Você está na página 1de 67

DIÁLOGOS TEMÁTICOS 4

HISTÓRIA DA MATEMÁTICA

1
2
SENSOS NUMÉRICO & GEOMÉTRICO

Manoel de Campos Almeida


PUCPR
manoel@pucpr.br

Resumo: Humanos possuem uma aptidão inata para lidar com numerosidades: o senso numérico, que
compartilham com outras espécies. Possivelmente também têm outra competência inata capaz de lidar com
relações espaciais, o senso geométrico. Este trabalho resume as pesquisas sobre a neurofisiologia destes
sensos.

Palavras-chave: História da Matemática. Educação Matemática. Senso Numérico.

Abstract: Humans have a inborn ability to deal with numerosities: the number sense, that share with others
species. Possibly also have another inborn ability to deal with spatial relations, the geometric sense. This
work review the researches about the neurophysiology of the these senses.

Keywords: History of Mathematics. Mathematics Education. Number Sense.

Objetos matemáticos
O homem primitivo, ao se defrontar com noções primordiais como número, grandeza e forma,
constatou que elas podiam estar relacionadas mais com contrastes do que com semelhanças: a diferença
entre uma ovelha e muitas, a desigualdade de tamanho entre um elefante e um rato e a dessemelhança
entre a forma redonda da lua e a retilínea de um bambu. Os próprios contrastes pareciam indicar
semelhanças: a diferença entre uma hiena e muitas, entre uma ovelha e um rebanho, entre um árvore e
uma floresta, sugerem que uma hiena, uma ovelha e uma árvore têm algo em comum: sua unicidade. O
reconhecimento da distinção entre um e muitos originou a diferenciação entre singular e plural nas línguas.
O passo seguinte foi a percepção de uma propriedade abstrata que certos grupos têm em comum e que nós
denominamos de número. Paulatinamente, o homem reconheceu a existência de analogias; dessa
percepção crescente de semelhanças em número e forma brotou a ciência e a matemática.
Números e formas (tais como linhas retas, curvas, superfícies, volumes, esferas, cubos, etc.) são
denominados de entes ou objetos matemáticos: o problema de sua natureza, se existem de modo
independente do cérebro do homem, que então os descobre, ou se são apenas produto de sua atividade
neuronal, que conseqüentemente os constrói, é tema central de investigação, desde a antiguidade grega,
tanto da matemática como da ciência em geral.
As teorias sobre o problema mente-corpo podem ser divididas em duas categorias: as dualistas e as
materialistas. Dualismo é uma filosofia acerca da mente que considera a mente como uma substância não
física. Divide o que há no mundo em duas categorias: a mental e a física. O principal problema com o
dualismo é que não consegue explicar a interação causal entre o mental e o físico.
Já nas materialistas o mental não é distinto do físico, ou seja, todos os estados mentais (incluindo
aqui os objetos matemáticos), são idênticos a estados físicos. Reduzem o nível mental ao físico, daí serem

3
denominadas de teorias reducionistas. Entre essas destacamos as neuronalistas, impulsionadas a partir de
1980 principalmente por Jean Pierre Changeux e Stanilas Dehaene.
Changeux (1985, p.144) assim resume suas concepções:
“O objeto mental é identificado com o estado físico criado pela entrada em ação (elétrica e química),
correlacionada e transitória, de uma grande população ou “reunião” de neurônios distribuídos por diversas
áreas corticais bem definidas. Este conjunto, que matematicamente se descreve por um grafo (mapa), é
“descontínuo”, fechado e autônomo mas não homogêneo. É constituído por neurônios que apresentam
diferentes peculiaridades adquiridas durante o desenvolvimento embrionário e pós-natal. O bilhete de
identidade da representação é inicialmente determinado pelo “mosaico)” (grafo) de peculiaridades e pelo
estado de atividade (número, freqüência dos impulsos ).”
Como os objetos matemáticos corresponderiam assim a estados físicos do cérebro, seria possível
visualizá-los externamente mediante técnicas de neuroimagem, como tomografia computadorizada (CT),
ressonância magnética (MR), tomografia por emissão de pósitrons (PET) ou ressonância magnética
funcional (fMRI). Com o crescente incremento na resolução dessas técnicas, elas hodiernamente vêm se
tornando os principais instrumentos na pesquisa de como os objetos matemáticos são produzidos no
cérebro.
Senso numérico
Brouwer, fundador do intuicionismo, asseverava que a matemática é uma atividade humana, que se
origina e se desenvolve na mente humana, inexistindo fora dela, sendo independente do mundo real. A
mente reconheceria certas intuições básicas, claras, distintas de intuições sensíveis ou empíricas, mas
certezas imediatas acerca de alguns conceitos de matemática. Concebia o pensamento matemático como
um processo de construção mental que edifica seu próprio universo. De certa forma, pode-se considerar o
intuicionismo como precursor de teorias materialistas como o neuronalismo, desde que associemos a
atividade mental humana com a atividade neuronal. Caberia, então, indagar sobre as características dessas
intuições matemáticas básicas: quais seriam inatas, logo transmitidas filogeneticamente, através do
processo evolucionário, quais seriam adquiridas e quais seriam desenvolvidas ou construídas pela mente.
Entre essas intuições inatas o senso numérico ou numerosidade vem presentemente recebendo
especial atenção por parte dos pesquisadores. Essa intuição, ou faculdade, permite, segundo Dantzig, ao
observador reconhecer que algo mudou em uma pequena coleção quando, sem seu conhecimento direto,
um objeto foi adicionado ou retirado à coleção. É, portanto, uma propriedade de um estímulo que é definida
pelo número de elementos discrimináveis que contém.
Faz parte do que nos permitiremos denominar de matemática animal, ou seja, de conceitos
matemáticos comuns à algumas espécies do reino animal. Entre essas, que compartilham o senso numérico
com o homem, citamos os insetos (vespas); aves (pombos, corvos, papagaios, periquitos, gralhas);
primatas, como os prossímios (lêmures) e antropóides (rhesus, chipanzé); ratos; golfinhos e mesmo
salamandras. O senso numérico é, conseqüentemente, independente da linguagem e possui uma longa
história evolucionária.
Somente nos últimos trinta anos a competência numérica dos bebês recém-nascidos humanos tem
sido examinada empiricamente. Até recentemente a visão construtivista de Piaget, elaborada há uns
sessenta anos, dominava esse campo. Ela afirmava que as habilidades matemáticas e lógicas são
progressivamente construídas nas mentes dos bebês, pela observação, internação e abstração de
regularidades do mundo exterior. Ao nascer o seu cérebro é uma página em branco, vazia de qualquer

4
conhecimento conceitual. O conceito de número, para Piaget, deveria ser construído no curso de suas
interações sensoriomotoras com o ambiente. Crianças nasceriam, então, sem qualquer idéia preconcebida
sobre a aritmética.
As primeiras experiências que mostraram que bebês com seis meses de idade já mostravam
competência para empregar certos aspectos do conceito de número, muito antes de que tivessem qualquer
oportunidade de abstrai-lo do ambiente, contrariando assim Piaget, foram realizadas em 1980 na
Universidade da Pensilvânia, por Starkey e Cooper. Mostraram que bebês entre 16 e 30 semanas de vida
são capazes de discriminar numerosidades 2 e 3. Posteriormente, Antell e Keating, da Universidade de
Maryland, evidenciaram que mesmo recém-nascidos podem discriminar números 2 e 3 poucos dias após o
seu parto. Em 1992 Karen Wynn publicou na revista Nature um artigo sobre adições e subtrações simples
realizadas por bebês com quatro e cinco meses de idade. Demonstrou que bebês sabem que 1+1 perfaz
não 1 ou 3, mas exatamente 2.
Cabe ressalvar, contudo, que embora as habilidades numéricas de crianças de tenra idade sejam
reais, elas estão limitadas à aritmética mais elementar. Sua habilidade para cálculo não parece se estender
para além dos números 1,2,3 e talvez 4. Sempre que experimentos envolvem 2 ou 3 objetos, elas podem
discriminá-los, porém, somente ocasionalmente revelaram-se capazes de diferenciar 3 do 4. Nunca um
grupo de bebês com menos de um ano de idade distinguiu 4 pontos de 5 ou mesmo de 6. Sua competência,
nesse domínio, pode talvez ser inferior a do chipanzé adulto, cuja capacidade se mostrou acima do acaso
mesmo quando tem de escolher entre seis contra sete chocolates.
Chipanzés possuem igualmente senso numérico, semelhante ao do homem (cf. Dehaene, 1997).
Além disso, Woodruff e Premack, da Universidade da Pensilvânia, mostraram, em 1981, que eles conhecem
frações simples e também são capazes de efetuar operações aritméticas com elas, demonstrando assim
uma noção intuitiva de como essas frações podem se combinar. Esses animais sabem que um quarto de
uma torta está para a torta inteira assim como um quarto de litro de leite está para um litro inteiro.
Outra linha de pesquisa questiona se crianças e primatas não-humanos têm uma compreensão inata
da ordenação, ou seja, que 2>1, 3>2, 4>3 e assim por diante. É uma questão relevante, pois junto da
habilidade de representar relações operacionais entre pequenas numerosidades (1+1=2, 2-1=1, etc.),
animais deveriam ter também uma competência para compreender a “ordem” segundo a qual elas estão
organizadas.
Em etologia, teorias de otimização de forrageação ou coleta predizem que animais “procuram por
mais”, isto é, desenvolvem estratégias para forragear ou coletar que maximizem seu ganho líquido de
energia quando nessa atividade (i.e., o ganho de energia excede a sua perda nessa atividade).
Feigenson em 2002 organizou um experimento com dois grupos de crianças com 10 e 12 meses de
idade, onde eram-lhes mostrados dois recipientes que continham números diferentes de guloseimas, a
saber 1x2, 2x3, 3x4 e 3x6. Os bebês eram colocados a um metro de distância dos recipientes e então
liberados pela mãe para escolherem um recipiente. O resultado foi de que ambos os grupos de idade
escolhiam o recipiente de maior numerosidade quando 1x2 e 2x3 eram confrontados, mas não quando 3x4.
Desse modo determinaram que crianças de tenra idade já estabelecem uma relação ordinal entre duas
numerosidades, procurando pelo recipiente que continha “mais”.
Hauser em 2000 realizou o mesmo experimento com macacos rhesus. Manipulou também condições
onde dois recipientes contendo números diferentes de guloseimas eram confrontados, nos quais
1x2;2x3;3x4;3x5;4x5;4x6;4x8;3x8 unidades foram cotejadas. Os macacos escolheram o recipiente com

5
maior número nos testes onde 1x2;2x3;3x4;3x5 unidades foram apresentadas, mas não nos casos
4x5;4x6;4x8;3x8. Os resultados mostraram que os macacos apresentam uma habilidade espontânea de
ordenação de pequenas numerosidades muito similar à das crianças recém-nascidas. Isso patenteia uma
limitada capacidade de ordenação, de “procurar por mais”, que poderia eventualmente ser apenas uma
característica dos primatas, talvez não compartilhada por outras espécies.
Porém, em 2003 Uller e outros mostraram que salamandras, anfíbios distantes na linha evolucionária
dos primatas, também compartilham dessa aptidão. Apresentaram a esses anfíbios dois tubos contendo
números diferentes de drosófilas, moscas de frutas, guloseimas apetitosas para essa espécie. Elas foram
capazes de escolher a maior entre duas numerosidades quando se confrontaram 1x2 e 2x3 drosófilas, mas
não nos testes onde se comparou 3x4 e 4x6. Como no caso dos macacos e dos bebês, a salamandras
também têm uma limitada capacidade de ordenação, de “procurar por mais”. Isso indica que essa
capacidade pode ser mais disseminada no reino animal do que se supunha anteriormente.
Resta, porém, buscar a explicação da natureza, do mecanismo dessas intuições ou sensos. O
primeiro a estudar o impacto da atividade aritmética sobre o cérebro humano foi William G. Lennox que, em
1931, estudou o efeito da circulação cerebral no trabalho mental. No rastro dos trabalhos de Lennox, vários
estudos mostraram que o cérebro é consumidor voraz de energia, absorvendo sozinho quase um quarto da
energia total gasta pelo corpo inteiro. Sokoloff foi o pioneiro em mostrar a relação entre a circulação
cerebral, o metabolismo local e a atividade das áreas cerebrais. Os mecanismos de regulação do fluxo
sangüíneo têm sido explorados pela ciência nos último vinte anos com o intuito de mostrar quais regiões do
cérebro estão ativas durante as várias atividades mentais.
Embora as primeiras neuroimagens do cérebro humano ativo datem de 1970, somente em 1985
Roland e Friberg publicaram as primeiras imagens da atividade cerebral durante cálculos mentais. Seus
estudos evidenciaram que sujeitos efetuando subtrações repetidas demonstraram ativações bilaterais no
córtex parietal inferior do cérebro, bem como em múltiplas regiões do córtex prefrontal. Na seqüência,
Dehaene (1997) estudou como a atividade cerebral varia durante experimentos de comparação e
multiplicação de números. Igualmente evidenciou-se que várias regiões do cérebro estavam ativas durante
a comparação e multiplicação de números. Apontou-se o córtex parietal inferior como crucial para o senso
quantitativo de número. Durante a multiplicação, a atividade cerebral era mais intensa no hemisfério
esquerdo, que governa a linguagem, mas durante a comparação, estava igualmente distribuída nos dois
hemisférios ou mesmo se verificava no direito. Isso está em concordância com a observação de que a
multiplicação, mas não a comparação, em parte depende das habilidades lingüísticas do hemisfério
esquerdo. Uma outra área subcortical, o núcleo lenticular esquerdo, também estava mais ativa durante a
multiplicação do que durante a comparação.
Estudos mais recentes, melhorando a resolução, procuram delimitar essas áreas do cérebro,
buscando identificar com mais precisão as áreas envolvidas nas capacidades numéricas. Nieder e Miller
(2004), realizaram estudos com macacos rhesus, que parecem indicar que a informação sobre
numerosidade flui do córtex posterior parietal para o córtex lateral parietal posterior. Também determinaram
que o fundo do sulco intra parietal contém expressivo número de neurônios cuja atividade está envolvida
com o processamento de numerosidade.
Essa é, hoje, a melhor indicação que a ciência possui para o locus da numerosidade. Os estudos
neurofisiológicos mais recentes confirmam, portanto, que humanos e macacos possuem mecanismos
similares no processamento de números.

6
Senso geométrico
O senso numérico seria a intuição básica para o conceito de número, para a aritmética, porém cabe
indagar se existiria um senso ou faculdade inato, responsável pelas intuições básicas da geometria, um
senso geométrico?
Kant distinguiu dois tipos de conhecimento humano a priori : o analítico, que sabemos ser verdadeiro
pela análise lógica, e o sintético, representado por nossas intuições de tempo e espaço. Nosso
conhecimento de tempo seria sistematizado na aritmética, que se baseia na intuição de sucessão, e o
nosso conhecimento do espaço seria sistematizado na geometria. Para Kant nossos sentidos não podem
fazer seu trabalho sem ordenar suas percepções na estrutura de espaço e tempo.
Nosso conhecimento sobre o mundo externo depende principalmente das informações obtidas pela
visão. Existem diferentes trajetórias neurais para o processamento de informações visuais sobre os objetos,
tais como: forma, movimento, cor e profundidade.
Vários autores, como Gombrich, Bednarik, Halverson, Latto e Hudson, enfatizaram que os motivos
primitivos, especialmente as formas geométricas, são esteticamente interessantes não apenas porque
refletem características do mundo, mas sim porque estimulam propriedades do sistema visual humano.
Em 1980 HUBEL e WIESEL descobriram que células do córtex visual primário são organizadas para
responder à orientações específicas de uma linha, e que a percepção de formas pode ser fabricada pela
agregação de características selecionadas. Descreveram como o córtex pode funcionar como um estágio
primário na análise da orientação de linhas, e como é um aspecto importante do processamento da
informação visual, que se efetua por meio de uma hierarquia de células simples, complexas e
hipercomplexas, através das quais a natureza da informação acerca da linha pode se tornar cada vez mais
abstrata.
BARLOW propôs a teoria da detecção de características, pela qual as células corticais, que formam o
nível inferior de uma hierarquia de células, respondem progressivamente às características geométricas
cada vez mais abstratas das formas. Dessa maneira, células dos mais baixos níveis responderiam às linhas
mais primitivas, enquanto que as dos níveis mais altos responderiam à características geométricas simples
dessas linhas, como ângulos, paralelismo e perpendicularismo e, na seqüência, pelas combinações de
atividades de células complexas e hipercomplexas particulares, surgiria a percepção de formas geométricas
mais elaboradas, como retângulos, losangos e círculos, e assim por diante, até a percepção de figuras
representacionais, que envolveriam centros de alta ordem do córtex cerebral e do cérebro.
Presentemente essa teoria está superada, pois várias pesquisas mais recentes demonstraram que o
processamento visual é muito mais complicado do que se supunha. O processo todo é ainda desconhecido,
embora se conheçam algumas pistas sobre o mesmo.
O olho humano capta a forma dos objetos e imprime na retina uma imagem bidimensional (2D) dos
mesmos, registrando basicamente seus contornos. O mecanismo neural de como o cérebro reconstrói uma
realidade tridimensional (3D) a partir dessa imagem 2D tem fascinado os cientistas. Muita pesquisa tem se
focado na estereopse, onde se procura inferir a sensação de profundidade com base em pequenas
disparidades de imagem entre os olhos direito e esquerdo.
Todavia, mesmo sem estereopse pode-se obter uma vívida sensação de profundidade, que depende
de outras pistas como sombras, perspectivas, texturas, gradiente e paralaxe de movimento.

7
Kourtzi e outros (2003), empregando fMRI, mostraram que a sub-região posterior do complexo lateral
occipital (CLO), uma área envolvida na análise da forma visual, pode processar características 2D de
objetos independentemente de transformações de imagem (pequenas rotações ou curvaturas), enquanto
que a região anterior do mesmo complexo pode representar a forma 3D de objetos e sua posição em
profundidade em cenas visuais. É possível, assim, que populações de neurônios no CLO posterior mediem
a análise de formas baseadas em propriedades de imagens 2D, enquanto que populações de neurônios no
CLO anterior mediem o reconhecimento de objetos baseados em representações 3D um tanto abstratas.
Essas representações 3D algo abstratas, uma espécie de senso geométrico inato rudimentar, podem
desempenhar um papel importante quando necessitamos interpretar rapidamente cenas complexas ou
reconhecer objetos independentemente de mudanças nas suas imagens.
Porém, ressaltamos novamente, o processo inteiro ainda é desconhecido, muito do qual resta ser
determinado. É possível, todavia, dentro do atual estágio de conhecimento sobre a questão, que o homem
possua um senso geométrico rudimentar, inato, responsável pelas suas intuições geométricas elementares.

Referências Bibliográficas
ALMEIDA, Manoel de Campos. Origens da Matemática. Curitiba, Champagnat, 1998.
----Origens dos Numerais. In: IV Seminário de História da Matemática. Anais. Natal: Editora da Sociedade
Brasileira de História da Matemática-SBHM, 2001.
DEHAENE, Stanislas. The Number Sense. New York, Oxford University Press, 1997.
KLINE, Morris. Mathematics – The Loss of Certainty. New York, Oxford University Press, 1980.
KOEHLER, O. The Ability of Birds to “Count”. In: NEWMAN, James R. The World of Mathematics. New York,
Simon and Schuster, 1956.
KOURTZI, Zoe; ERB, Michael; GRODD, Wolfang; BULTHOFF, Heinrich H. Representation of the Perceived
3D Object Shape in the Human Lateral Occipital Complex. In: Cerebral Cortex. Sep. 2003; 13:911-920.
NIEDER, Andreas; MILLER, Earl K. A parieto-frontal network for visual numerical information in the monkey.
In: PNAS, May 2004, vol. 101, no.19.
PIAGET, Jean; SZEMINSKA, A. A Gênese do Número na Criança. 3a ed. Rio de Janeiro, Zahar, 1981.
ULLER, Claudia; JAEGER, Robert; GUIDRY, Gena; MARTIN, Carolyn. Salamanders (Plethodon cinereus)
go for more: rudiments of number in an amphibian. In: Animal Cognition (2003) 6:105-112.

8
O MANUSCRITO DE ÁLGEBRA DE ANTONIO MONIZ (BAHIA, SÉCULO XIX)

Marcelo Duarte Dantas de Ávila


. Professor Assistente do Departamento de Ciências Exatas e da Terra
Universidade do Estado da Bahia – UNEB.
mddavila@terra.com.br

Resumo: Nesta comunicação pretendo analisar o manuscrito sobre Álgebra, escrito entre 1867 e 1874, por
Antonio Ferrão Moniz de Aragão, intelectual baiano que viveu durante o século dezenove em Salvador,
comparando-o com o livro Elementos de Álgebra, de Cristiano Ottoni, cuja primeira edição foi de1852,
identificando, no documento de Antonio Moniz, algumas contribuições que este personagem e suas idéias
trouxeram à história da educação matemática no Brasil, em particular à Bahia. Talvez, em função de que
não fosse um documento matemático que valorizasse excessivamente o uso de técnicas, como comumente
ocorria com outras obras, o manuscrito Álgebra apresentou alguns avanços em relação à maioria dos livros
escritos no Brasil sobre o mesmo assunto naquela época. Em particular, dois aspectos foram salientados: o
primeiro, foi a abordagem da matemática segundo um ponto de vista filosófico, e o segundo foi o estudo dos
números negativos, tópico bastante controverso e ignorado pela maioria dos autores brasileiros de então.
Antonio Moniz, ao versar sobre tema tão complexo naquele momento, ou defender que se olhasse para a
matemática segundo um ponto de vista filosófico, demonstrando mais preocupação na construção do
raciocínio matemático do que no mero uso de técnicas, no mínimo estava contribuindo para ampliar e
aprofundar a discussão sobre a matemática no Brasil na segunda metade do século dezenove.

