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AS TRÊS ZONAS DIALETAIS EM MINAS GERAIS – DISCUSSÃO DOS

CRITÉRIOS UTILIZADOS PARA ESTA DIVISÃO1

Dinara Cássia Silveira Gonçalves – UFOP2

Thaís Fernanda da Silva – UFOP3

RESUMO: Pretende-se, com este artigo, promover uma discussão a respeito da pesquisa de
mapeamento lingüístico do estado de Minas Gerais, retomando a proposta feita pelo
pesquisador Mário Roberto Zágari (cf. Zágari, 1977). Trata-se da proposição da existência de
pelo menos três falares diferentes no estado: um falar baiano (situado na região norte do
estado), um falar paulista (presente no triângulo mineiro e no sul do estado) e um falar
mineiro (englobando a capital Belo Horizonte e cidades vizinhas e as Zonas da Mata,
Metalúrgica e Vertentes). Considerando-se que outras pesquisas lingüísticas (cf. Rangel e
Antunes, 2001) já constataram a existência de localidades nas quais não se observam as
características dialetológicas propostas por Zágari, discute-se até que ponto os critérios
utilizados nesta divisão são válidos para a totalidade das regiões delimitadas, visto que se trata
de critérios gerais que agrupam áreas muito extensas.
PALAVRAS-CHAVE: variação lingüística, ALiB, ALEMIG, falares mineiros

Introdução

Por iniciativa dos professores José Ribeiro e Mário Roberto Zágari (UFJF), na década
de 1970, foi feito um mapeamento do português falado em Minas Gerais, pesquisa extensa
que culminou com a delimitação, por parte dos pesquisadores, de pelo menos três regiões
mineiras com preferências lexicais, fonéticas e ritmos de fala distintos.

O presente artigo tem por objetivo retomar a divisão feita pela pesquisa de Zágari et
al. (1977), discutindo os critérios e a metodologia utilizada nessa pesquisa, além de apresentar
a metodologia proposta no Atlas Lingüístico do Brasil (doravante ALiB), que poderá

1
A produção deste texto foi orientada pela professora Ana Paula Antunes Rocha, coordenadora do ALiB em
Minas Gerais e orientadora de IC das autoras, e pela professora Leandra Antunes, pesquisadora do ALiB em
Minas Gerais.
2 Graduanda em Letras pela Universidade Federal de Ouro Preto e bolsista de iniciação científica do CNPq.
3 Graduanda em Letras pela Universidade Federal de Ouro Preto e bolsista de iniciação científica do CNPq.
contribuir para os estudos dialetais em todo o país e cujos dados poderão ser usados para se
refletir a respeito da divisão proposta no Esboço de Atlas Lingüístico de Minas Gerais
(doravante ALEMIG), organizado por Zágari, a respeito dos “falares mineiros”. Para tal,
foram feitas uma revisão de literatura utilizando o próprio ALEMIG e uma discussão que teve
por base outros trabalhos que tratam da variação lingüística.

Com as novas perspectivas dos estudos dialetais e a possibilidade de, com o ALIB, ser
feito um mapeamento mais amplo e completo em todo o país e, obviamente, também em
Minas Gerais, faz-se necessário voltar ao início das pesquisas do gênero, como uma forma de
avaliar se a metodologia e os resultados da época em que foram realizadas são válidos ainda
hoje. Sendo o ALEMIG o pioneiro dos trabalhos de grande porte produzidos com dados
mineiros a respeito da variação lingüística, não haveria outro caminho a não ser voltar a ele
como ponto de partida para esta avaliação.

A metodologia utilizada no ALEMIG

Com o objetivo de obter dados mais precisos para a confecção do Atlas de Minas
Gerais, os pesquisadores optaram por uma pesquisa direta com a aplicação de um questionário
em 116 municípios mineiros, distribuídos por todas as regiões do estado. Apesar da grande
dimensão territorial de Minas Gerais, da falta de recursos e das dificuldades de acesso a
determinados municípios, era importante a aplicação dos questionários in loco. Isto deixaria o
informante mais à vontade (sendo entrevistado em sua própria casa, ou no local de trabalho),
propiciando uma fala mais espontânea e garantindo a maior precisão dos dados.

