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PRINCIPIOS CONSTITUCIONAIS DO DIREITO AGRARIO

Introdução:

Definida a questão agrária, investigo os princípios que operam na atual Constituição.

Princípios constitucionais:

A Constituição Federal vigente como constituição-programa representou um


amadurecimento da legislação nacional face aos direitos fundamentais e recebeu o
epíteto de Constituição Cidadã quando de sua promulgação. Não há dúvida ser a
Constituição Federal a principal fonte do direito agrário brasileiro. Dela se extrai o
objeto, os princípios e os principais institutos da disciplina.

Não se confunda os princípios constitucionais de Direito agrário com o conteúdo


normativo da questão agrária. Enquanto este se restringe fundamentalmente de modo a
alargar sua abrangência, aqueles se alargam para poderem restringir seu objeto, por isso
que “os princípios de Direito agrário podem ser encontrados não somente do Capítulo
III, [...] da Constituição Federal vigente, mas sim, e isto decorre da complexidade da
matéria agrária, espalhados no texto constitucional”.

Da leitura do texto constitucional resta evidente a garantia à inviolabilidade do direito à


propriedade e do próprio direito de propriedade atendida a função social. Ademais,
tanto a propriedade quanto a função social são princípios da ordem econômica. Isso
significa que o regime econômico adotado pelo país é o capitalista, mas que o Estado
não adota a posição não-intervencionista característica dos Estados liberais. Para o
Direito agrário isso é de suma importância, pois é a intervenção estatal que possibilita a
política de reforma, visto ser o Estado detentor do monopólio sobre o uso da força.

Marques identifica como princípios de direito agrário:

1.º) o monopólio legislativo da União (art. 22, I, CF); 2.º) a utilização


da terra se sobrepõe à titulação dominial; 3.º) a propriedade da terra é
garantida, mas condicionada ao cumprimento da função social; 4.º) o
Direito Agrário é dicotômico: compreende política de reforma
(Reforma Agrária) e política de desenvolvimento (Política Agrícola);
5.º) as normas jurídicas primam pela prevalência do interesse público
sobre o individual; 6.º) a reformulação da estrutura fundiária é uma
necessidade constante; 7.º) o fortalecimento do espírito comunitário,
através de cooperativas e associações; 8.º) o combate ao latifúndio, ao
minifúndio, ao êxodo rural, à exploração predatória e aos mercenários
da terra; 9.º) a privatização dos imóveis rurais públicos; 10.º) a
proteção à propriedade familiar, à pequena e à média propriedade;
11.º) o fortalecimento da empresa agrária; 12.º) a proteção da
propriedade consorcial indígena; 13.º) o dimensionamento eficaz das
áreas exploráveis; 14.º) a proteção ao trabalhador rural; e 15.º) a
conservação e preservação dos recursos naturais e a proteção do meio-
ambiente.

Tais princípios abrangem com eficácia o norteamento do direito agrário, todavia, não
são exclusivamente constitucionais. Oliveira identificou e registrou onze princípios
constitucionais de Direito agrário, sendo tais os princípios:

a) da função social na propriedade rural:

O princípio constitucional da função social da propriedade rural é,


sem oscilação alguma, o vértice do Direito agrário, pois, com a sua
expressa inserção reiterada no texto da Constituição Federal, dá-se a
flexibilização do direito de propriedade privada, onde o seu
reconhecimento em favor do proprietário passa a estar subordinado à
satisfação do interesse coletivo na sua boa e útil exploração. [...] A
violação dos direitos do trabalhador rural é vista como uma violação
da própria função social da propriedade. [...] Em decorrência desse
princípio, a proteção possessória só pode ser deferida ao proprietário
ou possuidor, este seja autor ou réu, se comprovado o atendimento dos
requisitos da função social da propriedade;

b) da preservação do meio ambiente:

A preservação do meio ambiente, embora requisito do próprio


cumprimento da função social, erige-se em princípio autônomo,
considerando a natureza da atividade agrária, sempre muito
impactante, a exigir a efetivação da determinação constante do
Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama 001/86);

c) da desapropriação para fins de reforma agrária como aspecto positivo da intervenção


do Estado:

Como aspecto positivo da intervenção do Estado na propriedade


privada, temos como princípio constitucional de Direito agrário a
desapropriação para fins de reforma agrária. Nessa hipótese, se o
imóvel for improdutivo ou não estiver cumprindo sua função social,
ou ainda, mesmo sendo produtivo, não estiver cumprindo os requisitos
do art. 186, incs. I a IV, deve ser desapropriado para que se possa
condicionar a exploração da terra á satisfação do interesse da
coletividade, especialmente por meio de assentamentos de
trabalhadores rurais. [...] A desapropriação de imóveis para fins de
reforma agrária pode incidir também em casos de imóveis rurais
arrendados, pois, se a conduta do arrendatário é infringente dos
postulados da função social, o proprietário deve arcar com ônus em
função da culpa in eligendo ou in vigilando;

d) da vedação da desapropriação do imóvel rural produtivo e da pequena e da média


propriedade rural:

