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O Carapuceiro

(2008)
DECIFRA-ME OU TE DEVORO

...por que elas acreditam, então?, perguntávamos todos no último


capítulo sobre as pinoquices infantis dos hombres. Com a ajuda da comadre
Dory Hollander e do copo sobre a mesa branca, tentaremos desvendar o
mistério.
A psicóloga bagaceira arrisca várias respostas. Uma delas: as mulheres
acham que ceticismo e romantismo não podem andar juntos, sob pena de
estragar as coisas. Bonito isso, minha gente.
Dona Hollander nos separa, os machos, em dois blocos: os perigosos e,
digamos, aéticos, que abusam da mentira, que enganam por "esporte e lucro",
de forma inescrupulosa; os mentirosos ocasionais, que se mostram
dissimulados sob pressão e desviam a realidade com pequenas lendas,
artifícios para se livrar da "fúria feminina".
Nessa categoria estão também aqueles que poderíamos chamar de
canalhas líricos, inocentes galanteadores como o personagem Bertrand
Morane, no filme "O homem que amava as mulheres", do velho Truffaut,
padrinho sentimental deste cronista.
Dublês de d. Juans, os Bertrands apenas enfeitam, douram a realidade
nas suas peregrinações em busca das mulheres.
Seja qual for a sua classificação, a leitura do livro "As mentiras que os
homens contam" pode ser feita de forma séria e compenetrada, na linha auto-
análise, ou apenas como um delicioso chiclete para a mente, ora. Fiquem, pois,
queridas leitoras, como essa pequena amostra grátis:
"As únicas fantasias sexuais que tenho são com você".
"Você é maravilhosa, merece alguém melhor do que eu".
"Relaxe, é apenas uma amiga".
"Vou deixar minha mulher".
"O que me atrai em você é a sua mente".
"Não, não acho você gorda".

MENTIR É EDITAR A VIDA

No varejo ou no atacado, quase todos nós já fomos ou continuamos


incorrigíveis Pinóquios. Pequenas mentiras ou mentiras sinceras sempre nos
caem bem como uma calça de tergal de brechó. Não carecemos nem citar aqui
a sociologia, as estatísticas ou os grandes cronistas de usos e costumes. Vale
lembrar, no entanto, que a mentira tem pernas curtas sim, mas são lindas e
bem torneadas como as das pequenas sereias e outras mulheres lendárias do
cinema.

Todos cometemos o pecado ou o deslize da mentira, uma forma talvez de


editar, montar nossos próprios filmes, adequar a vida às nossas conveniências.
Mas há uma diferença considerável entre homens e mulheres nesse capítulo.
Ora, as fêmeas não mentem simplesmente, elas têm o dom de iludir, coisa
mais sofisticada, como na canção de Noel Rosa. Os machos, coitados,
simplórios, abusam amadoristicamente deste recurso tão natural quanto a água
e o óleo de peroba.
É isso mesmo, até os melhores exemplares da raça masculina cometem as
suas trapaças, dissimulações, subterfúgios, maquiagens na cara de Mr. Hyde
da quase sempre insuportável realidade. Do presidente da corte superior ao
trombadinha. A diferença é que uns ainda coram, enquanto outros não estão
nem ai para as faces infestadas por bandeirosos cupins.

Todo esse lero-lero tão-somente para dizer que folheei dia desses, na espera
do dentista, “101 mentiras que os homens contam _e por que elas acreditam”
(ed. Ediouro), da norte-americana Dory Hollander, um clássico da psicologia
barata. Aliás, nem no dentista foi, o fato deu-se no consultório do homeopata,
quer dizer, no analista, digo, no proctologista...

Minto. Comprei mesmo o livro no sebo, por dever de ofício, e o devorei, olhos
de traça. Que mentira que lorota boa, seu escriba de meia tigela, seu Zelig, que
fica inventando desculpas para as leituras mais vagabundas.

Dane-se, comprei, folheei, não li direito mas gostei pacas. E quer saber, é um
clássico da psicologia popular universal. Está para a fofoca de salão como “A
Interpretação dos Sonhos” [de Freud] está para a psicanálise. São frases que
podem ser ditas tanto em Manhattan como no sertão do Crato. Dona Hollander
fez uma pesquisa séria, DataPinóquio, sobre nossas mentiras e nossas piores
promessas.

Vai de um inocente "estou cansado demais" a um irresponsável "eu te amo"


_dito na hora errada à mulher errada, no lugar errado”. Começo, meio e fim e a
nossa cuca ruim, como na canção do príncipe Ronnie Von. Por que elas
acreditam, então? Tentaremos decifrar o enigma no próximo post. Inté logo
mais.

BARRAQUEIROS CORAZONES

O amor, se é amor, não se acaba de forma civilizada.


Nem no Crato...nem na Suécia.
Se ama de verdade, nem o mais frio dos esquimós consegue escrever o
“the end” com o dedinho no gelo sem uma quebradeira monstruosa.
Fim de amor sem baixarias é o atestado, com reconhecimento de firma e
carimbo do cartório, de que o amor ali não mais estava.
O mais frio, o mais cool dos ingleses estrebucha e fura o disco dos
Smiths, I Am Human, sim, demasiadamente humano esse barraco sem fim.
O que não pode é sair por ai assobiando, camisa aberta, relax, chutando
as tampinhas da indiferença para dentro dos bueiros das calçadas e do tempo.
O fim do amor exige uma viuvez, um luto, não pode simplesmente pular
o muro do reino da Carençolândia para exilar-se, com mala e cuia, com a
primeira costela ou com o primeiro traste que aparece pela frente.
DA ZOOLOGIA FANTASTICA

pensei todos os dias em ti ou em ti todos las lunas como quem pensa nos
axolotes, nos leões marinhos ou nos pôneis selvagens do faroleiro de cabo
polônio, testemunha ocular de amores inventados e naufra’gios épicos de
sudamericas y outros fundos falsos de mares y perdidos tesouros. te quiero e
mi corazon vagabundo num tira fe’rias por maiores que sejam as tentaciones
dos tristes tropiques.

CAMPANHA PERMANENTE PELA VOLTA DO CAFUNÉ

Dos dengos femininos, ou historicamente femininos, o que mais nos faz falta, é
o cafuné. Nos dias avexados de hoje, não há mais tempo nem devoção para os
delicados estalinhos no cocoruto do mancebo. Pela volta imediata do mais
nobre dos gestos de carinho e delicadeza. Nem que seja pago, como o sexo
das belas raparigas dos lupanares, mas que devolvam vossas mãos às nossas
cabeças.

Pela criação imediata da Casa de Cafunés Gilberto Freyre, como me propõe,


em sociedade, a amiga Maria Eduarda Risoflora Belém. Ótima idéia a ser
espalhada por todo o país. Milhares de casas, guichês, varandas, redes
debaixo de coqueiros, sofás na rua... Tudo a serviço dos breves e deliciosos
estalinhos dos dedos das moças.

Gilberto Freyre era um entusiasta do cafuné e a ele dedicou páginas e páginas.


GF, aliás, escrevia como quem dá cafuné, prosa mole, ritmo dos mais
sensoriais. Como também assenta palavras outro Freire, sem o estilingue do
Y, o Marcelino de “Contos Negreiros”.

Que machos & fêmeas sejam treinados, em um programa social de


emergência, para reaprenderem o hábito do cafuné.

Melhor: que seja feita uma campanha de saúde pública. Ah, quantas doenças
de fundo nervoso seriam evitadas, quantos barracos de casais seriam
esquecidos, quantos juízos agoniados seriam libertos!

Sem se falar no erotismo que desperta o dengo, como anotou outro sociólogo,
o francês Roger Bastide, no seu belo ensaio “Psicanálise do Cafuné”. Pura
libido.

Delícia de se sentir; beleza de se ver. O cafuné de uma mulher em outra, ave


palavra!, puro cinema, para além muito além do lesbian chic.

Como era comum, na leseira de fim de tarde, nos quintais e nas calçadas.
Ao luar, então, sertões e agrestes adentro, era puro filme de Kurosawa. O resto
era silêncio.

Ai que preguiça boa danada, ai que arrepio no cangote, quero de volta meus
cafunés.

Viver de brisa, como na receita de Bandeira, numa rede na rua da Aurora, sob
a graça dos dedos de uma morena jambo ou de uma morena caldo-de-feijão.

Como pode uma criatura, como esses rapazes de hoje, passarem pela vida
sem provar do êxtase de um cafuné

Pela obrigatoriedade do cafuné nos recreios escolares, nas missas, nos cultos,
nos intervalos dos jogos de qualquer esporte.

Não é possível que se condene toda uma geração a viver sem cafuné. Eis uma
questão de segurança nacional. Tão importante como aprender a assinar o
próprio nome. O cafuné, aliás, é a assinatura em linda e barroca caligrafia de
mulher.

A CANTADA PERMANENTE

A cantada, amigos, é como a revolução de Mao Tse-Tung, tem que ser


permanente.
Existem mulheres que a gente canta no jardim da infância para dar o
primeiro beijo lá pelos treze, quatorze.
Mas é necessário que a cante sempre, não aquela cantada localizada,
neoliberal e objetiva, falo do flerte, do mimo, do regador que faz florescer, como
numa canção brega, todos os adjetivos desse mundo.
A cantada de resultado, aquela imediata, é uma chatice, insuportável, se
eu fosse mulher reagiria com um tapa de novela mexicana, daqueles que
fazem plaft!
A boa cantada é a cantada permanente.
E mais importante ainda depois que rolam as coisas, depois que
acontece, aí a cantada vira devoção, oração dos pobres moços a todas elas.
Porque cantar só para uma noitada de sexo é uma pobreza dos diabos,
qualquer um animal o faz.
Porque cantar, à vera, é cantar todas e não cantar nenhuma ao mesmo
tempo.
Explico: é espalhar pacientemente a devoção a todas as mulheres como
quem espalha sementes nos campos de lírios.
Mesmo que elas digam, com aquele riso litografado na covinha do
sorriso, que você diz isso para todas.
E claro que para cada uma dizemos uma loa, fazemos uma graça, não
repetimos o texto, o lirismo, o floreado.
Porque amamos mesmo as mulheres.
Cantemos indiscriminadamente, e que me perdoe o velho e bom Vinícius
de Moraes, mas cantemos sobretudo as ditas feias, esse conceito cruel e
abstrato de beleza. Elas merecem, até porque as feias não existem, nunca
conheci nenhuma até hoje.
Não por sermos generosos, piedade, ou algo do gênero... É que a dita
feia, quando bem cantada, vira a superfêmea, para lembrar a bela
pornochanchada com a Vera Fischer.
A cantada permanente e indiscriminada é irresistível, quando você
menos espera, acontece o que você tanto sonhava.
Sim, tem que ter o cuidado para não ser simplesmente um chato que
baba diante do melhor dos espetáculos, a existência das mulheres.
Ter que cantar sempre a mesma mulher e parecer que está apenas de
passagem, que o estribilho é sempre novo, nada de larararás que mais
parecem refrões do Sullivan e do Massadas.
Ah, digamos que você cantou a Sônia Braga ainda naqueles tempos em
que Gabriela subiu com aquele vestidinho no telhado –a cena mais quente da
teledramaturgia brasileira até hoje- e e continuou cantando, sempre, sutil e
sempre, e agora ela, passados tantos calendários, se comove e resolve
recompensá-lo! Vai ser lindo do mesmo jeito, não acha? Na tela do nosso
cocoruto vai passar o videotape de todos os desejos antigos e despejados no
ralo pela morena cravo & canela.

CIGANA DE RODOVIÁRIA

Entre as velhas e novíssimas profissões, o que mais encanta são aqueles


ofícios joãogrilescos, entre a esperteza e a teimosia com a vida, um quase
desmamar pedras, vaqueiros de fazendas aéreas, malasartes da
sobrevivência, mungangas para manter-se no jogo e resistir à inevitabilidade do
sol seguinte a queimar as pestanas e cozinhar o juízo.

O cara que vive de rolo é um destes heróis. Transita ali quase na linha de
sombra da ilegalidade, não pega no alheio, mas bota para frente um bode meio
suspeitoso, uma bicicleta, uma sucata qualquer da feira do troca-troca. O
escambo, aliás, é a sua grande arte: é capaz de fazer de um moinho
enferrujado uma nova vida, é capaz de vender na folha as próximas duzentas
safras. Vender na folha é uma espécie de mercado futuro da roça, quando o
matuto vende seu milho ainda em bonecas.

Outro admirável ofício era o de fiscal de safadezas de forró, mais conhecido


como fiscal de pica, a criatura que ficava ali de um canto a outro do salão, com
uma varinha de marmeleiro em riste, pronto para flagrar e advertir os cabras
safados que dançavam na paudurescência, digo, em riste.

E assim a modernidade, para o bem ou para o mal vai ceifando muitos ofícios
das antigas. O menino de recado, por exemplo, foi extinto pela telefonia móvel.
E o jegue, amigo, não tem mais emprego depois da febre das motos. Graças a
Deus, porque os bichinhos eram muito maltratados pelos donos mais toscos.

Em compensação, meu caro, temos uma profissão historicamente novinha da


silva. Soube da sua existência pelo amigo Otto, sim, o viking do Agreste, o
galego mesmo. Trata-se da cigana de rodoviária, uma profissa e tanto.
O ramo é simples. A cigana chega para um viajante, o coitado ainda cheio das
confusões de São Paulo na cabeça, e desanda a acertar tudo sobre as suas
desilusões recentes, suas contrariedades do juízo, as dívidas, seus amores
deixados na poeira da estrada.

Otto descobriu porque tentaram lhe fazer de besta, em Aracaju, numa viagem
ainda com a banda Mundo Livre S/A, nos idos dos anos 90. O viajante se
espanta, inclusive porque a madame vai na mosca e repete frases inteiras que
ele acabara de dizer ao telefone daquela rodoviária. E você sabe, amigo, o
cabra lascado se ilude com o vento. O joãogrilismo aí é fácil, fácil: a cigana
mantém uma menina, daquelas sonsas do cabelo escorrido, ao pé de cada
orelhão, além de outras que acompanham os passageiros que falam nos seus
celulares.

Resultado: a cigana escolhe justamente as pessoas que contaram histórias


mais tristes, mais trágicas, ao telefone. Aí é só chegar e, pimba, é loa de tiro
certeiro no ouvido do camarada ou da senhorita. Se tiver dor de amor no meio,
entonce, danou-se, a desgraça está feita!

SONHOS DE UMA SIESTA*

Como é bom tirar uma sesta, abaixar a cortina e dar um risinho safado
para o capital que se esborracha lá fora; como é bom, mesmo para um falido,
ajeitar os travesseiros –de palha ou de pena de ganso- e cerrar os olhos para
sonhos pequenos. Uma sesta à sombra da toda-poderosa Federação das
Indústrias do Estado de São Paulo, a Fiesp, aqui perto do meu esconderijo;
uma sesta com os macaquinhos lá fora nos fios, como a minha sesta carioca;
uma sesta com as janelas abertas na rua da Aurora, a rua mais linda do
mundo, de onde avista-se Beberibes, Capibaribes, Áfricas, Tongas e
Polinésias...
A minha sesta ibérica, como na origem do costume, lá no Juazeiro e
Crato. Como é bom tirar uma sesta com uma nega enroscada aos pés, sono
leve de conchinha, colherzinha e quetais. Mas os dois precisam estar no
espírito da sesta. Uma alma em desassosego acaba com qualquer sesta,
sesta-de-favor não vale, cesta carece de savoir faire... Um gato ali pelas
nossas costelas –opa!, um felino de carne e osso, um bichano- que delícia.
Numa sesta não vale sonhos épicos, apenas sonhos pequenos,
daqueles que a gente realiza num piscar de olhos. Ou simplesmente deixa para
lá. Ridículo correr desembestadamente atrás de sonhos. Sonhos são filmes
grátis, que vemos deitadinhos, sem o barulho ridículo de pipoca ou de gente.
“Ei, morena linda que passa, vamos ao cinema?” Ai trago ela para a
sesta. Cinema é travesseiro e pezinho colado.
Os sonhos são feitos pelos cineastas mortos, jeito de ocupar-lhes no
purgatório. Coisa da aliança espúria de Deus e do Diabo.
Sesta: modo de usar. Quanto dura uma sesta? O ideal é que não se faça
o uso do despertador, que não seja um curta-metragem, que seja um filme que
se durma nele inteirinho, que se beije o olho de quem dormir primeiro e que se
faça uma oração baixinho para nunca acorda-las e sempre protege-las, ô Deus
guarde essa costela colada à minha e que esse suorzinho seja o superbonder
possível, a resina mais grudenta, que nos livre do fim, amém. Mas o amor
acaba, meu filho, sopra um anjo pousado no ombro de Paulo Mendes Campos,
que me diz baixinho, sossega, menino, esse coração.
A sesta com a bênção das mulheres e da minha mãe. “Meu filho, durma
pelo menos uma meia horinha depois do almoço”. Minha mãe chorava, no dia
em que fui embora, mas nada dizia além da receita da sesta. Mulher de
coragem: deixar aquele graveto, só o couro e o osso, ganhar a estrada apenas
com uma rede que ela botou no fundo da mala...
Como eu queria achar de novo essa rede e tirar a maior das sestas, mas
troquei por alguma coisa, vício, comida, sei lá, entre uns desalmados de um
cortiço do Recife, num sótão ali na Barão de São Borja. Até quando a usei, era
uma rede que balançava lágrimas e meus chinelos sempre acordavam boiando
de manhã.

(*Da coletânea "Boa Compahia -crônicas", ed. Cia. das Letras)

PARA REABRIR O APETITE DAS MOÇAS

Nada mais bonito do que uma mulher que come bem, com gosto,
paladar nas alturas, lindamente derramada sobre um prato de comida, comida
com sustança. Os olhinhos brilham, a prosa desliza entre a língua, os dentes,
sonhos, o céu da boca. Ela toma uma caipirinha, a gente desce mais uma,
sábado à tarde, nossa doce vida, nossos planos, mesmo na velha medida do
possível.
Pior é que não é mais tão fácil assim encontrar esse tipo de criatura.
Como ficou chato esse mundo em que a maioria das mulheres não come mais
com gosto, talher firme entre os dedos finos, mãos feitas sob medida para um
banquete nada platônico.
Época chata essa. As mulheres não comem mais, ou, no mínimo, dão
um trabalho desgraçado para engolir, na nossa companhia, alguma folhinha
pálida de alface ou rúcula.
A gente não sabe mais o que vem a ser o prazer de observar a amada
degustando, quase de forma desesperada, uma massa, um cuscuz
marroquino/nordestino, um cabrito, um ossobuco, um barreado, um bife à
milanesa, um chambaril, um torresmo decente, uma costela no bafo.
Foi embora aquela felicidade demonstrada por Clark Gable no filme ''Os
Desajustados'', quando ele observa, morto de feliz, Marilyn Monroe devorando
um prato. E elogia a atitude da moça, loa bem merecida, abafa o caso.
Toda preocupação feminina agora está voltada para a estatística das
calorias, as quatro operações da magreza absoluta, ditadura da tabuada, lero
lero, vida noves fora zero. É como se todas fossem posar para a ''The Face'' do
dia para a noite, fazer bonito nos editoriais de moda, vôte! Mal sabem que isso
não tem, para homem que é homem, quase nenhuma importância.
François Truffaut, o francês cineasta, padrinho sentimental deste
cronista, já alertava, em depoimentos registrados em suas biografias, o valor
insuperável das mulheres normais e o seu belo mundo de pequenas
imperfeições. Tudo sob medida das nossas taras sem réguas, sem balanças,
sem trenas.
Além do prazer de vê-las comendo, coisa mais linda, pesquisas recentes
mostram que as mulheres com taxas baixíssimas de colesterol costumam ser
mais nervosas, cricris, chatas, dão mais trabalho na rua, em casa, no bar,
pense no barraco!
Nada mais oportuno para convencê-las a voltar a comer, reiniciá-las
nesse crime perfeito.
Às fogazzas, aos pastéis, aos cabritos, ao sanduíche de mortadela, ao
lombo, de lamber os lábios, ao churrasco de domingo para orgulho do
cunhado, que capricha na carne e incentiva os seus pecados todos. E aquela
fava, meu Deus, com charque, enquanto derrete a manteiga de garrafa, último
tango do agreste...
O importante é reabrir o apetite das moças, pois homem que é homem, como
diz meu velhíssimo mantra, não sabe sequer _nem procura saber_ a diferença
entre estria e celulite.

LATIM SELVAGEM PARA O CARNAVAL

Em louvor à primeira manifestação carnavalesca da taba brasilis, donde os


bravos caetés de Coruripe, terra das Alagoas, devoraram o venturoso dom
Pedro Fernandes, o bispo Sardinha, no ano da graça de 1556, elencamos, com
a ajuda de nossos fiéis almocreves, expressões e sentenças à guisa de alerta
para a farra cristã da carne

Venus involucrum penis circensis: na hora brincante, não esqueça a camisinha

Urge copulatum ad empacotum est: vai comer aqui ou quer que embrulhe?

Caprina pestilenta: cabra da peste

Quot homines tot causae - relaxa, é só a cabecinha!

Animus peixeirum lucrandi fraternum: dá uma facada, pedir dinheiro a amigo

Copulatum et malum remuneratum: fodido e mal pago

Extra matrimonium cercatorium: ato de pular a cerca

Pari passu penis excitatum: o sr. está dançando armado

Impotentia generandi humanum est: brochar é demasiado humano

Vis corporalis introdutorium: sexo selvagem inadiável

Mutatis mutandis forevis: sobrou de novo para mim

Alea jacta est: ligar o foda-se


Caprina sine puditia: cabra sem-vergonha

Habeas bovinus intra línea: tem boi na linha

Simius antiquus intra cumbuca manus non metet: macaco velho não mete a
mão em cumbuca

Dominus jumentum! Frater tuo adjumentum!: seu burro! Ajuda teu irmão!

Cuique simius in cuique cornus: cada macaco no seu galho

Res bolah: coisas do futebol

Ego cornus tuus fragmentare: vou quebrar seu galho

Vade autofragmentare!: vai-te lascar!

Domus ferrari, spettus penis: casa de ferreiro, espeto de pau

Orificium beborium proprietarium nulus: cu de bêbado não tem dono

Tridum momescum finutum est: pra tudo se acabar na quarta-feira

Vedi, vini; nulus copulatum: e não comemos ninguém!

MIOJO SENTIMENTAL OU O AMOR NOS TEMPOS DO MSN

Em cinco minutos, pronto, você está lá na maior das intimidades com a


cria da sua costela. Tudo aquilo que demorava dias, meses, com as missivas
ou flertes da vida real, virou coisa de segundos nesse outro plano.
É o amor nos tempos do Messenger... Tudo muito rápido, espécie de
miojo sentimental, emoções baratas, 3,5 minutos, ferveu, fodeu!
Você nem carece pegar na mão, já vai direto pra cama, pra detrás da
moita mais platônica. Não carece nem cantar Paulinho da Viola, olá como vai,
quanto tempo, pois é, quanto tempo...
E não é coisa apenas desses moços, pobres moços. Minha amiga K.,
por exemplo, 55 anos, Madame Bovary dos tempos digitais, tem quatro
amantes “fixos” virtuais, além do marido de carne, osso e ronco, como ela
mesma diz. “Vou deixar um deles, pois não tem comparecido a contento”, solta
a blague. Todos jovens, quase donzelos, meu Deus.
Antes bastava ficar de olho na chegada do carteiro, o bravo homem de
amarelo, com o seu embornal de cobranças, boas novas ou lágrimas...
Amor e tecnologia... No princípio era apenas o bina, e matou o velho
mistério do telefonema mudo e anônimo. Ofegante, a criatura, apaixonada,
ligava só para ouvir a voz do obscuro objeto de desejo do outro lado da linha.
Ou mandava uma música do Rei, de preferência a mais romântica: “Vou
cavalgar por toda noite, numa estrada colorida...”
É, o telefonema dos desencorajados do amor, esse clássico das
antigas, está praticamente enterrado.
Depois, chegou a telefonia móvel. Uma revolução na crônica de
costumes. O fim de muitas desculpas canalhas. Tipo aquele homem que
tomava um chá de sumiço e voltava, batom até no lenço d´alma, com os álibis
mais inverossímeis desse planeta.
Outra alvissareira função do celular é fugir dos mal-assombros
sentimentais. Você quer ir numa festa e sabe que aquele infeliz pode estar lá,
serelepe, nos braços de uma “vagabunda” qualquer. Uma ligação e pronto, o
amigo dá o serviço completo das assombrações. Pena que o mesmo aparelho
também sirva para matar as surpresas, o friozinho na barriga, aquela coisa
toda, lembra?
O amor nos tempos do MSN (Multidão Sem Ninguém, como decifra a
hermanita Clarah). E o novo problema –amor & tecnologia- já está ficando
velho, não adianta resmungos e muxoxos dos nostálgicos precoces, já está
ficando velho, amigo, como se fosse um enigma grego, tipo assim decifra-me
ou te deleto: como transformar uma tara platônica em uma trepada homérica?

O AMOR E OS ANIMAIS OU PARECE MÚSICA DE ROBERTO CARLOS

Os animais de estimação são mais importantes no amor do que supõe a


nossa vã filosofia de boteco.
Importantíssimos.
Já terminei romances em que fiquei com tanta saudade da ex quanto do
seu bichano, cachorro e até dos ratos que roeram as nossas roupas de Roma.
Quando ainda morava no sertão, nos tempos pré-politicamente corretos,
gracias, ficava morrendo de amor pelos tatus criados em fundo de quintais,
preás de estimação, tejus, timbus, morrendo de amor pelos macacos e até
pelos papagaios, dá o pé, louro!
Também já ocorreu de ter mulheres, ou pelo menos consolidar boas
histórias amorosas, por demonstrar carinho e afeto com os tais quadrúpedes,
aves ou pássaros. Como sair de casa altas horas da madrugada para comprar
a ração do felino. E de quebra, trazer um patê especial para o bichano.
Sim, o amor passa pelos bichos, eu acredito.
Uma mulher que afaga e trata bem o meu cachorro, meu corvo Edgar A.
Poe, meu papagaio Florbé ou minha gata Margarita, marca pontos
importantíssimos, além de fazer o necessário, que é respeitar essas e
inocentes e existencialistas criaturas.
Claro que essa forma de ver o amado ou a amada nos seus animais de
estimação pode gerar também pequenos desastres. Uma amiga do Rio, por
exemplo, evitava as gracinhas do cão do seu ex sempre que ele aprontava.
Chegava a ser indelicada, grosseira, como se visse naquele labrador as
pisadas na bola do seu dono. Acontece. Afinal de contas os bichos ficam um
pouco, com o tempo, com os mesmos focinhos dos seus digníssimos
“proprietários”.
Além de tudo isso, pelos animais que possui se conhece mais um pouco
um homem.
Sério.
O cara que cria um gato tem muito mais chance de ser um homem
sensível, embora até enfrente um certo preconceito entre os seus amigos, que
insinuam uma certa viadagem, para usar o termo do qual abusamos nos
nossos encontros masculinos de futebol e boteco.
O homem que passeia orgulhosamente com o seu pitbull pode até não
ser um monstro, mas aquela focinheira já diz um pouco do seu dono, não? Não
que o cão tenha alguma culpa, ele está no mundo dele. O erro é de que o
desloca e o usa para outros exercícios.
Mas voltemos aos gatos, esses metafísicos e misteriosos animais.
Como eles dizem tudo sobre o amor e sobre nós. O casal briga e eles
incorporam o barraco. O último que conheci a fundo, de uma ex-mulher, o qual
ainda hoje vejo o vulto e tenho saudades (digo saudade do gato), quebrava
tudo, virava os objetos da casa pelo avesso, depois das nossas brigas.
Na harmonia e no amor intenso, lá estava ele, sempre aos nossos pés.
Como eles adoram ver e sentir os cheiros da hora do sexo. Eta bichanos
voyeuristas. Esse gato, especificamente, sempre se enroscava na cama depois
das nossas melhores noites. Dava uma passada como se para cumprimentar-
nos pelo afeto. Era o seu miau de parabéns, como se dissesse, a nos arranhar
de leve, “estão vendo como o amor pode dar certo, seus cachorros?!”

VOU BEIJAR-TE AGORA,NÃO ME LEVE A MAL

Se não é nada fácil a harmonia dos pombinhos em tempos normais, no


carnaval, valha-me poderoso Jeová, o knorr do amor entorna de vez.
Até o mais pudico dos casais prevarica, o mais convertido dos ex-
canalhas faz besteira, a mais sonsa das donzelas tira uma casquinha nas
ladeiras de Olinda e a mais guardada moça do caritó sente-se no jogo de novo
e vai à forra...
Vai à luta, justíssima, cheia de esperança, é a chance de pegar um
desses galegos importados das terras em que as mulheres não têm bunda,
recurso que não lhe falta, orgulhosa, feliz e fagueira proprietária de um
latifúndio dorsal imbatível. Daqueles capazes de deixar um membro do MST
louco para pular a cerca e cortar o arame farpado do desejo proibido.
O mais correto, para imitar Mark Twain no seu “Manual para a maldita
raça humana”, seria, durante o tríduo momesco, afrouxar o nó cego do
moralismo e deixar o bicho correr solto na capoeira.
Dama para um lado; cavalheiro para o outro. Se possível mascarados,
fantasia de clóvis, pierrôs e papangus, para o álibi ser completo, seja no “I love
cafusú” -o mais pecaminoso bloco do carnaval de Pernambuco-, na folia
brejeira de Aracati ou na “República do Beijo” lá em Diamantina.
Para que se desgastar em intermináveis e vexaminosos barracos
públicos? Melhor entregar a sorte aos ursos pés-de-lã e às ursas manhosas
que estão em todos os blocos, troças, cordões e fuzarcas.
Chifre de carnaval é fantasia, adorno, alegoria, não resiste à marca da
cinza cristã da quarta-feira, não sobrevive à ressaca moral da quaresma.
Não dói, não pega nada, no dia seguinte lá estarão vocês dividindo a
mesma aspirina, a mesma macaxeira com charque, o mesmo baião-de-dois
com nata, o mesmo feijão tropeiro, a mesma rotina-tapioca da harmonia dos
lares, a mesma sustança que nos refaz independentemente da lavagem de
roupa suja.
Então tá combinado, a partir de hoje cada um vai para o seu lado. Bom
se pudesse ser assim, fácil, mas o sangue quente não deixa, somos
passionais, corações ao molho pardo, corações à cabidela, vixe!
Não tem jeito, não há dica ou manual de bom senso, será sempre o
mesmo drama, “diz que me ama, porra”, como na canção clássica de Olinda.
Antes era mais leve, mais fácil mesmo, era só correr ao “Baile dos
Casados”, no Clube Atlético de Amadores, bairro de Afogados, no Recife, que
sempre foi genial nesse aspecto “gaiero”, um refúgio histórico da traição lúdica
e tão-somente carnavalesca. Evoé, Baco!
Óbvio, amigo, você ai que me cutuca ao longe, que existem os
pombinhos que se divertem lindamente juntos, numa boa, numa nice, na buena
onda da maresia social clube. Mas são tão poucos, amigo, que até esmoreço.
De casalzinho ou na safadeza propriamente dita, que brinque em paz e
que a ressaca lhe seja leve na quarta.

A PELEJA DO FROUXO X O CANALHA

“Pois saibam todos vocês: prefiro um bom canalha a um homem


frouxo.” A sentença de Carol, sem deixar um farelo de dúvidas sobre a mesa
repleta de bebidas e acepipes, fez com que alguns de nós levássemos a mão
ao queixo. como se todos virássemos, naquele instante, ingênuos pensadores
de Rodin ou paralisadas estátuas de sal, como na Bíblia. Pense. Pense em um
momento solene!

A frase nem era para tanto, mas saiu tão afirmativa, tão sem dúvida ou
vacilo, que balançou até a plaqueta do “Fiado só amanhã” do boteco.

Qualquer coisa, na boca de uma mulher bonita, vira imediatamente


certeza absoluta. Balança qual ventania mal-assombrada as garrafas de
cachaça com raízes ou cobras, estremece o alerta do fiado –coisa dos
devedores do outro mundo!-, seca o gloss, derrete qualquer batom, faz crescer
os lábios da bela moça como se fosse um nariz de Pinóquio, mesmo sendo a
mais absoluta verdade.

E convenhamos que o dito de Carol não era nada comezinho ou


inteiramente banal, embutia algum saber de rotina, alguma experiência, coisa
de quem viveu aquilo reiteradas vezes, aquilo que chamamos vulgarmente de
conhecimento de causa. Jurisprudência, eu diria, ela advogava baseada
involuntariamente em decisões anteriores da Justiça, mesmo que nas decisões
da instância divina, nem sempre superior ou suprema a essa altura.

“Pois saibam todos vocês: prefiro um bom canalha a um homem frouxo.”

Ela não repetiu a frase, não carecia, a frase ecoava como uma sentença
romana e voltava a balançar as garrafas, a mexer com os presentes, os vivos e
os que por ali passavam àquela altura.
O canalha, concluímos, sem que ela dissesse mais nada, merece mais
respeito porque é mais explícito, a mulher já entra na história sabendo, e ainda
pode ter momentos líricos, passionais, bonitos, pois todo canalha é, no fundo,
um devoto, ajoelha-se diante de uma fêmea como um romeiro diante do seu
santo predileto.

O frouxo representa, sem nenhum distanciamento, a maioria dos


homens contemporâneos e o chove-não-molha da hora. O indeciso, o confuso,
melhor, o “cafuso”, como dizia o velho Didi Mocó, essa gréia toda, essa onda,
essa fuleiragem social clube. O fraco não se apresenta para valer no jogo,
titubeia, faz que vai e acaba não “fondo”, como dizia, no seu genial futebolês, o
Dedeu, um desses tantos macunaímas da bola, cearense que brilhou (pelo
menos na prosódia) no Clube Náutico Capibaribe.

Triste escolha essa: o canalha ou o fraco. Mas vai ver, amiga, tem coisa
melhor por ai dando sopa. Só sei que nada sei sobre esse assunto, como diria
o grego complicado. Melhor ainda, como diria Roberto Carlos das antigas: “Só
agora eu sei, o que aconteceu/quem sabe menos das coisas/sabe muito mais
que eu!”

O HOMEM QUE AMAVA AS MULHERES -CRÔNICAS DE FILMES I

O amor e também seus arredores – como as paixões ou até mesmo uma


galinhada lírica – se move graças a um único combustível: a dificuldade. Eis a
gasolina azul dos que amam ou tentam. Dos que se apaixonam ou tentam. Dos
que perseguem um pedaço de beleza mundo afora, como o bravo Bertrand de
“O Homem que Amava as Mulheres”, filme e livro do xará François Truffaut
(1977).
Discorro sobre o tal combustível por ter esbarrado, dia desses, com o site
que permite o envio de mensagens, via e-mail, entre pessoas que se paqueram
no trânsito – que não é o meu caso, pedestre convicto e inveterado discípulo
do velho Johnny Walker, el Ruanito Camiñador. Eis que os tais sites prometem
resolver, na velocidade de uma ejaculação precoce, o drama inicial de Bertrand
na citada película. Qual graça há em eliminar os pequenos nós que nos levam
aos bons alvos? No amor, de nada adianta "solucionáticas", só
"problemáticas", para inverter o aforismo de Dadá Beija-Flor.
Estava o jovem Bertrand na lavanderia de mademoiselle Carmem, sua
chegada, quando avista as pernas – só o par de pernas da “esplêndida
desconhecida”, como diz o moço – e enlouquece. A bela dona desaparece e
ele só tem tempo de anotar a placa do veículo em um maço de Gitanes: 6720
RD 34.
O bicho endoida a cabeçorra. Vai no Detran local (que deve se chamar
Detran, mesmo, só que dito com biquinho) e tenta convencer os burocras da
necessidades do nome da proprietária do veículo que evadiu-se. Nada feito, a
França é uma Pátria séria e preserva a privacidade dos filhos seus. “Se a
pessoa tivesse batido no seu carro, ainda vá lá, pois a sua seguradora poderia
ter acesso aos dados da pessoa”, ouviu, oba!, mais ou menos assim, de outro
burocra gordinho com feições de Balzac dos Pobres.
Os olhos de Bertrand brilharam como nunca. Não teve dúvida: no
estacionamento mesmo cuidou de estilhaçar o farol traseiro e o pára-lama do
seu Renault ( ou Pegeout?) contra a mureta. Provocada a batida, retoma o
labirinto da burocracia para tentar o reencontro com as esplêndidas pernas
desconhecidas. Não havia visto sequer o rosto da moça, numa prova, como
tem discursado este mal-diagramado que vos fala, que mulher é metonímia,
parte pelo todo -basta uma omoplata, um rádio, um perônio, um queixo, uns
braços, uns pezinhos... para que nos apaixonemos. Claro que existem as
completinhas, ô, ou quase isso!
Um rew rápido ai na fita. Voltemos ao Truffaut amigo. Só sei que vai lá,
vem cá, guichês e mais guichês, advogado no meio, um buruçu danado, e o
jovem Bertrand finalmente se vê diante da sua perseguida. Uma hora de café e
conhaque depois... descobre que não está diante da esplêndida, mas da sua
prima, proprietária legal do veículo. O par de pernas, que atendia pelo batismo
de Marianne, já deixara a cidade, de volta a Montreal. Não que o nosso herói
não tenha apreciado uma metonímia qualquer na prima. Muito pelo
contrário. Gostou e mutcho, mas...
É que no trapézio do cocuruto já balançava outra idéia: Bernadette, a
recepcionista de uma locadora de carros onde Bertrand esteve na sua busca
pela identidade do par de pernas. “Se tiver algum problema, venha me ver”,
dissera a moça na ocasião. Lá ia Bertrand, novamente com o coração
despedaçado.
Mas sempre movido ao etanol de alguma dificuldade.
A boa conquista amorosa nunca dependerá do avanço tecnológico, dos
serviços profissionais, caso dos sites de encontros ou placas, e sim das
travas,cavaletes e pregos do caminho.
A boa conquista, amigos, nunca será uma corrida de 100 m livres. Será
sempre uma corrida com barreiras. Às suas marcas, senhores! Se forem
cantadas malas, corram Lolas, corram!

MAIS UMA CPI DO AMOR E DO SEXO

Uma amiga, senhorita F., entrou na caixa postal do correio eletrônico do


marido. Ih, lá vem a mesmíssima história, phodeu com ph, já vi esse legítimo
Hitchcock dos lares doces lares mil vezes, esse Stephen King do amor e da
sorte, esse ato bestialmente repetitivo e sempre monstruoso.
Pra completar, a senhorita F. deu uma sherlockadazinha também no
celula, de leve, enquanto o traste-costela via lesadamente o Fla-Flu de
domingo.
Um desastre.
Entre cantadas e semi-cantadas ou apenas bobagens virtuais, leros,
flertes, lirismos avulsos e outras gracitas..., a amiga entrou em desespero,
gritou, berrou, imitou o quadro do Munch, discutiu a relação por uma semana, e
quase acaba com aquela vida sob o mesmo teto até então reconhecida no seu
grupo de amizade como exemplar, honesta e íntegra. Casal invejável
meeeeesssmo.
O cabrón tinha algum caso para valer? Não. Algum namorico mais a
sério? Nada. Havia transado com alguém e comentava que foi bom, meu
bem?, essas coisas?! Nécaras. Só vadiagem internética, tipo a polícia prender
no carnaval por embriaguez e desordem,saca?
Tudo espuma flutuante, sem lastro de verdade, garrafas atiradas aos
mares da virtualidade e suas sereias ulyssianas.
Mas foi o bastante para uma baita crise. Quase uma ruptura. Além de ter
deixado a xícara amorosa trincada para os próximos cafés com torradas e
aquelas coisas lights que as moças tanto gostam.
Por estas e por outras é que não é nada recomendável quebrar o sigilo
postal do companheiro ou da fofolete.
Ora, quem, entre nós, resistiria a meia hora de quebra do sigilo amoroso
ou sexual?
Como na arrecadação de recursos para campanhas eleitorais, todo
mundo, até mesmo no mais escondido dos conventos de devotas beneditinas,
já teve o seu “caixa 2” do desejo. Em pensamentos, atos ou omissões, tanto
faz.
Em telefonemas, emails ou declarações bêbadas na madruga. No MSN,
entonces, ave palavra e más intenções!
Ninguém resiste a meia hora de quebra de sigilo. No amor, somos todos,
em alguma ocasião, corruptos. Em maior ou menor grau, todos damos nossas
pisadas ou nossas phodas platônicas.
Menos naquela hora em que a paixão por alguém nos toma 100% do
cérebro e a febre amorosa é capaz de quebrar termômetro. Depois passa, é o
que dizem, inclusive a ciência, que dá um prazo de validade às paixões de três
meses... ou seis meses, menos de um ano, com certeza –preguiça monstra de
entrar mais uma vez no google.
Nosso destino é pecar, como disse o pudico tio Nelson, padrinho
espiritual deste cronista. Por estas plagas, até a virtude prevarica.
Às sextas-feiras, então,já repararam como o cheiro de pecado toma
conta dos bares e é mais forte até do que o odor que vem dos ralos e bueiros?
Quem, entre nós, machos & fêmeas, resistiria a uma CPI do amor ou do
sexo?
Este cronista ficaria rico, na pele de um camelô de álibis. Ah, as lindas e
impagáveis fraquezas da carne.
As despesas com jantares à luz de vela denunciariam os amantes pelo
cartão de crédito ou no extrato para simples conferência. Os porteiros de
prédios e motéis seriam os mais perseguidos dos depoentes. Seria um inferno.
A melhor amiga ou o melhor amigo, estas instituições supostamente
vestais, também seriam convocados a depor. Na CPI do amor sobraria até para
o entregador de pizzas, que também sabe muito sobre os segredos de alcova e
adonde tudo termina.
Por estas e por outras, melhor abafar o caso, amor, passa o orégano.
Segue a vida, melhor, seguimos a morrer em vida, como diria meu amigo
Sêneca.
O AMOR, A CIÊNCIA & A CEBOLA

As coisas estão no mundo só que eu preciso aprender. Repare só no


informe que pesquei aqui e agora: cientistas da Nova Zelândia e do Japão
criaram uma cebola antilágrimas. Eles anularam, no alimento, a atuação de um
gene responsável pela sintetização da enzima que causa esta reação.
Como meu amor é cebola cortada, meu bem, na breguíssima canção
popular e à vera, ora, não vejo graça na notícia. Nada alvissareira, no que me
inspira até uma ingênua quadrinha gregoriana: “Só a cebola roxa/ fazia chorar
as resistentes/ agora nem com amor.../ nem com morte de parente”.

A GENTE SE VÊ - PARTE II

“A gente se vê.” Pronto, phodeu, eis a senha para o nunca mais, o


“never more” do corvo do tio Edgar A. Poe.
A gente se vê. Corta para uma multidão no viaduto do Chá.
A gente se vê. Corta para uma saída de estádio lotado em dia de
decisão do campeonato.
A gente se vê. Corta para “onde está Wally”.
Nada mais detestável de ouvir do que essa maldita frase. Logo depois a
porta bate e nem por milagre.
Jovens mancebos, evitem essa sentença mais sem graça. Raparigas em
flor, esqueçam, esqueçam.
Melhor dizer logo que vai comprar cigarro, o velho king size filtro do
abandono. Melhor dizer que vai pra nunca mais. Melhor o silêncio, o telefone
na caixa postal, o telefone desligado, o desprezo propriamente dito, o desprezo
on the rock´s.
A gente se vê uma ova. Seja homem, torque de palavras, use o código
do bom-tom e da decência. A gente se vê é a mãe, ora, ora.
Como canta o Rei, use a inteligência uma vez só.
Esse “a gente se vê” deveria ser proibido por lei. Constar nos artigos
constitucionais, ser crime inafiançável no Código Penal.
A gente se vê é pior do que a gente se esbarra por ai. Pior do que deixar
ao acaso, que jamais abolirá a saudade, que vira uma questão de azar e sorte.
Melhor dizer logo “foi bom, meu bem, mas não te quero mais”. YO NO
TE QUIERO MAS, como na camiseta mexicana que ganhei. Dizer foi bom meu
bem e pronto, ficamos por aqui, assim é a vida, sempre mais para curta do que
longa-metragem.
A gente se vê é a bobeira-mor dos tempos do amor líquido e do sexo
sem compromisso. A gente se vê é a vovozinha da fábula, ora!
Seja homem, diga na lata.
Não engane a moça, que a nega é fino trato, que não merece desdém.
A fila anda, jogue limpo.
A gente se vê. Corta para uma multidão no Galo da Madrugada. A gente
se vê. A gente se vê. Corta para a festa do Círio de Nazaré. A gente se vê.
Corta para a festa do Morro da Conceição. A gente se vê. Corta para o dia de
Iemanjá em Salvador. A gente se vê. Corta para o reveillon na praia de
Copacabana.
A gente se vê. Então aproveita e vai logo ver se eu estou na esquina da
São João com a Ipiranga.
A PEDAGOGIA DA MANGA (O RETORNO, A PEDIDOS!)

Uma das queixas recorrentes sopradas pelas mulheres, sejam raparigas


em flor ou lindas afilhadas de Balzac, diz respeito à pratica milenar do sexo oral
por parte dos homens.
Além de displicentes e pouco devotos, os rapazes, em particular os da
novíssima geração, não estariam voltados para tal cerimônia como necessário.
“Ou como antigamente,” suspira o bloco da saudade.
O protesto do megafone do mulherio faz lá o seu sentido. Maria do
Carmo, aquele rapaz que comprei do escriba Tarso de Castro e infiltrei nos
banheiros femininos, anda espantado com o volume de reclamações neste
tema tão nobre. “Os cabras estão chegando aos 30 anos sem saber sequer dar
um bom dia a uma mulher”, diz o meu assessor esquisitão.
Foi ai que lembrei de uma lição das antigas: a pedagogia da manga. Os
mais velhos, sobretudo nas cidades e vilarejos do interior, aconselhavam os
mancebos a chupar a fruta da mangueira como educação sentimental para o
futuro homem na alcova. Além de saudável, o exercício evitaria queixas
femininas como as que hoje reverberam nas nossas oiças atentas.
Outro dia lembrei do conselho e o retransmiti, rapidinho, no programa de
rádio “Trip Eldorado”, SP. Foi um estrondo. O que devo ter vendido de manga
nas feiras do dia seguinte não está no gibi do Fantasma. A produção em
Petrolina, terra que exporta a danada para servir de pedagogia além-mar,
também foi nas alturas.
Olha a manga, olha a manga, gostosa!, como na sábia vírgula do
pregoeiro da feira da Bela Vista.
Chupar manga com gosto, lambuzando-se todo, como nas descrições
feitas por Gilberto Freyre,chegado das manguerias de Apipucos.
Não como o cão chupando manga, mal-assombro do Recife Antigo.
Jamais com assepsia ou nojo, como um gamenho engomadinho diante
da vida ou como o medo do goleiro diante do pênalti.
Chupar manga com a devoção que devemos às mulheres.
O amarelo manga, como na película do compay Craudão, tingindo,
tingindo, tingindo de cor e graça a face pálida dos amores.

QUASE SEXO, QUASE MELANCOLIA, QUASE UM CONTO

...a bundinha mais gostosa que vi na minha frente, uma das mais, vai,
não exagera. Não pela idade, 1/2 Balzac, mas por que era mesmo, à vera.
Cheinha, como gosto, digo, falsa magra, linda. Mestiça, jambo-girl, a mais linda
da cidade, velho Charles, caeté, como os que devoraram o bispo Sardinha ali
perto, mar de Coruripe. "Amor, paga um uísque com avoante", ela. Red Bull?,
eu pergunto. "É, pra gente endoidecer um pouquinho", ela. Quem garante? "La
garantia soy yo!", ela. Pagaste? Paguei. E se por acaso eu pensasse em ficar
com você?, eu. "Tudo tão fácil", ela. Sem processo de desejo, eu, sem
metafísica, simples assim. "O sr. tá amando e sofrendo mutcho,né?", ela,
alagoana como a angústia do velho Graça. Deste para adivinhar? "Se quiser só
conversar...", ela. Eu quero. Pega a chave do quarto. "Tu me dá quanto?", ela.
Só pra conversar 50, uma onça. "Já visse minha bundinha, doido?", ela.
"Nenhum agüenta", ela. "Nem meu padrasto", ela. "Nem meu tio", ela. "Meu pai
também (se benze, é morto) num me agüentava de shortinho dia de domingo
lavando carro", ela. "Deus o tenha num bom lugar", ela. Vamo. Ela tirou a saia
e dançou na frente do espelho do quarto, nem tão vagabundo assim, luxo até,
classe. Eu mandei botar a calcinha, eu mandei botar a saia, eu disse suba aqui
pr´eu olhar de baixo pra cima, como em filme francês que eu via no cine AIP do
Recife de graça. Meu pau quase nada, amando muito outra. "Laiga essa
vagabunda e vem pro quentinho de mim, chove aqui dentro", ela. "Te amoito
pro resto dos dias", ela. O resto dos dias dessa semana?, eu. "Oxe, se pingar
um dinheirinho nunca mais te deixo, quero ser sustentada por um velho
safado", ela. "Num quero ouvir fraqueza tua", ela. "Vou mexer o rabinho pela
última vez", ela. "É agora ou nunca", ela. "Acha pouco?", ela. "Me sustenta",
ela. "Quer dizer, me ajuda a ganhar o troco do mundo que amacio viver", ela.
Peço mais um litro de Drurys, boate Coquetel, praia do Guaxuma, lá perto onde
PC Farias tombou, ainda lembro da calcinha de Suzana Marcolino cheia de
sangue. A jambo-girl rebola com o rabinho mais redondo e mestiço que eu já vi
na minha frente. Puta por não comê-la. Era a melhor da minha vida, talvez por
isso. 1/2 Balzac, não importa, empinadinha, coisa. Ela ligou e pediu a música
preferida no sistema de som interno. Rebolou e disse e agora?, doido, vacilão,
vem meu véio, vem ver a ema gemer? Eu tentava bater uma com as poucas
lágrimas dos meus olhos secos, quero chorar não tenho lágrimas, cuspe, nada,
boca seca, árido que nem. Mas pense numa bundinha. Mesmo com meu amor
de muito, tinha noção do que perdia, mas também não tinha como. Brincamos
de não-dormir honestamente juntinhos. "Num gosto de ganhar dinheiro fácil
assim", ela. "Goza pelo meno na minha boquinha, vai, já já um sol danado".

O CADARÇO, MOÇO!

O personagem Edgar, da peça “Bonitinha mas ordinária”, do tio Nelson,


dizia, salivando, obsessivo, atribuindo a sentença ao Otto Lara Resende: ”O
mineiro só é solidário no câncer.”
O mineiro aqui entra como metonímia, claro, mas deixemos o próprio
Edgar com a palavra, de novo: “Mas olha a sutileza, não é bem o mineiro, ou
não é só o mineiro. É o homem, o ser humano. Eu, o senhor ou qualquer um,
só é solidário no câncer. Compreendeu?”
Sim, a frase do tio Nelson continua atualíssima, mesmo que alguns
desalmados, até mesmo parentes próximos, tentem ignorar doenças graves
dos seus entes queridos.
Se no capítulo da saúde só há solidariedade no câncer, nas ruas, hoje
em dia, o brasileiro só é solidário no momento do cadarço desamarrado.
Tente andar cem metros com os sapatos em desalinho.
Dificilmente conseguirá.
Em um segundo surge alguém, por mais apressado que esteja, e dirá:
“Moço, o cadarço...”
Ontem mesmo fiz esse teste, mal consegui mudar o passo. E repare que
foi em plena correria da avenida Paulista.
Sim, é perigoso pisar em cima e levar um tombo, mas existem tantas
outras coisas mais importantes e ninguém liga, ninguém dá a mínima.
Um amigo, epilético, me conta que já teve crises na rua, aqui em São
Paulo, e ninguém o amparou um segundo.
Anestesia geral, meu velho. É como se nada tivesse acontecendo.
Devem achar que se trata de mais um golpista. “Do jeito que o mundo anda”,
ele mesmo diz, resignado.
Quantas moças choram por quilômetros nas ruas, por amor, óbvio, e
ninguém é capaz de ofertar um simples lenço. Ninguém diz sequer “encosta a
tua cabecinha no meu ombro e chora”.
Com o cadarço, não. É uma praga. Todo mundo repara e alerta, socorre,
alguns até em tom de abuso e autoritarismo.
O que não falta nas ruas das grandes cidades é fiscal de cadarço. Como
se um sapato ou tênis desamarrado pusesse também em risco a harmonia de
cada um de nós.
Nina, amiga del corazón, me alertou para o tema. Outro dia, reagiu a
uma senhorinha que passou um pito por causa do, adivinhe, do cadarço, claro.
O Mário Bortolotto, outro chapa, resolveu esse problema de vez. Agora
usa as suas botas sem cadarço mesmo. O tempo inteiro. Se bem que ele tem
outra explicação para a mudança, que já tem seguidores: não é nada mole
chegar em casa com umas e outras na cabeça, um tanto borracho, e
desembaralhar os cadarços. Cansado de tanto dormir em coturnos, achou
melhor arrancar os cordões de vez. Laços fora, camaradas.
Quem também não se dava nada bem com os cadarços era o Svevo
Bandini, o pai do Arturo, aquele que espera a primavera no mais belo livro do
John Fante. Bem, mas ai já é outra parada.