1. Introdução
Antonio Ferrão Moniz de Aragão1 (1813 – 1887) foi um legítimo representante de uma elite
intelectual que surgiu no Brasil ao longo do século XIX. Filho de uma das mais aristocráticas famílias
baianas, após um período de estudos na Europa, onde cursou Filosofia Natural na Universidade de
Londres, retornou a Salvador e produziu, ao longo de aproximadamente quarenta anos, várias dezenas de
textos em diversas áreas do saber.
Tinha especial predileção pela Matemática, tendo publicado, em 1858, a obra Elementos de
Matemáticas, considerado “o primeiro livro-texto de Matemática [publicado no Brasil] em que a Filosofia
Positiva de Comte é extensivamente comentada”2. Além deste livro, Antonio Moniz escreveu os seguintes
manuscritos matemáticos, ainda inéditos: Geometria e Mecânica Racional, Cerderística ou Aritmética
Aplicada, Metrologia Geral ou Geometria e Mecânica Concreta, Álgebra e Cálculo Diferencial e Integral, que
se encontram arquivados no Instituto Geográfico e Histórico da Bahia.
Nesta comunicação, pretendo analisar o manuscrito de Álgebra, inclusive comparando-o com a
terceira edição do livro Elementos de Álgebra de Cristiano Ottoni, publicado no Rio de Janeiro em 1872 e
depositado no setor de obras raras da Biblioteca Pública do Estado da Bahia, identificando, no documento
de Antonio Moniz, algumas contribuições que este personagem e as suas idéias trouxeram à história da
educação matemática no Brasil, em particular à Bahia.

1
Para maiores informações sobre Antonio Ferrão Moniz de Aragão, ver: ÁVILA, Marcelo Duarte D. de. Antonio Ferrão Moniz de
Aragão: Manuscritos Matemáticos e Filosóficos na cidade de Salvador – 1855 a 1886. Dissertação de Mestrado. Salvador: UFBa,
2005 e SILVA, Circe Mary Silva da. A Matemática Positivista e sua Difusão no Brasil.Vitória: EDUFES, 1999, p 218 até 239.
2
SILVA, Circe Mary Silva da. A Matemática Positivista e sua Difusão no Brasil.Vitória: EDUFES, 1999, p 218.

9
2. O Manuscrito
O manuscrito de Álgebra é um documento de cento e oitenta e sete páginas, versando basicamente
sobre a formação dos números, suas propriedades e combinações, segundo uma visão axiomática da
álgebra, escrito entre 1867 e 1874, em Salvador, e contendo os seguintes assuntos: Formação dos
números – o autor utilizou de construções elementares com diversos tipos de funções para obter os mais
variados números, sistema de numeração posicional, tópicos de análise combinatória e polinômios.
Antonio Moniz iniciou o seu manuscrito com uma longa introdução de vinte e três páginas, onde
abordou basicamente duas idéias principais: o primeiro ponto objeto de reflexão foi a diferença entre
Aritmética e Álgebra. Na concepção de Antonio Moniz, a Álgebra era uma generalização dos resultados
particulares obtidos através da Aritmética, isto é, enquanto a Aritmética tinha “por objeto a formação e
comparação de números determinados”, a Álgebra tinha “por objeto as leis gerais da formação e
comparação dos números”. O segundo ponto abordado na introdução foi a noção de quantidade, quando o
autor dissecou detidamente cada aspecto deste conceito. Na concepção de Antonio Moniz, um corpo era
dotado de propriedades universais, tais como, a extensão (espaço) e a duração (tempo). “Além destas duas
propriedades universais existe ainda uma outra mais universal e abstrata do que elas que é a quantidade.
Esta propriedade pode ser considerada independentemente de todas as mais, e, entretanto nenhuma outra
pode ser considerada sem a intervenção desta”. E continuou, por várias páginas, destacando o caráter
universal das quantidades e sua independência em relação às demais propriedades.
Após a introdução, vem o capítulo um, denominado de Princípios Fundamentais, formado por três
parágrafos: Noções Gerais, Nomenclatura Algébrica e Axiomas.
No primeiro parágrafo, Antonio Moniz apresentou as noções gerais, necessárias para a
compreensão da Álgebra, onde destacou a importância da generalização, do estabelecimento de leis ou
propriedades gerais, ou ainda do cálculo geral dos valores, como ele mesmo denominou, como
característica básica da Álgebra.
No segundo parágrafo, o autor justificou o uso de uma linguagem algébrica como elemento
essencial afim de que possamos compreender as generalizações propostas através das leis ou
propriedades.
No terceiro parágrafo, o autor, adotando uma postura pouco usual para época, apresentou o seu
manuscrito segundo um ponto de vista rigoroso, fazendo uso dos seguintes axiomas na Álgebra:

1º Axioma: Duas quantidades iguais a uma terceira são iguais entre si, isto
é, se A = B e B = C então A = C.
2º Axioma: Quando duas quantidades são iguais todas as operações feitas
sobre uma delas, e também sobre a outra, devem dar resultados iguais. Por
exemplo, se A = B, então A + C = B + C, A – C = B – C, A × C = B × C, A ÷

C = B ÷ C, A
C C
=B , C
A=CB.

No tópico denominado de “Formação dos Números”, o autor abordou as leis de formação ou


construção dos números, mostrando uma forte identidade com a teoria matemática defendida por Auguste

10
Comte3, e que admitia a existência de dez formações elementares de números. Essas dez formações eram
agrupadas em cinco pares, sendo que cada par era formado por uma função e sua inversa, a saber:

⎧y = a + x função soma
Primeiro par: ⎨
⎩y = a − x função diferença

⎧ y = ax função produto

Segundo par: ⎨ x
⎪⎩ y = a função quociente

⎧⎪ y = x a função potência
Terceiro par: ⎨
⎪⎩ y = a x função raiz

⎧y = a x função expoente
⎪ 4
Quarto par: ⎨ x
⎪y = l função logaritmo
⎩ a
⎧ y = sen x função circular direta
Quinto par: ⎨
⎩ y = arc(sen x ) função circular indireta
Antônio Moniz reconheceu na sua obra, que este número de funções não era definitivo, podendo
ser ampliado com o passar do tempo: “Estas são todas as funções simples conhecidas hoje dos
matemáticos. Não há razão, porém, nenhuma a priori para limitarmos este número. Novos elementos
analíticos podem ser descobertos. Temos hoje mais do que tinha Descartes, até mais do que Newton e
Leibniz, e nossos sucessores poderão ter ainda mais”. O que não deixa de ser uma visão interessante a
medida que o nosso personagem reconhecia implicitamente que a matemática não era um conhecimento
pronto e acabado.
Os três primeiros pares eram chamados de algébricos (e os dois últimos, denominados de
derivados) e foi com esses pares que Antônio Moniz trabalhou detidamente, ao longo de aproximadamente
cinqüenta páginas, as construções elementares dos números utilizando as funções algébricas. O que ele
chamou de construção é, utilizando uma linguagem bastante atual, o estudo do valor numérico de uma
função. Senão vejamos, o procedimento adotado pelo autor é o seguinte: dados os diversos tipos de
funções, verificou-se em detalhes o que acontecia com a função a medida que o x, a variável independente,
assumia todos os valores possíveis (números negativos, positivos, zero, frações, etc). Apesar de ainda não
existir na forma sistematizada como hoje conhecemos, conceitos como os de domínio e imagem ou
conjuntos numéricos permeavam insistentemente estas idéias desenvolvidas por Antônio Moniz.
Nesta parte de seu manuscrito, Antonio Moniz apresentou uma abordagem avançada para a época
ao discorrer sobre os números negativos, admitindo clara e explicitamente a existência desses números:

⎡⎧ y = a + x ⎤
Assim pois este primeiro par ⎢⎨ ⎥ de funções dá origem a
⎣ ⎩ y = a − x ⎦
consideração de quantidades negativas, que desde logo tornam-se tão

3
Mesmo sendo um adepto da filosofia positivista preconizada por Comte, Antonio Moniz discordava dele em vários momentos. Por
exemplo, para Antonio Moniz a Álgebra tinha por objeto as leis gerais de formação e comparação dos números, enquanto que para
Comte o objeto de estudo da Álgebra era o cálculo com funções.
4
A função logarítmica está grafada como o autor grafou no texto.

11
necessárias para o cálculo das relações quanto as positivas. Para melhor
inteligência desta nova espécie de quantidades consideremos a formação y
= a – x em toda a sua generalidade como devendo dar sempre a formação
de um número qualquer y, sejam quais forem os valores de a e x. Ora, y tem
sempre um valor determinado enquanto x é menor que a, mas quando é
maior não temos senão um valor negativo, por exemplo, suponhamos que x
excede a da quantidade d, isto é, que x = a + d, portanto y = a –a – d, pois
para tirar de a a quantidade x, é preciso tirar todas as partes de que se
compõem x. Na igualdade, y = a – a – d, temos a – a = 0, logo y = – d.. [...]
Os números negativos devem ser considerados abstratamente e
concretamente.
o
1 Abstratamente considerados, os números negativos são resultados
necessários da fórmula y = a – x, em certos casos quando é considerado
em toda a sua generalidade independentemente dos valores particulares de
a e x.
Fazendo abstração de todo valor numérico e examinando somente o efeito
produzido pelo número x nas duas fórmulas y = a + x, y = a – x,
reconhecemos nos números independentemente de seus valores uma
quantidade aumentativa ou diminutiva que se referem exclusivamente aos
efeitos diversos que devem produzir os diferentes valores da quantidade x.
Assim, a idéia que devemos fazer da quantidade isolada – d na formula y =
a – a – d é a de uma quantidade que tem um efeito diminutivo. Neste
sentido abstrato nada há de mais fácil de que a idéia de quantidades
negativas, que nada mais são do que resultados necessários da
generalização da formação y = a – x, a todos os valores possíveis da
variável independente x do que se segue que y toma o caráter de
diminuição logo que x > a porque então tomando em x uma parte = a, o que
é sempre possível na hipótese presente, teremos a – a = 0 e ficará sempre
para subtrair o excedente de x sobre a e assim y vem a representar uma
subtração a fazer-se. [...]
o
2 Concretamente consideradas, as quantidades negativas tem
apresentado algumas dificuldades por muito tempo foram consideradas
como não sendo susceptíveis de interpretação e por conseqüência eram
desprezados como não respondendo as questões que a elas conduzia.
Mas, como diz Cirodde concebemos, com um pouco de reflexão, que temos
constantemente a considerar nas quantidades da mesma espécie não
somente os seus valores absolutos, mas também o seu modo de existência.
Por exemplo, se um relógio adianta cada dia de 12 segundos e um outro
atrasa de 12’’, se um acontecimento teve lugar 200 AC e outro 200 anos
depois de Cristo. Concebe-se muito bem que 12’’, 200 anos, são tomados
em sentidos diretamente contrários. A ciência das quantidades não

12
preencheriam pois senão uma parte do seu fim, se se limitasse a as
considerar somente quanto a seus valores absolutos.
[...]
De fato não é possível que uma quantidade seja senão, real ou imaginária e
no caso de ser real, racional ou irracional, isto é, susceptível de ser
comparado exatamente com a unidade ou não; depois sendo racional
deverá ser inteiro ou fracionário, isto é, comparando com a unidade contida
uma ou mais vezes, ou pelo contrário, ser nela contida umas poucas de
vezes. Enfim, todos estes devem ser considerados como positivos e
negativos.

Antônio Moniz iniciou o segundo capitulo abordando um tópico denominado “Da Numeração e
das Combinações”, dividido em dois parágrafos. No primeiro parágrafo, o autor tratou da ‘numeração’,
isto é, apresentou de modo bem circunstanciado, os diversos sistemas de numeração, afirmando que “o
fim da numeração é dar a formação completa de um número, não empregando para a sua construção
senão uma quantidade limitada de outros números” e, partindo desta idéia, desenvolveu todo um estudo
do sistema de numeração posicional, independente da base adotada.
No segundo parágrafo do segundo capítulo, Antônio Moniz, abordou os problemas de contagem
e desenvolveu o estudo do que hoje denominamos de Análise Combinatória. Iniciou esta passagem do
seu manuscrito com a definição do conceito de permutação: “Chamam-se permutações os diferentes
resultados que se obtém dispondo uns depois de outros e em todas as ordens possíveis um número
determinado de objetos (de letras, por exemplo) de modo que todos entrem em cada resultado, e que
cada um não entre senão uma vez.”. O conceito seguinte apresentado por Antônio Moniz foi o de
arranjo: “chamam-se arranjos, os resultados que se obtém dispondo uma depois das outras e em todas
as ordens possíveis 2 a 2, 3 a 3, 4 a 4 e n a n um número m de letras sendo m > n, isto é, o número de
letras que entram em cada resultado sendo menor que o número total de letras”. Finalizando o capítulo,
o autor abordou a idéia de Combinação, dando a sua definição: “Chamamos Combinações todos os
grupos que se obtém dispondo uns após os outros e em todas as ordens possíveis 2 a 2, 3 a 3, 4 a 4,...
um número dado de objetos, de modo que o mesmo objeto entre só uma vez em cada grupo e que dois
quaisquer desses grupos diferem pelo menos por um dos objetos que neles entram”.
No terceiro capítulo, o autor mostrou “como se executam as operações aritméticas com
quantidades algébricas”. Para ele, as quantidades podiam ser dividas em dois tipos: as numéricas e as
algébricas. As primeiras eram representadas por algarismos e tinham um valor “determinado e particular”
e as segundas eram representadas por letras ou letras e números e indicavam um valor desconhecido.
Segundo Antônio Moniz, as quantidades algébricas “são representadas por expressões ou fórmulas, que
consistem num complexo de letras ou algarismos reunidos entre si por meio das operações elementares
da aritmética e são simples ou derivadas”. Considerava expressões simples as representadas por uma
letra, pelo produto ou quociente de duas letras e pelas potências ou raízes de uma letra e expressões
derivadas ou compostas as formadas pela combinação de expressões simples. Definiu os monômios
como sendo “quantidades apresentadas por uma ou mais letras com seus coeficientes e expoentes” e os

13
polinômios como a reunião de dois ou mais monômios não semelhantes5. Após estas definições,
trabalhou as operações entre monômios e entre polinômios, encerrando o seu manuscrito.
Escolhi, para efeito de comparação, o compêndio Elementos de Álgebra de Cristiano Ottoni6,
cuja primeira edição foi publicada no Rio de Janeiro em 1852 e utilizado, como livro-texto, durante vários
anos na Academia de Marinha e no Colégio D. Pedro II. Os conteúdos do livro de Ottoni são: monômios
e polinômios, equações e problemas do primeiro grau, equações e problemas do segundo grau,
potências e raízes de todos os graus, binômio de Newton, progressões e logaritmos.
Para Ottoni a “Álgebra é a parte das matemáticas em que se empregam sinais próprios para
abreviar e generalizar os raciocínios que exige a solução das questões relativas aos números”. Para ele,
existiam duas espécies de questões numéricas bem distintas: o teorema, “que tem [tinha] por objeto
demonstrar certas propriedades de que gozam os números” e o problema, “cujo fim é [era] determinar o
valor de certos números, por meio de outros conhecidos, com os quais conservam aquelas relações
definidas pelo enunciado da questão”. Assim como Antonio Moniz, Ottoni também via a Álgebra como
uma generalização dos resultados particulares obtidos através da Aritmética porém, além desta vertente,
Ottoni via na Álgebra um excelente instrumento para resolver “problemas” diversos com o uso de
tiversos tipos de equações.
As obras de Moniz e Ottoni apresentam mais diferenças do que semelhanças em relação aos
conteúdos. Enquanto que Ottoni dedicou metade de sua obra ao estudo das equações e problemas do
primeiro e segundo graus, Antonio Moniz não dedicou uma linha sequer a este tema na sua obra. Por
outro lado, Moniz dedicou metade de sua obra a estudar a formação dos números, segundo o ponto de
vista adotado por Comte.
Entretanto, merece destaque a visão de Ottoni relativa aos números negativos, completamente
oposta à de Antonio Moniz. Vejamos:

Em um problema do primeiro grau todo o valor negativo da incógnita indica


um vicio na expressão das condições, ou na equação que as representa.
[...]
Toda a solução negativa resulta sempre de que o problema e sua equação
nos conduzirão a subtrair um número maior de outro menor, operação
inexeqüível. A questão pois que dela depende, tal qual foi proposta, não
tem solução possível7. [grifo nosso]

Em relação à abordagem, Moniz e Ottoni divergiram. Moniz optou por uma abordagem mais
filosófica na sua obra, fazendo uso de axiomas e teoremas, enquanto que Ottoni adotou uma abordagem
essencialmente técnica, sem nenhuma ênfase em temas filosóficos.

3. Conclusão

5
Para Antônio Moniz monômios semelhantes são aqueles que tem as mesmas letras, afetados dos mesmos expoentes e que só
diferem uns dos outros pelos coeficientes e pelo sinal.
6
Cristiano Benedito Ottoni (1811-1896) é mineiro de Serro. Foi professor de matemática na Academia de Marinha e considerado por
Vagner Valente, a página 131 da obra citada na nota n. 7, “um personagem fundamental para a organização e estruturação da
matemática escolar no Brasil, durante quase meio século”.
7
OTTONI, Cristiano. Elementos de Álgebra. 3ª ed. Rio de Janeiro: Typographia PERSEVERANÇA. 1872, p. 70-71.

14
Talvez, em função de que não fosse um documento matemático que valorizasse excessivamente o
uso de técnicas, como comumente ocorria com outras obras, o manuscrito Álgebra apresentou alguns
avanços em relação à maioria dos livros escritos no Brasil sobre o mesmo assunto naquela época. Este
manuscrito apareceu num momento em que “as matemáticas vão deixando de representar um saber
técnico, específico das Academias Militares e vão passar a fazer parte da cultura escolar geral de formação
8
do candidato ao ensino superior” e o livro de Antonio Moniz retratou bem essa situação, reforçando esta
mudança de atitude. O seu interesse era no conhecimento matemático como elemento necessário ao bem
pensar, ao raciocínio preciso e claro. Ver a matemática segundo um ponto de vista filosófico, inclusive
fazendo uso da axiomatização representou um passo à frente naquele momento. No mesmo período na
Europa, as discussões a cerca da utilização da axiomática na matemática estavam ganhando corpo, mas
nada de definitivo tinha ainda sido estabelecido a respeito deste ponto de vista.
Outro fator de destaque do manuscrito sobre Álgebra, foi o estudo dos números negativos, tópico
ignorado pela maioria dos autores brasileiros daquela época, possivelmente em função da complexidade e
das dúvidas existentes a respeito de tal conceito. Utilizando uma abordagem parecida com a de Euler,
Antonio Moniz expôs o tema considerando as quantidades negativas como uma generalização da idéia de
subtração9. Porém, independente de qual seja a sua visão a respeito dos números relativos, as hesitações
presentes no seu livro nada mais são do que o retrato de um momento, afinal só no fim do século XIX é que
são superadas as controvérsias em torno da existência e sobre as propriedades destes números. Ao
abordar um tema controverso em sua obra, Antonio Moniz estava, no mínimo, contribuindo para ampliar a
discussão a respeito deste conceito em Salvador. No manuscrito Álgebra, o estudo desenvolvido
envolvendo números negativos, frações, números irracionais e números complexos foi muito atual para a
época e denotava uma atitude do autor francamente favorável a uma visão mais moderna e filosófica da
matemática.

4. Referências Bibliográficas
1. ARAGÃO, Antonio F. M. de. Álgebra. Manuscrito. Salvador, 1857 - 74.
2. ______. Elementos de Matemáticas. Salvador: Tipografia Pedroza, 1858.
3. ÁVILA, Marcelo Duarte D. de. Antonio Ferrão Moniz de Aragão: Manuscritos Matemáticos e Filosóficos na
cidade de Salvador – 1855 a 1886. Dissertação de Mestrado. Salvador: UFBa, 2005
4. COMTE, A. Os Pensadores. São Paulo, Abril Cultural, 1978.
5. DIAS, André Luís Mattedi. Engenheiros, Mulheres, Matemáticos: Interesses e disputas na
profissionalização da matemática na Bahia (1896 – 1968). Tese de doutoramento, USP, 2002.
6. LIMA Jr. Francisco P. Ferrão Moniz, “um amigo da sabedoria”. Salvador: A Tarde, p.1, caderno 2, 30 de
junho de 1987.
7. OTTONI, Cristiano. Elementos de Álgebra. 3ª ed. Rio de Janeiro: Typographia PERSEVERANÇA. 1872.
8. SILVA, Circe Mary Silva da. A Matemática positivista e sua difusão no Brasil. Vitória: EDUFES, 1999.
9. VALENTE, Vagner Rodrigues. Uma história da Matemática escolar no Brasil, 1730 –1930 .2ª ed. São
Paulo: Annablume, 1999.

8
VALENTE, Vagner Rodrigues. Uma História da Matemática Escolar no Brasil (1730-1930). 2ª ed. São Paulo: Annablume; FAPESP,
2002, p. 119.
9
SILVA, Circe Mary Silva da. A Matemática Positivista e sua difusão no Brasil. EDUFES, Vitória, 1999, p.227.

15
A ESTRUTURA DE GRUPO E O ENSINO DA ÁLGEBRA:
INFLUÊNCIAS NO ENSINO DA MATEMÁTICA NO BRASIL NA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XX

João Cláudio Brandemberg


Depto. de Matemática/ UFPA
brand@ufpa.br
Iran Abreu Mendes
PPGEd; PPGECIM/ UFRN
Iamendes@natal.digi.com.br

Resumo: Neste trabalho apresentamos uma proposta de pesquisa acerca do uso conjunto da história da
matemática com a resolução de problemas numa perspectiva de superação das dificuldades encontradas
por professores e estudantes de graduação em matemática (licenciatura e bacharelado) no ensino-
aprendizagem da Teoria dos Grupos. Acreditamos que um maior conhecimento acerca da origem e
desenvolvimento conceitual das estruturas algébricas, como a de Grupo, que hoje é sem dúvida, um dos
conceitos fundamentais em matemática, devido sua ligação com a Teoria dos números e com a Geometria
(Wussing, 2000), certamente contribuirá para o ensino-aprendizagem da álgebra abordada nesses cursos
de graduação. Nosso estudo tem como objetivo buscar alternativas didáticas centradas no uso pedagógico
de situações-problema extraídas da história da matemática. Esta abordagem metodológica tem como
finalidade principal indicar ao graduando em matemática uma possível contextualização significativa da
estrutura de Grupo, além de servir como elemento motivador, diminuindo o impacto do primeiro contato dos
estudantes com estas estruturas abstratas.

