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ALQUIMISTAS
DO ÊXTASE
UMA ANÁLISE DO MOVIMENTO PSICODÉLICO NA
CONTACULTURA E NA PSICONÁUTICA
Belo Horizonte
2009
2
BANCA EXAMINADORA:
Eduardo Viana Vargas (Orientador-UFMG)
Ana Lúcia Modesto (UFMG)
Belo Horizonte
2009
3
DEDICATÓRIA
AGRADECIMENTOS
Drugs have now become part of our culture. Just as there is good music and bad music,
there are bad drugs and good drugs. So we can't say we are 'against' drugs and more
than we can say we're “against” music.
Michel Foucault
Perhaps Marx and Freud are the dawn of our culture, but Nietzsche is something else
entirely, the dawn of a counterculture.
Gilles Deleuze
San Francisco in the middle sixties was a very special time and place to be a part of.
Maybe it meant something. Maybe not, in the long run... But no explanation, no mix of
words or music or memories can touch that sense of knowing that you were there and
alive in that corner of time and the world. Whatever it meant...
Hunter S. Thompson
What Leary took down with him was the central illusion of a whole life-style that he
helped create... A generation of permanent cripples, failed seekers, who never
understood the essential old-mystic fallacy of the Acid Culture: the desperate
assumption that somebody... Or at least some force - is tending the light at the end of
the tunnel.
6
Hunter S. Thompson
RESUMO
ABSTRACT
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.............................................................................................................10
1 APRESENTAÇÃO DO PROBLEMA.........................................................................10
2 EIXOS DE PESQUISA................................................................................................12
2.1 Primeiro eixo, esboço de uma genealogia.................................................................12
2.2 Segundo eixo, netnografia.........................................................................................13
2.2.1 Saber antropológico................................................................................................14
2.2.2 Considerações metodológicas.................................................................................15
3 PERSPECTIVA TEÓRICA.........................................................................................21
CONCLUSÃO................................................................................................................99
BIBLIOGRAFIA.........................................................................................................105
INTRODUÇÃO
1-Apresentação do problema
2 Eixos de pesquisa
1
Conceito que é, aliás, uma definição inventiva em si mesmo, fruto da etnografia por ele produzida sobre
a divinação de Ifá em Havana.
15
alteridade. Desta forma, “we come much closer to what I take philosophers to be doing,
namely transforming concepts (coming up with new ones)” (HOLBRAAD, 2004).
2
Para alguns exemplos, ver Segata (2007), ou Viana (2008).
16
as quais são chamadas pelo Orkut de “perfil” – quanto uma vasta quantidade do que o
Orkut nomeia como “comunidades”. Cada comunidade possui um título e descrição,
geralmente circunscrita a um tema. O centro de sociabilidade em uma comunidade
consiste em um espaço destinado à discussão baseada em texto entre os membros,
espaço esse chamado pelo Orkut de “fórum”. A discussão em um fórum virtual
funciona através de “tópicos”; qualquer membro da comunidade pode abrir um tópico,
que fica então listado na página principal do fórum. Um tópico é composto inicialmente
por um título e um texto, digitados por seu autor, ao qual os outros membros da
comunidade podem então responder e manter uma conversação assincrônica. Minha
intenção nesta etapa da pesquisa consistia em escolher uma comunidade do Orkut
freqüentada por psiconautas, à qual eu me filiaria e em cujo fórum eu observaria e
participaria das discussões, muito ao modo da convivência com os nativos característica
da observação participante.
Kozinets (2002) oferece linhas-guia para a escolha de uma comunidade virtual
para a realização de uma netnografia:
(1) a more focused and research question
relevant segment, topic or group, (2) higher
“traffic” of postings, (3) larger numbers of
discrete message posters, (4) more detailed or
descriptively rich data, and (5) more between-
member interactions of the type required by
the research question. These evaluations entail
an important adaptation of ethnography to the
online context, and their use distinguishes the
method of “netnography” from traditional
ethnography. (KOZINETS, 2002: 5)
3
Todas as contagens de membros aqui apresentadas foram oferecidas pelo Orkut no dia 5 de novembro
de 2008, exceto nos casos expressos em contrário. Não observei nenhuma variação brusca ou
significativa no número de membros destas comunidades nos meses que antecederam esta data.
17
tinha conhecimento, e inclusive figurava como membro. Por um lado, esta comunidade
possuía um título é menos diretamente ligado à psiconáutica, por outro lado seu perfil
parecia bem adequado. A comunidade se chamava “Enteógenos sem Dogmas” e
continha 756 usuários4. Sua descrição5 mencionava psiconautas como potenciais
visitantes, mas também
[...] Esotéricos, Umbandistas, Daimistas,
Espíritas, Junkies, Evangélicos, Testemunhas
de Geová, Ateu, Budistas, Loucos, Caretas,
Punks, Skinheads, Emos (não, emos não, por
favor) rsrs (brincadeira), TODOS são bem
vindos6
4
Após mais de um ano de observação, a comunidade Enteógenos sem Dogmas já havia mais que
duplicado seu número de participantes, contando com 1.641 membros no dia 5 de novembro de 2009
5
http://www.orkut.com.br/Main#Community.aspx?cmm=40018089, acessado dia 27 de novembro de
2008. O texto completo da descrição da comunidade pode ser encontrado no Anexo A.
6
No processo de cópia dos textos presentes na “Enteógenos sem Dogmas” me deparei com um dilema.
Era possível que eu os transportasse estes textos para cá ao fielmente, ou seja, mantendo-os idênticos
aos originais. Contudo, os erros ortográficos presentes nos textos poderiam desmerecer os seus
redatores sob as vistas de alguns leitores; este risco seria agravado por estes textos estariam sendo
recontextualizados em meio a um trabalho escrito sob as regras da norma culta. Se eu me dedicasse,
por outro lado, a corrigir estes erros ortográficos, os leitores perderiam o acesso às peculiaridades da
ortografia empregada na comunicação informal pela internet, peculiaridades estas as quais considero
serem relevantes à descrição etnográfica. Ciente de que não havia opção que não implicasse perdas,
tomei uma espécie de “via do meio”, onde tentei balancear, segundo as contingências, as duas opções.
Corrigi os apenas os erros ortográficos que aparentavam ser não-intencionais, ou seja, acidentes de
digitação ou produtos de desatenção. Mantive-me, de resto, o mais fiel possível à estética textual da
internet: não alterei as gírias típicas deste meio - por exemplo, “vc”, que significa “você”, “tb” ou
“tbm”, que significam “também”, etc. Tampouco alterei a estrutura das frases, parágrafos e pontuações,
salvo nos casos onde era possível identificar, pelo contraste com o corpo textual, a ocorrência de um
acidente de escrita.
18
Até que eu escolhesse a “Enteógenos sem Dogmas”, ela era para mim como os
outros sites da internet que eu costumava visitar, com freqüências variadas segundo o
momento e o site. Ser “membro” de uma comunidade do Orkut, por si só, não implica
em muita coisa; na maior parte dos casos, basta um mero clique do mouse para figurar
como “membro”. Não é necessário, na maior parte das comunidades, participar de
forma alguma do fórum, a não ser que se queira; e pela minha experiência considero
comum que os usuários do Orkut sejam “membros” de várias centenas de comunidades,
mas só participem ativamente de algumas poucas. No caso de minha participação na
“Enteógenos sem Dogmas”, apenas raramente eu escrevia qualquer coisa, contentando-
me em acompanhar as discussões que eu considerava de interesse; eu era, contudo,
conhecido por alguns membros bastante participativos da comunidade, graças a
discussões conduzidas em outras comunidades do Orkut que compartilhávamos. Tendo
isto em mente, considero que minha participação formal na “Enteógenos sem Dogmas”
no período anterior ao início da pesquisa, por si só, não exerceu nenhuma influência
específica sobre a produção deste trabalho; no limite, pode ter sido um fator
ligeiramente facilitador na aceitação de minha etnografia por parte dos membros da
comunidade, uma vez que eu não era um completo estranho.
Entretanto, a minha familiaridade com o tema, com as discussões e com a cena
psiconáutica mais ampla demandou que eu efetivasse certo distanciamento, um
estranhamento perceptivo, em vias de permitir que a pesquisa não se resumisse em uma
reprodução do ponto de vista e das opiniões nativas; ou seja, fez-se necessário a
elaboração de um olhar que não se resumisse ao olhar envolvido que até então eu
lançava, um olhar questionador ao qual podemos chamar “antropológico”.