A VIDA É BREVE, A D.R. É LONGA

“Ai naquele maior barraco, ele, rapaz acadêmico, vem com uma citação
de Delleuze (o Gilles, filósofo francês) pra cima de mim, vê se pode uma coisa
dessas?!!”
Pior é que pode.
Sim, como o desabafo da amiga N. não nos deixa mentir, intelectual (ou
metido a) bota Delleuze & Sartre até no meio de uma D.R., a sigla como é
conhecida hoje a mitológica Discussão de Relação , mesmo a mais breve.
Embora seja escritora de mancheia e conhecedora do mundo
afrancesado, N. não se conteve diante do mancebo-dos-rizomas. Deu
download na brava cabocla Iracema que mora na sua alma cearense e
sapecou: “Diabeisso?!”, corruptela alencarina de “que diabo é isso, miserável?!”
Ela não concebia que naquelas cinzas das horas, a casa caindo, alguma
criatura esquecesse de mirar o próprio teto e convocasse Delleuze para
resolver o drama de alcova. Como se a vida a dois fosse uma tese, como se
desconsiderasse o conhecimento do belo inferno dos lares.
D.R. com intelectual ou artista envolvido é assim mesmo. Não tem jeito.
D´onde classificamos alguns embates com os seus respectivos padrinhos,
além do Delleuze já citado da cumeeira desse texto:

D.R. Kurosawa – Outro noite adiei a saideira por horas, na Mercearia


San Piedro, reparando num embate de casal que imitava a arte deste cineasta.
Uma discussão lenta, imagens lindas, arrozais sob montanhas, silêncios que
falam coisas, uma peleja quase em ideogramas.

D.R. MPB - Indecifrável e incompreensível como o “zum de besouro


ímã” do verso do Djavan. Muita onomatopéia e nem uma idéia os males da
D.R. são. É uma D.R. assim “nem menina nem mulher, lilás”, como no enigma
de uma canción de Zé Ramalho.

D.R. Erística _ Como na corrente homônima herdada dos gregos, a arte


de triunfar no barraco oral mesmo sem ter razão.

D.R. punk-rock _ Três acordes e vai cada um pro seu lado, dormir na
casa da mãe, de um(a) amigo (a), hotel, flat, amante, homeless...

D.R. Paulo Coelho _ Depois de “Onze minutos” de sexo, o barraco


sempre começa com uma parábola bíblica ou uma lenda árabe.

D.R. Bartleby _ “Prefiro não discutir”, diz uma das partes, repetindo o
mantra do escriturário do livro homônimo de Melville.

D.R. free-style _ É a discussão rimada, estilo rap, passionais MC´s:


“Assim você me afunda/ com esse pé-na-bunda/ com essa insensatez.../ meu
barquinho já naufraga/bossa nova é uma praga/veja só que a vida fez!”

D.R. brechtiana _ A arte de enfrentar o público, seja num botequim seja


numa festa, com o distanciamento do personagem, como se dissessem do
palco, a cada golpe, “não é nada disso que vocês estão pensando, controlem-
se”.

D.R. Abaporu ou D.R. arte moderna _ Típica discussão sem pé nem


cabeça, que para nenhum dos dois interessa.

D.R. metalingüística _ A D.R. da D.R., tipo roteiro de Kauffman


(“Adaptação”, o filme), exercício das cabeças requentadas ou das mentes
ressentidas.

BREVIÁRIO PARA TENTAR ENTENDER AS GAZELAS

O que querem as mulheres, doctor Sigmund? Neste breviário à guisa de


homenagem à justa e histórica efeméride, tentamos decifrar o enigma que
come o juízo da humanidade qual a ferrugem da maresia em aro de bicicleta
desde que Eva teve a primeira D.R. -a mitológica discussão de relação- com o
bom menino Adão, aquele, o primeiro e único homem sem sogra da história
universal. Ao breviário, sem mais nove-horas:

As mulheres querem que os homens adivinhem, sintam, farejem os seus


desejos e vontades e antecipem essas realizações. Bem-aventurados os que
descobrem que elas estão a fim de uma viagem à montanha e levam-nas à
montanha; bem-aventurados os que sabem que elas não agüentam mais
aquele velho boteco e levam-nas a um japonês decente; bem-aventurados os
que sabem que elas gostam de novidades e detestam quando os garçons nos
dizem “o de sempre, amigo?”

As nossas mulheres querem que tenhamos olhos só para elas. No que, aliás,
foram contempladas biblicamente pelo décimo mandamento das tábuas da lei
entregues por Deus a Moisés: não cobiçarás a mulher do próximo blábláblá etc.

As mulheres querem que alternemos momentos de homens sensíveis e


momentos de lenhadores. E nós, na gana da obediência e do agrado, somos
lenhadores quando nos queriam sensíveis e vice-versa, ê comédia de erros,
velho camarada William. Sempre assim, tipo onde queres Leblon sou
Pernambuco... onde queres romance, rock'nroll...

As mulheres querem que reparemos no novo corte de cabelo, mesmo que a


alteração tenha sido mínima, tipo só uma aparada nas pontas. O radar capilar
tem que acender a luzinha, sem falha, na hora, se liga! Se for luzes, entonces,
cruzes!!!

As mulheres não toleram que viremos de lado e já nos braços de Morpheu


depois da saudável prática da conjunção carnal. As mulheres querem carinho e
entusiasmo, embora saibam que o único animal que canta e se anima depois
do gozo é o galo, esse tarado pernalta incorrigível, incomparável.

As mulheres querem... massagem. Muita massagem. Primeiro nas costas,


depois nos pés e sempre no ego.

As mulheres querem... molhinhos agridoces. Como elas se lambuzam


lindamente!

As mulheres querem... flores e presentes. Não caia, jovem mancebo, nesse


conto de que mulher gosta é de dinheiro. Se assim o fosse, amigo, os lascados
de tudo não teriam nenhuma, nunca, jamé. Repare que até debaixo do viaduto
está lá a brava fêmea na companhia do desalmado. Ela e o cachorrinho magro,
só o couro, o osso e a fidelidade. O que vale é a devoção, amigo. Mesmo que
você seja mais liso que os mussuns do tempo em que tomava banho de canal
no Recife, pobre de marre-marré, pode muito bem presentear uma bijuteria de
R$ 1,99 com a devoção e a dramaturgia de uma jóia da Tiffany´s _vide
“Bonequinha de Luxo”, o filme.

A lista continua... ao infinitum. Deixe também sua colaboração para o nosso


breviário e ajude o carapuceiro a desvendar os lindos mistérios da cria das
nossas costelas.
A TEIA DE ARANHA E O APOCALIPSE

Faxineira, diarista, empregada doméstica ou qualquer funcionária do lar


de um homem solteiro é sempre uma beleza. Um carinho, um zelo, botões
repostos nas camisas, roupa cheirosa, cama, mesa e banho, tudo no capricho.
Elas trabalham assoviando o sucesso da hora, o hit do rádio, apesar da vida
nada fácil.

Aí basta o mancebo arrumar um xodó, um rolo, um cacho, uma costela...


para aquele humor desmanchar-se aos poucos. As duas criaturas normalmente
não se entendem, gênios difíceis.

Quem paga somos nós, porcos chauvinistas, que não teremos mais
aqueles botões repostos na camisa colorida _aquela mesma, caríssimo
Paulinho da Viola, que cobria a minha dor, na canção “Para um amor no
Recife”.

Uma não repõe os botões por despeito e protesto contra a nova


inquilina; outra não zela por razões ideológicas, ora, não pode incentivar o
machismo.

Duas mulheres sob o mesmo teto, a menos que você seja um poderoso
sultão, é jogo duro. Seja sogra, diarista, tia, mãe, irmã... E quando as TPM´s
coincidem? Vixe, fica tudo tão difícil quanto atravessar o Mar Vermelho. E
quando não batem os signos?

O xodó tira um móvel de um canto, a diarista muda uma planta de


lugar...

A diarista esquece a teia de aranha, o xodó faz um apocalipse...

O xodó implica, a diarista começa a falar bem da sua ex, com quem
também fazia uma batalha sem trégua.

Até o fatídico dia do juízo final: “Ou ela ou eu!”.

As duas dizem quase em uníssono.

Pior é quando você, jovem mancebo, fica na dúvida.

Largar a zelosa funcionária de dez anos?

Desgostar a cria da nossa costela que pode ser a mais bíblica e para
sempre?

Amigos, vou aqui tomar uma gelada para esfriar todas estas dúvidas
quentes demais para uma tarde suada de março.
TIPINHOS DE HOMEM OU CORRA LOLA,CORRA

Tudo bem, bravas fêmeas, os homens são todos iguais, já sabemos,


blablablá.
Alguns, no entanto, são bem mais perigosos que os outros. Em mais um
serviço de utilidade pública, este cronista de costumes expõe o seu varal. Eis
alguns tipos, noves fora a categoria metrossexual (já devidamente batida) que
merecem cuidados especiais:

Homem-bouquet – aquele macho que entende de vinhos finos, abre a


garrafa, cheira a rolha, balança na taça, sente o “bouquet” da bebida... O
tipinho não perde um programa do Renato Machado no GNT, entra em sites
franceses do gênero, reúne os amigos para encher o saco com o tal bouquet...
Mais uma advertência: o mesmo elemento costuma apreciar também o que ele
chama de um bom jazz, uma “música de qualidade”... Corra, Lola!

Homem-hortinha _ Aquele mancebo que, ao receber as moças


elegantemente para um jantar, usa o manjericão cultivado na própria hortinha
que mantém no quintal ou na área de serviço. Cultivar o próprio manjericão não
é exatamente o defeito do rapaz. O problema é que ele passa duas horas a
discorrer sobre o cultivo da hortinha, os cuidados, o zelo... Uma amiga, coitada,
conheceu um destes exemplares que cultivava até a própria minhoca usado
como “fator adubante” da própria hortinha. Corra, Lola, corra, corra!

Homem-do-predinho-antigo _ Aquele sujeito que ou é gay ou é um


metrossexual enrustido. E o pior não é habitar um predinho antigo. O que mais
dói é quando ele pronuncia, como toda a afetação desse mundo, que mora
num “predinho antigo, charmoso”. Você entra lá, leitora do meu coração, e
avista logo umas revistas chiques estrangeiras espalhadas pela sala, tipo “ID”,
“Wallpaper” e quetais. O cara entende de iluminação indireta, tem cada abajur,
Deus mio! Corra léguas, Loolaaaaa!

Homem-Ômega 3 – Trata-se do camarada-saúde, preocupado em


combater os radicais livres e encher o saco da humanidade com as suas
receitas, dietas e bulas. Adora um salmãozinho, que ele pronuncia “salmon”,
claro, como os mais frescos exemplares da raça.

Homem-ONG – O sujeito oenegê é o que há. Todo politicamente correto,


benza-te Deus. Adora um abaixo-assinado, uma passeata, e está sempre
morto de decepcionado com alguma coisa. Sim, ele acredita na humanidade,
na responsabilidade social, no terceiro setor, na arte como redenção dos
pobres... Se você reparar, leitora do meu coração, ele quase levita, de tão puro,
de tão bom. Some, Lola, some que é roubada-mor.
A LINGUAGUEM DOS PRAZERES DIVIDIDOS

Se liga no que diz o dotô Michel Foucault, quem diria, mobral


sentimental como sou, analfa de pai e mãe, grudei num livrinho que se lê no
avião, no ônibus, no trânsito, no último metrô: A mulher/Os rapazes (editora
Paz&Terra), coisa de cinco contos de réis. Trata-se da arte do vínculo conjugal
& quetais. Tô dentro até los uevos de oro, como diria meu compay Bigas Luna -
o Cláudio Assis de Castela, Mancha y Castela.
Se liga entonces, aluado(a): no embate entre os estóicos, que não
fogem do casamento nem cá moléstia dos cachorros (pense num povo de
coragem!), contra os cínicos, que correm léguas como uma Lola incendiada
fugindo da Tamarineira -aquele velho hospício do Hellcife, ali no sítio
homônimo a caminho de Casa Amarela, Bomba do Hemetério, Shot Line...
Na peleja supracitada, pois, ficamos com os estóicos, mai-teco, claro.
Estóicos 1x0 Cínicos -anota o garoto do placar dos Aflitos.
O casamento não apenas como moral bíblica, familiar e procriadora de
novos e corados rebentos, mas como a arte de dormir repetidamente de
conchinha, superbonder, araldite, amanhã de manhã vou pedir o café pra nós
dois, te fazer um cariño e después...
...e depois tudo certo como dois e dois são cinco... e mais adiante, tudo
em volta está deserto, tudo certo, que venha o inevitável abismo, mas que
demore bem muito, até lá o proveito é das almas grandes, vida noves fora zero.
Há sim uma linguagem nos prazeres divididos, me sopra o dotô
Foucault, não obrigatoriamente nos prazeres da linguagem dos quintais
periquitosos, como aquelas aves que despertam a fúria do narrador de
Graciliano Ramos, no livraço São Bernardo. A cena: o sr. Paulo Honório
desgostoso com uma moça, vai lá no caminho da roça, depara-se com um
frege de periquitos e fica maluco, virado na febre do rato; aquela folia brejeira e
emperiquitada era a crua figura do amor que conhece o auge para descambar
depois nos atoleiros possíveis. Calma, seu Honório, deixa a maçaranduba do
tempo de molho.
Mas há sim, me canta aqui o dotô Folcaut, a necessidade de uma
estética das mãos dadas, do passeio, dos óculos escuros gastos sob o mesmo
sol, da invenção do flâneur-pombinhos, da felicidade imediatista e besta do
almoço dos domingos com os pezinhos tocando por debaixo da mesa. São
estas belas leseiras que justificam uma vida, o resto é ego e curriculum vitae!

P.S. para um alentado e embriagado debate: falar em dotô Foucault,


trava-se outra boa peleja, inclusive com ele no meio, a partir do blog de outro
doctor, o Estranho, sobre a invenção do Nordeste, de como formou-se a
imagem que hoje, por exemplo, o senso comum do tal eixo Rio-SP tem
das nossas plagas distantes. Leitura valiosa. É só entrar aqui e vamos simbora.
PASSIONAIS MC´s OU COM VOCÊS, ANTÔNIO MARIA

Ciúme, o inferno do amor possessivo, como naquele filme francês.


Ciúmes, ciúmes de você, como na lírica do Rei Roberto.
Já vi de quase tudo em matéria de barraco. Vi, vivi, e confesso que bebi
e quebrei, controles remotos, óculos no teto, como um castigo imposto pelos
deuses gregos... ceguei-me, como aqueles malucos de Shakespeare, sapatos
aos mares, Iemanjá, por favor devolva-me, era um legítimo couro de lagarto
vulcânico!
“Tenho ciúmes até, da roupa que tu vestes”, como na canção das
antigas.
Mas, distintas damas & cavalheiros, nunca tinha visto nada comparável
ao ciúme do Maria, Antônio Maria, pernambucano, letrista, radialista, narrador
de futebol, cronista, o cão do sétimo livro.
Da turma rara dos passionais MCs _Mestre de Cerimônias do amor de
muito, do amor demais.
Rubem Braga era grande, mas perdia tempos com sabiás, Maria não, ia
direto às duas coisas que interessam na curta existência: a boemia e as
mulheres.
Maria morreu disso.
De tanto amar.
Tinha ciúmes até da televisão, como contou Danuza.
Achava que os atores ou apresentadores estavam a flertá-la. Tinha
ciúmes dele mesmo, da própria sombra rechonchuda, mais de 100 kg de
sentimentalismo, lirismo a correr nas veias carregadas de álcool,
possessividade e colesterol.
Nunca se sabe por qual motivo uma mulher deixa um mancebo por
outro. É algo mais misterioso do que a Santíssima Trindade, os milagres de
Fátima, nada óbvio como nós hombres, feridos no ego de macho, imaginamos.
Perguntamos ao pó, ao cachorro engarrafado, ao mendigo com barbas de
profeta... e ninguém nos responde à altura.
Você ai, bonita, inteligente e gostosa, saberia dizer o motivo de ter sido
deixada?
E olhe que homem quase não deixa, sempre demora, sempre tucaniza
no amor, haja muro, adia, cofia a barba das interrogações, acumula as costelas
no bafo da falta de coragem e outras vergonhas na cara.
Nunca se sabe por qual motivo uma mulher deixa um homem por outro.
Pode ser por qualquer coisa. O mais são teses e objetos pontiagudos que o
destino nos prega na fronte, como diz o compadre Marçal Aquino.
Ah, as dores do mundo.
E o velho Maria morreu de quê?
Do coração, claro, pouco mais de 40 anos. E digo mais: ninguém morre
do coração por problemas congênitos ou falta de regulamentos na vida, como
chegaram a dizer à época.
Só o amor de verdade mata um homem forte como aquele. Gordura e
estrago nunca mataram ninguém nessa vida, o mais são frios, discutíveis e
garranchosos diagnósticos médicos.
Morreu de ciúmes, esse veneno assassino, ou quase.
COMO ELIMINAR O AMANTE -SEM GASTAR MUNIÇÃO

O leitor aflito me escreve. Quer ajuda, conselhos, alguma filosofia de


consolação, ombro, ouvidos... Invoco a Miss Corações Solitários que costuma
fazer morada nesta pobre caveira envelhecida em barris de bálsamo.
Não posso deixá-lo a mascar o jiló do abandono. Está desconsolado,
como o Sizenando de Rubem Braga, que viu a amada cair nos braços de um
playboy. Um idiota que não sabia sequer uma palavra de esperanto.
A vida é triste, Sizenando, como soprou-lhe o cronista.
Com Amaro, chamemos assim o nosso ensaio de Bentinho, não foi
diferente.
Quis o destino parafusar-lhe objetos pontiagudos à testa.
Sim, ela tem um amante. Daqueles amantes que se encontram à tarde,
num intervalo qualquer, no recreio da vida chata.
Nem foi preciso contratar o detive particular, conta-me o nosso Amaro.
Ele mesmo fez as vezes de cão farejador de sua própria desgraça.
Que fazer?, indaga, num email no qual até a arroba bóia em poças de
lágrimas.
Mato o desgraçado?
Tiro a vida da desalmada?
Vou-me embora pra Tegucigalpa?
Salto mortal da ponte Buarque de Macedo?
Um trágico, esse rapaz. Como os de antigamente. Amaro é do tempo em
que os homens coravam. Ainda tenho vergonha na cara, envaidece-se o
próprio.
Sossega, Amaro.
O melhor que fazes, respondi ao marido em fúria, é sumir por uns dias,
inventar uma viagem, e dar todo tempo do mundo ao infeliz desse amante.
Banalizar o amante, meu caro e bom Amaro.
Entendeste?
Deixar que eles durmam e acordem juntos. Que tenham seus
problemas, que percam o luxo dos encontros fortuitos e vespertinos, que se
esbaldem.
É necessário deixar a Bovary sentir o bafo matinal da rotina.
A vida dos amantes dura porque eles só vivem as surpresas e valorizam
cada minuto do relógio que põem sobre a cabeceira daquele motel barato.
Nada mais cruel para o amante da tua mulher que presenteá-lo com o
pão-com-manteiga do dia-a-dia. A rotina é o cavalo de tróia do amor.
Amaro, nada de violência ou besteiras desse naipe.
Ao amante, todas as chances do mundo. Ao amante aquela D.R., a
mitológica discussão de relação, o debate sem fim em plena TPM, quando o
que ele mais queria era apenas ver a mesa redonda na tevê.
Um amante nunca sabe o que venha ser uma mulher sob o domínio da
TPM. Ela faz questão de reservar todos os direitos desse ciclo ao pobre
marido.
Ao amante, Amaro, a tapioca fria e sem recheio da rotina do calendário.
Ao amante, Amaro, a falta de assunto, o torresmo vencido do tédio.
Ao amante, os cabelos revoltos da mulher, naqueles dias em que nem
mesmo ela se agüenta ou encara o espelho. Naqueles dias em que os cabelos
brigam com as leis do cosmo e não há pente ou diabo que dê jeito.
Some, Amaro, depois me conta.

RÉQUIEM PARA UM AMOR DE MUITO OU SAMBA DO EPITÁFIO

Nem fomos ao mar para ver o nosso amor morrer na praia. Nosso amor morreu
engarrafado, na correria do povo para deixar São Paulo, babilônicos corações
de fumaça a 10 km por hora. Nosso amor largou o automóvel e saiu
caminhando, melancólico, entre motoboys e miragens, crepúsculo cubatanesco
a escorrer do nariz.

Stop, parou o nosso amor ou é apenas um sinal fechado?

Minutos antes, nosso amor foi visto saindo do Paraíso e saltando na


Consolação, a linha do último metrô de todos os amores expressos. Aí nosso
amor, puto da vida, bebeu cachaça, cheirou cola, acendeu o cachimbo na
Cracolândia, perdeu os óculos, as lentes de contato, pegou um papelote de
quinta na Augusta, gastou a pele, fez besteiras e vomitou bem muito o foie-gras
dos nossos próprios fígados. Nosso amor não conseguiu dormir direito nesse
dia, zumbizou geral o malaco, e não foi apenas o barulho da construção mais
demorada do que a catedral de Colônia, a Transamazônica ou o castelo de
Kafka.

Nosso amor só pode estar tirando onda da nossa cara, é o tipo do amor que
sabe rir da nossa desgraça, um amor de rapariga da última luz vermelha do fim
do mundo, um amor da porra, que não respeita as leis do cosmo, nosso amor é
uma ficção barata, café puro, pão na chapa, nosso amor nem esfriou ainda o
cadáver, acabou no auge, como a carreira de Pelé, como os Beatles, nosso
amor era sábio.

E como os amores reencarnam, muito cuidado, senhoras e senhores, nosso


amor pode estar rondando ai a sua área. Prendam o infeliz criminoso, onde
está a polícia que não vê uma coisa dessas, tio Nelson? Nosso amor, para ser
mais exato, acabou hoje, em plena sexta da paixão: sentimento que costuma
alimentar os inícios, jamais os finais. Vai entender esse troço, nossos dialéticos
corazones batiam o bumbo das contradições. O fato, amigo, é que nosso amor
era mais bacana do que nós dois juntos!
O ASSOMBRADO MUNDO DO HOMEM-BRECHÓ

Definitivamente não é do mundo dos vivos tal criatura. O homem-brechó


ou brechossexual veste-se com charme, claro, essa é a idéia estratégica. Mas
o problema é outro: o defunto, como diz minha mãe, é maior do que o novo
dono. Sempre sobra pano na ponta dos dedos ou tergal na boca das calças,
mesmo as nostálgicas bocas-de-sino.
Mas o que derrota mesmo é o mal-assombro. Você, nobre gazela, lá com
o mancebo, no bem-bom do mundo horizontal, e a assombração no cabide. A
sorrir, caso os pertences tenham sido de um defunto cínico qualquer – um leitor
de Sêneca e amante da brevidade da vida, por exemplo.
A calça pendurada assistia tudo e, ao contrário do que canta Roberto,
dizia muito. A camisa listradinha, preto e branco de tanta elegância, também
falava pelos cotovelos puídos, sovacos eruditos de tanto carregar livros, livros
de sebo, pois o camarada aprecia mesmo artigos de segunda mão, detesta
produtos novinhos em folha.
A quem terá pertencido tal roupa? Ao padeiro, ao sapateiro, ao dono da
marcenaria, ao relojoeiro, ao amolador de facas, ao Bolinha (lembram as
camisas psicodélicas do apresentador de auditório?), ao homem normal do
308?.
O homem-brechó, este tipo urbano que sempre compra suas roupas de
segunda mão, leva, irremediavelmente, o ex-dono dos pertences para a
cabeceira da cama. Os vivos e os mortos. Os sapatos passeiam pela casa das
moças na madrugada. Juris esperneandi.
É tudo muito Cherteston, aquilo escriba mal-assombrado cujo detetive
Padre Brown examinava os mistérios das vestes do além. É um colete de um
viúvo tarado – só os tarados anormais usam coletes. É o casaco de um franco-
atirador a nos meter encorajados pra o amor, é o sapato de um noviço recluso
a nos mandar para casa antes da hora, é o fundo das calças de um viciado em
pés-na-bunda a se oferecer para o conga da nova amada...
Ora, ora, se um algodão novinho em folha, que ontem lá no campo ainda
era flor, como na canção, já nos chega com os fantasmas e espantalhos das
dores da roça e do mundo, imaginem, amigos, um velho e puído veludo azul,
golas do desmantelo, como na película do viejo Lynch!.
Confesso, mancebos e gazelas, esse relato é uma missa de corpo
presente: até anteontem eu era um autêntico macho-brechó. Depois do que
presenciei na madrugada, tenho as minhas dúvidas, talvez abra mão de tal
estética. Aquele par de sapato lustrado, bico à moda "um bonde chamado
desejo", clássico, a bailar sozinho um tango, coreografia mais trágica, por diós,
ainda arrepio só de lembrar a dança macabra. Vade retro.
NO QUE CONCERNE AO ORGASMO FINGIDO*

O fingimento do gozo também pode ser uma prova de amor, como o amor
vadio das putas;

antes o fingimento do que a ausência da dramaturgia amorosa de fato;

tem um quê de distanciamento brechtiano no orgasmo fingido;

tem até mesmo um gozo que deveras sente;

tem mais de verossímil no fingido do que em muitos ditos verdadeiros;

a favor das que fingem com decência;

melhor que fingir a velha dor de cabeça;

contra a verossimilhança exagerada dos orgasmos com caras & bocas;

a favor do agrado do teatro, puro teatro, como na canção almodovariana de La


Lupe.

*Do Catecismo de Devoções, Intimidades & Pornografias, de autoria deste que


vos devota e se ajoelha, download livre e integral do livro é só cutucar aqui, ó

JORNAL NACIONAL DO AMOR

Ali nas primeiras horas da noite, bate aquela necessidade física


inadiável de contar como foi o dia. Contar e ao mesmo tempo receber notícias
tuas. Seja um épico, um feito memorável, seja uma coisa à toa, um carro na
poça que quase te molha todinha, um chato que te pegou para Cristo, um chefe
maluco, os comentários sobre o tempo, ainda bem que choveu, meu bem, a
noite está ótima para uns tragos, para dizer aquelas coisas que não se dizem
assim para qualquer uma.
Sobe a vinheta, sonoplasta picareta, é o Jornal Nacional do Amor que
começa agora, uma dos momentos nobres de ter alguém na vida, conta lá que
eu conto cá, e haja narrativas.
Ter alguém para dizer seu dia é melhor que sexo, melhor que costelinha
de porco, melhor que lamber os beiços com o galetinho-gloss da tevê de
cachorro, melhor que doce de leite, melhor que sarapatel, é tão bom que
empata com todos os caprinos e feijoadas completas.
Contar para um amigo é diferente, contar para um irmão é outra história,
contar para a vizinha é roubada, contar só serve, amigo, se for à boquinha da
noite, e se for para a mulher que habita, sem pagar prestações, sem aluguel ou
fiança, a Cohab, o BNH, o conjunto do Mirandão no Crato, o Alfredo Bandeira
no Recife ou a quitinete metropolitana dos nossos pobres corazones.
O Jornal Nacional do Amor não tem mentiras de graça, somente
mentiras sinceras, aquelas que melhoram as coisas, que levantam a bola, que
restauram a lua de mel no auge de Canoa Quebrada, com aquele céu de Bilac,
ora direis, aquela cachaça, sustança, e os lençóis de cambraia bordados, letras
barrocas, “até que a morte nos separem”.
Na alegria ou na tristeza, contar o dia é a melhor das artes de estar
juntos.
Do amor e suas leseiras incríveis, suas breguices, porque todo amor é
brega assim como todas as cartas amorosas são ridículas; só os metidos não
amam, não aprenderam nem mesmo com os brutos de Shane e de outros
belos faroestes.
Do amor, seu Sthendal, nós nunca enchemos a barriga.
Eita fome de viver da gota, eita Jequitinhonha da existência.
“Ai, amor, estou tão cansada, meio enjoada, acho que vou menstruar”,
ela diz, bem linda, ainda na rua, “você me agüenta mesmo assim?”, ela
completa.
No que o mancebo responde com um lindo plágio: “Você me conta como
foi seu dia/ E a gente diz um p'ro outro:/ - Estou com sono, vamos dormir!”
Contar sempre, porque até nossos silêncios dentro de casa deixam ecos
que viram legendas para sonhos e manhãs amanteigados.

DO PLONGÉ E DO CONTRA-PLONGÉ DO AMOR

[texto antigo resgatado do fundo do pote atendendo a comovente pedido de


uma gazela que veio de longe]

Nada como aquela olhadinha que ela dá quando lá embaixo. Ainda e pra
sempre, da série “detalhes tão pequenos de nós dois”. A vida se resume a
observar, microscópio de eros, rei roberto e nelson, a mulher e o seu drama.

Nada como aquela olhadela, sobrancelhas assanhadas, mirando lá de nossos


países baixos cá para cima do nosso cocuruto alumbrado.

Tão lindamente sacana, ah, que nega a minha nega, derreto-me como
manteiga no último tango!

Ela quer saber se estou gostando, claro que estou mortinho ali no pré-gozo.
Tem um orgulho, “vê como faço bem feito e com gosto”, ali naquela olhadinha
plongé, contra-plongé, depende de quem vê.
FEIA QUE É UMA BELEZA OU TANTO FAZ, REINALDO MORAES

Peça em ato único e moto-contínuo em e sobre São Paulo. Três personagens


se revezam toda-vida, mudando de sexo e de ofício. O homem do tempo, a
mulher do trânsito e o tiozinho cético, que se transformam, sem explicação
alguma no decorrer do período, no tiozinho místico, no travesti cínico e na
taxista dos infernos ou no que der na cabeça –é teatro, amigo Bertolt, mira o
distanciamento, se vira e não enche! Ao final, um rodízio-perpétuo e geral de
sexo, função, Serafim Ponte Grande, droga, birita, Miramar ao longe, credo,
raça, posição social, classe!

Homem do tempo: que louco, meu!!!, o tempo virou de vez!


Mulher do trânsito (com um indisfarçável orgulho do progresso, da
modernidade e da riqueza): Quatro horas presa na marginal... e sabe de uma
coisa, nunca vi a agência render tanto: fizemos uma baita conferência criativa
via Messenger!*
Tiozinho cético (Cara de tarado-mor da existência, olha uma bela bunda de
secretária bilíngüe na Paulista, hora do almoço, e esquece o tempo e o
trânsito.. Não diz nada a essa altura da jornada, só estica levemente com a
pica o tergal da calça de alfaiate das antigas).
Homem do tempo: Saí de casa no mó sol, agora essa garoa, que louco,
meu!... Sabe qual a previsão para amanhã, amigo?
Mulher do trânsito: tem que implantar rodízio, como em Londres, coisa de
Primeiro Mundo, o Kassab está certo, e tirar essas latas-velhas das ruas.
Circula quem pode e fica em casa todo e qualquer loser que só dá prejuízo ao
universo.
Tiozinho cético (enquanto olha outro lindo e poético rabo, agora de sestrosa
balconista do centro): Toda fêmea sobre quatro rodas perde o melhor da lição
anatômica: as duas bundas, é como se viessem ao mundo só dos peitos para
cima -se bem que o tarado do ônibus pode ver umas belas coxas! Corta!

CHIFRE DE LEITE

Chifre de leite?
Sim, amigos, aquele chifre, qual o dente, que vem quase do berço,
cresce, mas não representa muita vida longa, molinho, chega a sua hora e a
gente arranca, quase como um chifre consentido, quase de nascença, quase.
Mas não é bem isso, é quase, como disse. Discorreremos sobre o
danado.
Pense, como diria aquela estátua de Rodin, pense!
Chifre de leite é o mínimo que levamos na vida. Pior é que tem machão
que mal agüenta essa “gaia ciência” inevitável, que homem é esse que não
segura a onda do que já destino era?
Chifre de leite já existe faz tempo, mas quem cunhou a expressão foi o
amigo Pupilo, nome de batismo Romário, Romário Menezes, batera da Nação
Zumbi, a maior banda da terra.
Estávamos ali numa ressaca miserável em São Paulo, à espera de uma
gravação da TV Cultura, Studio SP, tarde cervejosa de sexta, quando o mago
salta com essa conversinha safada.
Pense, considere!
Donde chifre-de-leite, agora com hífen e tudo, vê a responsa no
glossário, significa aquele chifre que a gente mal nota.
Como aquele dente molinho que se arranca no dedo e se joga em cima
das telhas, com um dizer de antigamente, quase uma prece obrigatória:
“Mourão, mourão!/ Pegue esse dente podre/ e me dá outro são."
Chifre de leite é destino.
Chifre que dói mesmo é chifre de ciso, aquele que vem depois, na
madureza da cornualha da existência.
Chifre de leite, como prenunciou o mago, é chifre de menino, ora.
Quase chifre de anjo, chifre inevitável.
Nem dá pra chamar de traído. Porque o pior é o chamado, o resto são
inconfidências. O grito, ouviram lá do Ipiranga, ouviram lá de todas as galáxias,
ouviram lá da Bomba do Hemetério, Recife, ouviram lá da gruta de
Ubajara, ouviram lá de Ouricuri, Pernambuco, ouviram lá do Mucuripe, Varjota,
Santana, Crato, Fortaleza, ouviram lá da Afonso Pena, ouviram lá da
Gameleira, Nova Barroca, da Cabana do Pai Tomaz... Ouviram lá do Rio de
Janeiro, terra de chifre-de-leite por excelência, ouviram às fronhas plácidas e
dormiram sem sangrar ninguém, mas que beleza!
Amigos, em persistindo dúvidas sobre esse molarzinho besta de testa, o
tal chifre-de-leite, é só consultar o maior especialista nessa causa, o doutor
Halley-Bó, ele arranca pelo método mais indolor. Ainda implanta outro de
graça no infeliz, se assim desejo for.
Eu vou nessa, que não cabe mais nada aqui na fronte cansada do
artista!

COISA DE CINEMA

Amar é... brincar de O Último Tango em Paris. Aprendam cutucando aqui ó!

DE TODAS AS GLÂNDULAS AMOROSAS

“A mulher amada/ quando mija/ é so refresquinho/ de graviola” [Marcelo


Mário de Melo]

tudo é lindo na mulher amada, melhor ainda os cheiros fortes, fedores e


sujeirinhas da mulher amada, o suorzinho das axilas da mulher amada, quase
uma bucetinha a mais as axilas da mulher amada, meu deus, lá está a danada,
sob o solzão veranico se derrete a mulher amada, todas as glândulas e
buracos d´alma, tão minha e tão íntima, saló, saló, o suorzinho de todas as
juntas e dobradiças, ali debaixo do joelho, eu quero, e quando a perna dobra,
o salzinho sobre ozolhos quando a gente beija, o pescocinho suado,
lindamente grudento, por favor, amigos do comércio, não vendam
desodorantes à mulher amada, não vendam ar-condicionados, não refresquem
a costela amada, tudo é perfume francês na mulher amada, o mijo é licorzinho
dos deuses, sob o céu que nos protege, golden shower que traz bonança,
sustança, chega meu rosto sertões-vereda refloresce, os pássaros cantam na
caixa torácica, derrama, derrama, derrama, amor da porra a descer pela perna
esquerda, da mulher amada, lambuzamentos que encobrem as feridas
doutrora, tudo lindo a escorrer, farejo todos os cheiros da danada, o olho do
cuzinho, velho bataille, é lirismo só, rapaz, exala o sentido da vida e mais um
pouco, resume o mundo, guarda os segredos dela inteira, mulher é metonímia,
cada partezinha uma giganta de baudelaire, ali, sim, no cuzinho, again, está o
silêncio mais lindo da mulher amada, donde tudo é lindo, tudo é sorte, tudo
delírio, o cuzinho em flor da mulher amada, coxas, o pezinho sujo nas
havaianas, poeira das ruas, marcas, cerimônia do lava-pés da mulher amada,
lambendo os dedinhos, descoberta dos segredos dos seus passos, direito de ir
e vir entre seus rins, como na canção, assim como na vida, agora o cheiro da
phoda por toda a casa, a atrair os pássaros lá de fora, que encontram os
pássaros da caixa torácica, que, como a capa da música do Rei, assistem a
tudo e não dizem nada, tudo é lindo e belamente dramático no sexo, mecânica
da carne que se enrosca, paudurescência ad infinitum, o amor é mesmo o
viagra do espírito.

AUTO-AJUDA PELO MÉTODO WONG KAR-WAI

suar o amor correndo no parque, como sugere zed, corrida e leonard cohen no
ipod, amor é água, sopra o policial em bicas dos “amores expressos”, a película
chapa 1994 de wong kar-wai, o cara de shangai e hong-kong, aquele mesmo
do “amor à flor da pêle”, no qual os vestidos e a fumaça dos cigarros falam
mais do que todas as línguas de pentecostes; suar como o personagem
derretendo-se em água e vapores do outro lado do mundo, como a garçonete
maluquete que chacoalha juízo e esqueleto à base de um “califórnia dreams”; a
mocinha linda e sound system, sabor gengibre, marinados corazones ao molho
de ovas esfarinhadas de peixe amarelo; suar o amor e sair voando pela janela
de bicicleta ergométrica; suar no ibirapuera e no parque da água branca suar
de novo as redundâncias amorosas todas; suar num estirão do pina ao terminal
de boa viagem; suar de olinda ao janga; suar do leblon ao arpoador sem
distrair a vista com as bundas, assim não vale, perde o sentido a mandinga;
suar os amores líquidos e as represas dos amores do passado; suar uma baia
de guanabara de amores em cardumes e mais uma lagoa rodrigo de freitas de
olhos de peixes mortos; fazer chover por todos os poros o amor que fica, o
amor platônico e o amor de pica; suar o amor com uma sopa de feijão bem
quente, seis horas da tarde, no hellcife de todas as glândulas; suar o amor em
teresina, com um prato de capote ao molho ou uma fina iguaria de beth cuscuz;
suar, amigo, a derrama das nódoas por dentro, suar no pedalinho, mas nada
de suar para perder peso ou por esporte, falo suar, por enquanto, para limpar-
se dos amores sem futuro. A gente se vê... Breve neste cinema "2046".
SOBRE O TRIUNFO DA FEIÚRA

Por que ser feio é mais interessante? Ora, a beleza é passageira; a


feiúra é para sempre(Serge Gainsbourg).

Como dizem aqueles cartazes de estádio de futebol em finais de


campeonatos, todo regozijo, toda poesia, todo triunfo e prosa: Eu já sabia!
Repare, amigo, no que disse o informe da BBC de Londres, rádio de
confiança que ouvia há séculos com meu avó João Patriolino lá no sítio das
Cobras, Santana do Cariri, ali entre Nova Olinda e Assaré, na confluência do
Ceará, Pernambuco e Piauí, música ao longe entre uma rasga-mortalha e outra
a ranger nas telhas dos mal-assombros possíveis do museu de almas e botijas:
“Mulheres casadas com homens feios são mais felizes!!!”
Ponham exclamação nisso, colegas tipógrafos ai nas oficinas dos velhos
jornais e almanaques da vida, no tempo em que os gráficos tocavam fogo no
mundo e paravam tudo, no tempo em que Manoel Caboclo e Silva fazia o seu
lunário “O Juízo do Ano”, rua de Todos os Santos, Juazeiro, salve, salve meu
vizinho e suas nuvens brancas sobre a caixola.
Ponham aspas nisso, tipógrafos da modernidade: "Mulheres casadas
com homens feios são mais felizes!"
Feio o quê, caras pálidas de maquiagem! Perguntem às crias das
nossas costelas ou às nossas mães mais lindas ainda lá nos seus sagrados
cantinhos e altares!
Mulheres casadas com homens feios são mais felizes. Isso mesmo.
Releia, acredite, repita comigo a manchete da semana. É a ciência
comprovando a tese dos mal-diagramados pela mãe natureza.
É o que diz o informe da BBC, agora transmitindo apenas no mundo
virtual e interneteiro, que pobreza, aquela emissora que me fez ouvir, no meio
da Serra do Araripe, a linda “Hey Jude”, The Beatles, pela primeira vez, que
coisa. Mas bora ao que interessa nessa crônica, chega de nostalgia, rapaz, a
vida segue, a vida é bronca permanente como a revolução de Mao Tsé-Tung,
eita que agora o homem comunistou-se de vez!
"Os homens mais bonitos que suas parceiras demonstraram tendência a
oferecer menos apoio emocional e prático às suas mulheres", avaliou o
professor James McNulty, que coordenou o estudo. "Homens mais bonitos têm
à disposição mais possibilidades de relacionamentos de curto prazo, o que os
torna menos satisfeitos e comprometidos com o relacionamento."
Si, Pedro Bó, ri, macaco darwinista!
É o que dizem os pesquisadores da tal notícia.
Mal-diagramado que só vendo, eu não digo é mais nada, sob pena de
parecer exaltada e panfletária defesa corporativa dos feios do mundo, uni-vos.
Os lindos são muito mal-resolvidos. Acostumaram achar que a vida é
uma luta de boxe que sempre vencem por nocaute.
Os feios são mais devotos e amorosos. Passam a vida vencendo
apenas por pontos. E passarão, gracias.
Os mal-diagramados sempre tiveram que minar as resistências, gastar o
latim de todas as missas, cozinhar os juízos, priquitins molhados de sertões
difíceis de chuvas, desertos semi-áridos que se águam com muita prosa,
governo em ano bom ou língua.
Faz todo sentido do universo essa pesquisa do triunfo dos mal-
amanhados de nascença. Mas só faz porque é a favor da nossa feiosa causa.
O resto é o olho de quem vê contra o coração de mãe ou de outras raparigas
que, por ventura e sorte, nos amam em nos acham definitivos galãs e Alains
Dellons do Crato. Ao cronista, amigo, só resta pingar o ponto final sobre todas
as suspeitas anteriores. E pronto.

O SUSSURO DAS MENINAS*

Cabras safos & minas organizadas ou o contrário.


Pense.
Não pense.
Faça você mesmo(a) toda boa e bela besteira possível. A vida é grande,
mas a safadeza é maior ainda. E isso é o tipo da coisa que ninguém ensina...
ou tem na alma sebosa-soul ou nem dobra a esquina, nem rebola os quartos,
nem faz assim gostoso, nem dança com os deuses do terreiro ou do puteiro,
mesmo o puteiro imaginário de nossas cabeças, nem dança com os deuses
que compensam a morte do viejo Serge Gainsbourg...
Pense, não pense, rebole, desça gostoso, malicinha futebol clube, como
na faixa 4, Tatuí, voz de Karine Carvalho, ave palavra!, magote de cabra que
não presta: letra de Rodrigo Amarante e música, pense, de quem nada presta,
no bom sentido, é claro, de fora para dentro e de dentro para fora, donde
aparecem, na maciota, reparem, a música de Rica Amabis, Dengue, Pupillo e
Catatau...
Instituto, Nação Zumbi e Cidadão Instigado juntos para acunhar a
mesma conseqüência, pense na sustança, vôte, e assim segue o disco todo,
com a reunião dos melhores músicos dessa hora.
Na abertura do CD, além desses rapazes todos, imagine Leandra Leal,
grande menina, sem se falar na atriz gigante, sussurrando “Certeza”, quem
quiser que agüente.
“Enladeirada” é a negona gostosa da Thalma de Freitas cantando o fino
da letra e da presa de Jorge du Peixe com música das criaturas fuleras
supracitadas, mas vale dizer outra vez, os caras são PH de pharmácia: Pupillo,
Dengue e Rica Amabis.
E o cabaré num pára.
Pense na safadeza de Junio Barreto em “Doce Guia”, a 3 do 3 na
Massa, aqui com uma presa linda de Barra de Jangada, além muito além de
Pernambuco e Jamaica, com usteds o maestro Bactéria (mundo livre s/a entre
outros tantos universos). Sabe quem é a sabiazinha-laranjeira da parada? Céu,
ela mesma, Nossa Senhora nos proteja d´uma tentação sem limite dessas!
Geanine Marques, outra mina, vixe, defende “Estrondo”, com a pancada
lírica de Rodrigo Brandão e o mote-contínuo dos kabrones inventores desse
disco, vou repetir, anote ai vagabundos: Pupillo, Dengue e Rica Amabis.
Agora entra um cabra safado de sustança e pegada luminosa na letra,
“seu” Lirinha, lira do desejo, senhoras e senhores, faixa 6, “Lágrimas Pretas”,
abrem-se as cortinas, com vocês Pitty... Ai, Lúcio Maia, é tua a guitarra dessa
história, acunha!
A mais rodrigueana do disco é “Pecadora”. Canta menina Simone
Spaladore.
É tanto músico bom que é difícil peneirar os meninos, agora vem cá
Felipe S, Vicente e Marcelo Campelo, ai, segurem a responda de “Objeto”,
safadeza da porra. Sim, quem canta é Nina Becker, outra musa da delicadeza
da massa.
Já viram a dancinha de um tal menino China? Pensem num cabra
safado. Aqui, na “Quente como Asfalto” o pitiguari entra com a letra.
E nunca acaba a oferta de boas coisas e safadezas idem. A voz de Nina
Miranda em “Morada boa”, ave palavra, meu Deus, com vibrafone de Mauricio
Takara e violão de Gui Amabis, fudeu geral!
“Certa Noite” é a pegada de Alex Antunes como letrista, escriba, o xamã
da rua Augusta e arredores, na voz de Karina Falcão.
Lurdes da Luz diz “Sem Fôlego”, letra e voz, sentimento social clube
vindo das mesmas traquéias e pulmões.
Aí chegou Carneirovsky, moral da guerra lírico-existencial, Rodrigo
Carneiro, bardo do lendário Mickey Junkies, agora de vuelta e para sempre,
que manda a letra para os lábios vocacionados ao prazer sem limite da atriz
Alice Braga, meu Deus...
De perder o fôlego e as calças, um disco de fazer besteira com a moça
em casa, de ouvir no i-pod e fazer boas besteiras nos becos e levadas, um
disco de endoidar o cabeçote, um disco para saber a boa diferença entre uma
música e a loucura que a música desperta, vem pra cá, minha nega, gritos,
sussurros, delicadezas...
Eu fiquei foi doidim ao escutar essa bolacha!
Juízo não se compra.

*texto de apresentación do disco do 3 na massa + as meninas, já nas


boas casas do ramo

O HOMEM, O MITO, A FRAUDE

Uma das coisas mais hilárias, para não dizer infantis, dos modos de
macho e os seus be-a-bás, é o caso do falso don Juan. O homem, o mito, a
fraude. Narrativas eróticas que jamais aconteceram à vera, apenas e tão-
somente na garganta, riacho de muitos peixes grandes, do contador de
vantagens.
A nossa mania começa logo nos verdes anos, na mentira de que não
somos mais donzelos, e daí levamos ao túmulo, incorrigíveis e tarados Brás
Cubas.
No princípio, é uma vergonha assumir a virgindade no meio de tantos
machões que nos desfiam suas epopéias com o mulherio. Aí contamos
também a nossa “vasta experiência”. Não somos nada bocós ou bestas. Segue
a vida enfim, segue a vida, como decifra o velho Fred 04 no seu mundo livre
sociedade anônima.
Um amigo relata no botequim que traçou uma flor do bairro ou a gostosa
da firma; ouve o coro ridículo carregado de chope, caldinho, torresmo e
testosterona à milanesa: “Comi muiiito!”
O falso don Juan é a doença infantil e incurável do machismo. Até de
quem não precisa cantar loas do gênero pelo meio do mundo perdido de meu
Deus.
Reparem no grande Lima Duarte, o Sassá Mutema, o homem, o mito, a
soma de tantos personagens encafifados no imaginário dos Psitis, os
brasileiros flatulentos e escravos dos sofás televisivos.
Pelo que disse, nas educadas entrelinhas, a atriz Maitê Proença, em
entrevista esta semana na Folha de S. Paulo, o bravo Lima, demasiadamente
humano como todos os dublês de don Juan, também andou pecando por
pensamentos, palavras, obras e omissões.
A boa repórter Laura Mattos provoca: “Apesar de temas duros no livro,
não falou sobre algo já público, sua relação com Lima Duarte.”
No que Maitê, autora de “Uma vida inventada”, autobiografia fictícia,
como todas, que acaba de lançar pela editora Agir nas boas casas do ramo,
responde com a elegância sincera com a qual desfila na passarela dos nossos
corações:
“Imagina se fosse contar todos os amores, seria outro livro, do tipo que
abomino. E, apesar de o Lima contar a história do jeito dele, é um homem
brilhante que vive no mundo da fantasia. Gosta de florear a realidade. A versão
do Lima é uma, e a minha é a história de uma amizade muito importante.
Enquanto meu pai morria, fiz uma novela ["O Salvador da Pátria", 89] em que a
gente tinha uma relação de amor. A única pessoa para quem contei sobre o
processo da morte do meu pai, fora meu marido, foi o Lima. Criamos esse elo.
Gosto muito dele, o resto é fantasia de sua cabeça. Mas deixo, o que vou
fazer? Qual é a importância? Deixa ele sonhar, colorir a vida, não me ofende,
pode contar como quiser.”
Sim, deixa o menino brincar, como cantava o Jorge Ben das antigas, que
mal faz um delírio de macho, essa praga inevitável!?
Se bem que, em alguns episódios, é chato para as moças. Não digo pelo
velho, careta e surrado “vai ficar mal-falada” na firma, no bairro, em toda
cidadela. Digo pelo que pode manchar a imagem da nega quando o Pinóquio
metido a don Juan é a maior sujeira, como se diz na gíria corrente, moralismos
à parte, noves fora zero.
Moral popular da história: todo homem, assim como todo pescador que
se preza, tem sempre uma aventura maior que a vara.

AMOR SOB ENCOMENDA

Nos idos dos 80, no Recife, inaugurei um serviço especial de


“poemas de amor sob encomenda”, que eu apelidei carinhosamente de “Miss
Corações Solitários”, como no livro de Nathanael West, que acabara de ler.
Funcionava à sombra dos benjamins do Espinheiro, precisamente na sede das
edições Pirata, adonde exercia o ofício de amanuense e escriba.
Marketing miserável e joãogrilesco de um escriba só o couro e o
osso, que olhava a sua própria sombra magra e tinha medo. A estratégia foi um
sucesso. Depois de um anúncio dominical nos classificados do Diário de
Pernambuco, eu não dava mais conta dos pedidos e passei a terceirizar
sonetos e acrósticos, tarefa fácil na terra de Manuel Bandeira, Joaquim
Cardozo, Alberto da Cunha Melo, João Cabral, Carlos Pena Filho, Marco Polo,
Ângelo Monteiro, Zizo...
Ajudei a começar romances, reatar namoros, dar esperanças, iludir
boyzinhas, parabenizar amadas, encorajar amantes, suspirar viúvos, incendiar
mancebos e reacender o fogo de lindas e calientes afilhadas de Balzac.
A felicidade não se compra, como já nos avisou o cinema, mas que
amealhei algumas patacas, amealhei. Recife virou uma festa, melhor do que a
Paris de Hemingway.
O motivo dessa crônica, no entanto, não é o de ficar apenas
mascando o chiclete da nostalgia. Nada disso. O motivo é de arrepiar. E se
chama Marina Cavalcante. Pernambucana de Olinda, hoje habitante do bairro
de São Matheus, na zona leste de São Paulo, tinha 20 anos quando me
encomendou uma prosa-poética para o namorado.
Agora com 39, viu este mal-assombro que vos escreve no programa
de TV do Lobão _o “Saca-Rolha”, que passava no canal 21 de SP_ e me
procurou agora para contar a sua história. “Ele, Roberto, achava que eu o traia,
por isso pedi o poema sobre a minha fidelidade, pra fazer ele chorar, lembra?”
ela pergunta. Claro que não recordo. Eram tantos casos. O poeta Jaci Bezerra,
velho amigo e testemunha ocular da história, que o diga.
E aí, conta logo, menina: “Ele, Roberto, acreditou em mim, vivemos
um lindo amor por cinco anos, o amor da minha vida, por isso a minha
felicidade de achar o sr. na televisão e agora aqui na internet, pra agradecer,
tanto tempo depois”.
Homem que é homem chora bonito, chora mais alto. Não me contive
com o episódio. Marina casou com outro aqui em São Paulo, hoje está
separada, e diz que não esquece o motivo daquele velho poema. Bela história.
Deu até vontade de retomar as encomendas, as costuras para fora. Bom saber
que a minha melopéia punk-brega comoveu até um macho à moda antiga, mas
do tipo que ainda manda flores, caso do grande amor da vida de Marina.

