a quem o Filho
o quiser revelar.”
Isto foi dito perante os discípulos e alguns doutores da Lei, como
veremos mais adiante. Segundo a religião eles se consideravam os grandes e
entendidos... É mais ou menos como juntar todos os pastores, professores e
alunos do seminário, missionários, professores de escola dominical,
evangelistas, presbíteros, diáconos etc. para depois orar dizendo... “Graças
porque há coisas que estes não sabem, mas esse menino de escola dominical,
ou esse velhote quase analfabeto, o irmão João ou a irmã Maria, esses
conseguem perceber, porque tu lhes revelaste”!!!... Como estudante de
teologia não posso deixar de me sentir desafiado por esta atitude do Mestre.
Parece que há coisas que não podemos alcançar só pelo nosso raciocínio,
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mas por vezes as pessoas simples conseguem compreender melhor, por ser
produto de revelação, e o Espírito do Senhor se revela a quem quiser, quer
ignorantes ou entendidos, utilizando todos os métodos que entender, mesmo
aqueles que a nossa teologia e a nossa tradição considera indesejáveis, pois só
o Senhor é soberano.
Penso que este episódio deve estar relacionado, ou deve estar na
origem do que vamos ler a partir do versículo 25.... em Lucas 10:25/29. “E eis
que se levantou um certo doutor da lei, tentando-o, e dizendo: Mestre, que
farei para herdar a vida eterna? E ele lhe disse: Que está escrito na lei? Como
lês? E, respondendo ele, disse: Amarás ao Senhor, teu Deus, de todo o teu
coração, e de toda a tua alma, e de todas as tuas forças, e de todo o teu
entendimento, e ao próximo como a ti mesmo.
E disse-lhe: Respondeste bem; faz isso, e viverás. Ele, porém,
querendo justificar-se a si mesmo, disse a Jesus: E quem é o meu próximo?”
Vr.25... Um doutor da lei, fez uma pergunta a Jesus?!!!. Parece um
caso pouco vulgar nessa cultura, um teólogo desse nível fazer uma pergunta
ao filho dum carpinteiro, que para eles era um leigo em teologia.
O evangelista Lucas, diz aqui que foi para experimentar a Jesus. No
entanto, Lucas não foi apóstolo, ele não estava presente neste acontecimento e
limitou-se anos mais tarde, a compilar todas as informações sobre a vida de
Jesus. Talvez fosse essa a opinião dos primitivos crentes. Não digo que não
seja verdade. Quem somos nós, para vinte séculos mais tarde tentar descobrir
alguma coisa de novo.
Mas penso que, pelo menos, não devemos abandonar a possibilidade
de estarmos perante uma pergunta sincera deste homem. Digo isto porque
Jesus respondeu, o que geralmente não acontecia, quando havia perguntas mal
intencionadas. É bem possível que este teólogo ficasse tocado pela pregação
de Jesus, e que por baixo da sua aparente calma e segurança tivesse uma
consciência inquieta e incomodada pela pregação do Mestre... porque o
doutor da Lei bem sabia, melhor do que ninguém quais os pontos fracos,
contradições e principalmente a grande separação entre a sua teoria e a vida
prática do dia a dia.
Ele começa pela pergunta mais importante: “Que farei para herdar a
vida eterna?” Mas, será que não havia informação sobre o assunto na Velha
Lei?
Jesus o remete novamente para a Lei. Afinal, parece à primeira vista,
que havia solução para a vida eterna na Velha Lei. Faltava somente pôr em
prática tudo aquilo que ele já conhecia.
Mas o doutor da Lei, levanta outra questão: “Quem é o meu próximo?”
Lucas diz no seu evangelho, que a pergunta foi para se justificar,
dando a entender que ele não fazia nem uma coisa nem outra, nem amava a
Deus de todo o seu coração, nem ao próximo como a si mesmo. Mas julgo
que seria precipitado da nossa parte limitarmo-nos a esta explicação.
Segundo o investigador Joaquim Jeremias, esse assunto era muito
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polémico nessa época. Pois, se ninguém tinha dúvidas do que significava ser
membro do povo de Israel, pois tudo isso estava muito bem explicado, pois
eram os descendentes do povo de Israel incluindo os prosélitos e os escravos
já circuncidados, o mesmo não acontecia com a palavra “próximo”, cujo
significado dava origem a várias interpretações.
Para muitos dos fariseus, o seu próximo limitava-se aos outros
fariseus.
Os essénios consideravam como atitude louvável o odiar todos os
filhos das trevas. Até o nosso Mestre faz uma referência a esta atitude em
Mateus 5:43 “Ouvistes que foi dito: Amarás o teu próximo, e aborrecerás o
teu inimigo....”, portanto o inimigo não podia ser o próximo.
O grande problema, para a teologia da época seria a pergunta: Até que
ponto deverei ser tolerante? Devo considerar somente a minha família como o
meu próximo?... E também os meus vizinhos?... E também os outros
judeus?... Até onde vai o conceito de “próximo”?
Penso que para os judeus mais ortodoxos o próximo seriam somente
os outros judeus. É verdade que várias passagens veterotestamentárias em
especial nos livros de Êxodo e Levítico nos falam dos direitos dos
estrangeiros, lembrando o facto dos próprios judeus terem sido estrangeiros
no Egipto, e em Deuteronómio aparecem algumas vezes referência aos direitos
dos estrangeiros, viúvas e órfãos.
No entanto, não podemos ignorar a realidade desse contexto histórico
em que havia grande rivalidade entre judeus e samaritanos. O velho problema
da rivalidade entre os templos de Jerusalém e Garizim, por motivos históricos,
religiosos e económicos, estava no seu auge.
Eu fiquei chocado quando soube pelo livro do historiador Joaquim
Jeremias, que o Templo de Garizim, que os samaritanos construíram e que,
com todos os seus erros se destinava a louvar o Deus supremo, foi atacado e
destruído pelos judeus, no ano 129 A.C..... Esta é uma informação que não
vem na Bíblia e que a nossa literatura não costuma mencionar.
Como represália, segundo Josefo, o historiador da antiguidade, houve
um samaritano que por ocasião da Páscoa, durante a noite, abriu alguns
sepulcros de Jerusalém, desenterrou ossos de cadáveres e os espalhou pelo
Templo de Jerusalém para o tornar impuro.... Isto aconteceu já depois do
nascimento de Jesus, que devia ser um menino quando estas notícias abalaram
todo o povo de Israel.
Jesus teria certamente observado muitas vezes, os judeus mais
“religiosos” que todas as tardes, ao pôr-do-sol se viravam para Samaria para
amaldiçoar os samaritanos e pedir para que Deus os destruísse para sempre.
Penso que temos de entender a pergunta desse doutor da Lei, no
contexto histórico em que se encontravam, em que havia fortes tensões não só
entre judeus e estrangeiros, mas principalmente para com os samaritanos. Para
os que rodeavam o Mestre, o próximo seriam os outros judeus... talvez
também alguns estrangeiros, se estivessem circuncidados, mas os
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samaritanos!!! isso é que nunca... nem pensar nisso.
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