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ISSN 0104-8694
SUMÁRIO
ARTIGOS
O inefável sentido da vida 05
Claudio F. Costa
TRADUÇÃO
Paul Thagard e a revolução química de Lavoisier 261
Apresentação de Marcos Rodrigues da Silva e Miriam Giro
RESENHAS
Número e razão, de Glenn W. Erickson e John A. Fossa 305
Tassos Lycurgo
Claudio F. Costa *
Summary: In this paper the concept of meaning of life is analyzed as the happiness
or good that the life of a person brings to herself or to the others. In the course of
the argument this thesis is discussed and justified in some detail.
Keywords: Happiness, Life, Meaning
*
Professor do Departamento de Filosofia da UFRN. E-mail: oidualc1@oi.com.br.
Artigo recebido em 23.07.2007 e aprovado em 10.12.2007.
1
Escolho esses exemplos da longa lista apresentada no capítulo 2 do livro de R. C.
Solomon: The Big Questions (Wadsworth: Belmont 2002).
2
Albert Camus, “An Absurd Reasoning” (excertos de The Myth of Sysiphus) S.
Sanders & D. R. Channey (eds.): The Meaning of Life: Questions, Answers and
Analysis (Prentice Hall: Englewood Cliffs, N.J. 1980), p. 73-74.
O inefável sentido da vida 7
Um conflito de sentidos
A discussão acerca do sentido da vida tem uma longa, confusa,
tortuosa e conflituosa história. Na história da filosofia cristã a
tendência era a de fazer a pergunta pelo valor e propósito da vida em
busca de um “sentido cósmico”, religioso, que a transcendesse, e
não de algum desprezível “sentido terrestre”, para usar uma
distinção de Paul Edwards 5 . O reverso dialético dessa atitude veio
na primeira metade do século XX, quando filósofos da linguagem se
comprazeram em descobrir que a vida não tem sentido, pois o que
tem sentido são sentenças lingüísticas, e a vida não tem nada a ver
3
“Life is but a walking shadow. A poor player that struts and frets his hour upon
the stage, and then is heared no more. It is a tale, told by an idiot, full of sound
and fury, signifying nothing”, William Shakespeare: Macbeth, 5.5. A passagem
ilustra, aliás, a virtude máxima do teatro shakespeariano, que se encontra na
redescoberta do homem em sua integridade, “na grandeza que decorre do
autodevassamento, da contemplação sem ilusões, e na vivência plena que decorre
da contemplação ativa do destino”. Ver Paulo Francis: Opinião Pessoal
(Civilização Brasileira: Rio de Janeiro 1966), p. 236.
4
Ver E. D. Klemke, “Living without Appeal: an Affirmative Philosophy of Life”,
em E. D. Klemke (ed.): The Meaning of Life (Oxford University Press: Oxford
2000).
5
Paul Edwards em “The Meaning and Value of Life”, em E. D. Klemke (ed.) The
Meaning of Life, ibid. p. 144.
8 Claudio F. Costa
6
Wittgenstein, aliás, situou o problema do significado da vida além do discurso
significativo, devendo por isso desaparecer. Ver Ludwig Wittgenstein: Tractatus
Lógico-Philosophicus 6.52, 6.521.
7
John Donne, Meditação XVII: “No man is an island, entire of itself; every man is
a piece of a continent... any mans death diminishes me, because I am involved in
mankind; and therefore never send to know for whom the bell tolls; it tolls for
thee.”
O inefável sentido da vida 9
Harmonizações ascendentes
Tentemos articular melhor a idéia indicada na seção anterior. Que a
finalidade geral da vida humana tem a ver com a felicidade é o que
todos nós irrefletidamente sabemos. Mesmo um masoquista busca o
prazer, pois na dor ele quer encontrar o prazer da dor, quando não o
alívio de alguma culpa.
Para aclarar a noção de felicidade, podemos começar
distinguindo-a do simples prazer. O prazer é uma excitação
agradável e pouco duradoura, enquanto a felicidade costuma ser
vista como um estado de espírito perdurável, completo, profundo,
acompanhado por um fundo de paz interior. A felicidade pode
depender do prazer, mas não se reduz a ele. Ela é, em outras
palavras, um estado de contentamento criado quando todas as
nossas necessidades físicas, emocionais, intelectuais e espirituais,
racionalmente compreendidas e avaliadas são duradouramente
gratificadas. Não é a toa, pois, que a felicidade é improvável. Ela
seria melhor entendida como um ideal do qual podemos estar mais
ou menos próximos.
Contra uma suposta identificação entre sentido da vida e
felicidade parece haver um bom número de contra-exemplos. São
descrições de vidas felizes, mas sem sentido, ou infelizes, mas
plenas de sentido.
Considere, como um caso do primeiro tipo, a vida do
playboy Porfírio Rubirosa, que conquistou as mais belas atrizes de
cinema e que alcançou a prosperidade por ter se casado com
mulheres milionárias. Uma vida provavelmente feliz, mas não plena
de sentido ou valor. A resposta a essa objeção é que ela confunde
felicidade pessoal – da qual só pode ser derivado o sentido
meramente pessoal de uma vida – com a felicidade e o bem que a
vida de alguém trás ao mundo, que é aquilo que ordinariamente
entendemos como o verdadeiro sentido da vida, o seu sentido
próprio. A vida de Rubirosa teve um sentido pessoal, mas o
somatório de felicidade coletiva, do contentamento elevado e
duradouro que a sua vida trouxe ao mundo, não parece ter sido
muito alto. Eis porque ela não é exemplo de vida plena de sentido.
10 Claudio F. Costa
8
Essa é provavelmente a razão pela qual um filósofo hedonista como A. J. Ayer,
por exemplo, não identifica a maximização da felicidade com o sentido da vida.
Ver o seu ensaio “The Claims of Philosophy”, in E. D. Klemke (ed.): The
Meaning of Life, ibid. p. 226.
O inefável sentido da vida 11
9
John Cottingham: On the Meaning of Life (Routledge: London 2003), p. 103.
12 Claudio F. Costa
10
“Die Welt is tief, und tiefer als der Tag gedacht / Tief ist ihr wehr – / Lust –
tiefer noch als Herzenleid: / Weh spricht vergeh! / Doch alle lust will Ewigkeit / –
will tiefe, tiefe Ewigkeit”. A esplêndida poesia de Nietzsche encontra-se em Also
Sprach Zaratustra, parte IV, sec. 3.
O inefável sentido da vida 13
1) em um nível auto-centrado,
2) em um nível interpessoal próximo,
3) em um nível interpessoal distante,
4) ao nível da relação do homem com a natureza.
11
John Cottingham: On the Meaning of Life, p. 101.
12
Aristóteles: The Complete Works of Aristotle, ed. J. Barnes (Princeton University
Press: Princeton 1985), v. II, 1177a12.
14 Claudio F. Costa
Primeiro porque o seu país estava florescendo em seus dias, e ele mesmo
teve filhos belos e bons. E ele viveu para ver os netos crescerem. Além
disso, ele passou a sua vida buscando conforto para outras pessoas e o seu
final foi glorioso; ele morreu valentemente em uma batalha entre os
atenienses e os seus vizinhos; e os atenienses lhe deram um funeral
público com as mais altas honrarias 14 .
13
Ver W. K. C. Guthrie: A History of Greek Philosophy (Cambridge University
Press: Cambridge 1981), v. VI, p. 340-1.
14
Citado por Alfred Mortimer Adler em “Aristotelic Ethics: The Theory of
Happiness” (Adler Archive, internet). Para Aristóteles era mais fácil definir o
sentido da vida como algo próximo à felicidade individual sem criar tensões, pois
o homem grego se identificava com a polis de uma maneira que se tornou
impossível para o homem contemporâneo.
15
Robert Nozick: Philosophical Explanations (Harvard University Press:
Cambridge Mass. 1981), p. 594-5. Nozick também quis mostrar que não é
somente a felicidade o que importa. Também nos importa conhecer os aspectos
obscuros da existência, os riscos, a realidade enquanto tal. Importa-nos preservar
o que Freud chamava de princípio de realidade, mesmo que ao preço da
O inefável sentido da vida 15
17
“Life is like cycling – you have to keep moving to keep your balance”. In Denis
Brian: Einstein: a Life (John Willey & Sons: New York 1996).
20 Claudio F. Costa
18
Isso explicaria a frase proferida por Wittgenstein pouco antes de morrer, dirigida
aos seus amigos ausentes: “Diga-lhes que tive uma vida maravilhosa”. Norman
Malcolm, autor do relato, nota que esta frase sempre lhe pareceu estranha e
misteriosa, considerando o quão atormentada havia sido a vida de Wittgenstein.
Mas se o sentido da vida compreende uma felicidade e um bem que podem
transcender o indivíduo, então o sentido dessa frase se torna inteligível. Ver
Norman Malcolm & G. H. Von Wright: Wittgenstein: A Memoir (Oxford
University Press: Oxford 2001).
A noção deontológica de justificação epistêmica
*
Professor adjunto do Departamento de Filosofia da PUC-RS. E-mail:
logos@pucrs.br. Artigo recebido em 30.09.2007 e aprovado em 03.12.2007.
1 Normatividade epistêmica
1.1 Problema de Gettier e a irrepreensibilidade epistêmica
Existe um sentido no qual o melhor que alguém pode fazer, através
da reflexão filosófica, é assegurar para si mesmo que não possui
uma crença epistemicamente injustificada. Se o sujeito tem ou não
conhecimento, isso é uma questão de sorte. Em outras palavras, ter
conhecimento é uma questão de se o mundo coopera a ponto de
retribuir crença justificada com verdade 1 . Essa visão sobre a noção
de justificação epistêmica pode ser percebida no modo como
Edmund Gettier a identifica em seu famoso artigo Is Justified True
Belief Knowledge? 2
Seguindo as observações de Robert Fogelin 3 , sobre os
exemplos apresentados por Gettier, seria oportuno considerar que,
no caso das dez moedas, Smith está justificado em crer em uma
proposição atômica falsa φ e que Smith infere corretamente de φ
uma proposição verdadeira ψ. Nesse caso, estaria Smith justificado
em crer que ψ? Note que não houve algo errado no modo como
Smith adquiriu essa crença. A sua performance epistêmica foi
irrepreensível. Ele possuía fortes evidências para φ, e a sua
1
Fumerton, R., 2001, p. 49.
2
Gettier, E. 1996.
3
Fogelin, R. J. 1994.
A noção deontológica de justificação epistêmica 23
4
Alston, W. 1989, p. 84 e 1991, p. 72-73.
5
Platinga, A. 1993a, p. VII e 13-14.
6
Goldman, A. 2001, p. 116.
24 Felipe de Matos Muller
7
Roderick Chisholm utiliza o termo “dever” enquanto que Alfred Ayer emprega o
termo “direito”. Chisholm fala em “deveres intelectuais” e Ayer em “ter o direito
de estar certo”.
8
Conceitos epistêmicos, como “justificação”, mostram-se normativos, no sentido
de contrastarem com aqueles que são meramente descritivos.
9
De acordo com Earl Conee, essa abordagem tem suas origens em Descartes e
Locke e recentemente aparece nos trabalhos de Bonjour (1985) e Kornblith
(1983). O conceito de “justificação epistêmica” é explicado em termos de conduta
doxástica responsável. Conee, E. 1998.
10
Yolton, 1996, p. 67.
