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Αποστιλα

δε

Φιλοσοφια

Προφεσσορ: Γουλαρτ
Prof.: Goulart

Introdução
A origem da filosofia
•PHILO = amizade
•SOPHIA = sabedoria
•“... a sabedoria pertence aos deuses , mas os homens podem desejá-la, tornando-se filósofos’” ( ( Pitágoras - Sc V
a.C. )
•... O filósofo é movido pelo desejo de observar, contemplar, julgar e avaliar pelo desejo de saber

A filosofia é grega
•busca de um conhecimento racional, lógico e sistemático da realidade natural e humana;
•busca da origem e causas do mundo e suas transformações;
•busca da origem e causas das ações humanas;
•busca da origem do próprio pensamento

Mito e Filosofia

O que é um Mito?
Narrativa sobre a origem de alguma coisa
Origem da palavra MITO:
do grego MYTHOS = mytheyo (narrar) + mytheo (designar)

VERDADE= - poeta - enviado dos deuses


- revelação divina

Como o mito narra a origem do mundo e de tudo o que nele existe?


1º) decorrência de relações sexuais
entre forças divinas pessoais
2º) Por rivalidade ou uma aliança entre os
deuses que faz surgir alguma coisa no mundo
3º) Por recompensas ou castigos que os
deuses dão a quem os desobedece ou a quem os
obedece.

GENEALOGIAS:
Cosmogonias: Gonia (nascimento)+Cosmos(mundo organizado)
e
teogonias: Gonia+ Theos(seres divinos)

“A FILOSOFIA, percebendo as contradições e limitações dos mitos, foi reformulando e racionalizando as narrativas
míticas, transformando-as numa outra coisa, numa explicação nova e diferente”. (M. Chauí)

DIFERENÇAS ENTRE FILOSOFIA E MITO


1º) MITO:- fixa a narrativa no passado
FILOSOFIA: se preocupa em explicar como e porque,
no passado, no presente e no futuro
2º) MITO:- narra a origem através de genealogias
e rivalidades ou alianças entre forças
divinas sobrenaturais e personalizadas ( Urano, Ponto e Gaia);

FILOSOFIA:- explica a produção natural das coisas por elementos e causas naturais e impessoais ( céu, mar e terra).

3º) MITO: - não se importa com contradições,


com o fabuloso e o incompreensível
- autoridade: confiança religiosa no narrador
FILOSOFIA: - não admite contradições, fabulação e coisas incompreensíveis;
- exige explicação coerente, lógica e racional; autoridade: vem da razão, que é a mesma em todos os seres
humanos, e não da pessoa do filósofo.

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O MITO HOJE
•As manifestações míticas hoje são formas de encarnações dos desejos inconscientes humanos
•São criados mitos para responder a esses desejos, os quais a razão não pode preencher adequadamente.
•Também, pode-se encontrar manifestações que são herança do passado mítico da humanidade

Exemplos de manifestações míticas:


•Aquelas que são inventadas pelos desejos inconscientes que existem em todos . Ex.: a vontade inconsciente de que o bem
vença o mal.
•Aquelas que são encarnações do nosso desejo de segurança. Ex.: os heróis nas histórias em quadrinhos são gerados pela
nossa vontade de proteção ideal e imaginária.
•Aquelas personagens que são encarnações de tudo aquilo que gostaríamos de ser. Os meios de comunicação mexem com
esse imaginário das pessoas, apresentando artistas e esportistas como sendo fortes, saudáveis, com uma profissão de
sucesso, ricos.
•Aquelas que foram herdadas por nós pelos primitivos, como é o caso dos rituais de passagem: festas de formatura, de ano
novo, os bailes de 15 anos ( apresentam, em quase tudo, semelhanças com os rituais primitivos de passagem).

Política
O analfabeto político
O pior a analfabeto é o analfabeto político.
Ele não ouve, não fala, não participa dos acontecimentos políticos.
Ele não sabe que o custo de vida, o preço do feijão, do peixe, da farinha,
do aluguel, do sapato e do remédio dependem das decisões políticas.
O analfabeto político é tão burro que se orgulha e estufa o peito, dizendo que odeia política.
Não sabe o imbecil que da sua ignorância política nascem a prostituta, o menor abandonado, o assaltante e o pior de todos os
bandidos, que é o político vigarista, pilantra, corrupto. E lacaio das empresas nacionais e multinacionais.

Bertolt Brecht

1. Uma reflexão sobre política e democracia


Podemos falar de política como a arte de governar, de gerir os destinos da cidade; aliás , etmologicamente política
vem de polis (cidade).
A palavra democracia vem do grego demos (povo) e kratia, de krátos ( governo, poder, autoridade).
Historicamente, consideramos os atenienses o primeiro povo a elaborar o ideal democrático, dando ao cidadão a
capacidade de decidir os destinos da polis ( cidade - estado grega). Povo habituado ao discurso , encontra na ágora (praça
pública) o espaço social para o debate e o exercício da persuasão. (*Vários eram excluídos do direito à cidadania e
poucos detinham efetivamente o poder.) Grifo nosso.
O ideal democrático reaparece na história , com roupas diferentes, ora no liberalismo, ora exaltado na utopia
rousseauniana, ora nos ideais socialistas e anarquistas.
Nunca foi possível evitar que , em nome da democracia, conceito abstrato, valores que na verdade pertenciam a
uma classe apenas fossem considerados universais. A Revolução Francesa se fez sob o lema “Igualdade, Liberdade,
Fraternidade”, e sabemos que foi uma revolução que visava interesses burgueses e não populares.
No mundo contemporâneo, tanto os EUA como a URSS se consideram governos democráticos.
Se a política significa o que se refere ao poder, na democracia, onde é o lugar do poder?

A personalização do poder
O que caracteriza os governos não democráticos é que o poder é investido numa pessoa que pretende exercê-lo
durante toda a sua vida, como se dele fosse proprietário. O faraó do Egito, o césar romano, o rei cristão medieval, em
virtude de privilégios , se apropriam do poder, identificando-o com o seu próprio corpo. É a pessoa do príncipe que se
torna o intermediário entre os homens e Deus, ou o intérprete humano da suprema Razão.
Identificado com determinada pessoa ou grupo, o poder personalizado é um poder de fato, e não de direito, pois não
é legitimado pelo consentimento da maioria, mas depende do prestígio e da força dos que o possuem. Trata-se de uma
usurpação do poder , que perde o seu lugar público quando é incorporado na figura do príncipe.
Que tipo de unidade decorre desse poder? Como não se funda na expressão da maioria, ele precisa estar sempre
vigiando e controlando o surgimento de divergências que poderão abalá-lo. Busca então a uniformização das crenças , das
opiniões, dos costumes, evitando o pensamento divergente e destruindo a oposição.
Eis aí o risco do totalitarismo, quando o poder é incorporado ao partido único, representado por um homem todo-
poderoso. O filósofo político contemporâneo Claude Lefort diz que o escritor soviético dissidente Soljenitsin costumava se
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referir a Stálin como sendo o Egocrata ( que significa o poder personalizado; etimologicamente, “poder do eu”). O
Egocrata é o ser todo - poderoso que faz apagar a distinção entre a esfera do Estado e a da sociedade civil: o partido,
onipresente, se incumbe de difundir a ideologia dominante por todos os setores de atividades ,a todos unificando, o que
permite a reprodução das relações sociais conforme o modelo geral.

A institucionalização do poder
A Idade Moderna promove uma profunda mudança na maneira de pensar medieval, que era
predominantemente religiosa. Ocorre a secularização da consciência , ou seja, o abandono das explicações religiosas, para
se usar o recurso da razão. Essa transformação se verifica nas artes, nas ciências, na política.
À tese de que todo poder emana de Deus , se contrapõe a origem social do pacto feito pelo consentimento dos
homens. A legitimação do poder se encontra no próprio homem que o institui.
Para ilustrar o caráter divino do poder no pensamento medieval, veja-se Jean Bodin ( 1530 - 1596): jurista e
filósofo francês, que defendeu , em sua obra A República, o conceito do soberano perpétuo e absoluto, cuja
autoridade representava a vontade de Deus. Assim, todo aquele que não se submetesse à autoridade do rei deveria
ser consideradao um inimigo da ordem pública e do progresso social. Segundo Bodin, o rei deveria possuir um poder
supremo sobre o Estado, respeitando , apenas, o direito de propriedade dos súditos. ( COTRIM, 1987, p 134)
Com a emergência da burguesia no panorama político, dá-se a criação do Estado como organismo distinto da
sociedade civil. Em outras palavras, na Idade Média, o poder político pertencia ao senhor feudal, dono de terras, e era
transmitido como herança juntamente com seus bens; com as revoluções burguesas, essas duas esferas dissociam-se: o
poder não é herdado, mas conquistado pelo voto. Assim, separa-se o público do privado. O espírito da democracia está em
descobrir o valor da coisa pública, separada dos interesses particulares.
Desse modo, ocorre a institucionalização do poder, que não mais se identifica com aquele que o detém, pois este é
mero depositário da soberania popular. O poder se torna um poder de direito, e sua legitimidade repousa, não no privilégio,
não no uso da violência, mas do mandato popular.
O súdito, na verdade, torna-se cidadão, já que participa da comunidade cívica. Não havendo privilégios, todos são
iguais e têm os mesmos direitos e deveres.
Isto se torna possível pela criação de instituições baseadas na pluralidade de opiniões e na elaboração de leis para
orientar a ação dos cidadãos, garantindo seu direitos e evitando o arbítrio. A institucionalização implica a elaboração de
uma Constituição , que é a lei magna.
Portanto, o poder torna-se legítimos porque emana do povo e se faz em conformidade com a lei.
Retomando a pergunta “Onde é o lugar do poder na democracia?” respondemos que é o lugar do vazio, ou seja, é o
poder com o qual ninguém pode se identificar e que será exercido transitoriamente por quem for escolhido para tal.
No entanto, como já dissemos, a democracia burguesa se mostrou deficiente no exercício desse ideal, pois redundou
em uma forma elitista, privilegiando os segmentos da sociedade que possuem propriedades e excluindo do acesso ao poder
a grande maioria
Com a ajuda da ideologia, as classes privilegiadas dissimulam a divisão e mostram a sociedade como una,
harmônica e igualitária. Asseguram , assim, a tranqüilidade e o progresso”. Entretanto, a outra parte da sociedade se acha
reduzida ao silêncio e à incapacidade de pensar a sua própria condição.

Como seria a verdadeira democracia?


Segundo Marilena Chauí, as três características da democracia são as idéias de conflito,
abertura e rotatividade.
•O conflito: se a democracia supõe o pensamento divergente, isto é, os múltiplos discursos, ela tem de admitir um
heterogeneidade essencial. Então, o conflito é inevitável. A palavra conflito sempre teve sentido pejorativo, de algo que
devesse ser evitado a qualquer custo. Ao contrário, divergir é inerente a uma sociedade pluralista. O que a sociedade
democrática deve fazer com o conflito é trabalhá-lo, de modo que, a partir da discussão, do confronto, os próprios homens
encontrem a possibilidade de superá-lo.
•A abertura: significa que na democracia a informação circula livremente, e a cultura não é privilégio de poucos.
•A rotatividade: significa tornar o poder na democracia realmente o lugar vazio por excelência , sem o privilégio de um
grupo ou classe. É permitir que todos os setores da sociedade possam ser legitimamente representados.

A fragilidade da democracia
A construção da democracia é uma tarefa difícil, devido à incompletude essencial da democracia. Não havendo
modelos a seguir, a democracia se autoproduz no seu percurso, e a árdua tarefa em que todos se empenham está sujeita aos
riscos dos enganos e dos desvios. Por isso, a democracia é frágil e não há como evitar o que faz parte da sua própria
natureza.
O principal risco é a emergência do totalitarismo, representado nos grupos que sucumbem à sedução do absoluto e
desejam restabelecer a “ordem” e a hierarquia.
A condição do fortalecimento da democracia encontra-se na politização das pessoas, que devem deixar o hábito ( ou
vício? ) da cidadania passiva, do individualismo, para se tornarem mais participantes e conscientes da coisa pública.

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Questões para reflexão:
1.Qual a mensagem do poema “O analfabeto político”?
2.Qual é a etimologia das palavras política e democracia?
3.O que significa a personalização do poder?
4.O que significa s separação entre a sociedade política e a sociedade civil?
5.Por que a burguesia não representa ainda o ideal democrático?
6.Quais são as três características da democracia?
7.Em que consiste a fragilidade da democracia e que significa cidadania passiva?

Democracia e cidadania

Se até hoje temos nos contentado com a democracia representativa, não há como deixar de sonhar com
mecanismos típicos da democracia direta que possibilitem a presença mais constante do povo nas decisões de
interesse coletivo.
Na Constituição brasileira de 1988 foi introduzida a “iniciativa popular de projetos de leis”, através de
manifestação do eleitorado, mediante porcentagem mínima estipulada conforme o caso. Essa forma de atuação ainda
será regulamentada e devem ser enfrentadas dificuldades as mais diversas para o exercício efetivo.
Mas alguns poderiam argumentar: para participar enquanto cidadão pleno é preciso que haja politização, caso
contrário haverá apatia ou manipulação. Daí o desafio: quem educa o cidadão?
Cidadania se aprende no exercício mesmo da cidadania. Embora a escola seja aliada importante, não é nela
fundamentalmente que se dá a aprendizagem, pois há o risco da ideologia e do discurso vazio, quando o ensino
não é acompanhado de fato pela ampliação dos espaços de atuação política do cidadão na sociedade.
A participação popular se intensifica com as já referidas organizações saídas da sociedade civil. Essas
organizações, ao colocarem seus representantes em confronto com o poder constituído, tornam-se verdadeiras escolas
de cidadania. O importante do processo é que, ao lado dos outros poderes, como o poder oficial do município, do
estado e federal, e o poder das elites econômicas, desenvolve-se o poder alternativo. Ou seja, o esforço coletivo na
defesa de interesses comuns transforma a população amorfa, inexpressiva e despolitizada em comunidade verdadeira.
Na luta contra a tirania e o poder arbitrário, nem as regras da moral, nem apenas as leis impedirão o abuso
do poder. Na verdade, como já dizia Montesquieu, só o poder controla o poder.

As teorias contratualistas

Nos séculos XVII e XVIII a principal preocupação da filosofia política é o fundamento racional do poder
soberano. Ou seja, o que se procura não é resolver a questão da justiça, nem justificar o poder pela intervenção
divina, mas colocar o problema da legitimidade do poder.
É por isso que filósofos tão diferentes como Hobbes, Locke e Rousseau têm idêntico propósito: investigar a
origem do Estado. Não propriamente a origem no tempo, mas o “princípio”, a “razão de ser” do Estado. Todos
partem da hipótese do homem em estado de natureza, isto é, antes de qualquer sociabilidade, e, portanto, dono
exclusivo de si e dos seus poderes. Procuram então compreender o que justifica abandonar o estado de natureza
para constituir o Estado, mediante o contrato. Também discutem o tipo de soberania resultante do pacto feito entre
os homens.
Hobbes, advertindo que o homem natural vive em guerra com seus semelhantes, conclui que a única maneira
de garantir a paz consiste na delegação de um poder absoluto ao soberano.- Thomas Hobbes ( 1558-1679):
filósofo inglês, escreveu o livro Leviatã ( o título refere-se ao monstro bíblico, citado no livro de Jó, que governava o
caos primitivo), no qual compara o Estado a um monstro todo-poderoso, especialmente criado para acabar com a
anarquia da sociedade primitiva. Segundo Hobbes, nas sociedades primitivas “o homem era o lobo do próprio
homem”, vivendo em constantes guerras e matanças, cada qual procurando garantir sua própria sobrevivência. Só
havia uma solução para dar fim à brutalidade: entregar o poder a um só homem, que seria o rei, para que ele
governasse todos os demais, eliminando a desordem e dando segurança a todos . ( COTRIM, 1987, p. 134)
Locke, como arauto do liberalismo, critica o absolutismo. John Locke ( 1632 - 1704) : filósofo inglês,
considerado por muitos como o “Pai do Iluminismo”. Sua principal obra é o Ensaio sobre o entendimento humano,
em que afirma que nossa mente é uma tábula rasa, sem nenhuma idéia. Tudo o que adquirimos é devido à e
experiência. Para ele, nossas primeiras idéias vêm à mente através dos sentidos. Depois, combinando e associando as
primeiras idéias simples, a mente forma idéias cada vez mais complexas. Em resumo, todo o conhecimento humano
chega à nossa mente através dos sentidos e, depois, desenvolve-se pelo esforço da razão. Em termos políticos,
Locke condenou o absolutismo monárquico, revelando sua grande preocupação em proteger a liberdade individual do
cidadão. ( COTRIM, 1987, p.140) Para ele, o consentimento dos homens ao aceitarem o poder do corpo político
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instituído não retira seu direito de insurreição , caso haja necessidade de limitar o poder do governante. Além disso, o
Parlamento se fortalece enquanto legítimo canal de representação da sociedade, e deve ter força suficiente para
controlar os excessos do Executivo.
Rousseau vai mais longe ainda, atribuindo a soberania ao “povo incorporado”, isto é ao povo enquanto corpo
coletivo, capaz de decidir o que é melhor para o todo social. Com isso desenvolve a concepção radical da
democracia direta, em que o cidadão é ativo, participante, fazendo ele próprio as leis nas assembléias públicas. Jean-
Jacques Rousseau (1712-1778) nasceu em Genebra na Suíca, transferindo-se para a França em 1742, onde escreveu
suas grandes obras. Entre elas podemos destacar O contrato social, na qual expôs a tese de que o soberano deveria
conduzir o Estado segundo a vontade geral de seu povo, sempre tendo em vista o atendimento do bem comum.
Somente esse Estado, de bases democráticas, teria condições de oferecer a todos os cidadãos um regime de
igualdade jurídica. Em outra de suas importantes obras, o Discurso sobre a origem da desigualdade entre os
homens, Rousseau glorificou os valores da vida natural e atacou a corrupção, a avareza e os vícios da sociedade
civilizada. Fez inúmeros elogios à liberdade que desfrutava o selvagem, na pureza do seu estado natural,
contrapondo-se à falsidade e ao artificialismo do homem civilizado. Rousseau tornou-se célebre como defensor da
pequena burguesia e inspirador dos ideais que estiveram presentes na Revolução Francesa. ( COTRIM, 1987, p. 141).
Rousseau, na verdade, antecipa algumas das críticas que no século seguinte os socialistas farão ao liberalismo.
Denuncia a propriedade como uma das causas da origem da desigualdade e, ao desenvolver os conceitos de
vontade geral e cidadania ativa, rejeita o elitismo da tradição burguesa do seu tempo.
Além disso, as teorias contratualistas se baseiam em uma concepção individualista da sociedade, o que é típico
do pensamento liberal. A sociedade é compreendida como a somatória dos indivíduos, e o Estado tem por fim
garantir que os interesses particulares possam coexistir em harmonia. Esta concepção será criticada pelas teorias
socialistas.