Foi elaborado um questionário próprio para a pesquisa, composto por 415 perguntas.
O objetivo das questões era o de fazer com que o informante mostrasse como pronunciava
determinadas palavras (como sereno e banana, por exemplo) e as preferências lexicais que
apresentava. As perguntas buscavam informações lexicais e fonéticas pertencentes às áreas
semânticas: homem, animais, água e terra, e foram aplicadas através de entrevistas semi-
dirigidas.

Os informantes poderiam ser homens ou mulheres, casados ou solteiros, e deveriam


ser pessoas nascidas na localidade, com idade entre 30 e 50 anos, e, preferencialmente,
analfabetas, ou com, no máximo de escolaridade, a quarta série do primeiro grau (hoje, quinto
ano do Ensino Fundamental).

As entrevistas eram feitas ao mesmo tempo com vários informantes, entretanto havia
um principal, cujas respostas eram as únicas levadas em consideração. Os demais, que
deveriam também ter as características citadas anteriormente, auxiliariam na confirmação ou
enriquecimento das informações dadas.

Resultados obtidos para a confecção do ALEMIG – os três falares mineiros

Através da análise das respostas, foi possível constatar que em cada região mineira
analisada havia particularidades lingüísticas, características próprias de pronunciar certas
palavras, realçando a diversidade de “falares”¹ do estado. Foram encontradas, também,
palavras diferentes mas com mesmo valor semântico. Por exemplo: ramona (grampo), chuva-
de-flor (granizo), zelação (estrela cadente), entre outras.

Nas análises das entrevistas registradas na região norte do estado, englobando as


localidades de Mantena, Galiléia, Governador Valadares, Nacip Raydan, Água Boa, São
Sebastião do Maranhão, Itamarandiba, Várzea da Palma, João Pinheiro e Paracatu, foi
encontrada uma pronúncia com:

predominância de vogais pré-tônicas baixas, como [Or´valu], [sE´renu], a


presença da africada [ts] antecedendo a vogal alta [i], como em [´mutsu],
[´otsu], além do [t] e [d] como coronais, [i´dadi], [´deti] e a nasalidade
ocorrente fora da sílaba tônica: [bã´nãna] ou [kãmiŋãw]². (ZÁGARI, 2005)

Estas mesmas características podem ser percebidas na pronúncia dos falantes baianos.
Por ser o norte de Minas uma região fronteiriça com a Bahia, é possível deduzir que
influências sociais, culturais e, portanto, lingüísticas avançaram as barreiras geográficas e
influenciaram o modo mineiro de falar. Além da pronúncia, as cidades localizadas no norte de
Minas demonstraram preferências pelo uso de determinadas palavras, como china (bola-de-
gude), neve (cerração), chuva-de-flor (granizo), entre outras.
Na região que engloba as cidades de Passa Vinte, Liberdade, Andrelândia, Lavras,
Oliveira, Pará de Minas, Divinópolis, Vazante, Bom Despacho, Dores do Indaiá, São
Gotardo, Patos de Minas e São Gonçalo do Abaeté (localidades do Triângulo Mineiro e sul de
Minas), foi encontrada uma pronúncia caracterizada pela presença marcante do [r] retroflexo,
próxima da encontrada no interior do estado de São Paulo. Segundo o que se concluiu no
ALEMIG, tanto paulistas quanto mineiros do sul do estado e do Triângulo apresentaram a
mesma fala nas entrevistas, como na pronúncia das palavras aborto, alpargata e embornal e
em relação às preferências lexicais, em ocorrências como rabicó (animal sem rabo) e chuva-
de-rosa (granizo).

Contrapondo-se a essas duas regiões, há uma área central, classificada por Zágari
como a região onde se manifesta o falar mineiro (nomenclatura de Antenor Nascentes). Esta
área do estado (envolvendo as cidades de Belo Horizonte, Diamantina, Muriaé, Ouro Preto,
Sete Lagoas, Viçosa, São João Del Rey, Juiz de Fora e arredores), apresentaria traços
lingüísticos particulares, diferentes dos encontrados, segundo a pesquisa, no norte de Minas,
nas regiões do Triângulo e no sul do estado. Uma destas características é a ditongação de
vogais finais precedidas de sibilante (por exemplo, arro[i]z, e nó[i]s).

Foram traçadas, então, na elaboração do ALEMIG, isoglossas (fronteiras geográficas)


dos falares característicos de cada região.

Divisão das
isoglossas
delimitadas
pelo ALEMIG.
As áreas fragmentadas representam uma instabilidades de determinada característica (no caso do mapa acima,
lexical) em relação àquelas demarcadas pelo tracejado contínuo.