A noção deontológica de justificação epistêmica 25
Aquele que crê, sem ter razão alguma para crer, pode estar enamorado de
suas próprias fantasias; nem busca a verdade como deveria buscar, nem
presta a devida obediência ao seu Criador, o qual quer que se faça uso
daquelas faculdades de discernimento de que está dotado o homem para
preservá-lo do equívoco e do erro. Quem não recorre a estas faculdades
na medida de todo o seu empenho, por mais que às vezes encontre a
verdade, não está no bom caminho senão por sorte; e eu não saberia dizer
se a felicidade do acidente basta para desculpar a irregularidade do
procedimento. Por isso, pelo menos, é seguro: que será responsável pelos
erros em que incorre, enquanto que quem faz uso da luz e das faculdades
que Deus lhe deu e se empenha sinceramente em buscar a verdade,
valendo-se dos auxílios e habilidades de que dispõe, pode ter esta
satisfação: que, ao estar cumprindo seu dever como criatura racional, se
não consegue alcançar a verdade, nem por isso deixará de gozar de sua
recompensa, porque, quem assim procede, sabe governar bem seu
assentimento e o coloca onde deve, quando, qualquer que seja o caso ou o
assunto, crê ou deixa de crer, segundo o comando de sua razão. Quem age
de outro modo peca contra suas luzes e emprega mal essas faculdades que
só foram dadas para o fim de buscar e seguir a evidência mais clara e a
maior probabilidade 11 .
11
Locke, 1959, p. 231.
26 Felipe de Matos Muller
12
Platinga, A. 1993a, p. 13-14.
A noção deontológica de justificação epistêmica 27
13
Firth, R. 1978.
28 Felipe de Matos Muller
14
Firth, R. 1978.
15
Chisholm, R., 1977, p. 12.
16
Do grego déon (o que é obrigatório). Não há uma conexão direta com a posição
normativa da ética na qual dever é o conceito fundamental. O termo é usado no
sentido teleológico.
17
Alston, W. 1989, p. 115.
18
Feldman, R., 1998.
19
Dancy, J., 1992.
A noção deontológica de justificação epistêmica 29
20
Frazier, R. L. 1998.
21
Chisholm, R. 1966, p. 14.
22
Antes de Chisholm, podemos citar William James (1967) e William Clifford
(1877).
30 Felipe de Matos Muller
23
Linda Zagzebski, explorando a analogia entre o modelo ético e o modelo
epistemológico, afirma: “... não é surpresa que o tipo de teoria moral da qual estas
teorias tomam emprestados conceitos morais são quase sempre uma teoria
baseada em ato, ou deontológica ou conseqüencialista” (Zagzebski, L. 1996, p. 7).
24
Alston, em “The Concepts of Epistemic Justification”, apresenta a noção
deontológica de justificação epistêmica como modelo de uma teoria teleológica.
Ele escreve na nota (4) de seu artigo que o “leitor deveria ser advertido que
‘deontológico’, tal como usado aqui, não contrasta com ‘teleológico’, tal como é
comum na teoria ética. De acordo com essa distinção, uma teoria ética
deontológica , como a de Kant, não considera princípios de dever ou de obrigação
como devendo seu status ao fato de que agir de maneira que eles prescrevam
tende a realizar certos estados de coisas desejáveis, enquanto uma teoria
teleológica, como o Utilitarismo , sustenta que é isto o que torna um princípio de
obrigação aceitável. O fato de que nós não estamos usando ‘deontológico’ com
esta força é mostrado pelo fato de que nós estamos pensando nas obrigações
epistêmicas como devendo sua validade ao fato de que cumpri-las irá tender a
levar a realização de um estado de coisas desejável; neste caso, um amplo corpo
de crenças com uma razão verdade-falsidade favorável” (Alston, W. 1989, p. 84).
A noção deontológica de justificação epistêmica 31
25
Firth, R. 1980, p. 8.
26
David, M. 2001, p. 151.
27
James, W. 1967, 242-243.
32 Felipe de Matos Muller
2 Deontologismo epistêmico
Dizer que um sujeito S possui um dever significa que é exigido de S
fazer φ. De forma semelhante, dizer que um sujeito S possui um
dever doxástico significa que S é exigido a crer que φ. Roderick
Chisholm 29 afirma, em uma passagem muito citada, que “podemos
supor que todas as pessoas estejam sujeitas a uma exigência
28
Feldman, R. p. 244-245.
29
Chisholm, R. 1966, p. 14.
A noção deontológica de justificação epistêmica 33
Para ver o que Chisholm tem em mente, é útil considerar as seguintes questões:
dado que eu estou na situação em que estou e dado que eu estou considerando a
proposição p, o que eu deveria fazer – acreditá-la, denegá-la ou suspender o
juízo sobre ela? Qual dessas três opções é epistemicamente a melhor? Ao
pensar sobre essas questões, é preciso considerar somente essas três opções e
somente o fim de atingir a verdade sobre p... É a verdade de p, agora, que
interessa. Assim, se crer em alguma coisa agora me levaria de alguma forma a
crer em muitas verdades mais tarde, esse benefício epistêmico de longo prazo é
também irrelevante para esse julgamento 31 .
30
Richard Feldman, assume as seguintes estratégias argumentativas: (a) “defender a
legitimidade do uso da linguagem deontológica sobre crenças”; (b) defender a
afirmação de que “nós podemos ter exigências, permissões epistêmicas, etc.,
mesmo se o voluntarismo doxástico for falso”; e (c) manter a conjunção entre o
Deontologismo Epistêmico e o Evidencialismo.
31
Feldman, R. 1988.
32
Swinburne, p. 3 e 23-24.
34 Felipe de Matos Muller
33
Steup, 1996, p. 85.
34
Sobre esse ponto ver Foley, R. 1987; Feldman, R. 1988; Steup, M. 1996; e
Fumerton, R. 1996.
A noção deontológica de justificação epistêmica 35
35
Feldman, 2000, p. 692.
36
Podem descrever-se as atitudes proposicionais epistêmicas, de modo
simplificado, como sendo três: crer que p, descrer que p, e suspender o juízo
frente a uma proposição.
36 Felipe de Matos Muller
3 Considerações finais
Vimos que existe uma visão, dentre aquelas que utilizam termos
deontológicos para expressar a normatividade do conceito de
37
Contemporaneamente, os defensores mais influentes do Deontologismo são
Bonjour (1985), Chisholm (1966) e (1977), Ginet (1975) e Steup (1988-).
A noção deontológica de justificação epistêmica 37
pense que, mesmo que tal teoria seja possível, ela ainda não se
qualificaria como condição necessária para o conhecimento. Alguém
poderia violar seus deveres intelectuais e, ainda, poderia ter
conhecimento. Encontrar uma resposta adequada para essa objeção
requer se investigue um problema anterior. Cumprir ou não violar
deveres intelectuais é suficiente para tornar uma crença justificada?
A busca por uma resposta para essa questão conduz novamente a
uma outra dessemelhança com a Ética: a distinção entre justificação
objetiva e subjetiva. Alguns identificam a noção deontológica com
justificação epistêmica subjetiva. No entanto, ter justificação
epistêmica subjetiva parece não ser suficiente para alcançar a
desejada excelência epistêmica. Por outro lado, alguns tentam
identificar a noção deontológica com justificação epistêmica
objetiva, mas isso parece colocar de lado a característica
fundamental dessa noção, a saber, a irrepreensibilidade epistêmica.
Por fim, essas são questões que estão no topo da agenda do
debate epistemológico contemporâneo sobre a noção deontológica
de justificação epistêmica, e, em qualquer caso, a possibilidade e a
importância epistemológica do Deontologismo Epistêmico parecem
estar comprometidas até que se tenha uma resposta satisfatória para
essas questões.
Referências
ALSTON, W . The Deontological Conception of Epistemic
Justification. Reprinted. In ALSTON, W. Epistemic Justification;
Essays in the Theory of Knowledge. Ithaca: Cornell University
Press, 1989, p. 115-152.
_____. Concepts of Epistemic Justification. Reprinted. In ALSTON,
W. Epistemic Justification; Essays in the Theory of Knowledge.
Ithaca: Cornell University Press, 1989, p. 81-114.
AYER, A. J. O problema do conhecimento.Lisboa: Ulisseia, 1970.
AYERS, M. Locke, John (1632-1704). In CRAIG, E. (Ed.).
Routledge Encyclopedia of Philosophy. London and New York:
Routledge, 1998.
A noção deontológica de justificação epistêmica 39
Resumo: São dois os propósitos deste artigo. Primeiro desejamos examinar porque
o projeto de Carnap de construir uma lógica indutiva não foi bem sucedido. De
forma a realizar isso, nos apoiaremos na distinção entre o problema da justificação
da indução e o problema da descrição da indução. Tentaremos mostrar que a
principal razão pela qual o projeto de Carnap falhou foi sua relação com o
problema da justificação da indução. Nosso segundo objetivo é propor algumas
idéias de como seria um lógica da indução que propositadamente evite o problema
da justificação e possa consequentemente ser chamada de uma lógica puramente
descritiva da indução. Utilizaremos para isso um conceito de probabilidade
presente no Logical Foudations of Probability de Carnap chamada por ele de
probabilidade pragmática.
Palavras-chave: Carnap, Indução, Probabilidade pragmática, Problema da
descrição da indução
Abstract: Our purpose in this paper is twofold. The first is to understand why
Carnap´s project of building a logic of induction as a whole was not successful. In
order to achieve that we shall make use of the important distinction between the
problem of justification of induction and the problem of description of induction.
We shall try to show that the main reason why Carnap´s project failed was its
connection with the problem of justification of induction. As a secondary purpose,
we want to advance some ideas on how a logic of induction which deliberately
avoid the problem of justification and therefore could be called a purely descriptive
logic of induction would look like. In order to do that we shall make use of a
concept of probability contained in Carnap´s Logical Foundations of Probability
called by him the pragmatical notion of probability.
Keywords: Carnap, Induction, Pragmatical probability, Problem of justification of
induction
1 Introduction
For the last 15 years or so, it has been commonplace among
philosophers to consider the whole project of building a logic of
*
Professor adjunto da Universidade Federal do Ceará. E-mail: ricardo@lia.ufc.br.
Artigo recebido em 28.09.2007, aprovado em 19.12.2007.
Moreover, … there are further (and some say deeper) problems with
Carnapian … approaches to logical probability, if they are to be applied
to inductive inference generally. The consensus now seems to be that the
Carnapian project of characterizing an adequate logical theory of
probability is (by his own standards and lights) not very promising.
1
Glennan (1994), p. 78.
2
Fitelsen (2006), p. 9.
Logic of induction: a dead horse? 45
3
Here we shall follow Carnap and use the adjective “pragmatical” instead of
“pragmatic”.
4
The term “induction” comes from Cicero, who introduced the word inductio as an
exact equivalent for epagôgê.
46 Ricardo Sousa Silvestre
5
Milton (1987), p. 53.
Logic of induction: a dead horse? 47
But the greatest change I introduce is in the form itself of induction and
the judgment made thereby. For the induction of which the logicians
speak, which proceeds by simple enumeration, is a puerile thing;
concludes at hazard … Now what the sciences stand in need of is a form
of induction which shall analyze experience and take it to pieces, and by
the process of exclusion and rejection lead to an inevitable conclusion 7
6
Bacon (1620), p. 249.
7
John Stuart Mill, with his methods of agreement, difference, etc, also made use of
the same sort of heuristic principle.
