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CSCL e Matemática

Uma reflexão sobre Aprendizagem Colaborativa suportada por Computador (CSCL) e

a sua aplicação no ensino da Matemática do Ensino Básico

Paulo Azevedo

Mestrando em Comunicação Educacional Multimédia na Universidade Aberta, 2009

Resumo

A eficácia da aplicação das novas tecnologias no ensino da Matemática do Ensino Básico

está dependente da alteração de paradigmas pedagógicos e de formação contínua. A

utilização dos meios tecnológicos na sala de aula deve ir muito além da mera exploração

individual de conteúdos ou das práticas centradas no professor. A abordagem da CSCL na

Matemática tem sido fruto de investigações empíricas, com a observação, em contexto, das

interacções entre elementos de um grupo e de como estas contribuem para a construção do

conhecimento em Matemática. Com este trabalho pretende-se fazer um breve

enquadramento da CSCL e de como os quadros interactivos e os computadores podem

constituir poderosas ferramentas que favoreçam aprendizagens significativas e eficazes.

Introdução

Com a proliferação de computadores em todas as escolas portuguesas, nos vários níveis de

ensino, importa abrir algumas portas para a investigação sobre a utilização dos mesmos no

ensino. No ensino da Matemática, verifica-se que, no dia-a-dia das escolas, os meios

tecnológicos à disposição começam a ser utilizados nas práticas pedagógicas com mais

frequência. As salas de aula estão equipadas com material informático e alguns docentes
integram esse material na sua prática lectiva. Os estudos teóricos que se debruçam sobre a

elaboração ou utilização de software educativo são variados e baseiam-se em teorias de

aprendizagem, distintas das abordagens cognitivistas que se centram nos processos de

aquisição de conhecimento como processos individuais, mas relacionadas com as

abordagens sócio-construtivistas, que indicam que a construção do conhecimento é feita a

partir da interacção social. O estudo destas últimas abordagens conduz à reflexão sobre

como podem estes paradigmas, também embebidos na metáfora da participação de Sfard,

serem aplicados nas escolas portuguesas. Esta abordagem tem por base a investigação de

Gerry Stahl e de outros investigadores que reflectem sobre a CSCL a partir de observações

empíricas dos efeitos que a interacção entre alunos têm na construção de conhecimentos.

O que é CSCL?

A CSCL, Aprendizagem Colaborativa suportada por Computador, “é um ramo das ciências

da aprendizagem que estuda como as pessoas podem aprender em grupo com o auxílio do

computador” (Stahl, Koschman e Suthers, 2006). Este ramo é sustentado pelos

desenvolvimentos teóricos na área da teoria social da aprendizagem, especificamente

relacionados com a utilização das tecnologias que, ao longo da década de noventa, foram

tomando lugar na teoria da educação. A necessidade que levou ao desenvolvimento desta

teoria foi originada pelo aparecimento de software que apenas promovia a aprendizagem

individualizada e isolada. Perante esta necessidade, desenvolveu-se a investigação em

CSCL a partir do início da década de 1990. Mas, segundo Stahl (2006), esta teoria surge de

uma evolução da investigação que, desde a década de 1960, se referia ao trabalho

cooperativo como aquele que consistia na divisão de tarefas num grupo e na junção final

das participações individuais dos elementos do grupo. É importante fazer a distinção, pois

na aprendizagem colaborativa os elementos do grupo fazem o trabalho em conjunto,


negoceiam e partilham entendimentos (significados) relevantes para a resolução do

problema em questão (Roschelle e Teasley, 1995, citados por Stahl, 2005).

A suspeita de que a utilização de computadores na educação levaria a uma desumanização

e a actividades anti-sociais é combatida pela abordagem teórica preconizada pela CSCL. O

que uma aprendizagem colaborativa preconiza é, portanto, a construção do conhecimento

através da participação em actividades de grupo. Na dicotomia que estabelece entre

metáfora da aquisição e metáfora da participação, Sfard realça duas visões de como se

processa a aprendizagem. A primeira encara a mente humana como um contentor ou

recipiente (Beireter, 2002, como citado por Stahl, 2008) onde se acumula o conhecimento. A

segunda encara a construção do conhecimento como um processo de participação em

actividades. A questão centra-se então nas “actividades” que possam permitir uma

construção significativa do conhecimento e não no sentido tradicional do “conhecimento”

(Paavola, Lipponen e Hakkarainen, 2002). Com a CSCL, pretende-se desenvolver

investigação em contexto que permita promover aprendizagens colaborativas com o apoio

do computador. Segundo esta perspectiva, o conhecimento é construído a partir da

negociação e da participação em actividades de grupo.