Foi a partir da necessidade e na realização deste movimento que as inquietações
começaram a emergir: em várias situações em que eu esbocei no texto uma leitura
crítica do que se passa na comunidade, me vi fantasiando as reações negativas que
poderiam surgir quando os membros lessem meu texto; eu senti a responsabilidade, para
com os membros da comunidade, de construir uma representação do que se passa no
fórum da forma mais acurada possível.
Meu empreendimento nesta situação se encontrou confrontado por riscos de dois
lados:
Por um lado, sem o devido distanciamento, eu poderia acabar em converter este
texto numa repetição ou reprodução da ideologia nativa e, portanto reduzindo a
pertinência acadêmica ou antropológica deste trabalho. Por outro lado, havia o risco de
21
que, ao lançar uma observação crítica, eu passasse por cima dos membros da
comunidade, os submetendo à minha visão: afinal, este trabalho se insere em uma
situação de assimetria de poder onde eu sou o autor de um texto científico dentro de
uma instituição acadêmica, e eles são pessoas se comunicando informalmente e
conduzindo práticas que, às vistas da sociedade mais ampla, poderiam ser consideradas
marginais.
De meu simultâneo envolvimento e distanciamento com a cena psiconáutica e,
em especial, com a comunidade “Enteógenos sem Dogmas” resulta uma tensão; a
intenção de produzir esta pesquisa, contudo, surgiu no próprio contexto de
envolvimento pessoal, de forma que a tensão não é apenas um infortúnio que engendra
um par de riscos, mas parte integrante e constituinte da própria pesquisa. Como tal, ela
se estende por todo o trabalho; cabe aos leitores julgar se contornei apropriadamente os
riscos envolvidos.
3 Perspectiva Teórica
sustentação deste olhar; eu não era, tampouco, capaz de negar sua influência sobre este
olhar, pois o próprio olhar era produto de uma série de influências. Não considerei,
afinal, aceitável a conivência com os possíveis entendimentos, por parte de tais ou quais
leitores hipotéticos, de que este olhar estava de alguma forma descorporificado, e era,
portanto, capaz de perceber verdades objetivas que transcendessem as redes orgânicas,
sociais, técnicas e simbólicas envolvidas na corporeidade.
Eu cogitei como alternativa, neste momento, conduzir este texto ao mesmo
patamar no qual se transcorrem as elaborações dos próprios membros do fórum a
respeito de si mesmos – ou seja, entender este texto como sendo mais uma opinião.
Contudo, esta opção tinha também seus inconvenientes, na medida em que obscurecia
as especificidades do olhar que eu me esforçava em lançar, conduzindo este e outros
olhares até uma paridade onde “dá tudo na mesma”. Fazia-se necessário, portanto,
encontrar uma forma de pensar a diferença entre as diversas perspectivas sem referência
a um plano transcendente onde encontraríamos a verdade objetiva.
Conduzido por estas inquietações, encontrei na obra de alguns autores como
Gilles Deleuze, Félix Guattari, Donna Haraway, Suely Rounik e Bruno Latour uma
aparelhagem conceitual dedicada a pensar a diferença sem o recurso a um plano de
transcendência; deparei-me, também, com uma miríade de afinidades e sintonias entre
as obras destes autores, de modo que considerei possível entende-las como estando
envolvidas em uma mesma perspectiva analítica e política, à qual podemos nomear,
grosso modo, como uma perspectiva “pós-estruturalista”.
Certamente, outras respostas poderiam ser encontradas para estas questões;
porém, o status da escrita antropológica não é a única razão pela qual esta perspectiva é
pertinente às questões abordadas neste trabalho. Produzo, portanto um sumário do que
caracteriza esta abordagem “pós-estruturalista”, enquanto simultaneamente exploro as
respectivas implicações no procedimento e nos produtos da pesquisa.
Primeiro: estes autores operam sem recurso a essências, ou seja, construindo um
plano de consistência onde “há o que acontece” – uma sucessão de camadas de
aparências ou extratos. Ao invés de se lançar nas profundezas buscando a causa oculta
dos fenômenos, atentam para as forças que se desenvolvem na superfície dos corpos.
A busca pela referência explicativa em um plano transcendente a aqueles planos
nos quais se desenrolam os fenômenos observados possui implicações analíticas e
políticas cuja consideração pode ser oportuna. Um exemplo destas implicações
pertinente à nossa temática pode ser encontrado em Vargas (2006), quando argumenta
23
que ao levantarmos questões como “por que as pessoas usam drogas?" ou, "o que
significa usar drogas?” as respostas que produzimos nos informam que “o consumo de
drogas seria uma resposta a uma crise ou a uma carência qualquer: consomem-se drogas
porque faltam saúde, afeto, cultura, religião, escola, informação, dinheiro, família,
trabalho, razão, consciência, liberdade etc.” (VARGAS, 2006).
Caracterizações desta sorte, ou seja, definidas a partir da falta, podem ser
encontradas em uma variedade de obras empreendidas nas ciências sociais: Por
exemplo, os enunciados imortais das escolas evolucionistas da antropologia do século
XIX a respeito dos “selvagens” e “bárbaros”, onde se explica que eles sejam como são
porque “falta-lhes a razão” que advêm com a civilização. Ou mesmo, como coloca
Velho (1995), “no caso de Weber [...] como a contraface do ascetismo – que era de fato
para ele o misticismo – foi quase sempre lida como ausência e falta, apesar das ricas
indicações positivas presentes em sua obra” (VELHO, 1995: 47). Sahlins (2004) ironiza
algo similar a isto quando coloca que “os weberianos se fixaram na questão de por que
tal ou qual sociedade não conseguiu chegar a esse summum bonum da história humana,
o capitalismo tal como o conhecemos e amamos” (SAHLINS, 2004: 539); e é isto que
finalmente critica Clastres (2003) no conceito de “sociedades sem estado” – que,
segundo o autor, pode carregar a implicação errônea de que o estado faz alguma falta às
sociedades indígenas nas quais ele inexiste enquanto instituição.
Não mobilizo estes exemplos como uma forma de julgamento da obra de tal ou
qual autor. Os exemplos apontam, contudo, pra atentemos para quais são as perguntas
sendo feitas, e que respostas podemos delas obter, especialmente na presença de uma
assimetria de poder entre o analista e o coletivo analisado; uma vez que, na presença
desta assimetria de poder, o subjugado pode ter sido definido a partir da falta já
enquanto elaboramos nossas perguntas.
Como propõe Vargas (2006), as perguntas de “o que significa o uso de drogas”,
ou “porque as pessoas usam drogas” não são as únicas que podemos colocar. Temos
como alternativa, afinal, considerar o que acontece, o que se passa (e o que não passa);
é disto que se trata quando nos propomos a pensar o plano de consistência. Os
resultados que daí decorrem são outros e, é importante notar, muito mais próximos da
preocupação dos próprios usuários que “habitualmente se mostram pouco interessados
em saber por que usam drogas ou qual o significado dessas práticas, salvo quando os
analistas ou outras autoridades os indagam.” (VARGAS, 2006).
24
7
Como colocado por Viveiros de Castro (2007), “Para a minha geração, o nome de Gilles Deleuze evoca
de pronto a mudança de orientação no pensamento que marcou os anos em torno de 1968, durante os
quais alguns elementos-chave de nossa presente apercepção cultural foram inventados.” (VIVEIROS DE
CASTRO, 2007). Podemos encontrar outros exemplos de referência à relação entre esta perspectiva “pós-
estruturalista” e as agitações contraculturais do final da década de 1960 em Foucault (1977); em Deleuze
e Guattari (1995: 7), e Deleuze (2004: 194, 216-217).
27
8
Haight-Ashbury é o bairro de imigrantes de São Francisco, que em 1967 era o principal ponto de
congregação hippie da costa oeste dos Estados Unidos (YABLONSKY, 1972).
29
9
Usaremos neste capítulo os nomes “contracultura”, “movimento psicodélico”, “movimento hippie” ou
“drug culture” em referência ao mesmo movimento. A diversidade de denominações advém dos próprios
autores referidos que, assim como eu, tendem a recorrer a esta nomeclatura indistintamente.