48 Ricardo Sousa Silvestre
8
Charles Pierce, for instance, identifies three types of induction: crude induction,
quantitative induction and qualitative induction, where only the first one
corresponds to what we have called inductive generalization. See Peirce (1931),
p. 756-59.
Logic of induction: a dead horse? 49
9
Even though the term “argument” may be taken as something similar to
“reasoning,” we will use it here in the customary way, as a synonymous of
inference.
10
See Fritz (1960), Sellars (1969) and Machina (1984).
50 Ricardo Sousa Silvestre
If, however, there is any kind of inference whose premises, although not
necessitating the conclusions, do lend it weight, support it, or make it
probable, then such inferences possess a certain kind of logical rectitude.
11
Such as the determination of which hypotheses can be inductively inferred from
a given set of evidences.
12
Salmon (1966), p. 8. The italics are mine.
Logic of induction: a dead horse? 51
13
For an exposition of the kinds of attempts made to solve the problem of
justification of induction see Salmon (1966), chapter II.
52 Ricardo Sousa Silvestre
14
Lipton (1991), for instance.
15
Kemeny (1963), p. 711.
16
Machina (1984), p. 577.
17
Ibid. p. 578.
54 Ricardo Sousa Silvestre
18
Carnap (1950), p. v. Italics in the original.
Logic of induction: a dead horse? 55
19
For a description of the several interpretations of probability see Weatherford
(1982).
56 Ricardo Sousa Silvestre
20
Carnap (1950), p. 43. The second name given to this logical concept of
probability – degree of confirmation – is of special significance to us. As the word
“degree” indicates, such conception of probability is intent to be an essentially
numerical one. This has to do with Carnap’s threefold division of probability
concepts. According to him, there are three sorts of logical concepts of
confirmation: the qualitative (positive or classificatory), the comparative and the
quantitative (or metrical) concepts of confirmation.
58 Ricardo Sousa Silvestre
If we wish to use the word ‘inference’ … we may say that the hypothesis
h is inductively inferred from the evidence e. … But in this case we must
be careful not to overlook the fact that the probability value characterizes
not the hypotheses … but rather the inference from the evidence to the
hypothesis or, more correctly speaking, the logical relation holding
between the evidence and the hypothesis … Thus we see that from the
evidence e together with the statement ‘the probability of h with respect
to e is 1/5’ we can infer … neither h itself, which may be false, nor a
statement of the probability of h, which would be meaningless. In fact,
nothing can be inferred from those two premises.
21
Carnap (1950), p. 33. In this and other statements by Carnap to be quoted in this
section reference will be made to a numerical value characterizing the inductive
relation between hypothesis and evidences. That is due to already mentioned
quantitative aspect of Carnap’s approach.
Logic of induction: a dead horse? 59
22
Carnap (1950), p. 211.
60 Ricardo Sousa Silvestre
Here, the term ‘confirmed’ does not mean the logical (semantical)
concept of degree of confirmation … but a corresponding pragmatical
concept; the latter is, however, not identical with the concept of degree of
(actual) belief but means rather the degree of belief justified by the
observational knowledge of X at t.
23
Carnap (1946), p. 594. Italics in the original.
24
Ibid. The italics are mine.
Logic of induction: a dead horse? 61
nothing else is known” in the quotation above and have been taken
into account in Carnap’s philosophy by what he called the
requirement of total evidence 25 . Briefly put, the requirement of total
evidence states that in order to apply inductive logic to, for instance,
get thementioned pragmatical probability, one must make sure that
the evidences represent all the available knowledge. This is of
course needed because e may be an evidence for h when taken in
isolation, but against or neutral to it when taken in conjunction with
e’. In the rest of this paper we will refer to such sort of restriction as
total evidence conditions.
Another important point contained in the quotation above is
the reference to belief. According to Carnap, even though this
pragmatical concept is not “identical with the concept of degree of
(actual) belief,” it is still a sort of belief, namely that which is
“justified by the observational knowledge of X at t.” Others like
Keynes have made similar points about the connection between
logical probability, belief and justified belief (or pragmatical
probability): “The theory of probability is logical, therefore, because
it is concerned with the degree of belief which is rational to
entertain in given conditions, and not merely with the actual beliefs
of particular individuals, which may or may not be rational.” 26
From this we can lay down two important features of this
pragmatical concept of probability. First, it is a sort of belief and,
therefore, not a logical, but an epistemological notion. For that
reason, we will also refer to this new concept as the epistemic
concept of probability. Second, it is not, properly speaking, the same
as beliefs people ordinarily have. Rather, it is that kind of belief
which is obtained in a justified or rational way. More specifically,
25
Carnap (1950), p. 211-13.
26
Keynes (1921), p. 4. Because of passages like that, some authors interpret
Keynes conception of probability as being essentially epistemic, and not logical.
See for instance Fitelsen (2006). As far as we are concerned, we take the
traditional interpretation according to which even though Keynes’ use of some
terms may not be as clear and uniform as Carnap’s, his main concern is with a
logical concept of probability.
62 Ricardo Sousa Silvestre
27
See Kyburg (1964), Hintikka & Hilpinen (1966) and Lehrer (1970).
28
An objection one may raise against this conclusion is that while our problem
concerns inferring something when the premises are true, the pragmatical
probability as defined by Carnap can be applied just in those cases where the
premises are known to be true. A foundational reply to this would say that
induction per se, along with all concepts related to it (such as the notion of
probability), is itself an epistemic notion. As such, the correct definition of
induction would be one that makes reference not to truth, but to knowledge of
truth. In this way, our problem should be restated as “what can we say about the
conclusion of inductive inferences in the case where the premises known to be
Logic of induction: a dead horse? 63
true?” Of course this view of induction as intrinsically epistemic is not new. After
all, the so-called classical interpretation of probability takes probability
essentially as a measure of our ignorance. Keynes also has taken probability as
intrinsically connected with the notion of certainty and belief. See Weatherford
(1982).
64 Ricardo Sousa Silvestre
29
Carnap (1950), p. 20. The italics are mine.
30
Carnap (1950), p. 200.
31
Carnap (1946), p. 596. The italics are mine.
Logic of induction: a dead horse? 65
c(h,e) = m(h ∧ e)
m(e)
32
This same idea is found in Hempel’s “Studies in the Logic of Confirmation,”
where he says that the purpose of the logic of confirmation is “to set up purely
formal criteria of confirmation in the manner similar to that in which deductive
logic provides purely formal criteria for the validity of deductive inferences.”
Hempel (1945), p. 9.
66 Ricardo Sousa Silvestre
33
Carnap (1950), p. 116.
Logic of induction: a dead horse? 67
34
Glennan (1994), p. 82.
35
Carnap (1952). In more recent works, Carnap has proposed two more additional
adjustable parameters γ and η. See Carnap (1980).
68 Ricardo Sousa Silvestre
36
Carnap (1950), p. 518.
37
Carnap (1955), p. 22. Italics in the original.
38
See Weatherford (1982), sections II.11 and III.11, and Salmon (1966), sections
V.1 and V.3.
39
For a couple of arguments against the principle of indifference see Fitelsen
(2006).
Logic of induction: a dead horse? 69
Let us, for the time being, name the parts of the logic of
induction responsible for each one of these tasks, respectively,
model of confirmation and calculus of confirmation. Johnathan
Cohen defines these two tasks in the context of a numerical
approach as follows 40 :
40
Cohen (1966), 463-464.
Logic of induction: a dead horse? 71
8 Conclusion
In this article we analyzed what we think to be the main reason for
the failure of Carnap’s project of building a logic of induction: its
connection with the problem of justification. We then considered
from a conceptual point of view the possibility of building a purely
descriptive logic of induction which would avoid Carnap’s flaws.
An attempt to implement the suggestions shown in Section 7 can be
found in Silvestre (2005).
41
An instance of such axioms would be what we could call inductive implication
transitivity axiom: if α inductively implies β and β inductively implies ϕ, then α
inductively implies ϕ.
Logic of induction: a dead horse? 77
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Philosophy of Rudolf Carnap, (ed.) P. Schilpp, Open Court Press,
1963.
78 Ricardo Sousa Silvestre
*
Doutorando do Programa de Doutorado Integrado em Filosofia UFRN-UFPE-
UFPB e professor do Departamento de Filosofia da UNICAP. E-mail:
benes.sales@terra.com.br. Artigo recebido em 30.09.2007 e aprovado em
05.12.2007.
1
Aristote. Catégories. In: Organon, 1997, 5, 2a, 11-19. “As substâncias primeiras
estão contidas nas substâncias segundas não como em um sujeito à maneira dos
acidentes, mas como particulares nos universais” (Tricot, em nota na mesma
página).
2
Santo Tomás. De Potentia. q. 9, a. 1. Apud Selvaggi, 1998. p. 346-347.
82 Benes Alencar Sales
2 O sujeito em Descartes
Em Descartes, o termo sujeito aparece poucas vezes e quando isso
ocorre é utilizado, ora para designar substâncias materiais em geral
(objeto da Física), ora para se referir às substâncias incorpóreas
(objeto da Metafísica, ou a alma) e ainda como suporte, fundamento.
Podemos verificar que, nessas diversas situações, ele continua
empregando a denominação sujeito no sentido aristotélico-tomista.
Vejamos algumas passagens de seus escritos: “A substância, que é o
sujeito imediato da extensão e dos acidentes ..., chama-se corpo”
(Descartes, 1996a, v. 9, p. 125). Em outro lugar: “... Porque os
sujeitos de todos os atos são verdadeiramente entendidos como
sendo substâncias (ou, se queres, como matérias, isto é, matérias
metafísicas), mas não, neste caso, como corpos” 3 . Em outro trecho,
ele vai se referir à alma: “a substância, na qual reside imediatamente
o pensamento, é aqui chamada Espírito” (Descartes, 1996a, p. 125).
Em outra passagem, afirma que toda coisa em que alguma
propriedade, qualidade, ou atributo aí se encontra imediatamente
como em seu sujeito, ou pela qual existe, chama-se substância
(Descartes, 1996a, p. 125).
Podemos concluir que Descartes, o inventor da filosofia da
subjetividade, paradoxalmente, lança mão da palavra sujeito ainda
em seu sentido tradicional. Mesmo assim, é com ele que se dá a
virada da concepção filosófica de sujeito, desencadeando verdadeira
revolução no pensar, de modo a marcar uma nova época na história
do pensamento filosófico ocidental.
3
Descartes, 1996b. p. 175. Subjecta enim omnium actuum intelliguntur quidem sub
ratione substantiae (vel etiam, si lubet, sub ratione materiae, nempe
Metaphysicae), non autem idcirco sub ratione corporum.
A polissemia do sujeito cartesiano 83
4
Antigo instrumento de cordas dedilháveis, de origem oriental.
5
Descartes distingue dois tipos de memórias: uma corporal e outra intelectual.
“Além dessa memória que depende do corpo, reconheço uma outra, totalmente
intelectual, que depende somente da alma.”. (Carta ao padre Mersenne, de 1o de
A polissemia do sujeito cartesiano 87
abril de 1640. Descartes, 1996f, p. 48). Cf. ainda Descartes, 1996g. v. 10, p. 416 e
Descartes, 1996f, p. 580.
88 Benes Alencar Sales
Referências
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par J. Tricot. Paris: Vrin, 1997.
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Vrin, 2000. t. 1.
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BAILLY, Anatole. Le Grand Bailly Dictionaire Grec-Français.
Édition revue par L. Séchant et P. Chantraine. Paris: Hachette, 2000.
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Charles ADAM & Paul TANNERY. Paris: Vrin, 1996a.