Apresentação
Hoje, mais do que nunca, vivemos em uma época em que comunicar-se é condição de
sobrevivência. Dominar linguagens e conhecer diferentes formas de troca de informações são grandes
desafios para a sociedade e, em especial, para a educação. De acordo com as experiências vivenciadas
por nós enquanto professores de matemática, observamos que, em geral, a comunicação de conteúdos a
serem aprendidos é feita somente pela leitura, escrita e algumas representações específicas (como tabelas
e gráficos). Pretendemos discutir este desafio em uma perspectiva construtivista, tendo a história da
matemática e a resolução de problemas (problema como ponto de partida) como alternativas para melhorar
esta comunicação. Para isso precisamos conhecer a linguagem.
Acreditamos que um maior conhecimento acerca da origem e desenvolvimento conceitual das
estruturas algébricas, como a de Grupo, que hoje é sem dúvida, um dos conceitos fundamentais em
matemática, devido sua ligação com a Teoria dos números e com a Geometria (Wussing, 2000), certamente
facilitará, de forma abrangente e significativa, o processo de ensino-aprendizagem da álgebra abordada nos
cursos de licenciatura e bacharelado em matemática.
O objetivo desse estudo é buscar alternativas didáticas que possam minimizar a as dificuldades
encontradas no ensino-aprendizagem desse tópico da matemática em turmas de graduação, com o
desenvolvimento do conceito da estrutura de Grupo, a partir do uso pedagógico de situações-problema
extraídas da história da matemática. Esta abordagem metodológica tem como finalidade principal indicar ao
graduando em matemática uma possível contextualização significativa da estrutura de Grupo, além de servir

16
como elemento motivador, diminuindo o impacto do primeiro contato dos estudantes com estas estruturas
abstratas.

Sobre o estudo e ensino do conceito de estrutura de grupo


A investigação de estruturas não está restrita a matemática. Ela tem conduzido os trabalhos de
inúmeros pesquisadores das ciências físicas, naturais e humanas. Na Álgebra, “Estrutura” tem sido um
termo familiar. A Estrutura algébrica é definida como um conjunto com uma ou mais operações. Nesta linha
temos definições técnicas como a de Tarski (apud SANTANNA, 2004), didáticas como em Van der Waerden
(1956) e Herstein (1986) e as de caráter geral como em Piaget (2003).

Definition. A nonempty set G is Said to be a group if in G there is defined an


operation * such that:
(a) a,b e G implies that a * b e G. (We describle this by saying that G is closed
under * )
(b) Given a, b, c e G, then a * ( b * c ) = ( a * b ) * c. ( This is described by saying
that the associative law holds in G.)
(c) There exists a special element e e G such that a * e = e * a = a for all a e G. ( e
is called identity or unit element of G).
(d) For every a e G there exists an element b e G such that a * b = b * a = e. ( We
write this element b as a-1 and call it the inverse of a in G.) (HERSTEIN, 1986,
p.46).

Em todos os textos modernos, a estrutura de Grupo é utilizada para esclarecer e exemplificar a idéia
de uma estrutura algébrica; apesar do apelo aos números inteiros ter influenciado alguns autores a trabalhar
inicialmente com a estrutura de Anel. Esta nova concepção, estabelecida no século XX, associada a nomes
como E. Noether, E. Artin, H. Hasse e Van der Waerden entre outros, foi baseada na identificação de
estruturas fundamentais (Wussing, 2000). É a chamada “Álgebra Moderna”, uma nova corrente de estudo e
desenvolvimento da Álgebra. De acordo como em Fuchs (1970), foi em seus “Elementos”, na parte
referente a Geometria que Euclides começou seu sistema pela formulação de proposições simples dotadas
de conteúdo concreto – os axiomas, enquanto Bourbaki em seu elementos de Álgebra, ao contrário, usou
as “estruturas básicas”, com características e formulações muito mais abstratas, porém muito mais exatas.
O conceito de Grupo, uma abstração dos chamados “Grupos de permutação” que derivou do
desenvolvimento das teorias de E. Galois e da teoria das equações algébricas, principalmente com N. H.
Abel, A. Vandermonde e J. L. Lagrange é trabalhado por Van der Waerden e Hasse como um processo
metodológico para o estudo e ensino da Álgebra.
Estudado no final do século XVIII e início do século XIX, com base em casos particulares, somente
no final do século XIX é que a noção de Grupo Abstrato foi introduzida e, a partir da primeira metade do
século XX, chegou aos livros textos de forma estruturada visando atingir um maior número de iniciantes.
Nos clássicos como Herstein (1970) e Van der Waerden (1956) a definição Grupo é apresentada
através do conjunto de todas as aplicações sobre um conjunto não-vazio S, o que por si só, é bastante
complicado, independentemente de ser uma das primeiras formas de caracterização do chamado grupo de
permutações (simetrias) e determinar com a lei de composição interna a propriedade universal de uma

17
estrutura algébrica, no caso Grupo, via isomorfismos de Grupos, diferenciando-se apenas pela forma de
representação dos objetos (Sintaxe).
Segundo Herstein (1970), nem a beleza e nem o significado do exemplo escolhido para esta
discussão (introdução) de grupos são disputados entre os matemáticos, pois se trata, apenas, de um
atributo pedagógico. Um outro recurso é a abordagem finitista dos conceitos envolvidos.

Uma edificação inteiramente ‘ finitista ’ da Álgebra, evitando todas as


demonstrações de existência não construtivas é impossível sem grande sacrifício.
Dever-se-ia amputar partes essenciais da Álgebra ou então formular os teoremas
com tantas limitações que a exposição se tornaria intragável e certamente
inutilizável por principiantes. (VAN DER WAERDEN, 1956, p. vii).

Com relação a este aspecto, o tratamento dado à teoria dos grupos não é finitista, mas, talvez
devido ao caráter geral de teoremas fundamentais como o de Lagrange (1736-1813) e os de Sylow (1832-
1918) ou pela “simplicidade“ da estrutura. No entanto, são trabalhados inúmeros exemplos com conjuntos
finitos, para evitar a princípio a teoria dos cardinais. Deste modo, a abordagem introdutória da teoria de
conjuntos restringe-se às operações elementares.
Para Lins (2001), um tratamento altamente simbólico é dado ao estudo das estruturas algébricas
inicialmente com Evariste Galois (1811-1832) e Niels Abel (1802-1829), de forma “implícita”, até Bourbaki
(a partir de 1940), quando entramos no domínio do chamado “Cálculo Literal”, mas num sentido bem mais
sofisticado, o da sintaxe: um cálculo com regras próprias e ignorantes de qualquer sistema particular que
funcione com elas (números, por exemplo). Um mundo, enfim, completamente “abstrato” é estabelecido.
Cria-se um mito de uma matemática no qual o significado é irrelevante e a mesma passa a ser concebida
como objeto de estudo, e não mais como ferramenta, perdendo o vínculo com as aplicações e tornando-se
pouco compreensível aos alunos. É esta matemática que é introduzida, sobre forte influência da escola
francesa, na segunda metade do século XX, nas universidades e em seguida nas escolas brasileiras.
Constitui-se, assim, o modismo da Álgebra.
Para Pais (2001), esta é uma questão de transposição didática no ensino de matemática que não
atingiu as metas desejadas, e ampliou alguns problemas do processo ensino-aprendizagem, em particular
no caso brasileiro, pois

o movimento da Matemática moderna é um exemplo de transposição didática lato


sensu. O contexto inicial desse movimento era muito diferente do que prevaleceu
na proposta curricular. O resultado da reforma foi muito diferente da proposta do
plano intencional. Acreditava-se que era possível uma abordagem estruturalista
para o ensino da Matemática, sendo esta tentativa incrementada com o uso de
novas técnicas de ensino, esperando que fosse possível obter uma aprendizagem
mais fácil do que a tradicional. Diversas criações didáticas surgiram para tentar
viabilizar essa proposta. Este é o caso, dos diagramas de Venn, que de recurso
para representação gráfica, passaram a ser ensinados como conteúdo em si
mesmo. Nesse caso, as diversas reformulações ocorridas resultaram em

18
inversões tão fortes que contribuíram para o fracasso do movimento, conforme
análise descrita por Kline (1976).(PAIS, 2001, p 20-21).

A busca por novas alternativas de transposição didática para o ensino da álgebra moderna sugere
que tomemos a história da matemática como uma aliada. A aliança didática pode apoiar-se aos problemas
contextuais nos quais ocorreu o desenvolvimento histórico da álgebra com vistas a localizar possibilidades
pedagógicas que superem as dificuldades encontradas por professores e estudantes de graduação em
matemática.
Uma breve história da álgebra
Para seguimos uma linha de desenvolvimento histórico da Álgebra voltada para as mudanças nas
“notações algébricas”, recorremos à Boyer (1993), Eves (2002) e Lins (2001) entre outros. Começando com
os babilônios (c. 1700 a. C.), que desenvolveram regras eficientes para a resolução de problemas, embora
não tendo desenvolvido notação alguma. Estas notações algébricas aparecem em Diofanto (c. de 250 d.
C.), com a introdução de uma notação para a incógnita e um sinal especial para a igualdade, é a primeira
escrita geral de uma equação (notação Sincopada). A sistematização do uso de letras para representar os
dados (valores conhecidos) começa com o francês François Viète (1540-1603) com seu trabalho intitulado
In artem analyticam isagoge (em1591), em um cálculo em que as letras representam quantidades ou
grandezas geométricas que possuem regras próprias, compatíveis com as noções usuais de Aritmética e
Geometria. Tendo, supostamente, como último estágio a gênese da noção de Estrutura Algébrica, criada
por Evariste Galois (1811-1832) e Niels Abel (1802-1829) e divulgada pelo grupo Bourbaki (a partir de
1940) (Cálculo Literal).
Em seu artigo Ghosts of Diofhantus, de 1987, Eon Harper (apud LINS, 2001) toma a idéia,
apresentada por Nesselman em 1842, segundo a qual poderíamos classificar a Álgebra nos seus vários
momentos históricos, em Retórica (apenas palavras), Sincopada (alguma notação especial, abreviações) e
Simbólica (manipulação de símbolos). Enquanto para Nesselman essa era simplesmente uma postura
descritiva, Harper argumenta que de retórico a sincopado e a simbólico haveria um correspondente
desenvolvimento intelectual.

O movimento da Matemática Moderna e o ensino da Álgebra no Brasil


Para Miorin (1998), O movimento da Matemática moderna, apresentou uma proposta com base
exclusivamente na moderna Matemática em sua forma axiomática desenvolvida pelo grupo Bourbaki, na
qual os elementos essenciais eram os conjuntos, as relações e as estruturas. O qual se espalhou, com
exceção da Itália e União Soviética, por todo o mundo.
Durante a década de 50, no Brasil as questões relativas ao ensino da Matemática, foram discutidas
de forma mais intensa. Em um congresso realizado em 1955, em Salvador-BA, com a participação de
instituições de ensino de vários estados brasileiros, ainda estavam presentes algumas das idéias propostas
pelo movimento de modernização do início do século. A busca da articulação entre as várias áreas da
Matemática entre a Matemática e as outras ciências e a importância de se considerarem elementos da
história da Matemática em seu ensino foram algumas delas. Além disso, nomes como Félix Klein (1849-
1925) e outros representantes do movimento foram amplamente citados. Com relação ao conteúdo
programático, foi aprovada uma proposta de articulação de várias áreas e eliminação de temas
considerados irrelevantes. Um desafio era aprovar um programa “novo”, moldado nas novas tendências,

19
mas próximo ao programa em vigor evitando as graves dificuldades, para o processo ensino-
aprendizagem, que surgem de mudanças radicais. Foi dessa forma que chegaram inúmeros conceitos
matemáticos reformulados as universidades e escolas brasileiras, via sudeste, na segunda metade da
década de 70.

Considerações finais
A utilização de textos como Bourbaki (década de 60), Van der Waerden (década de 70) e Herstein
(década de 80) garantem e mantém este caráter abstrato da álgebra influenciando os autores nacionais
das décadas seguintes, como L. H. Jacy Monteiro, H. Domingues, A . Jones e E. de Alencar Filho entre
outros. O excesso de simbolismo e a ausência de significado (aplicações) apresentados nos livros textos
(clássicos ou elementares) e, conseqüentemente, nas aulas têm nos levado a respostas incompletas (ou
nenhuma), constituindo um dos principais problemas no ensino de graduação em Matemática que é o alto
índice de evasão em cursos iniciais de Álgebra. Não devemos esquecer que a Álgebra Simbólica dos
textos tem menos de 400 anos.

Bibliografia
ALEKSANDROV, A. D. ; KOLMOGOROV, A. N. ; LAURENTI, M. A. La Matemática: su contenido, métodos
y significado. Vol. 3. Espanha: Alianza editorial, 1994.
BOYER, C.B. História da Matemática. Tradução: Elza F. Gomide. São Paulo, SP: Edgard Blucher, 1993.
DOMINGUES, H. H. Álgebra moderna. São Paulo, SP: Atual, 1998.
EVES, H. Introdução à história da Matemática. Tradução: Hygino H. Domingues. Campinas, SP: Editora
da UNICAMP, 2002.
FAUVEL, J.; VAN MAANEM, J. History in mathematics education. EUA: Kluwer academic publishers,
2000.
FOSSA, J. A. Ensaios sobre a educação Matemática. Belém, PA: Eduepa, 2001.
FUCHS, W. R. Matemática Moderna. Tradução: Marianne Arnsdorff e José Manasterski. São Paulo, SP:
Polígono, 1970.
HERSTEIN, I. N. Abstract Algebra. EUA: Macmillan publishing company, 1986.
_____. Tópicos de Álgebra. Tradução: Adalberto P. Bergamasco e L. H. Jacy Monteiro. São Paulo, SP:
Polígono, 1970.
JACY MONTEIRO, L. H. Elementos de Álgebra. Rio de Janeiro, RJ: Ao livro técnico S. A., 1969.
LINS, R. C.; GIMENEZ, J. Perspectivas em Aritmética e Álgebra para o século XXI. Campinas, SP:
Papirus, 2001.
MARTIN, P. A. Introdução a teoria dos grupos e à teoria de Galois. São Paulo, SP: IME-USP, 1998.
MENDES, I. A. O uso da história no ensino da Matemática: reflexões teóricas e experiências. Belém, PA:
Eduepa, 2001.
MIORIN, M. A. Introdução a história da educação Matemática. São Paulo, SP: Atual, 1998.
OLIVEIRA CASTRO, F. M. A Matemática no Brasil. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 1992.
PAIS, L. C. Didática da Matemática uma análise da influência francesa. Belo Horizonte, MG: Autêntica,
2001.
PIAGET, J. O Estruturalismo. Tradução: Moacir Renato de Amorim. Rio de Janeiro, RJ: Difel, 2003.

20
PIAGET, J. et al. La enseñanza de las matemáticas modernas. Madrid: Alianza editorial, 1986. (Colección
Ciencias).
ROTMAN, J. J. An introduction to the theory of groups. EUA: Allyn and Bacon, 1984.
SANT’ANNA, A. S. O que é uma definição. Barueri, SP: Manole, 2005.
SOUZA, E. R.; DINIZ, M. I. S. V. Álgebra: das variáveis às equações e funções. São Paulo, SP: IME-
USP, 1996.
WUSSING, H. The gênesis of the abstract group concept. EUA: The MIT press, 1984.
VAN DER WAERDEN, B. L. Álgebra moderna .Tradução: Hugo Baptista Ribeiro. Lisboa: 1956.

21
QUEM FOI LEWIS CARROL?

*Enio Freire de Paula


*eniodepaula@yahoo.com.br
**Profª Dra. Rita Filomena Januário Bettini
**bettini@prudente.unesp.br
Faculdade de Ciências e Tecnologia
Universidade Estadual Paulista, Presidente Prudente, SP

Resumo: Poucos conhecem a vida e a obra do matemático inglês Charles Lutwidge (1832-1898), que
através dos tempos imortalizou-se por seu pseudônimo: Lewis Carroll. Isso mesmo, Lewis Carroll, o autor
de um dos livros infantis mais lidos do mundo, “Alice no país das maravilhas” (1865), sucesso na literatura e
no cinema, era matemático. Criou vários jogos (com destaque para a Lógica), além de ser escritor, como
ficou mundialmente conhecido. De cunho histórico, este trabalho tem por objetivo apresentar e discutir
temas referentes a Carroll. Apresentará-se a criatividade e as contribuições de Lewis Carroll para o mundo
dos Enigmas Lógicos. Pode-se considerá-lo como um dos precursores dos jogos envolvendo palavras,
conhecidos hoje como palavras cruzadas. Enfatiza-se, porém neste texto uma das criações de Carroll: os
“doublets”. Este ano (2005), marca o centésimo septuagésimo terceiro aniversário de nascimento de Lewis
Carroll, e ainda hoje são raras as pessoas que conhecem, sua importância no campo da Lógica aplicada à
Educação. Os jogos desenvolvidos por Carroll há mais de um século, exploram o desenvolvimento do
raciocínio lógico utilizando-se apenas a linguagem literal. Paradoxos e problemas de lógica matemática
(utiliza-se essa linguagem para a referência aos problemas aritméticos), podem ser oferecidos aos alunos
em todos os níveis de escolaridade, com seu grau de dificuldade adequado à seriação em questão. Assim
os objetivos deste trabalho resumem-se à apresentação e apreciação da vida de Charles Lutwidge
Dogdson, nome verdadeiro de Carroll, bem como à discussão de suas obras e por fim oferecendo
sugestões para a utilização de seus enigmas lógicos no processo de ensino-aprendizagem da Matemática.

O Legado Carroliano
Durante séculos os educadores ensinaram seus alunos através de estórias e desafios, isto é um
fato. Uma prova simples é o Papiro Rhind, datado cerca de 2800 a.C., com mais de 5 metros de
comprimento expõe dezenas de problemas matemáticos. Em diversos momentos da história da
humanidade a matemática foi abordada através de problemas e desafios, estes eram apresentados de
maneira graciosa: o matemático transformava-se em poeta e seus enigmas aritméticos tornavam-se
enunciados românticos.
Com o passar dos séculos esta tradição foi esquecida, e os desafios completamente enterrados. O
ensino de matemática privou-se das artimanhas dos enigmas lógicos, e os mistérios desconcertantes são
pouco discutidos entre alunos e professores. Entretanto, é de extrema importância estimular o cultivo da
arte de resolver problemas e despertar o interesse pela Matemática.
Embora apresente um passado um quanto perturbador, Carroll foi um exímio matemático,
principalmente no ramo da lógica. Seus trabalhos, talhados à uma linguagem cativante para o público jovem
e refinados com doses de humor, renderam-lhe os sucessos de seus livros de enigmas e as diversas
colaborações em revistas especializadas, das quais era colunista. Apresentara-se ao, no delinear desta

22
obra, os enigmas, tão queridos por Carroll, bem a seu modo: linguagem simples, cativante e objetiva, com
sutis toques de humor.
Um dos objetivos deste projeto é proporcionar ao público a oportunidade de inteirar-se de estórias
que podem não lhes ter sido contadas, suscitando-lhes, vez ou outra, a pergunta: Por que coisas assim tão
belas não me foram contadas antes? Apresenta-se ao leitor alguns dos mais belos (e eternizados) enigmas
aritméticos e lógicos, tendo como ferramenta principal de análise o raciocínio lógico. Os problemas a serem
abordados aqui, rumam do nível iniciante, passam pelo intermediário até alcançarem um nível de
dificuldade maior.
Dará-se início com os jogos de autoria de Lewis Carroll: o doublets, e os criptaritmos. Entre esses jogos
apresentar-se-á alguns enigmas lógicos desenvolvidos pelo lógico e matemático contemporâneo
Smullyan, conhecido como o “novo Carroll”, envolvendo as estórias de Alice. Espera-se que através
desta leitura, dificilmente alguém permaneça indiferente à matemática e seus problemas. Ao invés da
aversão inicial, desperte um profundo prazer, dedicando-se ao deleite da satisfação intelectual.

Os Doublets
No início do séc. XVII, os passatempos eram considerados “coisas de mulher”. No século seguinte
eram aclamados como “coisas de crianças e adolescentes”. A partir do final do séc. XIX, os adultos
passaram a constituir o novo público para os passatempos de lógica, o qual viria a se consolidar no século
XX. Parte desta crendice sustentou-se devido às colunas de passatempos publicadas na revista Womans
Home Companion (O Companheiro da Mulher do Lar) de autoria do também lógico Loyd.
Carroll desde a infância foi um aficionado pela lógica. Charles Dodgson foi um dos mais distintos
professores de Lógica da Universidade de Oxford. Escreveu diversos livros, panfletos e pequenos textos
para estudantes sobre Matemática e Lógica dos quais se destacam:

A Syllabus of Plane Algebraic Geometry (1860) ,


The Fifth Book of Euclid Treated Algebraically (1865/1868)
Euclid and His Modern Rivals, (1879)
The Game of Logic (1887)
Curiosa Mathematica, (1888)

Como autor de passatempos, seu maior sucesso foi o Doublets. Ainda hoje encontrado em revistas
de passatempos, na Internet e em livros de matemática, este jogo foi publicado em 29 de março de 1879,
nas páginas da revista Vanity Fair. A brincadeira consiste em a partir de uma palavra dada – PONTE, por
exemplo – e chegar até uma outra palavra dada como objetivo do jogo – CERCO por exemplo. A regra
permite a alteração de apenas uma letra de cada vez na palavra disponível, de modo que esta nova palavra
tenha sentido literal

23
PONTE
PONTO
PORTO
PERTO
CERTO
CERTA
CERCA

A idéia é simples e preserva traços da lógica formal. Inicialmente tem-se o axioma, o ponto de
partida que neste caso é a palavra PONTE. Logo após tem-se as regras que permitem trabalhar o axioma
para produzir um resultado lógico, neste caso a mudança de uma letra. Além disso, a noção de prova ou
derivação: uma proposição é provada em um sistema axiomático se ela puder ser derivada a partir dos
axiomas usando-se as regras da lógica, ou seja, uma fórmula é derivada se esta pode ser obtida por
sucessivas aplicações das regras.
Nota-se que neste jogo o significado das palavras é irrelevante. O que importa é o processo de
construção para atingir a palavra – objetivo.
Por exemplo, seja o axioma SOL/LUA, qual o melhor caminho?