10
Segundo Yablonsky (1973: 32), boa parte dos “noviços” – drop-outs parciais sinceramente engajados
no movimento hippie – participam também da nova esquerda, o que nos leva a crer que as fronteiras entre
movimento hippie e nova esquerda nos Estados Unidos eram bastante difusas. Sobre este tema, Roszak
(1969: 56) pensa que “there exists, at a deeper level, a theme that unites these variations and which
accounts for the fact that hippy and student activist continue to recognize each other as allies.”
30
No que consiste, então esta “sociedade técnica”, esta “grande máquina” à qual
estes jovens se opunham? Roszak elabora uma explicação destes conceitos através de
sua definição inventiva de “tecnocracia”:
By the technocracy, I mean that social form in
which an industrial society reaches the peak of
its organizational integration. It is the ideal
men usually have in mind when they speak of
modernizing, up-dating, rationalizing,
planning. Drawing upon such unquestionable
imperatives as the demand for efficiency, for
social security, for large-scale co-ordination of
men and resources, for ever higher levels of
affluence and ever more impressive
manifestations of collective human power, the
technocracy works to knit together the
anachronistic gaps and fissures of the
industrial society. (ROSZAK, 1969: 5)
11
O movimento psicodélico aqui descrito se processou, em grande medida, durante as décadas de 1960 e
1970; por isto, refiro-me às crenças e práticas relacionadas a este movimento no passado gramatical. Há
aí, contudo, um inconveniente, pois o recurso ao passado pode trazer implícita a noção de que estas
crenças e práticas não mais existem, ou que não possuem mais pertinência para o cenário atual. Cogitei,
como alternativa, referir-me ao movimento no presente gramatical; contudo, isto implicava em um custo
simétrico e oposto, ou seja, trazer implícito que estas crenças e práticas possuem sim pertinência; como
não é minha intenção, de antemão, efetuar este julgamento, em nenhum dos sentidos, optei por manter-me
fiel à opção gramaticamente correta.
31
redor como vínculos de trabalho, estudo, militares e em muitos casos a família; o drop-
out consistia, também, num processo mais complexo de desconstrução da própria
subjetividade - geralmente através do uso do LSD e de maconha - em vias de purgar-se
das estruturas internalizadas entendidas como repressivas, produzindo então uma
miríade de resultados distintos, os quais abordaremos posteriormente.
O processo de drop-out alicerçava-se em uma premissa central à filosofia do
movimento psicodélico, a saber, a existência de “a natural social condition that
underlies man-made cultures and societies. This structure, according to the high priests
of the movement, is the fundamental social reality” (YABLONSKY, 1973: 24). Nestes
termos, toda forma de consolidação de estruturas estratificadas de poder ou organização
são rejeitadas, acatando-se apenas lideranças espontâneas e transitórias ou organizações
emergentes. O que se pretende produzir é uma política num sentido muito diferente do
que costumamos entender – uma política sem estrutura de representação.
Em vias de reconstruir esta socialidade percebida como primária, uma série de
recursos materiais e simbólicos eram mobilizados: Mitologia e estruturas simbólicas de
sociedades primitivas ou tradicionais (o livro tibetano dos mortos, o xamanismo, o
hinduísmo e o budismo), uma musicalidade (o rock ‘n roll12, o folk e seu híbrido folk-
rock, música étnica, blues), aparelhagem técnica (instrumentos musicais variados,
lâmpadas coloridas, incensos, discos de vinil e aparelhos de som), acessórios estéticos
ou religiosos (roupas coloridas, colares de oração indianos, sinos), terrenos e imóveis
(os apartamentos urbanos que hospedavam comunidades alternativas – também
chamados crash-pads – terrenos e casas de campo, tendas e domos, lojas que vendiam
produtos ligados à contracultura), meios de circulação de informação (livros, jornais,
rádios, cópias mimeografadas, circuitos comerciais e underground de performance
artística) e uma série de substâncias químicas psicoativas, das quais se destacam a
maconha (Cannabis sativa), o ácido lisérgico (LSD), a psilocibina (presente em vários
cogumelos alucinógenos) e a mescalina (presente nos cactus Peyote e San Pedro).
Podemos listar também variados circuitos de socialização que entram nestes
agenciamentos junto a estes componentes materiais e simbólicos – as caronas nas
estradas, as festas informais e semi-formais nos parques urbanos, as comunas urbanas e
rurais, os festivais de música, os rituais místicos, espirituais e religiosos, as
12
“As Lenson (1998) notes, drug use was central to the rock music scene of the late 1960s because it
enhanced the experience of improvisation-the hallmark of countercultural music-for both artist and
audience. The 1970s witnessed a decline in the countercultural power of rock music, within the context of
an increasingly conservative, post-vietnam war society.” (KOTARBA, 2007: 162)
32
outs parciais, com um número modesto de experiências com ácido – muitas vezes
menos de dez – e aspirantes a se tornar drop-outs completos. Yablonsky relata que as
visões mais ingênuas e encantadas com o movimento eram encontradas entre noviços.
Os membros mais periféricos do movimento seriam os teenyboppers, em sua maioria
adolescentes que tiravam as férias de verão para andar com os hippies, sem muito
conhecimento ou envolvimento com sua filosofia. Na miscelânea encontramos as
famílias dos envolvidos, traficantes de drogas tradicionais, habitantes das vizinhanças
dos hippies, etc.
Todos estes elementos anteriormente descritos – espaciais, materiais, humanos,
simbólicos, sonoros, etc. - articulam-se através de uma temporalidade binária, ou seja,
entram em diferentes agenciamentos uns com os outros segundo sua posição em um
“antes” e um “depois”. O que procede a divisão entre o “antes” e o “depois” é o drop-
out em seu aspecto de corte pontual, de ruptura de vínculos como trabalho, estudo,
carreira militar, etc. Contudo, como antes colocado, o drop-out não se resume a este
corte pontual, uma vez que é ele se inicia e prossegue como um processo gradual de
auto-escrutínio e subseqüente desconstrução dos vínculos com a sociedade técnica que
foram interiorizados durante a vida anterior do sujeito. Poderíamos dizer, portanto, que
esta temporalidade binária esta superposta a um eixo sequencial gradativo, onde os
elementos espaciais, materiais, humanos, simbólicos, sonoros modificam-se em graus
variados segundo sua aproximação ou distância do drop-out enquanto um corte pontual.
Este eixo sequencial estabelece, em uma de suas extremidades, uma zona de
contato com a sociedade técnica, tanto travando contato com pessoas com potencial ou
na iminência de drop-out quanto atravessando famílias, programas de televisão e
reportagens jornalísticas, regiões de cidade, circuitos comerciais, entre outros
elementos. No trecho central do eixo - especialmente no momento imediatamente
“após” o drop-out - temos uma reconfiguração súbita dos elementos e de suas
articulações. É neste momento que entram em operação certos elementos cuja função é
arcar com a instabilidade decorrente da mudança súbita e desencadeada pelo drop-out
enquanto corte; por exemplo, os hospitais e serviços de assistência voluntários dos
bairros hippies, ou os crash-pads, cujo propósito inicial era acolher provisoriamente os
hippies que ainda não conseguiram se estabelecer em uma comuna rural. Na outra
extremidade do eixo, removida da sociedade técnica, encontramos o interior do
movimento, com suas próprias articulações simbólicas, físicas, políticas, orgânicas, etc.
Estas articulações encontram-se, em grande parte, investidas no experimento da
34
apresenta sua visão de liderança na contracultura como “a process whereby people come
to be divested of their dependency, so that they are effective.” (YABLONSKY, 1973:
93) Haveria, portanto, uma concepção alternativa de liderança sendo explorada, de
liderança como uma forma de “ensino”13, que supostamente conduziria a outras formas
de organização.
Na visão contracultural a liderança como opera na sociedade técnica envolve a
construção e sustentação de relações de dependência e autoridade. Arrisquemo-nos,
aqui, a explorar a situação de um trabalhador hipotético insatisfeito com seu trabalho,
em vias de depurar as conexões entre estas organizações hierárquicas e os desejos deste
trabalhador. Notemos, antes de tudo, que a vontade individual deste trabalhador –
aquela manifesta em um contrato trabalhista – adquire sua legitimidade através da
intervenção de uma força de autoridade superior, no caso, o Estado. O Estado opera aí
como uma referência transcendente à relação idealmente horizontal entre os dois
indivíduos – patrão e empregado. O que esta referência empreende, neste primeiro
momento, é a paridade formal entre a intenção do trabalhador, do empregado e aquelas
intenções manifesta no contrato. Os vínculos estabelecidos entre o patrão, o trabalhador
e o Estado como elemento transcendente dão, então, espaço a uma outra instância de
vinculação análoga. Nesta instância suplementar de vinculação, o patrão, pela
autoridade derivada do Estado através do contrato, vem a adotar posição similar de
autoridade, operando como referência transcendente tanto ao trabalhador, enquanto
pessoa, como a seu trabalho, enquanto ação.