______. Meditationes de Prima Philosophia. Oeuvres Publiées par
Charles ADAM & Paul TANNERY. Paris: Vrin, 1996b. v. VII.
______. Correpondance - avril 1622 - février 1638. Oeuvres
Publiées par Charles ADAM & Paul TANNERY. Paris: Vrin,
1996c. v. I.
______. Discours de la Méthode et Essais. Oeuvres Publiées par
Charles ADAM & Paul TANNERY. Paris: Vrin, 1996d. v. VI.
______. Correspondance - juil 1643 - avril 1647. Oeuvres Publiées
par Charles ADAM & Paul TANNERY. Paris: Vrin, 1996e. v. IV.
______. Descartes a Mersenne. In: Correspondance - janv. 1640 -
juin 1643. Oeuvres Publiées par Charles ADAM & Paul
TANNERY. Paris: Vrin, 1996f. v. III.
______. Regulae ad Directionem Ingenii. Oeuvres Publiées par
Charles ADAM & Paul TANNERY. Paris: Vrin, 1996g. v. X.
______. René. Les Passions de l’Âme. Introduction et notes par
Geneviève Rodis-Lewis. Paris: Vrin, 1999.
92 Benes Alencar Sales
Charles Feldhaus *
Introdução
Nos últimos dez anos, Habermas tem se manifestado em diversas
oportunidades como contrário ao que teria sido primeiramente
denominado por Nicholas Agar de liberal eugenics 1 . Por
conseguinte, é de suma importância examinar a posição
habermasiana acerca de tema atualíssimo, apesar do caráter
*
Doutorando em Filosofia, UFSC. E-mail: charlesfeldhaus@yahoo.com.br. Artigo
recebido em 27.08.2007 e aprovado em 17.12.2007.
1
Para um estudo detalhadas das diferentes facetas e acepções que o termo eugenia
(eugenics) tem assumido no debate contemporâneo, é instrutivo o artigo de Stefan
Lorenz Sorgner, Faceten der Eugenik. In: Eugenik und die Zukunft, p. 201-9. Ele
apresenta sete distinções dicotômicas da eugenia, a saber, positiva e negativa,
estatal e liberal, autônoma e heterônoma, direta e indireta, ativa e passiva, radical
e moderada, mercado liberal e social democrática.
2
Em 9 de setembro de 2000, Habermas apresentou uma Lecture, na Universidade
de Zurique, intitulado Der Streit um das ethische Selbstverständnis der Gattung, a
qual serviu de base à conferência principal de Die Zukunft der menschlichen
Natur.
3
Publicado em 9 de março de 1998 em Süddeutsch Zeitung e incluído
posteriormente no livro Constelação Pós-nacional.
4
Publicado em 19 de fevereiro de 1998 em Süddeutsch Zeitung e também incluído
posteriormente em Constelação Pós-nacional.
5
Publicado em 17 de janeiro de 1998 em Süddeutsch Zeitung e incluído em
Constelação Pós-nacional.
6
Este texto foi publicado na edição brasileira em português como Posfácio de Die
Zukunft der menschlichen Natur de Habermas.
7
Entrevista concedida por Habermas ao Die Zeit em maio de 2002.
Habermas, ética da espécie e seus criticos 95
8
Neste contexto, ainda não é apresentada a distinção entre dignidade humana
[Menschenwürde] e dignidade da vida humana [Würde des menschlichen Lebens].
Tal distinção somente será devidamente tratada em Die Zukunft der menschlichen
Natur.
9
Esta tese, segundo Habermas, tem bases em Kant.
96 Charles Feldhaus
10
Kant, I. Grundlegung zur Metaphysik der Sitten. Ak, IV, 429: “Handle so, daß du
die Menschheit sowohl in deiner Person, als in der Person eines jeden andern
jederzeit zugleich als Zweck, niemals bloß als Mittel brauchest.”
Habermas, ética da espécie e seus criticos 97
11
Esta tese habermasiana também somente será aprofundada em ZMN.
98 Charles Feldhaus
12
Habermas, J. ZMN, 2001, 57. Se a eugenia liberal vingar haverá um ‘controle
deliberado de qualidade’, ou seja, a instrumentalização de uma vida humana que é
produzida apenas sob certas condições e em função de preferências axiológicas de
terceiros a respeito da composição desejada do genoma.
100 Charles Feldhaus
13
Rorty, M. V. The Future of Human Nature.
http://ndpr.nd.edu/review.cfm?id=1291. Acesso em 18/06/2007.
14
Ao tratar desse tipo de atitudes, Habermas oscila entre alguns elementos do
kantismo, como o desrespeito à fórmula da humanidade e a teoria dos tipos de
ação aristotélica.
Habermas, ética da espécie e seus criticos 101
15
Este texto foi publicado como Posfácio à tradução brasileira do livro Die Zukunft
der menschlichen Natur, mas originalmente foi publicado em alemão na Deutsch
Schrifts für Philosophie 50.
16
Habermas, J. 2002b, 118. Kersting também sustenta que o argumento
habermasiano contra a eugenia liberal independe de uma ontologia de valores ou
da noção de natureza, mas antes assume o caráter de um argumento ético
transcendental. Kersting, W. 94.
102 Charles Feldhaus
17
Entendo este termo aqui tal como o entendeu Schopenhauer em O Fundamento
da Moral.
108 Charles Feldhaus
18
Habermas distingue entre dignidade humana e dignidade da vida humana.
(alemão)
19
Exploro a recusa habermasiana de estratégias argumentativas deste tipo em:
Feldhaus, C. Habermas e a Clonagem Humana. Revista Controvérsias.
UNISINOS, Julho 2007.
Habermas, ética da espécie e seus criticos 109
20
Não tratar-se-á da alternativa de Malmvist, entretanto, convém ressaltar que a
estratégia habermasiana ainda é vantajosa comparada com a deste, pois não
depende de pressuposições ontológicas altamente controversas como estaria
implicado no apelo à noção de natureza.
Habermas, ética da espécie e seus criticos 117
portanto,
PAI – Deveríamos abster-nos de qualquer intervenção genética além
daquelas dirigidas à prevenção de sofrimento extremo (isto é, eugenia
negativa) (Lafont, 2003, p. 158).
Considerações finais
Enfim, além de explicitar as semelhanças e desemelhanças entre as
diversas manifestações do ilustre herdeiro da escola de Frankfurt a
respeito da eugenia liberal e da clonagem humana, o presente
trabalho tornou possível compreender que a estratégia argumentativa
habermasiana em Die Zukunft der menschlichen Natur e nos demais
textos em que trata de questões bioéticas está sujeita a diferentes
tipos de objeções, que focam principalmente naquilo que torna
moralmente errado as intervenções genéticas, uma vez que essas têm
semelhanças evidentes com práticas tradicionais como a educação e
a dotação genética natural (que também limita os planos racionais de
vida). Contudo, também salta aos olhos a incorreção de qualquer
tipo de objeção, que atribua a Habermas, a defesa de algum tipo de
reducionismo ou o comprometimento com alguma ordem ontológica
no qual ser natural seja valioso em si mesmo. O argumento
habermasino tem natureza ético-transcendental, porque apela às
condições de possibilidade da concepção de moralizar moderna e
não a fatos.
Referências
BUCHANAN, A. From Chance to Choice: Genetics and Justice,
Cambridge: Cambridge University Press, 2000.
21
Tratarei das implicações normativas no que diz respeito à justiça distributiva e a
eugenia liberal em outra oportunidade.
Habermas, ética da espécie e seus criticos 121
∗
Professor do Departamento de Filosofia da Universidade Federal de Uberlândia
(UFU). E-mail: mseneda@ufu.br. Artigo recebido em 30.09.2007 e aprovado em
10.12.2007.
1 Introdução
Este texto pretende apresentar uma posição particular sobre a
relação entre evidência e validade, assumida por W. Dilthey, a qual
oferece uma chave para se entender um dos fundamentos da
filosofia contemporânea e o modo como ela tem tentado pensar sua
base cognitiva como ontologicamente distinta da base epistêmica
das ciências empíricas atuais.
Inicialmente é preciso entendermos qual a importância deste
autor. Dilthey é o primeiro filósofo a estabelecer, no pensamento
alemão, a diferença entre dois grupos de ciências e a fixar esta
diferença terminologicamente, referindo-se as Geisteswissenschaften
e as Naturwissenschaften, ou seja, às ciências do espírito e às
ciências da natureza. Esta terminologia será depois apropriada pela
Escola de Baden, da qual são nomes expressivos Windelband e
Rickert, os quais procuraram pensar esta distinção a partir de
critérios lógicos. Afirmavam, assim, que estes dois grupos de
ciências diferenciavam-se por possuírem interesses lógicos distintos.
As ciências do espírito intentavam apreender a realidade mediante
conceitos individualizantes, já as ciências da natureza pretendiam
descrever a realidade por meio de conceitos generalizantes. O modo
de apreensão da realidade destes dois grupos de ciências diferenciar-
se-ia, portanto, por sua respectiva Begriffsbildung, ou seja, pelo
modo como cada grupo formava seus conceitos e lhes dava uma
destinação científica.
A proposta de Dilthey, ao contrário, é bem mais arcaica, e
vale-se de um método que nos acompanha desde a antigüidade, a
saber: a História da Filosofia. E a partir desta História, Dilthey se
esforça em pensar esta distinção a partir de um fundamento
A fundamentação das ciências compreensivas 125
1
Entre os que se valem deste argumento, podemos citar Schleiermacher,
Heidegger, Gadamer e Ricoeur (Amaral, 1994, p. 9-10). Argumento similar
também pode ser encontrado em Natorp e Bergson (Gadamer, 1999, p. 128-130).
Este em geral é o argumento dos compreensivistas. Contudo, muitas vezes parte-
se da constatação da cisão entre ciências empíricas matematizadas e ciências do
espírito ou do sentido ou compreensivas. Pôr esta tese sem enfrentar as
dificuldades de se reconstruí-la foi o que denominamos aceitar dogmaticamente a
posição de Dilthey.
126 Marcos César Seneda
2
Que Leibniz consiga vincular estes problemas a partir da teodicéia, trata-se de
assunto à parte. O comentário de Y. Belaval bem retrata esta vinculação: “... a
harmonia difundida por toda parte na infinitude atual dos organismos e a
harmonia preestabelecida entre a alma e o corpo testemunham um Supremo
Harmonista, o princípio de razão exige, na origem radical das coisas, uma Razão
que seja a fonte dos possíveis e uma Vontade que escolha entre esses possíveis”
(1993, p. 197). Ou seja, o sistema metafísico de Leibniz permitia uma ótima
articulação entre o domínio dos fatos e a esfera das possibilidades.
A fundamentação das ciências compreensivas 127
3
Dilthey, inclusive, reportar-se-á – como veremos mais adiante – aos “fatos de
consciência” (Tatsachen des Bewusstseins), provavelmente num esforço
128 Marcos César Seneda
É verdade, diz-se, que não há nada sem uma razão suficiente pela qual
existe, e pela qual [algo] é assim mais do que de outro modo. Mas,
acrescenta-se, que esta razão suficiente é freqüentemente a simples
vontade de Deus; como quando perguntamos porque a matéria não foi
situada de outro modo no espaço, as mesmas situações entre os corpos
permanecendo preservadas. Mas isto é justamente sustentar que Deus
quer alguma coisa, sem que houvesse alguma razão suficiente de sua
vontade, contra o axioma ou a regra geral de tudo aquilo que acontece
(Terceira carta de Leibniz a Clarke, apud Dilthey, 1959, p. 389).