SOL SOL
SAL SUL
SUL SUA
SUA LUA
LUA

É evidente que o caminho melhor, ou seja, a solução mais elegante é à da direita.

Sobre o Ensino de Aritmética

O ensino da aritmética, bem como o ensino da álgebra nas escolas, ocorre através da resolução de
várias equações, privadas na maioria das vezes de “um bom enunciado”, ou melhor, de um enunciado
“carroliano”. Carroll propunha o ensino valendo-se de argumentos lógicos e enunciados que cativassem o
questionado. São os famosos desafios, muitas vezes acompanhados de uma estória mirabolante, cujo
objetivo é entreter enquanto se ensina.
Contudo, no entanto é necessário frisar: o ensino de Matemática não deve restringir-se a jogos.
Estes são apenas mais um dos artifícios para o ensino desta ciência. Seguem alguns enigmas para
exemplificar seu uso na Matemática.

Problema 1: O Caso do Joalheiro


“Certo dia, um homem trouxe cinqüenta e nove pedras preciosas para vender ao joalheiro. Algumas
delas eram esmeraldas (verdes) e as outras eram rubis (vermelhas). As pedras vinham guardadas em

24
sacos separados, nove esmeraldas em cada saco de esmeraldas e quatro rubis em cada saco de rubis.
Quantas das pedras eram rubis?”.

Este é um modelo típico de enigma carroliano. Ao defrontar-se com um problema desse tipo, “a
vítima”, cega pela ausência de incógnitas (x ou y, por exemplo), não consegue interpretar o problema e
solucioná-lo. Caminha num vale de possibilidades, o que ocasiona em diversas soluções para a mesma
questão levantada.
A matemática, como uma ciência exata, necessita de critérios para caminhar da escuridão do
conhecimento para o vale da verdade, nas palavras de Descartes. Após a leitura atenciosa e detalhada do
problema sugerido, deve-se seguir alguns passos dentre eles: anotar todas as informações numéricas e
suas possíveis relações, e principalmente não forjar uma resposta.
A ordem dos passos varia de problema à problema, ou seja, cada caso é um caso. Porém esta
metodologia é válida e necessária para guiar o processo crítico no que diz respeito aos problemas de
insight. Segue agora a resolução deste problema.
O enunciado do enigma traz uma informação, a quantidade de pedras (59). Além disso, informa a
como as mesmas vêm distribuídas: esmeralda 9 pedras no saco e 4 rubis em cada saco de rubis. Seja E,
esmeralda e R, rubi, tem-se em linguagem matemática a seguinte expressão:

(I) E + R = 59

O segundo passo, consiste em anotar as relações entre os números, neste caso a quantidade de
pedras contidas em cada saco:

9 4

Esmeraldas Rubis

Para se descobrir o total de rubis e assim solucionar este enigma é necessário saber à priori,
quantos sacos de cada pedra existem. E esta informação não é apresentada no enunciado do problema, ou
seja, existe um “outro enigma disfarçado?”. A resposta para essa questão é SIM. Porém a resposta para a
quantidade de cada sacos foi apresentada no enunciado implicitamente.
Observe este trecho do enunciado:
“[...] as pedras vinham guardadas em sacos separados: nove esmeraldas em cada saco de esmeraldas e
quatro rubis em cada saco de rubis”.
Os números citados são inteiros: 4 e 9. Isso implica que não existem ⅝ rubi ou ⅔ de esmeraldas: as
jóias estavam guardadas em unidades. Assim para descobrir quantos sacos de cada tipo de pedra existem
é necessário dividir o total de jóias (59 pedras) pela quantidade de pedras presentes em cada saco. Assim
tem-se o total máximo de sacos de cada uma das pedras:

25
59 ∟4 Total de rubis contidos em cada saco de rubis
13 14 Total máximo de sacos de Rubis

59 ∟9 Total de esmeraldas contidos em cada saco de esmeraldas


5 6 Total máximo de sacos de Esmeraldas

Esses são as possibilidades então: sendo 59 o total de pedras preciosas, é possível a existência de
no máximo 14 sacos de Rubis ou 6 sacos de esmeraldas. A partir deste pensamento, reduziu-se o intervalo
de possibilidade, antes desconhecido e vasto, para o seguinte:
O número de sacos que contêm rubis é menor que 14
O número de sacos que contêm esmeraldas é menor que 6
Em linguagem matemática voltemos a (I)
E + R = 59 , E≤6 e R≤14
Ao substituir um dos valores na equação e analisar a divisibilidade do outro, chega-se à quantidade
de sacos das referidas pedras e encontra-se por fim, o total de rubis como pede o problema. Substituindo
em E (esmeralda) tem-se:
E + R = 59
6 + R = 59 ↔ R = 53, não é divisível por quatro
5 + R = 59 ↔ R = 54, não é divisível por quatro
4 + R = 59 ↔ R = 55, não é divisível por quatro
3 + R = 59 ↔ R = 56, é divisível por quatro
2 + R = 59 ↔ R = 57, não é divisível por quatro
1 + R = 59 ↔ R = 58, não é divisível por quatro

Comentário: um número é divisível pó outro quando o resto da divisão é zero. Por exemplo, 53 não
é divisível por 4, pois o resto é 1. Portanto, o conclui-se que existem 3 sacos de esmeraldas. Agora é só
substituir o total de esmeraldas (3 x 9 = 27) em (I):
27 + R = 59 ↔ R = 32,
e portanto o total de rubis é 32. Dividindo este total pela quantidade de pedras contidas em cada
saco (4) tem-se um total de 8 sacos de rubis. Conclui-se então que a resposta para esse problema é:
3 sacos de esmeraldas, totalizando 27 pedras e 8 sacos de rubis totalizando 32 pedras.

Este foi o primeiro dos enigmas aritméticos e por este motivo caracterizou-se pelo grande detalhamento.
__________________________________
Problema 2: O Porteiro do Céu e o Porteiro do Inferno

Após morrer, Artaxerxes chegou no além e viu-se diante de duas portas exatamente iguais. Em
frente a cada porta existia também um porteiro. Ambos idênticos. A única diferença estava no caráter. O
porteiro do céu só fala a verdade em contrapartida, o porteiro do inferno sempre mente. Artaxerxes tem
direito a fazer apenas uma pergunta para tentar descobrir qual é a porta do céu.

26
Observação: Perguntas idiotas não são permitidas. Por exemplo, não é válido dirigir-se a um dos
porteiros e perguntar-lhe: “Porteiro, eu tenho cinco dedos nas mãos?”, pois se a pergunta fosse dirigida
ao porteiro do céu, este diria SIM, e se fosse para o porteiro do inferno este diria NÃO, pois ele sempre
mente.
Assim, descartando as perguntar estúpidas, qual seria uma pergunta válida?

Observe que este enigma não exigiu contas, ou seja, não é um problema de aritmética, e sim de lógica.
Como agir nesta situação? O método a ser utilizado é conhecido como método da exaustão, ou seja,
devem-se testar todas as possibilidades. De início, o enunciado do enigma já adverte a respeito de
“perguntas estúpidas”. Note que o exemplo de pergunta citado no enunciado trata de algo exterior aos
porteiros, e deste modo nunca se saberá quem é o porteiro de onde. A única solução é questionar a um
porteiro sobre o outro. Sabe-se que o porteiro do céu só diz a verdade (o enunciado nos garante), então
Artaxerxes questiona um dos porteiros:
O porteiro do céu sempre mente?
Se o porteiro questionado é o responsável pela entrada do céu, este responderá: NÃO, pois o porteiro do
céu sempre diz a verdade, e a frase utilizada é falsa. Se o porteiro questionado é o responsável pela
entrada do inferno, este responderá SIM, pois a frase é falsa e o porteiro do inferno sempre mente. Do
mesmo modo pode-se perguntar:
O porteiro do inferno sempre mente?
O raciocínio é análogo. Se o questionado for o porteiro do céu, sua resposta será SIM, pois a frase é
verdadeira. Contudo se o questionado for o porteiro do inferno sua resposta será NÃO, ou seja, sua
resposta será: “O porteiro do inferno sempre diz a verdade”, o que é um absurdo.
Assim, com uma das perguntas pode-se descobrir quem são os porteiros.
____________________________

Através desta analise de enigmas constata-se as grandes especificidades no apresentar de cada


problema: eles são únicos. É impossível traçar um caminho para resolver exercícios de matemática. Na
realidade o sucesso na resolução de um problema desse tipo é fruto da prática e do raciocínio lógico
empregados conjuntamente.

Desafios no País das Maravilhas


Smullyan, renomado matemático e lógico, é professor emérito de filosofia da Universidade de
Indiana e da City University of New York. Suas diversas obras incluem volumes de lógica de entretenimento
e problemas matemáticos, estudos de lógica dedutiva em xadrez e coletâneas de ensaios filosóficos e
aforismos. Os desafios que apresentar-se-ão são adaptações de enigmas retirados de um de seus livros, a
respeito de Carroll e Alice. Num primeiro momento apresentar-se-á os enigmas, e logo após suas
respectivas soluções.

Problema 3: O Enigma da Rainha Vermelha (Capítulo 6, pág. 75)

- Você sabe dividir Alice? – perguntou a Rainha Vermelha

27
- Sei é claro! – respondeu Alice.
- Pois bem, suponhamos que você divida onze milhares, onze centenas e onze por
três. Que resto você obtêm? Pode usar estes papéis.
Alice pôs-se a trabalhar e fez a conta.
- Obtenho resto 2. – respondeu Alice.
- Errado!!! – exclamou a Rainha Vermelha triunfante. Está vendo ela não sabe
dividir!!.
- Nadinha de nada..... – concordou a Rainha Branca.
Alice estava certa?

Resoluções

Problema 3: Alice cometeu o erro de escrever onze milhares, onze centenas e onze como 11.111, o
que está errado. Este número (11.111) é onze milhares uma centena e onze. O correto seria:
Onze milhares 11.000
Onze Centenas + 1.100
Onze 11
12.111
O resultado (12.111) é divisível por 3 e portanto o resto é zero. Conclui-se que Alice está errada.
Expectativas

O ideal matemático do professor Charles (Lewis Carroll) é fascinante. Por meio dele é possível
ensinar, sem traumas para ambos os lados, qualquer conhecimento simples de matemática; trauma este
que pressiona o professor, por achar-se impotente perante as dificuldades de seus alunos, e pressiona
também o aluno por achar-se sem condições de aprender determinado assunto. Através da análise
investigativa e do estímulo, fruto da ação docente é possível a realização de uma verdadeira transformação
no ensino desta ciência.
Contudo não se devem abolir as teorias, definições e postulados durante o processo de ensino-
aprendizagem, mas sim apresentá-los de modo mais atraente.
O uso de jogos e problemas, como os discutidos neste trabalho, é um caminho, mas não o único.
Atividades multidisciplinares são de mesmo modo, importantes para a formação de ambos, professor e
aluno. Todavia restringir a Matemática a estes problemas, ou seja, apresentar somente a Matemática
Prática, não enriquece o desenvolvimento da mesma, pois ela não se resume ao troco da padaria.
É função da Matemática fomentar a abstração criativa e o raciocínio lógico que todos, sem distinção de
idade ou sexo, são capazes de desenvolver. Os subsídios para aprender matemática são interesse e
estímulo.
Carroll contribuiu a seu modo. Cabe agora aos professores difundi-lo ou exercitarem a própria
criatividade para garantir o progresso da Matemática. Estou convicto, de que a Matemática, fonte de imenso
prazer intelectual, pode e deve ser ensinada de forma leve e espontânea, para que se obtenha como
resultado, a conquista de inúmeros novos adeptos.

28
Bibliografia
NINA, Cláudia. Alice: Edição comentada para adultos rediscuti pedofilia. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro,
23 nov., 2001. Cadernos. Disponível em :
http://www.jbonline.terra.com.br/papel/cadernos/idéias/2001/11/23/joride20011123001a.html. Acesso em:
08 fev. 2004.
SMULLYAN,Raymund M. , Alice no país dos enigmas: incríveis problemas lógicos no país das maravilhas.
Rio de Janeiro. Jorge Zahar Ed., 2000, 191 p.
MORTARI, Cezar A., Introdução à Lógica. São Paulo: Editora UNESP: Imprensa Oficial do Estado, 2001,
393 p.
PERKINS, David, A Banheira de Arquimedes: como os grandes cientistas usaram a criatividade e como
você pode desenvolver a sua. Rio de Janeiro: Ediouro, 2002,337 paginas

29
MÁXIMOS E MÍNIMOS E TANGENTES A UMA CURVA: A PROPÓSITO DA OBRA DE FERMAT

Juan Carlo da Cruz Silva – UFRN


juansolideo@yahoo.com.br
Iran Abreu Mendes – UFRN
iamendes@natal.digi.com.br

Resumo: Pierre de Fermat (1601-1665) foi um dos mais brilhantes matemáticos franceses do século XVII.
Dentre suas inúmeras contribuições para a matemática, ele foi considerado o iniciador da geometria
analítica (ao lado de René Descartes) e detentor de inúmeros méritos na Teoria dos Números. Sua obra,
nesta área, consiste de alguns teoremas importantes para posterior desenvolvimento matemático como em
seu “Último teorema”, quando propôs que “para qualquer valor n > 2 não existe valores x,y,z, tais que xn + y
n
= zn” e cuja demonstração só foi concretizada com sucesso, recentemente. Neste trabalho abordaremos
um exemplo particular da vasta produção matemática de Fermat em relação aos seus contemporâneos.
Trata-se de dois importantes métodos desenvolvidos por este matemático, por volta de 1629: 1) para
determinar máximos e mínimos e 2) para determinar a tangente de uma curva, pois Fermat desenvolveu-os
antes mesmo de Isaac Newton apresentar, em 1669, o seu cálculo em De analysi per aequationes numero
terminorum infinitas. Por fim, apontaremos algumas conseqüências dos mesmos para o desenvolvimento do
cálculo diferencial na época e teceremos algumas considerações acerca da relação entre os métodos de
Fermat e o modo como atualmente se desenvolve e se ensina o cálculo diferencial.

Considerações Iniciais
Segundo Meneghetti (2001), “os números infinitesimais surgiram primeiro por meio de alguns
problemas nos quais Fermat se envolvera, levando-o a formular seu método para a determinação de
máximos e mínimos. Ele proporcionou a introdução dos infinitesimais na análise” (MENEGHETTI, 2001,
p.348). A afirmação da autora relata a importância da obra de Pierre de Fermat dentro do estudo da
matemática. Sua contribuição é relevante para a matemática do século XVII e posteriores.
Especificamente para o cálculo, Fermat que já possui méritos por criação da geometria analítica
enriqueceu ainda mais os estudos nesta área levantando, junto com os matemáticos do século XVII o
problema das tangentes a uma curva. Mesmo anteriormente a publicação em que Newton apresenta o
cálculo ao mundo matemático, Fermat consolida e publica métodos de determinação da reta tangente.
Trata-se de um problema motivador do cálculo diferencial, baseado no método de achar máximos e
mínimos de curvas e seus métodos são tão concisos que podemos relacioná-los ao que nos dias de hoje
nós vemos e é ensinado nos curso de cálculo.
Considerando que o estudo de tais métodos é de grande relevância para o atual estágio da nossa
pesquisa, deixamos para posteriores estudos a influência que estes tiveram sobre os matemáticos que
depois da consolidação da teoria dos limites desenvolveram o que é atualmente visto como métodos sólidos
para achar tangentes e extremos de curvas.
Nossa finalidade compreende o estudo dos procedimentos matemáticos desenvolvidos por Fermat
buscando relacioná-los com os procedimentos atuais praticados no cálculo diferencial. Para tanto faremos
um breve resumo da obra de Pierre de Fermat de modo a identificarmos e analisarmos seus métodos
visando estabelecer as relações matemáticas previstas. Acreditamos que a partir dessas relações poderá

30
ser possível apontar possibilidades de uso das informações históricas no ensino desse tópico em sala de
aula.

A Obra de Pierre de Fermat


Nascido em 1601, Pierre de Fermat teve uma educação sólida em sua família. Filho de um
comerciante de couros, foi enviado para estudar Direito em Toulouse, onde passou sua vida exercendo o
Direito. Foi conselheiro do Parlamento e morreu em 1665. Ele estudava matemática como “hobbie”, sua
principal ocupação era o direito. Contudo, pode ser considerado o maior matemático francês do século XVII,
visto suas inúmeras publicações.
Fermat começou a se interessar pela matemática durante o envolvimento com a restauração dos
livros de Alexandria, trabalho este que iniciou em 1621 quando, a partir da coleção de Pappus ele começou
a reconstruir os livros de Apolônio. É interessante notar que todo o trabalho de Fermat teve influência dos
gregos antigos devido a ter tido esse trabalho de restauração como ponto de partida. Fermat foi
demasiadamente questionado por seus contemporâneos por usar conceitos e raízes filosóficas dos gregos
antigos, mesmo em vista das descobertas de seu tempo. Apesar disso, ele sempre foi honrado e
considerado um grande matemático, de fato, Laplace, ao conhecer sua obra o chamou de “inventor do
cálculo diferencial” e Pascal confessou que Fermat era “aquele a quem tenho por o maior geômetra de toda
Europa” (COLLETTE, 1993, p. 22).
Fermat tem grandes obras nos campos do cálculo integral e diferencial, teoria dos números, teoria
das probabilidades, geometria analítica, entre outros. Porém, por ser a matemática para Fermat motivo de
entretenimento pessoal pouco publicava sobre seu trabalho. As fontes históricas de seu trabalho consistem
em correspondências que mantinha com os matemáticos de sua época, especialmente com seu amigo
Mersenne, além daquilo que seu filho publicou após sua morte, publicação intitulada Varia opera
mathematica, datada em 1679, e daquilo que foi encontrado em pequenos rascunhos dos textos antigos
que lia. Um fato interessante é que seu chamado “Último teorema” dentro da teoria dos números foi
encontrado em uma margem de um texto de Apolônio e por ser esta margem pequena ficara sem
demonstração durante séculos, pois somente recentemente, no século XX os matemáticos obtiveram sua
prova, se Fermat realmente conseguira ou não uma demonstração correta nunca se saberá. De fato, uma
grande parte de seus trabalhos se perdeu no decorrer do tempo e em meio aos seus rascunhos.
Voltando ao seu trabalho de restauração da obra de Apolônio, Fermat se encontra com o problema
da circunferência tangente a outras três, isso o encaminhou a pensar sobre as tangentes a curvas, um
problema clássico que questionava os matemáticos da época. Os gregos antigos haviam resolvido tais
problemas de maneira insatisfatória para os matemáticos do século XVII que conheciam outros princípios
geométricos e alem disto viam nascer a geometria analítica que associava à geometria métodos algébricos
em vista da resolução de problemas.
Quanto a criação da geometria analítica Fermat, ao lado de Descartes, carrega a sua
responsabilidade, pois paralelamente aos trabalhos de Descartes, ele também criava seus métodos e sua
geometria analítica baseado na análise e na notação de Vieta e nos problemas geométricos dos gregos
antigos. Assim, por perceber que muitos problemas geométricos que os antigos consideravam difíceis o
eram devido a grande dificuldade de expressão destes, Fermat se propõe a alterar a forma de expressão
dos problemas, nasce assim a sua geometria analítica.

31
Outros trabalhos de destaque Fermat realizou, dentre eles, alguns teoremas importantes, entre
1938 e 1644, na teoria dos números, como os seguintes:
• Nenhum número da forma 8k – 1 é quadrado ou soma de rês quadrados;
• Todo número é soma de três números triangulares e mais, de quatro números quadrados, de cinco
números pentagonais, etc;
• 22n + 1 (os números de Fermat) não são primos se 5 < n ≤ 16;
• Se a e p são primos entre si e p é primo então ap-1 ≡ 1 (mod p);

Esta última preposição é chamada de “o pequeno teorema de Fermat” e é estudada em qualquer


curso de graduação de matemática que estude teoria dos números.
Na teoria das probabilidades podemos colocar, segundo Collette (1993), o fato de que Fermat,
antes de 1636, descobre a fórmula da combinação de n elementos p a p, isto é,
n(n − 1)...(n − p + 1)
C pn = (COLLETTE, 1993, p. 36).
p!
Vejamos agora os métodos desenvolvidos por Fermat, no período de 1628 até 1629, que lançam os
princípios do cálculo diferencial e são os antecedentes desta área da matemática.

O Método para Achar Mínimos e Máximos


Em 1637, Pierre de Fermat escreveu Methodus ad disquirendem máximam et minimam, um tratado
em que apresentava seu método para determinar os máximos e mínimos de curvas. Em notação atual esse
método consistia em encontrar os pontos onde a função derivada de primeira ordem se anula, assim Fermat
já havia entendido a condição necessária para o ponto de uma curva ser extremo. Contudo não existia a
teoria dos limites na época em que Fermat descobrira tal método, mesmo a geometria analítica criada por
ele mesmo e seu contemporâneo e rival intelectual René Descartes estava consolidando seu método na
matemática da época, segundo Wussing (WUSSING, 1998, p. 151) Fermat desenvolveu esse procedimento
em cerca de 1629.
Fermat apresenta o método que consistia em acrescentar um valor E > 0 ao ponto de tangencia e
da curva. Se tomarmos E pequeno este novo ponto, digamos A + E (onde A é o ponto de tangencia e
pertence a curva), será próximo ao ponto de tangencia, assim Fermat nos conduz a igualarmos os pontos e
a dividirmos ambos os termos por E, após isto tomamos E = 0, o resultado nos mostra as abscissas dos
pontos extremos da curva. A linguagem de Fermat em seu tratado é a seguinte:

SOBRE UM MÉTODO PARA DETERMINAÇÃO DE MÁXIMO E MÍNIMO.