Ética
Problema ético: Liberdade, emancipação e dever.
•A questão da justiça
•A questão da liberdade e autonomia.
•Autores de referência: Platão, Aristóteles, Rousseau, Kant, Spinoza e Habermas

Ética

Área da Filosofia que estuda os valores morais. Reflete sobre o bem e o mal, o que é certo ou errado, e procura
responder , por exemplo, se os fins justificam os meios ou os meios justificam os fins.
A partir de Sócrates ( 469 - 399 a . C. ), a Filosofia, que antes estudava a natureza, passa a se ocupar de problemas
relativos ao valor da vida, ou seja, das virtudes. O primeiro a organizar essas questões é o filósofo grego Aristóteles ( 384 -
322 a . C.). Em sua obra , entre outros pontos, destacam-se os estudos da relação entre a ética individual e a social, e entre
a vida teórica e a prática. Ele também classifica as virtudes. A justiça , a amizade e os valores morais derivam dos costumes
e servem para promover a ordem política. A sabedoria e a prudência estão vinculadas à inteligência ou à razão.
Na Idade Média, predomina a ética cristã baseada no amor ao próximo, que incorpora as noções gregas de que a
felicidade é um objetivo do homem e a prática do bem constitui um meio de atingi-la. Os filósofos cristãos partem do
pressuposto de que a natureza humana tem um destino predeterminado e de que Deus é o princípio da felicidade e da
virtude.
Entre a idade Média e a modernidade , o italiano Nicolau Maquiavel ( 1469 - 1527) apresenta-se como “o
Colombo do novo mundo moral” e provoca uma revolução na ética. Nega as concepções grega e cristã de virtude e busca
seu modelo moral na virilidade dos antigos romanos. Para ele, a ética cristã é “efeminada”. Maquiavel influencia o inglês
Thomas Hobbes (1588 - 1679) e o holandês Benedito Spinoza ( 1632 -1677), pensadores modernos extremamente realistas
no que se refere à ética.
Nos séculos XVIII e XIX, o francês Jean - Jacques Rousseau ( 1712 -1778) e os alemães Emmanuel Kant ( 1724 -
1804) e Friedrich Hegel (1770 -1831) são os principais filósofos que discutem ética. Segundo Rousseau, o homem é bom
por natureza e seu espírito pode sofrer um aprimoramento quase ilimitado. Para Kant, ética é a obrigação de agir segundo
regras universais com as quais todos concordam. O reconhecimento dos outros homens é o principal motivador da conduta
individual.
Hegel transforma a ética em uma Filosofia do Direito. Ele a divide em ética subjetiva ou pessoal, e ética objetiva, ou
social. A primeira é uma consciência de dever e a segunda é formada pelos costumes, leis e normas de uma sociedade. O
Estado, para Hegel , reúne esses dois aspectos numa “totalidade ética”.
Na Filosofia contemporânea, os princípios do liberalismo influenciam o conceito de ética, que ganha traços de
moral utilitária. Os indivíduos devem buscar a felicidade e, para isso, fazer as melhores escolhas entre as alternativas
existentes. Para o filósofo inglês Bertrand Russel ( 1872 - 1970) , a ética é subjetiva. Não contém afirmações verdadeiras
ou falsas. É a expressão dos desejos de um grupo. Mas Russel diz que o homem deve reprimir certos desejos e reforçar
outros se pretende atingir a felicidade ou o equilíbrio

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A questão da justiça
Se o direito constitui a ordem da comunidade, compete à justiça “salvaguardar” e “restabelecer” essa
ordem, na medida em que as circunstâncias existentes não formem uma ordenação verdadeira e acertada daquela,
ou seja uma ordenação que garanta a realização do bem comum. Dentro de uma ordem existente, devem tomar-se
em consideração, primeiramente , as normas que visam a comunidade ( o bem comum) ou leis, sobre as quais
repousa a dita ordem: justiça geral ou legal ( inexatamente chamada também “social”). - Relativamente aos
membros da comunidade, tem de ser protegida a repartição de ônus e obrigações, bem como a de honras e
vantagens, de acordo m com sua situação, aptidões e capacidades: justiça distributiva. Por sua vez, os membros da
comunidade têm de defender reciprocamente o que de direito compete a cada um. Uma aplicação capital deste
princípio consiste em proteger a equivalência de prestação e contraprestação, por conseguinte, a proteção da
igualdade de valor no trato econômico; daí, a designação desta justiça como justiça geral, mencionada em primeiro
lugar, incluímos as duas últimas sob o rótulo de justiças particulares.
De fato, a ordem existente nunca é inteiramente aquela que deveria ser; para ser pura e perfeita expressão
do direito e, desse modo, “ ordem”, no sentido prenhe da palavra, precisaria de ser continuamente retocada e
adaptada às situações reais que se vão modificando: normas, que um tempo foram a expressão de um pensamento
jurídico, podem, variadas as circunstâncias, deixar de Ter sentido, tornar-se nocivas à comunidade e altamente
ilegais. O beneficiário empenhar-se á em mantê-las como seu direito escrito; o prejudicado será inclinado a
quebrantá-las, por meio da violência, como injustas. À comunidade só interessa um desenvolvimento orgânico: o
esforço nesse sentido e a boa vontade para levá-lo a cabo constituem a justiça em ordem ao bem comum (justiça
social), assim denominada, porque cria de novo, em cada momento, a verdadeira ordem da comunidade e protege de
modo permanente o bem comum - (Nell - Breuning , in BRUGGER, Dicionário de Filosofia, São Paulo: EPU, 1973)

LIBERDADE

A democracia deve assegurar liberdade a seus cidadãos. Liberdade política, de organização e de trabalho são
aspectos freqüentemente lembrados da vida democrática.
Platão adverte que o Estado (ele usa a palavra cidade ) democrático, corre o risco de, embriagado pela ânsia de
liberdade, erigir governantes sempre mais frouxos, que não tenham coragem ou princípios para conter o relaxamento
crescente. Afirma que na democracia o mesmo espírito anárquico penetra os domicílios privados: "o pai se acostuma a
igualar-se com os filhos e a temê-los, e os filhos a igualar-se com os pais e não lhes ter respeito nem temor algum... Jovens
e velhos, todos se equiparam; os rapazes rivalizam com seus maiores em palavras e ações; e estes condescendem com eles,
mostrando-se cheios de bom humor e jocosidade, para imitá-los e não parecerem casmurros e autoritários". Fala ainda da
igualdade dos sexos, da confusão entre cidadãos e estrangeiros, e termina com uma frase antológica: "as cadelas valem
tanto quanto as suas donas, e os cavalos e os asnos andam às soltas, como importantes personagens, empurrando pelos
caminhos a quem não lhes cede o passo; e por toda a parte se vê a mesma pletora de liberdade". Embora Platão tenha
escrito em sentido simbólico, não se pode deixar de pensar nos inúmeros institutos de beleza canina espalhados pelas
cidades contemporâneas, ao lado de milhões de pessoas que não têm o que comer.
É nas profundezas de cada coração e no recôndito das consciências que nasce a verdadeira restauração da ordem
política.
"Quando numa cidade são honrados a riqueza e os ricos, a virtude e os virtuosos tornam-se alvo de desdém".

“Considerando a cadeia inquebrantável dos acontecimentos


naturais, é possível dizer que a liberdade é nada menos que
uma ilusão”
( Immanuel Kant, Crítica da Razão Pura)

Diz Aristóteles que é livre aquele que tem em si mesmo o princípio para agir ou não agir, isto é, aquele que
é causa interna de sua ação ou da decisão de agir ou não agir. A liberdade é concebida como o poder pleno e
incondicional da vontade para determinar a si mesma ou para ser autodeterminada . É pensada, também como a
ausência de constrangimentos externos e internos, isto é, como uma capacidade que não encontra obstáculos para se
realizar, nem é forçada por coisa alguma para agir. Trata-se da espontaneidade plena do agente, que dá a si mesmo
os motivos e os fins de sua ação, sem ser constrangido ou forçado por nada e por ninguém.
Assim, na concepção aristotélica, a liberdade é o princípio para escolher entre alternativas possíveis,
realizando-se como decisão e ato voluntário. Contrariamente ao necessário ou à necessidade , sob a qual o agente
sofre a ação de uma causa externa que o obriga a agir sempre de uma determinada maneira, no ato voluntário
livre o agente é causa de si , isto é, causa integral de sua ação. Sem dúvida, poder-se-ia dizer que a vontade livre
é determinada pela razão ou pela inteligência e, nesse caso, seria preciso admitir que não é causa de si ou
incondicionada, mas que é causada pelo raciocínio ou pelo pensamento.

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Vivenciando a Liberdade

No âmbito das experiências cotidianas, o conceito de liberdade tem sido entendido como: possibilidade de
autodeterminação; possibilidade de escolha; ato voluntário; espontaneidade; ausência de interferência; .... outras
Desde cedo, o homem se habitua a conceber todas as coisas sob a forma de oposição expressa no sim e
no não: movimentos à direita e à esquerda; desejo e aversão; afirmação e negação; semelhança e diferença. A noção
de diversidade sob a forma de alternativa dos contrários , é o primeiro elemento constitutivo da idéia de liberdade.
Porque o ser humano é capaz de raciocinar, compreender, julgar e discernir, o homem é também capaz de
perceber a diversidade , a pluralidade, a alternativa de contrários e se posicionar fazendo escolhas e opções livres.
Porque o ser humano não apenas faz o que quer, mas, acima de tudo, pode efetivar a realização de metas e fins
estabelecidos, caracteriza-se como um ser livre. Livre porque possui, em determinado grau e medida, possibilidades
objetivas de concretizar escolhas motivadas.
Porque o ser humano, como ser racional, tem poder de escolha, capacidade de autodeterminação ou
autocausalidade, orienta e organiza suas ações de forma autônoma e independente: jamais realiza qualquer atividade
sem prévio acordo interior, o que expressa sua independência e sua condição de homem livre. Porque o ser humano
pode agir independentemente de coações exteriores, bem como de determinação interior, ele se caracteriza como um
ser livre.
Essas afirmações conduzem a um tema correlato ao da liberdade: o livre-arbítrio.
O homem tem capacidade de discernimento, o que lhe possibilita fazer escolhas voluntárias, autônomas e
independentes de qualquer pressão interna ou externa.
A noção de livre -arbítrio foi objeto de debates calorosos durante parte da Idade Média e nos séculos XVI
e XVII, especialmente ao suscitar a questão da declarada incompatibilidade entre a onipotência divina e a
liberdade humana

Liberdade e determinismo
A liberdade tem tido muitos adversários na história, há um verdadeiro temor à liberdade. Há uma série de
conceitos que vêm a ser a negação da liberdade; podemos chamá-los, em conjunto, determinismo. Um dos pontos centrais
do problema da liberdade humana consiste no esclarecimento da compatibilidade entre liberdade e determinismo.
Entende-se por determinismo uma doutrina segundo a qual toda e qualquer ação é resultado de uma
causa ou grupo de causas, sendo por estas determinada e condicionada. Crê-se na universalidade do princípio causal
e, conseqüentemente, na determinação necessária das ações humanas pelos seus motivos.
Inegavelmente, a existência humana transcorre dentro de um contexto previamente determinado, tanto do
ponto de vista dos condicionamentos naturais ( elementos do meio ambiente, como água, terra, fauna, flora, etc.) como
dos condicionamentos culturais ( instituições, ciências, técnicas, etc.)
O filósofo holandês de origem judaica, Spinoza, afirma:
“Deve-se notar que, embora a alma humana seja determinada pelas coisas
exteriores para afirmar ou negar , não é determinada a ponto de ser constrangida por elas,
mas permanece sempre livre, pois nenhuma coisa tem o poder de destruir a essência dela.
Portanto, aquilo que afirma e nega, afirma e nega livremente. [...] Se, depois disso, alguém
perguntar: por que a alma quer isto e não aquilo?, responderemos: porque a alma é uma
coisa pensante, isto é uma coisa que por sua natureza tem o poder de querer e não
querer, de afirmar e de negar, pois é isto ser uma coisa pensante.”

Na verdade, não há contradição entre liberdade e determinismo, mas é possível o estabelecimento de uma
relação de complementaridade entre ambos os conceitos.
Liberdade é, antes de tudo, autodeterminação. Liberdade só tem sentido positivo por seu poder de
determinação. O homem é princípio determinante, que recebe os influxos de determinações externas e internas, mas
é capaz de lhes dar uma nova dimensão e um novo valor que decorre de sua ação pessoal. Ele é assim causa
original. Ele é fonte de iniciativa. Ele determina pelo que aceita e pelo que impõe
O problema da liberdade humana não se reduz , portanto, apenas a uma possibilidade de escolha entre
objetos ou objetivos que são apresentados ao homem numa dada situação. Ele pode reelaborar tais dados por uma
projeção que vem de si mesmo, bem como se dimensiona por um processo de continuada criação. E nesse ponto é
que se decide a sua liberdade.
O grande desafio para aqueles que desejam encarar de frente o problema da liberdade humana consiste em
aprender a conviver com as coações , as determinações , as necessidades presentes a todo momento no decorrer da
existência concreta e superá-las pela capacidade criadora e inteligente de ordená-las e submetê-las a uma direção
determinada, privilégio exclusivo do ser humano como único ser vivo racional.

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Os Pré-Socráticos

A característica fundamental do pensamento grego está na solução dualista do problema metafísico-teológico, isto é,
na solução das relações entre a realidade empírica e o Absoluto que a explique, entre o mundo e Deus, em que Deus e
mundo ficam separados um do outro. Conseqüência desse dualismo é o irracionalismo, em que fatalmente finaliza a serena
concepção grega do mundo e da vida. O mundo real dos indivíduos e do vir-a-ser depende do princípio eterno da matéria
obscura, que tende para Deus como o imperfeito para o perfeito; assimila em parte, a racionalidade de Deus, mas nunca
pode chegar até ele porque dele não deriva. E a conseqüência desse irracionalismo outra não pode ser senão o pessimismo:
um pessimismo desesperado, porque o grego tinha conhecimento de um absoluto racional, de Deus, mas estava também
convicto de que ele não cuida do mundo e da humanidade, que não criou, não conhece, nem governa; e pensava, pelo
contrário, que a humanidade é governada pelo Fado, pelo Destino, a saber, pela necessidade irracional. O último remédio
desse mal da existência será procurado no ascetismo, considerando-o como a solidão interior e a indiferença heróica para
com tudo, a resignação e a renúncia absoluta.

O Gênio Grego

A característica do gênio filosófico grego pode-se compendiar em alguns traços fundamentais: racionalismo, ou seja, a
consciência do valor supremo do conhecimento racional; esse racionalismo não é, porém, abstrato, absoluto, mas se integra
na experiência, no conhecimento sensível; o conhecimento, pois, não é fechado em si mesmo, mas aberto para o ser, é
apreensão (realismo); e esse realismo não se restringe ao âmbito da experiência, mas a transpõe, a transcende para o
absoluto, do mundo a Deus, sem o qual o mundo não tem explicação; embora, para os gregos, o "conhecer" - a
contemplação, o teorético, o intelecto - tenham a primazia sobre o "operar" - a ação, o prático, a vontade - o segundo
elemento todavia, não é anulado pelo primeiro, mas está a ele subordinado; e o otimismo grego, conseqüência lógica do seu
próprio racionalismo, cederá lugar ao pessimismo, quando se manifestar toda a irracionalidade da realidade, quando o
realismo impuser tal concepção. Todos esses elementos vêm sendo, ainda, organizados numa síntese insuperável, numa
unidade harmônica, realizada por meio de um desenvolvimento também harmônico, aperfeiçoado mediante uma crítica
profunda. Entre as raças gregas, a cultura, a filosofia são devidas, sobretudo, aos jônios, sendo jônios também os
atenienses.