7
O pensamento de Dilthey pode ser apresentado por intermédio de múltiplas
interconexões ou ramicações, seja a partir de sua relação com a psicologia e com a
biologia (Amaral, 1994; Rodi, 1994), seja a partir de sua relação com a tradição
hermenêutica e com Schleiermacher (Amaral, 1994; Scholtz, 1994), seja a partir
de sua relação com a fenomenologia e com Husserl (Bianco, 2001).
Heuristicamente, pensamos que é mais profícuo apresentá-lo a partir da cisão do
princípio de razão suficiente, uma vez que este expediente permite unificar a
metodologia e a aparente descontinuidade do percurso teórico de Dilthey. Do
contrário, o pensamento de Dilthey nos surge como dotado de uma intuição
original, cuja formulação conceitual jamais pôde ser suficientemente explicitada,
aparecendo multifacetadamente nos múltiplos objetos estudados pelo autor. Se
assim considerada, sua obra retrataria muito mais o percurso de um historiador da
mentalidade da cultura ocidental do que propriamente a força de uma genuína
proposta filosófica. A reapropriação de Dilthey pelos comentadores com
freqüência recai nas características desta segunda hipótese, procurando-se
evidenciar uma intuição original que deveria ser visualizada a partir de um
pensamento rapsódico. Partimos aqui de outra hipótese: de que o fundamento de
sua reflexão pode ser circunscrito a partir de sua releitura de Leibniz/Wolff e do
modo como cinde epistemologicamente o princípio de razão suficiente. É isto que
lhe permite postar-se ao lado de Kant – pode-se aqui discutir o êxito ou não dessa
tentativa – e lhe possibilita pensar o mundo do espírito a partir de um fundamento
considerado válido cientificamente.
8
Na seqüência deste texto ambos os conceitos serão mais bem apresentados. Neste
momento e para os propósitos deste trabalho, é suficiente explicarmos que se trata
de dois modos de se conceber a experiência: de um lado, a experiência objetiva
(die Erfahrung) construída a partir do mundo fenomenal (Kant), de outro, a
experiência subjetiva (das Erlebnis) formada a partir das vivências de cada
134 Marcos César Seneda
10
Aludindo à “... posição intermediária entre a especulação e o empirismo ...”,
assumida por Dilthey, Gadamer (1999, p.123) observa: “como o que importa a ele
é justificar o trabalho das ciências do espírito, do ponto de vista cognitivo-teórico,
domina-o por toda parte o motivo do verdadeiramente dado” (os grifos são
nossos). É elucidativo o comentário de Gadamer, uma vez que acentua o que é
característico da posição de Dilthey, ou seja, o esforço para descobrir, no interior
da teoria do conhecimento, possibilidades de fundamentação científica
subjacentes ao que denomina ciências do espírito. Assim, no interior do conceito
de vivência (Erlebnis), Dilthey procurará construir a positividade de um modo
distinto do fundamento. Nisso reside uma contribuição própria de sua reflexão.
Dilthey não considera que a esfera da experiência interna seja marcada, em
oposição à da experiência externa, por um déficit de objetividade. Ao contrário,
sustenta que o seu fundamento são os dados da vivência, e que a partir dessa
característica própria é que deveriam ser pensadas as condições distintas de sua
evidência e validade.
11
A distinção semântica é pouco definida do ponto de vista léxico, uma vez que os
dicionários Duden e Wahrig não constroem uma oposição sistemática entre essas
duas palavras. No verbete “vivência”, a Enciclopédia de Filosofia Logos (1992, p.
556-557) e o Dicionário de Filosofia Ferrater Mora (2001, p. 3035-3036)
remetem a Dilthey o emprego sistemático do termo Erlebnis, e localizam seu
registro lexical reportando-se à obra de Hans-Georg Gadamer, Verdade e método,
em que o autor recupera a história do uso deste termo. Nesta obra, Gadamer
afirma que, anteriormente ao uso registrado por Dilthey e por alguns biógrafos
que lhe eram coetâneos, havia o emprego do verbo erleben e suas variantes, mas
não do substantivo, e que foi Dilthey “... quem primeiro atribuiu a essa palavra
A fundamentação das ciências compreensivas 137
12
Esta ênfase no papel homogeneizador das matemáticas será reencontrada também
nos comentários do neokantiano H. Rickert.
A fundamentação das ciências compreensivas 141
4 Conclusão
Em Leibniz, estamos separados das coisas pelos símbolos, com os
quais temos de traduzir toda a nossa inteligibilidade acerca dos
produtos individuais da experiência. Em Kant, como bem retrata
Dilthey, precisamos traduzir o plano das individualidades empíricas
sobre um outro plano, construído pelo tempo e pelo espaço
matematizados, dotados assim da capacidade de conectar, por meio
de relações externas, a seqüência heterogênea dos dados empíricos.
Em Dilthey encontramos uma possibilidade no interior da própria
experiência que, anteriormente à formulação de sua teoria, seria
considerada sobre-humana. Dilthey abre uma esfera, a da vivência
142 Marcos César Seneda
isto não por meio da intuição empírica (solução proposta por Kant),
mas mediante esta evidência “intuitiva” a que temos acesso na
esfera da experiência interna. É claro que esta solução continuaria
insatisfatória para quem almejasse uma solução transcendental. É
preciso lembrar, contudo, que Dilthey parte de Leibniz, descobre
duas esferas de fatos e procura pensá-las a partir do princípio de
razão suficiente inerente a cada uma delas. É este recurso que
permite a Dilthey reinterpretar o princípio de razão suficiente e
separar compreensão de explicação, concebendo sobre um novo
fundamento a posição da lei do conhecimento relativa às ciências do
espírito.
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Petrópolis, RJ: Vozes, 1999.
144 Marcos César Seneda
Abstract: The present article intends to demonstrate that the concept of second
nature occupies a central place in Blaise Pascal's ideas, being it the foundation of
his political reflections, among which emerge those around the conception of
justice. To do so, shows how the concept of second nature, although it has its origin
in theological categories, it is already located in the metaphysical plan, from where
it imposes itself as a foundation of man's historical-temporary existence. This way,
the concept of second nature makes it possible for Pascal to think a conception of
justice that, standing away from modern Natural Right, supports itself on historical
bases. In Pascal’s political thought emerges, first, concupiscence, from which is
constituted power, imagination, customs and laws and, with them, the distinction
*
O presente artigo é parte das conclusões do projeto de pesquisa intitulado
“Finitude, razão e vontade em René Descartes e Blaise Pascal”, desenvolvido
junto à linha de pesquisa “Ética fundamental” do Mestrado em Filosofia da
UECE. Dedicado a Augustino Chaves, em lembrança da amizade, que é sempre
uma experiência de justiça.
**
Professor de Filosofia na Universidade de Fortaleza (Unifor) e da Graduação e do
Mestrado em Filosofia da Universidade Estadual do Ceará (UECE). E-mail:
emilianoaquino@bol.com.br. Artigo recebido em 30.09.2007 e aprovado em
28.11.2007.
1
Seguimos aqui, como já se tornou um hábito acadêmico no Brasil, a forma de
citação canônica dos Pensamentos, identificando no corpo do texto o número do
fragmento em questão, antecedendo com a inicial B., aquele presente na ordem da
edição organizada por Brunschwicg (Pascal, 1999), e com a inicial L., aquele na
da edição Lafuma (Pascal, 2001).
2
Afastamo-nos, nesta análise, embora aqui não lhes pretendamos contrapor uma
exposição polêmica, das interpretações fenomenologizantes e existencializantes
de Pascal, tal como as encontramos em Pondé (2001). Para uma análise do
problema da condição humana em Pascal, de cuja interpretação nos aproximamos
neste artigo e, em certa medida, tomamos como base, ver Bischoff (2001).
Segunda natureza e justiça em Blaise Pascal 149
3
Este movimento circular remete o projeto apologético pascaliano a uma
proximidade estrutural das Meditações cartesianas, embora destas se distancie
radicalmente, posto que seu ponto de partida não é o cogito, mas o sum. Contudo,
na proximidade estrutural dessas exposições, algo filosoficamente mais amplo se
impõe como comum a Descartes e Pascal, justamente a emergência do sujeito
finito, do homem, como perspectiva a partir da qual todo o resto é pensado,
embora não seja ele mesmo o fundamento último; emergência esta que, enfim,
caracteriza a filosofia moderna.
150 João Emiliano Fortaleza de Aquino
4
Sobre esta interpretação benjaminiana, cf. também Aquino (2006).
5
A sensibilidade dessa condição é própria e central à concepção pascaliana do
cristianismo. Em Sobre a conversão de um pecador, ele diz que a alma tocada por
Deus – portanto, acrescentaríamos, a alma que olha o mundo tendo como
referência o eterno – “considera as coisas perecíveis como perecentes e já
perecidas; e na vista certa do aniquilamento de tudo o que ama, ela se espanta
nesta consideração, vendo que cada instante lhe retira o gozo de seu bem, e que o
que lhe é o mais caro se escorre a todo o momento, e que enfim um dia certo virá
em que ela se encontrará desprovida de todas as coisas nas quais [antes da
conversão] tinha posto sua esperança ...” (Pascal, 1963, p. 290).
6
Esta interpretação do pensamento pascaliano, que se afasta das interpretações
tradicionais, com base nas quais não seria possível encontrar em Pascal uma
reflexão política positiva, pode ser mais bem vista em Lazzeri (1993), autor cuja
análise foi fundamental para a interpretação aqui exposta, embora nele a categoria
da segunda natureza não tenha a mesma centralidade em favor da qual estamos
argumentando neste artigo.
152 João Emiliano Fortaleza de Aquino
7
Uma outra explicação possível – embora exterior à linha central da reflexão que
aqui expomos – para esses enfoques distintos nos Pensamentos e nos Três
discursos quanto à origem da lei e do poder estabelecido seria que, nestes últimos,
Pascal se dirige a um jovem duque e, por preocupações edificantes, parece querer-
lhe ocultar, também numa pensée em derrièrre, que a lei se origina em última
instância na força e na usurpação. Se ao povo não cabe o conhecimento da igual
condição humana do príncipe, a ambos não deve também caber o conhecimento
de que a lei estabelecida, antes de na imaginação e na fantasia dos legisladores, se
origina na força; ao primeiro, deve-se evitar a sedição, ao segundo desestimular a
tirania.
158 João Emiliano Fortaleza de Aquino
8
É justamente este o critério que Pascal apresenta no Prefácio ao tratado do vácuo,
em sua proposição de ordens distintas das ciências (naturais e do raciocínio, umas,
e históricas, da memória e da autoridade, outras). Trata-se da defesa das ciências
modernas da natureza diante da ortodoxia tomista e seu critério da autoridade no
conhecimento da natureza, bem como, no que concerne aos deveres às qualidades
naturais, da defesa da liberdade da razão nos domínios religioso, filosófico e
científico diante da autoridade terrena. Este é mais um ponto que liga de modo
essencial o pensamento pascaliano ao século de Descartes e Spinoza, à exigência
da autonomia subjetiva da razão e à liberdade do entendimento e do raciocínio.
Segunda natureza e justiça em Blaise Pascal 163
Não é de modo algum vossa força e vossa potência natural que vos sujeita
todas essas pessoas. Não pretendei, portanto, dominá-las pela força, nem
as tratar com dureza. Contentai seus justos desejos; aliviai suas
necessidades; colocai vosso prazer para ser beneficente; adiantai-os tanto
quanto o puderdes e agireis como verdadeiro rei da concupiscência.