Stahl tem tido um papel importante no desenvolvimento da investigação sobre CSCL na

Matemática, nomeadamente no desenvolvimento do projecto Virtual Math Teams, que

abordaremos mais à frente, a partir do qual se investiga a forma como grupos de alunos,

que recorrem a uma ferramenta online de edição colaborativa, constroem o conhecimento

em grupo. Uma vez que a construção do conhecimento se faz através da interacção entre

os elementos do grupo (group cognition), a investigação sobre CSCL faz-se, em grande

parte, analisando a conversação realizada nos chats quando os alunos resolvem, online, um

problema em grupo. Desta forma, o conhecimento é visto como algo construído

colectivamente como uma construção do grupo e não como uma aquisição meramente

individual, uma vez que o mesmo resultou dos diálogos e da negociação estabelecidos entre

os alunos. Na base da CSCL há um conjunto de conceitos que se relacionam num processo


de construção do conhecimento. O conhecimento é construído pela unidade grupo e é fruto

não de uma mente isolada mas das interacções entre os elementos do grupo. Nestas

interacções incluem-se várias fases, desde um objecto ou situação que é o foco de atenção

do grupo, passando pelas afirmações que cada elemento produz e pela compreensão

partilhada e negociada, até chegarmos ao conhecimento colaborativo. Este conhecimento,

quando exteriorizado, gera artefactos, que são culturais (imagens, documentos e outros) ou,

quando interiorizados, são cognitivos. Por exemplo, perante um problema matemático, um

grupo/turma, através da discussão/negociação, pode atingir significados partilhados que

constituirão uma possível resolução do problema (um esquema, um gráfico, uma clarificação

verbal do problema, um conjunto de cálculos). A esta resolução encontrada pelo grupo dá-se

o nome de artefacto ou artefacto de conhecimento. Um artefacto interiorizado pelo grupo é

um artefacto cognitivo que irá mediar futuras interpretações de novas situações. A

construção de conhecimento colaborativo gera a construção do conhecimento pessoal e

este também contribui para que o primeiro processo se inicie. No entanto, para Stahl (2003),

o conhecimento colaborativo é construído, não pelas participações de cada elemento na

actividade de grupo, mas pela interacção entre os diferentes elementos do grupo.

O discurso gerado na resolução do problema, no contexto da Matemática, fruto da

interacção entre os diferentes elementos do grupo, é o que vai gerar o novo conhecimento

(cognição em grupo). A função do professor é a de tornar claro o processo, chamando a

atenção para aspectos que já foram referidos e que possam ser indispensáveis na

clarificação de significados.

No entanto, a aprendizagem colaborativa apoiada por computador também deve ocorrer na

sala de aula. O quadro interactivo é uma ferramenta poderosa que permite a participação

dos alunos na construção do conhecimento. Os computadores que, nas escolas, já fazem

parte das práticas lectivas podem e devem ser usados como suporte à aprendizagem

colaborativa.
CSCL, TIC e Matemática

Numa análise sobre o livro “Thinking as communicating: Human development, the growth of

discourses and mathematizing”, de Sfard (2008), Stahl refere que “a Matemática pode ser

conceptualizada como um discurso a partir do qual as pessoas participam na construção

social de objectos matemáticos; por causa dessa participação, elas podem compreender e

individualizar elementos do discurso” (Stahl, 2006). Tanto Stahl como Sfard consideram que

o conhecimento matemático é construído socialmente, assim como todo o conhecimento em

geral. A apropriação cognitiva individual é realizada a partir dos artefactos culturais criados

na interacção com o grupo. O importante não é investigar como cada indivíduo processa a

informação (perspectiva cognitivista/construtivista), mas como é que a interacção no grupo

produz novos conhecimentos que individualmente não seriam possíveis de produzir.