DOU RISADA DE UM GRANDE AMOR

“Tinha cá pra mim que agora sim, eu vivia enfim o grande amor,
mentira!”
Encontro minha amiga A., no nosso botequim predileto, e a desalmada
vai logo anunciando, com a ironia fina que a acompanha na riqueza e na
pobreza, na saúde e na doença.
Sempre tem boas histórias e uma mania louca de escolher uma música,
normalmente Chico Buarque, para trilha das sagas românticas.
Como Chico tem um vasto elenco de personagens femininos e incorpora
as dores e delícias das mulheres, ela escolhe no capricho, no ponto. Moleza,
garoto.
“Tinha cá pra mim que agora sim, eu vivia enfim o grande amor,
mentira!”, ela repete e repete, enche o saco com o “Samba do grande amor”.
Essa música nem é protagonizada por uma fêmea, e sim por um homem
desiludido do amor, um cabra cujo destino parafusou-lhe na testa belos objetos
pontiagudos, como diria o compay Marçal Aquino.
Mas ela insiste e canta assim mesmo. Pior: canta e ri, uma loucura. Que
diabo de sofrimento é esse com essas gargalhadas todas?
A moça é assim mesmo. Não tem jeito. E olhe que nem pediu
caipiroscas de frutas vermelhas nesse dia, ficou apenas no chope, coisa fina e
civilizada.
“Morrer dessa vez é que não vou”, tira onda. “Ih, estou escaldada, velho
Francisco”.
O que A. me contou uma das coisas banais que mais escuto das minhas
amigas nos últimos tempos. E olhe que sou conselheiro, ombudsman das
moças, cupido e ouvidor-geral de muitas crias das nossas costelas.
“Sua carteira de desesperadas é grande”, ela mesma tira uma boa onda
sobre um ofício que desenvolvo com gosto e curiosidade desde os verdes anos
–quando sequer eu sabia o era uma mulher para valer, conhecia apenas as
cabritas e as bananeiras.
A amiga deparou-se com mais um desses homens que prometem,
ensaiam, jogam um charme, cultivam, cantam de galo... comparecem e..., sem
dizer nada, tomam o clássico chá de sumiço.
“Por essas e por outras é que agora prefiro um bom canalha a um
homem frouxo”, prega a amiga, conquistando rapidinho o apoio da mesa
feminina ao lado. “Um canalha pelo menos me pega com gosto e temos noites
deliciosas”.
Defende a tese e emenda, riso desavergonhado: “Passava um verão a
água e pão, dava o meu quinhão pro grande amor, mentira!”
É rapazes, é tempo de homem frouxo, que corre mesmo diante da
possibilidade de uma história mais densa e afetiva. Não sabem o que estão
perdendo. A começar pela minha amiga cantante, belo exemplar da raça, no
auge dos seus 3 ponto 6, boa conversa, boa lábia, gostosa, bocão e um humor
capaz de tornar o mais nublado dos dias no dia mais alegre e comovente para
o cara que estiver ao seu lado. Sorte deste hombre!

A ROSA AMALDIÇOADA DO REI

-Depois que peguei aquela rosa no show do Roberto –ela disse, já de pé,
indo ao banheiro.

Era uma desconhecida, mas daquele tipo de mulher que nos dá a


impressão de ter passado uma vida inteira ao nosso lado.

-Só pode ser maldição da rosa do Roberto –a senhorita ainda anônima


volta do WC resmungando. –Só pode!
Por causa da zoada no botequim, ela fala aos berros no meu ouvido
esquerdo:
-Eu sou de se jogar fora, me diga!
-Não, de forma alguma, muito pelo contrario – respondo, sem carecer
mentir, o que é raro nesse gênero de interpelação avulsa.
Não é de se jogar fora mesmo.
Tem covinha no sorriso. Resistir quem há de?
-Pois acredite, moço, desde o dia em que peguei a maldita rosa do Rei a
vida tem sido um desmantelo só –ela conta, buscando fôlego lá no
escondidinho d´alma penada.
Escuto pacientemente como um ouvidor-geral da boemia e da noite, um
paciente ombudsman das criaturas que vagam sem rumo e de tantos outros
barcos bêbados da madruga sem dono.
-A vida ficou mais feia que virada de Kombi, seu moço! –ela ri,
escondendo o sorriso com a mão esquerda, a do lado do coração, por uns
instantes. –Rio para não chorar, entende, amigo?
Não me chama de amigo à toa. Desde que arrastou a cadeira e pediu
licença para sentar na mesa, parecia que éramos velhos conhecidos. Daqueles
de chorar no ombro e tudo.
Entendo, amiga.
Pegou a danada da rosa em um show do Rei no ginásio Geraldão, no
Recife, há um punhado de anos, no dia do seu vigésimo quinto aniversário, um
quarto de século de existência.
-Ainda na mesma semana perdi meu marido –ela desfia a tragédia. –
Tudo bem que não era lá essas coisas, a bem dizer era um traste, mercadoria
sem nota.
-Quer beber alguma coisa quente? –indago, todo-ouvidos para a sua
história verdadeira.
Certo tipo de história forte não combinava nada com as espumas
flutuantes da cerveja.
-Garçom, por favor, um campari, copo longo, muito gelo.
-Como eu ia dizendo ao senhor...
-O senhor está no céu, por favor, me trate por você mesmo –interrompi,
típica freada de velho contra as palavras que nos trazem mais rugas no vento.
-Como estava contando, amigo...
-Garçom, vê também um uísque, o de sempre.
-Como estava contando, amigo, perdi o desalmado do homem que
dormia comigo, mas tudo bem, até contei como uma ajuda da sorte – ela
zomba mais uma vez da própria desgraça. –O miserável da costela-oca me
pegou sorrindo para o cachorro do cambista (do jogo do bicho) e achou que a
gente estava de amancebo, vê se pode uma calúnia dessas?
Depois de mais um rosário de infortúnios amorosos e uns quatro
camparis no juízo, ela continua com a saga da rosa amaldiçoada do Rei
Roberto:
-Ele (Roberto) não é todo cheio de manias, só veste azul e branco, todo
supersticioso, pois passou todo azar desse mundo para aquela rosa – insiste. –
Eu logo vi, eu que nunca tive sorte em nada, nunca peguei um bouquet de
noiva, e vem aquela rosa vermelha, linda, fresquinha, e cai direto no meu
colo?!
E assim vimos o sol raiar iluminando aquele copázio vermelho de
Marinês em uma esquina da rua Augusta. Marinês, sim, era o nome da moça
da rosa. Acabara de chegar a São Paulo, vinda de Juazeiro do Norte, para
onde mudou-se do Recife, e onde igualmente nunca mais teve sorte com
homem. Para não dizer que nunca mais atraiu costelas, mesmo com os seus
olhos de onça e o sorriso em covas, recebeu um tempestuoso pedido de
casamento na rodoviária de Teófilo Otoni, de um cigano negociante de pedras
preciosas.
-Quando a gente está apagadinha para a vida, nem uma mina inteira de
diamante nos ilumina –disse ela, lágrimas derramando no campari.
ZOOLOGIA DO AMORRR

Os animais são mais importantes no amor do que supõe a nossa vã


filosofia.
Importantíssimos.
Já terminei romances em que fiquei com tanta saudade da ex quanta da
sua gata, cachorro e até dos ratos que roeram as nossas vestes do desejo.
Quando ainda morava no sertão ficava morrendo de amor pelos tatus
criados em fundo de quintais e tonéis, preás de estimação, tejus, timbus,
morrendo de amor pelos macacos, todos batizados chicos, nambus, codornizes
e gordas patas que se arrastavam na lama em anos de chuva.
Também já ocorreu de conquistar mulheres, ou pelo menos consolidar
boas histórias amorosas, por demonstrar carinho e afeto com os bichanos.
Como sair de casa altas horas da madrugada para comprar a ração do felino. E
de quebra, trazer um patê especial para o danado.
Sim, o amor passa pelos bichos, eu acredito.
Uma mulher que afaga e trata bem o meu cachorro, sendo que às vezes
o cão vadio possa ser eu mesmo, uma mulher que brinca de “never more” com
o meu corvo Edgar, que diz sacanagens ao meu papagaio Florbé, que faz uma
graça para o meu bode Ressaca... Essa mulher marca pontos
importantíssimos, além de fazer o necessário na cartilha do amor mais
franciscano.
Claro que essa forma de ver o amado ou a amada nos seus animais de
estimação pode gerar também pequenos desastres, catástrofes nem sempre
naturais. Uma amiga do Rio, por exemplo, evitava as gracinhas do cão do seu
ex sempre que ele aprontava. Chegava a ser indelicada, grosseira, como se
visse naquele labrador as pisadas na bola do seu dono. Acontece. Afinal de
contas os bichos ficam um pouco, com o tempo, com os mesmos focinhos dos
seus digníssimos proprietários.
Além de tudo isso, pelos animais que possui se conhece mais um pouco
um homem.
Sério.
O cara que cria um gato tem muito mais chance de ser um homem
sensível, embora até enfrente um certo preconceito entre os seus amigos, que
insinuam uma certa viadagem, baitolagem ou perobice, para usar termos dos
quais abusamos nos nossos encontros de futebol e boteco.
O homem que passeia orgulhosamente com o seu pitbull pode até não
ser um monstro, mas aquela focinheira já diz um pouco do seu dono. Não que
o cão tenha alguma culpa, ele está no mundo dele. O erro é de que o desloca e
o usa para outros exercícios de violência.
Mas voltemos aos gatos, esses metafísicos e misteriosos animais.
Como eles dizem tudo sobre o amor e sobre nós. O casal briga e eles
incorporam o barraco. Vão lá e quebram tudo, reviram o mocó-saló de cabeça
pra baixo.
Na harmonia e no amor intenso, lá está ele, sempre aos nossos pés.
Como eles adoram ver e sentir os cheiros da hora do sexo. Eta bichanos
voyeuristas. Eles se enroscam na cama depois das nossas melhores noites.
Cumprimentam-nos pelo afeto e pela performance. Um belo “miau” de
parabéns, como se dissesse, a nos arranhar de leve, estão vendo como o amor
pode dar certo, seus cães danados?!
RONDÓ DO PADRE VOADOR

Ô vontade de fazer como o padre dos balões coloridos


E pelos ares dar um belo perdido

E cair vivo beeeeem distante


Como um Walt Whitman delirante

Mesmo que na ilha


não tenha sequer um radinho de pilha

O que vale é virar um Robinson Crusoé


...só pra ver qualé, mané!

Mesmo que lá não tenha futebol


E os deuses brinquem de chutar o sol

Mesmo que não tenha puteiro...


Me acabo na mão feito colher de pedreiro

Dou um belo balão no cartão visa


E vou viver de flozô e brisa

Recitando Vinícius e Bandeira


Para a minha mulher-bananeira

Ô vontade de fazer como o padre maluco


E cair direto na Aurora, Recife, Pernambuco

Porque mais vale um vigário voando


Do que dois ateus vagabundos

Mesmo que nos ares vire uma noviça


E dê até para o coroinha da missa

Ô vontade de ser o padre perdido


que deu um balão em Jesus Cristo

Quem me dera a coragem do vigário


E eu deixasse mesmo de ser otário.

Saísse de vez do plano terreno...


Pense!, imagine, meu caro John Lennon!
A PELEJA DOS XIFÓPAGOS

Eram irmãos siameses, xifópagos, unidos pelo tórax. Os gostos, porém, eram
díspares. Virgílio, fino, leu James Joyce, quetais, essas coisas, lia antes
mesmo de se despedir do primeiro dente de leite, berço. Camilo José, ingênuo
e cândido, era viciado em histórias de príncipes, auto-ajuda e, mais
recentemente, Paulo Coelho. Virgílio agüentou, de forma resignada, até a
leitura, normalmente em voz alta, de “Veronika Decide Morrer.” Até que o coro
grego anunciou a tragédia. Na cena de sexo do “11 Minutos”, outro best-seller
do mago, Virgílio tentou desvencilhar-se a todo custo, chegando inclusive a
ferir-se no embate. Passaram a viver, dali por diante, como cão e gato
inseparáveis. Certo dia, senhores, em bravo duelo sonâmbulo, Virgílio alvejou,
à queima roupa _embora a contragosto, não apreciava esteticamente o
assassinato de tão perto_ o irmão Camilo com um tiro na perna. Deram entrada
no nosocômio, deu polícia e notícias populares. Condenado sumariamente,
havia uma estupenda dúvida jurídica: é justo Virgílio, pobre vítima, ser obrigado
a pagar a mesma pena? Consultaram todos os alfarrábios para farejar alguma
jurisprudência. Não havia caso do gênero em toda a esfera. Enquanto o
tribunal superior não se manifesta, estão lá, Vírgilio e Camilo José, dividindo o
mesmo corpo, mesmo infortúnio, a mesma cela.

TUDO PELO BOFE, TUDO PELA NEGA

Tudo é possível nos floridos inícios de namoros, cachos, romances,


acasalamentos etc. Tudo na base do “ora direis, ouvir estrelas”.
Vale tudo.
Fazemos os 12 trabalhos de Hércules assobiando.
Carregamos, sem suar, a pedra que tanto pesou sobre o velho Sísifo.
O que você não me pede chorando que eu não te faça sorrindo?
Uma amiga acaba de me contar aqui, durante um vinho, o seu último
sacrifício do gênero: fez uma interminável trilha pelo mato, daquelas que
deixam até o mais caminhador dos índios ianomâmis no bagaço.
Tudo pelo bofe, seu mais novo pretendente.
Para completar, o rapaz, um Apolo, segundo ela, é vegetariano radical.
“Olhos azuis!!!”, ela gasta as exclamações. O mais é impublicável neste
blog de carapuças e bons costumes.
O rapaz, diz ela, é vegetariano sectário. Carne nem pensar. E ela ama
um filé mignon, um cordeiro, uma picanha, um galeto de padaria ou de esquina.
Ama mas tem fingido que detesta...
Nada de bebida alcoólica, também apregoa. E ela adora uma boemia
sem regras.
Lá vai então a nossa “sedentária ativista”, como ela se define, na mais
íngreme das trilhas na selva. Haja mata atlântica. Quatro minutos depois ela já
passava mal. Um inferno verde de Dante. Achava que iria morrer.
“Ele pegou e ficou segurando a minha mão”, derrete-se a nega qual
Aviação de latinha.
Ah, uma cerveja!, ela pensava enquanto ele ofertava aqueles líquidos de
atleta.
Os sacrifícios dos capítulos iniciais da paixão, do amor ou do possível
amor.
O pior, brincamos, é que ele não come nada que tenha rosto _eis a
moral dos vegetarianos.
E a minha amiga, é bom que se diga, tem um rosto lindo, lindo, lindo.
Um espetáculo na flor dos seus 35 veraneios.
Além de trilha, o cara também faz yoga.
O que me fez lembrar de um amigo, nordestino de boa cepa que habita
São Paulo há tempos, que começou a fazer yoga (olha o biquinho do “ô”
fechado!) por causa de uma mulher que frequentava a tal aula. Sacrifícios do
amor, ora veja.
Faz-se de tudo na paixão roxa.
Meu amigo Moreno, por exemplo, odeia comida japonesa, mas vive a
empanturrar-se dos sashimis mais exóticos por causa de uma gazela.
“Adooooro tudo do mundo oriental”, derramava-se o canalha. “Tóquio é uma
maravilha, estive lá no ano passado; na próxima a gente vai juntos”, mentia o
adorável carioca.
Tudo é possível no momento de bater o centro, dar o pontapé inicial no
namoro, no cacho, no rolo, no romance, seja lá que batismo tenha essa arte de
juntar duas criaturas para o bem-bom da vida.
Faz-se de tudo. Até sexo em pé numa rede, essa arte-mor nunca
prevista pelos manuais, catecismos ou Kama Sutra, mas nobilíssima para as
tribos do norte.
Faz-se de tudo. Intelectual apaixonado lê Paulo Coelho, quando o autor
é o preferido da sua costela, e ainda encontra um corte epistemológico para
morrer de elogiá-lo. Vale tudo, o amor tudo pode.
Machão tosco vê cinema francês ou iraniano e chora de molhar a
camisa; mulher se acaba de torcer num Fla X Flu, num Tupi x Atlético, num
Sport x Salgueiro, num Botafogo x Madureira...
Isso é lindo, aqui e agora, viva a densidade possível. Depois é depois, ai
é só tentar continuar na arte zen de consertar chuveiros e encrencas... Casar
ou comprar uma motocicleta será sempre o nosso eterno dilema.

UMA VIDA DE SEGUNDA OU CRUZANDO O PARAISO, AMIGO SAM


SHEPPARD

Ainda na cama, o grupo Morphine toca “buena”, aquela, faço as promessas da


semana e os três desejos de segunda.
Saio do escuro e mendigo um naco de sol, bem-aventurados os lagartos
que nadam no seco.
Esta semana eu te quero, eis o primeiro e talvez único desejo. Não vale
dizer “eu não tenho roupas”, daqui vejo o desespero diante do armário lotado,
que venhas só de botas mesmo que serás um presente para todos os
vagabundos da noite.
A tira do Laerte antes do horóscopo. Esse cara tá foda, uma fase que
nunca acaba. Alguém diz.
Estamos numa fase como as nossas tripas.
Com fome, mas sem saber donde vem o ronco, se da minha pança ou
da linda barriguinha dela.
Amo a minha cachorra chapada e bêbada, amigo zero quatro.
Dois bules de café amargo, cream cracker, manteiga Aviação,de lata,
duas ou três coisas que nunca saberemos de nós dois sobre todas as outras
coisas sem importância.
Os caras morreram, agora nos demos conta, inclusive Antonioni, mas
nós estamos apenas de ressaca, amor, essa dengue sartreana da moléstia,
calma ai, calma ai, sem desespero, ao lusco-fusco estaremos tinindo de novo.
Nuestros horóscopos para agosto, mas como agosto se agosto, Bárbara
Abramo, caiu em julho este ano, tragédia de avião e tudo com cento e tantos
mortos?
Ao sair não bata a porta, deixa aberta para que o vento devolva o teu
cheiro e eu goze mais uma vez antes que dobres a esquina do Paraíso adonde
ganha a vida, à custa da neutralidade suspeita, o velho babaca do teu analista.

[do libreto "Tripa de cadela & outras fábulas bêbadas", breve pela editora
Dulcinéia Catadora]

MACHO. PROCURA-SE

“Se o macho está perdido, amigo, como se apregoa por ai, não sou eu
que vou procurá-lo”, diz o escriba Marçal Aquino, em animada mesa da nossa
taberna lítero-boêmia em São Paulo, a Mercearia São Pedro.
Claro que o mote do autor de “Faroestes” rendeu e desabou, graças ao
abençoado combustível de Salinas, para uma buena onda digna das páginas
mais quentes de Pedro Juan Gutiérrez.
É, amigo, nunca foi tão difícil ser homem, melhor, nunca foi tão difícil ser
macho, para usar a acepção mais testosteronizada do gênero. Os dilemas são
muitos e o meio termo corre sempre o risco de ser mal-compreendido.
Continuar sendo o irredutível macho-jurubeba ou ceder às saudáveis
tentações dos metrossexuais?
O ideal, para os novos tempos, diriam os moderados, seria dosar um
pouco de macheza à moda antiga com mais cuidado com a aparência, uma
guaribada no guarda-roupa, uma cosmética sem exageros...
Nada de ter uma bancada de creminhos maior do que a patroa. Assim
não dá, companheiro.
Mas ai não correríamos o risco de perder a personalidade, a pegada?,
indagariam os mais tradicionais, aqueles que nunca se permitiram a nada mais
do que um punhado de Minâncora ou banha de peixe-boi sobre uma espinha.
Perfume ou cheiro natural de homem?
E tome dilemas.
Há quem não admita nada mais além de um Avanço ou Leite de Rosas.
Basta.
Estão vendo como não está sendo fácil ser macho nos tempos
modernos?!
E reparem que nem adentramos ainda o misterioso assunto das fêmeas.
Preparem-se, ai é que nos perderemos de vez. Você pede em casamento, ela
pede uma coca-cola.
A incompreensão nunca foi tão grande. E vice-versa. Mas desde quando
soubemos, como perguntava o sábio doutor Sigmund, o que querem as
mulheres?
Os justos avanços femininos, no entanto, embaralham como nunca o
senso comum –e culturalmente machista- de nós todos.
Puxar ou não a cadeira no restaurante? Abrir ou não a porta do carro?
Tomar iniciativa e pagar logo a conta ou esperar que ela divida? Até que ponto
seguir o velho código do cavalheirismo vai incomodá-la na sua alardeada
independência? (Nesse momento sentimos ainda ao longe o cheiro da
efeméride dos sutiãs queimados!)
Na alcova, então, mais um balaio de dúvidas. Ser um hétero sensível ou
um lenhador selvagem?
Enfim, como já deu para notar, não tem bula, não tem receita, não há um
padrão x a seguir, embora as revistas masculinas insistam em um certo “novo
homem”, criatura que já foi representada por David Beckham (da costela dele
Deus criou o metrossexual) e mais recentemente pelo George Clooney,
denominado übersexual, seja o lá o que diabo isso signifique.
E eu vou ficando por aqui, se não, a continuar com essas dúvidas todas,
o velho Francisco Nildemar, lá no Sítio das Cobras, em Santana do Cariri,
nunca mais me deixa pedir a “bença, pai”.

DA SÉRIE BÁRBAROS X CIVILIZADOS

Curador, eis a função do momento. Ultra-mega-hype, como reza a


hipérbole fashionista da estação.
Já repararam que agora existe uma curadoria para qualquer evento,
mesmo uma tertúlia de boteco? Todo mundo quer e se orgulha desse ofício.
Assim como ser DJ, chef, hayr stylist ou personal-qualquer-coisa nos anos 90,
ser curador é o que há nos anos 00.
Tem curador para tudo, remate de todos os males artísticos nacionais.
Do folguedo do boi-bumbá à Bienal; da feira de livros do grêmio lítero-
recreativo de Brumadinho aos velhinhos que molham religiosamente o biscoito
no chá de catuaba da ABL na era pós-Luana sem calcinha.

No início era o verbo...

Do latim, “curator”, aquele cuja missão é administrar e cuidar da seleção


e organização de uma pajelança qualquer. Coisa fina. O primeiro da raça viveu
na Roma Antiga e cuidava de atirar plebeus aos leões. No Brasil, vingou nas
artes plásticas, com as bienais dos anos 1980. Agora é moda. Lindo. Tem
curador até para briga de galo, leilão de zebus, exposição de nelores, feiras de
tapetes, chá de caridade...

Os novos célebres
Os cartazes exibem, foguetório da glória, “Curadoria: Fulano de Tal”. Até
os lambe-lambes, nos muros da cidade, fazem constar o crédito de luxo do
momento. Tudo é curadoria. Os curadores invadem a “Ilha de Caras”, a festa
da “Quem”, são reconhecidos na ponte-aérea. Celebrizemos de vez os
curadores, indistintamente. Um país sério é feito de curadores, as obras que se
danem. Organizador que nada, eu agora sou é da curadoria, seus babaquaras
demodês.

Eu curador de mim

Por que não? Pinto, bordo, costuro para fora e faço a minha própria
curadoria. Chega de atravessadores –eu sou eu e sou o outro... e sou também
qualquer coisa de intermédio, como diz a sábia lírica portuguesa. Eu me
escolho, eu me exponho, faço o press-release, eu me critico no meu site [via
heterônimos], faço o lobby, eu me vendo, eu me entrego todinho, a vista, a
prazo, pré-datado, a domicílio.

Socialismo para milionários

“O que é roubar um banco diante de funda-lo?” Calma velho Brecht,


agora o ditado é assim: “O que é fundar um banco diante de ser um curador-
banqueiro?” Os nossos generosos milionários se entregaram de vez às belas
artes, nunca se viu nada igual desde que o conde Maurício de Nassau trouxe a
caravela de artistas ao Pernambuco holandês. Quando ouvir falar em curadoria
do gênero, saque logo o seu talão de cheques.

Código do bom-tom

Rápida e necessária regra de civilidade: o grande curador deve entender


obrigatoriamente mais de vinho e de alta gastronomia do que de arte em geral.
À boa mesa é que ele papa a crítica, o faminto estafeta das repartições
culturais e a balzaca-tailleur do marketing da companhia patrocinadora.

Do recurso do método

Os bons curadores são pessoas muito criteriosas e exigentes. Exigem o


deles sempre adiantado.
CÃO DE GUARDA (RELOADED, A PEDIDOS)

“Amar, além de muitas outras coisas, quer dizer deleitar-se na


contemplação e na observação da pessoa amada”, sopra o velho escritor
Alberto Moravia, sempre aqui na cabeceira.
Uma das melhores coisas da vida é observar a pessoa amada que
dorme,entregue, para além dos pesadelos diários.
Como bem disse Antônio Maria, o grande cronista que aparece com
ciúmes até da própria sombra na vida e no livro da Danuza , um homem e uma
mulher jamais deveriam dormir ao mesmo tempo, embora invariavelmente
juntos, para que não perdessem, um no outro, o primeiro carinho de que
desperta.
Experimente você também, sensíiiiiiiivel leitora, vê o seu homem quando
dorme. Há uma beleza nessa vigília que os tempos corridos de hoje não
percebem.
Amar é... vê-lo dormindo como um Garfield lesado e alasanhado.
Cada mexidinha, cada gesto. O que sonha nesse exato momento?
Tomara que seja comigo, você pensa, pois o amor também é egoísmo.
Gaste pelo menos meia hora por semana nesse privilegiado
observatório.
Psiuuuuu!
Ela dorme.
Mãozinha no ar, como se apanhasse pássaros, que coisa mais linda.
Uns 23 minutos assim, mirei no rádio-relógio. A mão desce ao colchão, quase
dormente, formigamentos. Coça o nariz. Põe a mãozinha direita entre as coxas.
Agora vira de lado, como os antigos LPs quando gastavam as seis músicas do
A. E me abraça como nunca fosse partir, corpos viciados, almas em busca de
um acerto.
Dorme, meu anjo.
Ela obedece.
Vigio o sono dela como um soldado zapatista na selva escura.
Como um cão zela o sangue do dono.
Como se fosse um homem-exército e pronto.
Amar, no início era o verbo intransitivo da alemã professora de amor de
Mario de Andrade. O idílio tem sobrevida, não como gênero, mas como vício,
vício de amar. Amar de muito.
A mão desce agora sobre o meu peito, como se medisse meus
batimentos.
A mão direita volta para a arte de apanhar pássaros, que beleza, que
diabos!
O ideal é que você, amiga leitora e sensivi, durma do lado esquerdo da
cama, o do coração, sempre.
Mãozinha no ar catando pássaros. Até se acalmar de vez.
Calmaria danada de horas, sem coreografias ou narrativas. Sonha,
sonha, sonha, minha menina.
Como é lindo a vigília ao sono dela.
Coça o nariz. Sussurra umas onomatopeiazinhas lindas de sonhos de
besouros.
Ela arruma os cabelos como algas, entorpeço num mergulho.
Observar o sono do(a) amado(a) é a melhor maneira de mapear a sua
beleza.
É a melhor maneira de conhecer o homem ou a mulher com quem
dormimos.
E como são lindas aquelas marquinhas deixadas pelos lençóis no corpo
dela. Um mapa de delírios! Melhor é lê-las como quem adivinha os sonhos e o
futuro no fundo da xícara árabe ou nas cartas.

WONG KAR-WAI UN KARAI

Vilgi p q wong kar-wai foi tão publicitário e medonho no beijo roubado?? So


passava trenzinnn esteticamente azuladim, horrivi, jisus... quele povim safadim
e mal vestidimcoitadim... aquela boininha verdinha, de uma muiézinha
llamada... Cuma era merma o batistério de la ninã, lembra?, aquela coisinha do
cinena, ah deus do céu nossa senhora, q pobreza, não-sei-la-o-que-jones, q
pobrezzaaaa...
P q foi tão encomenda e tão americano do norte q não o norte do zoim fechado
dele merme por quê? Sim, na encomenda a musa entrega correno e se joga
por qualquer plata, sabemi, mas carecia fazer aquele filmim tão ruim, assim,
mô dios? Fui no cinemim com minha mulherzin e me fudi assi feitim um
roçadim de Mogi mirim q num vingô ningun brotin, xá pra la xangrilá, contece,
né, jisuscristim?!
Ô mó, peixim daquarim, q fitinha safada a dois conto de réis, quem mandô
achar q só o zoim fechado la daquele povim ia dá bom firme, ne?, seno asi
prefiro craudesí, lá da nossa disordi merma pernambuquim... hihihihihi

BENÇA, MÃE*

Mãe, ainda me lembro quando tu colocaste a rede no fundo da mala,


mala de couro, forrada com brim cáqui, e perguntaste, tentando sorrir no prumo
da estrada: “Filho, será que na capital tem armador nas paredes?”
Naquela noite eu partiria para o Recife, que conhecia apenas de fotos e
do mar de histórias trazidos pelos amigos. Lembro de uma penca de fotografias
em especial, que ilustrava uma bolsa de plástico que usava para carregar meus
livros e cadernos. Lá estavam as pontes do centro, casario da Aurora ao fundo,
lá estava a sede da Sudene, símbolo de grandeza naquele apagar dos anos
1970, lá estava o Colosso do Arruda, o estádio do Santa...
Quando o ônibus gemeu as dores da partida, aquela zoada inesquecível
que carregamos para todo o sempre, tu me olhaste firme, e eu segurei as
lágrimas tão-somente para dizer que já era um homem, que era chegada a
hora de ganhar o mundo, o mundo que conhecia somente pelo rádio, meu vício
desde pequeno, no rádio em que ouvia os Beatles, as resenhas e as
transmissões esportivas das rádios Nacional, além de todo um sortimento de
novidades daqui e do estrangeiro.
Lembro que naquele dia, mãe, ouvimos juntos o horóscopo de Omar
Cardoso, na rádio Educadora (ou teria sido na Progresso de Juazeiro?). Que
falava dos novos rumos do signo de Libra. Você disse: “Tá vendo, meu filho,
você será muito feliz bem longe”.
A voz de Omar Cardoso e o seu mantra ecoava no juízo: “Todos os dias,
sob todos os pontos de vista, vou cada vez melhor!”
Foi o dia mais curto de toda a existência. O almoço chegou correndo, a
merenda da tarde passou voando... e quando dei fé estava diante da placa
Crato/Recife, Viação Princesa do Agreste.
Todo choro que segurei na tua frente, mãe, foi derramado em todas as
léguas seguintes. Mal chegou em Barbalha eu já estava com os dois lenços de
pano –outro cuidado seu com o rebento- molhados. Em Missão Velha, uma
moça bonita, uma estudante que voltava de férias, me confortou: “É para o seu
bem, foi assim também comigo”.
Quando chegou em Salgueiro, além dos lenços e da camisa nova -
xadrezinho da marca Guararapes-, o livro Angústia, de Graciliano Ramos, um
dos motivos da minha vontade de conhecer a vida, também já estava
encharcado.
E assim foi a viagem toda. Com direito a soluços, que acordaram a
velhinha que ia ao meu lado, quando o ônibus chegou ao amanhecer no
Recife.
Arrastei a mala pelo bairro de São José e procurei a pensão mais
econômica.
Sim, mãe, tem armador de rede, escrevi na primeira carta. Naquele
tempo não usava-se, em famílias sem muito dinheiro, o telefone. Era tudo na
base do “espero que esta te encontre com saúde”, como a gente escrevia na
formalidade das missivas.
É mãe, neste teu dia, que está quase chegando a hora, quero lembrar
que a coisa que mais me comoveu foi tua coragem, que eu até achava, cá
entre nós, que fosse dureza além da conta d´alma. Até falei, um dia no divã,
sobre o assunto, como se eu quisesse que naquela despedida o sertão virasse
o teu mar de pranto.
Eis que recentemente me contaste como foi duro, que tudo não passava
de um jeito para não fazer que eu desistisse de ganhar a rodagem. Aí me
lembrei de uma sabedoria que citava nas cartas e bilhetes, quando eu
esmorecia um pouco na sobrevivência da cidade grande: “Saudade não bota
panela no fogo”. E ainda reforçava: “Saudade não cozinha feijão, coragem,
filho, coragem”.
Em nome das mães de todos os meninos e meninas que partiram, dona
Maria do Socorro, quero te deixar beijos e flores.
Sim, mãe, agora já sabes que somos de uma família de homens
chorões, são 04h06 de uma quarta-feira e eu choro um pouco, como fazia no
fundo daquela rede colorida que puseste no fundo da mala, chorava tanto nos
sótãos das pensões do Recife que os chinelos amanheciam boiando no
quarto, como se quisessem tomar o caminho de volta para casa.

*crônica publicada no final de semana nos jornais O Tempo(BH), Diário


de Pernambuco e Diário do Nordeste (Fortaleza). Distribuição agência BrPress.
veículos interessados na publicação devem procurar juliana@brpress.com.br
A BOLA E A MULHER OU VICE-VERSA *

Amigo torcedor, amigo secador, quando o Pereira me disse, ainda no


século passado, que ninguém fazia mais sexo na terra da Rainha, eu achei que
era apenas um dos seus tantos chistes geniais. Mas que nada, qual o quê, era
a mais certeira das verdades.

Ciente de uma pesquisa divulgada esta semana pela BBC, o mesmo


Pereira, recrutador e olheiro de uma luxuosa casa de tolerância de São Paulo,
volta à forra: “Sexo é coisa de estivador, a Europa não perde mais tempo com
esse ato selvagem”.

É, amigo, seis em cada dez europeus preferem um jogo de futebol a


uma conjunção carnal. Entre o Chelsea e uma noite com Kate Moss, o time,
óbvio. Mesmo considerando que as européias, na média, não têm o latifúndio
dorsal das nossas Paraguaçus, não deixa de ser supreendente o resultado da
enquete.

Pereira acredita que os brasileiros já seguem a tendência, apesar da


cerimônia em revelar, numa boa, numa nice, a tal troca. Ele mesmo largou a
sua morena da praia, na noite de quarta, para ver o embate dos aristocráticos
tricolores no Maraca.

A gazela ainda tentou, depois do gol do galalau Washington, uns


cafunés, uns afagos, um vem-cá-meu-nego, um xenhenhém, e nada. Apenas
viu escorrer no rosto do Pereira as duas lágrimas geladas da música do
Wando.

Quando o São Paulo vence, Pereira até que cresce no jogo, vai para
cima, ganha o motor-rádio da alcova, vira uma espécie de Adriano nas grandes
noites. A ciência explica o fenômeno: segundo pesquisa gringa, quando o time
do macho triunfa, ele ganha 27,6 % a mais de testosterona nas veias.

Imagine, amigo, como devem estar envernizados, como diz a lírica brega
do grupo Academia da Berlinda, os torcedores do Sport Recife. Ainda mais
quando o Leão do Norte joga na Ilha de Lost, como os rubronegros chamam
agora a sua casa, onde os adversários se perdem, lesadamente, em campo,
conforme sopra aqui o jovem escriba Carlyle Paes Barreto.

Os gravatinhas do Flu também estão assanhados, embora vislumbrem,


além muito além das mesas do Serafim e da rua Alice, o fantasma azul do
Boca.

Pereira prefere não tratar desse assunto. Tapeia o cronista falando mais
uma vez da recente pesquisa entre os europeus. “E você viu, rapaz, que 88%
responderam ter abraçado e até beijado desconhecidos durante a celebração
de gols ou de vitórias?”

É, amigo, o amor é mesmo lindo nas arquibancadas. O mais


intransigente dos machões agarra o homem do lado sem medo de sair mal na
foto. A maioria dos homens também chora nos grandes triunfos ou quedas de
impérios ludopédicos, mesmo aquelas criaturas de olhos secos e corações
siberianos.

Os mais chorões são os portugueses, diz o estudo das torcidas. São


capazes de aumentar em um palmo as águas do Tejo quando o Benfica
fracassa no Estádio da Luz, a sagrada catedral. Choram e soluçam enquanto
recitam um fado,um rock do Xutos & Pontapés ou o último soneto de Mário Sá-
Carneiro.

Lição do ABC

O Edgar, o mal-assombrado corvo que ganhou animação feita por Caco


Galhardo para o “Cartão Verde” (tv Cultura), informa o seu destino no feridão:
voou para o Rio Grande do Norte e espera, ali no alto do maior cajueiro do
mundo, aquele de Pirangi, a equipe do Corinthians. Mano Menezes e grande
elenco que se cuidem. O Frasqueirão, mais conhecido como “La Bombonera
potiguar”, vai ferver bonito.

* crônica das sextas-feiras da Folha de S.Paulo.

VIAGEM AO REDOR DO BARTLEBY BRAZUCA

O “prefiro não fazê-lo” do velho escriturário Bartleby, personagem em


voga de Melville, tem outro sentido nestas plagas. É sempre balbuciado depois
do prejuízo, depois das favas contadas, depois de todos os brejos, depois que
Inês é morta...
Sempre que o chefe pedia algo, Bartleby dizia o mesmo, mantra do
sedentarismo metafísico: “Prefiro não fazê-lo”.
Dez minutos depois, de novo, lá estava ele: “Prefiro...”
Uma simples rubrica, um carimbo...
“Prefiro...”
Rodar textos em mimeógrafo, mesmo mimeógrafo a álcool, como da sua
preferência, “prefiro não embriagar-me”, diria, barnabé por ofício.
Amor, mesmo platônico, prefiro não cometê-lo.
Suor para um sexo homérico? Prefiro não derramá-lo.
O vício dele era dizer um “não” preventivo até mesmo à mais automática
das virtudes.
Até na hora da morte, preferiu não obedecer à velha da foice.
Prefiro puxar a descarga

Por aqui, o Bartleby brazuca tem outro sentido.


Outro dia, com as barrigas vincadas na fórmica do balcão da Mercearia
São Pedro, concluímos, num acalourado simpósio extra-acadêmico, que a tal
da literatura-do-não cá entre nós não viceja _quando menos esperamos a obra
está completa, não há hiato, nem mesmo soluço, apenas reticências, quando
muito. Aí só nos resta puxar a cordinha do arrependimento, digo, da descarga
existencialista.

Preferência interativa

“Preferia nem ter existido”, diria o Bartleby desta terra alegre e das
gentes tristes _ou o contrário, pois aqui, dotô Paulo Prado, a interatividade
agora é quem decide. Se você acha que é uma Pátria alegre de povo
sorumbático, ligue 0800.xxx.xxx; se você acha que é um solo modorrento do
contrário...

Preferimos não bebê-la

Ainda no nosso iluminismo fluorescente de boteco, seguindo o mote de


J.R.Terron e sob curadoria luxuosa de Marquinhos, concluímos, crítica da
cachaça mineira pura: “Preferimos nem bebê-la”. Isso depois, óbvio, de
entornar a danada. Assim como a ressaca, por exemplo, que preferimos não
senti-la.

Bartlaby, Bartlabrás

O “prefiro não fazê-lo”, por mais que macunaímico pareçca, aqui tem
outro intento, não cai na tentação fácil nem mesmo do futuro do pretérito.
Preferimos agradecer a preferência, assim rasteiro, volte sempre, o mito
da cordialidade, Bartlabrás, compensa.

HAI KAI BILÍNGUE PARA UNA CHICA ÚNICA

ruido en las alcantarillas:*

escorre dentro de ti

uma chuva de estrelas .

*verso livremente sampleado do livro "Tuca" (ed.vox), do poeta argentino


Fabían Casas.
O BOMBEIRO QUE ME TIROU DE JESUS*

Eu fugi do catecismo aos 13 anos... e ganhei de presente um Marquês de


Sade de um amigo mais velho na mesma época...foi muito mais
esclarecedor e aos 13 eu também encontrei por acaso a coleção de revistas
pornôs dos meus primos mais velhos... Eu e minhas primas passávamos as
tardes vendo (vendo mesmo.. no sentido didático da palavra...feito crianças
abobalhadas) escondidas. Este meu amigo era bombeiro... mas era um
intelectual... um bombeiro intelectual de Ermelino Matarazzo (periferia de
São Paulo) ...já imaginou? um cara de 30 anos... me apresentou a coisas
geniais ... grande amigo. saudade dele... SUSPIROS AO FUNDO. CORTA!”

*depoimento da gazela F.G. para o Catecismo de Devoções, Intimidades &


Pornografias, opúsculo deste compilador q vos bafeja a nuca, disponível
para download de graça no site da editora do bispo.

MI CORAZÓN ES UNA LENDA SELVAGEM

“Não llora, amor”, Marguerita implora, “não llora bebezito de mi pobre


bida”.
Donde vem esse portunhol selvagem, maluca?, pergunto de volta.
Ela me fazia dormir las siestas embaladas com incribles lendas
guaranys, cunha-taís, histórias da tríplice fronteira, formigas gigantes viciadas
no magnésio de fitas cassetes –com guarânias e boleros- e dos carregamentos
de VHS,por supuesto, como diz a ficha criminale.
Marguerita estivera com os Jivaros, uns índios da Alta Amazônia, uns
índios abusados em suas existências, radicalíssimos os Jivaros, anarquistas ao
extremo, que fazem de todos os dias uma viagem sem fim, tribo do Piemonte
andino, pelo que me recordo...
“POLÍGAMOS RADICALES”, ela diz, com um entusiasmo
rasgado.“MATERIALISTAS!!!, SENSUALISTAS!!!, POSITIVISTAS
EXTREMOS!!!”, disse sobre eles o padre Vacas Galindo, ela me conta.
Esse conto do vigário é de 1895, de novo ela, sopra, recita, para a
minha cara de leso maconheiro sem memória, mil oitocentos e quanto mesmo?
Século 18 ou 19? Como se isso tivesse importância.
Quatro anos después, o abade François-Pierre, ela me ilumina, ah, me
gusta da memória de los viajantes, havia dito:
"A família jivaro é um lupanar no qual a devassidão mais
desavergonhada é exposta sem restrições nem pudor!".
Paudurescência na hora, me sentia um jivaro àquela altura diante da
minha linda antropóloga da selva ou sabe-se lá, me gusta las cientistas
picaretas, o que seria essa mulher, será que ela existe? Será que ela existe
uma vez que la própria mujer non erriste, conforme Lacan un dia hay surtado
no seu gabinete?
Continuarei a inventá-la daqui por delante, porque homem que é homem
prefere inventá-las, jamais à sua imagem e semelhança, mas prefere inventá-
las a acreditar que a mulher, incluindo a mulher do vigário,seja mesmo uma
ficção de nuestras costelas bíblicas.
Marguerita me beija de nuevo na boca. Selvagem essa mina. As
formigas gigantes sobem pelas pernas, quando atingirem os bagos gozaremos
como viejos lagartos vulcânicos. Será a hora de dizer-te adiós, hermosa chica,
como no bolero para o amor mais sincero.

AMORES PERROS E OUTRAS DOLORES

"Encosta tua cabecinha no meu ombro e chora/ e conta logo tuas mágoas
todas para mim..." Rapazes e raparigas, amigos e amigas, começou a rolar
hoje, viernes, o Ombro Amigo, o consultório sentimental online da Trip. Lá
estou com a versão macho (hahahaha) da história, enquanto a Nina Lemos dá
a sua palavra de mulher. A consulta é grátis e indolor. Visitem nossas tendas.
O serviço fica de agora até o fim do mês dos pombinhos.

Louco, né, mas tava matutano cá com os botões da blusa que você usava:
comecei nessa arte de conselheiro quando nem sabia que diabo fosse uma
mulher -mal conhecia las cabritas e las bananeiras... No princípio era no
programa "Temas de Amor", auxiliando o locutor e seresteiro Gevan Siqueira,
na rádio Vale do Cariri, em Juazeiro.

Agora continuo sabendo tanto quanto sobre uma fêmea, ou seja, ni puta
idea, como dizem os espanholitos, mas pelo menos hoje me pagam umas
cervas, sangrias e bistecas de cordeiro, o que, digamos, motiva os batimentos
cardíacos. Se achegue lá no Ombro Amigo, pois, como canta Wander Wildner,
yo tengo um pára-quedas para te salvar, yo tengo um pára-quedas em mi
corazón! Ratatatá!
TEX E A POEIRA DOS SESSENTÕES

Atenção alérgicos em geral, não passem desta linha. A poeira das


pradarias vai subir, nossa imaginação segue o velho e bom Tex Willer em uma
perigosa missão na fronteira EUA/México.
Cuidado abstêmios e respeitáveis ex-alcóolatras, não passem desse
parágrafo. No Vale das Serpentes, los hombres tiram a poeira da garganta com
canecas de tequila, quebram a TPBB, tensão pré-bang-bang, com vinho
Sangre de Toro e falam sobre alquimia enquanto entornam riachos de cerveja.
Nesse mundo, Tex, o velho ranger, celebra uma façanha: conseguiu
chegar inteiraço aos 60 -com um ou outro intervalo na versão brasileira.
"Sangue do demônio!'', diria o viejo justiceiro, a sua velha interjeição para
chamar o santo, depois de uns goles no cantil de prata.
Criado pelo escritor Giovanni Bonelli e desenhado pela fina pena de
Galep, o gibi italiano o e mantém-se vivo, levantando a poeira de bancas de
revistas do mundo inteiro.
Outro dia, em andança pelos sebos de São Paulo, encontrei números
clássicos, aqueles que marcaram o cinqüentenário da publicação, obras de
Sergio Bonelli Editore. Incluindo, senhoras e senhores, a história completa de
"A Marca da Serpente''. É uma aula de western. Uma lição de diálogos secos
como bolas de cuspe no deserto.
Em um livro proibido, colhido pelos vigilantes da Inquisição, está a
chave da história deste gibi comemorativo. Um ajudante da biblioteca de um
velho mosteiro foge com o misterioso volume. Debaixo do braço, o fugitivo
carrega nada mais nada menos do que os segredos da pedra filosofal.
Alquimista amador, o amigo-do-alheio se associa a um grupo de
bandoleiros. E passa a viver o sonho de fabricar ouro, seguindo a receita do
livrou roubado. Daí por diante, o gibi prova mesmo que o Velho Oeste é o
verdadeiro tesouro da juventude de qualquer homem. Tão importante para a
categoria quanto "O Pequeno Príncipe'' para uma miss.
Com Tex, Charles Bronson, John Wayne ou com a sombra inconfundível
de Clint Eastwood, educamos nossos sentidos, apuramos o faro para as
situações de conflito ou para cobiçar o ouro-mor da Sierra Madre.
Debaixo da poeira do faroeste, horizonte a um palmo do nariz, é que
descobrimos também alguns segredos de camaradagem.Conhecemos, nas
pradarias e balcões dos saloons, a delicada fronteira entre um aperto de mão e
uma bala nas costas. Nesse cenário, como lembra o velho Tex, sabemos
quanto vale a nossa pele desidratada. Em nenhuma outra fonte, nem mesmo
em Shakespeare, sentimentos como amizade e traição se desenham de forma
tão lúcida, tão à luz do sol dos homens.
MONALISA DA CALÇADA

É um segundo da mais absoluta beleza. Essa semana dei sorte e flagrei


novamente um desses momentos. Geralmente, eles acontecem na rua. Lá
vinha a morena. Minhas retinas fatigadas fecham em close. Que maravilha.
Aquele sorriso, como digo, indecifrável. Porque não se trata de um sorriso
besta de alguma felicidadezinha passageira, de um ganho financeiro, da sorte
no amor ou no jogo. É mais enigmático.

Muito mais do que o sorriso da Monalisa, que, reza a lenda, era o sorriso
de uma grávida. Não é o sorriso dos paraísos artificiais dos remédios tarjas
pretas ou de alguma pastilha psicodélica. Nada. Não é apenas o sorriso de
quem recebeu uma notícia alvissareira, passou no concurso ou viu o regime
fazer o efeito pretendido, uns quilos a menos, nova silhueta, que beleza! Nem
chega perto.

Também não é o sorriso de quem ouviu uma cantada de amor com


requintes de vida eterna.

A moça que ri sozinha na calçada é um mistério.

Não é o riso de quem ouviu uma piada, um “gostosa”, “tesouro”, como


dizia o Didi Mocó etc etc. É bem mais profundo. O poeta Manuel Bandeira, em
correspondência com o cronista Rubem Braga, dizia que se tratava de
momento raro, raríssimo, era mercadoria que não tinha preço, êxtase, coisa
mais linda... Mas não arriscou um diagnóstico. Nem entrou no mérito,
observou, e pronto, basta.

Será que a moça que vem na calçada ri de alguma coisa que


despencou-lhe, naquele exato instante, do trapézio da memória? Alguma coisa
muito engraçada dos tempos em que ela era uma pequena, uma piveta, quem
sabe uma queda de uma árvore ao subir pela primeira vez no pé de jambo da
frente da casa suburbana?

Não é o sorriso de quem recebeu carta do estrangeiro, carta do amor


que um dia escafedeu-se, saiu para comprar o king size do desamor e do
desprezo.

Às vezes parece um pouco com um certo sorriso de maldade. Uma


pontinha de vingança, quem sabe. Mas que nada. Só parece. Nada disso. À
medida, mesmo naquele rápido segundo, que os lábios voltam ao normal,
desfazendo o sorriso, vê-se que não tem nada de maldoso naquele retrato.

Muito menos é tingido pelo gloss sabor uva da ironia ou o batom


vermelho das vingativas. Não, não é nada irônico, nada ressentido.

Quanto mistério num sorriso de tão pouco tempo. Daria uns cinco anos
de vida em troca do esclarecimento desse enigma de um segundo. Chego até
a refletir, cofiando a barba rala e dando pequenos nós na costeleta: será que é
consciente, será que elas sabem que o misterioso sorriso toma conta do rosto
naquela hora?

Não, também não é só sexo. Por mais que o gozo, a pequena morte,
como dizem os franceses, faça bem à pele e seja motivo do carnaval particular
no peito, não é esse ainda o motivo isolado daquele sorriso, um sorriso mais
invocado do que o sorriso do gato de Alice.

Gastaríamos telas e mais telas, árvores e mais árvores, em


especulações ainda sem rumo. Coisa de agoniar o juízo. Melhor mesmo
apreciar, estoicamente, esse lindo mistério das crias das nossas costelas.

A PELEJA DA MULHER E DA CACHAÇA

Sinopse: cansada de humilhações nos lares, a cachaça, la bagaceira,


vai à forra. Sem perder a elegância jamais, deixa a sua crítica da ressaca moral
pura. Acompanhem:
- Ou ela ou eu – disse Germana, a danada,toda metida no seu
vestidinho de palha de bananeira.
O pobre do cachaceiro ficou passado, perplexo no seu zarolhismo a 45º
de graduação alcoólica.
Arrastá-lo dos bares era um serviço humanitário tão comum à patroa
quanto lavar roupa suja ou discutir a relação envelhecida em barris de estrago.
Mas naquele dia tudo seria diferente. Deparou-se logo com a birra da
empalhada, que reivindicava, no mínimo, mais gratidão do cachaceiro a quem
tanto manguaçara.
- Ou ela ou eu - disse de novo, botando fogo pelas ventas.
Sem permitir a réplica feminina, dona pinga incendiou mais ainda o
ambiente, a Mercearia São Pedro, diga-se, ali no alto da vila Madalena:
- Cansei de te derrubar em colo de vagabunda...
Embora muito educada, uma fofa, a patroa não suportou a humilhação:
- Você está acabando com a vida desse infeliz... Repare só o farrapo
humano que virou.
- Ah, minha santa, a graça desse bofe sou eu, Bovary ces´t moi. Dou-lhe
verve, ânimo, o luxo da coragem, mato-lhe a timidez e os assombros...
- Desalmada, destruidora de lares, você acaba com o que sobra desse
infeliz...
Marquinhos abaixa o portão de ferro.
Germana adora aquele barulho. É música, é Mozart, diz, assanhada.
Sabe que o bicho pega e cresce o amor incondicional dos homens por ela.
“Viagem ao fim da noite”, batizou assim aquele congraçamento entre os
machos de boa vontade. Na sua elegância de palha, Germana detesta quando
os homens pedem “mais uma”. Ela gosta de ser chamada pelo nome, com
devoção, olhinho baixo e tudo.
E a peleja continuou:
- O que acaba com essa criatura é a tua rabugice, a tua carranca, já te
viste no espelho quando acordas? Que cabelo é aquele, dona?
- Pois saiba que esse desalmado acorda te maldizendo, numa ressaca
miserável, sempre como aquele corvo, never more, never more, never more...

- Quando se recompõe volta aos meus caprichos... É um doente por


mim, queres devoção maior?
- Eu sou a cura...
- Tu és mesmo um banho frio, sem alma, bálsamo chinfrim... És tão
sólida na vida dele quanto um Sonrisal...
- És a ruína desse infeliz...
- Apenas não desejo que ele morra cheio de saúde... Já pensou que
triste?
- Cínica.
- Gorda.
- Invejosa, enquanto dás a queda eu dou um colo macio e
reconfortante...
- Se ele erra o prumo de casa é por conta da tua feiúra...
- Mas nunca errou o buraco da fechadura...
As duas se engalfinham. A mercearia vem abaixo. Marquinhos levanta o
portão de ferro. O sol por testemunha de mais uma peleja entre a mulher e a
cachaça. Ah, por isso que eu não quero que me faltem essas danadas. Tão
passionais, tão iguais, tão donas das nossas quedas e baques.

* do libreto "Tripa de Cadela & outras fábulas bêbadas", que será


lançado segunda-feira próxima,9/6, pela editora Dulcinéia Catadora, projeto
que tem origem na Eloísa Cartonera de Buenos Aires. O livro é um diálogo com
o escriba russo Venedikt Eroveev 1933(?)-1990(?).