Ora, a esta vinculação dupla do trabalho e do trabalhador a uma autoridade
transcendente – derivada da legitimação antes estabelecida do contrato pelo Estado -
correspondem dois outros regimes de desejo além daquele contratualmente formalizado.
O primeiro é o desejo correspondente ao pólo do trabalho enquanto ação, ou seja, o
desejo que o conduz o trabalhador ao trabalho todos os dias, movimenta seu corpo, sua
boca, seus braço, suas mãos, na execução do serviço designado pelo patrão; chamemos
a este desejo de desejo-movimento. Neste caso, o desejo-movimento é um desejo
unívoco – ou seja, o ato de desejo é em si mesmo o ato de movimento, a realização da
ação. A segunda forma de desejo, correspondente ao trabalhador enquanto pessoa, se
manifesta como a matéria de expressão de sua insatisfação - “queria não ter de
trabalhar”. É um desejo que se sustenta em segundo lugar e em oposição ao desejo-
13
Quando perguntado por Yablonsky qual um outro nome que ele poderia dar a estes líderes
contraculturais, Gridley oferece o nome de “professor” (YABLONSKY, 1973: 93)
39
14
A estas duas formas de desejo Deleuze e Guattari chamam de “desejo produtivo” – pura produção de
movimento, ou seja, de diferença - e “fantasma” ou “fantasia” – produção de significância ou
subjetivação. (DELEUZE E GUATTARI, 1976). É importante notar que o fantasma – a produção de
significância – ainda constitui uma produção de movimento, ou seja, ainda é desejo produtivo, conquanto
que dobrado contra si mesmo em uma oposição do tipo afirmação-negação. Isto implica que se trata de
uma relação assimétrica entre os dois regimes de desejo – o desejo produtivo que encompassa qualquer
tipo de produção, e o fantasma que constitui um caso específico de produção, produção de significância.
40
Elaboração similar realiza Gary, quando descreve para Yablonsky (1973) o que
se passa na comuna hippie da qual era membro, e à que esta comuna se propõe: “We’re
not going for any end product. This is just an experience. That is why we won’t even
officialy name the place ‘cause it doesn’t matter. We choose to come here and to live
together and to learn together.” (YABLONSKY, 1973: 174). O que vemos de comum,
nesses e em outros casos15, é que o desejo a que se referem os membros da contracultura
como “desejo humano” possui certa semelhança com o desejo-movimento. Ou seja,
viver o “desejo humano” se resume em si mesmo; não se vive para nada mais além do
próprio viver; enquanto um experimento, não significa nada, apenas acontece; sequer
demanda um nome próprio.
Poderíamos concluir, então, que o desejo “humano” se processa sem nenhum
plano, sem referência a programas ou propostas? Recairíamos desta forma em uma
situação onde o desejo “humano” é equacionado ao “espontâneo”, o que aparenta
ocorrer pelo menos em alguns casos. Contudo, como já vimos, o drop-out por vezes
engendra seus próprios planos, sejam planos de transformação macro-social (como na
narrativa contracultural antes apresentada), sejam uma variedade planos festivos,
comunitários, perversos, artísticos, políticos, despóticos, sexuais, esquizofrênicos, com
suas próprias e características articulações de variados elementos. Vemos, também, no
caso descrito por Gridley, a elaboração de uma série de planos onde se estabelecem
circuitos de desejo: come-se o que se deseja comer, fala-se o que se deseja falar, dorme-
se quando se deseja dormir, veste-se o que se deseja vestir, etc.
Ora, estas disposições descritas por Gridley têm em algo em comum: dizem
respeito a um corpo e seus potenciais (falar, comer, dormir, aprender, criar, destruir,
etc., de tal ou qual forma); corpo este sobre o qual, na situação anterior de empregado,
recaía uma planificação específica que “lhe impõe formas, funções, ligações,
organizações dominantes e hierarquizadas, transcendências organizadas para extrair um
trabalho útil” (DELEUZE E GUATTARI, 1996: 21).
No que, caso desejemos entender no que consiste este “desejo humano”, como
referido pela contracultura, precisamos responder a seguinte pergunta: O que nos resta
15
Como, por exemplo, Yablonsky (1973: 157, 350, 352).
41
quando removemos, dos circuitos de desejo envolvidos com este corpo, a vinculação a
planos transcendentes?
Segundo as colocações de Gilles Deleuze e Félix Guattari, em tais condições
obteríamos o que eles nomeiam como Corpo sem Órgãos, ou CsO:
O CsO é o campo de imanência do desejo, o
plano de consistência próprio do desejo (ali
onde o desejo se define como processo de
produção, sem referência a qualquer instância
exterior, falta que viria torna-lo oco, prazer
que viria preenchê-lo). (DELEUZE E
GUATTARI, 1996: 15. Grifos do autor)
“O CsO é o que resta quando tudo foi retirado. E o que se retira é justamente o
fantasma, o conjunto de significâncias e subjetivações.” (DELEUZE E GUATTARI,
1996: 12). CsO é um nome parcialmente inadequado, pois o que visa-se limar do
circuito de desejo durante a elaboração de um CsO não é o órgão enquanto campo
produtivo, ou seja, “os olhos para ver, os pulmões para respirar, a boca para engolir, a
língua para falar, o cérebro para pensar, o ânus e a laringe, a cabeça e as pernas”
(DELEUZE E GUATTARI, 1996: 11). O que busca se retirar é o que estes autores
conceituam como organismo, significância e subjetivação. No que levanto a pergunta:
do que se tratam estes conceitos?
Quando me refiro ao organismo, designo uma instância de autoridade ou
totalização que efetua uma disposição, segundo um plano transcendente, de órgãos e
potenciais produtivos, em vista de extrair um trabalho útil; quando me refiro à
significância, designo um plano interpretativo ao qual são remetidos processos
quaisquer, em busca de extrair deles o significado; quando me refiro à subjetivação,
designo uma instância de totalização à qual os processos subjetivos são remetidos para
que se possa fixá-los em uma identidade.
Quando voltamos à situação do trabalhador hipotético, o seu drop-out envolve
desmontar a estrutura de autoridade que sustenta uma oposição onde de um lado temos
o trabalhador enquanto pessoa, com sua subjetividade fixada na identidade de
“trabalhador” e o desejo-hipótese circulando a redor da significância de uma matéria de
expressão; e do outro lado temos o trabalho enquanto ação, operando como máquina
produtiva a serviço de seu patrão. Na situação anterior ao drop-out do trabalhador
hipotético, há um abismo que coloca estes dois em oposição. Este abismo impede que
uma coisa vaze para outra, ou seja, que se trabalhe a pessoa, que se pessoalize o
trabalho. Uma vez desvinculados da autoridade transcendente, abre-se espaço para que
42
Listando as opções de ação das pessoas que não gostam da organização Gridley
está trazendo este “não gostar” de volta ao nível de movimento, de produção de
movimento, impedindo que este não gostar mantenha-se centrado na significação: “eu
gostaria de que este cara parasse de querer organizar as coisas”. Em seguida, ele
continua:
Man, the whole emphasis is on love. If you got
two cats behind the kitchen thing and they’re
both strong cats, I see no reason why they’re
can’t get together on it. And I think this is a
46
Ou seja, a questão não está na organização em si, e sim nos diversos modos de
organização. O risco que ali se enunciou foi o risco de recusar qualquer organização; o
risco de, ao se virar contra os estratos e o organismo, acabe-se por se destruir os
próprios órgãos, produzindo um corpo vazio. “O organismo não é o corpo, o CsO, mas
um estrato sobre o CsO, quer dizer um fenômeno de acumulação, de coagulação, de
sedimentação” (DELEUZE E GUATTARI: 21, 1996). Gridley remete ao amor – não ao
amor entre duas pessoas, mas um amor dirigido ao cosmos, indistintamente – em vias
de produzir uma organização onde há algo maior do que duas ou três pessoas se
passando ali – um coletivo.