Dividir o segmento AC em E, de tal modo que o retângulo AE.EC possa ser


máximo.

Seja a reta AC dividida em E, de tal modo que o retângulo AE.EC possa ser
máximo.

32
Seja AC igual a B e um dos segmentos igual a A: o outro será B-A, e o retângulo,
cujo máximo procuramos, será BA – Aq. Agora seja A+E a primeira parte de B, o
resto será B-A-E e o retângulo formado pelos segmentos será BA – Aq + BE - 2AE
– Eq, que consideraremos ser aproximadamente igual a BA – Aq. Removendo
termos comuns:
BE ~ 2AE + Eq
E dividindo por E, B ~ 2A + E.
Desprezando E, B é igual a 2ª. Para resolver o problema devemos dividir a reta ao
meio: é impossível existir um método mais geral.
(MERSENNE, 1932-62 apud BARON, 1985, p.36)

Fermat possuía em seu tratado uma linguagem de certo ponto confusa em relação aos dias atuais,
pois considerava letras maiúsculas tanto como segmentos de retas como constantes e variáveis, alem
disso, não possuia a notação de “ao quadrado”, por isso descrevia a segunda potência de A como Aq.
Outra consideração importante na obra de Fermat é que ele não mostra como determinar se o ponto
encontrado é de máximo ou mínimo, pois como não possuía a teoria dos limites e não conhecia derivação,
jamais notara que seu método é apenas uma condição necessária e não suficiente para obtermos o máximo
ou mínimo. Contudo, acreditava que seu método era o mais fácil e prático método para determinar os
extremos das curvas. De certo modo tinha razão, pois seu método é utilizado até hoje, sobre a forma
equivalente e sobre a teoria dos limites, assim o método de Fermat equivale a:

f (x + E) - f (x)
lim E →0 =0
E
O método de Fermat tem como universo as funções polinomiais, sendo de difícil aplicação para
outros tipos de curvas. Vejamos, em notação atual, um outro exemplo do método de Fermat para encontrar
os extremos de uma curva, com a curva polinomial y=nx3:

F(A) = nA3 ⇒ F (A+E) = n(A+E)3 = nA3 + 3nA2E + 3nAE2 + nE3

Aproximando ambos os termos tornando-os iguais, temos:

nA3 = nA3 + 3nA2E + 3nAE2 + nE3

Simplificando e dividindo por E, segue que:

3nA2 + 3nAE + nE2 = 0

Igualando E a zero temos a equação cujas raízes são as abscissas dos pontos de máximo e
mínimo: 3nA2 = 0. Porém, neste caso além de não podermos determinar o máximo e o mínimo, pois estes
não existem a não ser dentro de um domínio que seja subconjunto próprio dos reais, também não temos,
pelo método de Fermat compreender o ponto de inflexão da curva, daí percebemos as limitações do método
de Pierre de Fermat.

33
O Método para Achar a Tangente a uma Curva
Continuando dentro de seu universo de curvas polinomiais Fermat desenvolveu, baseado no seu
método de achar os extremos das curvas, um segundo método para achar a tangente de uma curva em um
ponto dado a partir de suas subtangentes, isto é, segmentos de retas cujos extremos são a projeção do
ponto de tangencia sobre o eixo e o ponto de concorrência entre a tangente e o mesmo eixo.
Fermat apresenta seu método da seguinte maneira:

SOBRE AS TANGENTES A CURVAS


Usamos o método acima para determinar a tangente a uma curva em um ponto.
Tomemos, por exemplo, a parábola BDN com vértice em D. Consideremos que a
tangente à parábola passa por B e encontra o diâmetro em E. Então, tome
qualquer ponto O sobre a reta BE e trace a ordenada OI; também trace a
ordenada BC no ponto B; temos então que CD/DI será maior que qBC/qOI, pois o
ponto O está fora da parábola; mas, usando triângulos semelhantes, qBC/qOI =
qCE/qIE; segue-se daí que CD/DI é maior do que qCE/qIE. O ponto B é dado, logo
conhecemos BC, o ponto C e CD; seja CD igual a D; seja CE igual a A e CI igual a
D Aq
E; temos que é maior do que , e multiplicando os meios
D−E Aq + Eq − 2 AE
pelos extremos, DAq + DEq -2DAE é maior do que DAq – EAq.
Sejam então os termos aproximadamente iguais, de acordo com o que estabelece
o método; removendo termos comuns, temos,
DEq – 2DAE ~ - AqE , ou, o que dá no mesmo, DEq + AqE ~ 2AED.
Dividindo por E, DE + Aq ~ 2DA.
Desprezando DE vem Aq igual a 2D.
Assim, provamos que CE é igual ao dobro de CD, que é o resultado.
O método nunca falha: ele pode ser estendido a vários problemas; temos usado
também para determinar centros de gravidade de figuras limitadas por retas e
curvas assim como sólidos. Ele une vários outros resultados que podemos
descrever adiante se o tempo permitir.
(MERSENNE, 1932-62 apud BARON, 1985, p.37)

Notamos novamente a dificuldade de expressão de Fermat que torna meio confusa sua explanação,
contudo o seu método é expresso, na atualidade, como:
f (x + E) - f (x)
lim E →0
E
Porém, Fermat fora em seu período questionado publicamente por Descartes sobre a validade de
seu método para outras curvas. O próprio René Descartes também encontrara um método para achar a
tangente a curvas e na busca de validar o seu frente ao de Fermat propôs a este uma curva conhecida
como folium de Descartes (folha de Descartes). A história relata que, sem muitas dificuldades, ele aplicou
seu método corretamente nesta curva encontrou sua tangente.
Por fim, as críticas de Descartes se limitaram às bases conceituais do procedimento de Fermat,
visto que esse ainda aplicava a tangente como definiam os gregos antigos, a reta que se encontra com a

34
curva em um único ponto e todos os seus outros pontos não pertence à curva, de modo distinto de que se
via na época como o limite de cordas, ou seja, os pontos de encontro entre a curva e as cordas se
aproximam indefinidamente até que se encontram transformando a corda na tangente a curva, visão esta
que impregnava os matemáticos da época devido ao princípio descoberto por Cavalieri.
Tanto Fermat como Descartes tentaram estender seus métodos a outros tipos de curvas, alem das
polinomiais, cada um com sua visão sobre tangente e com curvas distintas.

Considerações Finais
A partir das colocações anteriores, podemos verificar que os métodos de Pierre de Fermat,
desenvolvidos no período de pré-descoberta do cálculo, estavam apoiados nos problemas dos gregos
antigos e a medida em que foram aprimorados a luz de uma grande e nova invenção do século XVII, a
geometria analítica fizeram surgir as bases do cálculo diferencial.
Assim, fica evidente que, a associação da álgebra aos problemas geométricos abordados por
Fermat foi lançada a semente do cálculo diferencial que teve em Newton e Leibniz seus grandes agentes de
desenvolvimento.
Acreditamos, portanto, que os estudos elaborados posteriormente, acerca da reta tangente e dos
extremos de uma curva, têm de, certo modo, a influência do pré-cálculo de Fermat e das refutações
emitidas por Descartes sobre este.
Contudo, sabemos que as idéias matemáticas desenvolvidas no cálculo apontam, atualmente, para
além dos estudos sobre as tangentes e os extremos, realizados por Fermat. Desse modo é possível
reconhecermos a importância de dois fatos para tal expansão: a teoria dos limites e o refinamento da
notação (em grande parte devido aos estudos de Leibniz que geraram o cálculo).
Notamos as falhas dos métodos de Fermat embasadas principalmente na notação, e na falta de
explanação dos porquês de tais métodos, mas Fermat tinha como objetivo explanar sobre os métodos e não
lançar fundamentações teóricas sobre estes como se já estivessem sido consolidados. Além disso, no caso
dos extremos a sua falta de exatidão quanto a determinação de máximo e mínimo, bem como a de
percepção da existência de pontos de inflexão.
Cabe-nos, também, perceber que mesmo com tais problemas a obra de Fermat é bastante
importante pelo seu avanço no contexto matemático em que se desenvolvia bem como pela sua validade,
que se permeia até hoje dentro de outros contextos teóricos.

Bibliografia
BARON, Margareth E. Curso de História da Matemática. Origens e Desenvolvimento do Cálculo. Unidade 2:
indivisíveis e infinitésimos. Trad.: José Raimundo Braga Coelho.Brasília: Ed. Universidade de Brasília, 1985.
BOYER, Carl B. Historia da Matemática. Trad.: Elza Gomide. 2ª edição. New York: Editora Edgar Blücher
Ltda, 1974.
COLLETE, Jean-Paul. História de lãs matemáticas II. Madrid: Siglo Veinteuno de Espana Editores, SA,
1993.
EVES, Howard. Introdução à Historia da Matemática. Trad.: Hygino H. Domingues. Campinas: Editora da
Unicamp, 1995.
MENEGHETTI, Renata C. G. O Desenvolvimento do Cálculo: alguns aspectos. In: Fossa, John A. (editor)
Anais do IV Seminário Nacional de História da Matemática. Rio Claro: Editora da SBHMat, 2001.

35
VILLARREAL. Mônica E. O problema das retas tangentes: a sua resolução na história da matemática de
Euclides a Barrow. In: Nobre, Sergio (editor) Anais do 2o encontro luso-brasileiro de história da matemática
e II seminário nacional de história da matemática. São Paulo: Águas de São Pedro, 1997.
WUSSING, Hans. Lecciones de História de las Matemáticas. Madrid: Siglo Veintiuno de Espana Editores,
SA.,1998.

36
ANÁLISE HISTÓRICO-EPISTEMOLÓGICA DAS IDÉIAS DE LEIBNIZ
SOBRE O MÉTODO DA TRANSMUTAÇÃO

Julio Faria Correa – UEL


juliofc13@gmail.com
João Ricardo Viola dos Santos – UEL
jr_violasantos@yahoo.com.br
Márcia Cristina de Costa Trindade Cyrino – UEL
marciacyrino@uel.br

Resumo: Um dos objetivos da História da Matemática é o de descrever, analisar e explicar o processo de


desenvolvimento do conhecimento matemático tendo em vista os diferentes modos de sua geração,
organização e difusão. A análise crítica destes modos pode (re)significar a compreensão dos conceitos bem
como ampliar nosso entendimento sobre sua constituição revelando os acertos, erros, avanços e
retrocessos. Acreditamos que a História da Matemática pode auxiliar na formação inicial de professores de
matemática, tomada como um campo de investigação, formando profissionais críticos e reflexivos, que por
sua vez, podem auxiliar na formação de cidadãos responsáveis atuantes na sociedade. O objetivo deste
artigo é realizar uma análise histórico-epistemológica do método da transmutação de Leibniz, suas
contribuições para o desenvolvimento do cálculo diferencial integral, tendo vistas a algumas relações com
as técnicas e notações atuais do cálculo.

Palavras-chaves: História na Educação matemática, transmutação, formação de professores.

1 Introdução
Reaver os caminhos trilhados pela humanidade na constituição dos objetos matemáticos,
analisando criticamente as trajetórias percorridas, as dificuldades encontradas, as alternativas tomadas em
vista destas, os erros e acertos, ou seja, as formas com as quais o homem ao longo de sua história
construiu e se apropriou de artefatos e mentefatos, conhecimentos e construtos, podem, não somente,
ampliar o campo de visão a cerca de sua realidade, como também (re)significar o modo como o homem à
concebe (SANTOS & CYRINO, 2005).
Um dos campos de investigação da História da Matemática na Educação Matemática tem sido o de
estudar as implicações da história nas práticas pedagógicas, sob diferentes perspectivas teóricas. As
investigações das relações – por meio de análises histórico-epistemológicas – entre os “caminhos trilhados”
e os que estão sendo construídos, realçam interfaces entre estes dois contextos e podem modificar
qualitativamente a educação matemática. As potencialidades pedagógicas da História da Matemática, para
promoção de significados nos conteúdos matemáticos, são estratégias para melhoria do ensino e da
aprendizagem e fazem parte de um campo de investigação, o da História na Educação Matemática.
Nos últimos anos vários autores vêm se dedicando a construção de propostas didáticas fazendo uso
da história da matemática. No campo de investigação História na Educação Matemática vemos algumas
perspectivas teóricas constituídas ou em construção. Entretanto Miguel & Miorim (2004) revelam uma
limitação no que diz respeito a estas perspectivas. Muitas vezes elas não vão além do terreno restrito da
História da Matemática propriamente dita. Assim, estudos que busquem na História da Matemática a

37
realização de projetos em educação matemática, formação de professores ou na educação matemática
escolar são de extrema importância para uma melhoria no quadro educacional brasileiro.
Um dos objetivos da História da Matemática é o de descrever, analisar e explicar o processo de
desenvolvimento do conhecimento – em particular o matemático – tendo em vista os diferentes modos de
se organizá-lo (D’AMBRÓSIO, 1999). Devemos atentar, não somente, para o desenvolvimento do conceito
matemático, mas também para o contexto – social, político, cultural – tendo assim uma visão holística do
conhecimento na relação dialética do homem com sua realidade.
Na formação inicial do professor de matemática poucas vezes, a não ser na disciplina de História da
Matemática, os professores fazem uso da história nas aulas (Cálculo, Análise Real ou Álgebra Linear). Na
grande maioria das Licenciaturas em Matemática, permeia uma concepção de Matemática na qual o
importante são os resultados, as relações entre os objetos matemáticos e suas propriedades, não sendo
importante suas origens, seu desenvolvimento e as várias maneiras de significa-los ao longo da história.
Nesse momento em que os cursos de licenciatura em Matemática estão em processo de
reestruturação, consideramos que é indispensável, nas discussões sobre currículo, buscarmos momentos
nos quais os futuros professores possam conhecer, entender e refletir sobre o modo pelo qual a matemática
foi produzida e constituída ao longo da história da humanidade, nas diferentes culturas.

[...] Não se trata simplesmente de uma reestruturação da grade curricular, tão pouco de
alterar a metodologia utilizada pelos professores que trabalham na formação. Trata-se
de rever a concepção de formação de professores e, conseqüentemente, a sua prática
pedagógica (CYRINO, 2005, p.53).

Desse modo, seria interessante buscar uma formação na qual os futuros professores pudessem
vivenciar, refletir e se conscientizar de que a produção/difusão de conhecimentos é um processo que
envolve transformação, criatividade, criticidade, liberdade solidária e participação ativa na constituição dos
saberes.
Assim o objetivo deste trabalho é realizar uma análise histórico-epistemológica da regra da
transmutação de Leibniz, suas contribuições para o desenvolvimento do cálculo diferencial integral, tendo
vistas a algumas relações com as técnicas e notações atuais10.

2. O Uso da História da Matemática na Formação de Professores


Temos a História da Matemática como uma grande colaboradora na organização do currículo, no
desenvolvimento de uma abordagem multicultural e no resgate da identidade cultural de uma determinada
sociedade. A fim de desenvolver ‘novas’ maneiras de abordar certos problemas, acreditamos que a
investigação das dificuldades enfrentadas pelos povos e suas ações para supera-las, pode ser uma rica
fonte para entendermos nosso presente na busca de transcender nossa realidade.
Baroni, Teixeira e Nobre (2004, apud Fauvel & Mannem, 2001) destacam as funções básicas do uso
da História da Matemática na formação inicial de professores:
- elevar os futuros professores a conhecer a matemática do passado (função direta da História da
Matemática);

10
Este artigo se insere em um projeto maior desenvolvido no departamento de Matemática da UEL sob orientação da professora Dra
Márcia C. C. T. Cyrino, que tem como objetivo a constituição e aplicação de uma proposta didática sobre o calculo diferencial
integral, utilizando a História da Matemática na Educação Matemática de futuros professores.

38
- melhorar a compreensão da Matemática que eles irão ensinar (funções metodológica e
epistemológica);
- fornecer métodos e técnicas para incorporar materiais históricos em sua prática (o uso da
História em sala de aula);
- ampliar o entendimento do desenvolvimento do currículo e de sua profissão (a História do
Ensino de Matemática); (BARONI, TEIXEIRA E NOBRE, p. 170, 2004).
O conhecimento da história da matemática, bem como o da história da humanidade, fornece a
visão de que a matemática não é um corpo de conhecimento pronto/ acabado, irrefutável e infalível. Vemos
que a matemática foi constituída por muitas tentativas, erros e acertos, de solucionar problemas internos e
externos a ela, e se apresenta como uma forma de conhecimento, uma atividade, que o homem se
apropriou ao longo da sua evolução na busca de sua sobrevivência e transcendência.
Apropriar-se de diferentes formas de representação de um conceito matemático pode melhorar
seu entendimento e conseqüentemente sua compreensão. Temos na história várias tentativas de
constituição de métodos, por meio de linguagens, para a solução de problemas que os indivíduos tinham
em determinadas épocas. No século XVII Newton – na Inglaterra – e Leibniz – na França – constituíram os
conceito de integração e diferenciação por caminhos distintos tendo objetivos diferentes11. Estudando essas
várias representações, suas relações e comparando-as podemos melhorar o processo de ensino e de
aprendizagem de um conhecimento matemático.
Muitas vezes os professores, em geral, desconhecem as articulações dos conteúdos matemáticos,
isto é, não relacionam idéias que são veiculas por conceitos diferentes, e trabalham com os alunos como se
esses conceitos fossem totalmente estanques. Por meio da História da Matemática podemos identificar
estas relações, dando uma maior visão sobre o currículo e de como trabalhar conceitos diferentes com
idéias semelhantes, ou seja, articulando os conteúdos matemáticos.
Não somente relacionar os conteúdos, como também buscar as origens destes – sendo que muitas
vezes podem ser distintas – o contexto e as necessidades de determinada época. Não há outra
possibilidade de entender o desenvolvimento destes fatos sem recorrer a história da matemática e da
humanidade.
O uso e a visão da História da Matemática deve permear esses olhares na formação inicial do
professor de matemática, bem como sua formação crítica como um educador, interessado sim, em um vasto
conhecimento de matemática, mas também no modo como esta atividade influenciou e influencia o
desenvolvimento da humanidade, os grandes avanços proporcionados para a melhoria de nossa
sobrevivência – como energia elétrica, saneamento básico, produção de alimentos – e os grandes
retrocessos, como a criação de bombas nucleares, poluentes do nosso ambiente, sistemas econômicos
excludentes e toda forma de desigualdade entre os seres humanos. Compreender o desenvolvimento
histórico e em particular o desenvolvimento da História da Matemática, pode nos ajudar na busca de uma
sociedade igualitária, com uma melhor qualidade de vida para todos.
D’ Ambrósio (1999) afirma:
“ao historiador das ciências e tecnologias cabe não apenas o relato dos grandiosos
antecedentes e conseqüências das grandes descobertas científicas e tecnológicas, mas
sobretudo a análise crítica que revelará acertos e distorções nas fases que preparam os

11
Neste artigo iremos mostrar algumas das idéias de Leibniz.

39
elementos essenciais para estas descobertas e para sua expropriação e utilização pelo
poder estabelecido (D’AMBRÓSIO, p. 104, 1999).”

3. Método da Transmutação de Leibinz


Em Paris Gottfried Wilhelm Leibniz (1646-1716) estudou Matemática e Física sob a tutela de
Christiaan Huygens, começando em 1672. Seguindo seus conselhos, Leibniz leu o trabalho de Saint-
Vincent sobre séries e fez algumas descobertas nesta área. Durante o períodoque permaneceu em
Paris(1672-1676), Leibniz desenvolveu as noções básicas de sua versão do Cálculo. Em 1673 ele ainda
estava batalhando para desenvolver uma boa notação para seu Cálculo e suas contas eram confusas
Leibniz, em seus estudos na busca de encontrar métodos gerais para determinação de áreas e
tangentes, desenvolveu o método da transmutação. Este método constitui-se na determinação de áreas sob
curvas, ou seja, a quadratura de curvas12. Apresentamos a seguir o método de Leibniz sob uma curva dada.

Figura 1

Seja A a área delimitada pela curva OcCB, na Figura 1. Essa área pode ser obtida por: A = (Σ
triângulos Occ’) + ∆ OCB.
Para encontrarmos a área do triângulo Occ’, considere a tangente cg que intercepta o eixo vertical
em s, e seja Op perpendicular a tangente (figura 2).

Figura 2

Temos que

12
Na matemática grega antiga, os problemas de encontrar áreas sob curvas eram formulados em termos da obtenção de um quadrado
com área igual. O Problema geral de obtenção de áreas ficou conhecido como quadratura. Para maiores detalhes ver Baron,
unidade 1, 1985.

40
área ∆Opc ' - área ∆Opc = área ∆Occ '
1 1
Op ⋅ pc ' − Op ⋅ pc = área ∆Occ '
2 2
1
Op (pc ' − pc ) = área ∆Occ '
2

Notamos que ao aproximarmos o ponto c’ ao ponto c, estamos formando o ∆Opc’ com c’ tão

próximo quanto se queira da tangente cg. Logo pc ' − pc = cc ' . Portanto,

1 '
área ∆ Occ = cc × Op .
'

Figura 3

O triângulo característico13 cdc’ (figura 3) é semelhante a ∆ Ops, portanto,

cd : cc' = Op : Os
logo
cc' × Op = cd × Os (i)

Ao traçar sq paralelo ao eixo horizontal interceptando as ordenadas bc e b’c’ em q e q’


respectivamente, teremos (figura 4):

13
Leibniz generalizou o triângulo proposto por Pascal, que usava somente para círculos. Para maiores detalhes ver Baron, unidade 3,
p. 47, 1985.