TAMO AÍ MANDANDO BRASA

Amigos, participo dessa prosa hoje, dia 3 de junho, terça, 19h30, no Sesc
Pompéia, de grátis. Vou tentar lembrar, com essa memória cabrobronha, das
experiências da poesia mimeógrafo do Hellcife e das reportagens delirantes
dos periódicos anarco-monarquistas O Rei da Notícia e O Príncipe, ambos da
Veneza Brasiliera, anos oito ponto zero por delante. É só chegar. Tudo na
faixa, inclusive a cerva depois. O serviço ai abaixo:

VERDADE MIMEOGRAFADA: IMPRENSA E LITERATURA ALTERNATIVAS

A contracultura de certa forma subverteu as funções mais ortodoxas da arte e


do jornalismo, trazendo por exemplo uma poesia instantânea, de intervenção, e
um jornalismo carregado de subjetividade. Ao mesmo tempo, as publicações se
beneficiaram de uma nova urgência e informalidade, criando a chamada poesia
de mimeografo e uma miríade de publicações alternativas, que precederam
experiências das décadas seguintes, como os fanzines e os blogs.
CONVIDADOS:
- LUIS CARLOS MACIEL (filósofo e escritor) RJ
- SERGIO COHN (escritor e editor da Azougue) RJ
- XICO SÁ (escritor e jornalista) SP
DO MEU LADO ESCURO PARA O TEU LADO CLARO

descer em cima de ti mais um pouco, até mais ou menos um palmo diante dos
teus olhos,
e dizer eu te amo com a convicção de um míope/astigmático no escuro... sem
trilha, sem blues, peleja de cego em becos alexandrinos, mineiro suicida de
Émile Zola a palo seco, essas coisas que guardo e prezo da soma das
ignorâncias, passa a régua iluminista de merda, essas coisas da feira, da
peixeira e dos livros. o eu te amo como música final e única da banda
esquerda do meu corpo que toca de ouvido, tripas & corazones, o rolling stones
goats head soups, o nada que sou e era e o futuro-bundinha-pra-cima numa
praia deserta donde te imagino ao meu lado, fui, baby, o resto é cartão postal
que te mandarei do fim do mundo. P.S. os repentistas de marte fizeram um
martelo emocionante para nós dois, aqui, árido que só, não soa bem rimas de
amor, mas era como se fosse uma rarefeita dor que já passou desde que o
astronauta, expert em ressacas cosmológicas, trouxe para nós a primeira
aspirina genérica bueníssima para quem anda assim meio daubailó!

O VELHO BRINQUEDO E OS SEUS NOVOS ESTRAGOS

Ele só quer saber do computador, queixa-se minha amiga Djanira,


queixam-se quase todas, as fofas e as ranzinzas, as cheinhas e as magricelas,
as afilhadas de Balzac e as novinhas cheirando a leite de cabra.
O queixume, a queixa realçada com o blush escandaloso do ciúme,
toma conta do mundo.
Umas esperneiam, resmungam e blasfemam contra os céus e o destino;
outras ficam na delas, mas se roendo por dentro, deixando escorrer na pele a
resina negra das mágoas com datas de validade vencidas.
O tom é mais histérico na classe média, claro, disso já berrava o velho
Freud, mas também gritam as burguesas de palácios e algumas fêmeas de
palafitas, de Brasílias oficiais e Brasílias Teimosas, do Savassi à Cabana do
Pai Tomás na BH das Alterosas, de Conjuntos Cearás e de Aldeotas, a vida
sempre será um agonia batendo na porta, como um mendigo sujo que pede
restos e sobras, como em uma canção triste dos Beatles em uma madruga de
fantasmas que viram lençóis e vice-versa.
Ela só quer saber do computador, queixa-se Amaro, velho amigo, que
caiu na besteira de fuçar as gavetas internéticas da costela amada. Para quê,
meu Deus, não faz isso, Amaro, toma tento, homenino.
Legítima Madame Bovary dos tempos digitais, a moça tem lá os seus
xenhenhéns platônicos –espero que não passe disso, bom Amaro- e deixou o
mancebo com o capinzinho da desconfiança entre os dentes perdido num
mundo sem porteira.
Na dramaturgia do olho-no-olho ou na mentira da distância on line, a
vida teima em castigar do mesmo jeito. Antes uma boa pulada de cerca virtual,
meu amigo Amaro e minha amiga Djanira, do que a velha mancha de batom na
cueca.
Mal escuto as queixas acima, me chega um outro amigo, aqui batizado
apenas de J. para evitar o falatório público em Reriutaba, conhecida no Ceará
como a terra que mais exporta garçons para o universo.
J. não poderia ter outro ofício, claro, e me relata o ocorrido sob as suas
telhas depois que adquiriu para casa o primeiro computa. “Os meninos
estavam precisando para ajudar nos trabalhos da escola”, diz, triste e
macambúzio.
O Juninho, segundo o nosso amigo garçom, é um “crânio”, domina o
mundo moderno, tira até o PIS do papai na página da Previdência, um
demônio, já se arrisca também no inglês, um orgulho.
O problema tem sido a caçula, a gazela, Carol, a menina, uma peste no
Orkut, ele pede clemência, com toda ingenuidade e machismo cozinhado na
moleira sob o sol dos trópicos sertanejos. O problema não é só esse, conta
ainda, a desgraça é que a mulher agora também deu para ficar de flozô na
janela de Bill Gates.

DEDINHO DE PROSA, POIS, POIS

Ops, era chegada a hora. Mesmo com todo desleixo, com


recomendação médica não se brinca.Ai avexei-me, mesmo precocemente,
para viver, na pele, a minha segunda experiência do gênero. Segura na mão de
Deus e vai, encorajei-me, velho e bom Moacyr Sclyar, que louvou, na condição
de médico, o meu primeiro relato sobre o mesmo tema. Sempre com a mesma
levada: fazer campanha, num país em que o câncer do gênero mata tanto
quanto a violência, ao ouvido e corações dos mancebos, vamos nessa!

A primeira vez, muito antes dos 40, havia sido tão rápida e indolor que
resolvi, agora, senhor dos meus quarenta e tantos, tirar a contraprova, o eu
profundo e os outros eus. Chegou a hora de, na margem do rio Piedra, como
diz Pablo Conejo, sentar e llorar. Pois, pois.

De lambuja, pensei, ainda sirvo de agente encorajador, tô na área como


um Romário diante do milésimo gol, num país de altos índices de câncer de tal
natureza, repito e advirto, aos machos que tremem diante de um rápido toque
nos seus indevassáveis fiofós, nos seus oitis..., como no glossário da minha
nobre origem.

Lá vamos nós, destemido cavaleiro e sua orgulhosa retaguarda, ao


respeitável e imparcial proctologista. Para não me acusarem de escolha
fraudulenta _poderia eleger o doutor pelas medidas dos indicadores, fura-bolos
e cata-piolhos_ promovi um sorteio do médico, entre vários do meu convênio,
durante nobre sessão no botequim.
Pereira, amigo tão macho que usa dois sabonetes durante o banho _um
para a frente e outro para a assepsia traseira_, benzeu-se. “Não faço um troço
desse nem morto, nem a pau”, salivou testosterona no ambiente. Separado da
mulher da sua vida por causa de uma tímida e educada tentativa de fio-terra,
Pereira acha que não pode haver a mais remota comunicação, nem mesmo via
sabonete, entre as suas partes pudendas.
“Começa assim a pouca-vergonha, na própria higiene pessoal”, apelou,
enquanto estalava mais um torresmo no dente de ouro que substitui o canino.
Que se dane a retaguarda do atraso de Pereira. Chegou a nossa hora lá
no consultório. Miro as mãos do amigo de branco... E confesso, leitores: não
poderia ter sorteado médico mais bem dotado nas suas falanges, falanginhas e
falangetas. Vixe! Ele pôs civilizadamente a luvinha. Esperei, resignado.
Só lembrei, ali, de novo, na bucha, da velha e surrada piada, na qual um
médico indaga o cliente: “Sentes alguma coisa?” Ao que a criatura alvejada
solta um delicado sussuro com sotaque gaúcho: “Sinto que te amo!”.
Ora direis, nada de ver estrelas bilaquianas, como queixam alguns.
Sensaçãozinha de nada. Pena que tantos machos empedernidos morram por
falta desse simples dedinho de prosa com a medicina. “Volte sempre”, ainda se
despediu o doutor. Também não carece exagerar, né, meu amigo?!

A ARTE DA CANTADA PERMANENTE - O REMAKE

A cantada, amigos, é como a revolução de Mao Tse-Tung, tem que ser


permanente.
Existem mulheres que a gente canta no jardim da infância para dar o
primeiro beijo lá pelos treze, quatorze.
Mas é necessário que a cante sempre, não aquela cantada localizada,
neoliberal e objetiva, falo do flerte, do mimo, do regador que faz florescer, como
numa canção brega, todos os adjetivos desse mundo.
A cantada de resultado, aquela imediata, é uma chatice, insuportável, se
eu fosse mulher reagiria com um tapa de novela mexicana, daqueles que
fazem plaft!
A boa cantada é a cantada permanente.
E mais importante ainda depois que rolam as coisas, depois que
acontece, aí a cantada vira devoção, oração dos pobres moços a todas elas.
Porque cantar só para uma noitada de sexo é uma pobreza dos diabos,
qualquer um animal o faz.
Porque cantar, à vera, é cantar todas e não cantar nenhuma ao mesmo
tempo.
Explico: é espalhar pacientemente a devoção a todas as mulheres como
quem espalha sementes nos campos de lírios.
Mesmo que elas digam, com aquele riso litografado na covinha do
sorriso, que você diz isso para todas.
E claro que para cada uma dizemos uma loa, fazemos uma graça, não
repetimos o texto, o lirismo, o floreado.
Porque amamos mesmo as mulheres.
Cantemos indiscriminadamente, e que me perdoe o velho e bom Vinícius
de Moraes, mas cantemos sobretudo as ditas feias, esse conceito cruel e
abstrato de beleza. Elas merecem, até porque as feias não existem, nunca
conheci nenhuma até hoje.
Não por sermos generosos, piedade, ou algo do gênero... É que a dita
feia, quando bem cantada, vira a superfêmea, para lembrar a bela
pornochanchada com a Vera Fischer.
A cantada permanente e indiscriminada é irresistível, quando você
menos espera, acontece o que você tanto sonhava.
Sim, tem que ter o cuidado para não ser simplesmente um chato que
baba diante do melhor dos espetáculos, a existência das mulheres.
Ter que cantar sempre a mesma mulher e parecer que está apenas de
passagem, que o estribilho é sempre novo, nada de larararás que mais
parecem refrões do Sullivan e do Massadas, lembram dessa dupla de músicas
chicletosas?
Ah, digamos que você cantou a Sônia Braga ainda naqueles tempos em
que Gabriela subiu com aquele vestidinho no telhado –a cena mais quente da
teledramaturgia brasileira até hoje- e e continuou cantando, sempre, sutil e
sempre, e agora ela, passados tantos calendários, se comove e resolve
recompensá-lo! Vai ser lindo do mesmo jeito, não acha? Na tela do nosso
cocoruto vai passar o videotape de todos os desejos antigos e despejados no
ralo pela morena cravo & canela.

COMER,COMER -NO COMBATE À ANOREXIA DAS GAZELAS

Nada mais bonito do que uma mulher que come bem, com gosto,
paladar nas alturas, lindamente derramada sobre um prato de comida, comida
com sustança. Os olhinhos brilham, a prosa desliza entre a língua, os dentes,
sonhos, o céu da boca. Ela toma uma caipirinha, a gente desce mais uma,
sábado à tarde, nossa doce vida, nossos planos, mesmo na velha medida do
possível.
Pior é que não é mais tão fácil assim encontrar esse tipo de criatura.
Como ficou chato esse mundo em que a maioria das mulheres não come mais
com gosto, talher firme entre os dedos finos, mãos feitas sob medida para um
banquete nada platônico.
Época chata essa. As mulheres não comem mais, ou, no mínimo, dão
um trabalho desgraçado para engolir, na nossa companhia, alguma folhinha
pálida de alface ou rúcula.
A gente não sabe mais o que vem a ser o prazer de observar a amada
degustando, quase de forma desesperada, uma costelinha de porco, daquelas
de lamber os beiços, uma vaca atolada, uma massa, um cuscuz
marroquino/nordestino, um cabrito, um ossobuco, um barreado, um bife à
milanesa, um chambaril, um torresmo decente, uma costela no bafo.
Foi embora aquela felicidade demonstrada por Clark Gable no filme ''Os
Desajustados'', quando ele observa, morto de feliz, Marilyn Monroe devorando
um prato. E elogia a atitude da moça, loa bem merecida, abafa o caso.
Toda preocupação feminina agora está voltada para a estatística das
calorias, as quatro operações da magreza absoluta, ditadura da tabuada, lero
lero, vida noves fora zero. É como se todas fossem posar para a ''The Face'' ou
algo do gênero do dia para a noite, fazer bonito nos editoriais de moda, vôte!
Mal sabem que isso não tem, para homem que é homem, quase nenhuma
importância.
François Truffaut, o francês cineasta, padrinho sentimental deste
cronista, já alertava, em depoimentos registrados em suas biografias, o valor
insuperável das mulheres normais e o seu belo mundo de pequenas
imperfeições. Tudo sob medida das nossas taras sem réguas, sem balanças,
sem trenas.
Além do prazer de vê-las comendo, coisa mais linda, pesquisas recentes
mostram que as mulheres com taxas baixíssimas de colesterol costumam ser
mais nervosas, cricris, chatas, dão mais trabalho na rua, em casa, no bar,
pense no barraco!
Nada mais oportuno para convencê-las a voltar a comer, reiniciá-las
nesse crime perfeito.
Às fogazzas, aos pastéis, aos cabritos, ao sanduíche de mortadela, ao
lombo, de lamber os lábios, galetinhos de tevês de cachorros -gloss natural da
existência-, ao churrasco de domingo para orgulho do cunhado, que capricha
na carne e incentiva os seus pecados todos. E aquela fava, meu Deus, com
charque, enquanto derrete a manteiga de garrafa, último tango do agreste...
O importante é reabrir o apetite das moças, pois homem que é homem, como
diz meu velhíssimo mantra, não sabe sequer _nem procura saber_ a diferença
entre estria e celulite.

A ARTE DE PEDIR - A PEDIDOS

Uma das maiores virtudes de uma fêmea é arte de pedir.


Como elas pedem gostoso.
Como elas são boas nisso.
Resistir, quem há de?
Um simples “posso pegar essa cadeira, moço?” vira um épico. É o jeito
de pedir, o ritmo da interrogação, a certeza de um “sim” estampado na covinha
do sorriso.
Pede que eu dou.
Pede todas as jóias da Tiffany´s, minha bonequinha de luxo!
Estou pedindo: pede!
Eu imploro, eu lhe peço todos os seus pedidos mais difíceis.
Pede a bolsa mais recente da Louis Vuiton, pede o shopping inteiro,
pede o Iguatemi, pede a Daslu, melhor ainda, pede a Daspu e veste só para o
teu homem.
Pede que compro nem que seja no camelô, na 25 de Março, nas
galerias dos coreanos, compro da Orenilda, minha prima sacoleira de São
Miguel Paulista.
O que importa é o requinte e o atendimento da demanda.
Não me pede nada simples, faz favor, please.
Já que vai pedir, que peça alto. Você merece, uma mulher como essa
não tem preço.
Um concerto de Iggy Pop bem longe daqui?
Te levo.
Amor sincero?
Fácil, fácil.
Fidelidade?
Acabo de criar o seu exclusivo cartão de milhagem.
Como é lindo uma mulher pedindo o impossível, o que não está ao
alcance, o que não está dentro das nossas posses.
Podemos não ter onde cair morto, mas damos um jeito, um truque, 12
vezes sem juros, no pré-datado, no cheque sem fundos.
Até aqueles pedidos silenciosos, quando amarra a fitinha do Senhor do
Bonfim no braço..., são lindamente barulhentos.
Homem que é homem vira o gênio da lâmpada diante de uma mulher
que pede o impossível.
Ah, quero o batom vermelho dos teus pedidos mais obscenos.
Quero o gloss renovado de todas as vezes que me pede para fazer um
pedido, assim, quase sussurrando no ouvido: “Amor, posso te pedir uma coisa?
Posso mesmo?”
Um jantar no D.O.M. ou no Fasano?
É pouco para o meu bico.
Flores de helicóptero?
Como na filosofia do pára-choque, o que você pede chorando que não
faço sorrindo?!
Pede, benzinho, pede tudo.
Que eu largue a boemia, pare de beber e me regenere???
Pede, minha nega, que o amor tudo pode.
Mesmo as que têm mais poder de posse que todos nós não escapa de
um belo pedido.
Com estas, as mais poderosas, tem ainda mais graça. Elas pedem só
por esporte ou fetiche, o que não lhes comprometem a pose e muito menos a
independência futebol clube.
Não é questão de poder ou dinheiro.
O que importa é o pedido em si, o romantismo que há guardado no ato.
Os melhores cremes da Lancôme? Vamos a Paris comprar juntos.
Eu lhe peço: me pede.
Não pede mimos baratos, pede atenção, por exemplo, essa mercadoria
tão cara ao mundo das moças. Pede que corrija os erros do meu português
ruim, que eu deixe de alternar a segunda e terceira pessoa, que falta de classe,
na boa, pede, nem que eu chame o Pasquale para ficar de “vela” corretiva
entre nós dois...
Pede, amorzinho, pede gostoso, sou o senhor das tuas demandas.

COM OU SEM GELO?

se tenho usted, eu fujo ou vejo um Buñuel enroscadinho na cama, só para


apanhar os sonhos, os sonhos que não passam de rolos de filmes não-
editados de cineastas mortos... a sobra de las películas, fuleiras ou clássicas,
se tenho você, eu tomo uma e saboto ou tomo outra e me devoto feito um
santo sujo e priápico em câmera lenta, sem você eu pego uma cadela chapada
e bêbada, como na canción de fred 04, se tenho você quatro garrafas de vinho,
se não tenho, oito e meia, doze, pelo menos, sozinho, se tenho você, eu não
tenho direito, se tenho você lusco-fusco, se não... melancólico abajur
minguante de la existência, se tengo usted portunhol selvagem, se no tengo...
um tango argentinho me pega bem melhor que um blues, com usted fecho os
olhos só para ouvir profundamente o barulhinho no elástico da calcinha, sem
usted rock´n´roll nas alturas, iggy pop como auto-ajuda, um galo sangrando na
rinha, se colado à sua pele... uma foda-de-motel-barato com trilha de Sade,
love is stronger than pride, com usted ressaca braba, sem usted vomito cascas
do tomate d´alma, com usted meu romance interminável, sem usted cabaleiro
solitário em busca do sol poente, o faroeste de sempre, e o mesmo mantra no
coldre: se a vida dói, drinque caubói... sobretudo viver não passa de uma
pergunta automática de boteco: COM OU SEM GELO?

OLHA PRO CÉU, MEU AMOR, VÊ COMO ELE ESTÁ LINDO

Caballeros Solitários rumo ao sol poente chegam a São Carlos, SP. Hoje,
terça, 24, dia do glorioso São João, 20h30, fogueira, balões e dois dedos de
prosa no SESC, dentro da programação PAPO DE LETRA.

Este cronista que vos sopra a nuca conta suas bromas e narra suas melhores e
mais sinceras mentiras. De como beber mucho e escrever socialmente, entre
outras curiosidades e cutucões de auto-ajuda explícita, periodismo picareta,
catecismos e gonzolendas. Enfim, o homem, o mito, a fraude. Apareçam,
amigos do interior. O quentão é por conta da casa. No comando dos trabalhos,
José Luiz (Realejo)Tajan.

SOBRE HOMENS E BACURAUS

Amigos e amigas, vai saber lá o porquê das somas completas dos


inconscientes, mas num encontro na última quarta-feira, com Fred 04, no clube
Clash, em São Paulo, falamos de tudo, principalmente da importância ou da
desimportância do ônibus, o velho busao, o busão-blues de todas as esperas e
bacuraus perdidos madrugas adentro.
Até criamos, na utopia mais avexada, um movimento cuja milhagem é a
narrativa, o homem e a mulher em pé na parada. Pense. Tem gente que
gamou, casou e fez filhos a partir dessa hora, né? Mãozinhas dadas no mesmo
assento, zolhinhos gastos com a mesma paisagem a caminho de casa, ela
descendo e a gente, cavalheiros no último, beijando a mão e a recebendo na
rua, PRINCESA de todos os meios-fios e calçamentos!
Só vale na vida o que se conta de pé, o resto é alcova e fuleragem,
fuleragem enquanto vingança do Nordeste, o melhor dos mundos, a nossa
sabedoria particular, a nossa linda lição de existência tão grande quanto a
sabedoria de Nietszche.
Pense numa peleja, pense num clássico da filosofia a perder a neve ou a
miragem de Canindé de vista.
O que dizer, que balãozinho sobre nossas cabeças de eternos gibis e
quadrinhos?!
O que se diz nessa hora, amigo?
Já passou o CDU/Várzea?
E o Radial/CDU? Donde CDU vem a ser Cidade Universitária, sigla e
destino da minha amada e querida CEU, a residência da UFPE, donde habitei
o quarto 101 com meus amigos de Carpina e outras zonas de matas e sertões
afora.
A gente lá de pé cubando o movimento.
Pense num suspense.
Nada mais hitcockiano do que um ônibus dobrando uma esquina.
Pense numa espera!
Às vezes deitado e bêbado no cimento do Bar Savoy, sem um centavo
no bolso e com o azul desbotado sem poder sequer apertar a mão do poeta
Carlos Pena Filho, o maior simbolista brasileiro de todos os tempos, que já
havia partido desta noutra linha da mão e da vida.
Sorte era a generosidade 24 horas de Jaci Bezerra, Tarcísio 7 e Alberto
da Cunha Melo, que me tiravam da fome e ainda me davam o delírio da poesia
e da comida.
Jaci, 7 e Alberto, além de grandes por si mesmos, vixe, são os T.S.
Eliots, melhor, são os Walt Whitmans do meu estômago quente na chegada ao
Hellcife, linha Crato via Princesa do Agreste, salve salve, Deus inapalpável,
estes homens de carne, amor e osso.
Estes, entre outros, me revelaram a certeza do poema como sustância
da humanidade.
Assim aprendi sobre poesia e homens, mas, como eu ia falando, ja
passou o CDU/Várzea?
Pense numa espera de madrugas tantas. Pense até o pescoço entortar,
pense enquanto passa boi, passa boiada e nada pra Caxangá, miséria
humana, vida de gado, e quando dobrava da Madalena rumo ao Cordeiro o
cheiro de galeto a me encher de fome de tudo, como reza a poética de Jorge
du Peixe, meu ídolo.
CDU/Várzea, o destino, era o que este cronista, eterno pedestre, graças
a Deus, indagava, ali dormindo no batente do cimento frio do bar Savoy,
avenida Guararapes, Recife, anos um, nove, oito, zero, 1.980.
Uma forma de contar a vida e a possível luta de classes por intermédio
das histórias aquém e além da catraca. Passa boi, passa boiada...

PELA COZINHA SEM FRESCURA -A CAMPANHA ESTÁ DE VOLTA

Pela cozinha punk. Três acordes: arroz, feijão e bife.


Instintos básicos, básicos instintos, como num show clássico.
Senhores mestres cucas, senhores(as) chéfs metidos(as), por favor,
devolvam meu arroz com feijão, tenho pressa, posso?
Devolvam meu arroz com feijão e fiquem com os seus molhos cítricos,
tâmaras, figos, berinjelas, lichias...
Arroz, feijão... no máximo um bife por cima, a mistura possível.
Pela gastronomia punk, três acordes, na pressão.
Projeto Orígenes Lessa: o feijão e o sonho. Deu gorgulho na utopia mas
o apetite está são e salvo.
Arroz, feijão e aquele ovinho estrelado, quente, derretendo, que nossas
mães tão bem colocavam por cima de tudo, como um cobertor sobre as nossas
pernas _hoje bem maiores e abestalhadas, correndo para o nada.
Chega de nouvelle cuisine, chega de gororoba pós-tudo, esse fetiche da
classe média por qualquer fraude de grife.
Esses molhinhos, vôte! Qualquer canto que a gente chega, nego vem
com nove-horas, até nos piores botecos já temos molhinho de fruta sobre
nosso pobre bife.
Por favor, devolvam o meu pé-sujo.
Devolvam o meu bife ileso, minha chuleta, minha costela, meu torresmo.
Pela cozinha três acordes.
Pela cozinha “faça você mesmo”.
Pelo livre arbítrio da larica.
E viva o “arroz-de-puta”, o prato feito a partir das sobras completas da
geladeira.
De sofisticado, apenas a buchada de bode, que de tão nobre está mais
para a alta costura, estilo John Galliano, do que para a arte dos pratos. Nesse
item do cardápio, a linha que tece o bucho, que por sua vez veste os miúdos, é
pura classe, manto de Penélope.
Arroz.
Feijão.
Bife.
No máximo um ovo por cima.
A harmonia estrelada, materna ou da moça que ainda acredita nos
dotes. Aceita tíquete?
Chega de molhinhos enganosos. Cozinha é feito mulher: ou já vem
molhadinha por desejo ou nos aplica um belo orgasmo fingido!

AMIZADE COMPRADA TAMBÉM NÃO SE ESTRAGA

O amigo e cartunista Adão Iturrusgarai tem feito uma série de tirinhas,


na Folha, sobre profissões difíceis e/ou exóticas, para dizer o mínimo e não
chutar logo o balde brahmajoso no primeiro parágrafo. O gaúcho tratou, entre
outros assumptos, do crítico de cantadas, do locutor/narrador de surubas –da
qual tive a chance de fazer uma modestíssima ponta- e de outros tantos santos
ophícios do nuestro mundo monstro moderno.
Nesta mesma tribuna, este assombrado cronista que vos bafeja a nuca
também já resgatou ramos raros e em extinção, como o lendário “fiscal de
pica”, aquele mancebo cuja missão nos forrós, falo dos forrós em ambientes
familiares, era alertar com uma vareta, normalmente um corretivo cipó de
marmeleiro ou canafístola, aos cabras que estavam dançando armados, digo,
excitados, animus vivendis, erectus humanum est, na paudurescência e
fuleiragem mesmo, como descreve um clássico do Trio Nordestino.
O caboclo se exaltava com a donzela, lá ia o referido fiscal de salão e
aplicava um gentil cutucão no vazio ou nas costelas, de modo a lembrar o
sujeito que tivesse mais respeito com a dama. Os teimosos eram
educadamente expulsos pelo gogó, para deixarem de atrevimento com as
moças de boníssima reputação na área.
Sim, Adón, don Alfredito, o personal cupid, é o novo gênio da raça.
Flechadas certeiras em nuestros corazones.
Mas para quem deseja apenas chorar pitangas e tecer loas sobre
cativeiros sentimentais e caritós com teias de aranha, o mestre da hora é o
tiozão Toni Sá. Não, não se trata de nepotismo ou jabá interneteiro, faço o
reclame do boa-praça por gosto mesmo.
“Uma grande companhia! Vai com você a (quase) todo lugar. Com estilo
elegante, é é um excelente personal amigo para todas as ocasiões: teatros,
shows, festas, discotecas, shoppings, cinemas, caminhadas, viagens, parques,
exposições, bares...”
Eis um extrato, para simples conferência, do anúncio que o meu amo
espalha nos classificados virtuais. O bamba ainda se diz mestre em dança de
salão e orgulha-se de ser educado, elegante, culto, simpático, cortês e de
reunir todas as qualidades que se espera de um “verdadeiro cavalheiro”. O
mais genial de tudo é que ao final do panfleto afetivo, o sr. Toni roda a
bolsinha e avisa: “Atenção! Não fazemos saídas de cunho sexual”.
Não adianta, amigo(a), mesmo que você esteja mascando o frio jiló de
todos as carências e desprezos, pedir para o velho Toni estragar a amizade.

O DIA EM QUE VIREI TRAVESTI*

Enfeiá-la era a receita para esquece-la. Havia me escravizado ao que


havia de mais belo. Quando inverti os dedos dos pés, a visão do abismo
também foi prejudicada pelo forte cheiro do esmalte.

Aos poucos eu também ia me desfigurando, via nas vitrines durante o


passeio da hora do almoço. Até que veio aquela abençoada manhã. E naquele
dia, tão comum como todas as vésperas, acordei travestido. Minhas feições
levemente mantidas, pomo de Adão, pêlos domados, eficientíssimos
hormônios, silicone sem exagero, peitinhos peras, novos, rosas.

Tudo no lugar, estranheza alguma, sem carecer raspar o tacho do


absurdo. Desprezo às criaturas que exageram no uso diário da expressão
kafkiano.

Pintei as unhas, aumentei o som do bolero, virei outro tipo de ficção.


Bolero 1, Wagner 0, como em Almodóvar.

Sentimentos também mudaram. Eu queria ser o próprio disfarce e


aquilo muito me animava para contar a vida de outro jeito.

Nos primeiros dias elevei a caricatura às últimas, carecia me afirmar e


crer no meu próprio desenho novo. Adorava pintar os olhos, arte que aprendi
com fantástica rapidez. Que coisa mais delicada que é a pintura dos olhos, o
lápis corria em retoques tão fáceis. Minha mãe compreenderia tudo aquilo,eu
cismava sozinho à noite, eu e os meus parentes-espelhos. Eu me via o tempo
todo, cada minúcia, cuidado, lindo, frágil.

Também amarrara meus pés para que atrofiassem. Meus pés eram
muito grandes para pisar distraída nos astros do meu novo mundo. Os
chineses mais antigos adoravam pés atrofiados. Dispunham de uma técnica
avançadíssima, capaz de reduzir um pé a 8 centímetros, o recorde.

O “lótus dourado”, como chamavam.

“Olhe para eles na palma da sua mão”, teria escrito, conforme os anais
fetichistas, o poeta Sung. Li nos mesmos alfarrábios que as mulheres de
passos cambaleantes, por causa do tamanho dos pés, eram tidas como
nobres. Havia ainda uma relação entre a atrofia dos pés e o apertamento da
buceta.

Os programas me deixavam confuso. Todos ainda me queriam apenas


no papel de um ativo nervo. Senhores tão sérios, largam as suas senhoras nos
lares burgueses e aqui caem aos meus pés. Pedem para morde-los quando
enfio tudo.

É muito confortável e indolor o sexo pago.

Não há fissura ou agonia nessa modalidade de amor. Também é amor,


amor com vários, a morte do peso do amor.

Ao contrário de algumas amigas travestis, eu não era nada melancólica.


O disfarce funcionava como um ácido, um prozac permanente na minha
bebida. Eu entretia a todas ao falar em castelhano. Essa é a língua oficial dos
travecos.

“?Por qué las vaselinas son inadecuadas para la lubrificación íntima?”.


Meu melhor número era dizer inteirinha a bula do gel lubrificante K&Y.

“Además de dañar el preservativo, las vaselinas em cualquier


presentación, son produtos a base de petróleo, non son solubles en água, nin
son absorbidas por el organismo, por lo tanto son inadecuadas para la
lubrificación intima y presentam incomodidad para la remoción.”

Amava o disfarce, minha máquina nova de contar histórias.

* do livro “Se um cão vadio aos pés de uma mulher-abismo” (gênero: idílio;
editora fina flor, sp)

NINGUÉM MAIS PEDE EM NAMORO

É namoro ou amizade? Rolo, cacho, ensaio de amor, romance ou pura


clandestinidade?
“Qualé a sua, meu rapaz?!”, indaga a nobre gazela.
E o homem do tempo nem chove nem molha. Só no mormaço, só na
leseira das nuvens esparsas.
No tempo do amor líquido, para lembrar o título do ótimo livro de
Zygmunt Bauman sobre a fragilidade dos encontros amorosos de hoje, é difícil
saber quando é namoro ou apenas um lero-lero, belo belo que te quero, vida
noves fora zero...
Cada vez mais raro o pedido formal de enlace, aquele velho clássico, o
cara nervoso, se tremendo como vara verde: “Você me aceita em namoro”?
Talvez nem exista mais.
O amor e as suas mudanças. A maioria dos homens, além de não pedir
em namoro, além de não pegar no tranco, ainda corre em desespero diante de
uma sugestão ou proposta de casamento feitas pela moça.
O capítulo bom da história é que agora as mulheres também partem
para o ataque e, diante de uns temerosos ou acanhados sujeitos, escancaram
seus desejos e fazem suas apostas, seus pedidos, põem na mesa os seus
desejos e as cartas de intenções.
Era bem bacana esse suspense masculino do “você quer namorar
comigo?”
Havia sempre o medo do “fora”. Um sim, mesmo o mais previsível, era
uma festa.
“Quer namorar comigo?”
No tempo do “ficar”, quase nada fica, nem o amor daquela rima antiga.
Alguns sinais, porém, continuam valendo e dizem muito. O ato das
mãozinhas dadas no cinema, por exemplo, ainda é o maior dos indícios.
Mais do que um bouquet de flores, mais do que uma carta ou um email
de intenções, mais do que uma cantada nervosa, mais do que o restaurante
japonês, mais do que um amasso no carro, mais do que um beijo com jeito,
daqueles que tiram o batom e a força dos membros inferiores.
“Vamos pegar uma tela, amor?”, como se dizia não muito antigamente.
Eis a senha.
Mais até do que um jantar à luz de velas, que pode guardar apenas um
desejo de sexo dos dons Juans que jogam o jogo jogado e marketeiro.
O cinema, além da maior diversão, como diziam os cartazes de
Severiano Ribeiro, é a maior bandeira.
Nada mais simbólico e romântico.
Os dedos dos dois se encontrando no fundo do saco das últimas
pipocas...
Não carecem uma só palavra, ainda não têm assuntos de sobra.
Salve o silêncio no cinema, que evita revelações e precoces besteiras.
Ah, os silêncios iniciais, que acabam voltando depois, mas voltando sem
graça, surdo e mudo, eterno retorno de Jedi. Nada mais os unia do que o
silêncio, escreveu mais ou menos assim, com mais talento, claro, Murilo
Mendes, poeta dos melhores e mais líricos.
Palavras, palavras,palavras...
Silêncio, Silêncio, silêncio...
Dessas duas argamassas fatais o amor é feito e o amor é desfeito.
Simples como sístole e diástole de um coração que ainda bate.

ASCENSO X MÁRIO

Se meu verso não deu certo, foi seu ouvido q olvidó...


Né não?

Tive la na tal flip sinsenhô.

Falei de Ascenso Ferreira, ninguém deu a mínima. Falei do meu amor y ódio
por Mário de Andrade e nego só lembrou do pior, eita falta de contradição, mô!

Tentei ser oswaldianamente pornográfico... folclorizam-me


Tentei falar duas três coisinhas que sei sobre as mulheres...
Fuderam-me de vez...

Ê crasse média!!!

So taum leno lixta de livro da veja, sô

Inda bem q fui na praia e amei tanto o meu amô q fiquei grudadim feito a lua
com o só

MISS CORAÇÕES SOLITÁRIOS -O RETORNO

Diante de cartas e mais cartas de leitores, baixou de novo uma Miss


Corações Solitários neste escriba que vos sopra o cangote. Miss C.S. é uma
cigana da Andaluzia que hoje habita um quintal do Capibaribe e despacha
também, nos finais de semana, em sua mística cabana no Lameiro, sopé da
Serra do Araripe. A sua poderosa entidade socorre machos & fêmeas à beira
de um ataque de nervos, habitantes de caritós e demais aflitos neste vale de
lágrimas. Às missivas, pois, aqui histericamente resumidas:

Querida Miss C.S., o fingimento do orgasmo também pode ser uma


prova de amor? (Sonsa do Agreste, PE)

Resposta: Estimada consulente, é preferível a dramaturgia do gozo


àquela velha dor de cabeça que te abate justamente na hora em que ele te
procura. Há um quê de distanciamento brechtiano no orgasmo fingido. O prazer
fingido engrandece o homem, além de ser mais verossímil do aquele
espetáculo verdadeiro e exagerado, cheio de caras, bocas e nove-horas. Sim,
é prova de amor e caridade cristã. Prossiga. Cariño, M.C.S.

Gloriosa Miss C.S., o cachorro que arrumei é um “borracho”, bebe


sempre demais e não funciona quando mais careço. Até agora na lei seca o
irresponsável é movido a álcool.Que fazer? (Princesinha das Alterosas, BH,
Minas Gerais)

Resposta: Muita calma nessa hora, criatura. Trata-se do famoso tipo


homem-tupperware, aquele que você guarda para comer no dia seguinte.
Sorte, M.C.S. P.S. Cuidado: na próxima semana tem o Festival Internacional da
Cachaça, aí em Salinas .

Bem-aventurada Miss C.S., ele não me procura mais, o que fazer?


(Suzana, município de Caridade, CE).

Resposta – Pobre alma em desassossego, nada de apelar para cursos


de streptease ou aquelas mil e uma novas posições estranhas que você leu na
revista “Nova”. Uma amiga minha, por exemplo, tentou uma daquelas posições
inovadoras e acabou com o marido num hospital de fraturas _e de madrugada,
o que é pior. Só te resta, pobre alma, seguir o conselho do mago Paulo Coelho:
senta-te à margem do Rio Piedra e chora. Tuas lágrimas irrigarão teu caminho
e da terra brotarão novos caules. E tem mais: larga esse infeliz que não serve
nem mesmo para trocar lâmpadas e abrir potinhos de conservas. Coragem, tua
M.C.S.

Poderosa Miss C.S., fui vergonhosamente traído por minha mulher, tipo
flagrante delito, o que fazer? (Devoto da Gaia Ciência, Juazeiro, Bahia ).

Resposta: Amigo incoformado, deixo aqui, como filosofia de consolação,


a sabedoria de um pára-choque que acaba de me abalroar: “Um homem sem
chifre é um anima desprotegido”. Sem mais, M.C.S.

BREVIÁRIO MORAL PARA INICIAÇÃO À LEITURA

Ainda crente na máxima lobateana de que um país se faz mesmo com


homens e livros -e muita capa dura,claro-, aproveitamos o crepúsculo das
férias escolares para deixar alguns conselhos a esses moços, pobre moços, e
às suas belas mães, óbvio, fabulosas afilhadas do velho Balzac.
E como são uns gabolas esse jovens leitores. Eles nos humilham a
folhear o Finnegans Wake, o Aleph, o Rosa e tantos outros rizomas e grogotós.
Mal saem dos fraldas, esses bravateadores mirins já enxergam o
mundo através dos oculozinhos da prepotência. Por isso é que o velho Brás
Cubas maldizia a possibilidade de deixar o seu legado em cima desse chão.
Duvide sempre do caráter de um adulto que diz ter lido um clássico nos
seus verdíssimos anos. Podemos estar diante de um carrasco, de um
mentiroso dos mais épicos... ou de um maníaco refinado propriamente dito. A
indumentária da retidão jamais se ajustará ao seu esqueleto, sempre impróprio
ao corte & costura dos homens bons e aparentemente comuns.
“Dito isto, acreditamos ter dito tudo”, como tingiam em seus papiros os
respeitáveis senhores editorialistas de casa impressora secular da província de
São Paulo. Cumpre-nos, todavia, completar o tanque no nosso breviário moral
com algumas dicas até otimistas sobre o pendor literário precoce,
resguardados, claro, todos os possíveis efeitos colaterais:

Escola de machos – A simples iniciação via Hemingway não assegura


uma cota de testosterona até a madureza, mas faz tão bem para o crescimento
quanto Calcigenol ou óleo de fígado de bacalhau. Vocês, pais e mestres, se
orgulharão quando o pirralho sair por ai fisgando trutas, caçando pacas, tatus...
mirando em rolas, codornas e juritis.
A importância de ler Wilde- A simples iniciação pelo inventor de
Dorian Gray também não garante que o seu filho dê em um homem sensível,
um metrossexual, para usar a nomenclatura da moda. Mas é um grande
começo. “O Fantasma de Canterville”, para meninos e meninas, é o indicado à
guisa de debut.
Lição de anatomia – Moby Dick? Vai fazer muito bem. Seu filho
crescerá generoso com as mulheres mais cheinhas, as botterinhas, e não cairá
nessa fábula das passarelas ossudas e semi-áridas –coisa muito mais para a
baleia-cachorra do “Vidas Secas” do velho Graça.
Piedade de nós – “Os Miseráveis”, de Victor Hugo, jamais. Muito menos
as choramingas populistas de Charles Dickens. Seus filhos crescerão com
peninha da humanidade, capazes de fundar uma ONG a cada bairro, achando
que a caridade seja o remate de todos os males.
Campos & espaços – Mal sinal quando o pimpolho começa a trocar o
legos pela poesia concreta, briquedinhos que se combinam. Não há mamadeira
bilaquiana que dê jeito.
Vanguardeiros e malditos – São uns bossais estraga-homens.
Mantenha-os fora do alcance das crianças. Eles estão para a literatura assim
como os pipoqueiros que passam drogas _esses fabulosos sedutores!_ estão
para as portas dos colégios.
Catecismo e primeira comunhão - Se Deus não existe, tudo é
permitido. Quer segurar o capetinha nas rédeas morais possíveis, aí incluídas
as algemas forjadas no aço da culpa? Karamazov nele, como quem dá remédio
forçado.
O medo diante da loba- Quer estragar sua filha e a vida dos futuros
genros? Libere Virginia Woolf ou Clarice Lispector logo na pré-adolescência. Aí
teremos moças misteriosas, labirínticas, metalingüísticas, uns diabos arredias e
estranhas diante do amor. Capazes de tudo. TPMs elípticas, menstruações de
incomunicabilidades sem fim, coitados desses pobres e suas caras de maridos.

NÃO MENTIRÁS

A fêmea mente menos e melhor. O macho gasta mentira a torto e a


direito, principalmente quando não precisa. Mente muito. E mal. No varejo e no
atacado, o homem é um Ceasa de mentiras. Mente por medo do pau-de-
macarrão mesmo quando está com uma dama de fino trato que tem mais horas
de divã do que urubu de vôo.
É o nosso defeito-mor de fabricação –alô Procom: recall de homem já!
Mulher não mente, ilude, como um David Cooperfield.
Mulher tem a manha da narrativa e da verossimilhança, mesmo quando
baixa um Dorian Gray e ela tenta driblar o tempo e o calendário. Falar nisso,
uma velha advertência: nunca confiem em uma mulher que não mente, nem
que seja questão de dias e meses, sobre a idade. Uma fêmea que passou dos
30 e não mente sobre a idade é capaz de coisas muito piores, é capaz de tudo,
velho Balzac.
Minto, logo posso ser amado. Vejo um certo prazer sádico nos
detectores femininos. Elas adoram nos flagrar no meio do ciclone de
contradições e incoerências. Nada mais insuportável do que um homem cem
por cento sincero. O homem cem por cento sincero é sempre o pior canalha. O
homem dito sincero e virtuoso, do tipo que tem ONG para ajudar os sem-
alguma-coisa, do tipo que faz trabalho voluntário ou ecológico, muitas vezes é
o pior dos canalhas, pois age sob o manto sagrado da bondade. Nada pior do
que os que se acham melhores do que os outros. Pura vaidade, diria meu
filósofo Matias Aires.
No homem cem por cento sincero até sua virtude prevarica, salivaria o
maníaco da Tijuca.
O amor não sobrevive em um ambiente sem mentiras. A sinceridade
extremada, esse fundamentalismo dos pobres de espírito, torna a vida
insuportável, autoritária, sem fantasias. As pequenas mentiras dão graça ao
lar-doce-lar. Se eu tivesse um caminhão, escreveria no pára-choque: uma
mentira a mais é um desgosto a menos.
Como são arrogantes os que dizem dizer somente a verdade, essa
impostura cristã de terceira categoria. Quem tiver suas verdades muito
desagradáveis que me poupe delas. Que mintam e me agradem, que mintam e
me bajulem, que mintam e divirtam a humanidade, que digam até que sou
lindo, hahahaha, embora essa seja a única mentira que eu não acredito.
Pausa para ouvir "Mantra das Possibilidades", clássico de Wander
Wildner:
"Minha vontade e ser bonito mas, eu não consigo/Eu sempre volto
atráaaas!/ Eu sempre volto atrás!/Sonho em ter cabelo comprido, mas eu não
consigo/ Eu sempre corto maaaais! Eu sempre corto mais! /Meu desejo e estar
contigo, mas eu não consigo. /Eu sempre fico em paaaaz! Eu sempre fico em
paz! /AAAH!Eu sempre fico em paz!"
Agora falando sério, de novo, responda rápido, cria da minha costela:
você prefere ouvir um “você é a mulher mais gostosa desse mundo” (mesmo
ciente do exagero retórico do camarada), ou um sincero “não é por nada não,
mô, mas sua bunda está meio caída”?
De absolutas verdades... bastam as ditas pela velha da foice e pela lei
da gravidade.

REUNIÃO DO F.A., FAMOSOS ANÔNIMOS *

Reunião do F.A., Famosos Anônimos, entidade que congrega viciados ou


doentes, como eles mesmo preferem, pela fama, pela exibição pública,
obsessão pela celebridade em geral. Famosos, quase famosos e ex-famosos
devolvidos aos labirintos do anonimato.Gente de novela que não figura nem
mais no “vale a pena ver de novo”, uma penca de Big Brothers, bundas de
todas as Casas dos Artistas, modelos-atrizes, gazelas que sobraram na
passarela fashion por algumas polegadas a mais, pós-Chacretes, quase-ídolos
da Jovem Guarda, intérpretes de uma música só, jogadores de futebol de
apenas uma partida genial, playboys decadentes, socialites esquecidas,
emergentes que não vingaram, apresentadores de TV que dormiram no ponto,
vedetes desiludidas, humoristas ressentidos, novelistas picaretas & outras
assombrações dos tempos modernos.

Famosos, quase famosos e ex-famosos fazem um círculo no meio da sala.


Começam os depoimentos e orações:

“Só o poder superior, como diz o nosso regulamento, pode nos devolver a
sanidade. Irmãos, a Ele me apego noite e dia. Minha obsessão me levou ao
fundo do poço, às drogas, ao circo dos horrores finais. Depois da ilusão de um
reality-show, achava que a vida estava ganha. Reconhecimento, convites para
boates, festas, roupas de graça em loja de shopping... Tudo aquilo encobria o
meu passado humilde. O primeiro sinal da doença foi largar a minha mulher,
trocada ainda durante o reality por uma vadia, embora em tivesse jurado por
tudo nesse mundo que era um jogo, não passava de um jogo, o jogo da minha
vida. Balela, irmãos. Capa de revista, ilha de Caras, programa de auditório...
Tudo era uma maravilha nas primeiras semanas... (Juan soluça, aos prantos, e
não consegue concluir seu depoimento).

“Quanta vergonha fiz ao meu pai, à minha mãe... Quanta vergonha... Me expus
como uma verdadeira, com licença da palavra, irmãos, prostituta. Lembram
aquela cena debaixo do edredom, na casa? Eu masturbando ele? Uma
indecência que encobriu a minha família de luto. Meus irmãos não saíam mais
à rua, lá no bairro. Quanta vergonha. E não ficou só nisso, depois mudei de
namorado, cada armação, até três vezes por semana. Fiz tatuagem com nome
de um, apaguei, tatuei o rosto do outro, fiquei toda perfurada com essa
presepada... Meu assessor dizia: ´você tem que se manter em evidência´ e eu
ia lá, doente, obedecia... Um tempo depois, passada a febrezinha na mídia,
tava lá meu cartaz estampado em boates da Boca do Lixo, as piores possíveis,
`Keylla, a da TV, em sensacional noite de sexo explícito, ao vivo, só pra você´.
Ai como foi difícil largar essa vida... Só por hoje, mais 24 horas, obrigado
senhor, obrigado irmãos, K.”

“Vi que a coisa tinha saído do meu controle, eu parecia possuído, quando
cheguei a simular um acidente de carro para voltar a aparecer... Eu mesmo me
cortei todo e bati o carro contra o poste para impressionar... Depois, ainda com
a alma desassossegada, simulei meu próprio seqüestro... Uma
desmoralização... Ele estava fora de si, o artista, não o homem, que agora
encontra salvação entre vocês... Obrigado, Y.”

Todos, abraçados para valer, grande corrente solidária, a uma só voz: “Só por
hoje, mais 24 horas. Acredite, funciona!”

*do livro "Divina Comédia da Fama"(ed.Objetiva), vasta crônica de costumes


que parte do conto O Homem Célebre, de Machado de Assis, e vai ate a
vagabundagem dos BigBrothers e outras celebridades-miojo.

TELEFÔNICOS CORAZONES *

O pecado, em todas as suas formas, cores e tamanhos está nos


orelhões. “Aline, 18, comigo a palavra proibido foi riscada do meu caderninho
logo cedo...” “Fabianne, mulata, rostinho perfeito, dengo, faço tudo,
indecepcionável...” Indecepcionável mesmo, seu Pasquale, sem “sic” na
linguagem do prazer. São as Guimaraes Rosas, as James Joyces do sexo
pago. Elas ocupam, com etiquetas-anúncios, todos os orelhões da cidade de
SP. Nos jornais, o tijolinho sai caro, precisam deixar tudo muito cifrado: “Bia, fç
td bb perf c/ bj an/or”. Tradução: Faço tudo, bumbum perfeito, com beijo, anal e
oral. Virou uma novilíngua medonha.
Nos orelhões, o espaço é de graça e mais democrático. Alcança também
aqueles clientes que não compram jornal, pois preferem viver com as suas
próprias invenções e mentiras. “Sullen, bumbum empinadinho, recém chegada
a SP, para você esquecer até o desemprego”, essa etiqueta, pregada em um
telefone nos arredores do Copan, na Ipiranga, tenta pegar os desesperados
sob o sol da segunda-feira –o dia em que o Centro ferve as dores dos
encostados, dos perdidos e dos considerados obsoletos.
Suellen e a maioria delas cobram conforme a crise: R$ 10. “Pode gozar
duas vezes”, assim terminam muitos anúncios de orelhões, generosidade para
o exército de reserva. É louco, talvez o Contardo Calligaris nos explique, mas o
desemprego empurra o homem para masturbação permanente e para a busca
louca por sexo. Talvez por isso, nunca o sexo pago chegou a preços tão baixos
e ofertas tão franciscanas na capital mais neoliberal do país.
O beijo é outra novidade histórica. Tanto nos jornais como nos orelhões,
as raparigas passaram a vender o mimo como um atrativo indispensável.
Historicamente, sempre odiaram esse carinho, mesmo que feito de maneira
artificial. De certa forma é uma volta à Idade Média, quando, por causa do alto
índice de proliferação de doenças, só elas se permitiam, sob a garantia de
algumas patacas, ao boca-a-boca.
“Anny, coroa fogosa para quem sabe dar valor...” “Adri, porque a vida
não é compromisso, a vida é prazer...” “Andrea, bumbum doirado para tardes
calientes, toda tua...” Mesmo nos orelhões, a maioria dos anúncios-etiquetas
apresentam moças com nomes na letra “A”. Herança dos classificados de
jornais, quando elas, por causa da melhor visibilidade, adotam heterônimos
com as primeiras letras do alfabeto. “Bianca, boneca, para quem acha que
sexo é sonho sem preconceito”. “Karen & Lucy, mãe e filha, comprove com
documentos”. “Dupla, pça. República, 100% loira e 100% negra...”
“Demorô, rapá! ``, disse o pombo velho, cinza e triste, que cruzou o meu
caminho ali no Arouche. E segui para o local do último anúncio. Como eu tinha
revisto a “Doce Vida” e acho que todas elas merecem a última gota da minha
Veuve Clicloq _ mesmo que eu me desmanche em letras, bicos e costuras para
fora_, adquiri uma garrafa da viúva ali numa travessa da Vieira de Carvalho e
segui aceleradamente. O dia estava tão lindo que a fonte da República virou a
Fontanna de Trevi, onde joguei meus últimos cobres... Eu me sentia o próprio
Alberto Moravia _comunista, safado e elegante.
Subi. Lindas. Um cheiro de Koleston danado na quitinete, acho que a
loira tinha acabado de pintar os cabelos para atender ao apelo colado no
orelhão. Humano, falsamente humano. Lindas. Botamos a champanhe para
gelar. A negra pintava as unhas, uma graça, e vestia uma calcinha amarela
bem-comportada. Adoraram a minha falta de pressa, diferentes das meninas
do ramo, quase sempre tão neoliberais quanto qualquer taxista ou um
resfolegante diretor da Fiesp.
Até que a champanhe gelou... Não vivemos a bela vida, mas a imitamos
decentemente. Seja numa cobertura, seja numa quitinete.

* da série "crônicas da luz vermelha", inéditas, sp, ano da graça de


2003
A ARTE DO ORGASMO FINGIDO & OUTRAS MENTIRAS SINCERAS

Não há mais dúvidas: quanto mais beira o verossímil, com gritos


lancinantes na noite, como assimilamos do cinema, mais fingido é o tal do
orgasmo. Nunca é condizente com a nossa performance e suor. Os
melhores e mais recompensadores orgasmos guardam o bom preceito da
educação dos gemidos. Um clássico!

Por mais megalomaníaco que seja Vossa Senhoria, recomendo que não
acredite naquelas algazarras, feiras amorosas, sacolões do sexo, capazes
de fazer os vizinhos pularem da cama só de inveja. Aquela gritaria toda,
meu amigo, só vale para provocar um problema dos mais graves. Deixará
o casal que mora do outro lado da parede em pé de guerra, uma vez que a
mulher, atenta à lição de gozo comparado, vai exigir mais, muito mais,
mais e mais, e mais um pouquinho ainda, do seu colega de prédio ou de
rua. E o pior é que os gritos só costumam ocorrer quando o gozo não
passa de truque, melodrama de fêmea, como canta a deusa La Lupe na
película Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos: “Teatro, lo tuyo es puro
teatro/ falsedad bien ensayada/ estudiado simulacro/ fue tu mejor
actuación/ destrozar mi corazón!”