Tales de Mileto (624-548 A.C.) "Água"

Tales de Mileto, fenício de origem, é considerado o fundador da escola jônica. É o mais antigo filósofo grego. Tales
não deixou nada escrito mas sabemos que ele ensinava ser a água a substância única de todas as coisas. A terra era
concebida como um disco boiando sobre a água, no oceano. Cultivou também as matemáticas e a astronomia, predizendo,
pela primeira vez, entre os gregos, os eclipses do sol e da lua. No plano da astronomia, fez estudos sobre solstícios a fim de
elaborar um calendário, e examinou o movimento dos astros para orientar a navegação. Provavelmente nada escreveu. Por
isso, do seu pensamento só restam interpretações formuladas por outros filósofos que lhe atribuíram uma idéia básica: a de
que tudo se origina da água. Segundo Tales, a água, ao se resfriar, torna-se densa e dá origem à terra; ao se aquecer
transforma-se em vapor e ar, que retornam como chuva quando novamente esfriados. Desse ciclo de seu movimento (vapor,
chuva, rio, mar, terra) nascem as diversas formas de vida, vegetal e animal. A cosmologia de Tales pode ser resumida nas
seguintes proposições: A terra flutua sobre a água; A água é a causa material de todas as coisas. Todas as coisas estão cheias
de deuses. O imã possui vida, pois atrai o ferro.

Segundo Aristóteles sobre a teoria de Tales: elemento estático e elemento dinâmico. Elemento Estático - a flutuação
sobre a água. Elemento Dinâmico - a geração e nutrição de todas as coisas pela água. Tales acreditava em uma "alma do
mundo", havia um espírito divino que formava todas as coisas da água. Tales sustentava ser a água a substância de todas as
coisas.

Anaximandro de Mileto (611-547 A.C.) "Ápeiron"

Anaximandro de Mileto, geógrafo, matemático, astrônomo e político, discípulo e sucessor de Tales e autor de um
tratado Da Natureza, põe como princípio universal uma substância indefinida, o ápeiron (ilimitado), isto é,
quantitativamente infinita e qualitativamente indeterminada. Deste ápeiron (ilimitado) primitivo, dotado de vida e
imortalidade, por um processo de separação ou "segregação" derivam os diferentes corpos. Supõe também a geração
espontânea dos seres vivos e a transformação dos peixes em homens. Anaximandro imagina a terra como um disco
suspenso no ar. Eterno, o ápeiron está em constante movimento, e disto resulta uma série de pares opostos - água e fogo,
frio e calor, etc. - que constituem o mundo. O ápeiron é assim algo abstrato, que não se fixa diretamente em nenhum
elemento palpável da natureza. Com essa concepção, Anaximandro prossegue na mesma via de Tales, porém dando um
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passo a mais na direção da independência do "princípio" em relação às coisas particulares. Para ele, o princípio da "physis"
(natureza) é o ápeiron (ilimitado). Atribui-se a Anaximandro a confecção de um mapa do mundo habitado, a introdução na
Grécia do uso do gnômon (relógio de sol) e a medição das distâncias entre as estrelas e o cálculo de sua magnitude (é o
iniciador da astronomia grega). Ampliando a visão de Tales, foi o primeiro a formular o conceito de uma lei universal
presidindo o processo cósmico total. Diz-se também, que preveniu o povo de Esparta de um terremoto. Anaximandro julga
que o elemento primordial seria o indeterminado (ápeiron), infinito e em movimento perpétuo.

Anaxímenes de Mileto (588-524 A.C.) "Ar"

Segundo Anaxímenes, a arkhé (comando) que comanda o mundo é o ar, um elemento não tão abstrato como o
ápeiron, nem palpável demais como a água. Tudo provém do ar, através de seus movimentos: o ar é respiração e é vida; o
fogo é o ar rarefeito; a água, a terra, a pedra são formas cada vez mais condensadas do ar. As diversas coisas que existem,
mesmo apresentando qualidades diferentes entre si, reduzem-se a variações quantitativas (mais raro, mais denso) desse
único elemento. Atribuindo vida à matéria e identificando a divindade com o elemento primitivo gerador dos seres, os
antigos jônios professavam o hilozoísmo e o panteísmo naturalista. Dedicou-se especialmente à meteorologia. Foi o
primeiro a afirmar que a Lua recebe sua luz do Sol. Anaxímenes julga que o elemento primordial das coisas é o ar.

Heráclito de Éfeso

Heráclito nasceu em Éfeso, cidade da Jônia, de família que ainda conservava prerrogativas reais (descendentes do
fundador da cidade). Seu caráter altivo, misantrópico e melancólico ficou proverbial em toda a antigüidade. Desprezava a
plebe. Recusou-se sempre a intervir na política. Manifestou desprezo pelos antigos poetas, contra os filósofos de seu tempo
e até contra a religião. Sem ter sido mestre, Heráclito escreveu um livro Sobre a Natureza, em prosa, no dialeto jônico, mas
de forma tão concisa que recebeu o cognome de Skoteinós, o Obscuro. Floresceu em 504-500 a.C. - Heráclito é por muitos
considerados o mais eminente pensador pré-socrático, por formular com vigor o problema da unidade permanente do ser
diante da pluralidade e mutabilidade das coisas particulares e transitórias. Estabeleceu a existência de uma lei universal e
fixa (o Lógos), regedora de todos os acontecimentos particulares e fundamento da harmonia universal, harmonia feita de
tensões, "como a do arco e da lira".

Filosofia de Heráclito

Heráclito concebe o próprio absoluto como processo, como a própria dialética. A dialética é:

A. Dialética exterior, um raciocinar de cá para lá e não a alma da coisa dissolvendo-se a si mesma;

B. Dialética imanente do objeto, situando-se, porém, na contemplação do sujeito;

C. Objetividade de Heráclito, isto é, compreender a própria dialética como princípio.

É o progresso necessário, e é aquele que Heráclito fez. O ser é o um, o primeiro; o segundo é o devir - até esta
determinação avançou ele. Isto é o primeiro concreto, o absoluto enquanto nele se dá a unidade dos opostos. Nele encontra-
se, portanto, pela primeira vez, a idéia filosófica em sua forma especulativa; o raciocínio de Parmênides e Zenão é
entendimento abstrato; por isso Heráclito foi tido como filósofo profundo e obscuro e como tal criticado.

O que nos é relatado da filosofia de Heráclito parece, à primeira vista, muito contraditório; mas nela se pode
penetrar com o conceito e assim descobrir, em Heráclito, um homem de profundos pensamentos. Ele é a plenitude da
consciência até ele - uma consumação da idéia na totalidade que é o início da Filosofia ou expressa a essência da idéia, o
infinito, aquilo que é.

O Princípio Lógico

O princípio universal. Este espírito arrojado pronunciou pela primeira vez esta palavra profunda: "O ser não é
mais que o não-ser", nem é menos; ou ser e nada são o mesmo, a essência é mudança. O verdadeiro é apenas como a
unidade dos opostos; nos eleatas, temos apenas o entendimento abstrato, isto é, apenas o ser é. Dizemos, em lugar da
expressão de Heráclito: O absoluto é a unidade do ser e do não-ser. Se ouvimos aquela frase "O ser não é mais que o não-
ser", desta maneira, não parece, então, produzir muito sentido, apenas destruição universal, ausência de pensamento.
Temos, porém, ainda uma outra expressão que aponta mais exatamente o sentido do princípio. Pois Heráclito diz: "Tudo
flui (panta rei), nada persiste, nem permanece o mesmo". E Platão ainda diz de Heráclito: "Ele compara as coisas com a
corrente de um rio - que não se pode entrar duas vezes na mesma corrente"; o rio corre e toca-se outra água. Seus
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sucessores dizem até que nele nem se pode mesmo entrar, pois que imediatamente se transforma; o que é, ao mesmo tempo
já novamente não é. Além disso, Aristóteles diz que Heráclito afirma que é apenas um o que permanece; disto todo o resto é
formado, modificado, transformado; que todo o resto fora deste um flui, que nada é firme, que nada se demora; isto é, o
verdadeiro é o devir, não o ser - a determinação mais exata para este conteúdo universal é o devir. Os eleatas dizem: só o
ser é, é o verdadeiro; a verdade do ser é o devir; ser é o primeiro pensamento enquanto imediato. Heráclito diz: Tudo é
devir; este devir é o princípio. Isto está na expressão: "O ser é tão pouco como o não-ser; o devir é e também não é". As
determinações absolutamente opostas estão ligadas numa unidade; nela temos o ser e também o não-ser. Dela faz parte não
apenas o surgir, mas também o desaparecer; ambos não são para si, mas são idênticos. É isto que Heráclito expressou com
suas sentenças. O não ser é, por isso é o não-ser, e o não-ser é, por isso é o ser; isto é a verdade da identidade de ambos.

Os Sofistas

Período Sistemático

O segundo período da história do pensamento grego é o chamado período sistemático. Com efeito, nesse período
realiza-se a sua grande e lógica sistematização, culminando em Aristóteles, através de Sócrates e Platão , que fixam o
conceito de ciência e de inteligível, e através também da precedente crise cética da sofística. O interesse dos filósofos gira,
de preferência, não em torno da natureza, mas em torno do homem e do espírito; da metafísica passa-se à gnosiologia e à
moral. Daí ser dado a esse segundo período do pensamento grego também o nome de antropológico, pela importância e o
lugar central destinado ao homem e ao espírito no sistema do mundo, até então limitado à natureza exterior.

Esse período esplêndido do pensamento grego - depois do qual começa a decadência - teve duração bastante curta.
Abraça, substancialmente, o século IV a.C., e compreende um número relativamente pequeno de grandes pensadores: os
sofistas e Sócrates, daí derivando as chamadas escolhas socráticas menores, sendo principais a cínica e a cirenaica,
precursoras, respectivamente, do estoicismo e do epicurismo do período seguinte; Platão e Aristóteles, deles procedendo a
Academia e o Liceu , que sobreviverão também no período seguinte e além ainda, especialmente a Academia por motivos
éticos e religiosos, e em seus desenvolvimentos neoplatônicos em especial - apesar de o aristotelismo ter superado
logicamente o platonismo.

Sócrates

Quem valorizou a descoberta do homem feita pelos sofistas, orientando-a para os valores universais, segundo a via
real do pensamento grego, foi Sócrates. Nasceu Sócrates em 470 ou 469 a.C., em Atenas, filho de Sofrônico, escultor, e de
Fenáreta, parteira. Aprendeu a arte paterna, mas dedicou-se inteiramente à meditação e ao ensino filosófico, sem
recompensa alguma, não obstante sua pobreza. Desempenhou alguns cargos políticos e foi sempre modelo irrepreensível de
bom cidadão. Combateu a Potidéia, onde salvou a vida de Alcebíades e em Delium, onde carregou aos ombros a
Xenofonte, gravemente ferido. Formou a sua instrução sobretudo através da reflexão pessoal, na moldura da alta cultura
ateniense da época, em contato com o que de mais ilustre houve na cidade de Péricles.

Inteiramente absorvido pela sua vocação, não se deixou distrair pelas preocupações domésticas nem pelos interesses
políticos. Quanto à família, podemos dizer que Sócrates não teve, por certo, uma mulher ideal na quérula Xantipa; mas
também ela não teve um marido ideal no filósofo, ocupado com outros cuidados que não os domésticos.

Quanto à política, foi ele valoroso soldado e rígido magistrado. Mas, em geral, conservou-se afastado da vida
pública e da política contemporânea, que contrastavam com o seu temperamento crítico e com o seu reto juízo. Julgava que
devia servir a pátria conforme suas atitudes, vivendo justamente e formando cidadãos sábios, honestos, temperados -
diversamente dos sofistas, que agiam para o próprio proveito e formavam grandes egoístas, capazes unicamente de se
acometerem uns contra os outros e escravizar o próximo.

Entretanto, a liberdade de seus discursos, a feição austera de seu caráter, a sua atitude crítica, irônica e a
conseqüente educação por ele ministrada, criaram descontentamento geral, hostilidade popular, inimizades pessoais, apesar
de sua probidade. Diante da tirania popular, bem como de certos elementos racionários, aparecia Sócrates como chefe de
uma aristocracia intelectual. Esse estado de ânimo hostil a Sócrates concretizou-se, tomou forma jurídica, na acusação
movida contra ele por Mileto, Anito e Licon: de corromper a mocidade e negar os deuses da pátria introduzindo outros.
Sócrates desdenhou defender-se diante dos juizes e da justiça humana, humilhando-se e desculpando-se mais ou menos.
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Tinha ele diante dos olhos da alma não uma solução empírica para a vida terrena, e sim o juízo eterno da razão, para a
imortalidade. E preferiu a morte. Declarado culpado por uma pequena minoria, assentou-se com indômita fortaleza de
ânimo diante do tribunal, que o condenou à pena capital com o voto da maioria.

Tendo que esperar mais de um mês a morte no cárcere - pois uma lei vedava as execuções capitais durante a viagem
votiva de um navio a Delos - o discípulo Criton preparou e propôs a fuga ao Mestre. Sócrates, porém, recusou, declarando
não querer absolutamente desobedecer às leis da pátria. E passou o tempo preparando-se para o passo extremo em palestras
espirituais com os amigos. Especialmente famoso é o diálogo sobre a imortalidade da alma - que se teria realizado pouco
antes da morte e foi descrito por Platão no Fédon com arte incomparável. Suas últimas palavras dirigidas aos discípulos,
depois de ter sorvido tranqüilamente a cicuta, foram: "Devemos um galo a Esculápio". É que o deus da medicina tinha-o
livrado do mal da vida com o dom da morte. Morreu Sócrates em 399 a.C. com 71 anos de idade.

Método de Sócrates

É a parte polêmica. Insistindo no perpétuo fluxo das coisas e na variabilidade extrema das impressões sensitivas
determinadas pelos indivíduos que de contínuo se transformam, concluíram os sofistas pela impossibilidade absoluta e
objetiva do saber. Sócrates restabelece-lhe a possibilidade, determinando o verdadeiro objeto da ciência.

O objeto da ciência não é o sensível, o particular, o indivíduo que passa; é o inteligível, o conceito que se exprime
pela definição. Este conceito ou idéia geral obtém-se por um processo dialético por ele chamado indução e que consiste em
comparar vários indivíduos da mesma espécie, eliminar-lhes as diferenças individuais, as qualidades mutáveis e reter-lhes o
elemento comum, estável, permanente, a natureza, a essência da coisa. Por onde se vê que a indução socrática não tem o
caráter demonstrativo do moderno processo lógico, que vai do fenômeno à lei, mas é um meio de generalização, que
remonta do indivíduo à noção universal.

Praticamente, na exposição polêmica e didática destas idéias, Sócrates adotava sempre o diálogo, que revestia uma
dúplice forma, conforme se tratava de um adversário a confutar ou de um discípulo a instruir. No primeiro caso, assumia
humildemente a atitude de quem aprende e ia multiplicando as perguntas até colher o adversário presunçoso em evidente
contradição e constrangê-lo à confissão humilhante de sua ignorância. É a ironia socrática. No segundo caso, tratando-se de
um discípulo (e era muitas vezes o próprio adversário vencido), multiplicava ainda as perguntas, dirigindo-as agora ao fim
de obter, por indução dos casos particulares e concretos, um conceito, uma definição geral do objeto em questão. A este
processo pedagógico, em memória da profissão materna, denominava ele maiêutica ou engenhosa obstetrícia do espírito,
que facilitava a parturição das idéias.

Doutrinas Filosóficas

A introspecção é o característico da filosofia de Sócrates. E exprime-se no famoso lema conhece-te a ti mesmo -


isto é, torna-te consciente de tua ignorância - como sendo o ápice da sabedoria, que é o desejo da ciência mediante a
virtude. E alcançava em Sócrates intensidade e profundidade tais, que se concretizava, se personificava na voz interior
divina do gênio ou demônio.

"Conhece-te a ti mesmo" - o lema em que Sócrates cifra toda a sua vida de sábio. O perfeito conhecimento do
homem é o objetivo de todas as suas especulações e a moral, o centro para o qual convergem todas as partes da filosofia. A
psicologia serve-lhe de preâmbulo, a teodicéia de estímulo à virtude e de natural complemento da ética.

Moral. É a parte culminante da sua filosofia. Sócrates ensina a bem pensar para bem viver. O meio único de
alcançar a felicidade ou semelhança com Deus, fim supremo do homem, é a prática da virtude. A virtude adquiri-se com a
sabedoria ou, antes, com ela se identifica. Esta doutrina, uma das mais características da moral socrática, é conseqüência
natural do erro psicológico de não distinguir a vontade da inteligência. Conclusão: grandeza moral e penetração
especulativa, virtude e ciência, ignorância e vício são sinônimos. "Se músico é o que sabe música,

Após ser condenado a morte

Se, ao chegar ao Hades, livre dessas pessoas que se intitulam juízes, a gente vai encontrar os verdadeiros juízes
que, segundo consta, lá distribuem a justiça, Minos,¹ Radamanto, Éaco, Triptólemo e outros semideuses que foram
justiceiros em vida, não valeria a pena a viagem? Quanto não daria qualquer de vós para estar na companhia de Orfeu,²
Museu, Hesíodo e Homero? Por mm, estou pronto a morrer muitas vezes, se isso é verdade; eu de modo especial acharia lá
um entretenimento maravilhoso, quando encontrasse Palamedes, Ajax de Telamon e outros dos antigos, que tenham

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morrido por um sentença iníqua; não me seria desagradável comparar com os deles os meus sofrimentos e, o que é mais,
passar o tempo examinando e interrogando os de lá como aos de cá, a ver quem deles é sábio e quem, não o sendo, cuida
que é. Quanto não se daria, senhores juízes, para sujeitar a exame aquele que comandou a imensa expedição contra Tróia,
ou Ulisses, ou Sísifo? Milhares de outros se poderiam nomear, homens e mulheres, com quem seria uma felicidade
indizível estar junto, conversando com eles, sujeitando-os a exame! Os de lá absolutamente não matam por uma razão
dessas! Os de lá são mais felizes que os de cá, entre outros motivos, por serem imortais pelo resto do tempo, se a tradição
está certa.