Discussão

A divisão proposta pelo ALEMIG é discutível na medida em que, devido à grande


extensão do estado e mesmo das áreas delimitadas para cada “falar”, é possível que não haja
homogeneidade em relação às características descritas por Zágari em 1977. É o caso, por
exemplo, da cidade de Patos de Minas³, que, embora localizada na região do Triângulo
Mineiro, parece não apresentar o uso freqüente do [r] retroflexo, como aponta o ALEMIG.

Outro caso problemático na divisão proposta no ALEMIG diz respeito às vogais orais
faladas nas cidades de Ipatinga, Coronel Fabriciano e Timóteo (Vale do Aço), em
contraposição às faladas na capital Belo Horizonte. Uma pesquisa desenvolvida a fim de
descrever as vogais pré-tônicas dessa região (cf. RANGEL e ANTUNES, 2001) demonstra
que, no Vale do Aço, há uma tendência maior de abaixamento das vogais e e o, o que
aproxima o falar dessa região ao falar “abaianado” do norte do estado e demonstra que há
heterogeneidade na região que, segundo Zágari, apresenta as mesmas características (o Vale
do Aço está dentro da região delimitada pelo ALEMIG como parte do falar mineiro,
juntamente com Belo Horizonte e a região central do estado).

O Projeto ALiB poderá ser útil no estabelecimento de novos critérios para a divisão
dos “falares” de Minas Gerais, pois, a partir de seus dados será possível confirmar ou refutar o
que se encontra no ALEMIG. Levando em conta que este projeto é portador de uma dimensão
muito maior de análises e registros (uma vez que abrange áreas mais extensas de pesquisas),
torna-se interessante e, ao mesmo tempo, fundamental, contrapô-lo aos dados e aos meios
usados na construção do projeto ALEMIG, para se ter a percepção das diferenças entre as
coletas de dados dos dois projetos e sua possível influência nos resultados obtidos.
Apresentamos, então, a seguir, o projeto.

O Projeto Atlas Lingüístico do Brasil – ALiB

Em 1996, durante o Seminário “Caminhos e Perspectivas para a Geolingüística no


Brasil”, realizado na Universidade Federal da Bahia, foi retomada a idéia do Atlas Lingüístico
do Brasil – ALiB, projeto que visa mapear o português falado em toda a extensão territorial
do país.

Sua idéia foi lançada em 1952, a partir de decreto do Governo Federal, que incumbia a
Comissão de Filologia da Casa de Rui Barbosa da responsabilidade de sua execução.
Entretanto, sua efetivação não era ainda possível por conta de dificuldades encontradas na
época em relação tanto a verbas quanto ao deslocamento, entre outros empecilhos. Optou-se,
então, pela realização de atlas lingüísticos regionais, sendo produzido, entre estes, o
ALEMIG.

A metodologia do ALiB

Para a construção do ALiB, são coletados dados de informantes de ambos os sexos,


pertencentes a diferentes níveis sociais, diferenciando-se do “homem adulto, rurícula,
analfabeto e sedentário” (o HARAS), identificado por Zágari (cf. ZÁGARI, 2005 p. 52). O
fator geracional também é levado em consideração, o que não se vê no ALEMIG. A escolha
de diferentes informantes é importante, porque fatores como sexo, idade, classe social (entre
outros) podem exercer influência nas características da fala de um indivíduo.

Outro ponto que diferencia o ALiB de outros atlas lingüísticos é o fato de que, além
dos campos fonético-fonológicos e léxico-semânticos, sua pesquisa abrange outros fatores. O
questionário do projeto contempla também aspectos morfossintáticos, pragmático-discursivos,
metalingüísticos, além de apresentar-se como um estudo etnolingüístico.Trabalhos desta
natureza (etnolingüística) vêm sendo recentemente produzidos. Por exemplo, o Atlas
Lingüístico-etnográfico da região Sul do Brasil, Atlas Etnolingüístico dos pescadores do
estado do Rio de Janeiro e Atlas Etnolingüístico do Acre (cf. MOTA e CARDOSO, 2006 p.
23).

Além disso, os inquiridores participam de um treinamento, uma espécie de


capacitação, para auxiliá-los na coleta dos dados. Eventualmente são realizados workshops
para se discutir o andamento do projeto, treinamento da equipe, redefinição do trabalho, etc.