O gozo desesperado costuma ter origens variadas (falar nisso, por que
ninguém cita mais W. Reich, meu ídolo da lira dos 20 anos?!). O gozo
desesperado, falava este locutor que vos sopra a nuca, costuma ser
resultado de algum curso mal digerido de teatro amador, de formação em
escola com viés jesuíta, interpretação errada dos manuais do Actors
Stúdio, dietas à base de alcachofra, audiências tardias das onomatopéias
do Led Zeppelin ou falta de homem propriamente dita.

As melhores gazelas educam cedo os gemidos. Em vez de gritos que


parecem mais apropriados para momentos de sequestro-relâmpago, a boa
moça sussurra e balbucia safadezas no cangote do amado. Mais vale um
bem dito dos 3.000 verbetes catalogados no Dicionário do Palavrão, do
mestre pernambucano Mário Souto Maior, do que os decibéis selvagens.

As melhores não se desesperam. Já imaginou Ava Gardner em


desespero? Nem com Frank Sinatra, a quem enlouqueceu todos os
sentidos. E não me venha dizer que isso seja frigidez, frescura ou algo da
linha. Fina!

Até a Amy Winehouse, a bela garota suburbana de Southgate, sabe disso.


Mesmo depois do seu coquetel preferido –ecstasy, vodka, cocaína e
remédio para cavalo- é capaz de um orgasmo educadíssimo. Deve apenas
morder um pouco, óbvio, pois sem dentadas, como já dizia o titio Nelson,
não há amor. Sim, as que só mordem e tudo calam, nada falam... são as
melhores!
Vixe, como diria meu professor de ídiche.Uma coisa é a gritaria, quase um
SOS, incêndio do velho Joelma ou sinistro urbano do gênero. Outra é a
gemedeira gostosa, fungada sentida, sacanagem nas oiças, fogo nas
entranhas, calor na bacurinha, quase um decassílabo a cada descida,
lirismo sem fôlego, a gostosa e inadiável asma do amor.

O NARIZ DO POBRE NIKOLAU *

Quando descobriu que o nariz era o seu pênis e o seu pênis era o seu nariz,
Nikolau ficou triste, mas não uma tristeza que fosse capaz de subtrair-lhe de
tudo a capacidade de rir de si mesmo, ironia, minha jovem gazela, o
pequeno Niko ensebou no berço desde o primeiro cocô-abacate.

Minutos depois do choque da descoberta, Nikolau já caçoava, nu diante do


espelho, da pilhéria anatômica imposta por Deus ou, no mínimo, pelo chipanzé
Yzur de Lugones que o antecedera.

Bem que Nikolau notara alguns sinais estranhos tão logo havia
adentrado à vida adulta, mas nada que o fizesse lavrar um diagnóstico
definitivo.

Quando desejava ardentemente uma mulher, por exemplo, esta cria da


sua costela sempre o chamava de mentiroso, como estivesse diante de um
compulsivo Pinóquio.

Nos banquetes, quanto mais aproximava o nariz das iguarias e acepipes


menos sentia os cheiros; quando comia com o prato no colo, nas festas de
casamento,o seu olfato era motivo de orgulho e lovações particulares.

-Que apuro! –Nikolau dizia para si mesmo, antes de saltar com a


amolada tese aos seus pares:

–Tolo daquele que acredita haver igualdade ou isonomia divina entre os


cinco sentidos; em cada homem prevalece um dos representantes desta
sagrada quina; sim, o olfato é o meu forte, senhores –concluía a sua
pabulagem com a braguilha inadvertidamente encostada na mesa.

Mesmo depois de desvendar a troca de órgãos, Nikolau não perdia


tempo com a matemática entre as vantagens e desvantagens. Preferia não
correr o risco nesse passar de régua.

-Vai que a coluna do saldo em negativo alcança a cumeeira –refletia. –


Já não há mais tempo mesmo para cobrir o prejuízo.

Uma vantagem era evidente: se a graça divina ou a causa hereditária lhe


pregaram peças fundamentais de ponta-cabeça... pelo menos economizaram
no vexame de ter um nariz em formato de pênis, como nas ridículas peças de
sex shop, e um pênis com feições de napa.
-Deus protege os ateus e o macaco preza pelos sucessores -dizia um
resignado Nikolau depois de chacoalhar as calças com um forte espirro.

Teria ocorrido uma simples confusão na hora do acabamento,


imaginava,o epitélio olfativo foi parar nos testículos e as gândulas responsáveis
pelos espermatozóides subiram-lhe à cabeça.

Naturalmente as coisas ficam muito confusas na hora do sexo. Na


posição conhecida no uso vulgar como 69, por exemplo, Nikolau obtém a
penetração de direito. Como sua napa-membro não fica nada a dever ao
membro-napa, não há queixas.

Há controvérsias e o caso está sub judice na Vara da Família, mas tudo


nos leva a acreditar que a descoberta do erro anatômico, inclusive, deu-se por
causa de um filho gerado pelo nariz, que vive, marketing da miséria, dos seus
recordes de espirros.

&&&

ASTERISCO INVOCATÓRIO

* do libreto "Tripa de Cadela & outras fábulas bêbadas", da bravíssima


editora Dulcinéia Catadora, em nome de quem convido todos hoje à Mercearia
São Pedro, salve Marquinhos & família Benuthe, dia 29/07/2008, das 15h até o
último tombante, para começar a celebrar os 40 anos da dita e gloriosa
taberna... Nesta ocasião será reeditada, conto a conto, a inimitável e
inigualável "Antologia Bêbada -fábulas da Mercearia" (edição original da
Ciência do Acidente, a tesoura mais rápida do oeste). Cada narrativa, digo,
será transformada, com as capas guapíssimas de papelão pintadas ali na
hora, em um libreto da supracitada Catadora. Além de tudo teremos as
presenças que nos honram dos caballeros del portuñol selbagem, don Douglas
Diegues e o impressionista-mor dos chacos El Domador de Yacarés, de
Assunçolândia para todas las galáxias.

&&&
Ainda sobre a Antologia Bêbada...Reparem no time de gente do
ramo:Andréa del Fuego, André Sant´Anna, Antonio Prata, Bruno Zeni, Chico
Mattoso, Clarah Averbuck, Índigo, Ivana Arruda Leite, Joca R.Terron, José
Alberto Bombig, Marcelino Freire, Mário Bortolotto, Matthew Shirts, Nelson
Oliveira, Reinaldo Moraes, Ronaldo Bressane e este kaririense que vos
sussura aos ouvidos dos pés.
TEORIA DO MEDALHÃO, 100 ANOS DEPOIS

Nada como um século atrás do outro...


No conto “Teoria do Medalhão”, de Machado de Assis, o pai aconselha o
filho, o abestalhado Janjão, 21 anos completos, como triunfar na vida, seja no
parlamento, na magistratura, na imprensa, na lavoura, na indústria, no
comércio, nas letras ou nas artes. Entre os conselhos, como a manha da
bajulação e da queda pelo foguetório da publicidade, alerta o donzelo sobre a
esperteza de ter sempre na manga do paletó uma função de reserva, para o
caso de não prosperar no ramo profissional desejado:
“...assim como é de boa economia guardar um pão para a velhice, assim
também é de boa prática social acautelar um ofício para a hipótese d que os
outros falhem, ou não indenizem suficientemente o esforço da nossa ambição,”
soprou o velho para o jovem almofadinha.
O sonho maior é ser um medalhão, mas se não der, por que não tornar-se
apenas um bom advogado?... Se não der em um bom advogado, por que não
ganhar a vida como um um rábula de porta-de-cadeia, ainda mais no mundo de
tantos corruptos á procura de hábeas-corpus?
O mesmo vale nos dias de hoje nas raias da política, da cultura, do
entretenimento e da fama. Não conseguiu emplacar como um bom ator? Ora,
grave um disco. Não conseguiu brilhar como cantora? Não faz mal. Tente ser
apresentadora de programa infantil... Faltou financiamento para o cinema?
Bem-vindo ao jornalismo, como fez o Arnaldo Jabor, para o bem ou para o mal
de um dos dois.
Baseado na teoria do conto machadiano, este escriba, que acabou nas
redações por falhar seguidas vezes no concurso do Banco do Brasil _sonho de
todo bom pai do interior_ deixa seus conselhos, ou melhor, pitacos à bagatela,
para aqueles que procuram fugir do atoleiro das obscuridades,
independentemente dos ofícios que abracem:

Nome próprio – Não careces enfiar tantos ll dobrados, kk, ys e quetais,


mas é bom que tenhas um batismo artístico curtinho. Em 1942, Mário de
Andrade já alertava o então Fernando Tavares Sabino, que derramara no papel
os primeiros contos, a cortar um dos sobrenomes. Dito e feito.

Idéias – “O melhor será não as ter absolutamente”, como diz o pai do


Janjão, o mancebo citado logo ali na cumeeira desta crônica.

Ironia – Eis o ímã para chamar inimigos e puxadores-de-tapete aos


borbotões. Nem diante do espelho deves ensaiar este movimento de canto de
boca, recurso inventado, segundo o pai de Janjão, por algum grego da
decadência.

Citações – A depender do auditório. Como todo bom mineiro sabe, em


terra de sapo... de cócora com ele. Em um ambiente sério e respeitoso,
Shakespeare, sempre Shakespeare; entre mulheres e gays, Wilde, muito Oscar
Wilde.. Importante: não te apresses a dizer o nome do feliz proprietário da
frase, omita-o. Para quem sabe a autoria, não haverá nenhum pecado nisso; e
aos ouvidos dos tolos, soará como uma boutade de sua mente privilegiada.
Arrancarás suspiros!

O HOMEM-PROJETO...

Sim, o homem-projeto, a obra aberta e o macho inacabado...


Cuidado, ele está solto por ai. É o homem-projeto, um onipresente.
Está em todos os salões, lançamentos, vernissages, guichês de isenção
fiscal, concursos da Petrobrás, festas, restaurantes da moda, bares
descolados, na Praça Benedito Calixto (SP), na feira de produtos orgânicos do
Leblon, no Baixo Gávea, em Porto Alegre, no Recife, Dagrão do Mar em
Fortaleza, Salvador... Com o aumento do contingente no exército de reserva,
nem se fala, o homem-projeto começou a se multiplicar como Gremlins. Uma
praga.
“Por falar nisso eu tenho um projeto...”
“Acabei de inscrever um projeto...”
“Estou preparando um projeto...”
“Estou captando para um projeto...”
“Copiaram o meu projeto...”
“Puta projeto...”
O macho e a fêmea-projeto alimentam a paranóia delirante do plágio dos
seus projetos. Alguém na sombra estará sempre copiando as suas idéias.
Originalíssimas, diga-se. Fazem um mistério danado dos seus projetos.
Quando contam, tudo não passa de algo tão novo quanto uma missa do galo,
tão inédito quanto o “no princípio era o verbo”.
Para completar, o amor próprio, esse orgulho besta, acaba também
inviabilizando o prazer do plágio. O que se tem, na boa, não passa de uma
angustiazinha da influência, no máximo. Sabe o que ocorre? Todo mundo quer
ser dono do seu projeto e do seu próprio nariz, até mesmo aquele lesado
senhor que teve a napa subtraída pela navalha do barbeiro de Gogol. Correu
atrás e achou, rapé do bom.
Logo logo não restará sequer uma criatura sem projetos no Brasil. Uma
nação de artistas e produtores culturais. Como no conto “Dois Augúrios”, de
Villier Adan-Lisle, encontrar um sem-talento será motivo de foguetório,
mercadoria rara, lance inestimável, brindes ao infinito. Atenção sem-talentos,
sem-cerimônias em geral, cartas e currículos para a posta restante deste
escriba ibid idem.
Logo mais não teremos encanadores, bombeiros,eletricistas, bancários,
pequenos agricultores, a boa gente do comércio, excelentes amassadoras de
pães-de-queijo, exímios pontas-de-lança, mulheres prendadas, profissionais do
lar... Apenas escritores, cineastas, praticantes da nanoarte (ah, você está por
fora, trata-se da tribo da nanotecnologia, ramo da cultura digital que beira as
raias da linguagem atômica), humoristas de televisão, críticos benjaminianos,
pintores, tradutores, tribalistas, transgressores...
Para completar, viramos a pátria da ginástica artística, olímpica... Era só
o que faltava para a nossa ruína!.
Ah, saudades da nossa vocação agrícola, dependente apenas de algum
crédito público, meteorologia de adivinho e bravos homens do campo. O novo
celeiro do mundo, calorias para todos, futuro à vera, “de pé, famélicos da terra!”
Agora até os nossos bons médicos são doutores de “Caras”....
Para completar o desastre histórico, como as mulheres têm queda para
os homens-projetos! Assim como o pendor eterno, a asa quebrada pelos tolos.
Isso quando elas mesmas não se antecipam e inventam os seus
arrazoados de arte. Cadê a gente normal, a missa, o Fla-Flu, o Sansão, o
Grenal, o Ba-Vi, o Clássico das Mutidões, o Icasa X Guarani, o almoço de
domingo, o “amor só de mãe” -como me venderam no aforismo do pára-choque
mais afetivo?
Chega de arte. Madeleine é bom pra memória de francês. Com bolinho
de macaxeira (mandioca, aipim...), a gente só vai se lembrar de coisa ruim.

FESTA SEM GAY NÃO ORNA *

Duas coisas que nós do mundo macho deveríamos aprender de uma vez
por todas: festa sem gay não decola, não emplaca, não orna. A outra verdade,
daquelas bem simples, óbvias e cristalinas: toda grande mulher tem ou deve ter
um gay como principal e inseparável amigo.
São duas sentenças bíblicas. Deveriam constar de lei federal, nas Tábuas
de Moisés, em todos os testamentos.
Você já viu uma festa sem gay animada? Também não. A pista não pega
fogo, as mulheres não têm com quem fuxicar sobre o modelito da perua mais
emperiquitada ou da dama de vermelho... Seja forró, pagode ou eletrorock...
Seja em Nova York ou em Colônia do Piauí, terra de um dos raros bons
políticos do Brasil, o travesti Kátia, vereadora há dois mandatos, adorada na
região por homem, mulher, menino, cachorro, gato, papagaio, macaco e os
velhinhos viciados nos seus cafunés e dengos populistas.
E se o frege tiver, por exemplo, um Jackson Araújo, basta. Sai tudo nos
conformes: do ossobuco ao repertório - com direito a Diana (“Ó meu amado/
por que brigamos?...”) e tudo o mais que exige a decência e a fome de viver.
Pra completar, o desgraçado ainda ajeita o caimento da roupa de uma aqui,
corta a franja da outra acolá, receita um Lancóme mais na frente... Um
espetáculo. Luxo, riqueza e conforto num ambiente 5 estrelas.
A mesma lição da festa perfeita vale para a amizade das nossas gazelas.
Mulher sem um amigo gay nos arredores não tem graça. Com um gay como
melhor amigo, ela fica mais inteligente, mais bem-humorada, mas faceira,
acerta a roupa que veste, pinta o cabelo pra sair da rotina, o diabo-a-quatro.
Você ainda pode ficar em casa vendo aquele Bangu X Madureira na maior
tranqüilidade, pois ela certamente terá ido ao cinema com a biba de estimação.
Ora, e você ainda fica livre da obrigação de ver cinema iraniano, paquistanês
ou coisa que o valha - ela terá visto todos com o amigo-cabeça. Uma beleza,
uma mão-na-roda essa união.
Sem esquecer, claro, que você, cabra-macho, também terá um grande
amigo, normalmente brilhante, para quebrar um pouco a rotina da testosterona
à milanesa do boteco e a ignorância animal de tantas peladas.
* da 3ª edição do livro "modos de macho & modinhas de fêmea -a
educação sentimental do homem", que acaba de chegar às livrarias e
boas casas do ramo.

MISS CORAÇÕES SOLITÁRIOS

Em edição extraordinária e inadiável, Miss Corações Solitários, cigana


andaluza que habita uma choupana na margem esquerda do Capibaribe,
socorre duas criaturas eivadas de aflições e desarranjos do amor. Às missivas,
pois:

Estimada Miss C. S., bálsamo dos aflitos, socorrei-me, careço do teu cafuné
espiritual... Estou mais lascada do que maxixe em cruz.... Sou casada,
separada, namorada, amante e rapariga ao mesmo tempo do meu ex-tudo,
santo e puto pai dos meus filhos. Mas a controvérsia é que apesar de gostar do
cabra, ando de olho gordo em um outro, gosto de chocolate, cor de canela e
doce muito doce... tenho medo de morrer diabética (mas sempre é melhor do
que esfaqueada!!)
Como resolver a questão? Tomando banho frio, purgante de mamona ou devo
comprar a revista do milhão e ficar de joelhos rezando para ser sorteada??
La Concha Indecisa

Resposta:
Querida e Indecisa criatura, “está certa disso?” Entre os jogos de azar e os
bingos do amor, a sorte grande está mesmo nas lições do excesso – tenham
elas gosto de chocolate ou travem qual o jiló-do-arrependimento.. Pois como
dizia o velho místico inglês, só o excesso conduz ao palácio da sabedoria.
Quanto ao bofe-eterno-retorno, mantenha distância – mas de apenas alguns
metros ou ao alcance do seu “help” mais agudo. Sabe como é, a mercadoria
está em falta na despensa – e no mercado, minha filha, só restam os bofes-
pepinos, bofes-abacaxis e toda uma sorte de hortifrutis de fim-de-feira.
Sempre à sua disposição, na barraca espiritual mais próxima, Miss C. Solitários

Querida Miss C. S.:


Magnífica Gurua - aspirina e ponstan digital -, desde outubro passado sofro
pelo amor de um homem. O conheci neste mar que não tem cabelo que é a
internet. Ele é maravilhoso e eu o amo. Já lhe disse infinitas vezes. Mas o
mancebo - que é escriba de mancheia, razão pela qual roubou meu coração
vulnerável - não me dá ouvidos. Não me crê. Ou crê e não me retribui o amor.
Diz que me quer. Mas nada faz. Embora seja conhecedor de teu famoso
conselho sobre amores platônicos, não concretiza a trepada homérica. De
homérica, só eu, Penélope eterna, à espera, tramando e destramando os
pontos desta paixão.
Que fazer? Há esperanças? Haverá luz na escuridão de meu Caritó?
L. V., Rua da Ladeira da Ribeira, Natal, RN

Resposta:
Querida Penélope, como toda musa de ladeira, saberás esperar a estrela da
manhã, que não tarda, pois o tempo para os amantes é sempre nada, coisa-
alguma, beirinha-de-dias e auroras alvissareiras, folhinhas no calendário, dias
que correm aos pés do Coração de Jesus das edições Paulinas. Mira o fundo
das tuas xícaras de café e verás, como cigana das margens do Potengi, o
mancebo em desalinho, talvez atordoado, ostra viva escondida na casca de
uma promessa de amor. Qual o Câmara Cascudo da tua terra, piolho de
cabarés e desordens líricas solenemente aceitas pela mulher amada, talvez o
moço esteja a essa hora no frege da vida, tão-somente para suportar o fardo
do trabalho e enganar, distraído para a sorte, o peso dos dias. Aceita, pois, o
afago carinhoso desta dama envelhecida em barris de bálsamo que vos fala.
Estico a vista e enxergo, no horizonte da tua janela e no desconforto dos
cotovelos da espera, a caatinga em flor, mais florida que os jardins de Swan.
Sempre às ordens, neste Caritó e suas cinzas das horas, tua Miss C.

Escreva você também para a nossa brava cigana, que volta a qualquer
momento conforme a demanda das dores do mundo. Adiós!

CLIENTE MORTO NÃO PAGA

O pombo-correio - ou será o corvo postal de Edgar Allan Poe? – insiste em


deixar na minha casa o diabo de um envelope mal-assombrado. Sempre a
mesma mensagem, mala direta do outro mundo, marketing da velha corcunda
da foice: “Venda de jazigos. Promoção por tempo limitado. Invista na sua
tranqüilidade.”
Basta pegar o envelope que já começo a sentir dores estranhas e
palpitações, ainda mais quando a correspondência chega junto com o aviso de
atraso no pagamento do plano de saúde. “Deixar tudo para a última hora
sempre significa pagar mais”, alardeia o folheto do terror. “O Cemitério do
Morumby fica em uma das áreas mais nobres da cidade, com excelente
localização e fácil acesso, integrado de forma harmoniosa ao lado de prédios e
construções sofisticadas”, diz o pregoeiro dos infernos.
Ah, bom, que alívio, que maravilha ser engavetado em uma das áreas
“mais nobres” de SP! Nascer lá na miséria do Cariri e ser enterrado em terreno
de luxo, cercado de VIPs, é mesmo uma saga e tanto! Luxo e riqueza em um
ambiente cinco estrelas. Com direito a um lindo epitáfio tirado de “Na margem
do rio Piedra eu sentei e chorei”, do mago Paulo Coelho.
Mas de tanto insistirem com a mala direta do além, decidi procurar aquele
“investimento diferenciado”, como dizia o lazarento reclame. Saí em busca dos
corretores de plantão no “stand de venda”. Planos facilitadíssimos. Até dez
vezes para pagar. Jazigos a partir de R$ 10 mil, fora as gavetas, fora a taxa de
manutenção anual. “Ótima localização, bairro chique”, dizia uma vendedora. Só
faltou dizer que me daria o céu, meu bem, como na canção do Rei e no ótimo
livro de Ivana Arruda Leite.
“Um investimento que só valoriza”, insistia, como estivesse vendendo um
terreno na frente para o mar. Logo eu, que nunca investi nem mesmo no “over-
nigth” –lembram?- no tempo da inflaçãozona a 120 por hora.
Uma prosa pra lá macabra. Uma moça tão linda e negociando com uma
“commoditie” dessas, pensei. Vai chegar em casa e dizer ao namorado:
“Benhê, mô, vendi doze túmulos hoje, veja que maravilha!” Papo mais
excitante, não?
Mas para que eu fechasse o negócio, naquele momento já havia me
conformado com o destino, fiz uma última pergunta:
“Escuta, meu amor, esse plano funerário tem alguma carência?”
A musa gótica sorriu da minha inocente indagação e respondeu:
“Imagina, querido, você pode usar o jazigo assim que fechar o contrato. A
partir de amanhã cedo...”
Cliente morto não paga. Me vi ali, tristão no ataúde. Lembrei de uma velha
reportagem, em parceria com o fotógrafo Fred Jordão, assombrações do Recife
Velho, quando me fiz de morto, dentro de um caixão e tudo, para denunciar a
máfia dos “papa-defuntos” e das funerárias. Publicamos no glorioso jornal-
revista ``O Rei da Notícia”, periódico anarco-armorial –grande libelo do
jornalismo literário e humorístico do Pernambuco dos anos 1980. .
Só sei, amigos, que retornei para o lar doce lar, depois da visita ao stand
mal-assombrado, na dúvida se fechava ou não o grande negócio da minha
vida: não é todo dia que se tem a bela oportunidade de ter os seus restos
mortais numa área nobre paulistana, que honra, que orgulho fúnebre para um
cadáver tão xumbrega e vira-lata.
Agora deu até vontade de sair declamando, na madrugada, aos berros, o
mais popular dos nossos poetas botequins e lupanares, o bravíssimo Augusto
dos Anjos: “Vês?! Ninguém assistiu ao formidável /Enterro de tua última
quimera./Somente a ingratidão - esta pantera - /Foi tua companheira
inseparável!// Acostuma-te à lama que te espera! /O homem, que, nesta terra
miserável, /Mora, entre feras, sente inevitável /Necessidade de também ser
fera.”

FABULÁRIO GERAL DA DESIGUALDADE

Que saudade do Walter Hugo Khouri e o seu pornô-cabeçoso, tratado


geral das taras burguesas. Salve nosso Antonioni da Móoca. Os ricos todos
perversos e tristemente podres por dentro.
Está na hora de voltar a filmar a burguesia e seus arredores.
Como disse o próprio Fernando Meireles, na ressaca das ilusões
perdidas do Oscar, “chega de Cidade de Deus.” Chega dessa síndrome de
Victor Hugo a promover a invasão da privacidade da vida dos miseráveis. A
favela tem que cobrar royalties, bufunfa, cacau, grana, desses urubus, tem que
taxá-los mesmo.
É fácil e covarde entrar com as quatro patas nos barracos, sobrados &
mocambos, como fazem as rondas policiais, os açougueiros da tevê e os
cineastas modernos.
Chegou a hora de trocar o Capão Redondo por Alphaville, o Jardim
Ângela pelo Jardim Europa, o Beco da Facada por Casa Forte, o Conjunto
Ceará pela Aldeota –sim, aqui entra apenas como símbolo, pois estão batendo
na porta, pra te aperrear, pra te aperrear, como canta o bravo profeta Ednardo.
Apontar a câmera para o 1% mais rico e fazer a nossa comédia Forbes
de erros. Quem seriam os grandes narradores desse “dogma”? A senzala que
desce o morro para trabalhar na Casa-Grande. Contaria, como fábula de
classes para ninar meninos e criar cuervos, as historinhas de como vivem os
ricos. O Christian Saghaard, Jéferson De, Paulo Sacramento ou Cláudio Assis
fariam fitas de entortar o cabeçote, para citar apenas alguns chegados.
Quem se habilita a filmar o esnobismo da Casa-Grande da nova era?
Fazer o que o homem-víbora Joel Silveira, profissão-reportér, fez ainda nos
anos 40, quando exibiu, no semanário “Diretrizes”, de Samuel Wainer, os
podres do grã-finismo de São Paulo. Um espetáculo do esbanjamento dos
quatrocentões paulistanos. Confira as nobres linhas no livro “A Milésima
Segunda Noite da Avenida Paulista” (Companhia das Letras), jornalismo do
bom, daquele que deixa o cabra corado de inveja. A boa inveja dos homens
que dominam a pena e a arte da coragem.
“(...)os lucros dos Matarazzo no ano passado foram de 700 milhões de
cruzeiros. É muito dinheiro e com ele os Matarazzo podem fazer grandes e
belas coisas. Algum dia (quem sabe?), Matarazzo fará um refeitório ventilado e
claro para os seus operários.” É por aí a loa de Silveira, com suas Fifis e
Penteados.
É preciso invadir a privacidade dos barões que trocaram o café das
antigas pela jogatina financeira. Escancarar as rotinas de muitos usineiros, que
ainda hoje negociam as “almas mortas” –como no romance de Nicolai Gogol_
dos escravos na banca dos subsídios e títulos da divida agrária.
Mais Robert Altman e menos Victor Hugo.
Chega de “cosmética da fome” e do sertão cordial da Conspiração
Filmes. A hora e a vez de filmar os ricos, seus luxos e suas vadiagens. Gente
que morre com dez salários mínimos num alpiste de grife do Fasano, embora a
iguaria fina vire a mesma merda que os iguala à plebe rude.
Viva a nossa divina comédia Forbes. Rende boas ficções e
documentários idem. Na prateleira, as fitas serão localizadas no gênero
“tragicomédias da desigualdade”. Algo assim explicitamente sociológico.
Pedagogia do buraco. Mas não carecem ser filmes chatos, faz favor. A receita
estética é simples: podem juntar o camarada Karl e os irmãos Marx, com o
moralismo extremado de Nelson Rodrigues –aqui abriríamos uma
possibilidade, no segmento mainstream, para Arnaldo Jabor largar o jornalismo
e voltar ao seu comércio de origem.
Mas não esqueçam de levar as mil e uma noites de Joel Silveira para a
tela. O homem que fez a verdadeira minissérie dos barões paulistas. A hora e a
vez de botar a playboyzada na fita.

ESTÁ ESCRITO NA FACHADA ISSO É UM LAR

(RESGATE EM HOMENAGEM AO DIA DO SOLTEIRO!)

Noves fora o “homem de predinho antigo”, aquela criatura que adora um


pé-direito alto, um sofá de época e uma luz indireta, o macho solteiro é um
desastre no capítulo decoração. Tem lá o seu sofá velho, a sua tv, uma cama
barulhenta, três ou quatro panelas _sem cabo_ encarvoadas pelo tempo, e
copos de requeijão, muitos copos de requeijão, alguns deles ainda com um
pedaço do papel do rótulo. Se brincar, o cara coleciona também os velhos
copos de geléia de mocotó, um primor de utensílio “vintage”.
E quando a fofa, toda fina e fresca, nova namorada, chega lá no
muquifo com a sua garrafa de champanhe?! Procura, procura as taças, para
fazer uma graça com o marmanjo, e nada. O jeito é beber Veuve Cliquot em
copo de extrato de tomate. Quem mandou apaixonar-se por um macho-
jurubeba autêntico, que vem a ser justamente o avesso do metrossexual,
aquele mancebo da moda que se lambuza de creminhos da Lancôme e decora
o loft, sim, ele mora num loft, de acordo com as tendências da revista
“Wallpaper”.
“Uó-o-qué, rapaz?, seje homi”, diria meu amigo Rinaldo, lá no sítio
Acauã, de Chã Grande, a terra do chuchu, agreste pernambucano.
Pior é quando ela tenta mudar tudo. E põe aquele seu quadro caríssimo
e de grife numa sala que não tem nem mesmo um sofá que preste?!
Um desastre.
A fofa, toda classe média metida a besta, não desiste nunca. Ai
presenteia o bofe _sim, ela está doida e perdidinha pelo cabra!_ com uma
batedeira prateada ultramoderna com 600 funções, que nunca será usada. Ai
fica aquela batedeira high-tech fazendo companhia aos três pratos chinfrins e
aos garfos tortos _como se o Uri Geller, aquele parapsicólogo que aparecia no
“Fantástico” das antigas, tivesse jantado por lá ou feito faxina na área.
Ela começa a revirar geral, um deus-nos-acuda, numa casa onde
ninguém havia mudado sequer uma planta de lugar. O reino vegetal, aliás, é
outro ponto fraco do macho solteiro. Jarros, flores? Nem de plástico.
Na casa do homem solteiro típico, a utilidade triunfa sobre a estética. O
cúmulo do utilitarismo. Sofá da tia-avó vira cama, como diz a minha amiga D.,
co-autora dessa crônica. A cama vira sofá, a rede vira sofá e cobertor, o
cobertor vira cortina preso à persiana...
A falta de cortina é outra marca registrada do desmantelo do cavaleiro
solitário. Quando muito, papel filme.
Abajur? De jeito maneira. Tosco no último, ele não tem cultura de luz
indireta, nem nunca terá, esqueça.
Outro traço de personalidade do macho solteiro: tudo que chega até a
cozinha vira tupperware _aquelas embalagens plásticas de lasanha comprada
pronta, caixinha de entrega de comida chinesa ou japonesa, potes de sorvete...
Melhor assim do que as frescuras do ex da minha amiga D., a mesma
rapariga acima citada. Ela entrou na casa dele e logo ouviu a advertência, em
altos brados: “Não pisa de salto no meu carpete de madeira!”
“Nooooosssssa!,” arreganharia a bocarra o velho Costinha, se vivo
fosse.
OS MUNDOS

na estrada, um estirão, sumpaulo/recife/pesqueira/juazeiro/crato/sítio das


cobras,santana do kariri... bodes deveras e existenciais, pirões, cuscuzes,
ditos, édipos, gargalhadas sobre o ser & os nadas, cartas paternas sem
vírgulas, essas coisas, um sorriso do velho, agora é tarde, uma bicada na
pinga, as paisagens pedem novas molduras, há sol sobre as tatuagens
esquecidas, tento voltar para casa teimando contra rastros & útero, os pés de
curupira desmentem o futuro e o passado, tudo é ficção, menos a primeira
capa da cebola, a faca de mesa que chora & as unhas manchadas pelo branco
da mentira.

MACUNAEMO, O HERÓI POSSÍVEL

AMIGO TORCEDOR , amigo secador, do esforço inútil de o país se tornar uma


potência olímpica, surgiu o Macunaemo, primo pobre e trocadilhesco do herói
sem nenhum caráter, um tal de Macunaíma, que nasceu no fundo do mato-
virgem e da pena de Mário de Andrade, aquele mesmo do vestibular, meu
querido e amado leitor jovem.
O Macunaemo é filho não de uma pura índia tapanhumas, como o bocó e
demodè herói da nossa gente, mas de uma mestiça do Terceiro Mundo que se
engraçou com um órfão legítimo do planeta globalizado, um galego anglo-
saxônico, hétero sensível que ama o lirismo possível do rock hardcore, sim, a
poesia está mais para o barulho, som & fúria, esses clichês maravilhosos, do
que para as frescuras do João Gilberto e um Brasil que não existe mais a não
ser nos segundos cadernos.Nosso herói moderno não diz: "Ai! Que
preguiça!...".

Macunaemo desaba no choro, não por ter perdido o ouro, mas pelos buracos
olímpicos d'alma. Quem nunca esqueceu a vara em casa que babe no divã
mais caro de Viena, Leblon, Higienópolis, Ondina, Espinheiro ou Jardim
Europa.
Macunaemo, que surgiu em prosa do acaso domingueiro com Ortinho, cantor e
compositor do jazz de Caruaru e do fim do mundo, é um ser quase olímpico, o
que rói a corda, o quase também da música de Fred 04, "porque estamos
quase lá, sempre, a gostosa da praia que dá, não dá, dá, não dá mole...".
No futuro, o Macunaemo vai rir disso tudo, porque só nos restará os esportes
coletivos, o resto será tudo programado para bater recordes, competição
científica e nada esportiva -como é um pouco hoje, noves fora os bravos
negões jamaicanos que enganam a vida na curva como esse coqueiro que dá
coco-dub da Nação Zumbi e outros futurismos.

A Olimpíada terá tanta graça quanto uma corrida de 100 metros rasos da F-1.
Os atletas nem precisarão ficar em suas marcas, nada de tiro de pistola para o
alto, carece apenas que um tiozinho olímpico meça a possibilidade genética no
sangue de cada ratazana do espetáculo.
Agora sim, ai, que preguiça, Dorival Caymmi! Pára o mundo, o grid, que eu
quero uma rede. Para que tanta pressa, amigo, se o futuro é a morte, morrida
ou de tiro certeiro?

Que fascismo submeter nossos jovens, que já venceram etapas sociais muito
mais grandiosas, a esse orgulho idiota decidido nos laboratórios de atletas.
Vamos fazer bonito na várzea mais próxima, sem jet-leg, no almoço de
domingo, com flores para as nossas negas, mães e amores, e continuar
rezando, como Jorge Ben e Antônio Maria, para as moças, ai, dorivei geral,
populista do amor e da sorte, ai que preguiça do mundo.
Post scriptum, P.S.: Gerado no mundo virtual, entre uma Lan house do
Capibaribe e um albergue de Amsterdã, o Macunaemo conhecerá seus pais no
Recife ou em Olinda, no carnaval que se aproxima, evoé, Baco, chega de
trabalho para enriquecer os outros.

Agora mais um chorinho, o Macunaemo merece: por que todo mundo acha
apenas que Dunga & cia. devem fazer o papel de românticos em um Brasil
f.d.p. que põe o cano na cara do outro, seja no beco escuro seja nos ambientes
ditos civilizados?

*crônica q publico às sextas, na folha de s.paulo

FAZ DE CONTA QUE SOU O PRIMEIRO

Ailton não é apenas um bom garçom. É especial. Criatura abençoada.


Especialíssimo. Do tipo que cria laços de estima e consideração com os
fregueses. Do tipo que ouve, aconselha, amansa os traídos, acalma as
mulheres de bêbados infiéis, bota ordem na casa, devolve uma certa paz ao
universo.
Melhor ainda, Ailton é do tempo em que garçom sempre sabia o
resultado do futebol. Do tempo em que torresmo não fazia mal, do tempo em
que os homens não tinham medo da sorte nem do colesterol.
Toda essa sabença, como ele trata a soma de sabedoria com
experiência, é servida de bandeja à freguesia.
No boteco, ele é tudo ao mesmo tempo: sócio-proprietário, caixa,
segurança e DJ _e só toca vinilzão de samba antigo. Adora João Nogueira.
“Oh, minha romântica senhora tentação/ não deixes que eu venha sucumbir/
neste vendaval de paixão”. Essa toca até furar o disco. Principalmente quando
tem alguém chorando as pitangas amorosas. Entre tantas serventias, esse
negócio de amor e dor é com ele mesmo. É mestre, rima e solução da parada,
honras, ombro amigo da casa.
Eu mesmo já fui perdidas vezes consolado pelo cara. Dor de corno,
daquelas que não passam com cachaça ou aspirina, é com ele mesmo. Vai no
ponto, na veia, um neurocirurgião do amor. Primeiro o afago, a compreensão e
o ouvido ao alcance do freguês. No fundo musical, põe logo o vinilzão com
“Peito Vazio”, de Cartola _``Procuro afogar no álcool a tua lembrança/ mas noto
que é ridícula a minha vingança...” Dois, três conselhos depois a gente está
pronto para outra, digo, outro chifre, esse inevitável adorno que o destino teima
em parafusar sobre nossa fronte de artista.
Numa dessas sessões “macho em crise”, Ailton me deu uma dica genial.
Notou, sensível que é, a minha dificuldade em descolar uma nova costela, uma
nova deusa para enfeitar o meu pobre muquifo em desalinho. Uma dica
importantíssima. Simples, simples de tudo, até boba, mas de uma sabedoria e
tanto. Uma beleza de estratégia.
“Seguinte, meu amigo, chega de saudade... Senta aqui, nessa primeira
cadeira do boteco, que a vida vai sorrir pra ti”, disse, arrumando uma mesa
bem na calçada, quase na rua, de frente para o crime.
Sem deixar a bola cair, emendou, de prima:
“Ora, compadre, todo dia tem uma mulher que sai para o bar, revoltada,
muito revoltada, e diz para ela mesma: "hoje eu vou dar para o primeiro que
encontrar”.
Desde então procuro sempre ser esse `primeiro´homem
estrategicamente bem localizado, na vanguarda da carençolândia do
universo, que pode tirar proveito da fúria caseira de uma mulher.

MUITO ALÉM DAQUELA FRESTA

Sim, a grande arte de brechar. Ou, como quer o dicionário, o vício de


espreitar, espionar, observar.
O brechador não é apenas um voyeur comum. Não é apenas um homem
que olha, como no romance homônimo de Alberto Moravia levado às telas pelo
tarado genial do Tinto Brass.
Brechar é olhar além das lunetas e das janelas indiscretas. É aproveitar
uma fresta mínima da existência, é o alumbramento quem vem aos olhos
naquele banheiro de palha dos quintais das antigas, a moça nuinha de tudo, a
primeira visão de Manuel Bandeira, lembra?
Brechar não se trata de espiar a vulgaridade devagar,baixaria-slow, do
Big Brother.
A arte da brecha é sofisticadíssima.
Contou-me outro dia o bravo Jones Melo, em pleno set de filmagem de
“Baixio das Bestas”, do compay Cláudio Assis, que existiam verdadeiras
“gangues” de brechadores no Recife e Olinda.Coisa dos anos 70,80, pelo que
me lembro.
Os rapazes, em bandos, saiam à procura das melhores brechas por
sobrados & mocambos.
Claro que sempre arriscavam tomar uns pipocos de espingarda de sal
ou chumbo nas costas. Pais e maridos brabos que não permitam tamanha
safadeza nos seus códigos de honra.
Nostalgia precoce à parte, bendita época em que o crime era tão
delicado quanto um olho numa fresta.
Brechar está para os pobres e menos aquinhoados dos subúrbios como
a arte do voyeurismo está para os ricos que freqüentam clubes especializados
no assunto.
Se bem que fica difícil botar luta de classes e definir a diferença entre
um e outro. É mínimo o limite entre quem brecha e quem voyeuriza.
Um particularidade da arte de brechar, que vai além do voyeurismo,
consiste, por exemplo, no flagrante da cor da calcinha, num simples lance de
pernas, polaróides do desejo, frações de segundos, um cruzamento de coxas
que embaçam nossas gafas e lentes de aumento.
Brechar é sobretudo a arte da paciência.
O cinema, por exemplo, é uma brecha e tanto. Como no clássico
nacional “O Olho Mágico do Amor” (1981), filme de Ícaro Martins e José
Antônio Garcia, uma coisa!Clássico dos clássicos recentíssimos.
Brechar é...
Esperar por horas o momento em que ela se despe, no edifício em
frente, e passa correndo pela janela onde fixamos as retinas. Horas postado
por apenas 15 segundos de nudez, nudez que mais parece um vulto, mas vale
por sabemos que se trata da doce nudez de tudo.
O brechador ou brecheiro obsessivo é capaz de qualquer coisa por
apenas uma visão de uma perna, uma meia lua de bunda, um peito, um
umbigo que bem poderia ser visto na rua _mas ao brechar vira outra coisa,
outro tipo de beleza, como dizem estes viciados plantonistas.
O brechador é capaz de deixar um casarão em goteiras, apenas para
roubar, sobre as telhas, a impagável visão da casa de uma bela adormecida.
Olhos não se compram. Quem brecha tocaia a beleza, a
única promessa de felicidade imediata e possível.

BAUDELAIRE DE BANDONEÓN

una estranha palabra nos une en la calle, no leito e na via láctea de hoy por
delante. Ainda não sei qual a trilha sonora da nuestra noubellita amorosa ou
ficosa, de ficare, ficaraón [ficar + tataruón, la cona na linda melodia del
guarany] como diria meu maestro em portuñol selbarre, don Douglas Diegues.
ficar de ficare, nueba mueda de los chicos y chicas de las boates que não
combina com un viejo como yo, bem, como estaba a dizer, una palavra muy
bela, a mais encantadora de las castanholitas que batem entre la lengua e el
palato, um vocábulo de responsa, quase uma sonata numa só palabra, una
palabra que hay lido carmencita de las alterosas rogada en mi sofazito da cor
dos nuevos biños das beiras do rioja, una palabra que achou en um poema do
Tuca, libreto muy belo do argentino, digo, do boedaníssimo spleen de Boedo,
Baudelaire de bandoneón de todas lãs manos de un polvo, a quem tive el
prazer de conhecerlo en um seqüestro de escribas y poetas de boinas en
puerto de las galiñas, nueba Holanda del brasil. una palabra que guarda la luna
refletida como noá-noá de david goodis, “puedo sentir el ruído del água”, me
sopra Casas, son las dos de la mañana y mi corazón chacoalha na pista de la
ilusión enquanto tu bailas no praga, en la calle de turiassu, san Pablo, un tenro
hoqueyroll que me encanta, com um sorriso que é capaz de tirar leite e
comoción da mais inanimada das bidas de un pobre paralelepípedo esquecido
sob pneus e pés sem rumo.

* do libreto "la mujer es un gluebo da muerte" ,edição YiYi Jambo


(hermanita de las cartoneras), Asunción, siempre con renovadas e
guapíssimas tapas del artista Domador de Yacarés.
AQUELE CIGARRO DEPOIS DO AMOR

Serge, eu te amo, eu também não. “Je t´aime, moi non plus”, esse é o cara, o
grito, o sussurro, a fome de viver, o beijo no chão da vida. Sem meio termo,
pois só os homens de boa vontade encontrarão o palácio da sabedoria. O
excesso, o mito, a fraude, o mal-diagramado, pois a beleza é passageira, a
feiúra não. A feiúra é linda, pois é pra sempre, amém.

Toque outra vez, Serge Gainsbourg (1928-1991). Resenha com trilha sonora:
“Ballade de Melloddy Nelson”. Alvíssaras, meus camaradas, agora escutemos,
gozo ao longe, “Bonnie & Clyde”. Em tempos de paranóia antitabagista, releio a
biografia, não a maior, que é francesa, mas a inglesa, que fazer?, do mais puro
dos canalhas líricos. “Uma doce figura trágica com aquela cara de quem tinha
acabado de sair de uma garrafa de uísque” , confessa a autora da obra, Sylvie
Simmons, célebre periodista do rock´n´roll da terra da Rainha, escreve pra
revista “Mojo” e quejandos da mesma laia.

Com vocês “Serge Gainsbourg –um punhado de Gitanes”. Grande iniciativa da


editora Barracuda. Bom relato da vida do rapaz que amava as mulheres, muito
mais do que o Bertrand do camarada Truffaut, muito mais que todos, pois
amava sempre entre o trágico, o gozo e a cócega. Quando não fazemos rir
nem mesmo com as ditas cócegas, adeus, mon amour, hora de parar, luto
amoroso, sete palmos e um caixão da dor que fica,partir. Ele fez cócegas e
tomou lindos cafés da manhã com Brigitte Bardot e Jane Birkin.

Elas cantaram com ele “Je t´aime, moi non plus”, cada uma ao seu jeito de
amor-pezinho-colado-para-sempre. O sempre possível, à Cândido de Voltaire,
como diz a vida e não desmente a biografia. D´onde Gitanes vem a ser o
cigarro do bar e do pós-gozo, aquela mesma marca do povo da nouvelle
vague, aquele povo gola-alta e falante, ah, o trago-de-autor a sair pela janela.

A autora entrevista tudo que é gente para tentar entender o mais


compreensível dos homens. Ora, basta olhar as capas de disco e as olheiras,
basta ouvir Brigitte e Birkin. Sim, a autora ouviu. Mas elas não dizem nada
mais do que a gente não saiba ouvindo meio verso do mancebo. Ele fez de
tudo. Conduziu a chanson ao pop, botou a Marselhesa em ritmo de reggae –
para náusea de França!- confessou amor sexual às cachorras. As que latem de
verdade.

E dele diz o rapper francês MC Sollar, subúrbio-soul que levou ao hip-hop as


aventuras de “Bonnie & Clyde” na sua neoclássica “Nouveau Western”, sample,
modo de usar: “Eu descobri o Serge quando tinha uns doze, treze anos,
durante o seu período reggae, e o que me chamou atenção de imediato foram
as letras. Mais tarde, pude examinar o modo como ele escolhia as palavras,
colocava todas no lugar certo, nunca era uma escolha gratuita”.
Amante também de uma certa escatologia –não apenas pela influência do
amigo Salvador Dali- o Gainsbourg escritor deu ao mundo “Evguénie Sokolov”,
livro que conta a história de um jovem que sofre de flatulência e confunde seus
odores com arte. É a pioneira crônica de costumes sobre a fama infundada das
falsas celebridades.

Embora seja muito direcionada aos ingleses, com um enorme mea-culpa pela
demora da aceitação da sacanagem de Gainsbourg entre os britânicos, a
biografia da menina Sylvie Simmons é muito valiosa. Ela fez uma grande
reportagem, ouvindo meia França e até motoristas de táxi que haviam gerado
filhos aos grunhidos da maior música de motel e strip-tease de todos os
tempos, a Marselhesa do amor, a internacional do desejo, a linda e única “Je
T´aime, moi non plus”.

AUTO-AJUDA PUNK-BREGA (EDIÇÃO REMAKE, A PEDIDOS DE MOÇAS


AFLITAS)

O mantra é esse, pombinhos desgarrados e estraçalhados pelas agruras


do amor: “Só o caminho do excesso conduz ao palácio da sabedoria”. Assina
que é o verso é teu, velho William Blake (viveu em Londres de 1757 a 1827).
Ou seja, numa livre tradução para a nossa baixaria de vida de hoje: SÓ A
LAMA CURA!

Seu guarda, eu não sou vagabundo, sou um cara carente, estirado aqui
na praça Roosevelt ou na pracinha do Diário, com o meu próprio teatro do
absurdo no bolso, pensando nela!

Seu guarda, acabei de chorar lágrimas caubói _não os da montanha,


mas os vaqueiros do asfalto_ no porão com Wander Wildner, que cantava as
suas dores de trovador punk brega.
SÓ A LAMA CURA!
Leve a sua dor para as ruas, seus bares/seus mares, nade com ela no
seco por debaixo das mesas, exponha-se, seja a vitrine de suas próprias
escoriações, não se envergonhe, molhe o ombro do garçom amigo, derrame
uma para o santo e entorne a próxima bagaceira com gosto de sangue e luto.
Se a vida dói, drinque caubói.
Wander Wildner, o que nossa dor idiota vai ser quando crescer? Rato de
porão, rato de porão.
Cubra-se do negro do luto e qual um espadachim caricato leve a sua dor
para um rolê nos subterrâneos da cidade. Quando estiver bem torto, ria da sua
dor como um bêbado se diverte com a sua própria sombra em farrapos.
Auto-ajuda punk-brega: não glamourize tanto a sua dor, tire onda, o amor é
assim mesmo, como me disse um dia, num botequim ali perto do Parque 13 de
Maio o amigo Evaldo, citando um escriba italiano cheio das grapas: o amor é
um beijo,dois beijos, três beijos, quatro beijos, cinco beijos... cinco beijos,
quatro beijos, três beijos, dois beijos, um beijo... e FIM e pronto. Ninguém
morre de amor nos trópicos!
COMO SE UM BOCAGE CORNUDO E BORRACHO RESPONDESSE A
CAMÕES

O amor é fogo que arde... um caralho;


É ferida que dói... uma buceta;
É um contentamento só de esteta;
É dor que faz o clitóris de chocalho.

É um não querer mais que atalho;


É solitário andar e não tem seita;
É nunca contertar-se, é uma pêta;
É uma dor que murcha até o malho

É querer estar preso a uma peste;


É servir de otário, órfão, sofredor...
É flagrar a rapariga num boquete.

É ser corno nas asas de um condor;


É saber que ela pinta, borda e mete...
Como pode, gente, achar que é amor?

*o mesmo soneto camoniano foi musicado por Renato Russo/Legião


Urbana

DA SÉRIE UM LIVRO QUE VIAJA AO FIM DA NOITE *

o que tu entende por tratado dos anjos afogados? Sim, tem lázarus dream na
estrada perdida do abstrato, mas me diga mais, beba mais um conhaque, eu
espero o fogo das tuas ventas, bote elvis na juke box, cheire aquele pó de
parede que teima em chamar de droga, mira, q bunda perfeita, disfarça, respire
lá fora, eu espero, o que tu diz conta coisas, intimo, compareça, faça dancinha,
madonnize-se, beba cachaça com pólvora feito os guerreiros dos maracatus,
entorne pinga de arroz com desodorante avanço como os lokis dos regimes
comuns, invente um sol para as suas escuras lentes que, sinto muito, nem a
sra. Ressaca, essa romântica, te visitará nas manhãs seguintes, tudo bem,
estrebuche, provoque, me chame de baudelaire do baixo augusta, me ame
mas antes pise , teu scarpin é o preço da suposta inveja do pênis, e não me
venha com essa de que gosta de hemingway só pra dizer que é macho
mesmo, como se a literatura ainda fosse viva e tocasse no rádio uma polca-
bilac, ora direis, polir estrelas, nem vem, não me enrole com melopéias e
marolas, me diga, ou mande no ventinho d’aurora seu repente, seu free-style
de quinta, celebre o purgatório da galega, te juega, mas antes me diga, o que
tu entende por tratado geral dos anjos afogados, minha bela alma de traveco?
não falo dessa coisinha esquemática tipo lua na sarjeta, me diga, ou fique
peixe para sempre, amigo, não há mais tempo... o tylenol-cioran vai roubar o
sol de ti como como a cortina que apaga manhãs.
* livre-resenha com interferência de vozes da noite sobre "Tratado dos
Anjos Afogados" (editora LetraSelvagem), de Marcelo Ariel, o Dante de
Cubatão e dos infernos do alto. Um assombro de livro. Eu recomendo.