Vós também, senhores juízes, deveis bem esperar da morte e considerar particularmente esta verdade: não há, para o
homem bom, mal algum, quer na vida, quer na morte, e os deuses não descuidam de seu destino. O meu não é
conseqüência do acaso; vejo claramente que era melhor para mim morrer agora e ficar livre de fadigas. Por isso é que a
advertência nada me impediu. Não me insurjo absolutamente contra os que votaram contra mm ou me acusaram. Verdade é
que não me acusaram e condenaram com esse modo de pensar, mas na suposição de que me causavam dano: nisso
merecem censura. No entanto, só tenho um pedido a lhes fazer: quando meus filhos crescerem, castigai-os, atormentai-os
com os mesmíssimos tormentos que eu vos infligi, se achardes que eles estejam cuidando mais da riqueza ou de outra coisa
que da virtude; se estiverem supondo ter um valor que não tenham, repreendei-os, como vos fiz eu, por não cuidarem do
que devem e por suporem méritos, sem ter nenhum. Se vós assim agirdes, eu terei recebido de vós justiça; eu, e meus filhos
também.

Bem, é chegada a hora de partirmos, eu para a morte, vós para a vida. Quem segue melhor destino, se eu, se vós, é segredo
para todos, exceto para a divindade.

Platão

Para Entender Platão

Platão, nascido em 428 a.C., é o primeiro grande filósofo da tradição ocidental a deixar uma obra escrita
considerável. Todavia, a obra de Platão só pode ser entendida em função de outros pensamentos, anteriores e
contemporâneos - de saída, o pensamento de seu mestre Sócrates, como também o pensamento dos filósofos anteriores,
precisamente denominados pré-socráticos.
Tratemos, inicialmente, de evocar Pitágoras de Samos, que viveu no século V antes de nossa era e que sabemos ter
sido um ilustre matemático. Na realidade, sua matemática desemboca numa metafísica, já que Pitágoras acredita que os
números são o princípio e a chave de todo o universo; assim como a natureza do som é função do comprimento da corda
que vibra, as aparências coloridas do universo, infinitamente diversas, dissimulam relações numéricas que constituem o
fundo das coisas: idéia capital, que não só reencontramos em Platão, mas que está na origem da ciência moderna. Pitágoras
(que teria inventado a palavra filosofia, amor à sabedoria), também é um místico, fundador de sociedades iniciáticas que
visam à salvação de seus membros. A doutrina pitagórica da salvação está muito próxima dos mistérios do orfismo. Os
pitagóricos acreditam na metempsicose. A alma, como punição de faltas passadas, torna-se prisioneira de um corpo (soma =
sema; corpo = túmulo). A encarnação é tão somente um encarceramento provisório para a alma. A morte anuncia o
renascimento num outro corpo até que a alma, simultaneamente purificada pela virtude e pela prática de ritos iniciáticos,
mereça ser finalmente libertada de toda materialização.
Muitas outras doutrinas dessa época tentam explicar o mundo. Empédocles vê na matéria quatro elementos (terra,
água, ar e fogo), enquanto o ódio que dissocia e o amor que unifica seriam os princípios motores do universo. Anaxágoras,
que foi professor de Péricles, acha que os elementos constitutivos do mundo são ordenados por uma Inteligência cósmica, o
Nous.
Duas doutrinas se opõem radicalmente entre si. Para Heráclito de Éfeso, tudo muda infinitivamente. "Planta rei",
tudo flui: a morte sucede à vida, a noite ao dia, a vigília ao sono. "Não nos banhamos duas vezes no mesmo rio". O fluxo
que faz do universo uma torrente é constantemente produzido e destruído por um Fogo cósmico, segundo um ritmo regular.
A esta filosofia da mobilidade universal se opõem Parmênides e seu discípulo Zenão de Eléia: para eles, a mobilidade não
passa de uma ilusão que engana nossos sentidos; o real é o Ser único, imóvel, eterno. "O Ser é, o não-ser não é"; o não-ser
é a mudança (mudar é deixar de ser o que se é para ser o que não se é). Demócrito tenta conciliar as duas doutrinas por
intermédio de sua filosofia de átomos, elementos eternos, cujas combinações mutáveis são infinitas.
Diremos uma palavra sobre os sofistas, cujo ceticismo é engendrado pela multiplicidade de doutrinas contraditórias, pelo
abuso da retórica (um orador hábil pode demonstrar o que quiser) e, de um modo geral, pelo incremento do individualismo
e decadência dos costumes após Péricles.
Um dos mais célebres, Protágoras de Abdera, dizia, segundo o testemunho de Platão, que "o homem é a medida de todas as
coisas". Em outras palavras: não existe verdade absoluta, mas tão somente opiniões relativas ao homem (este vinho,
delicioso para o amador, é amargo para o enfermo).
Platão, no entanto, só reencontra a filosofia a partir de preocupações de caráter político. É um jovem aristocrata que une aos
seus dons intelectuais e físicos (duas vezes coroado nos jogos atléticos nacionais, é belo e vigoroso: apelidam-no "Platão"

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em virtude de seus ombros largos), o nascimento mais prestigioso: sua mãe descendia de Sólon, seus ancestrais paternos,
do último rei de Atenas. Estava destinado, portanto, a uma brilhante carreira política. Mas Atenas, que por ocasião do
nascimento de Platão se encontra no apogeu - com inigualável poder marítimo - , esboroa-se na época em que Platão atinge
a idade adulta. Platão tinha quatro anos quando começaram as guerras do Peloponeso e trinta e um quando eles terminaram,
com a capitulação de Atenas. A destruição da frota, a peste, o arrasamento dos famosos muros (uniam a cidade ao Pireu)
pelos esparciatas vencedores, assinalam a importância da catástrofe. Platão vai sonhar com a reconstrução de uma cidade,
mas uma cidade cuja potência é antes moral e espiritual do que material, uma cidade que seja a encarnação da Justiça.
Para compreender isto, recordemos o acontecimento fundamental da juventude de Platão, seu encontro com Sócrates.
Sócrates tem sessenta e três anos quando, em 407, Platão a ele se une. Alain falou a propósito desse "choque dos
contrários": Platão, aristocrata jovem e belo, torna-se discípulo de um cidadão de origem modesta, velho e muito feio (seus
olhos salientes e seu nariz achatado são célebres). E isto é significativo e simbólico. A verdade e a justiça (das quais
Sócrates será o símbolo) não possuem bom aspecto, pertencem a um mundo que não o das aparências. Na Atenas vencida,
o jovem Platão é convocado por parentes e amigos a participar do governo autoritário dos Trinta; ele se retrai, porém, e
constata que os Trinta acumulam injustiças e violências. Devemos agora, portanto, caracterizar os grandes traços da
filosofia de Sócrates:
1. Sócrates não pretende, como Empédocles ou Heráclito, elaborar uma cosmologia; segundo ele, deve-se deixar aos deuses
o cuidado de se ocupar com o universo; devemos nos interessar, de preferência, por aquilo que nos concerne diretamente.
"Conhece-te a ti mesmo". Esta máxima gravada no frontão do templo de Delfos, é a palavra-chave do humanismo
socrático.
2. Sócrates, todavia, não pretende ensinar coisa alguma sobre a natureza humana; não quer nos comunicar um saber que
não possuiríamos. Ajuda-nos tão somente a refletir, isto é, a tomar consciência dos nossos próprios pensamentos, dos
problemas que eles colocam. Muitas vezes, ele se comparava à sua mãe, que era parteira. Nada ensinava e limitava-se a
partejar os espíritos, ajudá-los a trazer à luz o que já trazem em si mesmos. Tal é a maiêutica socrática.
3. Ao mesmo tempo que convida o interlocutor a tomar consciência de seu próprio pensamento, Sócrates fá-lo compreender
que, na verdade, ignora o que acreditava saber. Tal é a ironia, que, ao pé da letra, significa a arte de interrogar. Sócrates, de
fato, faz perguntas e sempre dá a impressão de buscar uma lição no interlocutor. Aborda com humildade fingida os sofistas
inflados de falso-saber. E as perguntas feitas por Sócrates levam o interlocutor a descobrir as contradições de seus
pensamentos e a profundidade de sua ignorância.
4. Na realidade, se Sócrates é o primeiro a reconhecer sua própria ignorância, ele funda todas as suas esperanças na verdade
tão somente. Seu método é, antes de tudo, um esforço de definição. Por exemplo: partindo dos aspectos os mais diversos da
justiça, ele procura depreender o conceito de justiça, a idéia geral que contém os caracteres constitutivos da justiça.
Sócrates possui tal confiança no saber e na verdade que está firmemente persuadido que os injustos e os maus não passam
de ignorantes. Se conhecessem verdadeiramente a justiça, eles a praticariam, pois ninguém é "maus voluntariamente".
Segundo sua perspectiva racionalista, só há salvação pelo saber. O verdadeiro ponto de partida da filosofia de Platão é a
morte de Sócrates em 399 a.C. Acontecimento político: é o partido popular, de novo no poder, que, por iniciativa de um
certo Anytos (filho de um rico empreiteiro e antigo amigo dos Trinta, aos quais traiu para assumir a liderança do outro
partido), condena Sócrates a beber a cicuta como corruptor da juventude e adversário dos deuses da cidade. Condenação
injusta e escandalosa que exprime uma incompatibilidade trágica entre o poder político e a sabedoria do filósofo. Daí as
resoluções que Platão nos apresenta na sétima carta. "Reconheço que todos os Estados atuais, sem exceção, são mal
governados...É somente pela filosofia que se pode discernir todas as formas de justiça política e individual". Talvez a
solução seja a evasão do filósofo que "foge daqui debaixo" para se refugiar na meditação pura (tal é o filósofo cujo retrato
nos é traçado no Teeteto; filósofo puramente contemplativo que nem sabe onde se reúne o Conselho e cujo corpo está
apenas presente na Cidade). Mas uma outra solução seria o próprio filósofo encarregar-se do governo da cidade (a Justiça
reinará, diz Platão, no dia em que os filósofos forem reis ou no dia em que os reis forem filósofos).
Tal é o sonho que Platão tentaria realizar em Siracusa. Encontrara aí um discípulo estusiasta na pessoa de Dion, cunhado do
novo tirano, Dionísio I. Este último, todavia, não se revelou muito adequado para se tornar o rei filósofo que Platão quisera
fazer dele. Dionísio I prendeu Platão e, na ilha de Egina, fê-lo expor no mercado de escravos para ser vendido. Resgatado
por Anikeris de Cítera por vinte minas, Platão retornou a Atenas.
É então que ele funda, aos quarenta anos, uma escola de filosofia à portas da cidade, perto de Colona, nos jardins de
Academos. Devemos representar a Academia como uma espécie de Universidade onde se ensina matemáticas (não entra
aqui quem não for geômetra), filosofia e a arte de governar as cidades segundo a justiça. O ensino esotérico (isto é, secreto,
reservado aos iniciados) dado por Platão a seus discípulos só nos é conhecido atualmente pelas críticas de Aristóteles;
restam-nos, porém, a obra escrita de Platão, seus diálogos célebres tais como o Górgias, o Fedro, o Fédon, o Banquete, a
República, o Teeteto, o Sofista, o Político, o Parmênides, o Timeu, as Leis. Esses trabalhos esotéricos de Platão constituem
a mais pura jóia da filosofia de todos os tempos. Platão morre em 348 a.C.
Se quiséssemos resumir a filosofia de Platão em uma palavra, poderíamos dizer que ela é fundamentalmente um dualismo.
Platão, de certo modo, reconcilia Parmênides e Heráclito ao admitir a existência de dois mundos: o mundo das idéias
imutáveis, eternas, e o mundo das aparências sensíveis, perpetuamente mutáveis. Acrescenta-se que o mundo das Idéias é,
no fundo, o único mundo verdadeiro. Platão concede ao mundo sensível uma certa realidade, mas ele só existe porque
participa do mundo das idéias do qual é uma cópia ou, mais exatamente, uma sombra. Um belo efebo, por exemplo, só é
belo porque participa da Beleza em si.

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Podemos mostrar de duas maneiras que a intuição fundamental de Platão se prende ao ensinamento de Sócrates:
a) Recordemos o ensinamento socrático sobre a definição, sobre o conceito; para que haja, por exemplo, como Sócrates o
estabeleceu, uma definição do homem em geral, uma essência universal do homem, é preciso que exista algo além dos
homens particulares e diferentes entre si que nós reconhecemos, um outro mundo onde exista o Homem em si, a Justiça em
si, isto é, as Idéias. Em suma, Platão dá realidade ao conceito socrático. A idéia platônica é uma promoção ontológica do
conceito socrático.
b) Mas é sobretudo a vida e a morte de Sócrates que suscitam o idealismo platônico. Como diz muito bem André Bonnard,
a cidade que condena Sócrates à morte, a cidade que vê triunfar a injustiça e a mentira é "um mundo ao inverso, um mundo
de pernas para o ar". Desse modo, o idealismo platônico "traz a marca de um grave traumatismo. A morte de Sócrates feriu-
o mortalmente. É no mundo invisível que a justiça e a verdade triunfam". E Sócrates, pela tranqüilidade quase contente de
sua morte, atesta a existência desse mundo invisível, mostra que, para ele, as Idéias contam mais que a vida.
Os temas principais do platonismo podem ligar-se à distinção entre o mundo das Idéias eternas e o mundo das aparências
mutáveis. A ascensão dialética, por exemplo, é o itinerário pelo qual nos levamos do mundo sensível ao mundo das Idéias:
no mais baixo grau, as simples impressões sensíveis (eikasia), um pouco mais acima, as opiniões estabelecidas (pistis), em
seguida, o pensamento discursivo (dianoia) que constrói o raciocínio partindo de figuras, como fazem os geômetras, e,
finalmente, no mais alto grau, o pensamento intuitivo, a iluminação direta pela Idéia (noesis).
A teoria platônica da alma está ligada à doutrina das Idéias. As almas outrora contemplaram às Idéias à vontade. Depois,
por punição de alguma falta, segundo a doutrina órfico-pitagórica, elas foram aprisionadas no corpo. Todavia, elas
continuam capazes de reminiscência, uma vez que guardaram uma lembrança obscura - que, no entanto, pode ser
redespertada - de seu antigo contato com as Idéias. Assim, o jovem escravo que Sócrates interroga no Mênon descobre
propriedades geométricas quase sem ajuda. Platão pensa igualmente que a emoção amorosa, a emoção que rebata a alma
diante da Beleza - de todas as idéias a mais fácil de reconhecer - é o meio de uma conversão dialética: o amor por um belo
corpo, em seguida pelos belos corpos, depois pelas belas almas e pelas belas virtudes conduz à redescoberta do Belo em si
(leia-se o Banquete).
À doutrina das Idéias também se correlaciona a esperança da imortalidade da alma, "esse belo risco a ser corrido". Uma vez
que a alma é feita para as Idéias - visto que sua união com o corpo é acidental e monstruosa - por que não seria eterna como
as Idéias que ela tem por vocação contemplar?
Do mesmo modo, uma vez que as Idéias constituem absolutos referenciais - não o homem, mas Deus é que é a medida de
todas as coisas, objeta Platão a Protágoras - é preciso renunciar do oportunismo e à imoralidade dos sofistas. Platão sustenta
contra Cálicles (no Górgias), contra Trasímaco e Gláucon (na República) o valor absoluto da Idéia de justiça. A justiça é a
hierarquia harmônica das três partes da alma - a sensibilidade, a vontade e o espírito. Ela também se encontra em cada uma
das virtudes particulares: a temperança nada mais é que uma sensibilidade regulamentada segundo a justiça; a coragem é a
justiça da vontade e a sabedoria é a justiça do espírito.
A justiça política é uma harmonia semelhante à justiça do indivíduo, mas "escritas em caracteres mais fortes" na escala do
Estado... A política de Platão distingue, à imagem de todas as sociedades indo-européias primitivas, três classes sociais: os
artesãos dos quais a Justiça exige a temperança, os militares nos quais a Justiça será coragem, os chefes cuja Justiça é, antes
de tudo, Sabedoria e que são filósofos longamente instruídos. Entre todas as formas de governo, Platão prefere a
aristocracia e, nele, é preciso tomar a palavra em seu sentido etimológico: governo dos melhores.
Finalmente, podemos ligar à distinção dos dois mundos algumas observações sobre o mito platônico:
a) O mito, procedimento pedagógico paradoxal, traduz uma espécie de narração poética legendária, isto é, numa linguagem
de imagens uma verdade filosófica estranha ao mundo sensível! É o mundo das Idéias eternas transposto em imagens
sensíveis, sugerido pelo mundo das imagens!
b) O mito é o único meio de exposição para os problemas de origem (acontecimentos sem testemunhos) e dos fins últimos
(que ainda não existem!), pois a inteligência abstrata só compreende o eterno e não pode bastar para evocar o que pertence
à história.
c) O mito indica que o pensamento filosófico vem se abeberar nas fontes das crenças religiosas tradicionais.
d) Finalmente, o mito ressalta as relações que, segundo Platão, existem entre a poesia e a verdade. A poesia mítica é uma
mensagem metafísica, o belo não é senão o "esplendor do verdadeiro" e a arte está em segundo lugar em relação à filosofia.