A situação da comuna rural das montanhas de Big Sur era bastante fragmentária.
Por exemplo, Yablonsky descreve uma cena observada por ele na estrutura principal da
comuna:
In addition to the people sleeping on the floor
there were around thirty people in the stone
house sitting and staring into the darkness.
There was no conversation, only the dissonant
music, and some random snoring. The
boredom annoyed me and I felt a strong
compulsion to leave immediately.
(YABLONSKY, 1973: 87)
Durante cinco anos o LSD foi deixado de lado até que em 1943 Hofmann,
movido pelo que descreveu como “a peculiar presentiment”, produziu uma amostra de
LSD-25 para a realização de novos testes; situação que ele descreveu como sendo
incomum. Na etapa final da síntese ele interrompeu o trabalho afetado por sensações
estranhas e seguiu para casa, onde experienciou
a not unpleasant intoxicated-like condition,
characterized by an extremely stimulated
imagination. In a dreamlike state, with eyes
closed (I found the daylight to be unpleasantly
glaring), I perceived an uninterrupted stream
of fantastic pictures, extraordinary shapes
with intense, kaleidoscopic play of colors.
After some two hours this condition faded
away. (HOFMANN, 1980)
Em seu raciocínio Hofmann concluiu que deveria ter absorvido uma quantidade
minúscula de LSD através do contato com a pele. Testou esta hipótese ingerindo uma
solução aquosa contendo 250 microgramas de LSD, uma dose significantemente maior
49
Para Huxley, a mescalina não era também a droga ideal; primeiro, pela duração
muito longa dos efeitos de sua ingestão, segundo, por produzir experiências infernais
em alguns. Assim como pensava Hofmann acerca do LSD, ele considerava que a
51
possibilidade considerável de uma “viagem ruim” com a mescalina tornava seu uso
maciço inviável. Apesar de tudo, segundo Bakalar e Grinspoon,
In 1955, Huxley spoke of "a nation's well-fed
and metaphysically starving youth reaching
out for beatific visions in the only way they
know"—through drugs (Young and Hixson
1966, p. 48). In an article on mescaline in the
Saturday Evening Post in 1958, he suggested
that it might produce a revival of religion
(BAKALAR E GRINSPOON, 1979: 63)
pelos beats e realizado pelos hippies na década seguinte aparenta estar na dimensão
maciçamente sócio-histórica que o movimento hippie vem adquirir – produzindo e
articulando a perspectiva de um drop-out que arrastaria toda a sociedade americana.
Segundo um membro do movimento hippie entrevistado por Yablonsky (1973),
The beatniks just dropped out. [...] They didn’t
want to be bothered with anyone outside of
their own group or community. But the hippie
community is trying to get involved anywhere
they think they can help. (YABLONSKY:
125-126)
16
Bakalar e Grinspoon (1979: 62) colocam que em 1960 haviam mais de 500 papers tratando do LSD em
publicação.
53
17
Ver alguns exemplos e considerações de Yablonsky a este respeito em YABLONSKY, 1973, p. 111,
148-149, 296.
54
verdadeiros ou falsos. No caso das “saúdes mentais” produzidas pelo drop-out, há uma
recusa - por vezes total18 - de qualquer critério objetivo de julgamento. A experiência é
sempre entendida como verdadeira, conquanto em determinados âmbitos: primeiro, em
nível pessoal e subjetivo, segundo, em um nível cósmico ou arquetípico (em última
instância insondável, mas com o qual a visão contracultural propõe ser possível entrar
em sintonia) (ROSZAK, 1969, cap. VIII). O que se propõe na contracultura, então, é
uma resistência micropolítica ao poder exercido pelas instituições da sociedade
tecnocrática (indústria farmacêutica, medicina – especialmente a psiquiatria, ciências
objetivas, economia, exército e o aparato de estado) diretamente sobre o corpo e seus
circuitos de desejo, vinculando este desejo a um plano de estratificação. O exercício de
resistência vem, então, a empregar alianças e hibridizações com substâncias químicas (e
estados mentais) rejeitados pela sociedade técnica em vias de produzir verdades
singulares que escapam à estratificação – caso os riscos engendrados por estes
agenciamentos sejam contornados.
Roszak (1969) considera que, se a crítica contracultural à razão tecnocrática se
resumisse ao resgate ou reconexão com o inconsciente, com o misterioso e com o
maravilhoso, haveria muito a ser ganho; porém, em sua visão, a contracultura em seus
momentos mais radicais resvala em uma outra situação de oposição mutuamente
excludente, onde substitui-se Apolo por Dionísio, onde todo tipo de procedimento
intelectual, prudência e planejamento é rejeitado junto ao resto da sociedade técnica e
suas percebidas corrupções:
They have, in adolescent rebellion, thrown off
the corrupted culture of their elders and, along
with that soiled bath water, the very body of
the Western heritage – at best, in favor of
exotic traditions they only marginally
understand. At worst, in favor of an
introspective chaos in which the seventeen or
eighteen years of their own unformed lives
float like atoms in a void. (ROSZAK, 1969:
159)
18
Ver ROSZAK, 1969:.45-46
56
Embora não seja fácil isolar os fatores causais que conduzem a contracultura a
este centramento obsessivo na experiência psicodélica, Roszak considera que
if we look for the figures who have done the
most to push psychedelic experience along the
way toward becoming a total and autonomous
culture, it is [Timothy] Leary who emerges as
the Ultra of the campaign. (ROSZAK, 1969:
164)
19
De acordo com uma reportagem do New York Times escrita por Laura Mansnerus, disponível no dia
13 de novembro de 2008 no endereço
http://query.nytimes.com/gst/fullpage.html?res=9500E0DD1E39F932A35755C0A960958260&sec=&s
pon=&pagewanted=all “Richard Nixon declarou Leary como "the most dangerous man in America."
57
Ou, como registra o ex-guerrilheiro Alex Polari, “Ficou cada vez mais difícil o
meio-termo. O negócio foi virando ou arriscar a vida ou saltar fora e arranjar um
Nirvana qualquer para se refugiar.” (POLARI apud Dias, 2004: 161). Os testemunhos
indicam que grande parte das pessoas envolvidas com a esquerda marxista
consideravam os desbundados - aderentes do movimento psicodélico - como alienados
e politicamente passivos em relação à ditadura.
Soma-se a isto o nacionalismo que perpassava a esquerda universitária neste
período; durante a década de 1960 o cenário musical era claramente dividido entre a
música internacional e a música nacional, e “Tomar partido por uma determinada
música assumia uma importância que muitas vezes tinha ares de opinião política.” (DO
CARMO, 2000: 59). Neste contexto, as guitarras elétricas do rock’n roll e as roupas
coloridas importadas da estética do movimento psicodélico americano remetiam à
cultura internacional, ecoando uma percebida alienação cultural. Esta situação se
evidencia no vaiar dos estudantes a Caetano Veloso em 1968 (DO CARMO, 2000: 67).
Para Heloísa Buarque de Holanda, "certa
parcela mais politizada do público estudantil
acusou o tropicalismo de omissão ante o
avanço da ditadura. Isso porque o movimento
sempre fez questão de rejeitar a arte que
submetia os objetivos estéticos e finalidades
políticas imediatas. Não se conseguiu ver, no
entanto, que o movimento tropicalista
"realizava uma releitura pop e hippie da
antropofagia de 1922" e assim permitia
avançar na redescoberta de nossas
contradições culturais e sociais. (DO
CARMO, 2000: 67).
20
A cocaína é extraída, através de processos laboratoriais, de duas espécies de plantas: a Erythroxylum
coca e a Erythroxylum novogranatense (HENMAN, 20005: 8).
66
Kotarba (2007: 163), a música: o rock’n roll psicodélico sai gradualmente de cena,
dando espaço para os ritmos eletrônicos característicos do estilo disco.
Já ao final da década de 1970 a cocaína atinge um platô na prevalência de sua
utilização (ALBESON E MILLER, 1985: 38), deixando gradualmente o centro das
atenções para outras substâncias. "By the mid-1980s, the drugs of alarm were
freebasing cocaine [mais conhecido como crack], phencyclidine, and methaqualone
(quaaludes).” (MURGUÍA, TACKET-GIBSON e WILLARD, 2007: 6).