(Pascal, 1963, p. 368).
Ivonil Parraz *
Résumé: “Je pense” solitaire de Descartes est source inspirée pour Pascal. En le
maintenant dans sa solitude, l'auteur rejaillit la difficulté de, pour la raison, établir
quelque lien entre Dieu et l'homme. Les cesuras entre moi et Dieu, résultent, dans
Pascal, dans l'impossibilité d'établir objectivement l'existence de moi dans le temps.
Notre objectif dans cet article est souligner telles questions.
Mots-clé: Contingence, Dieu, Existence, Je pense
Sinto que posso não ter existido; pois o eu consiste no meu pensamento:
portanto, eu, que penso, não teria existido se minha mãe tivesse morrido
antes de eu ter sido animado: portanto, não sou um ser necessário. Não
sou também eterno, nem infinito; mas vejo bem que há na natureza um
ser necessário, eterno e infinito (B. 469; L. 135).
*
Professor de Filosofia na Faculdade João Paulo II, FAJOPA (Marília/SP). E-mail:
parraz@uol.com.br. Artigo recebido em 24.08.2007, aprovado em 11.12.2007.
1 O eu e a existência em Descartes
A trajetória do eu, em Descartes, começa no ato mais solitário que
ele pode realizar: o ato de duvidar. Ao escolher duvidar, o eu se
coloca em uma fragilidade tamanha que o abismo do nada (não-ser,
aparência, sem substancialidade alguma) o ameaça a todo o
momento. Esse abismo do nada pode tragar o eu a todo instante,
pois na dúvida, o eu pode não colher a si mesmo em uma identidade.
É nesse caminho doloroso da dúvida, que o eu se descobre como
puro pensamento. O eu que duvida é, por isso mesmo, um eu que
pensa, uma vez que duvidar é também pensar. “Que é uma coisa que
pensa? É uma coisa que duvida” (Descartes, 1973, p. 103).
Duvidando, o eu pensa. O eu que pensa porque duvida, colhe a si
mesmo como puro pensamento. O eu é então idêntico ao
pensamento. Ora, se o eu é idêntico ao próprio pensamento, deixar
de pensar implica em deixar de ser. Com efeito, Pensar é um
atributo que pertence necessariamente ao eu (ser pensante). O ato de
pensar revela o que é o eu. Logo, o eu é um ser pensante, ou seja,
existe como puro pensamento.
Descartes se descobre como uma substância pensante, um eu
que existe como pensamento. Essa sustância pensante, colhida no
próprio ato de pensar, só pode existir enquanto estiver pensando,
posto ser o próprio pensamento quem lhe revela seu ser (Descartes,
1973, 102). Assim, fora do pensamento, ou melhor, no tempo em
que não estiver pensando em si mesmo, o eu deixa de ser ou existir.
Não há nada no eu pensante que possa lhe garantir subsistência no
tempo. O tempo, de sucessão contínua, assinala uma ruptura, uma
falta no eu pensante que não pode subsistir sem pensar somente em
si mesmo.
Pode-se perceber em Descartes dois modos distintos de
existência: o primeiro se resume naquele instante em que o eu pensa
O Eu e a existência em Pascal 169
idéia para ser como que a marca do operário impressa em sua obra”
(Descartes, 1973, p. 120).
Embora o eu que pensa, absorto em si mesmo, experimenta
a si sem sucessão, para existir no interior do tempo, necessita do
Deus criador. Posto ser criatura e, portanto, necessitar daquele que É
para ser ou existir, o eu é contingente. Mas essa contingência,
Descartes a estende no instante da criação. Neste momento Deus
assinala sua criatura com a idéia de perfeição/infinitude: única via
de acesso a ele. Ora, sendo Deus perfeito/infinito, de uma infinitude
atual, uma vez que é perfeito, somente ele é necessário, eterno e
infinito, ou melhor: sendo Deus o que é, Ele existe necessariamente.
O eu que começa sua trajetória na solidão da escolha de
duvidar; que num primeiro momento descobre o seu ser na solidão
do pensar a si e somente a si, descobre-se, logo em seguida, devido à
exigência de um tempo de contínua fluidez, que não existe sozinho
no mundo. A descoberta que o uso da razão lhe propicia é que para
ser (existir), o eu necessita daquele que É. Com efeito, o próprio ato
de pensar em si remete o eu a pensar em Deus.
Pelo simples fato de Deus me ter criado, é bastante crível que ele, de
algum modo, me tenha produzido à sua imagem e semelhança e que eu
conceba essa semelhança (na qual a idéia de Deus se acha contida) por
meio da mesma faculdade pela qual me concebo a mim próprio.
(Descartes, 1973, p. 120).
2 O eu e a existência em Pascal
Pascal começa o fragmento B.469; L. 135 dos Pensamentos
afirmando a possibilidade da não existência: “sinto que posso não
O Eu e a existência em Pascal 171
Ninguém ignora que há duas entradas por onde as opiniões são recebidas
na alma, que são suas duas principais potências, o entendimento e a
vontade. A mais natural é a do entendimento, pois não se deveria jamais
consentir senão às verdades demonstradas; mas a mais comum, embora
contra a natureza, é a vontade ... Eu não falo aqui das verdades divinas ...,
pois elas estão infinitamente acima da natureza: Deus somente pode pô-
las na alma, e pelo modo que o agrada ... Falo, pois, apenas das verdades
do nosso alcance; e é delas que digo que o espírito e o coração são como
portas por onde elas são recebidas na alma, mas que bem poucos
encontram pelo espírito, enquanto elas lá são introduzidas em multidão
pelos caprichos temerários da vontade, sem o conselho do raciocínio.
(Pascal, 1963, p. 355).
Referências
DESCARTES, R. Meditações Metafísicas. São Paulo: Abril
Cultural, 1973.
MICHON, H. L’ordre du coeur: philosophie, théologie et mystique
dans les Pensées de Pascal. Paris: Honoré Champion, 1996.
PASCAL, B. Oeuvres complètes. Organização por Louis Lafuma.
Paris: Seuil, 1963.
_______. Pensamentos. São Paulo: Nova Cultural, 1988. (Os
Pensadores).
_______. Pensamentos. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
SELLIER, P. Pascal et Saint Augustin. Paris: A. Colin, 1970.
Pascal e Camus: o pensamento dos limites
Emanuel R. Germano *
Abstract: Both Pascal and Camus dared to think about the limits of men during
historical moments of hegemony of rationalism. Their inquiries lead us to the
contestation of important philosophical concepts, such as reason, justice and
history, casting a serious suspicion on the foundations of Western civilization. In
both authors, there is an implacable critique of the rationalist aspirations and a
concern regarding the predicaments and frustrations resulted from the choices of
modernity.
Keywords: Absurdity, Finiteness, Force, Inquiry, Limit
*
Doutorando em Filosofia pela USP, ex-aluno da ENS (École Normale Supérieure
de Paris), bolsista CNPq e bolsista Fapesp. E-mail: Emanuel.Germano@ens.fr.
Artigo recebido em 27.07.2007 e aprovado em 17.12.2007.
1
(L.199-Br.72). As citações dos Pensées de Pascal, tais como esta, retirada do
fragmento Desproporção do Homem serão identificadas pelas numerações, entre
parêntesis, definidas pelas edições Lafuma e Brunschvicg respectivamente.
2
“Certo homem é arremessado pela tempestade numa ilha desconhecida, onde os
habitantes se esforçavam para encontrar o seu rei que havia desaparecido; e tendo
muita semelhança de corpo e rosto com esse rei, foi com ele confundido e, nessa
qualidade foi reconhecido por todo povo.” Trois Discours sur la condition des
grands in Pascal Œuvres Complètes in Seuil, Intégrale, p. 366-8.
Pascal e Camus: o pensamento dos limites 181
Vós não imaginais que seja por mero acaso que possuís as riquezas pelas
quais vós vos encontrais senhor, tal aquele pelo qual este homem se viu
rei. Não imagineis que o acaso que vos fez possuidor de todas as vossas
riquezas seja menor do que aquele que fez deste homem rei. Tanto como
ele, na sua pretensa realeza, não tendes direito algum por vós próprio ou
por vosso nascimento: e foi uma infinidade de acasos que não só vos fez
um filho de um duque, como até mesmo vir a este mundo. 3
3
Pascal, Trois Discours sur la condition des grands, p. 366.
Pascal e Camus: o pensamento dos limites 183
4
(L.532-Br.373) “Escreverei meus pensamentos sem ordem, não talvez em uma
confusão sem objetivo: esta é a verdadeira ordem, que marcará sempre meu fim
pela própria desordem.”
5
Camus, A . Carnets II. p. 337.
184 Emanuel R. Germano
6
Sartre, J-P. Situações, I, p. 88-89.
186 Emanuel R. Germano
... não tendes direito algum por vós próprio ou por vosso nascimento: e
foi uma infinidade de acasos que não só vos fez um filho de um duque,
como até mesmo vir a este mundo. Vosso nascimento dependeu de um
casamento, ou mais, de todos os casamentos daqueles de quem
descendeis? E de que eles dependeram? De uma visita feita
Pascal e Camus: o pensamento dos limites 187
Imaginais também que seja por alguma lei natural que tais bens
reverteram dos antepassados para vosso usufruto? Isto não é verdadeiro.
Esta ordem não é fundada senão sobre a vontade dos legisladores que
puderam ter boas razões, mas que nenhuma guarda qualquer direito natural
que teríeis sobre tais coisas ... Assim todo o título pelos quais vós possuís
vossos bens, não é um rótulo da natureza, mas de um estabelecimento
humano. 8
7
Pascal, B. Trois Discours sur la condition des grands, p. 366.
8
idem, 366.
9
(L. Papiers classés/Section I, Vanité/II), Br.82).
10
(L.48-Br.366)
11
(L.67-Br.177).
12
(L. Papiers classés/Section I, Divertissement VII), Br.139).
13
(L. Papiers classés/Section I, Vanité/II), Br.82).
14
(L.61-Br.309).
188 Emanuel R. Germano
15
(L.95-Br.316).
16
Estas duas expressões – a misè-en-scéne e a reflexão – são indissociáveis em
Pascal e, aliás, também em Camus.
Pascal e Camus: o pensamento dos limites 189
17
Lembremos que, no caso brasileiro, em pleno século XX, é o limite entre o
“asfalto” e a “favela” que determina a “justiça” ou a “injustiça” da aniquilação de
um “outro”.
190 Emanuel R. Germano
18
(L.59-Br.296) “Quando a questão é julgar se se deve fazer guerra e matar tantos
espanhóis à morte, um só homem é juiz disso, e além do mais interessado...”
Pascal e Camus: o pensamento dos limites 191
19
Pascal, B. Trois Discours sur la condition des Grands, p. 368.
192 Emanuel R. Germano
Opiniões sadias do povo – O maior dos males são as guerras civis. O mal
que se há de temer de um tolo, que sucede por direito de nascimento, não
é tão grande nem tão certo. (L.94-Br.313).