Como aspecto negativo da intervenção do Estado na propriedade


privada, temos a conduta de abstenção consubstanciada no princípio
da vedação da desapropriação do imóvel rural produtivo e da pequena
e da média propriedade rural, extraído do art. 185, incs. I e II, da
Constituição Federal. Não obstante, o imóvel produtivo pode ser
objeto de desapropriação caso não esteja cumprindo com sua função
social, pois da tensão entre o disposto neste artigo em confronto com
os arts. 184 e 186, incs I a IV, chega-se a essa interpretação. Por outro
lado, a pequena e a média propriedade não podem, em hipótese
alguma, ser desapropriadas, desde que seu proprietário não possua
outra;

e) da impenhorabilidade da pequena propriedade rural:


O princípio da impenhorabilidade do imóvel rural está previsto de
forma específica no art. 5º, XXVI, da Constituição Federal. Deve-se,
para a aplicação do referido dispositivo, editar-se lei específica que
defina o que vem a ser pequena propriedade rural para esta finalidade.
Não obstante, enquanto não for definida a área que não poderá se
objeto de penhora, o parâmetro a ser adotado é o do conceito de
propriedade familiar previsto no Estatuto da Terra;

f) da privatização das terras públicas:

A privatização das terras públicas é princípio constitucional que deflui


do art. 188, §§ 1º e 2º da Constituição Federal, e está a sinalizar que o
Pode Público deve concentrar seus esforços na destinação de suas
terras devolutas para fins de reforma agrária, pois o custo ao erário,
nessas hipóteses, é bem inferior ao da expropriação de terras
particulares para a mesma finalidade;

g) da segurança na atividade agrária:

Com especial destaque, surge o princípio da segurança na atividade


agrária, extraído do art. 187, incs. I, II, e V, o qual direciona a conduta
estatal no sentido de oferecer o mínimo de garantia para o exercício da
atividade agrária, sempre sujeita à influência de fatores da natureza
que podem eventualmente comprometer o seu resultado e com isso
levar à ruína do agropecuarista;

h) do aumento da produtividade:

O aumento da produtividade é princípio constitucional, presente nos


incs. III, IV, VI e VII do art. 187, da Constituição Federal, e
recomenda a adoção de medidas que resultem em investimentos mais
robustos na pesquisa de novas tecnologias para dar solução a
problemas da agricultura e pecuária, tais como a incidência de pragas
e outros fenômenos naturais que comprometem a qualidade e a
quantidade dos produtos;

i) do estímulo ao cooperativismo:
O princípio do estímulo ao cooperativismo agrário está entrelaçado
com o do aumento da produtividade, e é decorrente de diversas
disposições constantes do texto constitucional (arts. 5º, incs. XVIII,
XIX, XX e XXI, 146, inc. III, alínea “c”, 174 e 187, inc. VI) que
denotam a preocupação do legislador constituinte em propiciar essa
extraordinária forma de organização atividade econômica. [...] O
cooperativismo deve ser a estratégia tônica do Poder Público
especialmente em projetos de assentamentos, pois resulta em aumento
qualitativo e quantitativo da produção agropecuária, bem como na
própria eficiência da atividade agrária;

j) da melhoria da qualidade de vida no campo:

O princípio da melhoria da qualidade de vida no campo é presente


implicitamente em praticamente todas as regras constitucionais que
versam sobre a matéria agrária, mas a que mais denota sua presença é
a prevista no art. 187, inc. VIII, onde está antevisto que a habitação
para o trabalhador rural deve ser uma preocupação na formulação da
política agrícola. Isso é uma das providências cujo escopo é fixar o
homem no campo e até mesmo contribuir para o movimento
migratório da cidade para o campo, o êxodo urbano;

k) da primazia da atividade agrária frente ao direito de propriedade:

Por fim, o princípio da primazia da atividade agrária em face do


direito de propriedade, o qual não é só manifestado na previsão da
desapropriação para fins de reforma agrária, mas sim, também pela
previsão do usucapião constitucional pro labore no art. 191, caput, da
Constituição Federal.

Os preceitos sociais da questão agrária coadunam-se aos princípios constitucionais do


direito agrário. Com efeito, os aduzidos princípios integram-se à questão agrária,
fazendo parte de seu bojo. Veja-se que a problemática da questão agrária encontra seu
desiderato na principiologia aqui apresentada.

Conclusão:
Percebe-se a preocupação do constituinte em buscar a emancipação do campesino e o
desenvolvimento agrário. O princípio da função social, que encabeça a luta do Direito
agrário, mostra-se completo por contemplar tanto a saúde do imóvel, quanto dos
proprietários, vizinhos, trabalhadores, meio ambiente e toda a sociedade. Também, o
incentivo ao aumento da produtividade e às práticas cooperativistas, bem como a busca
da melhor qualidade de vida no campo, e demais princípios, mostram-se perfeitamente
cabíveis à solução da questão agrária, conquanto possibilitem a integralização de
indivíduos à estrutura agrária.

Observação: Este texto é o item 3.1. da monografia apresentada como trabalho de


conclusão de curso de minha graduação em Direito. A íntegra do trabalho encontra-se
nos arquivos da Universidade de Itaúna.

Bibliografia:

MARQUES, Benedito Ferreira. Direito agrário brasileiro. 6. ed. rev. atual. e amp.
OLIVEIRA, Umberto Machado de. Princípios de direito agrário na Constituição
vigente.

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