Aristóteles

Em 343 foi convidado pelo Rei Filipe para a corte de Macedônia, como preceptor do Príncipe Alexandre, então
jovem de treze anos. Aí ficou três anos, até à famosa expedição asiática, conseguindo um êxito na sua missão educativo-
política, que Platão não conseguiu, por certo, em Siracusa. De volta a Atenas, em 335, treze anos depois da morte de Platão,
Aristóteles fundava, perto do templo de Apolo Lício, a sua escola. Daí o nome de Liceu dado à sua escola, também
chamada peripatética devido ao costume de dar lições, em amena palestra, passeando nos umbrosos caminhos do ginásio
de Apolo. Esta escola seria a grande rival e a verdadeira herdeira da velha e gloriosa academia platônica. Morto Alexandre
em 323, desfez-se politicamente o seu grande império e despertaram-se em Atenas os desejos de independência, estourando
uma reação nacional, chefiada por Demóstenes. Aristóteles, malvisto pelos atenienses, foi acusado de ateísmo. Preveniu ele
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a condenação, retirando-se voluntariamente para Eubéia, Aristóteles faleceu, após enfermidade, no ano seguinte, no verão
de 322. Tinha pouco mais de 60 anos de idade. A respeito do caráter de Aristóteles, inteiramente recolhido na elaboração
crítica do seu sistema filosófico, sem se deixar distrair por motivos práticos ou sentimentais, temos naturalmente muito
menos a revelar do que em torno do caráter de Platão, em que, ao contrário, os motivos políticos, éticos, estéticos e místicos
tiveram grande influência. Do diferente caráter dos dois filósofos, dependem também as vicissitudes exteriores das duas
vidas, mais uniforme e linear a de Aristóteles, variada e romanesca a de Platão. Aristóteles foi essencialmente um homem
de cultura, de estudo, de pesquisas, de pensamento, que se foi isolando da vida prática, social e política, para se dedicar à
investigação científica. A atividade literária de Aristóteles foi vasta e intensa, como a sua cultura e seu gênio universal.
"Assimilou Aristóteles escreve magistralmente Leonel Franca todos os conhecimentos anteriores e acrescentou-lhes o
trabalho próprio, fruto de muita observação e de profundas meditações. Escreveu sobre todas as ciências, constituindo
algumas desde os primeiros fundamentos, organizando outras em corpo coerente de doutrinas e sobre todas espalhando as
luzes de sua admirável inteligência. Não lhe faltou nenhum dos dotes e requisitos que constituem o verdadeiro filósofo:
profundidade e firmeza de inteligência, agudeza de penetração, vigor de raciocínio, poder admirável de síntese, faculdade
de criação e invenção aliados a uma vasta erudição histórica e universalidade de conhecimentos científicos. O grande
estagirita explorou o mundo do pensamento em todas as suas direções. Pelo elenco dos principais escritos que dele ainda
nos restam, poder-se-á avaliar a sua prodigiosa atividade literária". A primeira edição completa das obras de Aristóteles é a
de Andronico de Rodes pela metade do último século a.C. substancialmente autêntica, salvo uns apócrifos e umas
interpolações. Aqui classificamos as obras doutrinais de Aristóteles do modo seguinte, tendo presente a edição de
Andronico de Rodes.

I. Escritos lógicos: cujo conjunto foi denominado Órganon mais tarde, não por Aristóteles. O nome, entretanto,
corresponde muito bem à intenção do autor, que considerava a lógica instrumento da ciência.

II. Escritos sobre a física: abrangendo a hodierna cosmologia e a antropologia, e pertencentes à filosofia
teorética, juntamente com a metafísica.

III. Escritos metafísicos: a Metafísica famosa, em catorze livros. É uma compilação feita depois da morte de
Aristóteles mediante seus apontamentos manuscritos, referentes à metafísica geral e à teologia. O nome de metafísica é
devido ao lugar que ela ocupa na coleção de Andrônico, que a colocou depois da física.

IV. Escritos morais e políticos: a Ética a Nicômaco, em dez livros, provavelmente publicada por Nicômaco, seu
filho, ao qual é dedicada; a Ética a Eudemo, inacabada, refazimento da ética de Aristóteles, devido a Eudemo; a Grande
Ética, compêndio das duas precedentes, em especial da segunda; a Política, em oito livros, incompleta.

V. Escritos retóricos e poéticos: a Retórica, em três livros; a Poética, em dois livros, que, no seu estado atual, é
apenas uma parte da obra de Aristóteles. As obras de Aristóteles as doutrinas que nos restam - manifestam um grande rigor
científico, sem enfeites míticos ou poéticos, exposição e expressão breve e aguda, clara e ordenada, perfeição maravilhosa
da terminologia filosófica, de que foi ele o criador.

O Pensamento: A Gnosiologia

Segundo Aristóteles, a filosofia é essencialmente teorética: deve decifrar o enigma do universo, em face do qual a
atitude inicial do espírito é o assombro do mistério. O seu problema fundamental é o problema do ser, não o problema da
vida. O objeto próprio da filosofia, em que está a solução do seu problema, são as essências imutáveis e a razão última das
coisas, isto é, o universal e o necessário, as formas e suas relações. Entretanto, as formas são imanentes na experiência, nos
indivíduos, de que constituem a essência. A filosofia aristotélica é, portanto, conceptual como a de Platão mas parte da
experiência; é dedutiva, mas o ponto de partida da dedução é tirado - mediante o intelecto da experiência. A filosofia, pois,
segundo Aristóteles, dividir-se-ia em teorética, prática e poética, abrangendo, destarte, todo o saber humano, racional. A
teorética, por sua vez, divide-se em física, matemática e filosofia primeira (metafísica e teologia); a filosofia prática divide-
se em ética e política; a poética em estética e técnica. Aristóteles é o criador da lógica, como ciência especial, sobre a base
socrático-platônica; é denominada por ele analítica e representa a metodologia científica. Trata Aristóteles os problemas
lógicos e gnosiológicos no conjunto daqueles escritos que tomaram mais tarde o nome de Órganon. Limitar-nos-emos mais
especialmente aos problemas gerais da lógica de Aristóteles, porque aí está a sua gnosiologia. Foi dito que, em geral, a
ciência, a filosofia - conforme Aristóteles, bem como segundo Platão - tem como objeto o universal e o necessário; pois não
pode haver ciência em torno do individual e do contingente, conhecidos sensivelmente. Sob o ponto de vista metafísico, o
objeto da ciência aristotélica é a forma, como idéia era o objeto da ciência platônica. A ciência platônica e aristotélica são,
portanto, ambas objetivas, realistas: tudo que se pode aprender precede a sensação e é independente dela. No sentido
estrito, a filosofia aristotélica é dedução do particular pelo universal, explicação do condicionado mediante a condição,
porquanto o primeiro elemento depende do segundo. Também aqui se segue a ordem da realidade, onde o fenômeno
particular depende da lei universal e o efeito da causa. Objeto essencial da lógica aristotélica é precisamente este processo
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de derivação ideal, que corresponde a uma derivação real. A lógica aristotélica, portanto, bem como a platônica, é
essencialmente dedutiva, demonstrativa, apodíctica. O seu processo característico, clássico, é o silogismo. Os elementos
primeiros, os princípios supremos, as verdades evidentes, consoante Platão, são fruto de uma visão imediata, intuição
intelectual, em relação com a sua doutrina do contato imediato da alma com as idéias - reminiscência. Segundo Aristóteles,
entretanto, de cujo sistema é banida toda forma de inatismo, também os elementos primeiros do conhecimento - conceito e
juízos - devem ser, de um modo e de outro, tirados da experiência, da representação sensível, cuja verdade imediata ele
defende, porquanto os sentidos por si nunca nos enganam. O erro começa de uma falsa elaboração dos dados dos sentidos:
a sensação, como o conceito, é sempre verdadeira. Por certo, metafisicamente, ontologicamente, o universal, o necessário, o
inteligível, é anterior ao particular, ao contigente, ao sensível: mas, gnosiologicamente, psicologicamente existe primeiro o
particular, o contigente, o sensível, que constituem precisamente o objeto próprio do nosso conhecimento sensível, que é o
nosso primeiro conhecimento. Assim sendo, compreende-se que Aristóteles, ao lado e em conseqüência da doutrina de
dedução, seja constrangido a elaborar, na lógica, uma doutrina da indução. Por certo, ela não está efetivamente acabada,
mas pode-se integrar logicamente segundo o espírito profundo da sua filosofia. Quanto aos elementos primeiros do
conhecimento racional, a saber, os conceitos, a coisa parece simples: a indução nada mais é que a abstração do conceito, do
inteligível, da representação sensível, isto é, a "desindividualização" do universal do particular, em que o universal é
imanente. A formação do conceito é, a posteriori, tirada da experiência. Quanto ao juízo, entretanto, em que unicamente
temos ou não temos a verdade, e que é o elemento constitutivo da ciência, a coisa parece mais complicada. Como é que se
formam os princípios da demonstração, os juízos imediatamente evidentes, donde temos a ciência? Aristóteles reconhece
que é impossível uma indução completa, isto é, uma resenha de todos os casos os fenômenos particulares para poder tirar
com certeza absoluta leis universais abrangendo todas as essências. Então só resta possível uma indução incompleta, mas
certíssima, no sentido de que os elementos do juízo os conceitos são tirados da experiência, a posteriori, seu nexo, porém, é
a priori, analítico, colhido imediatamente pelo intelecto humano mediante a sua evidência, necessidade objetiva.

Filosofia de Aristóteles

Partindo como Platão do mesmo problema acerca do valor objetivo dos conceitos, mas abandonando a solução do
mestre, Aristóteles constrói um sistema inteiramente original. Os caracteres desta grande síntese são:

1. Observação fiel da natureza  Platão, idealista, rejeitara a experiência como fonte de conhecimento certo.
Aristóteles, mais positivo, toma sempre o fato como ponto de partida de suas teorias, buscando na realidade um apoio
sólido às suas mais elevadas especulações metafísicas.

2. Rigor no método  Depois de estudas as leis do pensamento, o processo dedutivo e indutivo aplica-os, com rara
habilidade, em todas as suas obras, substituindo à linguagem imaginosa e figurada de Platão, em estilo lapidar e conciso e
criando uma terminologia filosófica de precisão admirável. Pode considerar-se como o autor da metodologia e tecnologia
científicas. Geralmente, no estudo de uma questão, Aristóteles procede por partes: a) começa a definir-lhe o objeto; b)
passa a enumerar-lhes as soluções históricas; c) propõe depois as dúvidas; d) indica, em seguida, a própria solução; e)
refuta, por último, as sentenças contrárias.

3. Unidade do conjunto - Sua vasta obra filosófica constitui um verdadeiro sistema, uma verdadeira síntese.
Todas as partes se compõem, se correspondem, se confirmam.

A Teologia

Objeto próprio da teologia é o primeiro motor imóvel, ato puro, o pensamento do pensamento, isto é, Deus, a
quem Aristóteles chega através de uma sólida demonstração, baseada sobre a imediata experiência, indiscutível, realidade
do vir-a-ser, da passagem da potência ao ato. Este vir-a-ser, passagem da potência ao ato, requer finalmente um não-vir-a-
ser, motor imóvel, um motor já em ato, um ato puro enfim, pois, de outra forma teria que ser movido por sua vez. A
necessidade deste primeiro motor imóvel não é absolutamente excluída pela eternidade do vir-a-ser, do movimento, do
mundo. Com efeito, mesmo admitindo que o mundo seja eterno, isto é, que não tem princípio e fim no tempo, enquanto é
vir-a-ser, passagem da potência ao ato, fica eternamente inexplicável, contraditório, sem um primeiro motor imóvel, origem
extra-temporal, causa absoluta, razão metafísica de todo devir. Deus, o real puro, é aquilo que move sem ser movido; a
matéria, o possível puro, é aquilo que é movido, sem se mover a si mesmo.

Da análise do conceito de Deus, concebido como primeiro motor imóvel, conquistado através do precedente
raciocínio, Aristóteles, pode deduzir logicamente a natureza essencial de Deus, concebido, antes de tudo, como ato puro, e,
consequentemente, como pensamento de si mesmo. Deus é unicamente pensamento, atividade teorética, no dizer de
Aristóteles, enquanto qualquer outra atividade teria fim extrínseco, incompatível com o ser perfeito, auto-suficiente. Se o
agir, o querer têm objeto diverso do sujeito agente e "querente", Deus não pode agir e querer, mas unicamente conhecer e

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pensar, conhecer a si próprio e pensar em si mesmo. Deus é, portanto, pensamento de pensamento, pensamento de si, que é
pensamento puro. E nesta autocontemplação imutável e ativa, está a beatitude divina.

Se Deus é mera atividade teorética, tendo como objeto unicamente a própria perfeição, não conhece o mundo
imperfeito, e menos ainda opera sobre ele. Deus não atua sobre o mundo, voltando-se para ele, com o pensamento e a
vontade; mas unicamente como o fim último, atraente, isto é, como causa final, e, por conseqüência, e só assim, como
causa eficiente e formal (exemplar). De Deus depende a ordem, a vida, a racionalidade do mundo; ele, porém, não é
criador, nem providência do mundo. Em Aristóteles o pensamento grego conquista logicamente a transcendência de Deus;
mas, no mesmo tempo, permanece o dualismo, que vem anular aquele mesmo Absoluto a que logicamente chegara, para
dar uma explicação filosófica da relatividade do mundo pondo ao seu lado esta realidade independente dele.

A Moral

Aristóteles trata da moral em três Éticas, de que se falou quando das obras dele. Consoante sua doutrina
metafísica fundamental, todo ser tende necessariamente à realização da sua natureza, à atualização plena da sua forma: e
nisto está o seu fim, o seu bem, a sua felicidade, e, por conseqüência, a sua lei. Visto ser a razão a essência característica do
homem, realiza ele a sua natureza vivendo racionalmente e senso disto consciente. E assim consegue ele a felicidade e a
virtude, isto é, consegue a felicidade mediante a virtude, que é precisamente uma atividade conforme à razão, isto é, uma
atividade que pressupõe o conhecimento racional. Logo, o fim do homem é a felicidade, a que é necessária à virtude, e a
esta é necessária a razão. A característica fundamental da moral aristotélica é, portanto, o racionalismo, visto ser a virtude
ação consciente segundo a razão, que exige o conhecimento absoluto, metafísico, da natureza e do universo, natureza
segundo a qual e na qual o homem deve operar.

As virtudes éticas, morais, não são mera atividade racional, como as virtudes intelectuais, teoréticas; mas
implicam, por natureza, um elemento sentimental, afetivo, passional, que deve ser governado pela razão, e não pode,
todavia, ser completamente resolvido na razão. A razão aristotélica governa, domina as paixões, não as aniquila e destrói,
como queria o ascetismo platônico. A virtude ética não é, pois, razão pura, mas uma aplicação da razão; não é unicamente
ciência, mas uma ação com ciência.

Uma doutrina aristotélica a respeito da virtude doutrina que teve muita doutrina prática, popular, embora se
apresente especulativamente assaz discutível é aquela pela qual a virtude é precisamente concebida como um justo meio
entre dois extremos, isto é, entre duas paixões opostas: porquanto o sentido poderia esmagar a razão ou não lhe dar forças
suficientes. Naturalmente, este justo meio, na ação de um homem, não é abstrato, igual para todos e sempre; mas concreto,
relativo a cada qual, e variável conforme as circunstâncias, as diversas paixões predominantes dos vários indivíduos.

Pelo que diz respeito à virtude, tem, ao contrário, certamente, maior valor uma outra doutrina aristotélica:
precisamente a da virtude concebida como hábito racional. Se a virtude é, fundamentalmente, uma atividade segundo a
razão, mais precisamente é ela um hábito segundo a razão, um costume moral, uma disposição constante, reta, da vontade,
isto é, a virtude não é inata, como não é inata a ciência; mas adquiri-se mediante a ação, a prática, o exercício e, uma vez
adquirida, estabiliza-se, mecaniza-se; torna-se quase uma segunda natureza e, logo, torna-se de fácil execução - como o
vício.

Como já foi mencionado, Aristóteles distingue duas categorias fundamentais de virtudes: as éticas, que constituem
propriamente o objeto da moral, e as dianoéticas, que a transcendem. É uma distinção e uma hierarquia, que têm uma
importância essencial em relação a toda a filosofia e especialmente à moral. As virtudes intelectuais, teoréticas,
contemplativas, são superiores às virtudes éticas, práticas, ativas. Noutras palavras, Aristóteles sustenta o primado do
conhecimento, do intelecto, da filosofia, sobre a ação, a vontade, a política.

A Política

A política aristotélica é essencialmente unida à moral, porque o fim último do estado é a virtude, isto é, a
formação moral dos cidadãos e o conjunto dos meios necessários para isso. O estado é um organismo moral, condição e
complemento da atividade moral individual, e fundamento primeiro da suprema atividade contemplativa. A política,
contudo, é distinta da moral, porquanto esta tem como objetivo o indivíduo, aquela a coletividade. A ética é a doutrina
moral individual, a política é a doutrina moral social. Desta ciência trata Aristóteles precisamente na Política, de que acima
se falou.

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O estado, então, é superior ao indivíduo, porquanto a coletividade é superior ao indivíduo, o bem comum superior
ao bem particular. Unicamente no estado efetua-se a satisfação de todas as necessidades, pois o homem, sendo naturalmente
animal social, político, não pode realizar a sua perfeição sem a sociedade do estado.

Visto que o estado se compõe de uma comunidade de famílias, assim como estas se compõem de muitos
indivíduos, antes de tratar propriamente do estado será mister falar da família, que precede cronologicamente o estado,
como as partes precedem o todo. Segundo Aristóteles, a família compõe-se de quatro elementos: os filhos, a mulher, os
bens, os escravos; além, naturalmente, do chefe a que pertence a direção da família. Deve ele guiar os filhos e as mulheres,
em razão da imperfeição destes. Deve fazer frutificar seus bens, porquanto a família, além de um fim educativo, tem
também um fim econômico. E, como ao estado, é-lhe essencial a propriedade, pois os homens têm necessidades materiais.
No entanto, para que a propriedade seja produtora, são necessários instrumentos inanimados e animados; estes últimos
seriam os escravos.