41
Figura 4

(i )
1 1 1
área ∆Occ ' = cc ' × Op = cd × Os = área bqq' b'
2 2 2

Para encontrarmos o somatório das áreas dos ∆Occ’, e com isso, encontrar a quadratura da curava
OcC, marcamos para cada ponto c nesta curva o ponto correspondente q, gerando a nova curva OqQ. Pela
fórmula anterior temos que a área do triangulo Occ’ é a metade da área do retângulo bqq’b’. Logo,

A = (Σ ∆ Occ’) + ∆ OCB
1
= (Σ bqq’b’) + ∆ OCB
2
1
= área OqQB + ∆ OCB.
2

Esta é a regra da transmutação. Ela reduz a quadratura de uma curva OcC, que não conhecemos, a
quadratura de um outra curva OqQ, que pode ser construída a partir da curva dada, mediante suas
tangentes. Portanto a regra é úttil quando a quadratura da nova curva é por acaso mais simples que a da
curva dada (BARON, 1985).
Mostraremos abaixo um exemplo reescrevendo a regra da transmutação utilizando a linguagem
moderna.

A curva OqQ pode ser dada analiticamente por:

dy
cq = x
dx
tal que

dy
bq = z = y − x
dx
dy
onde é a derivada da função y, que representa a curva dada, em relação a x, isto é, o cateto oposto
dx
(cq) sobre o cateto adjacente x.

42
Figura 5

Como vimos à regra da transmutação é dada por:

1
A= área OqQB + ∆ OCB.
2
Portanto,
x0
1 x0 1
∫ ydx = 20
∫ zdx + x 0 y 0
2
0

x0
1 x0⎛ dy ⎞ 1
∫ ydx = ∫
2 0⎝
⎜y − ⎟dx + x 0 y 0
dx ⎠ 2
0

x0
1 x0 1 y0 1
∫ ydx = 2 ∫ ydx − 2 ∫ xdy + 2 x 0 y 0
0 0 0

Outra maneira de se escrever esta fórmula é a seguinte:

1 x0 1 y0 1 x0 y0

∫ ydx = ∫ xdy + x 0 y 0 ⇔ ∫ ydx = x 0 y 0 − ∫ xdy


20 20 2 0 0

Que é a regra da cadeia do cálculo moderno.

4. Considerações Finais
Este pequeno trabalho é o início de um estudo maior que visa a elaboração de uma proposta
didática para alguns assuntos tratados em um curso de cálculo fazendo uso da História da Matemática.
Recorrendo à História da Matemática vimos um pouco da maneira como se constituiu o cálculo no
século XVII, especificamente o método da transmutação de Leibniz. Com isso, pudemos ter uma outra
compreensão das idéias de derivadas e integrais, que estavam relacionadas com a obtenção de tangentes
e áreas sob curvas, respectivamente. Este tipo de conhecimento na formação inicial do professor é de
extrema importância na (re)significação desses conceitos, pois o que geralmente é tratado nos cursos de
cálculo são técnicas e métodos de resolução de integrais e derivadas.

43
Leibniz estava preocupado com o desenvolvimento de métodos mais gerais o possível. O método
da transmutação é um sistema coerente que soluciona problemas sobre curvas quaisquer (tangentes e
áreas). Outros estudiosos como Fermat, Torriccellli, Gregory e Barrow, contemporâneos a Leibniz,
desenvolveram métodos para curvas particulares, não conseguindo métodos mais gerais.
Reaver os caminhos trilhados pela humanidade na constituição dos objetos matemáticos é uma
maneira que possibilita uma maior compreensão destes, uma visão do desenvolvimento da matemática
tendo-a como uma forma de conhecimento repleta de erros e acertos e uma ‘nova’ maneira de conceber e
atuar na realidade de uma forma crítica e reflexiva.
Este tipo de trabalho possibilita uma análise crítica do desenvolvimento da matemática,
oportunizando os professores, em sua formação inicial, reflexões perante esse conhecimento, levando-os a
uma diferente relação com o mesmo, podendo desenvolver prática pedagógica comprometida com a
formação de cidadãos conscientes de na constituição de uma sociedade igualitária.

5. Referências Bibliográficas
BARON, M. E. Curso de História da Matemática: origem e desenvolvimento do Cálculo. Brasília, UnB, v.
1/2/3/4/, 1985.
BARONI, R. L. S.; TEIXEIRA, M. V.; NOBRE, S. A investigação científica em história da matemática e suas
relações com o programa de pós-graduação em educação matemática. In: Educação Matemática:
pesquisa em movimento. BICUDO, M.A..V e BORBA, M.C. (eds). São Paulo: Cortez, 2004.
CYRINO, M.C.C.T. A matemática, a Arte e a Religião na Formação do Professor de Matemática. BOLEMA,
Ano18, n.23, p.41-56, 2005.
D’AMBRÓSIO, U. A História da Matemática: questões historiográficas e políticas e reflexos na Educação
Matemática. In: Pesquisa em Educação Matemática: Concepções & Perspectivas. BICUDO, M.A.V. (ed).
São Paulo: EDUNESP, 1999.
MIGUEL, A.; MIORIM, M.A. História na Educação Matemática: propostas e desafios. Belo Horizonte:
Autêntica, 2004.
SANTOS, J.R.V.; CYRINO, M.C.C.T. Reflexões sobre História da Matemática na Educação Matemática de
futuros Professores de Matemática. Resumos... do VI Seminário de História da Matemática. Brasília:
SBHMat, p. 76-77, 2005.

44
MÉTODOS DAS FLUXÕES, DERIVADAS E INTEGRAIS:
A CONSTITUIÇÃO E DIFUSÃO DE UM CONHECIMENTO MATEMÁTICO NA FORMAÇÃO DO
PROFESSOR

João Ricardo Viola dos Santos – UEL


jr_violasantos@yahoo.com.br
Julio Faria Correa – UEL
juliofc13@gmail.com
Márcia Cristina de Costa Trindade Cyrino – UEL
marciacyrino@uel.br

Resumo: As “pseudo-licenciaturas-em-matemática” pouco estão ajudando na formação inicial dos futuros


professores de matemática. A forma como o conhecimento matemático é tratado hoje nas universidades
pouco ajuda na constituição de um cidadão crítico e reflexivo frente aos problemas locais e globais da sua
existência. Analisar as formas com as quais o homem ao longo de sua história construiu e se apropriou de
artefatos e mentefatos, pode ampliar o campo de visão a cerca de sua realidade, como também
(re)significar o modo como ele à concebe. Este artigo tem por objetivo realizar uma análise histórico-
epistemológica frente às origens e desenvolvimentos do cálculo tendo um olhar especifico para o Método
das Fluxões de Newton, mostrando a importância deste tipo de estudo na formação inicial dos professores
de matemática.

Palavras chaves: História na Educação Matemática, Método das Fluxões, Formação de Professores.

Primeiras palavras
O que é integral? O que é derivada? De onde vieram estes termos? Por quê e para quê eles foram
criados? Qual ou quais contextos sócio-históricos que vigoravam em tal ou tais épocas nas quais foram
constituídos estes conceitos? Quando discutiremos o processo de constituição de um conhecimento
matemático, um pouco dos caminhos trilhados, dos erros cometidos, das “idas e vindas” até chegar no
produto final, uma demonstração pronta acabada?
Estas são algumas perguntas que sempre acompanharam e acompanham a vida dos licenciandos
em matemática. Não respondê-las e ignorá-las revela uma concepção de matemática na qual muitos
professores refugiam-se em um jargão extremamente usado pelos mesmos: “a matemática não é para
qualquer pessoa, é muito abstrata, difícil e complicada”. Frente a esse quadro temos uma alta taxa de
evasão no curso de matemática, uma não significação dos conceitos e apenas – sendo que às vezes isso
não é alcançado – o aprendizado da linguagem matemática, fórmulas e demonstrações decoradas, técnicas
e algoritmos mecanizados.
Saímos das nossas graduações em frustrados sobre o desenvolvimento desta atividade14 e
alienados sobre a constituição do conhecimento matemático.

14
Estamos entendendo matemática, da raiz grega mathema + tica, (arte, técnica de aprender, conhecer), como uma atividade do
homem frente a sua relação com o meio em que ele vive. Uma forma de conhecimento para sobreviver e transcender na sua
existência.

45
A metáfora abaixo retrata a sina de muitos licenciandos desta “pseudo-licenciatura”. As perguntas do
primeiro parágrafo se inserem neste quadro:

“Estamos em uma “nave intergaláctica”, da qual sabemos que devemos apertar alguns
“botões”, em certas horas pré-determinadas, que não temos a menor idéia de onde vieram, por que
vieram e para que servem, e como foram construídos – ressalto: “eles” sempre dizem que serve
para muitas coisas, mas nunca listam quais são elas - ; estamos em uma nave em que não nos
contam nenhuma relação entre as “cabines” e as possíveis conexões a fazer entre elas; em uma
nave, cujo o “destino de chegada” nunca nos disseram, pois este se confunde com as visões
multifacetadas, crenças e concepções do que seja esta “ nave”, para uma “pseudo-licenciatura” em
matemática”.

Nunca nos dizem “os porquês”, nos mostrando o contexto social-histórico-epistemológico de algum
conteúdo matemático, algumas formas diferentes de pensar o mesmo conteúdo, bem como seu processo
de constituição.
Este retrato, de uma “pseudo-licenciatura-em-matemática”, revela que muitas vezes no curso não
há uma preocupação com o significado dos conceitos veiculados, sendo que podemos notar que nelas
permeiam uma concepção de matemática internalista, na qual seus objetos tem uma natureza simbólica
(LINS, 2004).
“Eureka”, Lins respondeu em parte uma de nossas perguntas: O matemático não diz o que são os
“botões”, apenas diz o que de um “botão azul” é importante para um outro “botão vermelho”.
Em Lins (2004), vemos claramente este fato:

“A natureza simbólica da matemática se opõe à natureza ontológica – quer dizer que os


objetos são conhecidos não no que eles são, mas apenas em suas propriedades, no que
deles se pode dizer (LINS, 2004 p.96)”.

Vários de nossos professores vêem a matemática com uma concepção formalista na qual o
interessante é estabelecer relações entre os entes, não importando quais são estes entes.
Muito da matemática Egípcia era tratada de forma empírica, sendo que a mesma servia para
resolver os problemas que os indivíduos necessitavam. Mesmo após várias sistematizações ocorridas
durante o desenrolar da história, dando um caráter mais de linguagem para a matemática, temos Newton,
século XVII, constituindo conceitos frente a relações físicas que era de seu interesse. Notamos que apenas
na primeira metade do século XIX, e se consolidando na segunda metade deste século e na primeira
metade do século XX, aconteceu um processo de profissionalização do matemático (LINS, 2004).
Pensamos que este processo, assim como o desenvolvimento histórico-epistemológico como um todo, teve
e tem grandes influências no ensino e aprendizado da matemática, permeando nas legitimidades dos
significados produzidos na sala de aula.
A forma como o conhecimento matemático é tratado hoje nas escolas e universidades pouco ajuda
na constituição de um cidadão crítico e reflexivo frente aos problemas locais e globais da sua existência. Os
alunos saem com perguntas sobre a natureza da matemática e sua aplicabilidade, quando deveriam sair
com algumas respostas e outras perguntas que transcenderiam aquelas do primeiro parágrafo. Estamos

46
aqui a tomar a idéia de Santos (2000, apud Cyrino, 2003) sobre conhecimento-emancipação na qual
caracteriza-se por elevar o outro de objeto a sujeito, saindo do ponto de ignorância – que denomina por
colonialismo – chegando a ponto de saber – que se denomina por solidariedade.
Nossos esforços devem permear esta visão sobre a humanidade, conhecimento e as relações
dialéticas instaladas nesta interação. As possíveis relações entre as formas de conhecimentos15 e o como
educar por meio delas nossos alunos, devem estar sempre em pauta dos cursos de formação inicial de
professores de matemática.
Entretanto para termos condições de trabalhar um conhecimento matemático tendo vistas o
conhecimento-emancipação devemos e precisamos recorrer a história. Frente aos paradigmas que se
instalaram no desenvolvimento da humanidade, em particular no desenvolvimento da matemática, ocorreu
um processo de expropriação dos significados pelos sujeitos, uma lacuna entre a geração, constituição e
difusão do conhecimento. Este produzido pelo homem é negado a ele por este processo – necessário para
o desenvolvimento dos artefatos e mentefatos, mas contraditório na dinâmica de sua negação do
conhecimento ao homem – de expropriação. Como bem nos coloca D’Ambrósio (2001):

“Todo conhecimento é resultado de um longo processo cumulativo, onde se identificam


estágios naturalmente não dicotômicos entre si, quando se dá a geração, a organização
intelectual, a organização social e a difusão do conhecimento. Esses estágios são
normalmente objeto de estudo de teoria da cognição, de epistemologia, de história e
sociologia, e de educação e política” (D’ABRÓSIO, 2001, p. 19).

Assim, não estamos a desenvolver uma abordagem recapitulacionista (MIGUEL, 2003). A história
da matemática não é concebida aqui unicamente como um conjunto cumulativo de fatos, resultados ou
idéias.
Concebemos-a como um campo de possibilidades de constituição de situações, contextos e
circunstâncias culturais, propicias para apropriação do conhecimento matemático, bem como das
significações intra e interculturais produzidas e negociadas.
Nosso objetivo neste trabalho é realizar uma análise histórico-epistemológica frente às origens e
desenvolvimentos do cálculo tendo um olhar especifico para o Método das Fluxões de Newton. Confrontar o
modo de pensar o conceito de derivada e integral por Newton e o que temos hoje mostrando a importância
deste tipo de estudo na formação inicial dos professores de matemática.

Panorama Geral das Idéias sobre as Origens e Desenvolvimento do Cálculo


Durante o desenvolvimento da história da matemática as idéias de quadrar curvas e determinar
tangentes desencadearam o desenvolvimento do cálculo e culminaram na relação de integração e
diferenciação, passando pelos números irracionais, os indivisíveis e os infinitésimos.
Iniciaremos este panorama16 voltando aos paradoxos de Zenão (flecha, tartaruga e Aquiles), sendo
que ele acabou com o sonho de Pitágoras frente os números governarem o mundo, mostrando que existem
comprimentos de retas que não podem ser medidos. Com isso permitiu transcendermos a visão do

15
Outras formas de conhecimentos, não sendo o matemático, são a arte e a religião. Para maiores detalhes sobre como elas se
interagem ver Cyrino 2003, As várias formas de conhecimento e o perfil do professor de matemática na ótica do futuro professor.
16
Não queremos aqui determinar como a história se fez. Apenas daremos a nossa visão, a nossa história frente o desenvolvimento do
conceito.

47
mensurável e podermos chegar o conceito de limite e incomensurável. Arquimedes foi também um grande
estudioso que deu sua contribuição para o desenvolvimento do cálculo pelo seu método de equilíbrio, mais
conhecido como método da exaustão. Segue-se a proposição deste método: “se de uma grandeza qualquer
se subtrair uma parte não menor que sua metade, do restante subtrai-se também uma parte não menor que
sua metade e assim por diante infinitamente”.
Segundo Eves (2004, p. 424) o método de exaustão confundi-se em essência com a moderna idéia
de integração.
Tanto Cavalieri quanto Fermat estavam desenvolvendo métodos de quadrar curvas. Até então eles
conheciam alguns destes para algumas curvas e não tinham uma generalização para todas as curvas.
Cavalieri, em seu método dos indivisíveis, definiu indivisível de uma porção plana dada é uma corda
dessa porção e indivisível de um sólido dado é uma secção desse sólido. Imaginemos cinco livros um em
cima do outro. Cada livro seria um indivisível. Agora imaginemos que cada livro tenha 200 páginas. Cada
página seria um indivisível de cada livro sendo que, cada livro é um indivisível dos cinco livros. Esta era a
idéia de Cavalieri.
Analogamente as idéias de Arquimedes, os princípios de Cavalieri podem se tornar ferramentas
rigorosas com o cálculo moderno (EVES, 2004). Vemos que muitas idéias intuitivas se originaram nesta
época, ou seja, o conceito eles tinham. Necessitavam apenas de uma linguagem própria para sua
fundamentação lógica sendo que esta apareceu primeiramente em forma não tão fundamentada com
Newton e Leibniz e depois no século XVIII, XIX e XX com a expansão da análise.
Wallis (1606-1703) e Barrow (1630-1677) fizeram grandes contribuições para o desenvolvimento do
cálculo sendo que o primeiro fez grandes avanços na teoria da integração (quadratura de figuras) criando o
símbolo atual de infinito e o segundo na teoria de diferenciação (tangentes de curvas). No momento
histórico ao qual eles viviam as idéias de integração, diferenciação, a relação inversa entre as duas e o
conceito de limite já estavam constituídos. Estes matemáticos tentavam a sistematização destas idéias por
meio da geometria Euclidiana o que não foi muito vantajoso frente às ferramentas que a mesma oferece.
Para eles, faltava uma linguagem sistemática de regras analíticas formais do pensamento dos conceitos. O
“pulo-do-gato” se deu com Newton e Leibniz que não recorreram a geometria euclidiana, mas sim a uma
linguagem que os mesmos criaram. Esta linguagem pode sistematizar e generalizar todos os conceitos que
seus predecessores haviam elaborado.

Método das Fluxões


O Método das Fluxões criado por Isaac Newton (1642 – 1727), um conhecedor de conhecimentos,
que viveu na Inglaterra e desenvolveu suas pesquisas em Cambrigde, foi uma das sistematizações das
idéias correntes na época, sobre a constituição do cálculo diferencial integral, como conhecemos hoje.
Em seus estudos estendeu e unificou vários processos de cálculo e com isso conseguiu uma
grande façanha frente aos seus colegas que vinham durante muito tempo criando algumas formas de
pensar e olhar para o cálculo. Entretanto, como ele próprio dizia: “se consegui chegar tão longe, foi porque
estava em ombros de gigantes”, temos uma visão de que todos os estudiosos daquela época tiveram seu
merecimento na constituição do cálculo e que Newton foi um desses.

48
Newton elaborou o Método das séries infinitas17 que o ajudou muito a desenvolver o Método das
Fluxões, que iremos descrever abaixo de maneira sucinta.
Ele relacionou o cálculo com as noções de movimento na constituição do Método das Fluxões.
Tinha os seguintes problemas nos quais desenvolveu sua teoria. Iremos exemplificar estes problemas com
a linguagem que temos hoje.

1) Se s = f (t) é uma função, na qual t é o tempo e s é a distancia, qual é a velocidade?

Podemos notar neste problema que ele tinha a função e queria saber a velocidade, ou seja, a derivada.

ds
2) Se g( t ) = = v é uma função, na qual t é o tempo, s é a distância e v é a velocidade, qual é o
dt
valor de s?

Podemos notar que aqui ele tinha a variação do espaço em função do tempo, e queria achar o espaço, ou
seja, a integral.

Para Newton resolver estes problemas criou uma linguagem a qual definiu fluentes e fluxões.

- x, y são fluentes: variáveis que aumentam ou diminuem em função do tempo;


. .
- x, y são fluxões: velocidades destas quantidades;

Usando as definições de Newton temos o seguinte problema:

Qual a relação entre as fluxões (velocidades/derivadas) das quantidades, quando temos uma
relação entre seus fluentes (variáveis que aumentam ou diminuem em função do tempo) conhecida?

Dada uma função iremos demonstrar esta relação, chegando ao conceito conhecido hoje como
derivada. O método das fluxões foi elaborado em 1671 em uma época que a Universidade estava fechada
pelo medo da infecção da peste bubônica que atingia a Inglaterra.

Definindo algumas variáveis:

o = momento, infinitamente pequeno;


x, y = fluentes;
. .
x, y = fluxões;

.
1) x é expresso pelo produto de sua velocidade ( x ) por uma quantidade o infinitamente pequena (o):

17
Para maiores detalhes consultar Baron, 1985.

49
.
x = xo

2) A relação abaixo, entre x e y, é válida em todos os instantes, logo temos que:

f ( x, y ) = 0
. .
f ( x, y ) = f ( x + x o, y + y o)
pois, o é infinitamente pequeno.

Iremos substituir os momentos das quantidades dos fluentes na equação abaixo:

x3 − a x2 + a x y − y3 = 0
. . . . .
( x + x o) 3 − a ( x + x o) 2 + a ( x + x o) ( y + y o) − ( y − y o) 3 = 0
. . . . . . .
( x 3 + 2 x 2 x o + x ( x o ) 2 + x 2 x o + 2 x ( x o ) 2 + ( x o ) 3 ) − (a x 2 + a 2 x x o + a ( x o ) 2 ) +
. . . .
+ (a x y + a x y o + a x o y + a x y o 2 ) −
. . . . .
− ( y 3 + 2 y 2 y o + y( y o) 2 + y 2 y o + 2y ( y o) 2 + ( y o) 3 ) = 0

eliminando os termos que são iguais a zero, temos:

. . . . . . .
2 x 2 x o + x ( x o) 2 + x 2 x o + 2 x ( x o) 2 + ( x o) 3 − a 2 x x o + a ( x o) 2 +
. . . . . . . . .
+ a x y o + a x o y + a x y o 2 − 2 y 2 y o − y( y o) 2 − y 2 y o − 2y ( y o) 2 − ( y o) 3 = 0

Dividindo todos os termos por o, temos:

. . . . .
3 x x 2 + 3( x ) 2 o x + ( x ) 3 o 2 − 2 a x x − a( x ) 2 o +
. . . . . . .
+ a x y + a y x + a x y o − 3 y y 2 − 3( y ) 2 o y − ( y ) 3 o 2 = 0

Supondo que “o” (momento) é infinitamente pequeno, a fim de expressar os momentos das quantidades, os
termos que contém “o” como fator podem ser desprezados. Logo temos:

50
. . . . .
3 x x 2 − 2 a x x + a x y+ a y x− 3 y y 2 = 0
. .
x (3x 2 − 2 a x + a y ) + y (a x − 3y 2 ) = 0
. .
x (3x 2 − 2 a x + a y ) = − y (a x − 3y 2 )
. .
x (3x 2 − 2 a x + a y ) = y (3y 2 − a x )
.
y 3x 2 − 2 a x + a y
=
.
3y 2 − a x
x

.
Numa linguagem atual o y = 3x − 2 a x + a y é a derivada da função em relação a y e
2

.
x = 3y 2 − a x é a derivada da função em relação a x.
Com isso Newton chegou a uma relação entre os fluentes e as fluxões, ou seja, a diferenciação.
Percebemos que Newton estudou sua função no espaço de terceira dimensão, ou seja, com duas
variáveis. Hoje estudamos na reta primeiramente (cálculo I) ou seja, uma variável e depois no espaço
(cálculo II) com duas variáveis, o contrário de como ocorreu na história.
Segundo Baron (1974) as grandes contribuições de Newton para a constituição do cálculo foram:

1) o estabelecimento de uma estrutura unificada e um quadro dentro do qual todos os problemas


podiam ser resolvidos;
2) o estabelecimento de que a integração e a diferenciação eram operações inversas
considerando a ordenada móvel proporcional ao momento de fluxão de uma área;
3) o uso de uma linguagem algébrica e de técnicas analíticas frente a geometria;

Newton, juntamente com Leibniz, é considerado o “inventor18” do cálculo, pois com estas três
grandes contribuições acima se diferenciaram dos estudos dos outros estudiosos como Cavalieri, Wallis,
Barrow, Fermat, Pascal entre outros (Baron, 1985).
As idéias de Newton foram desenvolvidas no século XVII, sendo que temos vários outros grandes
matemáticos no século XVIII e XIX trouxeram outras sistematizações para o conceito de integração e
diferenciação19. Assim podemos listar algumas diferenças entre o cálculo de Newton e o cálculo moderno.
Segundo Baron (1985) estas diferenças são que:

1) Newton utilizava variáveis, as quais as quantidades variáveis eram ligadas as curva. O


cálculo moderno utiliza funções, aplicações de um conjunto (de números reais) em outro;
2) Ele associava diferenciação a associação de uma variável finita a uma variável. No
cálculo moderno a operação de diferenciação associa a função a sua derivada;

18
Pensamos que não é bem assim. Newton teve sua grande contribuição, que mudou o rumo da história e possibilitou um enorme
avanço tecnológico. Mas é uma contribuição.
19
Para maiores detalhes consultar Baron (1985) unidade 4 e 5.