A partir década de 1980, uma ramificação específica da contracultura começa a
adquirir proporção, num processo que continua até os dias de hoje; trata-se da
espiritualidade sincrética marcante da contracultura, mas agora dissociada, em larga
medida, do uso de psicodélicos; este fenômeno recebe uma variedade de nomes – de
“misticismo ecológico” (SOARES, 1994) a “neo-esoterismo” (MAGNANI, 1999). De
forma similar à espiritualidade característica da contracultura das décadas de 1960 e
1970, o neo-esoterismo vai buscar sua fundamentação
em alguns sistemas de pensamento e religiões
de origem oriental, em cosmologias indígenas,
em correntes espiritualistas, no esoterismo
clássico europeu e até em propostas inspiradas
em certos ramos da ciência contemporânea; e
não poucas vezes em todos eles,
simultaneamente, resultando em
surpreendentes bricolages. (MAGNANI, 1999:
12).
21
SHULGIN, Alexander e SHULGIN, Ann. PIHKAL: A Chemical Love Story. Berkeley: Transform
Press, 1991.
22
SHULGIN, Alexander e SHULGIN, Ann. TIKHAL: The Continuation. Berkeley: Transform Press,
1997.
69
2.1 Introdução
23
http://www1.folha.uol.com.br/folha/sinapse/ult1063u68.shtml, acessado no dia 8 de dezembro de 2009.
71
24
Campinas: Editora da Unicamp, 1998.
25
Cidade no litoral baiano que foi ponto de convergência hippie durante a década de 1970 (DIAS, 2004).
72
26
No resto deste texto utilizo de forma equivalente “fórum” e “comunidade”; não há como ser membro
apenas do fórum. Entretanto, sendo este o principal lócus de atividade (e de análise), é comum se referir a
ambos como sendo equivalentes.
27
Durante o ano ao longo do qual o trabalho de campo transcorreu, as seguintes modificações foram
observadas: “Passeata Verde – SP“, “Alice D” e “LSD” foram removidas da área de comunidades
relacionadas, sendo que: “Alice D” continua existindo na rede mais ampla do Orkut; “Passeata Verde –
SP” não foi mais encontrada numa busca na rede ampla do Orkut; e “LSD”, cujo dono é participador
também da Enteógenos sem Dogmas, foi apagada pelo Orkut, supostamente graças a acusações de outros
usuários da rede social a respeito da ilegalidade de seu conteúdo. Foi adicionada uma nova comunidade
relacionada “Receitas Éticas”.
28
Contudo, em algum momento ao longo do ano seguinte que não fui capaz de precisar, a comunidade
tornou-se “moderada”, ou seja, a entrada na comunidade precisa ser aprovada pelo dono ou por
moderadores para poder se efetivar.
74
cabe lembrar que eu não sou de nenhuma igreja, não me indentifico com
nenhuma doutrina... pois tbm às considero mto fechadas... [postado por
Diogo, outubro de 2007]
Cada vez que nos identificamos com um grupo de pessoas, seja por idéias ou
atitudes, estamos trocando nossa originalidade, nossa autenticidade como
indivíduos, por um plágio, e assim dificultando aquilo que há de mais
importante no uso de enteógenos que é o auto-conhecimento. Afinal, qual
seria o objetivo de usar um símbolo, senão a vontade de ser identificado
pelos outros como membro de uma turma? [postado por Rafael, novembro
de 2009]
A idéia é legal sim, o símbolo não iria indicar que somos iguais, que nos
vestimos iguais, ou que pensamos iguais... como você ver, todos aqui pensam
diferente... na minha humilde opinião seria apenas uma forma de se
expressar, e de identificar outros pessoas que entendem do assunto.
É através das diferenças e semelhanças que evoluímos. Só existe um grupo,
que é o ser humano, o resto são sub grupos, que têm outros sub grupos....
[postado por Edgar, novembro de 2009]
Não é muita filhadaputag** eles nos imporem que pra sermos felizes temos
que ter tal coisa, como um carro, um barco, um perfume, uma roupa....
E as crianças então o q sofrem com tanta propaganda, são alimentos
industrializados que matam de câncer, brinquedos fúteis, pedaços de plástico
que custam uma fortuna, e a historia da Barbie (aquela puta! rsrs) que a
maldita marca impõe até um padrão de beleza pra criança ja crescer se
espelhando nela, e hj vemos meninas de 10 anos anoréxicas com a auto
estima la em baixo....
E a maldita ostentação e status que o Marketing e a Televisão impõe, por
exemplo para ter sucesso com mulheres tenho que usar tal roupa, tenho q ter
tal carro...
Porra isso é felicidade? somos felizes em alimentar multinacionais que
patrocinam a desigualdade social??? [postado por Nunzio, agosto de 2008]
propõem uma conduta similar ao drop-out promovido por Thimoty Leary cinquenta
anos no passado:
o que eu penso em relação à atitudes do cotidiano é que devemos nos
esforçar pra depender cada vez menos desse sistema vicioso que rege a nossa
sociedade. O quanto pudermos nos desvencilhar disso, é o quanto estamos
ajudando a "mudar o mundo". [postado por Rafael, agosto de 2008].
vejo que 90% das pessoas que se aprofunda nos enteógenos, na meditação,
no vegetarianismo, no yoga, etc e tal... acaba querendo definitivamente ir
para o mato morar, chega a ser indiscutível... nem tem como enumerar os
benefícios... [postado por Thomas, outubro de 2008]
30
“Boa, educar nossas crianças para ter compaixão? empatia? consciência ecológica, religiosa e política?
hehehehe isso ia ser show!” [postado por Nunzio, agosto de 2008]
80
podem ter seu uso banalizado (ou seja, desprovido de seu valor espiritual e
psicológico), ou até mesmo serem usados como ferramenta de lavagem cerebral.
Voces acham que a tendência é as pessoas buscarem espiritualidade em suas
próprias casas e em grupos, ou a tendência vai ser o surgimento de novas
igrejas que vão se aproveitar dessa novidade e vão banalizar as plantas assim
como banalizaram cristo??
Já vemos grupos por aí praticando lavagens cerebrais, membros alienados
brigando em diversas comunidades, acusações e calúnias no mundo
ayahuasqueiro que acaba demonstrando o contrário que a planta promove nos
sentimentos das pessoas, assim como algumas igrejas cristãs fazem com
cristo... e pregam totalmente o contrário que o coitado do homem promovia...
[postado por Nunzio, outubro de 2007]
Claro que com enteógenos também é possível fazer lavagem cerebral.. sem
dúvidas..
pois tudo o que você está ouvindo e sentindo naquele momento está entrando
por um canal muito mais profundo que a sua sã consciência.. está entrando
pelos corredores obscuros do seu cérebro.. onde vai mexer justamente com o
que carrega a sua essência.. o seu modo de viver.. entende? [postado por
Diogo, abril de 2008]
Agora, sobre lavagem cerebral com enteógenos, eu sempre achei q seria uma
coisa impossível de se fazer...mas essa opinião tá mudando cada vez
mais.....a CIA pode não ter conseguido, mas tem uns chá-mans
[ayahuasqueiros] aqui no Brasil q por incrível q pareça tão se dando muito
bem com isso!!
[postado por Rafael, abril de 2008]
Se “não existe nada que não seja espiritual”, qual a diferença entre um uso
recreativo empreendido por um membro do fórum com o uso recreativo de um junkie?
Na perspectiva de muitos membros do fórum, há certas práticas e posicionamentos que
tornam possível uma recreação responsável ou consciente. Um membro do fórum
ressalta a importância de uma pesquisa cuidadosa antecedendo o uso:
Sobre ler, eu sempre leio muito, mas muito mesmo sobre qualquer coisa que
eu esteja querendo experimentar. Eu sempre acho que o conhecimento, nesse
caso, é fundamental, para que nada de ruim aconteça. [postado por Laila,
abril de 2008]
Um outro membro propõe que, para além das intenções do uso, há uma atitude
adequada ao se abordar uma planta31 enteógena:
[...] respeito com os enteógenos acima de tudo, são seres muito sábios e
muito poderosos, não os menospreze e NUNCA jogue algum deles no lixo -
os devolva de onde tirou, da mãe natureza, em outras palavras: enterre as
plantas que tem [postado por ?Glandula Pineal, Setembro de 2008]
32
Os fosfenos são imagens geométricas caleidoscópicas produzidas na visão humana em algumas
condições – por exemplo, quando pressionamos o globo ocular ou quando ingerimos psicodélicos.