É o filho do mais velho do rei. Isso é claro, a razão não pode fazer
melhor, pois a guerra civil é o maior dos males. (L.977-Br320) 20
20
“As coisas mais desarrazoadas do mundo tornam-se as mais razoáveis por causa
do desregramento dos homens. Que há de mais de menos razoável do que escolher
para governar um Estado o primeiro filho de uma rainha? Não se escolhe, para
governar um barco, aquele, entre os viajantes, quem é de casa melhor(meilleur
maison): seria uma lei ridícula e injusta.. Mas, por que são e serão sempre
escolhidos assim, ela se torna razoável e justa; pois quem se escolherá?O mais
virtuoso e o mais hábil? Eis-nos embaraçados: cada um pretende ser o mais
virtuoso e o mais hábil. Liguemos, pois, essa qualidade a algo incontestavel. É o
filho...” (L.977-Br320) Lembremos que a revolta moraliste se exprime nesta
mordacidade e ironia lúcidas: a ironia é a expressão da reserva de consciência –
expressão da liberdade pascaliana em relação às engrenagens de seu tempo.
Pascal e Camus: o pensamento dos limites 193
(L.159-Br.204) Se se deve dar oito dias de vida, deve-se dar cem anos.
21
Considero os mecanismos de reconhecimento da alteridade parte deste esforço de
“preservação” da vida. Assim, todos os fragmentos relacionados ao olhar, e
também os fragmentos nos quais se opera o renversement continuel du pour au
countre estão, a meu ver, envolvidos na elaboração de um método de
reconhecimento do outro em sua singularidade perspectiva. É o próprio conceio
de verdade que é implodido pelo esforço pascaliano de pensar a política como o
embate não somente entre óticas contrárias, mas entre verdades contrárias.
194 Emanuel R. Germano
22
Sobre a incorporação da indeterminação nas reflexões científicas e filosóficas
recomendamos a leitura de artigo de minha autoria publicado nos Cadernos de
Ética e Filosofia Política: Acaso e o jogo no pensamento de Pascal. Está no prelo
pela Humanitas outra publicação de mais fôlego que associa epistemologia e
política pascaliana, A dimensão ética da incerteza: ciência e poder em Pascal.
23
Camus, A. Le siècle de la peur. Combat in Camus à Combat, p. 609.
Pascal e Camus: o pensamento dos limites 195
Sufocamos entre pessoas que crêem ter absolutamente razão, seja em suas
máquinas, seja em suas idéias. 26
que se reconheça o direito deste ou daquele afirmar sua verdade, mas que
se recusem de impô-la pelo assassinato, seja individual, seja coletivo. 27
24
Idem.
25
Camus, A. L´Éxil d´Helène In Essais, p. 854.
26
Camus, A. Le siècle de la peur. Combat in Camus à Combat, p. 611.
27
Idem. p. 612.
28
Idem. p. 612.
196 Emanuel R. Germano
29
Camus, A. L´Homme Révolté. In Essais, p. 697.
30
Camus, A. L´Homme Révolté, p. 697.
31
“Trata-se, a bem da verdade, de uma transcendência que poderíamos chamar
horizontal em oposição a transcendência vertical que é a de Deus ou das essências
platônicas.” Camus, A. Remarques sur la Révolte. In Essais, p, 1683.
Pascal e Camus: o pensamento dos limites 197
32
Camus, A. L´Homme Révolté. p. 700.
33
O fundamento transcendental da moral criticado por Camus possui duas
roupagens: o sacrifício do homem concreto pelo conceito abstrato e absoluto de
virtude ou de Verdade. E o extermínio do homem presente em virtude do
nascimento da sociedade futura. Em Camus o fundamento moral é a natureza
humana, isto é a vida humana contingente.
34
Camus, A. L´Homme Révolté, p. 706.
35
Camus, A. L´Homme Révolté, p. 706.
198 Emanuel R. Germano
36
Camus, A. L´Homme Révolté. p. 614.
37
Melançom, M. Albert Camus – analyse de sa pensée, p. 148.
38
Camus, A. Défense de l´Homme Révolté, p, 1709.
39
Camus, A., L’Exil d’Helène in l’Été. Essais, p. 854.
Pascal e Camus: o pensamento dos limites 199
40
Camus, A. Noces à Tipasa in Noces… Œuvres Complètes, p. 110. Notar as
análises de Máttei-Amiot. Albert Camus et la philosophie. PUF, 1993.
200 Emanuel R. Germano
aprendi a modéstia. Digo somente que existem sobre esta terra pestes
(fléaux) e vítimas e que é necessário, tanto quanto possível, recusar de
compactuar com a peste ... Por isto decidi me colocar do lado das vítimas,
de todo modo, para limitar os danos. 41
Este universo sem dono adiante não lhe parece nem estéril, nem fútil.
Cada um dos grãos desta pedra, cada fragmento mineral desta montanha
repleta de noite, formam por si sós um mundo. A luta para chegar aos
cumes basta para preencher um coração de homem. É preciso imaginar
Sísifo feliz. 42
Se a revolta pudesse fundar uma filosofia .... seria uma filosofia dos limites,
da ignorância calculada e do risco. Aquele não pode tudo saber, não pode
tudo matar. 43
Referências
CAMUS, A. Œuvres Complètes, I e II. Paris: Gallimard, 2006.
CAMUS, A. Essais. Paris: Gallimard, 1965.
CAMUS, A. Noces à Tipasa, in Noces. Œuvres Complètes, I. Paris:
Gallimard, 2006.
CAMUS, A.L’Exil d’Helène in l’Été. Essais. Paris: Gallimard, 2006.
43
Camus, A. L´Homme Révolté. p. 693.
44
Pascal, B. Pensées.
Pascal e Camus: o pensamento dos limites 203
*
Professor do Departamento de Filosofia da Universidade Federal de Uberlândia.
E-mail: jairodiascarvalho@bol.com.br. Artigo recebido em 08.08.2007 e
aprovado em 18.12.2007.
1
Bruno, Giordano. De la cause, du principe et de l’un. Trad. Luc Hersant. Paris;
Les Belles Lictores, 1996. Doravante, abreviaremos este livro por Cause.
5
Seguimos as conclusões de Tristan Dagron no livro citado.
Giordano Bruno: o uno e o múltiplo 209
6
Dagron, op. cit. 158.
212 Jairo Dias Carvalho
determinados a um ser, a uma coisa única, mas esta coisa, este ser,
eles não o compreendem senão como um vocábulo, como um
conceito lógico, e em definitivo como alguma coisa de vão, em
seguida desde que eles tratam de física não reconhecem mais um
princípio único de realidade e de ser para tudo o que é, como eles
reconheceram um conceito e um nome comum para tudo o que é
significável e inteligível” 7 .
Para Bruno, mesmo os filósofos que tentaram resolver o
problema da unidade requerida pelo uso da analogia de proporção
recusaram de pensar o ser como Um, porque foram incapazes de
pensar a unidade como real, fazendo do ser um simples nome, uma
expressão, um conceito lógico. Assim, a univocidade lógica de
Scoto impede de pensar a natureza como primeiro princípio das
coisas naturais. Se o ser não é um gênero, ele poderia ser definido
como um predicado unívoco, que pode ser dito de todas as coisas.
Predicado comum, mas incapaz de abrir a uma comunidade real, o
ser que se diz de tudo não tem unidade senão lógica em Scoto.
Bruno aceita a necessidade levantada por Scoto de pensar uma
unidade fundamental ao uso da analogia de proporção, mas não
aceita a sua solução de pensar o ser como conceito neutro.
Bruno aceita também a concepção aristotélica de que o ser
não é um gênero, porque isso impediria o discurso físico. É preciso
renunciar à unidade do ser parmenidiano, mas não à idéia de
unidade. Nem o ser tomado como gênero, nem analogia de
proporção, nem univocidade conceitual, a univocidade em Bruno é
real.
A univocidade que permitia a Scoto fundar uma ciência una
do ser era a de um simples conceito e não autorizava a pensar
nenhuma unidade real. O conceito de ser em Scoto, termo neutro e
comum, fundava a unidade analógica, que define a prioridade da
substância sobre os outros sentidos do ser, e a prioridade do divino
sobre as criaturas e tornando possível o discurso teológico. A
unidade de univocidade, que Bruno busca, pretende tornar possível a
definição de uma ciência sem inventar nenhum princípio comum ou
7
Cause, p. 296.
Giordano Bruno: o uno e o múltiplo 215
Referências
BRUNO, G. De la cause, du principe et de l’un. Trad. Luc Hersant.
Paris: Les Belles Lettres, 1996.
DAGRON, Tristan. Unité de l’être et dialectique: L’idée de
philosophie naturelle chez Giordano Bruno. Paris: PUF, 1998.
NAMER, E. Bruno ou o universo infinito como fundamento da
filosofia moderna. Apresentação, escolha de textos, bibliografia
Emile Namer. Trad. Franco de Souza. Lisboa, 1973.
SCOTO, J. D. Sur la connaissance de Dieu et l’univocité de l’étant.
Trad. Olivier Boulnois. Paris: PUF, 1988.
VÉDRINE, H. La conception de la nature chez Giordano Bruno.
Paris: Vrin, 1967.
8
Definindo princípio como causa imanente que concorre intrinsecamente à
constituição da coisa e permanece no efeito e a causa como causa transitiva que
concorre exteriormente à produção das coisas e tem seu ser fora da composição
Bruno procede à seguinte divisão do De la cause: Segundo diálogo: 1 – definição
da filosofia natural; 2 – exame das causas naturais (eficiente, formal e final); 3-
exame dos princípios naturais, a forma; terceiro diálogo: 3 – a matéria como
princípio passivo sujeito das formas; quarto diálogo 4 – a matéria como substrato,
a matéria era potência, agora substrato. Esta nova definição conduz à unidade do
ser. 5 – Da matéria ao ser como substância divina, omniforme e una. Utilizamos o
esquema sugerido por Tristan Dagron, ver op. cit. p. 241-242.
Formação Social da “Consciência Jurídica”:
observações sobre a conexão entre intersubjetividade e
normatividade em Kant e Fichte
*
Pós-doutorando em Filosofia UNICAMP/FAPESP. E-mail:
ericklima74@hotmail.com. Artigo recebido em 30.09.2007, aprovado em
14.12.2007.
1
Os parágrafos 83 e 84 da Crítica do Juízo explicitam esta conexão (Kant, 1968, V,
423).
2
Sobre este vínculo, as duas Introduções à Crítica do Juízo.
3
Em Zum ewigen Frieden, Kant faz aquela sua célebre consideração acerca do
processo de instituição histórica do direito político, o “problema do
estabelecimento do estado (Das Problem der Staatserrichtung)”, o qual, segundo
ele, consistindo no ordenamento de uma multidão de arbitria libera, requer
apenas que os eventuais “demônios” sejam dotados de razão instrumental (Kant,
1968, VIII, 366), isto é, adotem a máxima de convivência pacífica numa intenção
pragmática de autoconservação. Com isso, tal problema é inserido na coerência
físico-teleológica da natureza.
Formação Social da “Consciência Jurídica 223
4
Refiro-me a uma acepção diferenciada dos termos moral, direito e ética, bem
como de sua relação a conceitos como os de moralidade, moralização e legalidade
(Lima, 2005).