MEUS LIVROS, MEUS DISCOS E NADA MAIS

...as mudanças de casas e cidades, além das separações, óbvio, nos levam
discos e livros e isso é lindo, de alguma forma ficamos lá sob agulhas que nos
tocam como boleros e sob os olhos da ex que nos lerá nas suas entrelinhas e
nos sulcos melancólicos dda carnaúba dos vinis; os amigos não nos devolvem
nossos livros, e isso é melhor ainda, pois os amigos são para toda a vida, os
amigos podem levar nossa estante inteira, é bom que os livros andem,
passeiem, se desmanchem, copulem com outros volumes, sintam o gozo
masoquista com outras traças desconhecidas; igualmente lindo é quando
reencontramos esses coisos que já passaram pelos nossos sentidos e olhos;
parecem mulheres ou grandes amigos que não vemos há tempos, que bom,
vem cá, me dá um beijo, como vai você, a vida tem lhe tratado bem, eu preciso
saber, tudo está deserto ou tudo certo como dois e dois são cinco?

numa visita que fiz agora aos subterrâneos de babélia, tive um alumbramento
desses atrás do outro; logo de cara dei com “Prosa do Observatório”, Cortázar,
e dele mesmo, mais adiante, amassei, como quem amassa uma antiga
namorada, “Orientação dos Gatos”... E haja aqueles livrinhos da coleção
“Cantadas Literárias”, "Feliz ano velho", sempre de novo, grande Paiva... e
sabe “Porcos com Asas”, aquela delícia de putaria e política italiana? Da
mesma Brasiliense, que nos alumbrou tanto nos 80, catei com gosto
“Mulheres”, do velho Bukovski, os encantos radicais encomendados a Leminski
(Cruz & Souza, Trotsky, Bashô e, aleluia, até Jesus!), enquanto isso na
prateleira acima “Luna Caliente”, do Mempo Giardinelli, da Olho da Rua/LPM,
já dançava nas minhas lentes clorofiladas.. eu tinha a Brasiliense inteira em
casa, ainda no Hellcife, depois de ganhar -milagres acontecem!- um concurso
de hai-kais da revistinha Primeiros Toques, vibrante órgão de divulgação da
brava editora de Caio Graco.

que lindo estrago, um gozo atrás do outro, paudurescência livresca da porra, e


nessa pisada, “Os Subterrâneos” do caminhante Kerouac, Boris Vian vem
simbora, Lobo Antunes!, que classe, “Lua na Sarjeta”, vixe, “Patuléia”, afe!, e
até Tchinguiz Aitmátov, com sua “a mais bela história de amor do mundo”
_Louis Aragon foi quem disse. “A Ilha no Espaço” de Osman Lins, O Buda de
Borges e Cesário Verde aos montes de lágrimas de absinto... Carpentier, seu
moço, como aeróbica para a minha pobre mente barroca viciada em palavras
bêbadas que mordem o próprio rabo... trouxe tudo para casa de novo e as
suas páginas & traças guardam o cheiro de outras separações, mudanças,
liseus econômicos que nos obrigam torrá-los nos sebos... e o melhor de tudo:
frases marcadas que denunciam o espírito do leitor/leitora e a chegada da
primavera para os Bandinis da vida.
[Selviço: os subterrâneos de babélia, ou Galeria dos Livros, é o sebo que
fica ali naquela passagem da Consolação, altura da Paulista,
sampaulândia, sob os cuidados de Silas e Adriano, cabras do ramo! ]

VOCÊ NÃO É CACHORRO NÃO, MAS EU SOU WALDICK SIM, COM MUITO
ORGULHO

Morreu, digo, partiu desta para uma melhor, o cantor e compositor Waldick
Soriano, o nosso Johnny Cash baiano, como diz o escriba e amigo Zé Teles. A
imagem que fica é o seu chapéu preto voando em uma noite fria de São Paulo,
mas precisamente na porta do cabaré do viejo Charles Bronson, ali na rua
Avanhandava. Foi a última vez que estive com o ídolo, finalzinho do ano
passado. Inesquecível a conversa molhada por duplos uiscões inspiradores.
Nós, cuja educação sentimental, aí incluindo os bons pares de chifres,
devemos a WS, o homenageamos com esta crônica que segue, e que a terra e
todas as dores de amores lhe s sejam leves... No cinquentário da bossa-nova,
sinto muito pelos bons modos jazzisticos que tanto agradaram a classe média
do sr. João Gilberto, mas ninguém me disse mais coisas do que esse homem
que cantava Dostoievski para as putas e para as nossas mães ao mesmo
tempo:

“Hoje que a noite está calma/ E que minha alma esperava por ti/Apareceste
afinal/ Torturando este ser que te adora...”

Cuba libre e uma canção de Waldick Soriano, quem há de resistir?

Quem há de se meter a bacana e não deixar irromper das profundas e sinceras


cacimbas d´alma a cafonice de nascença? Brega não, cafona sim, hoje e
siempre.

Lembro minha mãe Maria Socorro e a prima Maria Ivone, nuestra amada e
bolerística Marivone, o buriti-mor da generosidade do Crato e arredores,
ouvindo Waldick e Nelson –“Fica comigo esta noite/que não te arrependerás/ lá
fora o frio é um açoite...”

E o primeiro porre? Sullivan, Adailton, Garrincha...O elenco. O meu foi no


Caldas, Barbalha, também nas áreas dos Kariris, antes mesmo de conhecer os
escribas Wilson Vieira e Josélio Aráujo, amigos do ramo e daquela terra,
barcos que navegam com a verve da cachaça e do lirismo -de que mais pode
ser feito um homem de verdade a não ser com essas duas argamassas?

Sem essa de brega-cult, modinha de machos & fêmeas, imperava a cafonália


mesmo,e a trilha sonora do primeiro porre não poderia ser mais bela: Bartô
Galeno,claro. “No toca-fita do meu carro, uma canção me fez lembrar você

Mas voltemos a Waldick, toque outra vez meu amigo, talvez não haja canção
mais bela, sim, do que “Tortura de Amor”, aquela cujos versos enfeitam a
cumeeira desse texto,e que prossegue, mais ou menos assim: “Volta, fica
comigo só mais uma noite/Quero viver junto a ti/Volta, meu amor/Fica comigo,
não me despreza/A noite é nossa e o meu amor pertence a ti”.

Chora, Evaldo Costa, lembra do tempo em que nos consolávamos com a


radiola do Robertão 70, clássico do romantismo dos derredores do Parque 13
de Maio, no glorioso Recife? Pelo que sabemos, eis que o destino levou
Robertão, e não por morte morrida, por morte matada, um covarde faca que
arranca as tripas de um homem como o neo-realismo vira o sol das existências.
Robertão,sósia do rei, era mesmo um greco-pernambucano, a tragédia dormia
debaixo dos caracóis dos seus cabelos.

Toca outra vez, Waldick: “Hoje eu quero paz,/Quero ternura em nossa


vida/Quero viver, por toda vida,/ pensando em ti”.

Falar no homem, essa mesma “Tortura de amor”, com o grupo português Clã, é
uma coisa d´além mar. Pense numa dor-de-corno com acento de fado e
melancolia à moda do Porto! A homenagem a Waldick está no cd “Eu não sou
cachorro, mesmo”, da Allegro Discos, a mesma gravadora que havia feito um
tributo a Odair, esse outro monstro do chifre. Além da mocinha do Clã se
derramando de amor & dor, tem China e Lula Queiroga cantando Marcio
Greyck, que eu vou te contar, uma coisa de cinema, uns curiós, uns pitiguaris,
umas patativas, uns sabiás...

Toca outra vez, Waldick, desce mais uma, Robertão 70, e que vocês se
entendam por ai... Daqui do planeta azul, platonicamente hablando e tirando
onda de sofista em tubarônicas bocarras, pago la dolorosa... Depois de todas
as saideiras a gente se reencontra. Beijos.

SE VOCÊ PENSA QUE VAI FAZER DE MIM...

Por ti chorei lágrimas de rodoviária, lágrimas com poeira de estrada perdida,


lágrimas e poeira que viraram maquiagem de lama, tijolos d´alma, emendei
lotações e fronteiras, gastei botas, máscaras, joelhos... e contei passos de
crimes & castigos, por ti esperei em hotéis baratos do centro, porta aberta, mão
no pau e faca no peito, por ti bebi como uma mosca caricata de boteco, cheirei,
fumei, apaguei, fiz lirismos chinfrins em guardanapos, sempre começando
assim “por ti” etc e algum verbo que representasse um esforço de hércules ou
o mais puro exibicionismo de uma dor tão gasta que nem já combinava mais
com os meus drinques caubói nem muito menos com as minhas elegantes
vestes rotas da mendicância, ah, o seu orgulho não vale uma canção triste de
Roberto ou Lupicínio.
NÃO HÁ GUARDA-CHUVAS CONTRA O AMOR

sim, pode tirar a calcinha, meu amor, eu disse, ela implorava, pois o costume e
o combinado é não tirar quase nunca, o caminho é pelos cantinhos, os aceiros,
os cantinhos da existência, as beiradas d´alma, os riachos entre a carne e o
osso, explorá-los todos, cada beiradinha de vida, como numa floresta, as
pocinhas d´água e desejo e ainda o suor que cai como chuva guardada na
copa das árvores dos seus cabelos, como aqueles pingos da chuva mesmo
que ficam guardados nas folhas das folhas da relva e viram uma chuva depois
da tempestade, chove, meu amor, derrama tudo dos guardados, das nuvens
escuras dos nuestros obscurantismos, tira a calcinha como quem tira o juízo,
como quem deixa o passado guardado com o chapeleiro de Alice e viaja no
reino do vai-sem-volta do ácido possivel.

A PIXAÇÃO 2008 É MAIS IMPORTANTE DO QUE A SEMANA DE 22

Sim, a grande e única ARTE de SP de todos os tempos, digo de invenção,


exclusividade no mundo, falando simplesmente, assim sem a xaropice uspiana
e o O ENGODO DE 1922(dá-lhe gilberto freire!), digo mais, A ÚNICA do que o
mundo se orgulha e copia e mira a Saopaulândia, noves fora a diluição futurista
e todas as xeroxs de 1922, repito, ai incluindo os Oswalds, as Tarsilas, gênios,
pero lindos diluidores de retrôs das Oropas Franças y barroquismo baianos que
nunca tiveram importância... PENA!

, digo, PIXO, repito, a única ARTE À VERA, de SAN PABLO, o que faria o
próprio OSWALD, reconhecedor de talentos primaveris, saldar a rapaziada
guerreira, A ÚNICA aqui inventada, ele que sabia que o GÊNIO é uma grande
besteira...

...reconheceria agora mesmo, embora a molecada desobediente nem mesmo


dele e/ou do cânone careça. Difícil para os pré-quinhentões aceitarem, mas a
ÚNICA grande arte universal dos paulistanos não saiu dos bandeirantes bem-
educados, saiu da desobediência mestiça formada pelo Brasil DE FORA que
aqui habita e pixa... normalmente os mesmos que grafitam para ganhar a vida
– donde a burguesia definiu e todo mundo aceitou que GRAFITE é arte,
pixação é crime... DEMORô!, QUE PREGUIÇA, diria um MACUNAEMO que
chora o leite maquiado.

A grande arte de SP é a arte do PIXO, depois devidamente diluído também nos


grafites, aceitos pelas galerias do mundo inteiro... aceitos pelas colunas
sociais e pelas ONGs picaretas... Se fosse um de nós fodidos também
arrancaríamos um TROCO, por supuesto, fodam-se, porém apagados pela
força política e policial de São Paulo como exemplo de assepsia burguesa da
paisagem-kassab, que apaga também Bovarys avulsas na era do fim do
casamento e constrói rampas antimendigos... O PIXO falando para o MUNDO,
eis a grande arte apagada da Sampaulândia, os novos gutenbergs e suas
prensas no alto dos edifícios, os novos tipos, as novas letras, O FUTURO, a
invenção possível além muito além da invenção do tédio do delegado e do
ENQUADRO.

O que poderia ser orgulho no universo... em SP É CRIME! OS resistentes


pixadores de 2008 são a SEMANA DE 22 que a cidade mais mimetista do
planeta copiou da Europa e nunca a Europa tomou conhecimento como agora
sabe dos meninos que reinventaram a prensa de Gutenberg e de todos as
bauhaus do mundo nos altos das caixas d´águas dos prédios que refrescam a
burguesia apodrecida com a única e autêntica arte para valer de SÃO PAULO:
a arte do PIXO!

JORNALISMO-VERDADE & AMOR DE FICÇÃO

“Vejo aqui na linha do coração um amor mal-resolvido”, soprou este


mago que vasculha a vossa sorte. A mocinha, uma deusa balconista ali dos
arredores da Praça Patriarca, aqui em Sampaulândia, assanhou as
sobrancelhas. “Ele vai voltar pra mim?”, avexou-se em saber. “O infeliz te ama
muito, mas é cheio de dúvidas e nove-horas”, tergiverso, na moral, enquanto
afago, carinho esotérico com fundo levemente erótico, a mão direita _uma mão
espadulada, conforme meus conhecimentos prévios de quiromancia.
A minha primeira consulente, na tenda improvisada no viaduto do Chá,
sai comovida, esperançosa. Falar em amor mal-resolvido é golpe certeiro para
qualquer alma penada desse mundo, meu amigo Wandeck Santiago que o
diga, ele mesmo um grande leitor das linhas da vida das meninas da insigne e
imponente Universidade Católica de Pernambuco.
A consulta gratuita, dumping na concorrência cigana e baiana, atrai os
passantes. De graça, nego entra na fila até para ouvir previsão macabra e
tomar injeção na testa. Meu semblante e estilo, um mix de Paulo Coelho com
Mãe Diná, emprestam credibilidade e fazem crescer a procura.
O segundo foi chegando como quem chega do bar. Está borratcho
mesmo. Ótimo. Nada mais fácil do que prevê o futuro de um ébrio. “Todo
mundo crê em alguma coisa, eu, por exemplo, creio que vou tomar um uísque”,
recepciono a criatura, ajambrando um boutade de Grouxo Marx. “Me leva com
vossa pessoa, então”, soluça o rapaz, fino, bom-humor. Com uma alma
bêbada, melhor aplicar as cartas. Ele saca mais rápido e vai logo traçando o
baralho, como se fóssemos disputar uma partida. Começa a dar trabalho.
Decido então o seu destino: dou-lhe umas moedas para tomar uma cerveja. Ele
arreda, feliz.
Próximo. Outra rapariga em flor. Mão cônica, lembro do almanaque de
quiromancia outra vez. Lindos dedos. Passeio na linha da sua vida
suavemente. Agora a esquerda, para ler o passado. A direita de novo. Silêncio
total. Ela apreensiva. Pânico em SP. O medo da mocinha diante do mago.
“Você quer mesmo que eu diga tudo que li aqui, passado, presente, futuro?”
Titubeia. “Será, meu Deus!?”, diz. “Está nas suas mãos”, amplifico o mistério,
com voz de Zé do Caixão. “É muita desgraça assim?” , treme. “Nada mais nada
menos do que a sua vida, meu amor”, amacio. “Me solta, melhor ir embora”, ela
tira a mão, que eu ainda acariciava esotericamente, e se manda.
As ciganas ao lado, lindas nas suas saias multicoloridas com uns cortes
à Yves Saint Laurent, miram a minha banca de mercadorias e futuros. “Esse
charlatão vai ter o destino que merece”, parecem balbuciar. Uma delas, no
entanto, Carmem de Itapevi, olhos-flamencos e danados, foi com a minha cara.
“Vou te ensinar como se lê uma mão de verdade”, disse, rindo do meu lesado
jeito. Decifrou num instante a minha sina amores perros. “Você sabia que está
muito próximo de encontrar a mulher da tua vida?”, fez suspense. “Acabo de
encontrar”, blefo. “Não brinque com o destino”, ela atalha. “Verdade”, insisti. “É
uma moça que tu já conheces, com quem se reencontrou de surpresa no ano
passado”, conta. Lembro da dionisíaca que quase me mata em uma cumeeira
na Bela Vista, ali em cima d´”Os Sertões” de Zé Celso. “Vocês temeram esse
romance como o diabo corre da cruz. Seria um amor louco, cigano, forte, livre,
perigoso”, avista na linha esticada de mi corazón.
Enquanto lembro daquela linda noite lá no alto, quando esfaqueei
nuvens e engoli cachaça com estrelas, outra Sandra Rosa Madalena chega e
se oferece para ler mais uma vez a minha mão. Elas cobra, em média, R$ 10
por cliente. Satisfeito, preferi continuar a minha estréia de mago de calçada,
agora sob o olhar desconfiado de um pai-de-santo.
Mais duas consulentes e o mesmo mote dos amores mal-resolvidos, o
enredo-mor de todos os corações. O bêbado também volta. Eu estava
enfeitiçado pelos olhos da cigana. Ela fuge das amigas e aceita almoçar
comigo ali no Guanabara, bem na fonte do Anhangabaú. Vou ao banheiro. Ela
desapareceu misteriosamente. Creio que vou tomar mais um sem gelo. O
destino é mesmo seco e impiedoso como um uísque cowboy.

MERCADORIA DE PRIMEIRA

Sabe o homem da cobra? Aquele das feiras e portas de mercados


municipais, que gasta uma babel inteira de palavras e assombros para vender
uma pomadinha de nada?
Se ganhasse por vocábulos metralhados por segundo, amigo, estava
mais rico de que os editores do Houaiss, do Caldas Aulete e do Aurélio juntos.
Se bem que a tal milagrosa banha merece mesmo tal gasto palavroso, é
remate de todos os males do universo, de espinhela quebrada a solitária tênia,
o diabo, reumatismo, desengano, nó nas tripas, cabrunco, íngua, aleijo, dor-
d´olhos, gasturas, bucho quebrado, juízo agoniado, curuba, crista de galo,
soluço de mais de mês, lunduns de fêmea, chifres de macho e todas as
reimosidades do planeta.
Mais suspense do que todos os festins de Alfred Hitchcock pra vender a
sua misteriosa “meizinha” que resolve de um tudo. O segredo está na mala. A
cobra perigosíssima, um réptil do demo, sai de perto, menino, é agora,
escapole miserável!
Pois não é que o cidadão João Paes de Lira, o Lirinha do Cordel do
Fogo Encantado, menino novo de Arcoverde -emplacamento 1976-, pegou um
tanto da prosódia do homem da cobra, juntou com outro monte de bagaceira
mitológica, botou uma resina de aroeira, visgo divino e passarinheiro, a zoada
de todas as vozes da feira... e saiu-se com o espetáculo mais bonito desse
mundo globalizado e sem porteira!
Chama-se “Mercadorias e futuro”, donde Lirovsky, um rapaz das
brenhas da Interlândia, escreve sobre o teto do vão do infinito e as pilastras
desse salão que interferem na dança. Acha pouco? Então tome, desalmado:
“Também sobre a visão que a platéia tem da big band dentro da casa
labiríntica”.
É uma boniteza com toda a sustança das coisas universais das
aldeiazinhas que dormem nas nossas cabeças para sempre e acordam sob o
fogo cruzado dos piolhos da consciência dormida de tresantontem. É como se
o homem da cobra fosse um Fausto vendedor de almas vivas ou mortas. É
como tirar uma botija na noite medonha, naquele sertãozão que arrasta o couro
do réptil de todas as esperas, como um tatu roliço no tonel da engorda, como a
própria cachaça que prescreve o sonho e a queda.
Vi no teatro, aqui em São Paulo, peça que vai correr veredas e rincões,
Teresinas de Torquato Netos, Hellcifes, Minas e Nossas Senhoras de tantas
Assunções...
É Lirovsky solando ao infinito, engenhocas barulhentas, luminosos e
letreiros dizendo também coisas lindas, como essa oferta, mira no exemplo do
cabra, hipnotizante e simples criatura: “VENDO A LUZ DO CÉU, QUEM QUER
COMPRAR?”
O que está à venda, amigo, na tabuleta misteriosa, é o futuro, a poesia
dos profetas que o nosso antiherói caçou ao longo da vida, coletou e agora tem
mesmo é que botar para frente, para adiante, negociar o trabalho, os dias, a
natureza. Três grandes adivinhadores delirantes nos guiam nessa história:
João Pedra Maior, Teresa Purpurina e Benedito Heráclito.
O homem da cobra, da cobra que come o próprio rabo, dá um nó místico
para reiventar o fetiche da mercadoria de Karl Marx, porque a vida é mais
complicada mesmo, Lirovsky, é um feitiço dos seiscentos diabos, graças a
Deus.
E pra quem não agüenta esperar o espetáculo na sua aldeia, eu
recomendo “Mercadorias e futuro” (Ateliê Editorial), em todas as boas casas do
ramo, o livro, tão melhor quanto a peça, digo, a mesma coisa, mas são também
diferentes, uns siameses, sabe de uma coisa: eu não digo é mais nada,
comovido me despeço, atenciosamente, seu Francisco, um cronista fuleiro às
ordens das boas novidades dessa mundão sem juízo.

EXERCÍCIOS DE PONTUAÇÃO AMOROSA

Sim, homem é frouxo, só usa vírgula, no máximo um ponto e virgula;


jamais um ponto final.
Sim, o amor acaba, como sentenciou a mais bela das crônicas de Paulo
Mendes Campos: “Numa esquina, por exemplo, num domingo de lua nova,
depois de teatro e silêncio; acaba em cafés engordurados, diferentes dos
parques de ouro onde começou a pulsar...”
Acaba, mas só as mulheres têm a coragem de pingar o ponto da caneta-
tinteiro do amor. E pronto. Às vezes com três exclamações, como nas
manchetes sangrentas de antigamente.
Sem reticências...
Mesmo, em algumas ocasiões, contra a vontade. Sábias, sabem que
não faz sentido prorrogação, os pênaltis, deixar o destino decidir na morte
súbita.
O homem até cria motivos a mais para que a mulher diga basta, chega,
é o fim!!!
O macho pode até sair para comprar cigarro na esquina e nunca mais
voltar. E sair por ai dando baforadas aflitas no king-size do abandono, no
Continental sem filtro da covardia e do desamor.
Mulher se acaba, mas diz na lata, sem mané-metáforas.
Melhor mesmo para os dois lados, é que haja o maior barraco. Um
quebra-quebra miserável, celular contra a parede, controle remoto no teto,
óculos na maré, acusações mútuas, o diabo-a-quatro, barraqueiros corazones.
O amor, se é amor, não se acaba de forma civilizada.
Nem no Crato... nem na Suécia.
Se ama de verdade, nem o mais frio dos esquimós consegue escrever o
“the end” sem uma quebradeira monstruosa.
Fim de amor sem baixarias é o atestado, com reconhecimento de firma e
carimbo do cartório, de que o amor ali não mais estava.
O mais frio, o mais “cool” dos ingleses estrebucha e fura o disco dos
Smiths, I Am Human, sim, demasiadamente humano esse barraco sem fim.
O que não pode é sair por ai assobiando, camisa aberta, relax, chutando
as tampinhas da indiferença para dentro dos bueiros das calçadas e do tempo.
O fim do amor exige uma viuvez, um luto, não pode simplesmente pular
o muro do reino da Carençolândia para exilar-se, com mala e cuia, com a
primeira criatura ou com o primeiro traste que aparece pela frente.
E vamos ficando por aqui, pois já derrapei na curva da auto-ajuda como
uma Kombi velha na Serra do Mar... e já já descambarei, eu me conheço, para
o mundo picareta de Paulo Coelho. Vade retro.

NUNCA PEÇA NADA A UMA MULHER DE RESPEITO *

(À moda de Ambrose Bierce)

Um homem à morte chamou a mulher e disse:


“Estou para deixar-te de vez; dá-me, pois, a última prova de fidelidade”.
“Pedes o que quiseres!”- grunhiu a desalmada.
“Que o caixão alcance pelo menos a medida dos sete palmos abaixo
para que liberes o primeiro beijo ao infeliz mancebo que babará diante dos teus
irresistíveis lábios!”, clamou o inocente e quase defunto.
Excitada pelo solene pedido, ela não se conteve, achou que o marido já
estava a descer e locupletou-se do jovem e robusto padre que escolhera a
dedo para a extrema-unção, o mais nobre dos sacramentos.
“Não permita que a barca de Gil Vicente o carregue ao inferno”, ainda
implorou aos céus pelo rosado defunto, desviando um pouco o olhar do sacro-
boquete. Bondosa e insigne viúva.

* do libro "Tripa de Cadela & outras fábulas bêbadas", pequenas


narrativas sobre bichos e homens, que publiquei na bravíssima Dulcinéia
Catadora, solamente R$ 5, si, apenas cinco patacas, mais infos acá.
DUAS OU TRÊS COISAS QUE SEI SOBRE MULHERES E SAMPAULÃNDIA

Que o alcaide do pueblo que ainda habito, digo, o prefeito (blog é coisa de
jovem q não sabe o q seja alcaide), seja uma mulher, q bom que existe mais de
uma na parada, existem, em sampaulândia. O futuro, como já dizia aquela
película com Ornella Mutti, é mulher, é transex, o futuro é operado, tudo menos
macho...

Que o/a próximo/a PREFEITO(A) de sampaulândia não faça muita coisa. Que
não faça quase nada, três vezes nada. Porque fazer em SP representa o caos
maior ainda. Q não faça obras, q mal se mexa, q mal se vista, não saia de casa
para não ampliar o fumacê-fumaçá, stop, parou o prefeito ou o automóvel
malufista de sempre?

Noves fora algumas políticas compensatórias, tipo as adotadas no pós-guerra


europeu e copiadas acertadamente pelo governo central, aqui chegadas
gracias a don Suplicy -um dos raros que chega na hora da porrada favelosa!- o
mal de sampaulândia é o fazimento exagerado, todo mundo correndo a querer
fazer dinheiro, OBRAS COMPLETAS E ODEBRECHTNIANAS, a querer enricar
os podres de ricos, a estar gerundiando o dia todo, a sair com suas barrigas
pela Paulista na hora do almoço para se entupir mais ainda, falando da FIRMA
em um plural esquisito, NÓS ESTAMOS, como se a FIRMA fosse deles, o mal
daqui é que ninguém pára além dos segundos do farol vermelho e a maioria
não sabe que o futuro indicativo e patronal é o próprio futuro do pretérito dentro
de casa.

Señor Alcaide de hoje e de amanhã, se houver amanhã, caro Sidney Sheldon,


não faça nada, sequer peide, para não aquecer de vez o planeta, é a única
coisa que te peço: não ajude nem a mim nem aos pobres de marre-marré,
deixa que a gente se cuida, só não-fazendo estaria ajudando a todos, por
Nossa Senhora.

Sampaulândia só precisa de uma siesta coletiva, para imitar o melhor da


Espanha que mantém esse hábito como Desterro, a cidade do Kariri onde
imaginariamente habito hoje e sobre ela escrevo um romance. Menos FIESP e
mais siesta. Que pelo menos uma vez por semana a gente durma 30
minutinhos depois do almoço. Mesmo como vingança a esse ritmo paulistano
que só nos travou de vez e nos cortou o direito de ir e vir... além do sexozinho
depois da hora do almoço, aquela de ladinho, bem preguiçosa, o melhor dos
nirvanas para todas as classes!

Senhor futuro eleito, de preferência eleita, porque prefiro mulher sempre, a


salvação de SP é não fazer nada, não sair do canto, todo fazer é um fazer
burro e malufista a essa hora, fiquemos paradinhos, pensando na vida, e se der
na cuca algum gerúndio... esqueçamos.

Sim, amigos, o que San Pablo precisa é do não-suor tão exaltado de todos,
incluindo nós migrantes de todas as pátrias e nordestes mais bravos
ainda, porra, chegou um tempo em que o desodorante AVANÇO em nossos
suvacos lindamente fedorentos não passa do pior tipo de atraso. te amo SP,
MAS CHEGA DE CRESCER, que a grandeza migre para outros sítios!

Mais siesta e menos Fiesp, hoje e sempre!

POR QUE UM CACHORRO CHEIRA O RABO DO OUTRO? *

E Deus convidou os cães para uma festa no céu. Cães de todas as


partes do recém-criado universo, logo ali depois que Moisés inventou o
jornalismo-literário ao narrar o Gênesis.
Cães de todas as classes, cores e tamanhos. Do fiel pulguento que
lambe a boca do bêbado do Largo do Glicério ou da Batata ao cãozinho liberal
do sr. Adam Smith. Deus mata, mas não discrimina.
Daqueles cachorros magros do mercado da Encruzilhada, na frente do
restaurante Bode Dourado, fina iguaria do Hellcife, aos cães que farejam as
cabeças caprinas e os tutanos finais dos sacrifícios religiosos, deuses que
dançam as reinvenções da existência como um moonwalk de Michael Jackson,
o maior passo do homem na terra.
Uma festa pra valer de todos os cachorros do mundo, não é
brincadeira. A justa farra da baba felina.
Na chegada ao paraíso, uma placa, além do possante alto-falante
babélico, avisava em todas as línguas do mundo: nobre cachorrada, favor
guardar o fiofó na chapelaria. Por ordem do asséptico Todo-Poderoso,
justíssimo, nenhum cão, por mais asseado que fosse, poderia adentrar o
recinto com o seu formiróide. O chapeleiro de Alice cuidava em catalogar os
anéis caninos conforme o pedigree, pregas de classe.
Como não iriam precisar de fiofós na celebração com o Senhor, os cães
-até mesmo aquele cachorrinho chato e mnemônico do velho Ulysses-
acataram a ordem sem maiores choramingas. Partes pudendas guardadas,
distribuídas as cortiças para vedar as catingas do eu-profundo-animal,
começou, então, a grande fuleiragem canina. Pense numa esculhambação de
verdade!
Andava tudo tão bonito, festa linda mesmo, um baile divino... até que um
cão selvagem começou a cachorrada, a patifaria, a fuzarca, o funarére. A lenda
é que o responsável inicial pela bagunça foi aquele dos caninos brancos do
velho Jack London, cria chegada no mesmo combustível do dono, uma
bagaceira, uma cana, uma aguardente que anima criaturas de todos os reinos.
Ao riscar da faca, um revestrel de fazer Deus pequeno, anão e invisível.
Como quem tem cu tem medo, os cães saíram em desabalada carreira.
Naquela agonia toda, a chapelaria veio abaixo. Cada um pegou o fiofó que
encontrou ali no chão, o furico possível. O importante era não descer à terra, o
planeta azul como visto lá de cima, desprovido, pois como todo mundo sabe,
um oiti aqui faz muita falta. Melhor um fiofó alheio, um cu postiço, contra a
vontade, do que viver sem a importantíssima retaguarda para o resto da vida.
Moral da fábula, segundo a oralidade popular sertaneja aqui
humildemente resgatada: desde aquele dia, desde aquela bagunça divina no
céu, quando um cachorro encontra outro (cachorro), a primeira coisa que faz é
cheirar o rabo do semelhante. Uma eterna e paciente busca do próprio fiofó,
uma procura que deve durar até o juízo final, século seculorum, amém.

* versão pueril da narrativa que deu em conto para a "Antologia


Bêbada -fábulas da Mercearia" (edição da bravíssima e genial Ciência do
Acidente, leia-se Tejon & diabruras gutenberguianas, ano da graça de
2003, por supuesto.

A BOLSA OU O BODE *

Toda vez que escuto falar em quebradeira nos mercados, só penso na


galinha da terra com pirão de parida do mercado da Encruzilhada, no Recife,
só penso no bode com cuscuz do mercado da Madalena, na mesma invicta
cidade, só penso no fígado com jiló do mercado Central de Belo Horizonte, só
penso no Shop-chão, como é conhecida a venda de coisas tantas na calçada
ali nos derredores do mercado também central de Fortaleza, só penso no Ver-
o-peso, o mercado de Belém, estes sim, entre outros nucleares, são os
mercados centrais da existência, o resto é boato de playboy brincando com
dinheiro dos outros como a gente brincava na infância com cédulas feitas de
carteiras de cigarro, você se lembra?.
Nunca leio sobre o assunto, essa jogatina de banco quebrado não me
interessa, mas mesmo sem querer nos buzinam nos ouvidos, no rádio, na tv,
no noticiário, sem falar nos chatos pobres que se acham os magnatas, os
lascados que enricam durante as bebedeiras, os fazendeiros imaginários e
toda essa gente que dana-se a fazer fortuna nas nossas oiças.
Foi o que aconteceu esta semana logo assim que anunciaram mais uma
vez o fim do mundo, a quebradeira da banca capitalista, coisa igual ao juízo
final de 1929 norte-americano, crash, um alarde, uma gritaria dos diabos,
valha-me Santa Edwiges, padroeira dos devedores, pior do que o anúncio do
apocalipse no gramofone dos Borboletas Azuis, a seita que começou a estocar
arroz, feijão, vela e farinha de Juazeiro do Norte até as encostas da Serra da
Borborema, na Paraíba, na virada dos 1999 para os anos 2000 –uma gente
fanática mas, convenhamos, muita mais honesta do que os idiotas do mercado
financeiro.
Não sei se na hora que o amigo e a amiga lêem esta crônica o mundo já
está arrombado, duvido muito, apesar dos galeguinhos americanos tenham
feito tudo para nos mandar para os piores atoleiros da humanidade –a
desgraça é que mesmo sem querer muita gente daqui é sócia invisível deles e
quer continuar sendo mais ainda. Bem feito.
Quero ver a quebradeira pegar gente como nós que aplicamos 100% na
vida, nos gastos essenciais e nas celebrações merecidas nos bares, batizados,
casamentos, bodegas, quintais em festas e mercados centrais.
Sim, não somos burros, é óbvio que se a merda virar boné se lasca até
quem está fora desse baralho, todo mundo, uma avalanche dos infernos, mas
por isso que defendemos o fim dessa brincadeira de playboy com o dinheiro
honesto de quem cai nessa lorota.
Amigo, se gosta de jogar, melhor entrar na liga de dominó do Alto Zé do
Pinho, melhor jogar baralho, truco, porrinha, melhor correr da ciranda financeira
que não tem nada a ver com Lia de Itamaracá, essa diva, essa gênia, melhor
correr da arriscada jogatina, mesmo sabendo que a economia brasileira nunca
foi tão forte em toda a história, nunca segurou tanto a onda e os seus tubarões
monetários mais famintos do que as feras do mar de Boa Viagem.
O meu dinheirim mesmo não dá tempo nem esquentar debaixo do
colchão, gracias, aplico todinho nos boxes mais alentados dos mercados
centrais e nos seus derredores, seja em São Paulo seja na tapioca com nata ali
perto da estação ferroviária do Crato.
Que o mundo globalizado se quebre até as juntas, mas, faz favor, não
venha com essa ventania dos infernos para cima de quem nunca colaborou
com essa mentira. Se você nunca entrou nesse jogo, amigo, vá à justiça cobrar
a mordida. Ciranda, brother, só de Lia de Itamaracá, o resto é fraude e
suspeita.

*da crônica publicada semanalmente nos jornais O Tempo (BH), Diário


de Pernambuco e Diário do Nordeste. distribuição agência BrPress
www.brpress.net

A DOENÇA CHAMADA CRÔNICA OU VIDE BULA

Algumas saem fáceis, como aparentam aquelas de Rubem Braga, como


uma polaroid, uma pose digital, olha o passarinho, diga xis, um sabiá teimando
contra o barulho da metrópole, fáceis como beijos roubados de mulheres
difíceis, na dança, na pista, uma moleza, como empurrar bêbado em ladeira,
como Vinícius no elogio de uma saboneteira, como descer para um café ou
uma cerveja aqui na esquina da Augusta, como quem costura para fora,
mesmo sabendo quanto custa a mais-valia da musa da encomenda, mesmo
sabendo que na vida não tem almoço de graça, muito menos sobremesa,
mesmo sabendo que a vida não é café pequeno, mesmo sabendo que no
fundo da xícara, na borra mais árabe, o desenho do futuro, Etelvina, é obscuro,
o jogo do bicho, Etelvina, ainda não permite o teu luxo, a vida, minha menina,
é cronicamente inviável.
Algumas, menina, são crônicas de britadeiras, saem na marra, à força,
furando o asfalto para tirar uma florzinha de nada, a peleja do escriba com o
lirismo que não chega nunca, as chagas abertas, croniquinha raquítica, só o
fiapo de narrativa, sem sustança, sem tutano, coisinha sem graça,
metalingüística, a crônica sobre a crônica falta de assunto.
Algumas vêem ao mundo para confundir a audiência, são crônicas-
travestis, arte dos cronistas transgêneros... Pois é, menina, a gente não sabe
se é um conto, uma rápida elegia expressionista, um poema em prosa, sabe-se
lá, menina, mas mesmo não sendo nada já nasceram crônicas.
Algumas, não têm jeito, eram apenas notícias, que o dedógrafo teimou
em decepar as aspas, minha menina, e enfeitar o naturalismo como pôde,
coitado.
Algumas, menina, são para ninar as moças nas sestas, como as de
Antônio Maria, sabia?
Algumas são de costumes, e até ficam como registros históricos,
crônicas de épocas, já ouviu falar em João do Rio?
Algumas já nasceram crônicas de rua, como a grande arte de chutar
tampinhas, como os sem-teto e malacos, como os bambas das sinucas das
antigas, aí já estamos em João Antônio, manja?
Algumas são do amor louco, menina, como aquelas do velho Charles, o
safado catando milho na Remington, menina, com aquela outra menina na
praia, gaivotas quase a bicar-lhe os peitos, como no cinema.
Algumas, minha adorável criatura, minha menina sem nome, são como
aquelas, lembra, quando me conheceste, lembra, quando pela primeira vez,
lembra, lindamente me deste?

ARRIBA COMANCHEROS!

Um cavalo que foge de uma famosa estátua eqüestre beija e


ampara na sarjeta o cavaleiro delirante. Don Augusto
Sombra, o biógrafo de vidas desperdiçadas, colhe relatos nas
tabernas, onde encontra don Macedonio Fernández
e o incrível sr. Knut. Esperanza, marcada por agulhas de
fabriquetas coreanas e a febre da selva, pisoteia los hombres em
la calle. A insone Viridiana, chica buñuelistica, desconfia que
tudo não passa de uma fábula envenenada com boa-noite-
cinderela. A essa
altura, o portunhol selvagem é a nova língua deste pueblo.

Los Caballeros Solitários rumo ao sol poente são destemidos


hombres ou mujeres que tomam umas pela noche de San Pablo
e começam a hablar num portunhol babilôniko, bagaceiro y
selvagem. Eles freqüentam indiscriminadamente todas as
tabernas deste pueblo e também podem ser bistos em manobras
incribles nas pistas de bailado. E haja dancinhas de saloon e
besos
calientes nas boquitas pintadas desse grand faroeste. Os
incansáveis caballeros não têm ressaca e inventaram até um
esporte próprio: o pangabol, que é uma espécie de basquete
jogado em la sarjeta, pero los atletas estam obrigatoriamente
montados em seus belos e garbosos pangarés paraguayos. El
juego lembra los embates de caballaria de las antigas. Los
caballeros têm um mantra sagrado: quando a vida dói, drinque
caubói!

Preparem seus corazones, senhoras e senhores, as aventuras


nos chacos existenciales de San Pablo estão apenas começando.
Tudo acontece na mais longa noche deste pueblo, quando os
Gângsteres do Sol Quadrado impõem o toque de recolher na
metrópole-mor de latinoamérica. (cont.)

* Do livro "Caballeros Solitários rumo ao Sol Poente"


(romance, editora
bispo, 2ª edição,2008).
QUANDO O LUSCO-FUSCO TE ROUBAVA DE MIM *

Um buraco vazio sem nome tinha-se instalado na parte posterior do meu


cérebro depois de um estranho sonho com Antonin Artaud.
Artaud estava sem ópio e blasfemava.
Corta para a cumeeira.
Por que o mundo deixa um homem como Antonin Artaud sem ópio se
bem sabe, como havia alertado o próprio, que o autêntico toxicômano não se
abastece na farmácia muito menos no trafica.
Sentia que o buraco se alargava numa erosão pontualíssima: sempre
que o relógio batia seis da noite. Era quando o lusco-fusco te roubava dos
meus olhos, eu chutava o velho rádio que tocava a ave Maria de Schubert ali
em cima dos sacos de estrume, e aquela idéia fixa dependurada na ponte de
safena bombeava o sangue encorpado que corre nas veias dos perdedores.
Tentava te apagar como naquele filme que havíamos visto juntos de mãos
atadas, tentava ficar parado num canto, imóvel, fixo, naquela inércia que só um
louco à vera é capaz. Não era o meu caso.
Fazia força, os dentes rangiam, tanta força que as botas de agrimensor
e poeta-bosta-de-cavalo rasgavam o chão, cratera por todos os cantos da casa
e ruínas que não nasciam apenas do delírio, lá mesmo estavam, trouxe aqui
esses pedaços, doutora, como prova definitiva.
Esta é a foto dela, doutora, sim, polaroid, ela cometeu a maior das
traições. Quebrou o nosso trato. Tínhamos lugar marcado e tudo, e não seria
no crepúsculo. O acerto, repare aqui nesse caderno que lindo o nosso acordo
por escrito, assinado com o sangue dos polegares durante uma bela viagem ao
redor da nossa própria casa. Como a gente ria olhando aquelas vaquinhas
alteradas pela nossa consciência.
Sim, esse era o nosso sítio, onde nos exilamos depois da descoberta
que não carecíamos mais das rodas sociais clubes. Teríamos que nos
esconder para gastar o nosso amor que não era nada pouco. Em noites de
vagalumes apagávamos todas as luzes, acendíamos um e chorávamos,
chorávamos... Repare nosso trato:“(...)E quando sentirmos que nada é mais
intenso do que o nosso amor nesse mundo(...)” Ela quebrou nosso trato e
agora nem mais a morte faz sentido, só esse buraco enorme que Artaud, na
miséria da abstinência, me mostrou em sonho. Ela quebrou nosso acordo de
morrermos juntos com uma dose de algum hipnótico não-barbitúrico, conforme
deixou pistas no livro marcado à página 244**, uma edição que havíamos
comprado em Lisboa em viagem de lua de mel, no ano da graça de 1.995.

* da série contos fatais, ficção incluída no meu libreto "Tripa de Cadela &
outras fábulas bêbadas" (ed. dulcinéia catadora, R$ 5).
** do livro "Suicídio: modo de usar", de Claude Guillon e Yves Le
Bonniec (ed. Antígona, Portugal).
O HOMEM-PROJETO, A OBRA ABERTA E O MACHO INACABADO (parte
II)

Cuidado, ele está solto por ai. É o homem-projeto, um onipresente. Está


em todos os salões, lançamentos, vernissages, guichês de isenção fiscal,
concursos da Petrobrás, festas, restaurantes da moda, bares descolados, na
Praça Benedito Calixto (SP), na feira chique de produtos orgânicos do Leblon,
no Baixo Gávea, em Porto Alegre, no Recife, Dagrão do Mar em Fortaleza,
Salvador... Com o aumento do contingente no exército de reserva, nem se
fala, o homem-projeto começou a se multiplicar como Gremlins. Uma praga.
“Por falar nisso eu tenho um projeto...”
“Acabei de inscrever um projeto...”
“Estou preparando um projeto...”
“Estou captando para um projeto...”
“Copiaram o meu projeto...”
“Puta projeto...”
O macho e a fêmea-projeto alimentam a paranóia delirante do plágio dos
seus projetos. Alguém na sombra estará sempre copiando as suas idéias.
Originalíssimas, diga-se. Fazem um mistério danado dos seus projetos.
Quando contam, tudo não passa de algo tão novo quanto uma missa do galo,
tão inédito quanto o “no princípio era o verbo”.
Se tem algo que não se rouba em um país de obras inacabadas é
projeto. Se há mais projetos que larápios, que sentido faz o rapto?
Para completar, o amor próprio, esse orgulho besta, acaba também
inviabilizando o prazer do plágio. O que se tem, na boa, não passa de uma
angustiazinha da influência, no máximo. Sabe o que ocorre? Todo mundo quer
ser dono do seu projeto e do seu próprio nariz, até mesmo aquele lesado
senhor que teve a napa subtraída pela navalha do barbeiro de Gogol. Correu
atrás e achou, rapé do bom.

Sem-talentos, procuram-se

Logo logo não restará sequer uma criatura sem projetos no Brasil. Uma
nação de artistas e produtores culturais. Como no conto “Dois Augúrios”, de
Villier Adan-Lisle, encontrar um sem-talento será motivo de foguetório,
mercadoria rara, lance inestimável, brindes ao infinito. Atenção sem-talentos,
sem-cerimônias em geral, cartas e currículos para a posta restante deste
escriba ibid idem.
Logo mais não teremos encanadores, bombeiros,eletricistas, bancários,
pequenos agricultores, a boa gente do comércio, excelentes amassadoras de
pães-de-queijo, exímios pontas-de-lança, mulheres prendadas, tapioqueiras,
profissionais do lar... Apenas escritores, cineastas, praticantes da nanoarte (ah,
você está por fora, trata-se da tribo da nanotecnologia, ramo da cultura digital
que beira as raias da linguagem atômica), humoristas de televisão, críticos
benjaminianos, pintores, tradutores, tribalistas, transgressores...
Para completar, viramos até pátria da ginástica artística, olímpica... Era
só o que faltava para a nossa ruína!.
Ah, saudades da nossa vocação agrícola, dependente apenas de algum
crédito público, meteorologia de adivinho e bravos homens do campo. O novo
celeiro do mundo, calorias para todos, futuro à vera, “de pé, famélicos da terra!”
Agora até os nossos bons médicos são doutores de “Caras”....
Para completar o desastre histórico, como as mulheres têm queda para
os homens-projetos! Assim como o pendor eterno, a asa quebrada pelos tolos.
Isso quando elas mesmas não se antecipam e inventam os seus
arrazoados de arte. Cadê a gente normal, a missa, o Fla-Flu, o Sansão, o
Grenal, o Ba-Vi, o Clássico das Mutidões, Santa x Sport, o Icasa X Guarani, o
almoço de domingo, o “amor só de mãe” -como me venderam no aforismo do
pára-choque mais afetivo?

TEATRO, TU ÉS PURO TEATRO

D´onde tratamos do ator intenso, da atriz intensa, intensíssima. Do tipo


que diz, durante o nhoque-permuta no restaurante, depois de mais um Rei
Lear: “Eu respiro teatro”. Ao avistar um conhecido, alardeia, quebrando o
sossego do recinto: “Ah, você ainda não foi me ver?!” O ator/atriz intensos não
acreditam que uma só criatura possa deixar de vê-los em cena, embora a
bilheteria muitas vezes teime em desapontá-los. Como ousam deixar de nos
ver? Como irão passar sem aquela montagem imperdível de um Eurípedes, de
um Ibsen, de um Tchecov, de um Shakespeare?...
Clássico é clássico e vice-versa

É, o artista intenso, esse animal dramático por excelência, não se


envolve com qualquer comediazinha caça-níquel da praça. Nécaras. Para este
tipo de gênio, só vale uma lei: “Clássico é clássico e vice-versa”, como na
boutade ludopédica do atacante Jardel. O ator/atriz intensos guardam sempre
um ar solene, um conteúdo na linha “vidas passadas”. São sempre uns
elisabetanos do século XV, estão sempre em Corinto, há milhões de anos
atrás, vivem sempre na Grécia, zilhões de séculos a.C. –antes da “Caras”.

A fêmea trágica e intensa

A atriz intensa costuma ser mais intensa ainda que o ator intenso.
Queda que as fêmeas têm para a tragédia, especula-se. Em compensação, o
macho-dramaticus é mais histérico na sua intensidade. Tudo o perturba,
desconcentra –principalmente o ronco emitido pelo convidado VIP que sofre de
apnéia na primeira fila. O macho é mais estressadinho, cheio de nove-horas e
não-me-toques. Carrega essa tensão para o palco mesmo quando na pele de
um patafisico Ubu Rei. É incapaz de compreender o paradoxo do comediante,
como debocharia o camarada Diderot.

O macho intenso e a estética do cachecol

O macho enquanto ator intenso vive de cachecol em todos os lugares


por anda. Sempre com o pescoço envolto por aquela estranha rodilha. E,
reparem, ele sempre está ajustando o cachecol ao gogó, impaciente e bufando
queixas contra os seus semelhantes mais intensos ainda, contra o público
despreparado para a sua grande arte, contra a política de incentivos fiscais,
contra o sucesso fácil dos outros...

Dramaturgia sem botox

A fêmea intensa, com suas encantadoras olheiras, veste-se muito bem.


Com um rápido pendor para o gótico simplificado, além dos adereços, anéis e
brincos, agressivos no ponto certo. Jamais fará botox, para não matar a
crueldade da Medéia que mora nos arredores dos seus olhos.

100% Hamlet

Todos os atores intensos e de cachecol querem mesmo é ser Hamlet.


Assim como as fêmeas na pele de atrizes intensas serão todas intensíssimas
Medéias.
Mas como não tem vaga de Hamlet ou de Medéias para todo mundo,
certamente muitos acabarão na novela das 8, quando estarão muito mais
simpáticos e trocarão, finalmente, o “conteúdo vidas passadas” por belas cenas
de merchandising –todas sob rigorosa marcação brechtiana. Bravos,
bravíssimos! Melhor que o Irajá... E com a vantagem de trocar a porca miséria
do obrigatório jantar-permuta na cantina decadente por um Gero, um Carlota,
um noite à champanhota no Spot...
Desce o pano!

PARA BEIJAR A LONA DO AMOR E DA SORTE

-Só não vou te perguntar se vens sempre aqui porque a casa inaugurou
hoje.

Acreditem, com esta abordagem lindamente ingênua, uma rápida e


metalinguística variação do infrutífero clichechão “vens sempre aqui?”, mr.
Abelha, um amigo que flana na noite de SP, despertou na gazela um daqueles
sorrisos que muitos bacanas só conseguem em troca de um diamante, um
presente da Tyffani´s ou 12 trabalhos de Hércules.

Mr. Abelha não tem bala na agulha para bancar uma bonequinha de
luxo, também não é um típico “maníaco do trechinho”, como chamamos
aqueles supostos intelectuais que disparam duzentas citações e frases de
efeito por minuto. Ele tem apenas a manha de fazer sorrir a mais existencialista
das afilhadas de Jean-Paul Sartre. E isso é o que conta no primeiro momento,
seja qual for o estilo do cavalheiro.

Se o camarada não for lá, digamos assim, um gato, vai carecer ainda
mais do poder da simpatia e do algo mais. Sim, um mal-diagramado, caso
deste cronista que vos aborda, sabe muito bem que a sua luta é quase sempre
por pontos, ali na corda do discurso amoroso, minando a resistência da moça
no ringue mais lírico, riso a riso, drinque a drinque, gesto a gesto.
O contrário do bonitão, do galã, sempre confiante, pois está
acostumado a vencer por nocaute –embora muitíssimas vezes quebre a cara e
volte para casa mascando o jiló do desprezo.
Sim, os desprovidos, como se diz, da beleza padrão, carecem ganhar
sempre por pontos; os bonitões guardam na caixa torácica a soberba do triunfo
por nocaute.
O melhor de tudo, para sorte nossa, é que a beleza é passageira e a
feiúra só acaba no túmulo, como dizia o doce canalha fancês Serge
Gainsbourg. Com essa conversinha mole, e muito charme, óbvio, o autor da
clássica "Je t'aime moi non plus", a chanson mais tocada nos motéis do mundo
inteiro, teve belas e quentíssimas histórias de amor com Jane Birkin e Brigitte
Bardot, entre outras tantas fraquinhas da época.
Para fechar o boteco, duas dicas de livros que caem bem como saideira
e post scriptum dessa crônica: “Por um punhado de Gitanes” (ed.Barracuda),
biografia de Gainsbourg escrita pela jornalista inglesa Sylvie Simmons, e “Por
um bife e outras histórias de boxeadores” (ed. Artes & Ofícios), do velho lobo
da selva Jack London. Beijo para quem é de beijo, abraço para quem é de
abraço, e até a próxima.

PÍLULAS CONTRA A DISFUNÇÃO CEREBRAL

Alvíssaras, camaradas, as famosas pílulas contra a disfunção erétil


agora têm a sua versão para os membros superiores. Espécie de Viagra para o
intelecto, velho sonho de blefadores cansados, intelectuais gastos pelo tempo e
inseguros de todos os naipes. Esqueceu, no calor de uma contenda retórica,
aquela frase fatal para um jab no adversário? Seus problemas acabaram. Com
as novas e milagrosas pílulas erísticas, tudo que menos precisas para levar o
inimigo à lona é do oxigênio da razão.
Ih, esqueceste a autoria daquela frase lapidar no momento de uma
cantada genial na futura patroa? Eis outro problema superado. Uma só cápsula
meia hora antes do encontro e estará com o dicionário Ronai de citações na
ponta da língua. Mais de mil frases, de Adão, o picareta-matriz, a Zelig (Woody
Allen), que, aliás, virou Zelig por ter blefado um dia sobre a leitura de Moby
Dick. Sabe dizer que leu um livro sem nunca ter passado da sua orelha?
As mulheres que apreciam homens inteligentes e de repertório
afortunado não têm mais do que se queixar. Chega de banquetes que não
levam a nada. Com as pílulas azuladas dos membros superiores, o amor
platônico, como diz o poeta, acabará sempre com uma transa homérica.
Adeus disfunção dos neurônios. Chega de gaguejar e puxar pela
memória em público. Tome agora mesmo as pílulas azuladas contra a
disfunção erística e seja um flaneur à moda de Paris século XIX. Brilhe nos
salões e mesas como um Baudelaire enfeitiçado pelo melhor dos ópios –
mesmo que você não passe de um cachaceiro feio sujo e malvado.
Exiba desavergonhadamente o seu arco e sua lira, tome agora mesmo
as pílulas contra a disfunção dos membros superiores e ande de cabeça
erguida. Não passe ridículo, as gazelas, mesmo as mais antigas –as que ainda
acreditam no Regulador Xavier- estão cada vez mais exigentes, metidas,
cansaram de ser loiras e todas agora lêem, mesmo com o atraso das idéias e
das regras, Simone de Beauvoir.
Ninguém me ama, ninguém me quer? Tome agora mesmo as pílulas
milagrosas e todas te chamarão de “meu Baudelaire”.

A ARTE DE PEDIR EM NAMORO

“Qualé a sua, meu rapaz?!”, indaga a nobre gazela.