83
estado mental desejado (o set e o setting, hipótese elaborada por Timothy Leary na
década de 1960). Um membro coloca:
Eu sou da opinião... Que o 'set' e 'setting' importam muuuito. Mas muito
mesmo. Por isso que 90% das minhas experiências com psicodélicos
aconteceram aqui dentro de casa. [postado por Laila, abril de 2008]
Não existe uma concordância geral sobre o que constitui o melhor setting.
Alguns se sentem confortáveis em fazer suas viagens em casa; outros consideram isto
absurdo e tem um forte apreço por espaços abertos. A maioria recomenda que as
viagens sejam feitas com privacidade, seja em ambientes internos ou externos. Locais
próximos ou em meio à natureza são altamente valorizados. Algumas vezes, a escolha
de um local é relativa ao efeito desejado: alguns membros relatam que viagens em
ambientes fechados tendem a ser mais introspectivas, assim como o ambiente noturno
favorece a introspecção.
Quanto ao set, os aspectos enfatizados pelos psiconautas como sendo relevantes
foram a intenção envolvida no uso, o estado emocional no momento do uso e,
principalmente, estar preparado intelectual e emocionalmente para receber o que a
planta oferece. Um membro enuncia o estado mental adequado para a utilização de
enteógenos:
[...] jamais sinta medo do que os efeitos vão lhe mostrar, não tente de jeito
nenhum resistir ou lutar contra os efeitos, apenas entregue-se e deixe fluir...
[postado por ÄÎÞíËåÞÎ íË ÎãåÑ, agosto de 2008]
33
iMAO é a sigla para inibidores de enzimas MAO. Estas enzimas são responsáveis pela quebra no
sistema digestivo de diversas substâncias psicodélicas (sendo a mais conhecida o DMT). Plantas contendo
84
inibidores de enzimas são tomadas em conjunto com as substâncias psiquedélicas para torná-las ativas por
via oral ou amplificar seu efeito. A mais famosa combinação de plantas envolvendo iMAO é a da
Chacrona (Psychotria viridis) com o Mariri (Banisteriopsis caapi), que compõem a preparação conhecida
por “ayahuasca”. A mistura de outras plantas que contém DMT e iMAO compõe uma bebida comumente
chamada na cena psiconáutica de “anahuasca”; o uso da combinação de DMT e/ou iMAO isolados
quimicamente (podendo envolver material vegetal como o outro elemento da combinação) compõe um
preparado conhecido como “pharmahuasca”.
85
sustentou que o LSD não é um enteógeno, por ser uma substância sintética, ilegal e
depender de contato com o crime organizado para sua aquisição.
É importante notar que dada a importância atribuída pelos membros ao set e ao
setting, a questão da classificação das substâncias gira em torno mais do potencial
enteogênico de uma substância, ou seja, o potencial de um uso para o que estes
psiconautas entendem como autoconhecimento ou aprendizado; a maioria dos
freqüentadores considera que a enteogenia constrói-se através da relação entre o
usuário e a planta, entrando em consideração ambientes, quantidades e o estado de
humor e intenção do usuário.
As discussões a respeito de que substâncias possuem ou não potencial
enteogênico se orientam frequentemente segundo quatro eixos.
O primeiro eixo atravessa a divisa entre “psicoativos sintéticos” e “psicoativos
naturais”, onde alguns consideram que apenas os “naturais” podem ser considerados
enteógenos legítimos. Como colocado por um membro,
As plantas sempre são mais seguras em seu contato com nossa consciência,
além de proporcionar ensinamentos profundos elas curam o nosso corpo
físico através da limpeza do organismo, nesse fator o LSD é deficiente e por
isso mesmo algo estagnado que será abandonado de vez por futuros
psiconautas. [postado por SOM, outubro de 2009]
Pensando mais um pouco aqui....esse lance de ver tudo que passa pela mão
do homem como pecaminoso e degradante é herança de um paradigma bem
velho e retrógrado hein ....remontando o mito do pecado original .... acho que
já falei isso aqui antes hehe ...mas enfim, acredito que, nessa nova Era que
estamos entrando, é importante aprender a ver nós mesmos como partes
legítimas e integrantes da natureza, capazes de modelar, desenvolver e
potencializar seu potencial criativo inato. E na minha opinião, o LSD é um
perfeito exemplo de façanha bem-sucedida nesse sentido. Não o vejo como
artificial, o vejo como uma resposta adequada e inevitável à situação do
tempo em que surgiu. Albert Hofmann foi apenas um mediador de algo que
veio de muito além do mundo humano. O LSD não é uma invenção humana,
é alguma coisa que simplesmente usou a capacidade inventiva do ser humano
para entrar em cena. [postado por Rafael, setembro de 2009]
88
e NÃO existe insight com benflogin, nem que você reze ou medite por dias
observando a pílula de benflogin ele será melhor que o LSD, mesmo os
impuros... [postado por Thomas, dezembro de 2008]
O terceiro eixo gira em torno dos efeitos físicos indesejáveis de uma substância;
a presença de ressaca, potencial de quimiodependência, e toxicidade a curto ou longo
prazo podem indicar, para os membros, que um psicoativo não se enquadra como
enteógeno. Como alguns membros argúem,
Visto a tolerância social, o alto grau de dependência, a indução de consumo e
o estrago físico causado pelo álcool, esta é a verdadeiramente perigosa. O
álcool deturpa valores, provoca um número exorbitante de mortes e não traz
absolutamente nada de revelador. [postado por Felipe, dezembro de 2007]
Por fim, o quarto eixo que estrutura esta discussão é o histórico de uso
tradicional/indígena. Um pouco mais deve ser dito disto; pois a comparação (e
oposição) de nossa sociedade com culturas indígenas ou a referência a suas práticas é
recorrente no fórum. Em uma discussão, dois membros entraram em conflito
legitimando argumentos opostos (acerca da necessidade de doutrinas e dogmas na
utilização de enteógenos) através de suas percepções de sociedades indígenas:
Agora .. vejamos só!!!
A cultura indígena não se compara com igreja alguma, mas sabe porque???
Porque os índios são muito mais rigorosos.. pra eles as leis são para ser
cumpridas ou você é morto ou expulso da tribo.. um jovem índio deve agir
como tal.. caso contrário ele sofre sérias consequências...
89
Na tribo tem um Chefe.. é o Xamã, curandeiro, pagé. e por aí vai!! ele tem a
palavra final.. [postado por Diogo, outubro de 2008]
Cara, você realmente tem que estudar um pouco mais sobre a cultura
indígena.
Faço projetos de antropologia sobre povos indígenas, já tive contato com
muitos, e nunca vi nada disso que você citou.
A sociedade indígena é totalmente anárquica, em que, os papéis de cada um
na tribo são determinados segundo sua própria vontade. Aquele que nasce,
com o dom de oração, com um forte espírito de liderança, é, naturalmente
encaminhado à devida posição de cacique. É uma posição que exige muita
responsabilidade, pois este, antes de qualquer coisa, deve prezar pelo bem
estar e felicidade da tribo. Assim como o Pajé, que é normalmente, aquele
que se interessa por plantas, viagens espirituais e curas. O guerreiro da tribo,
é normalmente o indivíduo com mais sangue frio e com melhores aptidões
físicas.
Todas as regras na cultura indígena são extremamente práticas: Por exemplo,
não se deve ingerir ayahuasca quando a pessoa não teve a alimentação
correta, por simplesmente, eles saberem que ele vai ficar mal, vomitar as
tripas e ter uma peia terrível. [...] [postado por Felipe, outubro de 2008]
Certamente, não cabe a nós neste texto decidir qual dos retratos de sociedades
indígenas é o mais adequado aos dados etnográficos de que dispomos; é suficiente que
mantenhamos em mente que estes membros articulam estes “índios” em seus discursos
como uma orientação ou referência em vias de considerar as práticas dos psiconautas
modernos e da sociedade técnica em geral.
Esta afinidade dos membros da comunidade com sociedades indígenas não é,
também, inédita – sendo recorrente na contracultura das décadas de 1960 e 1970, desde
os beats até os relatos “antropológicos” de Castañeda – o que me leva a supor que esta
referência aos índios constituiria outro legado da contracultura aos psiconautas. De
forma similar à da contracultura precedente, as práticas e conceitos provenientes de
sociedades indígenas constituem uma alternativa às práticas e conceitos da sociedade
técnica, sendo valorizadas por sua percebida conexão e proximidade com a “natureza”.