Aristóteles não nega a natureza humana ao escravo; mas constata que na sociedade são necessários também os
trabalhos materiais, que exigem indivíduos particulares, a que fica assim tirada fatalmente a possibilidade de providenciar a
cultura da alma, visto ser necessário, para tanto, tempo e liberdade, bem como aptas qualidades espirituais, excluídas pelas
próprias características qualidades materiais de tais indivíduos. Daí a escravidão.

Vejamos, agora, o estado em particular. O estado surge, pelo fato de ser o homem um animal naturalmente social,
político. O estado provê, inicialmente, a satisfação daquelas necessidades materiais, negativas e positivas, defesa e
segurança, conservação e engrandecimento, de outro modo irrealizáveis. Mas o seu fim essencial é espiritual, isto é, deve
promover a virtude e, conseqüentemente, a felicidade dos súditos mediante a ciência.

Compreende-se, então, como seja tarefa essencial do estado a educação, que deve desenvolver harmônica e
hierarquicamente todas as faculdades: antes de tudo as espirituais, intelectuais e, subordinadamente, as materiais, físicas. O
fim da educação é formar homens mediante as artes liberais, importantíssimas a poesia e a música, e não máquinas,
mediante um treinamento profissional. Eis porque Aristóteles, como Platão, condena o estado que, ao invés de se preocupar
com uma pacífica educação científica e moral, visa a conquista e a guerra. E critica, dessa forma, a educação militar de
Esparta, que faz da guerra a tarefa precípua do estado, e põe a conquista acima da virtude, enquanto a guerra, como o
trabalho, são apenas meios para a paz e o lazer sapiente.

Não obstante a sua concepção ética do estado, Aristóteles, diversamente de Platão, salva o direito privado, a
propriedade particular e a família. O comunismo como resolução total dos indivíduos e dos valores no estado é fantástico e
irrealizável. O estado não é uma unidade substancial, e sim uma síntese de indivíduos substancialmente distintos. Se se
quiser a unidade absoluta, será mister reduzir o estado à família e a família ao indivíduo; só este último possui aquela
unidade substancial que falta aos dois precedentes. Reconhece Aristóteles a divisão platônica das castas, e, precisamente,
duas classes reconhece: a dos homens livres, possuidores, isto é, a dos cidadãos e a dos escravos, dos trabalhadores, sem
direitos políticos.

Quanto à forma exterior do estado, Aristóteles distingue três principais: a monarquia, que é o governo de um só,
cujo caráter e valor estão na unidade, e cuja degeneração é a tirania; a aristocracia, que é o governo de poucos, cujo caráter
e valor estão na qualidade, e cuja degeneração é a oligarquia; a democracia, que é o governo de muitos, cujo caráter e valor
estão na liberdade, e cuja degeneração é a demagogia. As preferências de Aristóteles vão para uma forma de república
democrático-intelectual, a forma de governo clássica da Grécia, particularmente de Atenas. No entanto, com o seu profundo
realismo, reconhece Aristóteles que a melhor forma de governo não é abstrata, e sim concreta: deve ser relativa, acomodada
às situações históricas, às circunstâncias de um determinado povo. De qualquer maneira a condição indispensável para uma
boa constituição, é que o fim da atividade estatal deve ser o bem comum e não a vantagem de quem governa
despoticamente.

A Religião e a Arte

Com Aristóteles afirma-se o teísmo do ato puro. No entanto, este Deus, pelo seu efetivo isolamento do mundo,
que ele não conhece, não cria, não governa, não está em condições de se tornar objeto de religião, mais do que as
transcendentes idéias platônicas. E não fica nenhum outro objeto religioso. Também Aristóteles, como Platão, se exclui
filosoficamente o antropomorfismo, não exclui uma espécie de politeísmo, e admite, ao lado do Ato Puro e a ele
subordinado, os deuses astrais, isto é, admite que os corpos celestes são animados por espíritos racionais. Entretanto, esses
seres divinos não parecem e não podem ter função religiosa e sem física.

Não obstante esta concepção filosófica da divindade, Aristóteles admite a religião positiva do povo, até sem
correção alguma. Explica e justifica a religião positiva, tradicional, mítica, como obra política para moralizar o povo, e
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como fruto da tendência humana para as representações antropomórficas; e não diz que ela teria um fundamento racional na
verdade filosófica da existência da divindade, a que o homem se teria facilmente elevado através do espetáculo da ordem
celeste.

Aristóteles como Platão considera a arte como imitação, de conformidade com o fundamental realismo grego.
Não, porém, imitação de uma imitação, como é o fenômeno, o sensível, platônicos; e sim imitação direta da própria idéia,
do inteligível imanente no sensível, imitação da forma imanente na matéria. Na arte, esse inteligível, universal é encarnado,
concretizado num sensível, num particular e, destarte, tornando intuitivo, graças ao artista. Por isso, Aristóteles considera a
arte a poesia de Homero que tem por conteúdo o universal, o imutável, ainda que encarnado fantasticamente num
particular, como superior à história e mais filosófica do que a história de Heródoto que tem como objeto o particular, o
mutável, seja embora real. O objeto da arte não é o que aconteceu uma vez como é o caso da história , mas o que por
natureza deve, necessária e universalmente, acontecer. Deste seu conteúdo inteligível, universal, depende a eficácia
espiritual pedagógica, purificadora da arte.

Se bem que a arte seja imitação da realidade no seu elemento essencial, a forma, o inteligível, este inteligível
recebe como que uma nova vida através da fantasia criadora do artista, isto precisamente porque o inteligível, o universal,
deve ser encarnado, concretizado pelo artista num sensível, num particular. As leis da obra de arte serão, portanto, além de
imitação do universal verossimilhança e necessidade coerência interior dos elementos da representação artística, íntimo
sentimento do conteúdo, evidência e vivacidade de expressão. A arte é, pois, produção mediante a imitação; e a diferença
entre as várias artes é estabelecida com base no objeto ou no instrumento de tal imitação.

A Metafísica

A metafísica aristotélica é "a ciência do ser como ser, ou dos princípios e das causas do ser e de seus atributos
essenciais". Ela abrange ainda o ser imóvel e incorpóreo, princípio dos movimentos e das formas do mundo, bem como o
mundo mutável e material, mas em seus aspectos universais e necessários. Exporemos portanto, antes de tudo, as questões
gerais da metafísica, para depois chegarmos àquela que foi chamada, mais tarde, metafísica especial; tem esta como objeto
o mundo que vem-a-ser - natureza e homem - e culmina no que não pode vir-a-ser, isto é, Deus. Podem-se reduzir
fundamentalmente a quatro as questões gerais da metafísica aristotélica: potência e ato, matéria e forma, particular e
universal, movido e motor. A primeira e a última abraçam todo o ser, a segunda e a terceira todo o ser em que está presente
a matéria.

I. A doutrina da potência e do ato é fundamental na metafísica aristotélica: potência significa possibilidade,


capacidade de ser, não-ser atual; e ato significa realidade, perfeição, ser efetivo. Todo ser, que não seja o Ser perfeitíssimo,
é portanto uma síntese - um sínolo - de potência e de ato, em diversas proporções, conforme o grau de perfeição, de
realidade dos vários seres. Um ser desenvolve-se, aperfeiçoa-se, passando da potência ao ato; esta passagem da potência ao
ato é atualização de uma possibilidade, de uma potencialidade anterior. Esta doutrina fundamental da potência e do ato é
aplicada - e desenvolvida - por Aristóteles especialmente quando da doutrina da matéria e da forma, que representam a
potência e o ato no mundo, na natureza em que vivemos. Desta doutrina da matéria e da forma, vamos logo falar.

II. Aristóteles não nega o vir-a-ser de Heráclito, nem o ser de Parmênides, mas une-os em uma síntese conclusiva,
já iniciada pelos últimos pré-socráticos e grandemente aperfeiçoada por Demócrito e Platão. Segundo Aristóteles, a
mudança, que é intuitiva, pressupõe uma realidade imutável, que é de duas espécies. Um substrato comum, elemento
imutável da mudança, em que a mudança se realiza; e as determinações que se realizam neste substrato, a essência, a
natureza que ele assume. O primeiro elemento é chamado matéria (prima), o segundo forma (substancial). O primeiro é
potência, possibilidade de assumir várias formas, imperfeição; o segundo é atualidade - realizadora, especificadora da
matéria - , perfeição. A síntese - o sinolo - da matéria e da forma constitui a substância, e esta, por sua vez, é o substrato
imutável, em que se sucedem os acidentes, as qualidades acidentais. A mudança, portanto, consiste ou na sucessão de várias
formas na mesma essência, forma concretizada da matéria, que constitui precisamente a substância.

A matéria sem forma, a pura matéria, chamada matéria-prima, é um mero possível, não existe por si, é um
absolutamente interminado, em que a forma introduz as determinações. A matéria aristotélica, porém, não é o puro não-ser
de Platão, mero princípio de decadência, pois ela é também condição indispensável para concretizar a forma, ingrediente
necessário para a existência da realidade material, causa concomitante de todos os seres reais.

Então não existe, propriamente, a forma sem a matéria, ainda que a forma seja princípio de atuação e
determinação da própria matéria. Com respeito à matéria, a forma é, portanto, princípio de ordem e finalidade, racional,
inteligível. Diversamente da idéia platônica, a forma aristotélica não é separada da matéria, e sim imanente e operante nela.
Ao contrário, as formas aristotélicas são universais, imutáveis, eternas, como as idéias platônicas.

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Os elementos constitutivos da realidade são, portanto, a forma e a matéria. A realidade, porém, é composta de
indivíduos, substâncias, que são uma síntese - um sínolo - de matéria e forma. Por conseqüência, estes dois princípios não
são suficientes para explicar o surgir dos indivíduos e das substâncias que não podem ser atuados - bem como a matéria não
pode ser atuada - a não ser por um outro indivíduo, isto é, por uma substância em ato. Daí a necessidade de um terceiro
princípio, a causa eficiente, para poder explicar a realidade efetiva das coisas. A causa eficiente, por sua vez, deve operar
para um fim, que é precisamente a síntese da forma e da matéria, produzindo esta síntese o indivíduo. Daí uma quarta
causa, a causa final, que dirige a causa eficiente para a atualização da matéria mediante a forma.

III. Mediante a doutrina da matéria e da forma, Aristóteles explica o indivíduo, a substância física, a única
realidade efetiva no mundo, que é precisamente síntese - sínolo - de matéria e de forma. A essência - igual em todos os
indivíduos de uma mesma espécie - deriva da forma; a individualidade, pela qual toda substância é original e se diferencia
de todas as demais, depende da matéria. O indivíduo é, portanto, potência realizada, matéria enformada, universal
particularizado. Mediante esta doutrina é explicado o problema do universal e do particular, que tanto atormenta Platão;
Aristóteles faz o primeiro - a idéia - imanente no segundo - a matéria, depois de ter eficazmente criticado o dualismo
platônico, que fazia os dois elementos transcendentes e exteriores um ao outro.

IV. Da relação entre a potência e o ato, entre a matéria e a forma, surge o movimento, a mudança, o vir-a-ser, a
que é submetido tudo que tem matéria, potência. A mudança é, portanto, a realização do possível. Esta realização do
possível, porém, pode ser levada a efeito unicamente por um ser que já está em ato, que possui já o que a coisa movida
deve vir-a-ser, visto ser impossível que o menos produza o mais, o imperfeito o perfeito, a potência o ato, mas vice-versa.
Mesmo que um ser se mova a si mesmo, aquilo que move deve ser diverso daquilo que é movido, deve ser composto de um
motor e de uma coisa movida. Por exemplo, a alma é que move o corpo. O motor pode ser unicamente ato, forma; a coisa
movida - enquanto tal - pode ser unicamente potência, matéria. Eis a grande doutrina aristotélica do motor e da coisa
movida, doutrina que culmina no motor primeiro, absolutamente imóvel, ato puro, isto é, Deus.

A Cosmologia

Uma questão geral da física aristotélica, como filosofia da natureza, é a análise dos vários tipos de movimento,
mudança, que já sabemos ser passagem da potência ao ato, realização de uma possibilidade. Aristóteles distingue quatro
espécies de movimentos:

1. Movimento substancial - mudança de forma, nascimento e morte;

2. Movimento qualitativo - mudança de propriedade;

3. Movimento quantitativo - acrescimento e diminuição;

4. Movimento espacial - mudança de lugar, condicionando todas as demais espécies de mudança.

Outra especial e importantíssima questão da física aristotélica é a concernente ao espaço e ao tempo, em torno dos
quais fez ele investigações profundas. O espaço é definido como sendo o limite do corpo, isto é, o limite imóvel do corpo
"circundante" com respeito ao corpo circundado. O tempo é definido como sendo o número - isto é, a medida - do
movimento segundo a razão, o aspecto, do "antes" e do "depois". Admitidas as precedentes concepções de espaço e de
tempo - como sendo relações de substâncias, de fenômenos - é evidente que fora do mundo não há espaço nem tempo:
espaço e tempo vazios são impensáveis.

Uma terceira questão fundamental da filosofia natural de Aristóteles é a concernente ao teleologismo - finalismo -
por ele propugnado com base na finalidade, que ele descortina em a natureza. "A natureza faz, enquanto possível, sempre o
que é mais belo". Fim de todo devir é o desenvolvimento da potência ao ato, a realização da forma na matéria.

Quanto às ciências químicas, físicas e especialmente astronômicas, as doutrinas aristotélicas têm apenas um valor
histórico, e são logicamente separáveis da sua filosofia, que tem um valor teorético. Especialmente célebre é a sua doutrina
astronômica geocêntrica, que prestará a estrutura física à Divina Comédia de Dante Alighieri.

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As Características Filosóficas do Cristianismo
Não há propriamente uma história da filosofia cristã, assim como há uma história da filosofia grega ou da filosofia
moderna, pois no pensamento cristão, o máximo valor, o interesse central, não é a filosofia, e sim a religião. Entretanto, se
o cristianismo não se apresenta, de fato, como uma filosofia, uma doutrina, mas como uma religião, uma sabedoria,
pressupõe uma específica concepção do mundo e da vida, pressupõe uma precisa solução do problema filosófico. É o
teísmo e o cristianismo. O cristianismo fornece ainda uma - imprescindível - integração à filosofia, no tocante à solução do
problema do mal, mediante os dogmas do pecado original e da redenção pela cruz. E, enfim, além de uma justificação
histórica e doutrinal da revelação judaico-cristã em geral, o cristianismo implica uma determinação, elucidação,
sistematização racional do próprio conteúdo sobrenatural da Revelação, mediante uma disciplina específica, que será a
teologia dogmática.
Pelo que diz respeito ao teísmo, salientamos que o cristianismo o deve, historicamente, a Israel. Mas entre os hebreus o
teísmo não tem uma justificação, uma demonstração racional, como, por exemplo, em Aristóteles, de sorte que, em
definitivo, o pensamento cristão tomará na grande tradição especulativa grega esta justificação e a filosofia em geral. Isto se
realizará graças especialmente à Escolástica e, sobretudo, a Tomás de Aquino. Pelo que diz respeito à solução do problema
do mal, solução que constitui a integração filosófica proporcionada pelo cristianismo ao pensamento antigo - que sentiu
profundamente, dramaticamente, este problema sem o poder solucionar - frisamos que essa representa a grande
originalidade teórica e prática, filosófica e moral, do cristianismo. Soluciona este o problema do mal precisamente
mediante os dogmas fundamentais do pecado original e da redenção da cruz. Finalmente, a justificação da Revelação em
geral, e a determinação, dilucidação, sistematização racional do conteúdo da mesma, têm uma importância indireta com
respeito à filosofia, porquanto implicam sempre numa intervenção da razão. Foi esta, especialmente, a obra da Patrística e,
sobretudo, de Agostinho.
Esta parte, dedicada à história do pensamento cristão, será, portanto, dividida do seguinte modo: o Cristianismo, isto é, o
pensamento do Novo Testamento, enquanto soluciona o problema filosófico do mal; a Patrística, a saber, o pensamento
cristão desde o II ao VIII século, a que é devida particularmente a construção da teologia, da dogmática católica; a
Escolástica, a saber, o pensamento cristão desde o século IX até o século XV, criadora da filosofia cristã verdadeira e
própria.
Características Gerais do Pensamento Cristão
Foi conquistada a cidade que conquistou o universo. Assim definiu São Jerônimo o momento que marcaria a virada de uma
época. Era a invasão de Roma pelos germanos e a queda do Império Romano.
A avalancha dos bárbaros arrasou também grande parte das conquistas culturais do mundo antigo.
A Idade Média inicia-se com a desorganização da vida política, econômica e social do Ocidente, agora transformado num
mosaico de reinos bárbaros. Depois vieram as guerras, a fome e as grandes epidemias. O cristianismo propaga-se por
diversos povos. A diminuição da atividade cultural transforma o homem comum num ser dominado por crenças e
superstições.
O período medieval não foi, porém, a "Idade das Trevas", como se acreditava. A filosofia clássica sobrevive, confinada nos
mosteiros religiosos. O aristotelismo dissemina-se pelo Oriente bizantino, fazendo florescer os estudos filosóficos e as
realizações científicas. No Ocidente, fundam-se as primeiras universidades, ocorre a fusão de elementos culturais greco-
romanos, cristãos e germânicos, e as obras de Aristóteles são traduzidas para o latim.
Sob a influência da Igreja, as especulações se concentram em questões filosófico-teológicas, tentando conciliar a fé e a
razão. E é nesse esforço que Santo Agostinho e Santo Tomás de Aquino trazem à luz reflexões fundamentais para a história
do pensamento cristão.