Diante da análise da metodologia utilizada na pesquisa do ALiB, é perceptível que ela


contempla mais especificidades da língua e que pode, assim, confirmar ou refutar com maior
certeza a presença ou não de certa característica na fala de determinada região. Esse fato,
aliado ao treinamento dos inquiridores, é determinante para os resultados e as conclusões da
pesquisa, pois confere a ela um caráter tanto mais abrangente quanto mais efetivo (visto que a
coleta de dados se faz de forma mais homogênea e os inquiridores têm, após treinamento,
maior facilidade e preparo para o trabalho a ser feito).

Alguns dos municípios constantes na pesquisa do ALEMIG estão entre os 23


selecionados para serem percorridos pelo ALiB (por exemplo, Juiz de Fora, Ouro Preto,
Viçosa e Uberlândia). Após a coleta desses dados, será possível fazer uma comparação com
os dados do ALEMIG além de, a partir da comparação de dados colhidos na mesma pesquisa
e a partir dos mesmos métodos, traçarem-se novas isoglossas.

Considerações finais
O trabalho de Zágari teve grande importância tanto como pioneiro nos estudos
dialetais em Minas Gerais, quanto no contexto nacional, por ser mais uma contribuição na
descrição do português falado no país. No que diz respeito ao estado, sua divisão em três
zonas dialetais, ou três falares, é o primeiro caminho da descrição da língua efetivamente
falada por aqui, e tem enorme utilidade para os estudos atuais na medida em que é possível
comparar seus dados com dados coletados na atualidade, além de ser uma base de auxílio para
pesquisadores neste novo século. A maior facilidade de locomoção e acesso aos municípios
mineiros, e as novas tecnologias disponíveis, propiciam a realização mais prática de trabalhos
de sondagem e mapeamento lingüístico, inclusive o ALiB, e a partir dos novos dados
coletados, também a comparação com estudos anteriores.

Deve-se levar em consideração que a língua está em constante processo de variação e


mudança, e que é natural, portanto, que haja, principalmente com o passar de décadas,
modificações tanto na pronúncia de determinadas palavras, quanto nas escolhas lexicais dos
falantes. Portanto, apesar de dados mais recentes serem capazes de distinguir áreas dialetais
diferentes das descritas por Zágari, não se pode desconsiderar a importância daquele estudo
(ALEMIG), afinal, a partir dele foi possível ter-se uma visão do português falado em Minas
Gerais, e sua existência abriu caminho para novos estudos.

Notas explicativas
¹
Cabe ressaltar a preferência do pesquisador pelo termo “falar” em detrimento de “dialeto”. A
definição e distinção entre “falares” e “dialetos” não é muito clara, e, apesar de Zágari preferir
utilizar o termo “falares”, acreditamos que o termo “zonas dialetais” também seja pertinente.
Não tratamos, porém, neste trabalho, dessa discussão.

² Devido a eventuais problemas de visualização de alguns caracteres próprios do Alfabeto


Fonético Internacional, convencionou-se aqui que: O = vogal baixa, aberta; E = vogal baixa;
ts = africada.

³ Não foram encontradas pesquisas publicadas a esse respeito, mas há a intuição, por parte de
alguns pesquisadores, de que nessa cidade não ocorre regularmente a pronúncia do [r]
retroflexo, como se nota em Uberlândia, em Uberaba ou em outras cidades da região.

Referências Bibliográficas
ANTUNES, L. B. ; RANGEL, C. V. A. R. . Descrição das vogais orais do português falado
na região do Vale do Aço. Principium (UNILESTEMG), v. n 1, p. 93-103, 2001.

MOTA, J. A.; CARDOSO, S. A. M. (orgs.). Documentos II: Projeto Atlas Lingüístico do


Brasil. Salvador: Quarteto, 2006

ZÁGARI, M. R. L.; RIBEIRO, J. ; PASSINI, J.; GAIO, A. Esboço de um Atlas Lingüístico


de Minas Gerais - v. 1. 1. ed. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 1977. v. 1. 244
p.
ZÁGARI, M. R. L. Os Falares Mineiros: Esboço de um Atlas Lingüístico de Minas Gerais.
In: Vanderci de Andrade Aguilera. (org.). A Geolingüística no Brasil - trilhas seguidas,
caminhos a percorrer. 1 ed. Londrina: Editora da Universidade Estadual de Londrina, 2005,
v. 1, p. 45-72.

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