Neste sentido, elas operam como referências a serem buscadas em via de orientação a
respeito do que constitui um viver “harmônico”.
As sociedades indígenas, em seu estatuto de “outro”, muitas vezes não fazem
julgamentos de valor como aqueles aos quais os psiconautas se vêem submetidos
quando são tidos por drogados ou viciados; os psiconautas recorrem a elas como quem
recorre a tradições milenares que podem oferecer legitimidade a suas práticas
contemporâneas.
Os membros oferecem, contudo, mais uma razão para se referirem às sociedades
indígenas ou tradicionais em vias de importar práticas e conceitos a respeito do
90
ideologia. Aí voltamos ao que eu havia lhe dito, se não quer ter suas
"certezas" particulares ameaçadas, guarde-as em foro íntimo, e isso vc agora
percebeu pois se abstém do diálogo pra ficar com a crença inquestionável,
mas ainda assim tenta sair pela tangente dizendo que concordar com vc é
questão de bom senso e consciência. Eu não concordo, então no seu juízo
moral certamente me falta consciência e bom senso, mas consciência e bom
senso é justamente o que eu estou buscando ao levantar essas questões, ao
contrário de vc que não está aberto a questionamentos e ainda se sente em
condições de assumir a posição de juiz. Então, se o que vc tem a me dizer é
que vc está certo simplesmente pq "sabe" q ta certo, sinto muito, mas não
vejo nada além de moralidade nisso. [postado por Rafael, agosto de 2008]
35
Os links para a raiz (home) destes sites: Cogumelos Mágicos (http://www.cogumelosmagicos.org/),
Growroom (http://www.growroom.net), Plantas Enteógenas (www.plantasenteógenas.org), Erowid
(www.erowid.org), NEIP (www.neip.info), Associação Pró-Fungos (http://www.profungos.com.br) e
Avisos Psicodélicos (http://avisospsicodelicos.blogspot.com).
93
sobre as substâncias e fornece link para diversos outros sites e textos informativos a
este respeito. O NEIP é sigla para “Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre
Psicoativos”, um núcleo de pesquisas brasileiro que reúne pesquisadores de diversas
áreas das ciências humanas e adota uma postura abertamente anti-proibicionista. A
“Associação Pró-fungos” não se pretende conectada de forma alguma à práticas
psiconáuticas; trabalha com a distribuição de esporos de fungos pelos correios visando
a manutenção destas espécies no ecossistema36. Temos por fim o site “Avisos
Psicodélicos” que é um blog que coleta e redistribui textos científicos tratando de
psicoativos.
2.5 Análise
Contudo, julgamentos desta sorte por vezes ocorrem no fórum: reclama-se que
um determinado assunto está “desvirtuando” um tópico, ao conduzi-lo para fora dos
trilhos delineados ao início da discussão; ou, os membros consideração a deleção do
tópico ou post, quando julgam que seu tema não se relaciona com o tema-proposta da
comunidade. É comum que, nestas condições, os membros recorrem à autoridade do
dono ou moderador da comunidade. Exemplifico estes julgamentos com as palavras dos
próprios membros:
particularmente acho esse Post completamente improdutivo para a
comunidade.
por mim nem faria parte da Enteógenos Sem Dogmas.... até deixaria a parte
do DXM mas a parte do benflogim só vai servir pra desvirtuarmos nosso
foco e gerar discussões ridículas que não condizem com a proposta da
comunidade.
O que acham de apagarmos? quem manda na comunidade são os
membros..... vcs decidem [postado por Nunzio, novembro de 2008]
[...] eu sei que esta comunidade tem um filosofia mais aberta, "boa
vizinhança" mas acredito, assim como Rafael, que isso foge completamente
do tema da comunidade.Não estou dizendo para apagar o tópico nem nada,
apenas para criarmos mais consciência e não misturarmos as coisas, existem
centenas de comunidades por ae que voltadas a estes assuntos.[postado por
Luca, novembro de 2008]
CONCLUSÃO
BIBLIOGRAFIA
DELEUZE, Gilles. Desert Islands and Other Texts: 1953-1974. Los Angeles:
Semiotext(e), 2004.
DIAS, Lucy. Anos 70: Enquanto corria a barca. São Paulo: Editora Senac, 2004.
o&ots=3TFntKPSSm&sig=viCa7tsbtcbJXLGpJu8b0nW0II0#v=onepage&q=&f=fals
Acessado no dia 9 de dezembro de 2009.
GATSON, S. N. "The Body or the Body Politic? Risk, Harm, Moral Panic and Drug
Use Discourse Online". In: MURGUÍA, E., TACKETT-GIBSON, M. e LESSEM, A.
(orgs.) Real Drugs in a virtual World: Drug discourse and community online. Lanham:
Lexington Books, 2007, p. 23-44
HENMAN, Anthony. O que nos ensina o San Pedro? O que nos ensina a folha de
coca? 2005. Disponível em: http://www.neip.info/index.php/content/view/90.html
Acessado no dia 8 de dezembro de 2009.
108
KOZINETS, R. V. “The Field Behind the Screen: Using Netnography For Marketing
Research in Online Communities”. Journal of Marketing Research, Chicago, Vol.39,
Num. 1, p. 61-72, fev. 2002. Disponível em:
http://www.nyu.edu/classes/bkg/methods/netnography.pdf Acessado no dia 9 de
dezembro de 2009.
MAGNANI, J. G. O Brasil da Nova Era. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor Ltda.
Disponível em:
http://books.google.com.br/books?id=B4ZR5lbRquwC&printsec=frontcover&source=g
bs_navlinks_s#v=onepage&q=&f=false Acessado no dia 9 de dezembro de 2009.
SHORTER, Edward. A History of Psychiatry: From the Era of the Asylum to the Age of
Prozac. New York: John Wiley & Sons, 1997. Disponível em:
http://books.google.com.br/books?id=-
110
STRASSMAN, Rick. DMT: The Spirit Molecule. Vermont: Park Street Press, 2001.
Olá gente.
Estudo antropologia na UFMG e de uns tempos pra cá decidi juntar meu
interesse nos enteógenos com minha prática científica. Decidi fazer de minha
monografia uma espécie de etnografia online sobre psiconautas, assunto bastante
inédito na antropologia (especialmente aqui no Brasil, onde as religiões ayahuasqueiras
drenam bastante atenção dos antropólogos). Uma etnografia é um estudo de um grupo
ou comunidade, na qual o antropólogo busca se inserir e comunicar-se com os
membros, para em seguida construir um relato etnográfico onde ele constrói abstrações
a respeito das idéias e práticas daquele grupo/comunidade.
Comecei pesquisando acepções do termo "psiconauta" pela via do google, e em
seguida parti em busca de uma comunidade que me fornecesse material para analisar.
Meu interesse na psiconáutica partiu da minha própria experiência de contato com essas
pessoas, que usam psicoativos de forma bastante diferente da retratada pela mídia e que
escapam dos clichês do discurso médico e legal sobre drogas e vício. Quero apresentar
esta forma alternativa de relação com os psicoativos ao discurso acadêmico.
Eu já participava da comunidade (por conta própria e sem pretensões
acadêmicas) há bastante tempo, postando de forma esporádica. Alguns dos membros
"épicos" (hahaha) daqui devem me conhecer dessa ou de outras comunidades. Sempre
achei as discussões daqui as melhores e mais ricas. Daí acabei decidindo por estudar as
discussões desta comunidade.
Conversei com o Nunzio e ele apoiou a idéia. Me propuz a colocar a monografia
acessível para discussão e comentários da comunidade uma vez que esteja pronta.
Decidi também que seria importante seguir algumas regras éticas que são importantes
em etnografias, como só citar no texto material quando autorizado pelo autor.
Daí, eu queria saber o que vocês acham. E também se tem alguém que de
antemão autorize a citação de material postado aqui (com a opção de anonimidade).
Abraços a todos! (:
112
Chega de ignorância, se você está aqui por pura diversão ou pela busca de
espiritualidade, seja bem vindo, só não será tolerado o desrespeito das crenças e estilos
de vida levada entre os membros.
O Amor, a Harmonia e a Ética são princípios para a evolução do homem, são expostos
no nosso dia a dia por diversos veículos de comunicação, mas não são praticados.
Portanto se alguma discussão não o agradar evite atritos, faça a ‘POLÍTICA DA BOA
VIZINHANÇA’.
Pratique o Altruísmo”