A actual investigação de Stahl, em conjunto com outros investigadores, sobre a aplicação da

CSCL na Matemática, centra-se no projecto “Virtual Math Teams”, criado em 2003, na Drexel

University of Philadelphia, desenvolvido por um grupo de professores coordenados pelo

próprio Stahl. No Math Forum (http://vmt.mathforum.org/VMTLobby/commons/index.jsp)

daquela Universidade, os alunos, online, utilizam as salas de conversação e os recursos

disponíveis na plataforma para produzirem discurso matemático e construírem

conhecimento matemático. Estas salas de conversação são constituídas por espaços

específicos: uma área de trabalho onde os alunos desenham, escrevem fórmulas,

esquematizam e onde a situação/problema é apresentada, de forma síncrona e cujas

alterações são visíveis instantaneamente pelos membros do grupo presentes; um espaço

onde se conversa escrevendo mensagens e lendo as mensagens de outros elementos do

grupo; um conjunto de ferramentas que podem ser utilizadas para editar texto, imagens,

esquemas ou fórmulas no espaço de trabalho; um conjunto de páginas semelhantes à área

de trabalho onde se edita informação específica (summary, wiki, topic, browser, help, test e

outras que se podem inserir).


Em 2009 tem-se assistido à instalação de quadros interactivos na globalidade das escolas

portuguesas. No entanto, estes recursos já são utilizados desde o início da década, em

escolas de outros países, como os Estados Unidos da América ou o Reino Unido. A

implementação globalizada de quadros interactivos em Portugal é muito recente, pelo que a

grande maioria dos professores não tem preparação prática nem teórica para integrarem os

quadros interactivos, com todas as suas potencialidades que vão muito além da

possibilidade de projecção de imagens, nas suas práticas de ensino, apesar das acções de

formação que se começaram generalizar em 2008/2009. As formações dadas tem sido no

sentido de ensinar professores a utilizar o software disponível nos quadros interactivos, mas

não de promover práticas pedagógicas inovadoras e eficazes, com recurso aos

computadores ou aos quadros interactivos. Além disso, a promoção de práticas de reflexão

sobre o ensino com recurso às TIC (tecnologias de informação e comunicação) parece longe

de ser implementada. No entanto, o quadro interactivo constitui uma ferramenta pedagógica

que vem alterar os paradigmas das práticas de ensino da Matemática assim como do ensino

em geral. Em todas as salas de aula, o quadro interactivo está virado para a turma. Ele é

colocado no lugar ou ao lado do quadro tradicional que era utilizado anteriormente. Portanto,

é uma ferramenta que assume um papel físico central na sala de aula e que pode ser

facilmente integrada nas actividades da turma. A eficácia da utilização do quadro interactivo

na educação depende da forma como o professor o utiliza nas suas práticas. Como referem

Higgins, Beauchamp e Miller (2007), “as boas práticas de ensino são sempre boas práticas

de ensino, com ou sem a tecnologia; a tecnologia só pode melhorar a pedagogia se os

professores e os alunos se envolverem com ela e compreenderem o seu potencial de tal

forma que a tecnologia não seja vista como um fim em si mesma, mas como mais um meio

pedagógico para se alcançarem objectivos de ensino e de aprendizagem”. Para que se

possa verificar uma eficaz utilização pedagógica deste e doutros recursos, é necessário que

a fase de deslumbramento seja ultrapassada. Depois, a formação assume um papel

essencial nesta área, desde que permita a observação empírica da utilização do quadro
interactivo em contexto de sala de aula e contribua para a reflexão sobre as práticas

realizadas e sobre a eficácia das mesmas.

Na pouca investigação existente, em países com maior implantação, verifica-se que o

quadro interactivo trouxe ganhos efectivos na motivação dos professores e dos alunos, mas

não há provas claras sobre como o quadro interactivo melhorou o discurso matemático na

sala de aula, a eficácia das estratégias de ensino ou as aprendizagens dos alunos (Higgins,

Beauchamp, Miller, 2007).

A quantidade de software existente que permita a exploração de conteúdos matemáticos

com o quadro interactivo é já considerável, mas é essencial que as práticas de ensino

conduzam à construção do conhecimento em grupo, através da interacção entre os alunos e

da exteriorização do pensamento matemático (discurso matemático), mais do que pela

exploração individual de interactividades. A apropriação colectiva do conhecimento

matemático, através da utilização de quadros interactivos e de computadores, é essencial

para que estes recursos estratégicos se tornem ferramentas de inclusão e não de exclusão.