51
3) Existiam problemas de lógicas no cálculo de Newton sobre seus conceitos
fundamentais, fluxão (definida por razões últimas) e diferencial (como diferença
infinitamente pequena). No cálculo moderno essas dificuldades lógicas são superadas
pelo uso do conceito bem definido de limite.

Ultimas (primeiras) palavras20


Este pequeno estudo é de grande importância na formação inicial do professor de matemática, visto
que grande parte dos estudantes saem da graduação achando que derivada é somente um limite de uma
função quando um ponto x se aproxima de um ponto p quando x tende a p.
Vimos que Newton nem tinha ainda a definição sistematizada de limite e suas idéias eram
elaboradas frente a variações entre variáveis. Seus problemas eram relativos a relações de movimentos. Ou
seja, a matemática é vista por ele como uma forma de conhecimento que o próprio se apropria para resolver
suas inquietações.
Necessitamos desmistificar a imagem da matemática como uma ciência, infalível, exata e inatingível
que muitas pessoas tem e construir uma “nova21”, na qual ela seja vista como uma das formas de
conhecimento que a homem constituiu.
Tendo um olhar histórico para o conhecimento matemático podemos tê-lo nos apropriando dos seus
significados para usá-lo de forma critica e reflexiva na nossa vida. Pouco importa sabermos integral tripla se
mal entendemos seu conceito e no que e como utilizá-lo para resolver problemas e criar novas relações.
Pouco importa sabermos demonstrar o teorema fundamental do cálculo, se nossas crianças ainda passam
fome e vários dos nossos atos estão acabando com nosso meu ambiente. Temos que buscar a
compreensão entender do hiato entre a constituição e difusão dos conhecimentos, assim como propósito
geral à busca da paz.
Devemos estudar as diferentes formas de significações e constituições de conhecimentos ao longo
da história da humanidade, sempre tendo vistas para o conhecimento-emancipação (SANTOS 2000, apud
CYRINO, 2003), possibilitando a busca de toda humanidade viver em um mundo mais justo e solidário.
Como afirma Cyrino (2003), devemos assumir a solidariedade como forma de conhecimento e
reconhecer o outro como produtor de conhecimento: como igual (sempre que a diferença lhe acarrete
inferioridade) e como diferente (sempre que a igualdade lhe ponha em risco a identidade).
Essa é a eterna busca de um Educador Matemático.

Referências Bibliográficas
BARON, M. E. Curso de História da matemática: origens e desenvolvimento do cálculo. Trad. José
Raimundo Braga Coelho. Brasília, Editora UNB, 1985, c1974.
CYRINO, M.C.C.T. As várias formas de conhecimento e o perfil do professor de matemática na ótica
do futuro professor. São Paulo, Feusp, 2003. (Tese de Doutorado).
D´AMBROSIO, U. Paz, Educação Matemática e Etnomatemática. Teoria e Prática da Educação, Maringá,
v. 4, n. 8, p, 15-33, 2001b.

20
Últimas (primeiras) palavras, pois este é o começo de um estudo que visa a construção de uma proposta didática por meio da
história da matemática. O objetivo maior é como os alunos podem significar hoje os conceitos de integração e diferenciação, tendo
as idéias de Newton e outros estudiosos do passado.
21
Não nova, pois vemos pela história que os estudiosos tinham a matemática como forma de conhecimento. Um exemplo disto é o de
Newton.

52
EVES, Howard, Introdução à História da Matemática, Unicamp, Campinas, 2004.
LINS, R. C. Matemática, Monstros, Significados e Educação Matemática. In: Educação Matemática:
pesquisa em movimento. BICUDO, M.A..V e BORBA, M.C. (eds). São Paulo: Cortez, 2004.
MIGUEL, A. Perspectivas teóricas no interior do campo de investigação “HISTÓRIA NA EDUCAÇÃO
MATEMÁTICA”. Anais do V Seminário de História da Matemática. Rio Claro: SBHMat, p. 19-48, 2003.

53
HISTÓRIA DA MATEMÁTICA E INVESTIGAÇÃO EM SALA DE AULA:
UMA ABORDAGEM SIGNIFICATIVA PARA AS SECÇÕES CÔNICAS

Marta Maria Mauricio Macena


PPGECNM/UFRN
martamacena@terra.com.br
marta@cefetpb.edu.br
Iran Abreu Mendes
PPGECIM; PPGEd/ UFRN
Iamendes@natal.digi.com.br

Resumo: Este trabalho aborda os resultados parciais de um estudo centrado no uso da história no ensino
da matemática numa perspectiva investigatória. Para tanto nos apoiamos em pressupostos teóricos que
defendem a potencialidade pedagógica da investigação em sala de aula como uma metodologia para o
ensino. Tomamos como tópico matemático especifico as secções cônicas e partirmos do desenvolvimento
histórico das secções cônicas caracterizando os aspectos investigatórios da construção dessas idéias
matemática como foco principal das atividades de sala de aula. Os resultados parciais nos mostraram a
importância do rigor no planejamento e na criatividade do professor na superação de problemas surgidos na
prática docente. Além disso, ficou evidente a contribuição das atividades investigatórias envolvendo a
história da matemática em sala de aula como um agente decisivo na aprendizagem da matemática.

Fundamentação teórica
A partir de uma análise do que estabelece os PCNEM22 para o ensino de matemática é impossível
não destacarmos a resistência à mudança por parte de instituições de ensino, de professores e de alunos,
condicionados à reprodução e à passividade (BERTONI, 1993). Há um temor em mudar o curso usual do
ensino que tem pretensões de manipular e direcionar a aprendizagem. Metodologias alternativas para o
ensino e a aprendizagem da matemática são rejeitadas a favor do quadro, giz, livro-texto e a exposição oral
do professor. Um conhecimento árido, descontextualizado, desconexo e fora das articulações cognitivas
cotidianas do estudante é transmitido e logo, esse estudante é avaliado através de uma aprendizagem
forçada, sem significado algum para o crescimento intelectual, afetivo e cidadão deste estudante. Nesse
sentido, Novak (1981) afirma que,

para Ausubel, aprendizagem significativa é um processo no qual uma nova


informação é relacionada a um aspecto relevante, já existente, da estrutura de
conhecimento de um indivíduo. [...] Alguns estudos indicam que a maioria das
informações aprendida mecanicamente nas escolas é perdida dentro de seis a oito
semanas (NOVAK, 1981, p. 56 e 66).

De forma imprópria, alguns ainda tentam inovar em sala de aula fazendo uso de algumas atividades
e, mesmo não sendo,

22
Parâmetros Curriculares Nacionais – Ensino Médio

54
[...] uma ousadia descomunal afirmar que a grande maioria da comunidade da
educação matemática tem chegado a consenso de que o ensino baseado em
atividades estruturadas [bem estruturadas] é uma das maneiras mais eficazes de
ensinar matemática [...], o professor geralmente [quando o faz] lança mão das
escassas atividades que tem achado em uma revista ou em um congresso, e
acaba utilizando-as mais como um mecanismo de motivação do que como um
instrumento compreensivo de instrução. [...] Poucos têm o tempo, ou mesmo a
índole, de mergulhar nas profundas águas geladas do passado a fim de trazer à
tona um pedacinho do tesouro ali submerso (FOSSA, 2001, p. 59, grifo nosso).

Baldino (1993) se refere a essa resistência como sendo uma inércia própria de quem prefere
permanecer no sistema de ensino tradicional vigente no qual um professor, totalmente sábio, deposita o
conhecimento matemático em alunos dentre os quais somente alguns terão o privilégio de aprender
(CARVALHO, 1993).
Como a “história é repleta de conexões matemáticas – conexões entre tópicos de matemática,
conexões entre matemática e aplicações, conexões entre matemática e outras disciplinas” (WILSON e
CHAUVOT, 2000 apud BROLEZZI, 2003 p. 16), há uma concordância de idéias entre vários autores de que
o “uso da História da Matemática” é um importante instrumento investigativo para o ensino e a
aprendizagem da Matemática com significado. (BROLEZZI, 2003; FOSSA, 2001; GONÇALVES, 2005;
MENDES, 2001a, 2001b, 2002; MIGUEL e MIORIM, 2004; SEBASTIANI, 1994, 2001).

[Formulando] questões que nos interessam, para as quais não temos resposta
pronta, e [procurando] essa resposta de modo tanto quanto possível
fundamentado e rigoroso, [investigar, que] constitui uma poderosa forma de
construir conhecimento, [...] é procurar conhecer o que não se sabe (PONTE
2003, p. 9, 10 e 13, grifo nosso).
Investigar significa [...] desenvolver e usar um conjunto de processos
característicos da actividade matemática, como testar e provar conjecturas,
argumentar, usar procedimentos de natureza metacognitiva (ABRANTES, 1996, p.
1-2).

Para que o professor use a história da matemática nessa perspectiva investigatória, ele necessita
de recursos previamente e arduamente armazenados, o que exige de si tempo e estudo. Assim, há
professores que, preferindo continuar dependente do livro didático, impõem aos estudantes técnicas
obscuras em suas origens e finalidades (BERTONI, 1993) e não cedem ao encanto da trabalhosa e
satisfatória busca de metodologias alternativas para o ensino e a aprendizagem significativa da Matemática.
Essa Matemática que provoca a cognição criativa das pessoas, rica em conteúdo, extensa, mutável,
útil e bonita e que foi objeto de paixão de muitos cientistas (BROLEZZI, 2003), deve ter o professor como
seu mediador para que o aluno possa investigá-la na “[...] sua dimensão dinâmica de ciência que cresce por
um processo de críticas sucessivas, de referimentos de teorias e do confronto de teorias conflitantes”
(CARVALHO, 1993).

55
Quando o professor adota uma postura investigativa em sala de aula, com atividades bem
estruturadas (resolução de problemas, atividades manipulativas, uso de laboratório23, especulações
históricas), além da grata satisfação de presenciar a construção do conhecimento pelo aluno, “o trabalho [do
professor] pode se tornar mais dinâmico e compensador do ponto de vista de realização pessoal”
(BROLEZZI, 2003 p. 30). Terá conduzido o aluno na construção de um conhecimento matemático com
significado para o cotidiano, para o agora, e não só para um desconhecido e incerto futuro.
Na busca de metodologias alternativas para o ensino-aprendizagem da matemática, deve-se levar
em conta o currículo oficial e os programas de Matemática para os diversos anos de escolaridade
(ABRANTES, 1999). No CEFET-PB24, a geometria analítica é vista no 4º bimestre do 3º ano do ensino
médio. Sendo a geometria um campo privilegiado de matematização da realidade e de realização de
descobertas, propícia às atividades de natureza exploratória e investigativa, torna-se possível conceber
tarefas adequadas a diferentes níveis de desenvolvimento da geometria (ABRANTES, 1999; PONTE, 2003).
Para Freudenthal (1973 cf. ABRANTES, 1999) as descobertas geométricas, sendo feitas também
com os próprios olhos e mãos, são mais convincentes e surpreendentes, o que significa possibilitar a
ampliação do campo investigatório a ser desenvolvido na sala de aula. Particularmente, a Geometria
Analítica pode apropriar-se da afirmação de Abrantes (1999) quando este afirma que a relação entre
situações da realidade concreta e situações matemáticas encontra na geometria inúmeros exemplos e
concretizações.
Para conectar os recursos de ensino e aprendizagem a certas situações da vida e proporcionar a
transferência e a mobilização das capacidades e dos conhecimentos é preciso tempo, etapas didáticas e
situações apropriadas. Todavia, os “alunos acumulam saberes, passam nos exames, mas não conseguem
mobilizar o que aprenderam em situações reais” (PERRENOUD, 2000, s. p.).
Numa preocupação com uma aprendizagem com significado para o aprendiz, o presente trabalho
tem como objetivo verificar, no ensino médio, com o conteúdo das secções cônicas, a possibilidade de uso
da investigação em sala de aula como uma metodologia de ensino e aprendizagem e, na ocasião, trabalhar
exemplos sugestivos da história e da evolução das secções cônicas.

A experiência com o ensino das cônicas


No CEFET-PB, ano letivo de 2004, aliado às conseqüências de várias greves de anos anteriores,
num calendário especial, o tópico de Geometria Analítica foi abordado, em três turmas de 3º anos do ensino
médio, no quarto bimestre escolar. Como o referido período letivo coincidiu com as festividades de final de
ano e inicio das férias escolares e do planejamento para o novo ano escolar nessa instituição, tivemos uma
série de dificuldades em implementar uma proposta de ensino envolvendo a investigação em sala de aula
aliada ao uso da história da matemática. Mesmo assim conseguimos alcançar parte dos objetivos previstos
em nosso planejamento.
A professora da turma abordou ponto, reta e circunferência, culminando com uma revisão e uma
avaliação da aprendizagem. Ao retornar das festas de fim de ano iniciamos o estudo das secções cônicas.
Isso ocorreu após o resultado do vestibular da UFPB25, cujo calendário para o ano de 2005, levou o CEFET-
PB a antecipar a conclusão de suas atividades nessas turmas até a primeira quinzena de março de 2005.

23
Laboratório aqui pode ter como guia as idéias de Thom usada por Sebastiani (2001, p. 16-17)
24
Centro Federal de Educação Tecnológica da Paraíba
25
Universidade Federal da Paraíba

56
O primeiro encontro realizado para abordar as cônicas ocorreu em pleno verão. Os estudantes
estavam eufóricos, inquietos e com uma vontade enorme de iniciar um ano letivo. No Laboratório de
Matemática se misturavam meninas com um curativo colorido numa das sobrancelhas e meninos carecas, o
que identificava os aprovados no concurso de vestibular. Neste encontro, explicamos o motivo da nossa
presença naquelas turmas, em virtude da realização do nosso estudo de mestrado. Nesse momento
entregamos a cada um deles um pequeno texto intitulado Notas históricas sobre as Secções Cônicas
(MACENA, 2005).
Imediatamente ouvimos os primeiros murmúrios:

O que é isto professora? Um texto? A aula não é de matemática? Isso vai ajudar
em alguma coisa? Quando é que começa a aula de matemática? Agora pronto! É
aula de história! Eu gosto é de números, de cálculo! (comentários dos alunos,
conforme gravação realizada durante a aula).

Após os comentários preocupados dos alunos ao receberem o texto histórico para ser lido e
comentado, fizemos um comentário sutil: Vocês têm razão, é aula de história; história das secções cônicas.
Alguns alunos escolhidos fortuitamente fizeram a leitura. Outros teciam seus comentários e nós
acrescentávamos algumas observações sobre a matemática babilônica e egípcia; nomes, lugares, uso da
régua e compasso; entraves nas idas e vindas durante o processo de construção da Geometria Analítica;
perdas de documentos; desprezo dos gregos pelo trabalho manufaturado; júbilo e orgulho de Apolônio pela
descoberta dos dois ramos da hipérbole; maiores detalhes sobre o martírio de Hipatia; descobertas dos
séculos XVI e XVII; ensinamentos de Copérnico e teorias planetárias de Ptolomeu; condenação da mãe de
Kepler; pessoas de menor importância atuando por trás dos cientistas em destaque; vida e morte de
Descartes entre outras. Essas observações variaram de acordo com o estilo de cada turma, quando
consideramos o interesse e curiosidade de cada grupo de alunos.
Durante a leitura do texto, no entanto, surgiram expressões de estranhamento, tais como:

Quantos nomes estranhos! [...] Vou colocar um destes nomes em meu filho. [...] A
senhora fez uma volta muito grande para chegar nas secções cônicas. É mesmo
necessário tudo isso? [...] Eu não gosto disso. Eu quero é cálculo. [...] Pra que
isso? Já estamos aprovados no vestibular e já temos uma nota para este bimestre.
Eu quero é ficar em casa. (comentários extraídos da gravação das aulas).

O esforço requerido para atrair a atenção dos alunos para o texto foi considerável, porém essa
atenção foi mais significativa ao tratar-se de relatos sobre a vida das personagens. Eles analisaram, sem
registro, a definição de cônicas de Apolônio em Boyer (1994, p. 107), os modelos de cones seccionados de
Menaecmus26 e os desenhos expostos no final do texto.
Na aula seguinte responderiam, em duplas, um questionário referente ao texto e deveriam trazer
objetos, figuras ou home pages onde se encontrasse algo que lembrasse as cônicas.

26
Modelo de uma família de curvas obtidas de uma mesma fonte, cortando o cone circular reto por um plano perpendicular a um
elemento do cone (BOYER, 1994, p. 69).

57
O segundo encontro ocorreu uma semana depois e poucos atenderam a solicitação, considerada
sem importância, de trazer algo que lembrasse as cônicas. Em duplas e consultando o texto, responderam,
com dificuldade, ao questionário. Ao final, orientamos que na aula seguinte, deveriam trazer régua e
compasso.
No terceiro encontro, apresentamos um guia das atividades investigatórias onde constavam os
elementos de uma investigação e seus objetivos bem como a idéia central de Descartes e Fermat acerca da
Geometria Analítica, além de exemplos de aplicações das cônicas e a investigação propriamente dita,
baseada nas atividades de BRITO, (2003).
Atentos às explicações acrescidas, todos iniciaram as atividades em equipes, gerando assim uma
confusão construtiva em sala de aula. A esse respeito Fossa (2001) descreve que em uma sala de aula
intuicionista,

[...] vemos que o aluno é quem é a estrela. Trabalhando em pequenos grupos com
colegas, o aluno está ativamente engajado no desenvolvimento de alguma tarefa.
Com tantos alunos conversando e com muito mais movimento na sala de aula [...],
parece que a aula virou bagunça! Mas, é só na aparência. (FOSSA, 2001, p. 13).

Após a orientação dos trabalhos, foram feitas algumas perguntas com uma certa freqüência, em
claro e bom som:

O que é que vamos fazer? Como vamos fazer isto? Como é que começa? Tem
que passar pelos vértices dos quadradinhos? Como marcar a mesma distância?
Está parecendo uma circunferência. (comentários extraídos da gravação das
aulas).

Em poucos instantes todos calaram e ficaram absortos em suas atividades. Após algum tempo
ouvimos as primeiras falas. Em uma equipe comentavam:
– Se a gente tivesse um cordão e dois pregos seria mais fácil de realizar esta atividade.
Imediatamente procuramos solucionar o problema, pois já imaginávamos essa situação. Nesse
momento então dissemos:
– Aqui está o que vocês pedem e mais ainda, uma tábua perfurada.
Logo, eles realizaram todo o restante da atividade na tábua perfurada. Um dos alunos lembrou-se
do que vira em um livro quando estudava para o vestibular.
Traçada a elipse no papel quadriculado, um aluno foi convidado para, usando um pedaço de cordão
preso a dois pregos, traçá-la no quadro perfurado maior. Cada equipe deveria construir uma definição para
elipse. Essa definição precisou ser melhorada entre as equipes. De posse da definição e do traçado no
quadro, foram destacados os elementos da elipse.
Outro aluno foi convidado a traçar várias elipses com o mesmo instrumento variando apenas a
distância entre os focos. Distinguiu-se o significado da excentricidade.

58
Nesse momento lançamos para a turma um exercício para ser resolvido:

Usando a definição construída de elipse (F P + PF


1 2 = 2a ), determine a
equação da elipse cujos dados são: F1(-1,0); F2(1, 0); eixo maior = 4

Surgiram algumas dificuldades ao resolver a equação irracional. A realização do segundo item,


entretanto, foi mais simples e os alunos até se anteciparam.
Quando as parábolas já estavam traçadas no papel quadriculado, traçamos outra no quadro
perfurado, usando um pedaço de cordão com uma extremidade presa a um prego localizado no foco e a
outra extremidade presa a um esquadro que deslizava sobre uma régua (método utilizado por Kepler27).
Cada equipe construiu uma definição para parábola. Tal definição foi melhorada entre as equipes. De posse
da definição e do traçado no quadro, cada elemento da parábola foi destacado.
Um aluno foi convidado a traçar uma parábola com o mesmo instrumento variando apenas o
parâmetro. Pode-se assim observar a maior ou menor abertura da parábola.
Lançamos novo exercício para ser resolvido:

Usando a definição construída para parábola (FP = Pd ), determine a


equação geral de uma parábola com vértice na origem dos eixos ortogonais e
concavidade voltada para cima.