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Patrística

"A fé em busca de argumentos racionais a partir de uma matriz platônica"


Desde que surgiu o cristianismo, tornou-se necessário explicar seus ensinamentos às autoridades romanas e ao povo em
geral. Mesmo com o estabelecimento e a consolidação da doutrina cristã, a Igreja católica sabia que esses preceitos não
podiam simplesmente ser impostos pela força. Eles tinham de ser apresentados de maneira convincente, mediante um
trabalho de conquista espiritual.
Foi assim que os primeiros Padres da Igreja se empenharam na elaboração de inúmeros textos sobre a fé e a revelação
cristãs. O conjunto desses textos ficou conhecido como patrística por terem sido escritos principalmente pelos grandes
Padres da Igreja.
Uma das principais correntes da filosofia patrística, inspirada na filosofia greco-romana, tentou munir a fé de argumentos
racionais. Esse projeto de conciliação entre o cristianismo e o pensamento pagão teve como principal expoente o Padre
Agostinho.
Escolástica
"Os caminhos de inspiração aristotélica levam até Deus".
No séc VIII, Carlos Magno resolveu organizar o ensino por todo o seu império e fundar escolas ligadas às instituições
católicas. A cultura greco-romana, guardada nos mosteiros até então, voltou a ser divulgada, passando a Ter uma influência
mais marcante nas reflexões da época. Era a renascença carolíngia.
Tendo a educação romana como modelo, começaram a ser ensinadas as seguintes matérias: gramática, retórica e dialética (o
trivium) e geometria, aritmética, astronomia e música (o quadrivium). Todas elas estavam, no entanto, submetidas à
teologia.
A fundação dessas escolas e das primeiras universidades do século XI fez surgir uma produção filosófico-teológica
denominada escolástica (de escola).
A partir do séc XIII, o aristotelismo penetrou de forma profunda no pensamento escolástico, marcando-o definitivamente.
Isso se deveu à descoberta de muitas obras de Aristóteles, descobertas até então, e à tradução para o latim de algumas delas,
diretamente do grego.
A busca da harmonização entre a fé cristã e a razão manteve-se, no entanto, como problema básico de especulação
filosófica. Nesse sentido, o período escolástico pode ser dividido em três fases:
Primeira fase - (do séc IX ao fim do séc XII): caracterizada pela confiança na perfeita harmonia entre fé e razão.
Segunda fase - (do séc XIII ao XIV): caracterizada pela elaboração de grandes sistemas filosóficos, merecendo destaques
nas obras de Tomás de Aquino. Nesta fase, considera-se que a harmonização entre fé e razão pôde ser parcialmente obtida.
Terceira fase - (do séc XIV até o séc XVI): decadência da escolástica, caracterizada pela afirmação das diferenças
fundamentais entre fé e razão.
A Questão dos Universais:
O que há entre as palavras e as coisas
O método escolástico de investigação, segundo o historiador francês Jacques Le Goff, privilegiava o estudo da linguagem
(o trivium) para depois passar para o exame das coisas (o quadrivium). Desse modo surgiu a seguinte pergunta: qual a
relação entre as palavras e as coisas?
Rosa, por exemplo, é o nome de uma flor. Quando a flor morre, a palavra rosa continua existindo. Nesse caso, a palavra
fala de uma coisa inexistente, de uma idéia geral. Mas como isso acontece? O grande inspirador da questão foi o inspirador
neoplatônico Porfírio, em sua obra Isagoge: "Não tentarei enunciar se os gêneros e as espécies existem por si mesmos ou na
pura inteligência, nem, no caso de subsistirem, se são corpóreos ou incorpóreos, nem se existem separados dos objetos
sensíveis ou nestes objetos, formando parte dos mesmos".
Esse problema filosófico gerou muitas disputas. Era a grande discussão sobre a existência ou não das idéias gerais, isto é,
os chamados universais de Aristóteles.

Características Gerais do Pensamento Cristão


Foi conquistada a cidade que conquistou o universo. Assim definiu São Jerônimo o momento que marcaria a virada de uma
época. Era a invasão de Roma pelos germanos e a queda do Império Romano.
A avalancha dos bárbaros arrasou também grande parte das conquistas culturais do mundo antigo.

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A Idade Média inicia-se com a desorganização da vida política, econômica e social do Ocidente, agora transformado num
mosaico de reinos bárbaros. Depois vieram as guerras, a fome e as grandes epidemias. O cristianismo propaga-se por
diversos povos. A diminuição da atividade cultural transforma o homem comum num ser dominado por crenças e
superstições.
O período medieval não foi, porém, a "Idade das Trevas", como se acreditava. A filosofia clássica sobrevive, confinada nos
mosteiros religiosos. O aristotelismo dissemina-se pelo Oriente bizantino, fazendo florescer os estudos filosóficos e as
realizações científicas. No Ocidente, fundam-se as primeiras universidades, ocorre a fusão de elementos culturais greco-
romanos, cristãos e germânicos, e as obras de Aristóteles são traduzidas para o latim.
Sob a influência da Igreja, as especulações se concentram em questões filosófico-teológicas, tentando conciliar a fé e a
razão. E é nesse esforço que Santo Agostinho e Santo Tomás de Aquino trazem à luz reflexões fundamentais para a história
do pensamento cristão.
Com base no conteúdo já dado elabore uma palavra cruzada com a palavra medieval contendo perguntas e respostas. (1,0)

Filosofia Moderna

DESCARTES e O Método

Descartes quer estabelecer um método universal, inspirado no rigor matemático e em suas "longas cadeias de razão".

1. - A primeira regra é a evidência: não admitir "nenhuma coisa como verdadeira se não a reconheço evidentemente como
tal". Em outras palavras, evitar toda "precipitação" e toda "prevenção" (preconceitos) e só ter por verdadeiro o que for claro
e distinto, isto é, o que "eu não tenho a menor oportunidade de duvidar". Por conseguinte, a evidência é o que salta aos
olhos, é aquilo de que não posso duvidar, apesar de todos os meus esforços, é o que resiste a todos os assaltos da dúvida,
apesar de todos os resíduos, o produto do espírito crítico.

2. - A segunda, é a regra da análise: "dividir cada uma das dificuldades em tantas parcelas quantas forem possíveis".

3. - A terceira, é a regra da síntese: "concluir por ordem meus pensamentos, começando pelos objetos mais simples e mais
fáceis de conhecer para, aos poucos, ascender, como que por meio de degraus, aos mais complexos".

4. - A última á a dos "desmembramentos tão complexos... a ponto de estar certo de nada ter omitido".

Se esse método tornou-se muito célebre, foi porque os séculos posteriores viram nele uma manifestação do livre exame e
do racionalismo.

a) Ele não afirma a independência da razão e a rejeição de qualquer autoridade? "Aristóteles disse" não é mais um
argumento sem réplica! Só contam a clareza e a distinção das idéias. Os filósofos do século XVIII estenderão esse método
a dois domínios de que Descartes, é importante ressaltar, o excluiu expressamente: o político e o religioso (Descartes é
conservador em política e coloca as "verdades da fé" ao abrigo de seu método).

b) O método é racionalista porque a evidência de que Descartes parte não é, de modo algum, a evidência sensível e
empírica. Os sentidos nos enganam, suas indicações são confusas e obscuras, só as idéias da razão são claras e distintas. O
ato da razão que percebe diretamente os primeiros princípios é a intuição. A dedução limita-se a veicular, ao longo das
belas cadeias da razão, a evidência intuitiva das "naturezas simples". A dedução nada mais é do que uma intuição
continuada.

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A Metafísica

No Discurso sobre o Método, Descartes pensa sobretudo na ciência. Para bem compreender sua metafísica, é necessário ler
as Meditações.

1.° - Todos sabem que Descartes inicia seu itinerário espiritual com a dúvida. Mas é necessário compreender que essa
dúvida tem um outro alcance que a dúvida metódica do cientista. Descartes duvida voluntária e sistematicamente de tudo,
desde que possa encontrar um argumento, por mais frágil que seja. Por conseguinte, os instrumentos da dúvida nada mais
são do que os auxiliares psicológicos, de uma ascese, os instrumentos de um verdadeiro "exército espiritual". Duvidemos
dos sentidos, uma vez que eles freqüentemente nos enganam, pois, diz Descartes, nunca tenho certeza de estar sonhando ou
de estar desperto! (Quantas vezes acreditei-me vestido com o "robe de chambre", ocupado em escrever algo junto à lareira;
na verdade, "estava despido em meu leito").

Duvidemos também das próprias evidências científicas e das verdades matemáticas! Mas quê? Não é verdade - quer eu
sonhe ou esteja desperto - que 2 + 2 = 4? Mas se um gênio maligno me enganasse, se Deus fosse mau e me iludisse quanto
às minhas evidências matemáticas e físicas? Tanto quanto duvido do Ser, sempre posso duvidar do objeto (permitam-me
retomar os termos do mais lúcido intérprete de Descartes, Ferdinand Alquié).

2. ° - Existe, porém, uma coisa de que não posso duvidar, mesmo que o demônio queira sempre me enganar. Mesmo que
tudo o que penso seja falso, resta a certeza de que eu penso. Nenhum objeto de pensamento resiste à dúvida, mas o próprio
ato de duvidar é indubitável. "Penso, cogito, logo existo, ergo sum". Não é um raciocínio (apesar do logo, do ergo), mas
uma intuição, e mais sólida que a do matemático, pois é uma intuição metafísica, metamatemática. Ela trata não de um
objeto, mas de um ser. Eu penso, Ego cogito (e o ego, sem aborrecer Brunschvicg, é muito mais que um simples acidente
gramatical do verbo cogitare). O cogito de Descartes, portanto, não é, como já se disse, o ato de nascimento do que, em
filosofia, chamamos de idealismo (o sujeito pensante e suas idéias como o fundamento de todo conhecimento), mas a
descoberta do domínio ontológico (estes objetos que são as evidências matemáticas remetem a este ser que é meu
pensamento).

3. ° - Nesse nível, entretanto, nesse momento de seu itinerário espiritual, Descartes é solipsista. Ele só tem certeza de seu
ser, isto é, de seu ser pensante (pois, sempre duvido desse objeto que é meu corpo; a alma, diz Descartes nesse sentido, "é
mais fácil de ser conhecida que o corpo").

É pelo aprofundamento de sua solidão que Descartes escapará dessa solidão. Dentre as idéias do meu cogito existe uma
inteiramente extraordinária. É a idéia de perfeição, de infinito. Não posso tê-la tirado de mim mesmo, visto que sou finito e
imperfeito. Eu, tão imperfeito, que tenho a idéia de Perfeição, só posso tê-la recebido de um Ser perfeito que me ultrapassa
e que é o autor do meu ser. Por conseguinte, eis demonstrada a existência de Deus. E nota-se que se trata de um Deus
perfeito, que, por conseguinte, é todo bondade. Eis o fantasma do gênio maligno exorcizado. Se Deus é perfeito, ele não
pode ter querido enganar-me e todas as minhas idéias claras e distintas são garantidas pela veracidade divina. Uma vez que
Deus existe, eu então posso crer na existência do mundo. O caminho é exatamente o inverso do seguido por São Tomás.
Compreenda-se que, para tanto, não tenho o direito de guiar-me pelos sentidos (cujas mensagens permanecem confusas e
que só têm um valor de sinal para os instintos do ser vivo). Só posso crer no que me é claro e distinto (por exemplo: na
matéria, o que existe verdadeiramente é o que é claramente pensável, isto é, a extensão e o movimento). Alguns acham que
Descartes fazia um circulo vicioso: a evidência me conduz a Deus e Deus me garante a evidência! Mas não se trata da
mesma evidência. A evidência ontológica que, pelo cogito, me conduz a Deus fundamenta a evidência dos objetos
matemáticos. Por conseguinte, a metafísica tem, para Descartes, uma evidência mais profunda que a ciência. É ela que
fundamenta a ciência (um ateu, dirá Descartes, não pode ser geômetra!).

4. ° - A Quinta meditação apresenta uma outra maneira de provar a existência de Deus. Não mais se trata de partir de mim,
que tenho a idéia de Deus, mas antes da idéia de Deus que há em mim. Apreender a idéia de perfeição e afirmar a existência
do ser perfeito é a mesma coisa. Pois uma perfeição não-existente não seria uma perfeição. É o argumento ontológico, o
argumento de Santo Anselmo que Descartes (que não leu Santo Anselmo) reencontra: trata-se, ainda aqui, mais de uma
intuição, de uma experiência espiritual (a de um infinito que me ultrapassa) do que de um raciocínio.

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Filosofia contemporânea

A Moral de Kant

É só no domínio da moral que a razão poderá, legitimamente, manifestar-se em toda sua pujança. A razão teórica tinha
necessidade da experiência para não se perder no vácuo da metafísica. A razão prática, isto é, ética, deve ao contrário,
ultrapassar, para ser ela própria, tudo que seja sensível ou empírico.

Toda ação que toma seus móveis da sensibilidade, dos desejos empíricos, é estranha à moral, mesmo que essa ação seja
materialmente boa. Por exemplo: se me empenho por alguém por cálculo interessado ou mesmo por afeição, minha conduta
não é moral. Com efeito, amanhã, meus cálculos e meus sentimentos espontâneos poderiam levar-me a atos contrários. A
vontade que tem por fim o prazer, a felicidade, fica submetida às flutuações de minha natureza. Nesse ponto, Kant se opõe
não só ao naturalismo dos filósofos iluministas, mas, também, à ontologia otimista de São Tomás, para quem a felicidade é
o fim legítimo de todas as nossas ações. Em Kant, há o que Hegel mais tarde denominará uma visão oral do mundo que
afasta a ética dos equívocos da natureza. O imperativo moral não é um imperativo hipotético que submeteria o bem ao
desejo (cumpre teu dever se nele satisfazes teu interesse, ou então, se teus sentimentos espontâneos a ele te conduzem), mas
o imperativo categórico: Cumpre teu dever incondicionalmente.

Em que consiste esse dever? Uma vez que as leis que a Razão se impõe não podem, em nenhum caso, receber um conteúdo
da experiência e que devem exprimir a autonomia da razão pura prática, as regras morais só podem consistir na própria
forma da lei. "Age sempre de tal maneira que a máxima de tua ação possa ser erigida em regra universal" (primeira regra).
O respeito pela razão estende-se ao sujeito racional: "Age sempre de maneira a tratares a humanidade em ti e nos outros
sempre ao mesmo tempo como um fim e jamais como um simples meio" (segunda regra). Desse modo, o princípio do dever,
para ser absolutamente rigoroso, não implica em nenhuma "alienação", como diríamos hoje, em nenhuma "heteronomia",
como diz Kant.

Para se unirem numa justa reciprocidade de direitos e obrigações, os homens só têm que obedecer às exigências de sua
própria razão: "Age como se fosses ao mesmo tempo legislador e súdito na república das vontades" (terceira regra).

O único sentimento que tem por si mesmo um valor moral nessa ética racionalista é o sentimento do respeito, pois não é
anterior à lei, mas é a própria lei moral que o produz em mim; ele me engrandece, ele me realiza como ser racional que
obedece à lei moral. Vimos que, pelo fato de ser puramente formal, essa moral não me propõe, efetivamente, um ato
concreto a realizar. Ela simplesmente autoriza ou proíbe este ou aquele ato que tenho vontade de praticar. Por exemplo,
vejo de imediato que não tenho o direito de mentir, mesmo que me diga: e se todos fizessem o mesmo? A mentira de todos
para com todos é contraditória, portanto, proibída. A moral formal, por conseguinte, apresenta-se como essencialmente
negativa. Como diz Jan Kélévitch, o imperativo categórico é um "proibitivo categórico".

A moral de Kant, ao privilegiar a razão humana, exprime sua desconfiança com relação à natureza humana, aos instintos, às
tendências de tudo o que é empírico, passivo, passional, ou, como diz Kant, patológico. Tal é o rigoríssimo kantiano. A
razão fala sobre a forma severa do dever porque é preciso impor silêncio à natureza carnal, porque é preciso, ao preço de
grande esforço, submeter a humana vontade à lei do dever. Por conseguinte, o domínio da moral não é o da natureza
(submissão animal aos instintos) nem o da santidade (em que a natureza, transfigurada pela graça, sentiria uma atração
instintiva e irresistível pelos valores morais). O mérito moral é medido precisamente pelo esforço que fazemos para
submeter nossa natureza às exigências do dever.

Moral e Metafísica

A moral de Kant é o que chamamos de uma moral independente. Ela não possui outro fundamento além da consciência
humana, essa consciência que é essencialmente razão. Mesmo que o universo não tenha o menor sentido, mesmo que a
alma seja mortal, o discípulo de Kant se sabe obrigado a respeitas as máximas da razão.

Todavia, Kant vai reerguer a metafísica - essa metafísica cuja demonstração era impossível, segunda a crítica da razão pura.
A originalidade de Kant está no fato de que, ao invés de buscar os fundamentos de sua moral na metafísica, ele vai
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estabelecer os fundamentos de uma metafísica na moral, a título de "postulados da razão prática". Por exemplo: o dever
me prescreve a realização de certa perfeição moral que não consigo atingir na vida presente (posto que não chego a
purificar totalmente a determinação de querer dos móveis sensíveis). Kant então postula a imortalidade da alma.

Por outro lado, Kant constata que a virtude e a felicidade quase não estão juntas, neste mundo em que, de um modo geral,
os maus são muito prósperos. Ele então postula que um Deus justiceiro, por intermédio de um sistema de recompensa e
punições, restabelecerá no além a harmonia entre virtude e felicidade.

Finalmente, partindo da consciência da obrigação moral, Kant vai postular a liberdade humana. Com efeito, a obrigação
moral exclui a necessidade dos atos humanos. A obrigação não teria o menor sentido se minha conduta fosse
automaticamente determinada por minhas tendências ou pelas influências que sofri. Ser moralmente obrigado é ter o poder
de responder sim ou não à regra moral, é ter a liberdade de escolher entre o bem e o mal. "Tu deves, diz Kant, então podes."