Os computadores na sala de aula foram, até há pouco tempo, vistos como anti-sociais e

formas mecânicas e desumanas de ensino (Stahl, 2006). Os recursos tecnológicos de

ensino não constituem, em si mesmos, maus recursos. A sua utilidade e eficácia resulta do

uso que é feito deles. A CSCL propõe o desenvolvimento de software e aplicações que

propiciem aprendizagem em grupo e que ofereçam actividades promotoras de exploração

intelectual e interacção social (Stahl, 2006). No entanto, de uma forma geral, a utilização do

computador para resolução de problemas, pesquisa, ou outras actividades de grupo,

constitui possibilidades de construção de conhecimento em grupo, fruto da interacção entre

os seus membros, em oposição à utilização do computador como mero dispositivo de

apresentação de conteúdos de exploração individual. O papel do computador passa de

mero fornecedor de instrução para suporte de colaboração, através da oferta de meios de

comunicação e apoio à interacção produtiva dos alunos. (Stahl, 2006)


Conclusão

Reflectiu-se sobre as potencialidades da CSCL e a sua aplicabilidade nas escolas

portuguesas, agora que se generaliza o apetrechamento das mesmas com recursos

tecnológicos, como os computadores e os quadros interactivos. Pretende-se abrir caminho

para investigações sobre as práticas pedagógicas realizadas nas nossas escolas, com

recurso às TIC, e sobre o impacto que a CSCL pode ter na implementação de práticas

pedagógicas eficazes no ensino da Matemática.

Referências:

• Higgins, S., Beauchamp, G., Miller, D. (2007). Reviewing the literature on interactive

whiteboards. Learning, Media and Technology, Routledge, Vol. 32, N.º 3, pp. 213-

225. Disponível em: http://voiceofsandiego.org/pdf/whiteboards.pdf.

• Orey, M. (Ed.) (s/d), Learning, Teaching and Technology, Ebook:

http://projects.coe.uga.edu/epltt/index.php?title=Main_Page.

• Paavola, S., Lipponen, L., Hakkarainen, K. (2002). Epistemological Foundations for

CSCL: A Comparison of Three Models of Innovative Knowledge Communities.

Disponível em:

http://www.helsinki.fi/science/networkedlearning/texts/paavola_et_al_2002.pdf.

• Sfard, A. (1998). On Two Metaphors for Learning and the Dangers of Choosing Just

One. Educacional Researcher, Vol. 27, N.º 2, pp 4-13.

Disponível em: https://www.msu.edu/~sfard/two%20metaphors.pdf

• Stahl, G. (2000). A model of collaborative knowledge-building. Apresentado em:

Fourth International Conference of the Learning Sciences (ICLS '00), Ann Arbor, MI.

pp. 70-77. Disponível em: http://GerryStahl.net/cscl/papers/ch14.pdf.

• Stahl, G. (2004).Building collaborative knowing: elements of a social theory of CSCL.

In J.-W. Strijbos, P. Kirschner & R. Martens (Eds.), What we know about CSCL: And
implementing it in higher education. Boston, MA: Kluwer Academic, pp. 53-86.

Disponível em: http://GerryStahl.net/cscl/papers/ch16.pdf.

• Stahl, G., Koschmann, T., Suthers, D. (2006). CSCL: An Historical Perspective.

Baseado num capítulo de: R. K. Sawyer (Ed.). Cambridge Handbook of the Learning

Sciences. Cambridge, UK: Cambridge University Press. Disponível em:

http://www.ischool.drexel.edu/faculty/gerry/cscl/CSCL_English.pdf.

• Stahl, G. (2006). Group Cognition, Computer Support for Building Collaborative

Knowledge. Acting with Technology Series. MIT Press. Disponível em:

http://www.cis.drexel.edu/faculty/gerry/mit/stahl%20group%20cognition.pdf.

• Stahl, G. (2008). Book review: Exploring thinking as communicating in CSCL.

International Journal of Computer-Supported Collaborative Learning, 3(3), 361-368.

Disponível em http://dx.doi.org/10.1007/s11412-008-9046-4.

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