Alguns demoraram perceber o ponto Q(x, -d) que se desloca ao longo da diretriz (y = -d) enquanto o
ponto P(x, y) traça a parábola. Tirando esse entrave, tudo ficou mais fácil. Ao final, foi entregue aos alunos
uma apostila com todo assunto. Essa apostila foi elaborada por três professoras28 da instituição.
Ficou acordado, também, que no encontro seguinte seria estudada a hipérbole, a resolução de mais
alguns exercícios e uma avaliação da aprendizagem em duplas. Opuseram-se a isso, mas foram
convidados a arriscar e ver o aconteceria.
No quarto encontro, devido à escassez de tempo, a hipérbole foi vista de forma tradicional, apenas
fizemos o traçado no quadro perfurado e destacamos cada um dos elementos que a compõe juntamente
com a sua equação.
Um aluno foi ao quadro e também traçou uma hipérbole usando uma régua fixa a um dos focos e
tendo um cordão preso a uma extremidade da régua e a um prego fixo no outro foco.
Conduzidos aos tabuleiros de bilhar cônicos, foi dito aos alunos como jogar de forma correta
(obedecendo às definições de cada cônica estudada). A escassez de tempo não permitiu esperar pelas
suas deduções.
Curiosos, jogaram para comprovar o que havia sido dito por nós. Houve algumas falhas devido à
construção do material didático. Em seguida foram resolvidos dois exercícios de cada cônica. A principal
pergunta nesse momento foi:
– Como não confundir uma parábola com um ramo de hipérbole?

27
Kepler desenhava parábolas usando uma mesa, um pedaço de cordel, e uma espécie de esquadro em T (Colégio de Gaia: Grupo de
Matemática).
28
Kalina Lígia C. Farias, Marta M. Maurício Macena e Rejane de Fátima O. Brito

59
Nesse momento falamos da existência de outras curvas que não são secções cônicas, mas que se
assemelham a elas como: catenárias; senóides e cossenóides (dentro de num certo intervalo).
A avaliação da aprendizagem dos alunos, entretanto, distanciou-se da metodologia da aula,
considerando que,

[...] a prova é um instrumento de pouca precisão que não reflete adequadamente o


pensamento do aluno. [...] o professor tem que tentar descobrir o pensamento do
aluno através de um processo complexo de hipóteses e teses; isto é, o professor
tem de manter um diálogo intensivo com o aluno sobre a matéria em questão e
estar sempre atento às várias divergências que possam aparecer. [...] deve ser um
pesquisador [...] dentro da sala de aula. É, de fato, necessário montar um projeto
de pesquisa para cada aluno na aula para tentar determinar seu pensamento. [...]
a avaliação não é algo que acontece depois do ato de conhecer, mas é parte
integral do processo de conhecer. [...] a avaliação é contínua e diária (FOSSA,
2001, pp. 16 e 17, grifo nosso).

Antes da avaliação entregamos um resumo do assunto estudado. A avaliação foi aplicada em


duplas.
O quinto encontro não transcorreu como havíamos planejado, pois não foi possível abrir um CD com
as imagens da aula, registrados no PowerPoint. Não foi possível vermos a expressão de cada aluno ao se
ver em atividade na tela. Restou a aplicação do questionário avaliativo das atividades realizadas durante o
período.

Considerações finais
A realização dessa experiência apontou alguns pontos favoráveis e desfavoráveis acerca do uso de
atividades investigatórias com apoio das informações históricas em sala de aula. Dentre os obstáculos
podemos citar:
• Escassez de tempo.
• A maioria já aprovada no vestibular.
• A falta de controle sobre as atividades por parte da pesquisadora.
• Perda de importantes registros de ocorrências durante as gravações e fotografias.
Embora tenham ocorrido alguns imprevistos, é possível concluirmos, mesmo parcialmente, que a
experiência serviu de norteador importantíssimo para percebermos a necessidade de um planejamento
mais rigoroso, de um domínio sobre cada ocorrência, de uma previsão dos imprevistos.
Outrossim, ficou plenamente evidente que as atividades investigatórias envolvendo aspectos
problematizadores extraídos da história da matemática são fatores decisivos na formulação e concretização
de uma ação docente significativa no ensino de matemática.

Bibliografia
ABRANTES, P., Ferreira, C., & Oliveira, H. (1996). Matemática para todos: Investigações na sala de aula. In
P. Abrantes, L. C. Leal, & J. P. Ponte (Eds.), Investigar para aprender matemática (pp. 165-172). Lisboa:
Projecto MPT e APM. Disponível em: <http://ia.fc.ul.pt/textos/11Livro-Paulo.PDF>. Acesso em: 31 jul. 2005.

60
ABRANTES, P. (1999). Investigações em geometria na sala de aula. In P. Abrantes, J. P. Ponte, H.
Fonseca, & L. Brunheira (Eds), Investigações matemáticas na aula e no currículo (pp. 153-167). Lisboa:
Projecto MPT e APM. Disponível em: <http://ia.fc.ul.pt/textos/p_153-167.PDF>. Acesso em: 31 jul. 2005.
BALDINO, Roberito Ribeiro. Balanço da Assimilação Solidária no 3º Grau. In Anais do II Encontro Nacional
de Educação Matemática. Natal: Editora Universitária da UFRN, 1993
BERTONI, Nilza Eigenheer. Reflexões Sobre Algumas Linhas Básicas Para Licenciatura em Matemática. In
Anais do II Encontro Nacional de Educação Matemática. Natal: Editora Universitária da UFRN, 1993.
BOYER, Carl Benjamin. História da matemática. Tradução: Elza F. Gomide. São Paulo: Editora Edgard
Blücher Ltda., 1994.
BRITO, Arlete de Jesus. Atividades para o ensino de cônicas a partir da história da matemática. Natal:
UFRN, 2003. Impresso.
BROLEZZI, Antônio Carlos. Conexões: História da Matemática através de Projetos de Pesquisa. SBHMat,
2003.
CARVALHO, Dione Lucchesi. Magistério de Segundo Grau. In Anais do II Encontro Nacional de Educação
Matemática. Natal: Editora Universitária da UFRN, 1993, p. 121 - 123.
Colégio de Gaia: Grupo de Matemática. The Geometer's Sketchpad. Disponível em: <http://www.cl-
gaia.rcts.pt/matematica/geometer%20parte%2011.htm>. Acesso em: 9 ago. 2005.
Construindo competências. Entrevista com Philippe Perrenoud, Paola Gentile et Roberta Bencini. Nova
Escola, Setembro de 2000, pp.19-31 . Disponível em:
<http://www.unige.ch/fapse/SSE/teachers/perrenoud/php_main/php_2000/2000_31.html>. Acesso em: 1º
ago.2005.
FOSSA, John A. Ensaios sobre a educação matemática. Belém: EDUEPA, 2001.
GONÇALVES, Carlos Henrique Barbosa. Usos da História da Matemática no Ensino Fundamental de 5a a
8a Séries. Brasília: SBHMat, 2005.
MACENA, Marta Ma Maurício e MENDES, Iran Abreu. Notas históricas sobre as Secções Cônicas na
investigação de sala de aula. In VI Seminário Nacional de História da Matemática. Brasília: SBHMat, 2005.
MENDES, Iran Abreu. Ensino da Matemática por atividades: uma aliança entre o construtivismo e a história
da matemática. 283 p. Tese (Doutorado em Educação) – Centro de Ciências Sociais Aplicadas,
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2001.
MENDES, Iran Abreu. O uso da história no ensino da matemática – reflexões teóricas e experiências.
Belém: EDUEPA, 2001. (Série Educação n. 1).
MENDES, Iran Abreu. História no Ensino da Matemática: um enfoque transdisciplinar. In Ensino e Formação
Docente: propostas reflexões e práticas. CUNHA, Emmanuel Ribeiro e SÁ, Pedro Franco de (Orgs.). Belém:
[s.n.], 2002.
NOVAK, Joseph Donald. Uma teoria de Educação. Tradução: Marco Antônio Moreira. São Paulo: Pioneira,
1981.
Parâmetros Curriculares Nacionais: Ensino Médio: bases legais / Ministério da Educação. – Brasília:
Ministério da Educação / Secretaria da Educação Média e Tecnológica, 1999.
PONTE, João Pedro da, BROCARDO, Joana & OLIVEIRA, Hélia. Investigações matemáticas na sala de
aula. Belo Horizonte: Autêntica, 2003.

61
SEBASTIANI, Eduardo Ferreira. O uso da História da Matemática: uma abordagem transdisciplinar. In
Contribuições da interdisciplinaridade: para a ciência, para a educação, para o trabalho sindical.
NOGUEIRA, Adriano (Org.). Petrópolis: Vozes, 1994.
SEBASTIANI, Eduardo Ferreira. Laboratório de História da Matemática. Natal: SBHMat, 2001.

62
INTRODUÇÃO DE DISCIPLINAS NAS GRADES CURRICULARES DOS CURSOS DE GRADUAÇÃO
– O CASO DA HISTÓRIA DA MATEMÁTICA29

Dulcyene Maria Ribeiro


UNIOESTE – Cascavel
dulcyenemr@yahoo.com.br

Resumo: Este trabalho tem como fonte principal resultados preliminares do projeto de pesquisa intitulado
“Um estudo sobre a disciplina História da Matemática - suas abordagens e enfoques” que visa um
levantamento dos principais enfoques que têm sido propostos para a disciplina História da Matemática nos
cursos de graduação em Matemática do país. O objetivo central do projeto de pesquisa está na forma como
a disciplina tem sido ministrada, mesmo assim, foi necessário estabelecer algumas questões que ao serem
respondidas pelos entrevistados indicassem como e quando os cursos de graduação introduziram a
disciplina nas suas grades. A necessidade da leitura de obras que tratam da história de currículos e história
de disciplinas surgiu como forma de encontrar elementos e subsídios que explicassem como as disciplinas
são introduzidas e permanecem nas grades curriculares dos cursos de graduação. É sobre este aspecto
que este artigo será desenvolvido, estabelecendo um paralelo entre as leituras e as respostas emitidas
pelos professores pesquisados.

Introdução
Este trabalho é parte dos resultados do projeto de pesquisa intitulado “Um estudo sobre a disciplina
História da Matemática – suas abordagens e enfoques” que visa um levantamento das principais propostas
existentes para a disciplina História da Matemática nos cursos de graduação em Matemática do país, tanto
de licenciatura como de bacharelado, que a consideram em suas grades curriculares e estabelecer algumas
categorias que expressem como a disciplina tem sido ministrada.
A maneira como a disciplina tem sido conduzida pelos professores nas diversas instituições é ponto
de interesse e discussões nos encontros que tratam da Educação Matemática e especialmente, nos
específicos sobre História da Matemática. Optamos por uma pesquisa de abordagem qualitativa e pela
realização de entrevistas com professores de instituições que têm a História da Matemática como uma
disciplina obrigatória para os cursos de graduação em Matemática
Dar subsídios para que professores e futuros professores, além de pesquisadores da área de
Educação Matemática, especialmente os da História da Matemática, conheçam como a disciplina vem
sendo ministrada, permitindo-lhes direcionar suas atividades junto à História da Matemática como disciplina
nos cursos de graduação é a contribuição primordial esperada por essa pesquisa.
O enfoque do projeto de pesquisa é a forma como a disciplina tem sido ministrada, mesmo assim,
foi necessário estabelecer algumas questões que ao serem respondidas pelos entrevistados indicassem
como e quando os cursos de graduação que representam introduziram a disciplina nas suas grades.
A necessidade da leitura de obras que tratam da história de currículos e história de disciplinas
apareceu como forma de encontrar elementos e subsídios que explicassem como as disciplinas são
introduzidas e permanecem nas grades curriculares dos cursos, no caso, nos cursos de graduação. É sobre

29
Trabalho vinculado à linha de Pesquisa “Currículo e Conhecimento” desenvolvida pelo Grupo ‘Formação de Professores de Ciências
e Matemática’, cadastrado no CNPq e na UNIOESTE – Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Cascavel.

63
este aspecto que este artigo será desenvolvido, estabelecendo um paralelo entre as leituras e as respostas
emitidas pelos professores pesquisados. No decorrer do texto estão descritas algumas respostas dadas
pelos entrevistados como forma de ilustrar aspectos considerados importantes.

Uma análise
Os fatores que levam uma disciplina a figurar na grade curricular de um curso são diversos, mas
passam sempre por aspectos das políticas educacionais e por dinâmicas da própria instituição escolar.
É verdadeiro que a História da Matemática tem assumido grande importância nos últimos tempos,
seja enquanto fonte de pesquisas científicas, seja como método de abordagem ou auxílio aos trabalhos com
os conteúdos matemáticos em sala de aula, sendo merecedora de muitas discussões e até de eventos
científicos.
Parece consensual a necessidade de que os professores conheçam a história das disciplinas que
ministram, e isso é reforçado para a Matemática, em especial. D’Ambrosio fornece uma contribuição quando
ressalta:

Uma percepção da história da matemática é essencial em qualquer


discussão sobre a matemática e o seu ensino. Ter uma idéia, embora imprecisa e
incompleta, sobre por que e quando se resolveu levar o ensino da matemática à
importância que tem hoje são elementos fundamentais para se fazer qualquer
proposta de inovação em educação matemática e educação em geral
(D’AMBROSIO, 2002, p.29).

Outro aspecto que parece consenso é que nem todo professor em sua formação acadêmica, teve a
oportunidade de cursar a disciplina História da Matemática e que muitos não possuem acesso ao material
produzido nesta área do conhecimento. Contudo, faz-se necessário que o professor tenha uma boa
preparação para fazer uma abordagem histórico-crítica e reflexiva sobre os conteúdos e temas que trata
nas suas aulas.
A História da Matemática é uma disciplina que recentemente tem figurado no rol das disciplinas de
muitos cursos de graduação em Matemática. Tudo indica que isso se deu especialmente por força da
organização política educacional, conforme ilustram os documentos oficiais, como os Parâmetros
Curriculares Nacionais e as Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de graduação em Matemática
e os processos de avaliação, como o Provão.
Uma das possibilidades que explica o porquê de muitos cursos de graduação ter adotado a
disciplina História da Matemática está pautada no amplo sistema de avaliação dos cursos de graduação do
Brasil nos últimos anos, o Provão. Este considerava importante o conhecimento histórico que o aluno
apresentava sobre os conteúdos. A partir do primeiro exame realizado em 1998 as instituições de ensino
superior, preocupadas em obter bons resultados neste processo, introduzem em seus currículos disciplinas
que dêem conta dos aspectos históricos.
Stamatto (2003, p.15-16) também fez esta afirmação. Na oportunidade discutiu sobre a “lógica do
exame”, na perspectiva de Goodson. Ele menciona que certa uniformidade no currículo das escolas é
resultante também da necessidade de ensinar as disciplinas de tal modo que fique assegurado o êxito no

64
exame final. “Assim, chegamos à conclusão que a ‘lógica do exame’ acabou por ter uma grande influência
no currículo” (GOODSON, 1997, p. 86).
Além disso, os documentos governamentais que versam sobre as políticas educacionais também
destacam a contribuição da História da Matemática para o aprendizado e o ensino da Matemática.
Para os PCNs (1998, p.42), no Ensino Médio os alunos devem estender e aprofundar seus
conhecimentos sobre números e álgebra, mas isso não deve dar-se isolado de outros conceitos, e nem de
problemas e da perspectiva sócio-histórica, que está na organização destes conhecimentos.
Não é somente neste texto que a perspectiva sócio-histórica é destacada. No texto dos PCNs do
Ensino Fundamental (1997, p.45), o destaque à contribuição da História da Matemática para o ensino e
aprendizado da Matemática é mais profundo. O professor ao mostrar a Matemática como uma criação
humana e as necessidades e preocupações de diferentes culturas e ao estabelecer comparações entre os
conceitos e os processos matemáticos do passado e do presente, tem a possibilidade de desenvolver
atitudes e valores mais favoráveis sobre o conhecimento matemático. E, além disso, os conceitos
abordados através da sua história, constituem fontes de informação cultural, sociológica e antropológica,
servindo de instrumento de resgate da própria identidade cultural dos grupos. Ainda para o texto,

Em muitas situações, o recurso à História da Matemática pode esclarecer


idéias matemáticas que estão sendo construídas pelos alunos, especialmente
para dar respostas a alguns “porquês” e, desse modo, contribuir para a
constituição de um olhar mais crítico sobre os objetos de conhecimento
(PARAMETROS CURRICULARES NACIONAIS: MATEMÁTICA, 1997, p.46)

Isso fornece indicativos de como as políticas educacionais estão embasadas especialmente nas
reformas curriculares. Ao enfatizar a necessidade de maior problematização na relação entre integração
curricular e currículo disciplinar, as organizadoras do livro Disciplinas e integração curricular: história e
políticas destacam que as reformas curriculares vêm assumindo papel central nas políticas educacionais,
tanto o Brasil, como no exterior. Para elas:

Nessas reformas, em diferentes níveis de ensino, as mudanças na


organização curricular têm sido um dos eixos principais. Assim, são propostas
áreas interdisciplinares, temas transversais, áreas de projeto, currículos por
competências (LOPES e MACEDO, 2002, p.7).

Desta forma, as instituições que assumiram a disciplina História da Matemática mais recentemente
o fizeram mais para se adequar às reformas curriculares geradas pelas políticas educacionais.
Outro fator importante na instituição de disciplinas, ligada à dinâmica própria da instituição escolar,
é a influência de grupos ou mesmo de pessoas. Com a disciplina História da Matemática isto fica explícito
nas fala de alguns dos entrevistados.
Quando perguntada sobre os motivos que levaram a instituição que trabalha a implantar a disciplina
História da Matemática, uma das entrevistadas argumentou não sabê-los exatamente, mas que até os sete
anos anteriores era uma disciplina optativa e somente com a chegada de um determinado professor,

65
certamente alguém que apresentava interesse pela História da Matemática, passa a ser uma disciplina
obrigatória.
Outra entrevistada respondeu que o grupo de professores que escreveu o projeto para a
reimplantação do curso de Matemática da instituição reconhecia a importância da História da Matemática na
formação dos professores e por isso ela integra a grade curricular.
Stamatto destacou a ocorrência dessa influência ao relatar que o coordenador do Curso de
Matemática de uma instituição particular que integrava sua pesquisa tinha sido também o responsável pela
introdução da disciplina História da Matemática em uma Universidade pública, ambas na mesma cidade e
que entre suas publicações, havia traduções de livros de História da Matemática, que eram muito
freqüentes nas bibliografias apresentadas pelas instituições que faziam parte da sua pesquisa. Para ela:
“Confirmou-se, assim, que as mudanças no conteúdo curricular ocorrem, entre outros fatores, por influência
de indivíduos de liderança intelectual na área (...)” (STAMATTO, 2003, p.16).
Os conhecimentos anteriores à nossa pesquisa e o retorno obtido ao envio das mensagens
eletrônicas indicam que atividades com a disciplina História da Matemática se concentram nas regiões
sudeste e sul do país e também no Rio Grande do Norte. Esse fato deve-se à concentração em algumas
regiões ou até mesmo em cidades de grupos fortemente constituídos que discutem e trabalham a História
da Matemática, especialmente como metodologia de pesquisa cientifica. Além dos grupos, são as iniciativas
isoladas de pessoas, amantes da causa ou ex-participantes desses grupos que ajudam a difundir a História
da Matemática pelo país.
Isso fica claro na resposta de uma das entrevistadas na nossa pesquisa. Quando perguntada se
havia rodízio entre os professores para lecionar a disciplina respondeu que praticamente não. “Quando se
montou a grade esperava-se ter algum professor que fosse especialista em História da Matemática até o
ano que a disciplina seria ofertada. Isso não aconteceu. Como eu era autodidata em História da
Matemática, acabei ministrando a disciplina”.
Esta fala também nos indica que ainda são poucos os especialistas em História da Matemática.
Mesmo que vários integrantes dos grupos constituídos estejam se espalhando pelo país, o trabalho com a
disciplina é feito geralmente por professores que se dedicam a ela apenas por seu interesse próprio,
considerando-se autodidatas no assunto.
Ainda é necessária uma análise mais detalhada a respeito das entrevistas a fim de encontrar
respostas à principal meta deste projeto de pesquisa: investigar os enfoques que têm sido dado à disciplina
nos cursos em que ela já é ministrada. Mas o que foi destacado até o presente momento de análise é
mesmo o autodidatismo, a influência de pessoas ou grupos que já discutem seus interesses em relação à
História da Matemática e a instituição da disciplina nas grades curriculares através das reformas curriculares
geradas pelas políticas educacionais.

Referências
BRASIL, Parâmetros Curriculares Nacionais – Ensino Médio, Parte III. Secretaria do Ensino Médio.
MEC/SEM, 1998.
BRASIL, Parâmetros Curriculares Nacionais – Matemática. Secretaria da Educação Fundamental. Brasília:
MEC/SEF, 1997.
D’AMBROSIO, U. Educação Matemática: da teoria à prática. 9 ed. Campinas: Papirus, 1996.

66
GOODSON, Ivor F. A Construção Social do Currículo. Lisboa: EDUCA, 1997, p. 86.
_____. Currículo: teoria e história. Trad. Atílio Brunetta. Petrópolis: Vozes, 1995.
LOPES, A. C.; MACEDO, E. (Org.) Disciplinas e integração curricular: história e políticas. Rio de Janeiro:
DP&A, 2002. 224p.
STAMATO, J. M. de A. A Disciplina História da Matemática e a Formação do Professor de Matemática:
dados e circunstâncias de sua implantação na Universidade Estadual Paulista, campi de Rio Claro, São
José do Rio Preto e Presidente Prudente. 2003. Dissertação (Mestrado em Educação Matemática) –
Instituto de Geociências e Ciências Exatas, Universidade Estadual Paulista, Rio Claro, 2003.

67

Você também pode gostar