Esta liberdade não poderia ser demonstrada. No plano dos fenômenos, isto é, da experiência, do que hoje denominamos
ciência psicológica, eu vejo que meus atos, ao contrário, são determinados uns pelos outros no tempo. Aquele crime pode
ser explicado pelas paixões de seu autor, pela deplorável educação que recebeu, etc... E, no entanto, o homem se sente
responsável, por conseguinte, livre. Não esqueçamos que o mundo dos fenômenos, isto é, do determinismo, é um mundo de
aparências. Por trás desse determinismo aparente, pelo qual o mundo se me apresenta no conhecimento, esconde-se a
realidade numenal de minha liberdade. Por conseguinte, é fora do tempo, é nas profundezas do ser inacessível ao saber
científico, que o mau escolheu livremente o seu caráter de mau. Em tal sistema, portanto, não existe liberdade parcial nem
meia-responsabilidade. Totalmente determinados nas aparências fenomenais, seríamos totalmente livres em nossa realidade
numenal: daí se segue que nenhum pecado poderia ser escusável.

A Crítica do Juízo

Desse modo, a filosofia de Kant nos surge como uma filosofia essencialmente trágica, já que afirma simultaneamente a
necessidade da natureza (na Crítica da Razão Pura) e a exigência de uma liberdade absoluta (na Crítica da Razão Prática).

Em sua terceira grande obra, A Crítica do Juízo, Kant se esforça por mostrar a possibilidade de uma reconciliação entre o
mundo natural e o da liberdade. A natureza não seja talvez não seja apenas o domínio do determinismo, mas também o da
finalidade que aparece notadamente na organização harmoniosa dos seres vivos. Todavia, se o princípio de causalidade
(determinismo) é constitutivo da experiência (não posso dispensá-lo para explicar a natureza), o princípio de finalidade
permanece facultativo, puramente regulador (posso interpretar o agrupamento de certas condições como a manifestação de
um fim). Tudo se passa como se o pássaro fosse feito para voar, mas uma coisa apenas é certa: o pássaro voa porque é
constituído de tal maneira.

Os valores de beleza, presentes na obra de arte, igualmente nos oferecem uma espécie de reconciliação entre a razão e a
imaginação, já que, na contemplação estética, a bela aparência que admiramos parece inteiramente penetrada dos valores
do espírito. Finalidade sem fim (isto é, harmonia pura, fora de todo móvel exterior à obra de arte), a beleza oferece à nossa
imaginação a oportunidade de uma satisfação inteiramente desinteressada. Ela é, no mundo kantiano, o exemplo único de
uma satisfação ao mesmo tempo sensível e pura de todo egoísmo, o momento privilegiado em que uma emoção, longe de
manifestar meu egoísmo dominador, dele me liberta e, como se diz muito bem, me "arrebata".

Karl Marx

DIVISÃO DO TRABALHO
Evolutivamente, a divisão do trabalho é a segunda maneira de construir relações sociais de produção, que são
formas como as sociedades se organizam para suprir suas necessidades. A primeira é a cooperação. Falar em divisão do
trabalho em Marx é falar em formas de propriedade. Isso porque a divisão do trabalho se dá entre quem concede e quem
executa o trabalho, entre os donos dos meios de produção e os donos da força de trabalho.
CLASSES
Da divisão do trabalho surgem as classes. Para Marx, as classes não são constituídas de agregados de indivíduos,
mas são definidas estruturalmente: as classes são efeito da estrutura. No modo de produção antigo as classes eram a dos
patrícios e dos escravos; no modo de produção feudal, havia senhores e servos; no modo de produção capitalista, burgueses
e operários. Há sempre uma relação de oposição entre duas classes, de modo que uma não existe sem a outra. Esta
oposição ele chamou de luta de classes.
LUTA DE CLASSES

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A luta de classes, assim como as classes decorrem da divisão do trabalho. Nas sociedades modernas a luta de
classes se dá entre capitalistas ou burgueses (donos dos meios de produção) e trabalhadores ou proletariado (donos da força
de trabalho). O trabalho nas sociedades modernas é denunciado por Marx pelo seu caráter exploratório do trabalhador. No
entanto, Marx vê uma solução para esta relação exploratória: a revolução que seria feita pelo proletariado. No entanto, a
revolução do proletariado contra o modo de produção capitalista só não acontece, segundo Marx, devido à alienação.
FETICHISMO
A separação da mercadoria produzida pelo trabalhador dele mesmo esconde o caráter social do trabalho. O
fetichismo se dá quando a relação entre os valores aparece como algo natural, independente dos homens que os criaram. A
criatura se desgarra do criador. O fetichismo incapacita o homem de enxergar o que há por trás das relações sociais. E o
maior exemplo de fetichismo da mercadoria é a mais-valia.
MAIS-VALIA
A mais-valia é o excedente de trabalho não pago, não incluído no salário do trabalhador. É a mais-valia que forma
o lucro que será investido para aumentar o capital.
ALIENAÇÃO
A alienação faz com que o trabalhador não se reconheça no produto de seu trabalho, não percebendo a sua
condição de explorado. A solução para o problema da alienação passa por uma luta política do próprio proletariado e não
pela educação.
IDEOLOGIA
Como dissemos, as classes dominantes controlam os meios de produção. A infra-estrutura (conhecimentos,
fábricas, sementes, tecnologia etc.), que está nas mãos da classe dominante, determina a superestrutura (Estado, Direito,
Religião, Cultura etc.). A superestrutura é uma construção ideológica que serve para garantir o poder da classe dominante,
mantendo a classe trabalhadora alienada.

DURKHEIM

O AUTOR
David Émile Durkheim nasceu em 15 de abril de 1858, na França, e morreu em 1917. O princípio sociológico de
Durkheim está fundado no social. Para ele, o que não advém do social não tem importância para a sociologia que ele
pretende fazer. Isso porque a sociedade é a pré-condição de ser humano: é na sociedade que o indivíduo. A vida social
unifica, estrutura e gera significados para a existência humana. Ele é determinista, dando absoluto predomínio ao social
tanto no plano causal quanto no plano das ações.
O social existe no plano ideal. Para Durkheim, é no social que está tudo aquilo que a gente sabe, que os
antepassados descobriram e que as futuras gerações irão descobrir. O social é universal e, por isso, objetivo e racional.
REPRESENTAÇÕES COLETIVAS
O social cria representações coletivas, que são atitudes comuns de uma determinada coletividade em uma
determinada época. Esta representação coletiva independe dos indivíduos, pois o indivíduo não tem poder criativo. Em
Durkheim, o social que determina o indivíduo. É como se cada indivíduo trouxesse em si a marca do social, e esta marca
determinasse suas ações.
SOLIDARIEDADE
A comunhão dessas representações coletivas é por ele chamado de solidariedade. Não se trata de um sentimento
de bondade, mas de uma comunhão de idéias. A solidariedade é o partilhar de um mesmo conjunto de regras.
Há dois tipos de solidariedades, a mecânica ou por similitudes e a orgânica ou devida à divisão do trabalho. A
evolução de uma sociedade faz com que ela passe da solidariedade mecânica, em que o partilhar das regras é feita de
maneira coerciva, para a solidariedade orgânica, em que o partilhar das regras sociais é feita a partir da diferenciação feita
pela divisão do trabalho social. Mas até em sociedades mais complexas ainda há espaço para a solidariedade mecânica. É
o caso do direito penal: o direito penal é um resíduo de solidariedade mecânica ainda existente nas sociedades complexas.
DIVISÃO DO TRABALHO E FUNCIONALISMO
A divisão do trabalho, para ele, pode ser: normal ou geral e anômica ou patológica. Normal é o que se repete de
maneira igual, o que funciona espontaneamente, gerando a solidariedade necessária à evolução do social. O patológico é
aquilo que difere do normal. Durkheim acha que as coisas tendem à normalidade: até o patológico caminha para a
normalidade.
Durkheim compara a sociedade a um corpo humano, onde o Estado é o cérebro, elaborando representações
coletivas que aperfeiçoem a solidariedade. Para ele, todas as partes do corpo tem uma função, não havendo hierarquias
entre as diferentes partes. É uma sociedade harmônica.
Até o crime é considerado normal porque não há sociedade onde não haja crime e também tem uma função social,
a função de manter e gerar uma coesão social. Quando acontece um crime, a consciência coletiva é atingida: o social é
agredido pelo indivíduo. Um ato não ofende a consciência coletiva porque seja criminoso, mas é criminoso porque ofende
a consciência coletiva. No entanto, o Estado pode fortalecer a consciência coletiva através da punição do criminoso. É

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através da punição do criminoso que a consciência coletiva mantém a sua vitalidade. A pena impede um crescimento
exagerado do crime, não permitindo que ele se torne patológico.
Numa visão durkheimiana, a impunidade, não-punição do crime pelo Estado, enfraquece a consciência coletiva, os
laços de solidariedade, gerando um estado de anomia. Quando o patológico prevalece sobre o normal, há uma
desestruturação social. O estado de anomia é uma situação limite e sem função na sociedade.
PRINCIPAIS CRÍTICAS SOCIOLÓGICAS A DURKHEIM
Durkheim dá excessiva ênfase ao social, o que acaba retirando a responsabilidade do indivíduo em suas ações. Há
pouco espaço para o indivíduo decidir, escolher, no pensamento durkheimiano. Até a idéia de indivíduo, segundo ele, é
construída pelo social.
Suas teorias sofrem muita influencia do positivismo e do evolucionismo social.

4 WEBER
O AUTOR
Max Weber nasceu em Erfurt, em 21 de abril de 1864, e faleceu em junho de 1920. Weber vive numa época em
que as idéias de Freud impactavam as ciências sociais e em que os valores do individualismo moderno começavam a se
consolidar. A grande inovação que Weber trouxe para a sociologia foi o individualismo metodológico. Para ele, o
indivíduo escolhe ser o que é, embora as escolhas sejam limitadas pelo grau de conhecimento do indivíduo e pelas
oportunidades oferecidas pela sociedade. O indivíduo é levado a escolher em todo instante, o que faz da vida uma
constante possibilidade de mudança. O indivíduo escolhe em meio aos embates da vida social. Essa idéia faz com que o
sentido da vida, da história, seja dado pelo próprio indivíduo. Os processos não têm sentido neles mesmos, mas são os
indivíduos que dão sentido aos processos.
AÇÃO SOCIAL
A sociedade em Weber é vista como um conjunto de esferas autônomas que dão sentido às ações individuais. Mas
só o indivíduo é capaz de realizar ações sociais. A ação social é uma ação cujo sentido é orientado para o outro. Um
conjunto de ações não é necessariamente ação social. Para que haja uma ação social, o sentido da ação deve ser orientada
para o outro. Seja esta ação para o ‘bem’ ou o ‘mal’ do outro. A ação social não implica uma reciprocidade de sentidos: o
outro pode até não saber da intenção do agente.
Para Weber há quatro tipos de ação social: ação social tradicional, ação social afetiva, ação social racional quanto
aos valores, ação social racional quanto aos fins.
Ação social tradicional é aquela que o indivíduo toma de maneira automática, sem pensar para realiza-la.
Ação social afetiva implica uma maior participação do agente, mas são respostas mais emocionais que racionais.
Ex.: relações familiares. Segundo Weber, estas duas primeiras ações sociais não interessam à sociologia.
Ação racional com relação a valores é aquela em que o sociólogo consegue construir uma racionalidade a partir
dos valores presentes na sociedade. Esta ação social requer uma ética da convicção, um senso de missão que o indivíduo
precisa cumprir em função dos valores que ele preza.
Ação racional com relação aos fins é aquela em que o indivíduo escolhe levando em consideração os fins que ele
pretende atingir e os meios disponíveis para isso. A pessoa avalia se a ação que ela quer realizar vale a pena, tendo em vista
as dificuldades que ele precisará enfrentar em decorrência de sua ação. Requer uma ética de responsabilidade do indivíduo
por seus atos.
RELAÇÃO SOCIAL
Até agora falamos de ação social em Weber, que em diferente de relação social. Enquanto o conhecimento do
outro das intenções do agente não importa para a caracterização da ação social, a relação social é o sentido compartilhado
da ação. Relação social não é o encontro de pessoas, mas a consciência de ambas do sentido da ação. A relação social é
sempre probabilística, porque ela se fundamenta na probabilidade de ocorrer determinado evento, o que inclui oportunidade
e risco. A vida social é totalmente instável: a única coisa estável da vida social é a possibilidade (e necessidade) de escolha.
Não há determinismos sobre a o que será a sociedade. Por isso, as análises sociológicas são baseadas em probabilidades e
não em verdades.
DOMINAÇÃO
Como já dissemos a vida social para Weber é uma luta constante. Por conta disso, ele não vê possibilidade de
relação social sem dominação. Todas as esferas da ação humana estão marcadas por algum tipo de dominação. Não existe
e nem vai existir sociedade sem dominação, porque a dominação é condição de ser da sociedade. A dominação faz com
que o indivíduo obedeça a uma ordem acreditando que está realizando sua própria vontade. O indivíduo conforma-se a um
padrão por sua própria escolha e acha que está tomando uma decisão própria.
Existem pelo menos três tipos de dominação legítima: legitimação tradicional, legitimação carismática e
legitimação racional. Para Weber a burocracia é a mais bem acabada forma de dominação legítima e racional. A burocracia
baseia-se na crença na legalidade ou racionalidade de uma ordem. A burocracia mais eficaz de exercer a dominação. E é
uma conseqüência do processo de racionalização da vida social moderna, sendo responsável pelo gerenciamento
concentrado dos meios de administração da sociedade. A burocracia é uma forma de organizar o trabalho, é um padrão de
regras para organizar o trabalho em sociedades complexas. A modernização para ele é o processo de passagem de uma
perspectiva mais tradicional do mundo (em que as coisas são dadas) para uma perspectiva mais organizada (onde as coisas

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são elaboradas, construídas). Mas para Weber, só o herói individual (o líder carismático) pode alterar o rumo da história.
Mesmo que imediatamente, uma vez que para Weber toda legitimação carismática tende a tornar-se legitimação tradicional.
ESFERAS SOCIAIS
A dominação pode ser exercida em diferentes esferas da vida social. As “esferas” são mais analítico-teóricas que
reais, e são criadas pela divisão social do trabalho. Uma esfera não determina uma outra esfera, mas elas trocam
influências entre si. As esferas são autônomas, mas não independentes. A esfera é o lugar de luta por um tipo de sentido
para as relações sociais. Classes, estamentos e partidos são fenômenos da disputa de poder nas esferas econômica, social e
política, respectivamente.
CLASSE E ESTAMENTO
Vamos falar um pouco mais de classe e estamento em Weber, até para diferencia-lo de Marx. Classe para Weber é
o conjunto de pessoas que tem a mesma posição diante do mercado. Há dois tipos básicos de classe, as que têm algum tipo
de bem e as que não tem algum tipo de bem. Mas as classes também se diferenciam pela qualidade dos bens possuídos. As
classes, como já dissemos estão ligadas à esfera econômica da vida social. Para Weber, a esfera econômica não tem
capacidade de produzir um sentimento de pertencimento que seja capaz de gerar uma comunidade.
Estamento está ligado à esfera social, que é capaz de gerar comunidade. Estamento é um grupo social cuja
característica principal é a consciência do sentido de pertencimento ao grupo. A luta por uma identidade social é o que
caracteriza um estamento. A luta na esfera social é para saber qual estamento vai dominar. As profissões podem ser
analisadas como estamentos.
PRINCIPAIS CRÍTICAS SOCIOLÓGICAS A WEBER
Weber supervaloriza o indivíduo, tornando demasiada a cobrança sobre suas escolhas e conformidades. Talvez
nem tudo seja escolhido individualmente.
Ele ao mesmo tempo em que vê na burocracia forma mais acabada de dominação legítima, acha que a burocracia
fortalece a democracia por causa de sua impessoalidade. Talvez ele não tenha tido tempo para perceber que a burocracia
tem a possibilidade de ser um instrumento de democratização, mas que freqüentemente funciona de maneira contrária,
servindo apenas como instrumento de dominação.
5 CONCLUSÃO
RELEVÂNCIA ATUAL DE MARX, DURKHEIM E WEBER PARA A SOCIOLOGIA
A principal importância de Marx para hoje é que podemos dizer que ele ao enunciar que tudo vira mercadoria,
acertou (ou contribuiu para isso). A prevalência da economia hoje em dia, representada pela força dos próprios
economistas na sociedade (funcionando como gurus), dá uma idéia da importância de Marx para as ciências sociais. Outro
aspecto importante é que o uso da teoria marxista hoje não precisa se preocupar com a análise da realidade política, uma
vez que o socialismo real chegou ao fim.
A importância de Durkheim é que não se pode fazer sociologia da educação sem Durkheim, principalmente na
análise de processos de socialização a partir da escola. Durkheim fornece instrumentos para entender os processos. O
conceito de anomia, por exemplo, é básico para entender mudanças que impliquem alterações nas relações sociais, tais
como modernização da sociedade, urbanização, industrialização, padrões morais e construção/alteração de identidades
coletivas.
Weber talvez seja o mais atual dos autores clássicos da sociologia com importantes contribuições para a teoria
antropológica, devido ao seu individualismo metodológico, para a sociologia das profissões, para a análise das relações de
dominação e dos processos de racionalização das sociedades. Mas sem dúvida a grande contribuição de Weber foi a
necessidade de pesquisas empíricas para afirmar alguma coisa científica. Isso porque sua teoria não aceita determinismos.

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