É namoro ou amizade, rolo, cacho, ensaio de amor, romance ou pura
clandestinidade?
E o homem do tempo, piriri, pororó, nem chove nem molha. Só no
mormaço, só na leseira das nuvens esparsas.
No tempo do amor líquido, para lembrar o título do ótimo livro de
Zygmunt Bauman sobre a fragilidade dos encontros amorosos de hoje em dia,
é difícil saber quando é namoro ou apenas um lero-lero, vida noves fora zero...
Cada vez mais raro o pedido formal de enlace, aquele velho clássico, o
cara nervoso, se tremendo como vara verde: “Você me aceita em namoro”?
O tempo passava e vinha mais um pedido clássico e igualmente tenso.
O pedido de noivado.
Mais adiante, a hora fatal, mais uma tremelica do jovem mancebo: Você
me aceita em casamento?
E pedir a mão,aos pais, meu Deus, haja nervosismo, melhor tomar um
conhaque na esquina para encorajar-me.
São raros, raríssimos hoje esses nobres pedidos. Em alguns setores
mais modernos e urbanos, digamos assim, talvez nem exista mais.
O amor e as suas mudanças.
A maioria dos homens, além de não pedir em namoro, além de não
pegar no tranco, ainda corre em desespero diante de uma sugestão ou
proposta de casamento feita pela moça.
Corra, Lola, corra também destas criaturas.
O capítulo bom da história é que agora as mulheres também partem
para o ataque e, diante de uns temerosos ou acanhados sujeitos, escancaram
suas vontades, suas paixões, e fazem suas apostas, seus pedidos, põem na
mesa os seus desejos e as cartas de intenções.
Voltando ao mundo dos homens, lembro que era bem bacana esse
suspense masculino do “você quer namorar comigo?”
Havia sempre o medo do fora. Um sim, mesmo o mais previsível, era
uma festa.
“Quer namorar comigo?”
No tempo do “ficar”, quase nada fica, nem o amor daquela rima antiga.
Alguns sinais, porém, continuam valendo e dizem muito. O ato das
mãozinhas dadas no cinema, por exemplo, ainda é o maior dos indícios.
Tanto quanto um bouquet de flores, mais do que uma carta ou um email
de intenções, mais do que uma cantada nervosa, mais do que o restaurante
japonês, mais do que um amasso no carro, mais do que um beijo com jeito,
daqueles que tiram o gloss e a força dos membros inferiores.
“Vamos pegar uma tela, amor?”, como se dizia não muito antigamente.
Eis a senha.
Mais até do que um jantar à luz de velas, que pode guardar apenas um
desejo de sexo dos dons Juans que jogam o jogo jogado e marketeiro.
O cinema, além da maior diversão, como diziam os cartazes de
Severiano Ribeiro, é a maior bandeira.
Nada mais simbólico e romântico.
Os dedos dos dois se encontrando no fundo do saco das últimas
pipocas...
Não carecem uma só palavra, ainda não têm assuntos de sobra.
Salve o silêncio no cinema, que evita revelações e precoces besteiras.
Ah, os silêncios iniciais, que acabam voltando depois, mas voltando sem
graça, surdo e mudo, eterno retorno de Jedi. Nada mais os unia do que o
silêncio, escreveu mais ou menos assim, com mais talento, claro, Murilo
Mendes, poeta dos melhores e mais líricos.
Palavras, palavras,palavras...
Silêncio, Silêncio, silêncio...
Dessas duas argamassas fatais o amor é feito e o amor é desfeito.
Simples como sístole e diástole de um coração que ainda bate.

UM CARTÃO POSTAL DO FIM DO MUNDO

descer em cima de ti mais um pouco, até mais ou menos um palmo diante dos
teus olhos, e dizer eu te amo com a convicção de um míope/astigmático no
escuro... sem trilha, sem blues, peleja de cego em becos alexandrinos, mineiro
suicida de Émile Zola a palo seco, essas coisas que guardo e prezo da soma
das ignorâncias, passa a régua iluminista de uma figa, essas coisas da feira, da
peixeira e dos livros. o eu te amo como música final e única da banda
esquerda do meu corpo que toca de ouvido, tripas & corazones, o rolling stones
goats head soups, o nada que sou e era e o futuro-bundinha-pra-cima numa
praia deserta donde te imagino ao meu lado, fui, baby, o resto é cartão postal
que te mandarei do fim do mundo.

DE LÁ PRA CÁ, UM ESTIRÃO, ESTAMOS FORTES

Hoje é meu aniversário, embora haja uma dúvida linda: meu pai me registrou
depois de seis anos d´eu haver nascido. 03 ou 06 de outubro? meu pai bebeu
emocionado a caminho do cartório, um estirão, cantou com os pássaros nas
veredas, umas quatro léguas do sítio das cobras até Santana dos Fósseis,
terra de pterossauros das antigas mesmo, a maior reserva brasileira do gênero,
Chapada do Araripe -ao Google, moços em dúvidas!

meu pai pensou coisas, chutou pedras, primeiro filho nos miolos, os ratos no
armazém de milho, arrobas de algodão a perigo no campo, seu Eluzo, o
comprador de Nova Olinda a caminho. terá preço? uma roça no juízo, as
pragas agrícolas, a mosca no leite, os zumbidos do universo, a seca verde no
ano de pouca chuva...

meu pai é um homem de verdade. nasci no tempo em que nao havia pressa
burocrática muito menos vantagem em registrar los hijos. hoje sim, registrou
tem programas socias, bolsas etc, necessárias políticas de guerra para que
não morra gente com menos de um ano de idade, justíssimo, como na velha
europa de 1949 em diante. alias gracias a mi madre por haber vingado em um
tempo em que se perdia filho fácil facil. quantos irmãos e primos anjinhos se
foram numa viagem tida como naturalíssima! mas chega de lenga-lenga ou
supostos populismos na visão hipócrita e metropolitana que só pensa no
umbigo...

é que a data me deixa comovido como o diabo. mesmo. venho de longe,tive o


amor possível das mulheres, amo o jeito que amo e sou amado por maria e sei,
qual o fodido personagem do velho frank capra, urubu no ombro na cadeia, que
da vida nada se leva a não ser o amor dos amigos. entonce deixo ai pra nós
todos, antes da cachaça de la noche, um recado de um cara que adoro e pago
pau de verdade, recite comigo, como as coisas que dizia meu pai, sozinho na
estrada, a caminho do cartório ao longe, falando com as visagens:

"Daqui em diante não peço mais boa-sorte,


boa-sorte sou eu.
Daqui em diante não lamento mais,
não transfiro, não careço de nada;
nada de queixas atrás das portas,
de bibliotecas, de tristonhas críticas;
forte e contente vou eu
pela estrada aberta." WALT WHITMAN, in Folhas das Folhas de Relva.
Tradução Geir Campos. São Paulo, Brasiliense, 1983.

NO CURSO DE MEDITAÇÃO DO TIO LYNCH

Para mi amigo Joca Reiners Terron

Aula nº 1: Quando voltou ao prato, o bistecossauro estava frio e com aquela


crosta que entupiria até o coração de um tigre. Deu mais três espetadas,
engoliu a cerveja preta e saiu assobiando pelas ruas da cidade, justo a cidade
que não tinha mais coisa alguma para oferecer-lhe. Entre o primeiro corte na
carne que ainda embutia o berro do boi e o seu mergulho na imensidão escura
passaram-se dez minutos. Voltou de lá outro homem. Sorriu para os falsos
Hare-Krishnas que iriam assaltar um banco dali a segundos. Passou na casa
de um amigo e saldou uma dívida. Na casa de uma mulher retirou o passível
dos mal-assombros amorosos.Deu esmolas, já não possuía a idéia de que o
ato atrasaria a causa. Alguns passos adiante percebera também que a
revolução é idéia fixa de pobres de espírito. Só não entendeu até agora, no
justo momento em que desce a escadaria do metrô [sentido
Consolação/Paraíso], porque o mergulho na imensidão escura se dera àquele
modo: no raso estava inteiramente nu, mas o eu profundo teimava, com seus
pés de pato, em vestir o mais colorido dos escafandros.
DA RAZÃO BATISMAL DESTE BLOG

Dos vícios falar, não das pessoas. Mesmo com esse lema aparentemente
sossegado e cristão, o padre beneditino e escriba de mancheia Miguel do
Sacramento Lopes Gama (1791-1852), não deixava viv´alma livre da sua pena
destemida. Todos queimavam no seu purgatório imaginário.

Mestre na crônica de costumes no Pernambuco da primeira metade do


século XIX, nem carecia mesmo anotar os batismos das suas vítimas
preferenciais. Bastava expor, no seu periódico, um vasto sortimento de
carapuças à disposição dos leitores.

Tinha para todos os gostos e formatos de cabeças e cabeçorras. Assim


era o Carapuceiro, “sempre moral e,so per accidens, político”, como o próprio
religioso definia. Ali, nem mesmo os homens de batina e da sua convivência
católica estavam livres da palmatória irônica de Lopes Gama.

O padre Carapuceiro, como ficaria conhecido por causa do jornal _hoje


nome de famosa rua do Recife_, rezava pela cartilha do “ridendo castigat
moris”, ou seja, rindo corrigimos os costumes.

Dos amigos de batina, por exemplo, criticava “os padres e frades


gamenhos”, aqueles cuja gabolice e os enxerimentos chamavam a atenção da
praça. "Um clérigo ou um frade bamboleando-se, saracoteando as ancas,
requebrando-se, de maneira que um Dominus vobiscum parece que é uma
umbigada ao povo em festança de lundum", lascava nas suas folhas.

Os modos de macho e as modinhas de fêmea, naquela época sob


ditadura estética dos franceses, também eram assuntos prediletos do padre,
um pioneiro na defesa de uma moda brasileira, mais adequada ao calor e aos
costumes dos trópicos. Era carapuça a torto e a direito. Nem mesmo o ingênuo
e popular bumba-meu-boi escapou do seu laço. Ele achava a “brincadeira”
ridícula.

O padre Carapuceiro era um homem-jornal. Ele mesmo escrevia,


editava, diagramava, fazia as ilustrações e ainda distribuía o seu temido
periódico. A sua crônica acabou sendo importantíssima, entre outros épicos, na
pesquisa que resultou no clássico “Casa-Grande & Senzala”, de Gilberto
Freyre.

Quem quiser provar do veneno do beneditino, é ler “O Carapuceiro”,


uma antologia de textos organizada pelo historiador Evaldo Cabral de Mello
para a coleção Retratos do Brasil, da Companhia das Letras. Mais de 150 anos
da morte do padre, certamente ainda vai sobrar alguma farpa para o leitor de
hoje. Ajuste a sua carapuça e boa leitura.
DO AMOR E O PODER

Um caso de amor proibido marcou a Revolução de 1817 em Pernambuco e


arredores, o que resultou em governo independente no Nordeste cinco anos
antes do afamado 7 de Setembro. O símbolo do movimento foi o enlace
do líder patriota Domingos José Martins com Maria Teodora da Costa, jovem
filha do comerciante português mais rico do Recife. Pense num amor de mover
moinhos! Sempre na vanguarda, o Crato, no Kariri cearense, foi um dos mais
interessantes focos da resistência.

E dessa bela história toda saiu o romance A noiva da Revolução (editora


Oboré) do jornalista e escritor Paulo dos Santos de Oliveira. O lançamento do
livro acontecerá HOJE, dia 14 de outubro, terça-feira, às 19 horas, na Livraria
da Vila dos Jardins, alameda Lorena 1.731, SP.

Como cratense, kaririense, recifense e cronista do amor e seus costumes,


participo de um bate-papo, antes dos autógrafos, com Santos e o historiador
Carlos Guilherme Mota. Ao final, uma canja ilustrada do artista Antônio Carlos
Nóbrega.

Apareçam queridos leitores e amigos! Estão convidadíssimos! E viva os noivos


históricos!

OPERAÇÃO VVV -VESTIDO, VERÃO & VINGANÇA

Tubinhos, pretinhos básicos, com e sem alça, os brejeiros de chita. E o


tomara-que-caia, amigo, você já testemunhou a queda de pelo menos um
desses na vida? É lenda da alta e da baixa costura. Por mais que seque, nunca
vi uma peça do gênero promover-nos um alumbramento.
Ei, você ai, de cabelos brancos na fronte do artista, você mesmo, rapaz,
deve se lembrar muito bem daquele que Sonia Braga vestia quando escalou o
telhado, em Gabriela Cravo e Canela, no tempo em que rolava a novela das
dez, recorda?
Alvíssaras, meu camarada, os vestidos voltaram à praça. A vingança.
Não que tivessem sumido da história, das ruas, das festas, repartições e
firmas. Mas andavam em baixa, suplantados pela praticidade burocrática das
Evas modernas e suas calças, suas saias austeras e seus tailleurs, essas
peças apolíneas que batem a carteira de Vênus, roubam a alma de Eros...
De tão neoliberais, os tailleurs são capazes de sair sozinhos para o
trabalho....
Talvez tenha sido necessário, fazer o quê?, a onda recente de desfiles
de moda de Nova York, Londres, Milão e Paris, para alertar para uma
necessidade mais do que extremada: o retorno do vestido como peça sagrada
e quase segunda pele das mulheres.
Tudo fica mais estranho ainda quando as passarelas começam a
entender um pouco os homens héteros. Mas não deixa de ser um ótimo
sintoma dos tempos.
Talvez a indústria da moda esteja pagando por todos os pecados
anteriores. Redime-se lindamente do quanto enfeiou as belas mulheres.
Nada nos cai tão bem ao desejo quanto um vestido.
Todo homem ama passear com uma mulher com a mais linda dessas
peças. Mesmo os mais machões, que fingem ignorar a vestimenta da fêmea
_reservando-se apenas a dar chiliques quando as vestes são muitas curtas.
Seja um Versace, que custa os olhos da cara, seja um baratinho de
chita.
Homem que é homem, seja de Paris, Nova York ou do sertão dos
Cariris, como o meu avô João Patriolino, vai à Maison, às Casas
Pernambucanas ou à feira do seu município e traz uma bela peça ou um corte
de tecido de presente para a amada. Até mesmo o Fabiano, que mal tinha um
cobre no bolso, persona do livro “Vidas Secas”, de Graciliano Ramos, voltava
da cidade com um corte de pano estampado para a sua mulherzinha magra, só
o couro e o osso.
Mas mesmo que nos falte a devoção do presente, tudo indica que vocês,
belas fêmeas, irão desfilar nos próximos verões com feminilíssimos vestidos.
Será lindo!
Até o velho e bom pretinho básico, que está em voga desde 1926,
quando Chanel o desenhou pela primeira vez para a Vogue, agora reaparece
revigorado. Percebeu como manjo, Bibi Vestidinho?
V de verão e V de vestido para deixar mais faceiras as gazelas, para dar
mais graça às cheinhas, para realinhar a beleza nobre das afilhadas de
Balzac...
A peça nos põe, homens de todas as gerações e gostos, mais
românticos. O mais tosco dos canalhas sucumbe como um romeiro de joelhos
diante da santa.
Se for uma peça que deixe à mostra as saboneteiras, meu Deus, que
lindo vexame! E uma mulher com o joelho à mostra... nas cidades mais frias
que sempre exigem roupas mais compostas?
Noooooosssssaa!, como diria o velho Costinha.
Ora, você nem carece ser a mais bela por completo, isso é utopia e
ditadura de & modinhas, você carece ter apenas uma linda parte pelo todo,
como aquela figura de linguagem, a tal da metonímia que aprendemos no
colégio.
Mulher é parte pelo todo. Uma linda omoplata, um pescoço, ombrinhos,
pés, calcanhares mais lindos, batatas de pernas invejáveis, belos braços...
Aí ficará ainda mais linda de vestido, ao contrário das calças e outras
tantas armaduras medievais que escondem o que nos enlouquece, o melhor
dos nossos mundos.
Esconder, achando que pode ser vantajoso depois, é besteira. O charme
é mostrar-se, ter a coragem, mesmo com o que você supõe ser uns quilinhos a
mais. Na balança das nossas retinas e trenas, isso pode ter importância de
menos, quase nada, alguns gramas de preconceito e baitolice na cabeça de
homens que já não valiam a pena mesmo.
AMOR DE SEGUNDA-FEIRA

Só os homens e mulheres que têm amantes nas firmas e nas repartições


amam a segunda-feira.
Eles amam este dia como os seus próprios objetos e alvos do desejo.
Segunda é o dia sagrado dos amantes de escritórios, redações, bancos,
editoras, almoxarifados, restaurantes, varejões Ceasas, tomate e maravilha
como na canção do Arnaldo Baptista...
Sim, alguém levantaria a mão, nessa exata hora, com ou sem
moralismo, pedindo a palavra, e diria, aproveitando as obviedades do
centenário machadiano: e aos traídos a velha batata quente da chapa da
existência!!!
Depois de esperarem o sábado e o domingo, resignados ou aos coices
internos no juízo, os amantes de repartições ou firmas voltam assobiando aos
seus postos, mesmo nas funções mais duras e escravas, mesmo que a
burocracia lhes reservem apenas o lirismo comedido antes do almoço no quilo
barato.
As criaturas que têm amantes nas empresas seriam uma incógnita para
o velho Karl Marx , cada dia mais atual com a quebradeira dos mercados:
seriam a quintessência da mais-valia, uma vez que retornam felizes à labuta e
assim produzem mais ainda de forma lindamente alienada? Seriam uma
ressaca a mais, esse belo antídoto ao kapital, levando-se em conta que os
beijos e amassos na escada representam prejuízos na cadeia econômica?
Noves fora as reflexões marxistas (o viejo Karl mesmo quebrou a
corrente e a classe ao ter como amante a empregada doméstica), reparem no
sorriso de segunda-feira do homem ou da mulher que têm amantes na firma!
Eles batem o relógio de ponto ou passam o crachá na catraca como
quem alcançam o ponto G ao primeiro minuto de jogo.
Eles fazem aquelas reuniões chatíssimas, aquelas em que as pessoas
se anulam e conjugam no plural das corporações –NOSSA EMPRESA,
NOSSAS AÇÕES, NOSSO PREJU, NÓS DA FIRMA!- com um sorriso acima
do bem e do mal do kapitalismo.
Esse amor, seja que diabo for, não deixa de ser lindo, pois quebra de
alguma maneira a corrente burra do trabalho e dos dias, como diria o velho
Hesíodo. Alguém se dirige ao matadouro pensando em algo que não seja
somente enricar o patrãozinho branco e reacionário! Porque um beijo na boca
na escada, por mais que seja na firma, sítio do antitesão por excelência, vale
mais do que a mais rentável das ações de um homem de negócios.
Mas não politezemos o beijo, sem ideologia para o simples e inadiável
desejo do pau duro ou da buceta molhada –essas inegociáveis mercadorias da
natureza, essas anticommodities do mundo e de Deus, seja de que religião
comungue a criatura da firma.
Só queria dizer que hoje é segunda e alguém está feliz com essa maldita
folhinha do calendário.
Sexta-feira a história já será outra de novo. Até lá teremos futebol, tédio
de graça, contas a pagar, almoços a quilo, noites mal-dormidas e amores a
rodo.
GUARDANAPOS DE VIAGEM (I)

Meu amor diz “avestruz não, não consigo, lembro do pescoço dela”. Eu digo ao
meu amor que sou assim apenas com os coelhinhos e o resto do zôo não me
fala à sensibilidade Discovery Chanel. E mirem que era avestruz defumada,
com alho, tipo salame, saca? Meu amor às vezes é tão sensível que só vendo.
Bebe mingau de sonhos na mamadeira que lhe esquento, aí dorme, desaba,
descamba... e me deixa falando sozinho com as janelas abertas, mal engole o
chá de paisagem que lhe preparo com ajuda de vagabundos impressionistas.

[em Tquarituba, latitude 23º31'59" sul e longitude 49º14'40" oeste, São Paulo,
Brasil, América do Sul].

PROJETO CIDADE LIMPA – A REAL DA GUERRA *

Ou Feios, Sujos & Malvados

- Que banco que nada, banco é lugar de malandro ou de namorado, eu durmo


é aqui na beira do lago, ainda escuto o barulhinho da água, parece o do riacho
perto de casa lá em Piracicaba – diz o paulista Francimar Matias, 42, morador
de rua do centrão de SP, que acaba de escolher sua nova cama no jardim da
Praça da República, reinaugurada há cinco dias. Nascido no Sudeste como a
maioria dos sem-teto e mendigos da cidade – é o que revelam as pesquisas do
gênero desde 2004-, Francimar, esfarrapado mas altivo, camelô de bugigangas
e discos piratas na 7 de Abril, é uma das milhares de evidências
demasiadamente humanas de que o urbanismo à prova de miseráveis da
gestão Kassab (DEM) não tem conseguido limpar os “feios, sujos e malvados”
das passagens públicas como desejava.

Para namorar, os poucos bancos da novíssima República, uma das praças


mais importantes da paulicéia, também não servem. Entre o pombinho e a
pombinha existe uma barra de ferro que impede, digamos assim, um beijo mais
aconchegante ou até o mais pudico dos amassos. Os novos arquitetos da
destruição amorosa nem pensaram no afeto que se encerra lindamente no
passeio público. A idéia explícita era apenas consolidar a guerra antimendigo
ou antivagabundo, como diria o próprio alcaide. A tentativa de limpa começou
com uma rampa antipobreza na região da avenida Paulista e seguiu na
perseguição a mendigos de Higienópolis, ainda na gestão Serra, depois abriu
um fosso antibanho na fonte da Sé, desenhou os novos bancos na praça dom
José Gaspar e continua firme no mandato do vice que assumiu o comando.

O ideólogo da tentativa maluca de higienização do centro –como se fosse


possível varrer a miséria com maquiagens urbanas de empreiteiras- chama-se
Andrea Matarazzo, batismo mais imigrante impossível na cosmopolita SP, o
supersecretário, a eminência parda, quase o prefeito da cidade, homem-forte
deixado no cargo das subprefeituras pelo ex-prefeito e hoje governador do
Estado –uma maneira de continuar, de certa forma, no controle do município
ou, no mínimo, monitorando as ações do ex-pefelê Kassab.
O que ele, o ideólogo, tem dito sobre a tentativa frustrada de limpeza nas ruas?
As aspas são as de sempre: não há política contra mendigo ou sem-teto,
apenas uma forma de garantir o espaço público para todos, o projeto original
da República, do começo do século passado, não tinha bancos blábláblá etc.

Um aviso aos transeuntes: os mais gordinhos também não cabem entre os


arcos de ferro que fragmentam os bancos de madeira da nova República. Só
valem para sentados e de espinhas eretas. Os gastos de R$ 3,1 milhões
resultaram numa praça apenas dedicada a passantes. É um tapa na invenção
da praça grega e pública. A polícia e a Guarda Municipal cuidam de reafirmar o
conceito urbanístico aos desavisados: “Circulando, circulando, circulando”.

- Fui deitar ali no chão, ontem de tarde (na última sexta-feira), e tomei nas
orelhas de um policia - conta Edevaldo Filgueiras, 40, mineiro de Araguari.
Assim como Francimar, que deixamos lá na cumeeira desta pirâmide social
invertida, apenas um desses tantos refugos dos novos tempos, mix de
seguidos desempregos, desilusões, desordem na família, algumas doses de
álcool a mais e a ressaca desencantadora das ruas. E não me cabe aqui a
guerra moral das ligas das Senhoras Católicas ou Evangélicas. Filgueiras foi
desandado e desandou. Ponto.

Jonas, nome para lá de fictício, foi mais além: entrou no crack e dorme no chão
da nova praça, sob o olhar austero do sr. Luiz Lázaro Zamenhof, que vem a ser
o criador do Esperanto, a língua utópica do mundo todo, e habita a praça na
condição de estátua suja de merda de pombo. Jonas tem apenas 25 anos, fala
como se fosse um personagem urbano de Guimarães Rosa, nonada, uns
grunidos, bem feito para o cronista, quem manda chegar na vida alheia e que
só a ele pertence –inclusive para decidir sobre o seu cachimbo!- cheio de
perguntas. Há um sorriso alucinado por detrás daquela nuvem de fumaça
azulada na noite dos nóias, como são denominados os Jonas nada bíblicos,
corruptela de paranóia, de São Paulo.

Difícil alguém assumir que é mendigo no chão da praça. Tem muito catador de
papel, camelô bissexto, gente que até tem família nos arredores da capital, os
nóias, claro, ladrões de pouca importância, pois ali não dorme assaltante de
bancos ou grandes valores e ninguém acusado de enriquecimento ilícito. Haja
descuidistas e um magote de gente sem grana para ir e vir de trem e ônibus
diariamente dos arredores de SP, como o casal Arimatéia Soares, 44, paulista
de Mauá, na região metropolitana, e Lúcia Pontes (este repórter se recusa a
perguntar idade de mulher, não insistam!), baiana de Vitória da Conquista.

Donos de uma banca quase virtual de confecções, Arimatéia e Lúcia ficam dois
dias seguidos no centro e voltam para dormir uma noite no “barraco” em
Carapicuíba, na região metropolitana. Quase virtual? Sim, quem flana, como
este cronista, ou quem trabalha no centrão de SP sabe como funciona hoje a
venda dos camelôs. Eles ficam nas ruas exibindo cartelas com fotos das
mercadorias, para fugir do “rapa”, negociam com os fregueses e vão buscar os
produtos entocados entocados em corredores de edifícios, debaixo de balcões
de botecos na área e outros “mocós” secretos.
Sim, você ai, amigo de plantão do conservadorismo ou da higienização de fato,
vai me dizer que os moradores de rua poderiam dormir nos abrigos da
prefeitura. Tem razão, muitos dormem. Pena que casais como Arimatéia e
Lúcia, que deixaram mais dois filhos no “barraco” com uma tia, não podem
dormir por lá, é proibido o acasalamento. São cerca de 7 mil vagas para cerca
de 12 mil, no mais acanhado dos cálculos de hoje, descobertos que dormem
sob o sereno. Como reza o liberalismo clássico, nem todo “homeless” tem saco
para enfrentar a burocracia e o “fichamento” dos abrigos, têm direito a circular
livremente por onde entenderem. Além da mulher, nem o cachorro, fiel amigo
dos viadutos, pode entrar nestas casas públicas de pernoite. Os mendigos
alegam também que por lá os roubos são freqüentes. Até usar barba, reparem
só, é proibido, têm que cortar os cabelos e ficar “limpinhos” como o sonho feliz
de cidade de alguns fascistas.

Mais seguro e honesto mesmo é dormir sob a lua na sarjeta.

* Reportagem e/ou crônica anarco-punk publicada aquém muito aquém de


qualquer debate eleitoral/eleitoreiro, na distante data de 26/02/2007.
fonte: glorioso site Nominimo, o único a morrer no Brasil por excesso de
audiência.

O SUPERBONDER DO ACASO -parte I

Ela agora arruma a favela-nation, como chamava a fileira de malas no


canto do quarto, uma delas bem grande, arre, tipo rodoviária de Teófilo, Minas,
jardins dos sertões que se bifurcam.
É o último dia do janeiro mais frio dos últimos 26 anos, informa o serviço
meteorológico da cidade de São Paulo.
“Durante vinte e três noites consecutivas as nossas costelas grudaram,
sem contar siestas para lá de espanholas, com o superbonder do acaso, o
tenaz de um ensaio amoroso, o araldilte dos idílios inesperados, o visgo de
pegar pássaros na infância”, pensa ele, no tempo em que o zômi ainda
pensavam.
Vagamos lindamente pelos bares, calles, concertos, infernos, Buñuel na
cama, biños, vanguarts, clashs, haxixes, consolações, chapas-quentes mistos
idem, paraísos e augustas, coisas, babas,resumos, galegas birinaites samba
club.
(...)
Amanhã partem as malas, a gaveta de calcinhas que eu mesmo arrumei
com zelo & tara e alguma coisa a mais que ainda não tem nome nem cabe em
nenhum carreto desse mundo.
Ela seguirá no dia seguinte, sábado, para um lugar que ainda não
sabemos a essa altura.
Porque as mulheres que bolem de verdade com a gente são ciganas
que não trabalham com pistas cartográficas.
No máximo, mapas de camelôs tão piratas quanto fitas da tropa de elite.
Terá uma conversa séria com um amor forte do pretérito nunca passado,
conjugações esquisitas, leio aqui na palma da sua mão esquerda enquanto ela
dorme no meu peito, baba aliterações de bebê, baby, baba, bob, jock,
derraaaama sueños em intermináveis planos-sequência –sofisticada a nega!
(Um homem que guardou tudo para dizer somente agora, solamente
agora, e talvez a espere com aqueles girassóis dos homens lentos que
despertam enfurecidos apenas quando vêem o objeto do desejo encoberto pela
maria-fumaça das estações do passado, ele merece, é sofrido, mas nunca
justo.
03h00.
Ela toma banho.
Little drop of poison, de Tom Waits, toca na nossa rádio virtual predileta.
Ela guarda frascos e cremes.
Tento espremer a garrafa de Jim Bean que já estava na lata do lixo...
Agora fodeu de vez, mas o agora é agora, donde os fracos não têm vez:
Leonard Cohen manda You Know Who I Am.
Os zipers das malas e bolsas dela não fecham direito, as coisas teimam
–o secador de cabelo dispara inexplicavelmente revoltado- em ficar debaixo do
teto das minhas falhas e goteiras. O que é uma mulher sem um secador de
cabelo?

O ABC DO FAUSTO WOLFF NA CABECEIRA

Alem do post abaixo deste, nada como um post atrás do outro e um século
idem, este Carapuceiro orgulhosamente se rende à efeméride gutenberguiana,
pero sem jabazismos (PENA!) e apenas com os 10% de praxe, e homenageia
o DIA DO LIVRO com o volume-mor da cabeceira de um homem de verdade,
com vocês o “ABC DO FAUSTO WOLFF – tudo o que você sempre quis
perguntar sobre sexo, humor e política e nunca teve coragem para saber”
(editora L&PM, Porto Alegre, 1988).

Libro duca, hombre idem. Com vocês o verbete ORGIA:

“ORGIA, naturalmente. – Não sou muito chegado por ter a participação de


outros homens além do locutor que vos fala e homem nu é troço extremamente
desagradável. As orgias a que fui convidado aqui no Rio têm sempre duas
gatas pingadas e uma porção de barbados. O dono da casa fatalmente se
desculpa com ar de idiota: “Não sei onde se meteram essas mulheres. Você
deveria ter pintado a semana passada”. Comigo é sempre assim: a festa foi
boa invariavelmente na semana passada, quando eu não estava presente.
Orgias a sério mesmo eram as patrocinadas pelo Império Romano. Ninguém
era de ninguém e, além de comerem metaforicamente tudo que pintava pela
frente, ainda comiam literalmente ovas de enguia, cuzinhos de pavões e outras
especialidades...”

Chega de moleza, é madrugada e a Neusa, minha digitadora que dorme no


emprego, está mui cansadita. Catem o gênio FW nos sebos e completam a
orgia vocês mesmos.
FEZ UM FILHO, PLANTOU UMA ÁRVORE, ESCREVEU UM LIVRO

O homenzinho cumpriu a liturgia terrena: escreveu um livro, fez um filho e


plantou uma árvore. O livro teve mais uma edição gigante e derrubou outras
árvores; o filho nunca passou de um coqueiro que dá coco, embora tivesse
surtos exóticos de siriguelas, pitombas, jaboticabas, umbus e oitis; a árvore foi
à escola e quase morreu de homenagens no dia árvore.

O raro volume do livro que foi parar no sebo matou uma velhinha de espirro; o
filho em vez de estar roubando e matando por ai inventou de ser juiz de direito;
a árvore virou lenha da pizza margheritta que tanto une os bons amigos nos
paulistanos domingos.

O livro era de auto-ajuda e fez sorrir a exímia secretária bilíngue; o filho era
imbecil, mas funcionava como um poodle para alegrar as visitas; a árvore, no
seu corte mais imprestável, virou um porrete, arma quente nas mãos de um
justiceiro de subúrbio.

O livro definitivamente não era o apanhador no campo de centeio e viveu uma


vida de desgostos; o filho era o primeiro júnior que sai do ventre de uma bela
putana; a árvore gostava da bundinha que encostava no seu caule no sarro do
casal domingueiro no parque.

O livro foi retirado às pressas das livrarias por suspeita de plágio descarado; o
filho também só dizia frases feitas e adágios populares; a árvore se achava a
própria macieira que deu a maçã que despencou no coco do sr. Isaac Newton.

O QUE QUEREM AS REVISTAS FEMININAS?

As revistas femininas muitas vezes nos assustam, amedrontam ou


simplesmente nos afrouxam a mais irônica das gargalhadas. Ando viciado
nelas. A patroa já não agüenta mais me ver fugindo com a sua pilha de
almanaques para o banheiro.
Eu não largo o meu vício.
Aprendemos sempre alguns bons truques com estas sábias brochuras.
Das balzacas em chamas da “Nova” às Lolas modernas da TPM –Trip Para
Mulheres.
Às vezes nem carece folheá-las, basta uma lida nas manchetes de
capa sob o sol na banca de revistas.
Fico meio assombrado quando vejo que descobriram uma nova
posição para o sexo. Como se não bastassem as milhares de combinações do
Kama Sutra e de todos os outros compêndios.
Tenho uma baita cãimbra só em pensar nas tais descobertas.
Tenho medo das leitoras de “Nova”, confesso a minha fraqueza,
amigas. Elas têm mais fogo guardado nas entranhas do que las chicas do
óteeeeeemo romancezinho de Almodóvar (Dantes Editora); elas estão
descontroladas, elas são a perfeita mistura de cachorras do funk com afilhadas
de Balzac.
O vício das femininas. Chamadas de verão: novos óleos eróticos,
novos jogos, novos fetiches,vixe!, os mais poderosos cremes antirugas e
anticelulites...
Mas o que dá preguiça mesmo, só de pensar, são as exigências das
novíssimas posições. Daquelas que dão câimbra só de vê o desenhozinho
didático, tipo “faça você mesmo”, na página.
Houve um tempo que estas revistas eram bem menos atrevidas.
Repare só nestas chamadas de capa das antigas, priscas eras:
“Se desconfiar da infidelidade do marido, a esposa deve redobrar seu
carinho e provas de afeto, sem questioná-lo.” (Revista Claudia, 1962).
“A desordem em um banheiro desperta no marido a vontade de ir tomar
banho
fora de casa”. (Jornal das Moças, 1965)
Tem mais, repare só que pérola:
“A mulher deve fazer o marido descansar nas horas vagas, servindo-
lhe uma cerveja bem gelada. Nada de incomodá-lo com serviços ou notícias
domésticas”. (Jornal das Moças, 1959).
Nem o mais machista dos anúncios de cerva chegaria a tanto.
E o chauvinismo das redatoras _sim, a maioria era escrita por
mulheres_ das antigas não ficava só na bebida. O pior vem ai:
“Se o seu marido fuma, não arrume briga pelo simples fato de cair
cinzas no tapete. Tenha cinzeiros espalhados por toda casa.” (Jornal das
Moças, 1957).
Hahahahahahahaha.
Querem mais um mandamento de fé? Então lá vai:
“Não se deve irritar o homem com ciúmes e dúvidas”. (Jornal das
Moças,1957).
E este aqui: “O noivado longo é um perigo, mas nunca sugira o
matrimônio. ELE é quem decide - sempre!” (Revista Querida, 1953).
Agora, juro, vou encerrar, que assim já começou a virar galhofa,
escárnio... Essa última chamada de capa é de chorar:
“Sempre que o homem sair com os amigos e voltar tarde da noite
espere-o linda, cheirosa e dócil.” (Jornal das Moças, 1958).
Chega!

DO AMOR E DOS SEUS PRONUNCIAMENTOS

Amigo, se você é do tipo que diz “eu te amo” de uma forma, digamos
assim, precoce e irresponsável, na afoiteza das primeiras e belas noites na
alcova, como já tanto o fez este pusilânime cronista, prepare o seu coração
pras coisas que eu vou contar, digo, “se liga”, como verbalizam os avexados
mancebos da hora.
Se a gazela for safa,sábia, mal algum há em tal pronúncia, até apreciará
o empolgante anúncio como uma poesia de fundo, como se uma música de
Sérge Gainsbourg –Je t'aime moi non plus- estivesse tocando no quarto de
motel barato àquela altura.
Pensará a moça, bem baixinho, “que doce vagabundo”. Terá sido
apenas um pequeno crime, como num bolero, um “besame mucho”, um cha-
cha-cha num Caribe imaginário, cortinas ao vento, lua caliente lá fora, barulho
de caminhões no asfalto.
Sim, a gazela pode entender como um “eu te amo mesmo, de verdade,
verdadeira, assim como Deus sobre todas as coisas”.
Que mal há nisso?
Quantos amores à vera começaram com um “eu te amo” de brincadeira?
Nesses tempos de amores líquidos, de amores ficantes, de amores-
vinhetas de 15 segundos, quem saberá o que venha a ser o amor patenteado
pelos deuses incas ou gregos?!
O melhor mesmo é dizer, sem medo, eu te amo, e honrá-lo pelo menos
enquanto o sublime eco resistir entre aquelas abençoadas quatro paredes.
E se ela acreditar, ora, ora, manda um “eu te amo,
meeeesssmmmoooo”.
Com olhinhos revirados, vamos mais fundo ainda: “Eu te amo até o fim
dos tempos”.
Se ela não tá nem aí, você se vira para o piano e ordena, como no filme
Casablanca, mesmo que estejam atravessando a avenida Afonso Penna em
Belo Horizonte, seis horas da tarde, buzinaço, hora do ângelus: “play, again,
Sam!”
E manda mais “eu te amo”, como um estribilho do vento, nas oiças da
desalmada, até ela acostumar com a natureza humana do macho que veio ao
mundo com um cowboy solitário que tem apenas um mantra, uma bala no
coldre dos sentimentos: “eu te amo”.
Monocórdico sr. das sombras cujo cardiograma é um terremoto de “eu te
amos”, como um sismógrafo nervoso a riscar o mostrador da maquininha que
mede os tremores demasiadamente humanos de todos os cardiologistas
particulares.
Antes um “serial lover” a dizer eu te amo como um cuco desembestado a
um elíptico e silencioso cabra safado que guarda os “eu te amo” para a hora do
chifre ou para a extrema-unção, como meu amigo “mucho macho” que morreu
balbuciando, câmera lenta, para o padre Cristiano, lá em Santana do Cariri,
muito tempo atrás: “padre, me perdoa, estou morrendo, creio, e nunca disse eu
te amo!”. Donde a dúbia e indecifrável sentença guarda dúvida até hoje: “para
quem seria aquele guardadíssimo eu te amo?”. Para o padre ou para o seu
amor proibido?
Donde baixa um Esopo fabulador para deixar a moral da crônica: mais
vale um “eu te amo” que entre por um ouvido e saia pelo outro do que um
silêncio mortal de um homem que nunca se empolga e deixa a gazela achando
que “eu te amo” é coisa só de novela e de filme americano.
A MELHOR HORA DE UMA MULHER

“Oh, as três mulheres do sabonete Araxá me invocam, me bouleversam,


me hipnotizam./ Oh, as três mulheres do sabonete Araxá às 4 horas da tarde!”.
Passei uma vida, cotovia, sem entender esse relojoeiro de minúsculos
mistérios que congelou os ponteiros justamente às 4 da tarde. Por que diabos 4
da tarde, lirismo com tic-tac, meu velho Manuel Bandeira?
Ora, ora, por causa do Jayme Ovalle, esse gênio sem a caretice e a
obrigatoriedade dos tomos e das obras completas, um gênio on the rocks,
também club soda, a escrita com o próprio corpo, a ortografia na ponta daquele
dedão que mexe o uísque dos sábios homens.
Foi o Jayme Ovalle, vejo agora na GloboNews, em um ótimo programa
sobre os 40 anos da morte do Bandeira, que deu o toque ao poeta do “belo
belo que te quero”. É o que acabo de ouvir aqui do Edson Nery da Fonseca,
aquele homenzarrão sabido danado, que sempre soube mais de Manuel e de
Gilberto Freyre do que eles mesmos, dizendo, com seu majestoso verbo,
palavras que de tão gostosas parecem sair de um cozido, carne molinha
derretida, dizendo, repito, isso é coisa do Jayme Ovalle.
Por que diabos 4 horas da tarde?
Jumento da fumaça desmemoriosa e das maresias da existência, não
lembrava do que havia lido, tampouco do que ouvira serra dos mares acima,
voltando da Flip (Paraty) a São Paulo, do sábio e queridíssimo escriba
Humberto Werneck, mineiro da mais alta afetividade, que publicou a mais linda
das biografias brasileiras dos últimos muitos anos–“Santo Sujo –a vida de
Jayme Ovalle” (editora Cosacnaify).
Não enrola, cronista chinfrim, que mistérios guardam as 4 horas da tarde
sobre as mulheres do sabonete Araxá e sobre as fêmeas de outros luxos?
No que derramo a cota do santo quase nos pés e ele, Ovalle, o bom
paraense das antigas, nos revela: 4 em ponto é a hora ideal para o amor.
Como assim, meu velho, desenvolva.
No que o danado reencarna e explica: às 4 da tarde as mulheres estão
com o melhor dos seus cheiros, aquele cheiro da vida à vera, aquele cheiro um
pouco distante do banho que tomaram auroras adentro.
Rogo também a São Google, o padroeiro das nossas burrices e
desmemoriamentos, e vejo aqui o Everardo Norões, poeta e viajante, nascido
no Crato como este locutor que vos faz um strip-tease semanal das
ignorâncias, lembrando a bendita hora ovalleana. Grande Norões no seu blog
“A rua do padre inglês”.
Ai ficam essas moças demasiadamente preocupadas com tantos
cremes, tantos perfumes, avons, naturas, loções de tantas revistinhas de
vendedoras de porta em porta... Sim, às vezes é gostoso uma nega cheirosa,
mas aquele outro cheirinho da vida de verdade, aquele desodorante semi-
vencido, minha Nossa Senhora, nos deixa malucos, valha-me!
A CAMPANHA PELA VOLTA DO CAFUNÉ CONTINUA

Dos dengos femininos, ou historicamente femininos, o que mais nos faz


falta, é o cafuné.
Nos dias avexados de hoje, não há mais tempo nem devoção para os
delicados estalinhos no cocoruto do mancebo.
Pela volta imediata do mais nobre dos gestos de carinho e delicadeza.
Nem que seja pago, como o sexo das belas raparigas dos lupanares, mas que
devolvam vossas mãos às nossas cabeças.
Pela criação imediata da Casa de Cafunés Gilberto Freyre, como me
propõe, em sociedade, a amiga Maria Eduarda Risoflora Belém. Ótima idéia a
ser espalhada por todo o país. Milhares de casas, guichês, varandas, redes
debaixo de coqueiros, sofás na rua... Tudo a serviço dos breves e deliciosos
estalinhos dos dedos das moças.
Gilberto Freyre era um entusiasta do cafuné e a ele dedicou páginas e
páginas. GF, aliás, escrevia como quem dá cafuné, prosa mole, ritmo dos mais
sensoriais. Como também assenta palavras outro Freire, sem o estilingue do
Y, o Marcelino de “Contos Negreiros”.
Que machos & fêmeas sejam treinados, em um programa social de
emergência, para reaprenderem o hábito do cafuné.
Melhor: que seja feita uma campanha de saúde pública. Ah, quantas
doenças de fundo nervoso seriam evitadas, quantos barracos de casais seriam
esquecidos, quantos juízos agoniados seriam libertos!
Sem se falar no erotismo que desperta o dengo, como anotou outro
sociólogo, o francês Roger Bastide, no seu belo ensaio “Psicanálise do
Cafuné”. Pura libido.
Delícia de se sentir; beleza de se ver. O cafuné de uma mulher em outra,
ave palavra!, puro cinema, para além muito além do lesbian chic.
Como era comum, na leseira de fim de tarde, nos quintais e nas
calçadas.
Ao luar, então, sertões e agrestes adentro, era puro filme de Kurosawa.
O resto era silêncio.
Ai que preguiça boa danada, ai que arrepio no cangote, quero de volta
meus cafunés.
Viver de brisa, como na receita de Bandeira, numa rede na rua da
Aurora, sob a graça dos dedos de uma morena jambo ou de uma morena
caldo-de-feijão.
Como pode uma criatura, como esses rapazes de hoje, passarem pela
vida sem provar do êxtase de um cafuné?
Pela obrigatoriedade do cafuné nos recreios escolares, nas missas, nos
cultos, nos intervalos dos jogos de qualquer esporte.
Não é possível que se condene toda uma geração a viver sem cafuné.
Eis uma questão de segurança nacional. Tão importante como aprender a
assinar o próprio nome. O cafuné, aliás, é a assinatura em linda e barroca
caligrafia de mulher.
RESPOSTA PARA UMA MULHER ARREPENDIDA

(Para entender melhor este drama, leia o post anterior).

Amiga, realmente, como disseste, ainda não havia me deparado com um caso
do gênero. Não que a sua história seja mais grave ou mais pecaminosa, como
poderíamos julgar com as lentes do moralismo. Não é mesmo. É complexa,
óbvio, como o próprio enredo da vida. Não é à-toa que a literatura está repleta
de novelas, peças teatrais e romances com narrativas semelhantes. Só na obra
do dramaturgo Nelson Rodrigues, que conhecia a existência e dela se
apropriava para dar voz a personagens, temos muitos destinos semelhantes.

Mas deixemos a literatura, esse mero simulacro das dores do mundo, e


desçamos ao nosso árduo, rico e muitas vezes infeliz cotidiano dos lares.
Primeiro acho que tens que ficar de bem contigo mesmo, que é o essencial
para tocar a vida, depois, quem sabe, tê-lo de volta. O que atormenta a tua
alma no momento é uma coisa só: o monstro da culpa. A mesma culpa que nós
homens varremos para debaixo do tapete da porta junto com as traições de
rotina. Não se pode fazer um exercício de traição comparada, mas, amiga, já
pensaste quantas mil vezes esse homem te traiu? Falo da traição carnal, do
desejo, de verdade --a “traição” virtual, te deixando na cama enquanto o
esperava, é café pequeno, pode ser irrelevante.

A própria atitude dele, de desconfiança permanente, te investigando, denuncia


o comportamento típico de um traidor. Isso não é chute, falo baseado em casos
semelhantes ocorridos na vida de amigos. O que esse homem fazia para
manter uma linda história ou pelo menos um razoável relacionamento contigo?
Olhar fotos na Internet e transar com o pensamento voltado para as imagens
que formigavam o seu juízo. Estava faltando o componente básico para que
continuassem bem: a admiração, a devoção, o olhar amoroso –não estou
falando obrigatoriamente de paixão, esse sentimento que vai diminuindo
mesmo ao longo do tempo.

Estás pagando o preço da sinceridade, coisa que praticamente não existe no


mundo dos homens –o cunhado, por exemplo, negou mais do que Pedro no
episódio bíblico. Porque o encontro do motel é quase como o teu marido
tivesse implorando pelo acontecimento. Ele pediu ao tempo para ver tal cena.
Ora, primeiro te larga, não perdoa, ensaia toda uma humilhação... Seria fatal
que uma vez se sentindo mulher de novo e desejada, mesmo que não amasse
o tal amante ocasional, poderia humanamente cair em “tentação”. Que mulher
não quer se sentir olhada com gosto e desejada de novo? É como se dissesse:
“Estou viva e desperto desejo e admiração”.

Toda essa rede de acontecimento, amiga, não passa de uma pequena tragédia
cotidiana na qual não se deve buscar culpados e muito menos te anular como
mulher. Se achas que houve erro da tua parte, ele pecou mais vezes e de
forma mais cruel: não soube valorizar e ter a mulher que o amava. Perguntas
sobre o futuro, sobre a possibilidade de tê-lo de volta. Amiga, só te digo uma
coisa: ego de macho ferido é difícil de cicatrizar. Nós aprontamos e aprontamos
por ai, mas na hora em que nos sentimos traídos, tornamos isso muitos vezes
um caso sem reparação. Ora, o macho não vai voltar atrás mesmo que esteja
emborrachando-se de amor e bebida no botequim da esquina. Não pode
mostrar que é fraco, sensível, principalmente diante dos amigos, pois foi
educado para um faroeste onde, como no filme dos irmãos Cohen, os “fracos
não têm vez.”

Tens todo direito sim de enviar sinais para ele de que o sentimento de perdão
habita o teu peito, mas enquanto isso o melhor mesmo é não perder o pé da
vida e da possibilidade de um novo amor. Em muitas ocasiões, retornos em
casos como o teu representaM um inferno, com toda sorte de humilhações e
constantes “passadas na cara” dos episódios anteriores. Há muita vida lá fora.
Coragem, carinho, do amigo Xico

MEU MARIDO ME FLAGROU NO MOTEL

Entre as várias atividades deste cronista do amor e dos corazones aflitos, a de


conselheiro sentimental é a que mais emociona, obviamente. Já exerci o ofício
no rádio (Juazeiro do Norte), no site da Trip e em algumas revistas femininas,
como a UMA,por exemplo. Uma dessas almas aflitas que atendi, pede,
por obséquio, que eu divida com os leitores deste blog o seu drama. Aí segue a
sua carta. Amanhã publicarei a resposta.

Bom dia Xico Sá, li muitas das suas ajudas às leitoras, bom, nunca vi ninguém
lhe pedindo ajuda pelo mesmo motivo que eu... Tenho 29 anos e morei junto
com uma pessoa por quase 10. Nossa relaçao começou qd meu marido era
casado, tivemos um caso e acabei engravidando, ele que já passava por
problemas no seu casamento há algum tempo. Sempre tivemos uma vida
maravilhosa juntos, muito amor, respeito, carinho.Tivemos dois filhos, e hoje
estou separada desde o dia 25/10/2007. Motivo: eu traí meu marido e ele me
pegou no flagra! Bom...sou muito apaixonada por ele, sempre vivi em função
do nosso casamento, mas chega um ponto na vida em que a mulher se cansa
de não ser admirada, desejada....

Em julho/2006 fomos de férias para Vila Velha-ES, eu,meu esposo, minha


cunhada (irmã dele) e um irmão dele(casado, mas a esposa não foi pq estava
trabalhando),e algumas crianças, uma noite fomos em uma lan-house verificar
nossos e-mail's e lá peguei meu esposo vendo fotos de mulheres nuas...isso
me deixou muito chateada, apesar de ele ter sempre este costume, mas me
sentia mal, pq em nossa casa ele passava horas e horas a noite no
computador vendo isso, e isso me deixava chateada, pq por horas, varias
noites, eu o ficava esperando vir se deitar comigo e ele não vinha.Dai passei a
perceber que depois de um certo tempo no computador vendo esse tipo de foto
ele ia se deitar e me acordava...pra transar, mas eu sentia mal, pq achava que
ele estava ali comigo se descarregando, de tesão, de não aguentar mais ver as
fotos...Não sei se era paranóia minha, mas realmente sentia que ele não me
desejava, e sim vinha descarregar em mim, pq era tudo automático, ele não me
dava prazer, e qd acontecia de eu ter um orgasmo eu até chorava de
felicidade, pois isso não era mais frequente nas nossas relações.

Bom, nesta noite fiquei até mais tarde tomando cerveja com meu cunhado, ali,
tarde da noite meu cunhado me assediando, eu já estava bem alterada pelo
álcool, cedi, tivemos ali uma transa, mas tb não senti prazer...No outro dia
sentamos para conversar eu e meu cunhado e fizemos um pacto de nunca
contar a cagada que tínhamos feito.Tudo ficou normal até que em janeiro do
ano passado, meu esposo me pegou no computador converssando com o
irmao dele e achou estranho a nossa converssa(pelo MSN)... Mais tarde, fui
tomar banho e ele foi tb, no chuveiro ele começou a me perguntar o que tinha
acontecido entre eu e o irmão dele que ele não sabia, mas pressentia, aquilo
me doeu muito na hora e eu não consegui me segurar, contei pra ele o que
tinha acontecido, várias vezes ele foi tentar conversar com o irmão dele e ele
negava...Até que um dia eles brigaram feio e o irmão dele disse que nunca
mais falava com ele...Assim, somente eu disse a verdade ao meu marido....O
irmão dele contiuou negando. Mas mesmo assim, meu marido me perdoou e
continuamos nosso casamento.Claro que eu sabia que daquele momento em
diante nada seria mais igual...

Até que comecei a ser cortejada por um rapaz que trabalha comigo há algum
tempo, e durante 11 meses consegui me conter, e nestes 11 meses ele me
presenteava, me dizia coisas que mexiam comigo. Até que não consegui mais
segurar e aceitei sair com ele. Meu marido, não sei como, me pegou no flagra
no motel. Apesar de nada ter contecido, entre eu e o outro cara, sei que foi
muito dificil pro meu marido nos pegar ali...juntos..nus...Meu esposo me
mandou embora de casa, ficou com nossos filhos e agora estou lutando na
justiça pela guarda deles. Hoje, exatamente 2 meses e 10 dias sinto um vazio
enorme em meu peito, estou muito mal com o que fiz, afinal, não sinto e nem
nunca senti nada por este outro cara, sempre amei o meu marido, mais até que
a mim mesma...Sei que errei, agi por impulso, por estar sendo algo novo que
me traia. Bom, levando em conta que antes do meu marido tive relação com
outros 7 rapazes durante a minha adolescência, e nunca nenhum deles me deu
prazer como meu arido, mas infelizmente, o casamento se desgasta, e as
pessoas mudam, né?. Sentia que não despertava mais o desejo do meu
marido e que ele a muito tempo não conseguia me dar prazer...um dia descobri
que ele frequentara uma casa de massagens, fui conversar sobre isso com ele,
mas ele me disse que não tinha transado com ninguém, apenas o tinham
masturbado lá.Que ele não se sentia bem em transar com outra mulher pq me
amava. Que tinha feito isso pra se vingar de eu ter traído ele com o irmão...

Hoje, estou muito machucada, sentindo muito a falta dele, ele diz que não me
quer mais, que me ama apesar de tudo, mas que não pode mais viver comigo,
e tudo esta caindo sobre minha cabeça....como é que a gente pode destruir a
vida assim, sem nenhum propósito... Se ao menos a gente traísse por gostar
de outra pessoa...mas não, só mesmo desejo...

Bom, queria saber sua opinião quanto ao meu caso, nunca tive oportunidade
de converssar sobre o acontecido com um homem, então queria saber...Se
fosse vc o marido da história, acha que um dia vc perdoaria sua mulher e
aceitaria ela de volta? É muito difícil pro homem aceitar esta situação, eu sei,
mas será que é possível o perdão?!O que você me aconselha a fazer nesta
situação, tentar esquecer ou lutar por ele? Aguardo sua resposta...Grande
abraço. Fernanda, BH, Minas.

OS FEIOS NÃO MORREM JAMAIS

Morreu o “cão mais feio do mundo”, dizem as páginas e as folhas,


referendando um estranho concurso da Califórnia. A criatura possuía três
pernas e era cego de um olho, apega-se o noticiário para justificar o mal-
assombrado epíteto.

Seu batismo era Gus.

Segundo a suposta dona, Jeanenne Teed, ele tinha tumor de pele, doença que
o levou a perder uma das pernas. O prêmio de US$ 16 mil conquistado no
concurso seria usado para o tratamento de saúde do animal, informam todas
as agências. O olho foi ferido durante uma briga com um gato.

Não sei se ando frágil, cuidado vidros e cristales, mas deu dó, senhor
piedade, desta pobre alma que se vai. Não sei se é p q a minha gata Déli (de
Delicia, diliçi, apelido by Maria/Jojô Gatis) caiu domingo da janela –depois de
um dia de silêncio está lindamente carente como sempre e sonha com peixes-
patês nos oceaninhos dos seus ojos azules.

Viejo Gus, este mal-diagramado que vos escreve recomenda um verso do


Fernando Catatau, à guisa de oração e subida ao paraíso dos cães: “um
defeito de Deus é sempre perfeito”.Sim, hay banda, titio Lynch, e o nome de
umas das melhores do momento atende pelo batismo de Cidadão Instigado,
sob o comando do citado moço.

Corta de Catatau para um dos seus. Sérge Gainsbourg, por supuesto: “A


beleza é passageira, a feiúra é para sempre”.

Ninguém acaba com as baratas, e, como diz o jazz interior do meu amigo
Bombig, Thelonious continua tocando Solitude.

Lloro un poco (que o Word teima em corrigir para um poço) por ti, viejo Gus,
que minha lágrima seja pelo menos uma pulga.

Por que eras mesmo o mais feio do mundo, amigo?

Não sou Madre Teresa de Calcutá, Pollyanna tampoco, mas te achei


guapíssimo.

Só lamento tua morte, porque nós, os artistas enquanto jovens cães, somos
lindos e quebramos espelhos com os raios de nuestras babas ou latidos.
DA ESPIONAGEM AMOROSA & OUTRAS INVASÕES BÁRBARAS

A amiga M. conta que, mais uma vez, caiu na tentação de fazer uma
rápida espionagem no telefone do mancebo.
Quem manda!
Quem procura, acha, como grita o adágio popular mais óbvio.
Aproveitou o banho do condenado para ver, pelo menos, as últimas
mensagens de texto.
Maldita caixa de entrada.
Claro que encontrou merda, com licença da palavra, mas foi essa a
descarga de inevitável léxico –que outro vocábulo poderia usar nesta fatídica
hora?- a preferida para o desabafo a este cronista e conselheiro das moças.
Encurralado, o miserável já havia dito que ficara com outra donzela.
Nada demais, só uns beijos, disse o réu confesso diante das provas
incontestáveis. Hoje uma fotinha digital, enviada anonimamente por e-mail, vale
por mil cartas anônimas de antigamente.
O infeliz das costas ocas, o lazarento, o febre-do-rato, o cabra safado –
aqui reproduzo fielmente o rosário de adjetivos usado por minha amiga traída-
aproveitou um desses carnavais fora de época para a famosa prática do pulo à
cerca, o mais olímpico e familiar dos esportes brasileiros.
Um homem picareta e uma folia de micareta, definitavamente, não
rimam com fidelidade e amor.
A amiga M., porém, já sabia com quem lidava, idiota quem acha que é
tarefa fácil engambelar uma fêmea. Não que o moço fosse de tudo um canalha
legítimo, era apenas um homem, ainda um amador nessa arte.
O que incomodou mesmo a colega foi a falta de criatividade do
desalmado. O filho de uma rapariga havia escrito para a nova presa a
mesmíssima coisa que rabiscara mal e porcamente na mensagem com destino
à doce M.
Tudo bem, não era nada genial, mas uma frase comovida, dizendo quão
bela fora a primeira noite dos dois juntos. Sim, porque é ridículo que um macho
e uma fêmea, chabadabadá, como diz a trilha daquele famoso filme de Claude
Lelouch (“Um homem, uma mulher, 20 anos depois”, em todas as locadoras do
ramo), se locupletem na cama e o silêncio torne irrespirável o dia seguinte.
É preciso, é necessário, e deveria constar da Declaração dos Direitos
Universais do Homem, que se diga pelo menos uma coisinha, um agrado,
SMS, um mimo, ainda sob o sol que se levanta muito antes dos dois. Não
estamos falando em casamentos ou outros laços duradouros, amigo, é questão
de educação e delicadeza, simplesmente um carinho depois de tanta
intimidade.
O que chateou a amiga, de modo a doer-lhe no fígado, foi que o mal-
assombro dela usou as mesmas palavras que mandou para a “vagabunda”.
Claro que o ciúme não é apenas do plágio, da cópia automática, mas
isso prova como os homens, além de frouxos para encarar os romances,
andam sem a menor criatividade. Gente que gasta a maior lábia para os
negócios e os projetos culturais –caso do mancebo sob o tiro ao alvo desta
crônica- é incapaz de variar em duas linhas para uma mulher honesta, digo,
para uma mulher que presta!
ME PEGO PENSANDO COMO

Como ela vem. Como está sendo o seu banho exatamente agora. Como ela ta
cheirosa, mas que sue um tiquinho no camiño para dosar na conta, nossa!
Como ela se olha no espelho na hora de se trocar. Como. Como ela fez o
barulhinho do elástico da calcinha, pleft, a mais linda onomatopéias das moças.
E nas vitrines da rua, como será aquela rápida mirada, extrato para simples
conferência demasiadamente feminina. Como ela brigou com o cabelo hoje,
porque em alguns dias os cabelos teimam em desobedecer às mulheres, sejam
eles como forem. Como ela encarou o armário. Como enfiou a colher no papaia
logo cedo antes de todas as acontecências. Como ela blasfemou contra o
universo. Como ela disse “ai," ao teléfono, "mãe, num se preocupa, eu já estou
grandinha”. Como os homens a olharam no percurso, que os homens do
andaime não assobiem um “gostosa” hiperbólico, sob pena de ela se achar
cheinha deveras, mas que assobiem alguma coisa, que não pequem por
omissões – ah, não, são homens de verdade, não trabalham com elipses.
Como ela deu aquela ajeitadinha nos peitos, agora já recuando para o começo
das ações, o espelho. Como ela roçou um lábio no outro para corrigir o batom e
dosar na maldade. Como ela decidiu por sandálias e não por sapatos ou tênis.
Como ela pôs o rosto na janela para ouvir o homem do tempo. Como ela deu
aquele saltinho na rua de moça feliz por hoje. Como ela achou que o celular
tocava dentro da bolsa só porque eu pensava nela e não era nada pouco.

DA SÉRIE MICRO-EROS

O flagrante delito freudiano


-Meu filho, que coisa feia:
complexo de Édipo com a mãe alheia!

Globalizada, pero no mucho


Beijo grego, massagem tailandesa, espanhola... e no oral, tremenda
monoglota.

Cartilha ou Reforma pedagógica


Vovô Viu o Viagra.

Classificados –decifra-me ou te devoro


Ju, S/BB gg. A/O, c/bj, dom.h/m/. aces, fant. R$ 50, fç pq g.*

(*Seios e bumbum grandes, anal, oral, dominadora, homem, mulher, com


acessórios e fantasias, faço porque gosto).
DIÁRIO DO ENTORPECIMENTO CAP. XIII, VERSÍCULO UM ZILHÃO E
NOVECENTOS

...flores depois do baile, ainda na calle... enrosco no taco, mais um tango


para gastar a manteiga que seria dos futuros croissants... ela aumenta o “sonic
youth”, você gostaria de pensar que é imune à essa coisa que O POETA
registrou em cartório, pobre bebê, com nome de Amor, Amor da Silva Xavier,
seja homem, monstro ou mulher. Amor Smith da Conceição, Amor burguês
com sobrenome e bons modos, pra cima de mim, não, não adianta deixar o
bebê Amor na porta, nem na lata do lixo, muito menos disfarçado no cestinho
de Moisés que escorre todo dia no corregozinho aos pés do grande Jordão da
culpa, do grande oceano das ressacas e de todos os afluentes do tsunami-
sorry.
Nem vem que não adianta amplificar o “sonic youth” para competir com
o sabiá histérico que bica os farelos da manhã de domingo quando eu ainda
cismo com as merdas que cagamos um pro outro ontem à noite sobre o jornal
da nossa gaiola.
Mi corazon, pobre involuntário, ainda recita algo como a canção do beco
de william blake, doces sorrisos da passagem balançam sobre meu terno
deleite da pista, a vida-bicicleta, aros e rodas, pede sussurando com jeitinho,
implora: se parar cai, mi viejo safado, se vais envelhecer q seja sem nenhuma
dignidade, as flores na garrafa torta de vinho guardam nosso sono de costelas-
araldite, sueños-super-bonder, peixinhos vermelhos, betas do mangue q virou
calçamento, rumble fish no aquário da melhor das nuestras noches desde que
anaxágoras, esse proparoxítono das antigas, descobriu as fases de la luna
caliente, dorme meu anjo que teu vira-lata, perro callejero, vigia as fronteiras da
suposta realidade, é, esquece, esqueço, se não fosse amor já era... nem tinha
almoço de domingo.

[De mi libro "Tripa de cadela & outras fábulas bêbadas", ed. Dulcinéia
Catadora/ 2008, R$ 5, contos & declarações de amor para atravessar um
deserto inventado].

TECNOLOGIA DE PONTA

Domingo é dia de macarrão nos arredores da feira do Bixiga, programa


paulista-roots, domingo é dia de crônica para reconfortar uma amiga que acaba
de ser vítima de flagrante delito ou mal-entendido, ah, essas fotos digitais que
fazem da vida um grande Big Brother, meu velho Orwell, essas fotinhas digitais
que embaralharam ainda mais a noção do que se tinha sobre o nono
mandamento –não cobiçais a mulher ou o bofe do próximo(a) .
Boate Vegas, int/noite, quinta-feira, São Paulo.
Um perigo para os adúlteros, traidores ou simples e bissextos puladores
de cerca essa coqueluche das maquininhas e celulares. Elas estão por toda
parte, festas, restaurantes, bares, eventos, comemorações de fim de ano da
firma... Como estão embutidas também nos celulares, a brigada moralista, que
também é onipresente, pode muito bem enviar na hora, na bucha, para o email
da suposta vítima do chifre, o flagrante delito.
Isso é o que se pode chamar, à vera, de tecnologia de ponta.
Muito melhor e eficiente do que as velhas cartas anônimas por meio das
quais os drs. Bovarys e as suas Emas de antigamente eram denunciadas. As
missivas, aliás, hoje foram substituídas pelos hotmails anônimos da vida –
quem-avisa-amigo-é@hotmail.com ou quem-avisa-fofoqueiro-de-plantão-
é@hotmail.com.
Mas nada como a fotinha, embora possa dar em muita confusão sem
sentido ou lastro de verdade. Dependendo da malícia e do enquadramento do
componente da brigada moralista, por exemplo, um simples beijo mais perto da
boca pode render um rebuceteio dos diabos. Um olhinho fechado _às vezes
por descuido ou cansaço paulistano_ pode ser o fim do mundo. Uma tragédia
amorosa sem precedentes nas páginas policiais.
CENAS DE SANGUE NUM BAR DA AVENIDA SÃO JOÃO!
Pior é que, além dos delatores de plantão _velhos calabares do amor_,
há ainda o efeito Blow Up.
Lembram do filme de Antonioni?
Na fita, um fotógrafo revela, sem querer, um crime que estava rolando
no exato momento em que disparava sua câmera para tirar o retrato de
pessoas em um parque. O crime estava por trás do beijo de um casal, se a
memória carcomida pela maresia não me trai.
Os fotologs, estes álbuns pendurados na internet, são mestres no efeito
Blow Up. Você vai ver as fotos de uma festa e, pimba, lá está o(a) amado(a)
em caliente fuça-fuça ou, pior, nos braços de um(a) outro(a) qualquer, como na
lírica de nervos de aço de Lupicínio.
É, acontece.
Infelizmente as maquininhas estão soltas por ai, sempre revelando,
como na canção bossanovista, enormes ingratidões.
Antes os bons tempos da filosofia de pára-choque, como leio agora
naquele caminhão que passa aqui na minha frente: “O que os olhos não vêem
o coração não sente”.

Ô PSIT!, Ô DO SOFÁ!

amigo torcedor, amigo secador, amiga diletante, amiga maria-chuteira, se


vosotros não temeis assombrações, uma dica ludopédica: toda quarta, 23h30
(uma hora a menos no Brasil de verão), na tv cultura, o mundo gira e a
parabólica roda no programa Cartão Verde. Tô na bancada-botequim na
companhia dos caros amigos Sócrates, el brujo, Vladir Lemos, nuestro James
Dean, e o brilho de uma mente fria e calculista do Vitor Birner. mandem emails,
esculhambem, tirem onda, tomate y maravilha.
PRECISO DO MEU ESPAÇO

Aquém muito aquém de Barbarella e suas futuras galáxias, reinou Dale Arden,
que alimentava o seu herói,destemido macho-loreal do infinito, com o melhor
dos alpistes que pode receber um homem na hora da aflição e do sufoco
monstruoso: “I love you Flash Gordon!”. Era ouvir tal mantra e o bom rapaz
quebrava tudo, seja no reino mais cool ou no planeta mais quente e colorido...
era como estivesse sempre a bordo de uma bela camisa havaiana tremulando
feito bandeira do fim do mundo.Era um tempo de muita decência e elegância
entre machos & fêmeas, não tinha essa modinha terrestre de “preciso do meu
espaço”, ai, ui, que frescura! Era um tempo de vem cá meu bem, vamos rachar
a taboca do universo, cola bonito, gruda a costela-superbonder na minha cama
de mola, pula dentro desse vestido e vamos humilhar a pista com o rock que
ressuscita ladrilhos pré-históricos e faz de lagartixas os dinossauros mais
modernos de 2.046. Era um tempo em que a simples menção de “era uma vez”
dava um nó das épocas e calendários, a criatura não sabia se estava no
passado ou no futuro... Simmmm, as mulheres e seus heróis intergalácticos
eram fortes, lindos e destemidos, feitos um para o outro, não tinham essa
leseira-fake da moda e seus miojos de passarela, nada de sopinha instantânea,
as coisas eram para sempre, em vez de perdidos no espaço com suas dê-erres
(discussões de relações sem pé nem cabeça), sabiam que o eterno é o melhor
que se faz agora, assim na terra como nas galáxias, sabiam que o moderno do
moderno, de qualquer época, é igual a um “eu te amo” da heroína de Flash
Gordon... não sai de moda nunca, never, forever, nevermores ao infinitum.

<XS para Juisi by Licquor>

SEM CHANCE, GI!

Gisele Bündchen não acha marido por aqui. Sim, amigo, em alguns
lugares do Brasil, a dita über mega super modelo não arrumaria nem para o
sal, como bodejam as gentes antigas do interiorzão.
Mostro a foto da modelo na capa da revista, o caboclo entorta os beiços,
silêncio no deserto, fecha um pouco os zolhos gastos pelo solzão das esperas,
e economiza palavra e saliva: “Presta no amolegamento não, dotô, pegar
adonde eu vô?”.
Amaro, 44, balbucia, agora mirando com um só olho, como se fosse dá
um tiro de espingarda soca-soca de matar nambus, preás, codornizes e outras
misturas e marrecos: “Tão graciosa calunga e passando necessidade!”
Pense na viagem!
No terreiro de casa, passa o rio São Francisco, meio acabrunhado
depois da construção da vizinha hidrelétrica de Xingó. No quintal, tem a grota
de Angicos, onde Lampião, Maria Bonita e mais nove cangaceiros foram
chacinados no ano-calibre de 38, 1938, sete cabalísticas décadas atrás.
No cardápio, dona Gilda Nunes, 58, mãe de 12 criaturas, transforma a
memória de necessidades e secas brabas em gastronomia de primeira, coisa
fina mesmo. Da cabeça-de-frade, aquele cacto redondinho com o cocuruto
vermelho, faz um doce de lamber os beiços; do talo da urtiga faz uma salada
para acompanhar o surubim, peixe que já escasseia no velho Chico cansado
de tretas. Do facheiro, também nascida na teimosa flora semi-árida, sai uma
geléia de matar de inveja o D.O.M. e o Fasano, para citar dois dos mais
premiados e metidos restaurantes paulistas.
“A gente tem que aprender a tirar desse deserto tudo que é sustança”,
dá o mote-exemplo. “E isso vem de longe, eu já aprendi com a minha mãe, que
aprendeu com a dela, que aprendeu mais atrás ainda e as minhas filhas já
fazem tudo melhor do que eu.”
Luíza, novinha cheirando a leite, é uma dessas meninas. Faca amolada,
tira os espinhos dos cactos com a habilidade de um japonês cortando peixe
para fazer sushis. Um mar de água, o cacto desmancha-se na bacia. “Muita
gente já matou a sede, em tempo ruim de verdade, com essas plantas”, repete
a narrativa que ouviu dos mais velhos. “Os bodes tiram os espinhos
espezinhando a cabeça-de-frade, depois enchem o bucho, felizes, Deus sabe o
que faz.”
O doce do cacto é de botar abaixo qualquer regime ou cuidado de
mulher com a silhueta. Lembra doce de mamão verde, mas é muito melhor
mesmo. Embora algumas mais jovens já sigam os padrões estéticos
importados na parabólica, sertanejo que é sertanejo aprecia mesmo é uma
moça roliça, cheinha. A Gisele, repete Amaro, teria sérias dificuldades para
arrumar marido na nação semi-árida.
Macho considerado também é o que apresenta sinais de fartura para
encobrir o esqueleto. Homem fornido, redondo na cintura e nas bochechas,
barriga que dá o ritmo em qualquer forró. “Quando tu balança dá um nó na
minha pança”, como na lição gonzagueana.
“Hoje em dia, na capital, tem essa moda de graveto, coisa sequinha, só
o osso, as moças parecem aquelas vaquinhas da seca, andam tudo
desconjuntadas, pernas destrambelhadas, que diabo de tempo é esse?”,
pergunta dona Gilda. “Tem moça que é só o fiapinho de gente. E moça rica,
com condição de comer direitinho, com bufunfa, dinheiro.”
De certa forma, o pendor pelos mais cheinhos e cheinhas, sinais de
bonança, não deixa de ser uma vingança estética contra a memória da fome,
sertão dos flagelos. A busca da fartura até nas carnes de casamentos e
pecados, cercas tantas do amor.
Mas no restaurante familiar de dona Gilda, de nome Angicos, batismo
que nem carece de placa, as moças sequinhas das metrópoles escapariam
com peixes e saladas da caatinga.
“Mas aviso logo: comer pouco aqui é uma desfeita”, diz. “Gosto de quem
come como se o mundo fosse acabar logo um tempinho depois.” Para a
sobremesa, além dos doces, redes estendidas debaixo de mangueiras
garantem uma sesta de rei de España.
Crônica de uma viagem inesquecível pela nação semi-árida, que me
rendeu “Nova Geografia da Fome” (ed.Tempo d´Imagem), homenagem a Josué
de Castro, gênio da raça, cujo centenário de nascimento acontece também
neste ano de 2008, salve, salve!
MISSA ANTES DO SÉTIMO DIA

(7)"Entrectanto Barbadilha, ardiloso e revoltoso, quer a todo transe desthronar


Plutão, para tanto architeta uma revolução no inferno", pensava enquanto era
surrado o nobre cavaleiro Fodasno, mal sabendo que se tratava de um texto de
don Valêncio Xavier, no seu "O mez da grippe" y outros quaraququás.

Personagens roubando falas de personagens alheios ou remixando ao infinitum


até virar pó de estrelas. A vítima, no caso, era o VX, que está no libro
"Caballeros Solitários rumo ao sol poente", todo construído em uma sucata de
sampler-brasiguaio enfeitiçada por loops e aboios de vaqueiros da noite deste
pueblo.

Adiós, don Valêncio, esse mindinho de prosa é só uma maneira de agradecer


aqui, depois que se foste desta para uma melhor. Gracias, grande escriba,
afinal de contas subtraio dos autores vivos mas compareço como réu confesso
ao purgatório tão-logo eles retornam livres aos nossos saloons espirituais.

MINHA QUERIDA SPUTINIK

Nada mais lindo em uma mulher do que aquela fração de segundos em que a
gente a flagra olhando bobamente para o infinito. Sem mirar pessoas mares
luas cercas paisagens becos horizontes.

Olharzinho perdido de Laika, a cadela russa que subiu ao espaço a bordo do


Sputnik.

Laika delira no cosmos mira o nada; a terra é azul.

E se o olhar for ligeiramente vesgo, zolhinhos tortos, meu deus!

Como a moça daquele romance japa de uma Tóquio de jazz mais ligeiro &
Keroauc no juízo -o livro do Haruki de Murakami.

Nada como um olhar vesgo e chapado sob aflitas sobrancelhas.

Naquela fração de segundos, o desexistir, o coração debaixo da língua para


travar as mais inúteis falas.

E minha Laika mira o infinito da janelinha do Sputnik. Voltará viva do espaço?


NÃO HÁ GPS PARA O AMOR, BABY *

1.Nem precisamos ir ao mar para ver o nosso amor morrer na praia naquele
derradeiro feriadão do ano. Nosso amor morreu na doutor Arnaldo, depois da
sala de velórios, na frente das bancas de flores, rosas vermelhas que
sustentam amores falidos, girassóis, gerânios, belos arranjos que fazem
milagres e livram os maridos culpados no engarrafamento.

Nosso amor morreu na correria para fugir de Sampaulândia, babilônicos


corações de fumaça a 10 km por hora, como os tílburis que conduziam os
Bentinhos e Capitus no século XIX do outro lado da via Dutra.

Nosso amor tinha pressa, largou o automóvel e saiu caminhando, melancólico,


entre motoboys e miragens, crepúsculo cubatanesco a escorrer do nariz, nosso
amor era um boi na frente dos carros, nosso amor era um atropelo e a gente
mal tinha tempo para fazer-lhe um dengo, um cafuné, uma cócega, um bilu-
bilu, nosso amor era um tomagushi, um bichinho virtual criado e nascido como
uma planta em São Paulo.

Minutos antes, nosso amor foi visto saindo do Paraíso e saltando na


Consolação, a linha do último metrô de todos os amores expressos. Aí nosso
amor, puto da vida, bebeu, cheirou cola, acendeu o cachimbo na Cracolândia,
perdeu os óculos, as lentes de contato, fez besteira na rua Augusta e quando
alcançou o vale do Anhangabaú já nadava na correnteza em cima de um sofá
velho cujo estofado denunciava lágrimas e esperas.

Nosso amor não conseguiu dormir direito nesse dia, zumbizou geral o malaco,
perdeu-se como Esperanza, a linda boliviana de Cochabamba, Penélope que
tece o interminável manto e nada espera nas fabriquetas de costuras do Bom
Retiro.

*re-remix de conto publicado este mês na revista Época São Paulo. Para ler a
versão impressa, cronicamente remixada e ampliada sobre o amor e a
repetição em SP, clique aqui, ó!
PÁGINA POLICIAL

a sangue frio

matou o amor

na Bienal do Vazio.

BATENDO MÓ BOLÃO

Recentes pesquisas revelaram um dado que sempre pareceu bastante


óbvio, mas precisava da aura científica para se eternizar: a quantidade de
testosterona produzida por um homem fanático aumenta quando o seu time do
coração é vitorioso, mesmo que seja contra o Íbis, considerado historicamente
como o pior time do mundo.

Ora, sendo a testosterona um hormônio ligado diretamente aos


estímulos sexuais, é claro que um homem de bem com o seu time será um
animal pelo menos 27,6% mais "animado" nos trapézios e bambuais do Kama-
Sutra.

O percentual acima representa a quantidade do hormônio produzida a


mais no corpo de um homem nos dias de vitórias do seu clube. A pesquisa foi
feita pela Universidade da Geórgia (EUA).

As mulheres devem tirar proveito desta “encuesta” e aprender com os


seus parceiros tudo que sempre quiseram saber sobre tiros de meta, meia
ofensivos, escanteios e, queira Deus, até mesmo os mistérios da lei do
impedimento _uma das coisas mais enigmáticas para as mulheres normais.

Mais um dado interessante da pesquisa, aterrorizante para quem torce


por times tipo "B", é o seguinte: nas seguidas derrotas, o "homo-fanaticus"
perde um tanto da sua capacidade de produzir hormônios (os mesmos 27,6%)
e apresenta-se inapetente para o amor ou o sexo propriamente dito.

Agora, as mulheres, que jamais compreenderam o banzo sartreano dos


machos derrotados no futebol, podem entender aqueles domingões tristes e
monossilábicos dos flamenguistas, corintianos, sãopaulinos, atelticanos.... para
ficar apenas nos clubes de mais populares.

O pior é que não adianta nada pedir para um sujeito mudar de time e
tornar-se mais vencedor. Mesmo com a promessa de 27,6% de testosterona-
plus, é mais fácil um homem-que-é-homem mudar de sexo do que de clube.

SERTÃO/BERLIM -UM ESTIRÃO NO DESERTO

No sertão do rio São Francisco, na confluência dos Estados da Bahia e


Pernambuco, terras de Santa Cruz, brasilis, está situado “Deserto Feliz”, lugar
que se não existisse precisaria ser inventado. Lá mora a menina Jéssica, uma
adolescente que vive com a mãe, Maria, manicure de madames da região, e
Biu, seu padrastro, funcionário de uma moderníssima vinícola. Nessa
encruzilhada, convivem a alta tecnologia e os signos mais arcaicos de um
Nordeste _ área dita como a mais pobre do país, como se pobreza fosse o que
imaginam os nobres sudestinos_ místico e de tradição agropastoril.

Na sofisticada Berlim, onde não se sabe da existência de tal deserto, Mark e


Christophe trabalham em uma empresa de softwares e componentes
eletrônicos. Curiosos sobre a música, o modo de vida e possíveis aventuras
com as mulheres do Brasil _informações compartilhadas via Internet_, a dupla
parte para os Tristes Trópicos.

No Recife, vulgo Hellcife, capital de Pernambuco, cruzam-se os destinos de


Jéssica e os alemães. Violentada sexualmente pelo padrasto, ela, menina
Jéssica, 14, havia fugido de casa. Como muitas garotas que vivem o mesmo
drama, no Nordeste brasileiro ou não, a saída que encontrou foi prostituir-se, o
mais antigo ramo da humanidade. Oferecida por cafetões da chamada
“indústria do turismo sexual”, a menina de “Deserto Feliz” cai nas graças de
Mark, que surge como um “príncipe encantado” e a leva para Berlim. A rota
sertão/Recife/Europa é uma rotina na vida real de tantas outras adolescentes
do Brasil.

Sim, a rota é óbvia, mas ,Jéssica terá ido por dinheiro ou afeto de verdade, o
primeiro carinho de sua vida, algo que daria um nó no juízo do menino Walter
Benjamin, o cara, aquele da Escola de Frankfurt?

Aparentemente alheio ao drama de Jéssica, “tentação” de quem se vê


existencialmente liberto, Biu segue sua rotina: o trabalho na vinícola, o futebol
e o hábito de caçar tatus com Mão-de-Véia. O envolvimento deste amigo com o
esquema de tráficos de animais silvestres, um grande negócio “for export” do
Brasil, leva os dois à prisão. Maria vê-se sozinha e ainda tem a casa saqueada
pelo advogado, que toma todos os seus bens em troca da liberdade do marido.

Na Alemanha, o sonho de Jéssica desmancha-se na incomunicabilidade e na


estranheza do novo lugar. É o que parece. Mal sabemos. É tudo decifra-me ou
te lasco ao meio feito maxixe em cruz. É o que parece. Mangas importadas do
seu “Deserto Feliz”, que despertaram a euforia da garota em um mercado de
Berlim, são os únicos traços em comum entre as duas terras. Sufocada pelas
diferenças culturais, Jéssica pede para voltar.

Como se amarrados pelo destino à dramática, mas quase silenciosa


convivência –aqui lembram o ritmo dos orientais, como os habitantes do
sertão_ Jéssica retorna ao seu mundo. Terá Jéssica ido a Alemanha de fato?
Ou tudo, na tela, não passará de um sonho de todos nós juntos? Decifra-me ou
a gente te rói feito faminto em caroço de manga-rosa.

Aposto que a vida é nada mais que um tatu num tambor, bichinho, agoniado
pela própria natureza que o circunda. O resto é coisa dos homens, um filme, do
qual, graças a Deus, tive a felicidade de assobiar umas coisinhas no roteiro, o
qual subscrevo com orgulho ao lado de Paulo Caldas (el director), Marcelo
Gomes (aquele do genial, genial mesmo, “Cinema, Aspirinas e Urubus”) e
Manoela Dias. Sim, a película se chama mesmo “Deserto Feliz”,
longametragem, e tá rolando em um cinema, talvez não muito perto de você,
fazer o quê se tudo em volta está deserto e tudo certo?

Se puder, amigo, amiga, será lindo que assistam. Perdão pela propaganda
deslavada, mas se a gente não diz, quem dirá por nós? Ainda mais numa coisa
difícil e cara feito o tal do cinema, ave, palavra!
UM HOMEM INVISÍVEL NA MULTIDÃO

Passa boi, passa boiada, e ninguém olha pra você. Ninguém reconhece,
ninguém fala, você não existe. Você é apenas uma mão esticada na multidão.
Uma mão rejeitada. Ponha lá a Gisele Bündchen e a Naomi Campbell e
ninguém reconhecerá as beldades. Ponha lá um Santoro, um di Caprio, e
nenhuma moça dará gritinhos umedecidos. Lá, nenhuma gazela pára o
comércio, nenhum astro incomoda o trânsito.

Distribuir panfletos ou santinhos nas ruas é atingir a invisibilidade total,


desintegrar-se, escafeder-se, tomar o chá de vidro da desimportância
generalizada. E o mais ingrato para esta mão amiga que vos procura foi não
ser notado por uma dadivosa cigana com a qual acabara de ter vivido um affair.
Se vocês, finas flores, reclamam da falta do telefonema do dia seguinte...
imaginem o silêncio dela, cortante como o frio gelado naquela manhã na
Paulista.

A fofa até pegou o panfleto que eu distribuía -"Rosa de Ogum, trago o seu
amor de volta em três dias"-, mas não viu meu rosto diluído na massa, não
disse sequer um "ola, que tal?!', um "oi" sem graça, um muxoxo, um zumbido
raivoso de abelha rainha. Fiquei a mascar o jiló do desprezo. Ela passou na
sua marcha elegante para os braços de um outro vagabundo qualquer.

Os amigos bons também nos desconhecem nessas ocasiões. Na mesma


esquina da Paulista com Augusta, passaram pelo menos seis camaradas, em
um intervalo de quatro horas, que nem ensaiaram um bom dia. Conhecidos às
pencas -daqueles que nos cumprimentam calorosamente na balada- também
desfilaram na passarela da rejeição.

Só me restava pedir à milagrosa Rosa de Ogum que trouxesse meu rosto de


volta. Eu sei, ele não é lá esses Marlon Brandos todos, mas é um rosto.
Carcomido pela maresia do tempo, mas um rosto. Madame Rosa de Ogum é o
remate de todos os males, resolve de tudo: "Se você está com problemas na
sua vida, desânimo, doenças, impotência sexual, dores de amores e corações
partidos, lares desmoronados, casamento em ruínas, falta de dinheiro, filhos
problemáticos, inimigos ocultos, falsos amigos..."

E será que o dinheiro compensa aqueles momentos de invisibilidade? Paga-se


entre R$ 10 e R$ 20 reais (casos raros) por dia para um distribuidor desses
papéis avulsos. Rosilene Gomes, 19, suburbano coração de fechar
camelódromo, acha uma moleza, serviço ótimo. "E nem preciso gastar batom,
pois ninguém vai se enxerir para mim mesmo", conversa, enquanto solta o seu
apelo _"Seja um detetive profissional -desperte a garra que existe em você".

O distribuidor de panfletos é um VIP às avessas, mas um VIP, donde a sigla


passa a significar "Very Invisible Person". E a condição não atinge apenas
essas criaturas. O psicólogo Fernando Braga da Costa viveu louca experiência
sobre o tema. Durante oito anos, enquanto estudava na USP, trabalhava um
período do dia como gari no campus universitário. Como aluno era celebrado
pelos colegas e professores, mas estes mesmos amigos não o avistavam ali
frente da faculdade de Psicologia com uma vassoura na mão. A sua história
deu tese de mestrado e o livro "Homens Invisíveis -relatos de uma humilhação
social" (editora Globo).

Ofendido e humilhado estou também eu, por causa da mulher que passou e
não me viu na Paulista. Liguei para a desalmada, que riu às pampas dessa
comédia. Na despedida, ouvi o pior que se pode ouvir de uma mulher: um
geladíssimo "a gente se vê".

AOS BICHOS COM AMOR

Os animais de estimação são mais importantes no amor do que supõe a nossa


vã filosofia.

Importantíssimos.

Já terminei romances em que fiquei com tanta saudade da ex quanto do seu


gato, cachorro e até dos ratos que roeram as nossas vestes do desejo.

Quando ainda morava no sertão, nos tempos pré-politicamente corretos, ficava


morrendo de amor pelos tatus criados em fundo de quintais ou tonéis, preás de
estimação, tejus, timbus, morrendo de amor pelos macacos e até pelos
papagaios, dá o pé, louro!

Também já ocorreu de conquistar mulheres, ou pelo menos consolidar boas


histórias amorosas, por demonstrar carinho e afeto com os bichanos. Como
sair de casa altas horas da madrugada para comprar a ração do felino. E de
quebra, trazer um patê especial para o danado.

Sim, o amor passa pelos bichos, eu acredito.

Uma mulher que afaga e trata bem o meu cachorro, meu corvo Edgar, meu
papagaio Florbé ou minha gata Margarida, marca pontos importantíssimos,
além de fazer o necessário, que é respeitar essas e inocentes e existencialistas
criaturas.

Claro que essa forma de ver o amado ou a amada nos seus animais de
estimação pode gerar também pequenos desastres. Uma amiga do Rio, por
exemplo, evitava as gracinhas do cão do seu ex sempre que ele aprontava.
Chegava a ser indelicada, grosseira, como se visse naquele labrador as
pisadas na bola do seu dono. Acontece. Afinal de contas os bichos ficam um
pouco, com o tempo, com os mesmos focinhos dos seus digníssimos
"proprietários".

Além de tudo isso, pelos animais que possui se conhece mais um pouco um
homem.

Sério.
O cara que cria um gato tem muito mais chance de ser um homem sensível,
embora até enfrente um certo preconceito entre os seus amigos, que insinuam
uma certa "veadagem", para usar o termo do qual abusamos nos nossos
encontros masculinos de futebol e boteco.

O homem que passeia orgulhosamente com o seu pitbull pode até não ser um
monstro, mas aquela focinheira já diz um pouco do seu dono, não? Não que o
cão tenha alguma culpa, ele está no mundo dele. O erro é de que o desloca e o
usa para exercícios de violência.

Mas voltemos aos gatos, esses metafísicos e misteriosos animais. Como eles
dizem tudo sobre o amor e sobre nós. O casal briga e eles incorporam o
barraco. O último que conheci a fundo, de uma ex-mulher, o qual ainda hoje
vejo o vulto branco e tenho saudades, quebrava tudo, virava os objetos da casa
pelo avesso, depois das nossas brigas.

Na harmonia e no amor intenso, lá estava ele, sempre aos nossos pés. Como
eles adoram ver e sentir os cheiros da hora do sexo. Eta bichanos voyeuristas.
Esse gato, especificamente, sempre se enroscava na cama depois das nossas
melhores noites. Dava uma passava como se para cumprimentar-nos pelo
afeto e pela performance. Era o seu "miau" de parabéns, como se dissesse, a
nos arranhar de leve, "estão vendo como o amor pode dar certo, seus
cachorros?!"

(Esta coluna é dedicada a DÉLI, corruptela de "delícia" ou "dilici", como na


língua falada do Brasil de cima, uma vira-lata que veio com o último dos
amores. Agora mesmo brinca com a tempestade na janela).

DE FLOZÔ NA JANELA DO MUNDO

Ele só quer saber do computador, queixa-se minha amiga Djanira, queixam-se


quase todas, as fofas e as ranzinzas, as cheinhas e as magricelas, as afilhadas
de Balzac e as novinhas cheirando a leite de cabra.

O queixume, a queixa realçada com o blush escandaloso do ciúme, toma conta


da humanidade, de NY à lan house da pracinha de Solidão, no semi-árido mais
caliente de Pernambuco.

Umas esperneiam, resmungam e blasfemam contra os céus e o destino; outras


ficam na delas, mas se roendo por dentro, deixando escorrer na pele a resina
negra das mágoas com datas de validade vencidas.

Não é regra, mas aqui e ali o tom é mais histérico na classe média, mas
também gritam as burguesas de palácios e algumas fêmeas de palafitas, de
Brasílias oficiais e Brasílias Teimosas, do Savassi à Cabana do Pai Tomás na
BH das Alterosas, de Conjuntos Cearás e de Aldeotas, a vida sempre será um
agonia batendo na porta, como um mendigo sujo que pede restos e sobras,
como em uma canção triste dos Beatles em uma madruga de fantasmas que
reviram fronhas e lençóis.
Ela só quer saber do computador, queixa-se Amaro, velho amigo, que caiu na
besteira de fuçar as gavetas internéticas da costela amada. Para quê, meu
Deus, não faz isso, Amaro, toma tento, esse menino!

Legítima Madame Bovary dos tempos digitais, a moça tem lá os seus


xenhenhéns platônicos -espero que não passe disso, bom Amaro- e deixou o
mancebo com o capinzinho da desconfiança entre os dentes perdido num
mundo sem porteira.

Na dramaturgia do olho-no-olho ou na mentira da distância on line, a vida teima


em castigar do mesmo jeito. Antes uma boa pulada de cerca virtual, meu amigo
Amaro e minha amiga Djanira, do que a velha mancha de batom na cueca.

Mal escuto as queixas acima, me chega um outro amigo, aqui batizado apenas
de J. para evitar o falatório público em Reriutaba, conhecida no Ceará como a
terra que mais exporta garçons para o universo.

J. não poderia ter outro ofício, claro, e me relata o ocorrido sob as suas telhas
depois que adquiriu para casa o primeiro computa. "Os meninos estavam
precisando para ajudar nos trabalhos da escola", diz, triste e macambúzio.

O Juninho, segundo o nosso amigo garçom, é um "crânio", domina o mundo


moderno, tira até o PIS do papai na página da Previdência, um demônio, já se
arrisca também no inglês, um orgulho.

O problema tem sido a caçula, a gazela, Carol, a menina, uma peste no Orkut,
ele pede clemência, com toda ingenuidade e machismo cozinhado na moleira
sob o sol dos trópicos sertanejos. O problema não é só esse, conta ainda, a
desgraça é que a mulher agora também deu para ficar de flozô na janela de Bill
Gates.

É amigo, o computador é uma maravilha moderna, mas já virou também o


eletrodoméstico paranóico dos lares doces lares, a nova máquina de realçar no
branco que lava mais branco o batom e as manchas do ciúme.

VOCÊ É O MEL

Composição: (Cole Porter ) Versão: Augusto de Campos Na voz do bardo


genial de Irará TOM ZÉ:

Meu dom poético é tão patético,


Que eu não sei mais falar
E já prefiro até me calar
Para não me abalar.
Não acho bom
Mostrar o meu som,
Vou ficar só no ABC.
Mas se a cantiga
É um pouco antiga,
Talvez lhe diga Como é você.

Você é
O Museu do Prado,
Você é
Meu supermercado;
É a melodia de uma sinfonia de Strauss,
É Copacabana,
Ode shakespeariana,
É Mickey Mouse;
Paraíso
Ou Torre de Pisa,
O sorriso Da Mona Lisa;
Sou um boy de banco, um cheque em branco, um réu,
Mas, meu bem, se eu sou o fel,
Você é o mel.

Você é
Men Mahatma Gandhi,
Você é
Um Napoleon Brandy;
Luz do sol que vai quando a noite cai na Espanha,
É uma boa ducha,

O cachê da Xuxa,

O melhor champanha;
É. um toque De Botticelli,
Hitchcock
Com Grace Kelly;
Sou só um galão do multifilão da Shell,
Mas, meu bem, se eu sou o fel,
Você é o mel.

Você é
O dry do Martini,
Você é Filme de Fellini;
É o novo som que nasceu de Tom jobim,
Gal, Caetano e Gil,
Oswald, "Pau Brasil",
É "Serafim";
Maradona
Driblando a zaga,
A sanfona
Do Luiz Gonzaga;
Sou só um Romeu que esqueceu o seu papel,
Mas, meu bem, se eu sou o fel,
Você é o mel.
Você é Minha Mata Hari,
Você é
LIFE de Pignatari;
É Noel que bisa em Vila Isabel,
E uma obra-prima,
É "Macunaíma",
É "Demoiselle";
Ezra Pound,
Gamelão de Bali,
É um round
Do Mohammed Ali;
Sou só uma bagana do havana do Fidel,
Mas, meu bem, se eu sou o fel,
Você é o mel.

FESTA DE FIRMA, AMIGO SECRETO DA REPARTIÇÃO...

Chegou dezembro, hora da festa na repartição, hora do amigo secreto, hora da


tertúlia na empresa, essas coisas.

Meninos e meninas, nos meus tantos anos de carteira assinada, já vi de tudo


em festa de firma. É um capítulo à parte da nossa existência sob o domínio das
365 folhinhas do calendário.

Tão importante quanto a Missa do Galo.

Quase um dia das Mães sem as nossas mães, ainda bem, ufa.

Um dia dos namorados sem namorado(a)s por perto. A menos que vocês
desrespeitem aquela verdade bíblica do pão e da carne _ onde se ganha o
primeiro, não se desfruta do segundo, amém.

Festa de firma. Tédio para uns, celebração dionisíaca para outros.

Fim de ano, aquela animação, aquele queijo coalhado no juízo, nervos à flor
da pele, a vida assim meio Roberto Carlos, meio Almodóvar, meio Nelson
Rodrigues, enfim, a vida simples, brega como ela é, a vida sem mistificação ou
assepsia, a vida que não lava as mãos à toa.

Alguém querendo bater no chefe que o humilhou o ano inteiro, alguém


querendo comer a gostosa do telemarketing _''vou estar te cantando para estar
te conquistando... blábláblá..."

O cenário certo, na graduação alcoólica certa, na boca-livre perfeita para um


elemento cometer alguma desgraça ou crime de primeira página, seis colunas,
manchete. Com direito a story-board.
Festa de firma.

Pequenas histórias acumuladas o ano inteiro. Alguém sempre jurado de morte.

Tanto no terreno amoroso como na violência física de fato, tentando tirar na


base da ignorância a mais-valia de uma vida inteira.

O acerto de contas.

Todo cuidado é pouco, caros bebedores amadores, com a festa da firma.

Sério.

A melhor cena que vi foi numa farra do "Notícias Populares", o glorioso e


sanguinolento "NP", de saudosa memória, que bateu as botas gutenberguianas
como os presuntos que exibia em suas páginas.

Imaginem uma linda e desgostosa (com o marido canalha!) secretária.

Pensaram?

Terceira caipirinha. De alguma fruta exótica. Mulher adora uma novidade.

Música, maestro.

Toca uma faixa capaz de fazer de uma madre superiora uma Madonna, capaz
de fazer de qualquer entrevado um Elvis, um Elvis em Acapulco cantando na
beira da piscina do Hilton Palace .

Toca algo assim como aquele "chabadabadá" da trilha de "Un Homme et Une
Femme", filme das antigas, "Um Homem, uma Mulher", de Claude Lelouch,
grande película.

Quarta caipirinha.

O chão é pouco para os passos da pecadora.

Ela sobe numa mesa.

Antes, beijara na boca, sem discriminação de classe, do diretor ao contínuo.


Eu, um reles cronista folhetinesco daquele diário, também locupletei-me, claro,
mas meio tímido, juro.

Quinta caipirinha.

A blusa não resistiu ao primeiro gole. O sutiã foi parar na cabeça do tiozionho
do arquivo.

Sexta caipirinha acompanhada de uma cerveja mexicana: foi-se quase tudo.


Belas saboneteiras, omoplatas geniais, observei.
Coube ao marido _a quem mais caberia?_, enquadrar a "vadia", como ele
berrava sem economizar nas exclamações! Chegou para apanhá-la e acabou
testemunhando o que não queria.

A festa acabou.

E agora, José, fica ai o alerta: não há inocentes em uma festa de firma. Numa
festa de firma, o mais tímido e sonso dos mortais dubla Carmem Miranda e
passa a mão na bunda do chefe, só pra quebrar a hierarquia pelo seu ponto
mais, digamos assim, inviolável.

SOBRE HOMENS & BUSÕES

Amigos e amigas, vai saber lá o porquê das somas completas dos


inconscientes, mas num encontro outro dia com Fred 04, no clube Clash, em
São Paulo, falamos de tudo, principalmente da importância ou da
desimportância do ônibus, o velho busao, o busão-blues de todas as esperas e
bacuraus perdidos madrugas adentro.

Até criamos, na utopia mais avexada, um movimento cuja milhagem é a


narrativa, o homem e a mulher em pé na parada. Pense. Tem gente que
gamou, casou e fez filhos a partir dessa hora, né? Mãozinhas dadas no mesmo
assento, zolhinhos gastos com a mesma paisagem a caminho de casa, ela
descendo e a gente, cavalheiros no último, beijando a mão e a recebendo na
rua, PRINCESA de todos os meios-fios e calçamentos!

Só vale na vida o que se conta de pé, o resto é alcova e fuleragem...


Fuleragem enquanto vingança do Nordeste, o melhor dos mundos, a nossa
sabedoria particular de rir no nirvana ou na desgraça, a nossa linda lição de
existência tão grande quanto a sabedoria de Nietszche.

Pense numa peleja, pense num clássico da filosofia a perder a neve ou a


miragem de Canindé de vista.

O que dizer, que balãozinho sobre nossas cabeças de eternos gibis e


quadrinhos?!

O que se diz nessa hora, amigo?

Já passou o CDU/Várzea?

E o Radial/CDU? Donde CDU vem a ser Cidade Universitária, sigla e destino


da minha amada e querida CEU, a residência da UFPE, donde habitei o quarto
101 com meus amigos de Carpina e outras zonas de matas e sertões afora.

A gente lá de pé cubando o movimento.

Pense num suspense.


Nada mais hitcockiano do que um ônibus dobrando uma esquina.

Pense numa espera!

Às vezes deitado e bêbado no cimento do Bar Savoy, sem um centavo no


bolso e com o azul desbotado sem poder sequer apertar a mão do poeta
Carlos Pena Filho, o maior simbolista brasileiro de todos os tempos, que já
havia partido desta noutra linha da mão e da vida.

Sorte era a generosidade 24 horas de Jaci Bezerra, Tarcísio 7 e Alberto da


Cunha Melo, que me tiravam da fome e ainda me davam o delírio da poesia e
da comida.

Jaci, 7 e Alberto, além de grandes por si mesmos, vixe, são os T.S. Eliots,
melhor, são os Walt Whitmans do meu estômago quente na chegada ao
Hellcife, linha Crato via Princesa do Agreste, salve salve, Deus inapalpável,
estes homens de carne, amor e osso.

Estes, entre outros, me revelaram a certeza do poema como sustância da


humanidade.

Assim aprendi sobre poesia e homens, mas, como eu ia falando, ja passou o


CDU/Várzea?

Pense numa espera de madrugas tantas. Pense até o pescoço entortar, pense
enquanto passa boi, passa boiada e nada pra Caxangá, miséria humana, vida
de gado, e quando dobrava da Madalena rumo ao Cordeiro o cheiro de galeto a
me encher de fome de tudo, como reza a poética de Jorge du Peixe, meu ídolo.

CDU/Várzea, o destino, era o que este cronista, eterno pedestre, graças a


Deus, indagava, ali dormindo no batente do cimento frio do bar Savoy, avenida
Guararapes, Recife, anos um, nove, oito, zero, 1.980.

Uma forma de contar a vida e a possível luta de classes por intermédio das
histórias aquém e além da catraca. Passa boi, passa boiada...

MODINHAS DE FÊMEA

Vocês viram qual a nova modinha entre as mulheres espanholas? Uma


romaria de madrilenas corre aos consultórios especializados para recuperar a
virgindade perdida. É a chamada himenoplastia. Pá-pum. Uma cirurgia
rapidíssima e lá esta a Iracema, com seus lábios de mel, como veio ao mundo,
virgem, virgem. Só dói no bolso: custa uma bagatela de 2 mil euros.

A loucura é tanta que as prostitutas já enxergaram na técnica uma mina de


pessetas. Deu no "El País": "M., prostituta de 25 anos, passou oito vezes pelo
consultório para comprar sua inocência fictícia. Oito homens pagaram 6 mil
euros cada um para ser o primeiro. Ela ganhou 48 mil. A cirurgiã que a operou
conta que existem ofertas de virgens, leilões realizados em despedidas de
solteiro nas quais o melhor licitante deflora a garota".

Mas esse é um caso raro, relata a reportagem. O mais comum são


muçulmanas e ciganas, entre 20 e 25 anos, prestes a se casar, com medo que
seus maridos as abandonem ou castiguem por causa dos seus passados. Isso
é que é machismo, não aquelas besteirinhas que vocês sempre reclamam, pois
pois!

COM OU SEM FUNDO DE GARANTIA

-O que dói mais, amigo, uma demissão ou um pé-na-bunda?

Reflita comigo!

O pé-na-bunda não tem sequer fundo de garantia, você diria; uma demissão
põe em risco a integridade, o padrão de vida, a auto-estima, argumentaria o
advogado mais ligado às coisas materiais. E por ai segue a peleja, o debate.

De tantos congas, bambas, kichutes e chiques sandalinhas pradas no


traseiro, havia me feito a tal pergunta em um libreto, do gênero idílio, que
escrevi com o nome de "Um cão-vadio aos pés de uma mulher-abismo"
(editora fina flor, SP,2003).

Agora quem trata com mais fineza e competência o mesmo mote


universalíssimo, em uma matéria da revista da Livraria da Vila, é o amigo
Marcelo Rubens Paiva, que acaba de publicar um ótimo livro sobre o tema,
mira só o belíssimo nome do volume, chica:"A Segunda Vez que Te conheci"
(ed.Objetiva).

-O que mais afeta um homem? Perder o emprego ou perder a mulher? -


indagou a repórter.

Marcelo, cabra bueno, disse: "É um páreo duro, mas acho que é perder a
mulher. O homem pensa que o que afeta mais é perder o emprego; mas ele se
corrói mais por dentro, com a tristeza e a frustração de ter o casamento
terminado, de perder a esperança no casamento. Porque todo mundo acha que
o casamento é para sempre, que vai envelhecer com a pessoa, ter filhos,
netos, casa na praia e que será uma parceria eterna, no entanto se descobre
que não e não será assim, a tristeza é mais corrosiva. Perder o emprego é uma
coisa chata, mas depois de arruma outro."

Ora, quando escrevi meu livrinho que tratava liricamente sobre o tema, ainda
tinha a última das minhas azuladas carteiras assinadas e não vivíamos a
clandestinidade de hoje, quando voltamos, em termos de conquistas aos anos
pré-Getúlio, mas o que fazer, velho Lênin, se o pé na bunda é o de sempre
desde Cleópatra?
Donde fecho com o Paiva: perder a mulher é sempre um "sifu" a mais, para
resgatar um termo que falamos nas ruas desde os anos 70, termo
popularíssimo, o mesmo que causou estranheza dos puritianos da moral e dos
bons costumes ao ser pronunciado por sua Excelência o Presidente da
República.

Um pé-na-bunda para um homem, amigo, mesmo quando fazemos por onde,


mesmo quando a causa já é perdida, é um inferno. Eita irrecuperável ego de
macho!

Sim, Paiva, o amor acaba, como na mais linda crônica sobre o assunto de
todos os tempos, aquela homônima de Paulo Mendes Campos, que vamos
morrer repetindo, amando e correndo, com todos os gerúndios, para os braços
da próxima que nos vai carimbar o traseiro de novo: "O amor acaba. Numa
esquina, por exemplo, num domingo de lua nova, depois de teatro e silêncio;
acaba em cafés engordurados, diferentes dos parques de ouro onde começou
a pulsar; de repente, ao meio do cigarro que ele atira de raiva contra um
automóvel ou que ela esmaga no cinzeiro repleto, polvilhando de cinzas o
escarlate das unhas; na acidez da aurora tropical, depois duma noite votada à
alegria póstuma, que não veio; e acaba o amor no desenlace das mãos no
cinema, como tentáculos saciados, e elas se movimentam no escuro como dois
polvos de solidão; como se as mãos soubessem antes que o amor tinha
acabado..."

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