5
Para Habermas, a ameaça de desintegração social se intensifica na medida em que
as sociedades se tornam mais complexas e passam a abrigar sistemas que operam
pela orientação estratégica do agir e cujo amortecimento normativo se torna
problemático. Assim, o direito positivo moderno, baseado no conceito de esferas
subjetivas de liberdade de ação, revela sua potência estabilizadora, na medida em
que tangencia tanto as “idealizações” vinculadas à capacidade normativa auto-
organizatória das comunidades jurídicas, como também a liberação dos indivíduos
para a persecução estratégica de seus interesses no quadro delineado por preceitos
224 Erick Calheiros de Lima
7
No final da Einleitung, Kant chega a uma divisão do ponto de vista subjetivo dos
obrigantes e dos obrigados e estabelece que somente existe (adest) relação real
entre direito e dever (ein reales Verhältnis zwischen Recht und Pflicht) como
“relação do homem com seres que têm direitos e deveres ... porque é uma relação
de ser humano a ser humano.” (Kant, 1968, VI, 241).
8
Sobre a “faculdade moral de obrigar”, indicamos a excelente leitura de W.
Kersting, que mostra como ela promove o desdobramento da intrasubjetividade
ética em intersubjetividade jurídica. A relação jurídica fundamental toma a feição
de uma obrigação exterior na qual sujeito e objeto possuem posições jurídicas
complementares de obrigado e obrigante. O direito subjetivamente considerado, a
faculdade moral de obrigar, implica formas concretas de intersubjetividade
(Kersting, 1993).
Formação Social da “Consciência Jurídica 227
9
Atente-se à distinção entre Naturrecht e natürliches Recht. O primeiro é, para
Kant, o direito fundado em princípios totalmente a priori ou em leis naturais; o
natürliches Recht se refere ao direito privado ou ao direito em estado de natureza,
isto é, em abstração de uma constituição civil real (Kant, 1968, VI, 242).
Formação Social da “Consciência Jurídica 229
10
“O fundamento de validade (der Grund der Gültigkeit) deste conceito de posse
(possessio noumenon), condição de uma legislação universalmente válida,
consiste precisamente no fato de a razão prática exigir absolutamente que ... a
posse se conceba segundo um conceito intelectual e não segundo um conceito
empírico ... toda uma legislação universal está contida nestas palavras: “Este
objeto exterior é meu”, porque todos os outros homens ficam por este fato
obrigados a não se servirem desse objeto” (Kant, 1968, VI, 253).
Formação Social da “Consciência Jurídica 231
11
Ignorando o momento intersubjetivo envolvido na reivindicação proto-jurídica da
posse, Kant diz: “A maneira de ter alguma coisa exterior como minha é, pois, a
relação puramente jurídica da vontade do sujeito com este objeto,
independentemente das relações da pessoa com a coisa no espaço e no tempo”
(Kant, 1968, VI, 254).
12
A recíproca implicação idade entre as noções de direito público, de estado civil e
de constituição (Kant, 1968, VI, 311).
232 Erick Calheiros de Lima
Quando declaro ... que uma coisa exterior seja minha, advirto ipso facto a
todos que devem respeitar o objeto de meu arbítrio – obrigação que
ninguém teria sem este ato jurídico de minha parte. Porém, essa pretensão
(Anmaßung) implica ao mesmo tempo no reconhecimento da obrigação
em que reciprocamente me encontro de me abster da coisa exterior dos
demais; porque esta obrigação resulta de uma regra geral da relação
jurídica exterior (Kant, 1968, VI, 255/256).
13
“A única vontade capaz de obrigar a todos é, portanto, a que pode dar garantias a
todos, a vontade coletiva geral (comum), a vontade onipotente de todos ... o
estado do homem sob uma legislação geral exterior ... é o estado civil. O Meu e o
Formação Social da “Consciência Jurídica 233
Teu exterior não podem, pois, ocorrer senão neste estado” (Kant, 1968, VI,
255/256).
234 Erick Calheiros de Lima
14
“... antes da constituição civil (ou abstração feita desta constituição), deve ser
contemplado como possível um Meu e Teu exterior, como também o direito de
obrigar a todos aqueles com quem podemos ter questão, de qualquer maneira que
seja, a formar conosco uma constituição que possa assegurar o Meu e o Teu”
(Kant, 1968, VI, 257).
15
A idéia de que há um progressivo desenvolvimento das estruturas de
racionalidade é apresentada, muitas vezes, de maneira implícita. “Se não houvesse
Meu e Teu exterior no estado natural, ao menos provisoriamente, não haveria
nenhum dever de direito sob esta relação, nem, portanto, nenhuma obrigação de
sair desse estado” (Kant, 1968, VI, 312).
Formação Social da “Consciência Jurídica 235
16
“...não por isto o estado natural deveria ser um estado de injustiça (injustus), no
qual os homens unicamente se tratassem segundo a medida exclusiva de suas
forças; porém, é ao menos um estado de justiça negativa (status justitiae vacuus),
no qual, se o direito fosse controvertido, não haveria juiz competente para ditar
uma sentença legítima em virtude da qual cada um pudesse obrigar a outro a sair
desse estado de guerra e fazê-lo entrar num estado jurídico.” (Kant, 1968, VI, 312)
17
“É preciso sair do estado natural ... e por conseguinte entrar num estado em que
tudo o que deve ser reconhecido como o Seu de cada qual é ... atribuído a cada um
por um poder suficiente, que não é o do indivíduo e sim um poder exterior” (Kant,
1968, VI, 312).
18
“Eis, pois, um contrato originário (ein ursprünglicher Contract) ... é uma simples
idéia da razão, a qual tem no entanto uma realidade (prática) indubitável: a saber,
obriga todo legislador a fornecer as suas leis como se elas pudessem emanar da
236 Erick Calheiros de Lima
vontade coletiva de um povo inteiro ... É esta, com efeito, a pedra de toque da
legitimidade de toda a lei pública” (Kant, 1968, VII, 297).
19
“Do direito privado no estado natural resulta um postulado de direito público: ´Tu
deves juntamente com os demais, na relação de tua coexistência inevitável, sair do
estado natural para entrar em um estado de direito, isto é, estado de uma justiça
distributiva. A razão pode ser deduzida analiticamente da noção de direito nas
relações exteriores por oposição à violência (violentia)” (Kant, 1968, VI, 312).
Formação Social da “Consciência Jurídica 237
20
Ao examinar a fundamentação intersubjetiva da consciência individual em Fichte
(no § 3 do Naturrecht), Honneth considera que ele tenha inaugurado a “vertente
Formação Social da “Consciência Jurídica 239
seu princípio moral: eu devo agir de tal modo que minha maneira de
agir possa se tornar lei para todo ser racional. Mas aí eu preciso já
supor seres racionais fora de mim, pois como eu pretenderia de outra
maneira relacionar tal lei a eles ?” (Fichte, 1994, IV, 142).
Também a argumentação dos §§1-2 de sua Grundlage des
Naturrechts funciona como preâmbulo para a consideração da
intersubjetividade como condição da autoconsciência efetiva. Em
uma carta a Jacobi 23 , Fichte distingue claramente dois momentos da
dedução da individualidade: a dedução do mundo de coisas sobre as
quais o sujeito tem causalidade, e a dedução de seres racionais
finitos, que dividem necessariamente a esfera objetiva com o sujeito,
mas que estão com esse em relação de interação.
A perspectiva intersubjetiva do reconhecimento recíproco
fornece até uma primorosa exemplificação para o lapso, criado pelo
deslocamento da Wissenschaftslehre em relação à auto-compreensão
originária da subjetividade absoluta, entre a consciência comum a
ser analisada e o ponto de vista da especulação, isto é, entre o sujeito
finito e individualizado e o filósofo que explica os modos-de-ação
(Handlungsweisen) por meio dos quais a consciência individual
chega à compreensão de sua subjetividade 24 . E nisto consistiria a
melhor resposta de Fichte à pressuposição injustificada de Kant
acerca da intersubjetividade como “dado incontornável”. O ponto de
vista especulativo do filósofo idealista leva a desvendar o mistério
de uma relação que se atribui comumente ao hábito. Esta relação é
deduzida em sua racionalidade e segundo os seus processos
23
“O indivíduo tem de ser deduzido a partir do eu absoluto. Para isso, a doutrina-
da-ciência vai avançar, sem hesitação, para o direito natural. Um ser finito –
deixa-se demonstrar por uma dedução – só pode pensar a si mesmo como ser
sensível numa esfera de seres sensíveis, dos quais, sobre uma parte (que não são
capazes de iniciar) ele tem causalidade, e com outra parte (à qual ele transfere o
conceito de sujeito) ele está em interação; e nesta medida se chama indivíduo”
(Fichte, 1970, 392).
24
“A natureza decidiu já há tempos esta questão. Não há, decerto, nenhum ser
humano que, ao avistar pela primeira vez um ser humano ... não contaria antes e
imediatamente com comunicação recíproca (wechselseitige Mitteilung)” (Fichte,
1971, 81).
Formação Social da “Consciência Jurídica 241
Apenas não se queira ... acreditar em que o ser humano tenha primeiro de
empregar aquele longo e extenuante raciocínio que nós conduzimos ...
Aquele reconhecimento acontece ou de maneira nenhuma, ou ele se
consuma num instante, sem que se torne consciente dos fundamentos.
Somente ao filósofo cabe prestar contas acerca do mesmo (Fichte, 1971,
81).
25
Fichte denomina o corpo articulado (artikulierter Körper), enquanto esfera
exclusiva da liberdade da pessoa, Leib (Fichte, 1971, 59).
Formação Social da “Consciência Jurídica 243
Cada qual pôs também o corpo do outro como matéria, como matéria
modelável (als bildsame Materie), de acordo com o conceito ... Cada um
pode, portanto, subsumir o corpo do outro àquele conceito ... pensar-se a
si mesmo como o modificando através da força física (Fichte, 1971, 86).
Não se deixa indicar nenhum fundamento absoluto por que o ser racional
deveria ser conseqüente e, de acordo com isso, dar a si mesmo a lei que
foi mostrada. Talvez seja possível aludir a um fundamento hipotético para
isso ... se uma comunidade absoluta entre pessoas como tais deve ter
lugar, cada membro de uma tal comunidade teria de dar a si mesmo a lei
acima (Fichte, 1971, 87).
27
Sobre este direcionamento dado por Fichte à sua “doutrina-do-direito”: “...Já que
nós ensinamos um direito natural real e não meramente formal, trata-se somente
da pergunta se e como este limite na aplicação pode ser encontrado e
determinado” (Fichte, 1971, 96/97).
248 Erick Calheiros de Lima
6 À guisa de conclusão
O intento maior deste trabalho foi investigar a relação entre
normatividade e intersubjetividade, tomando como horizonte
temático as filosofias do direito de Kant e Fichte. Neste itinerário,
terminamos por percorrer um arco que, retrospectivamente, pode
parecer um tanto aporético. Porém, além do fato de que a ausência
de um resultado genuinamente positivo, daqueles que poderiam se
prestar à fundamentação de uma doutrina, não ser completamente
negativo, em vista do aprofundamento da questão pela investigação,
o caminho proposto tinha a intenção de levantar questões ligadas ao
delineamento das fontes de solidariedade social a partir de
pensadores clássicos da filosofia do direito. É verdade que, se o
registro da filosofia do direito adotado não deixa penetrar
28
Sobre como Fichte é conduzido, na Sittenlehre, a uma hipóstase ética da
intersubjetividade pela absorção da doutrina leibniziana da harmonia
preestabelecida: (Baumanns, 1972), (Düsing, 1986), (Hösle, 1992).
Formação Social da “Consciência Jurídica 249
Referências
BARTUSCHAT,W. 1992. Zur Deduktion des Rechts aus der
Vernunft bei Kant und Fichte. In: KAHLO, M. – Fichtes Lehre
vomRechtsverhältnis. Frankfurt am Main: Klostermann.
250 Erick Calheiros de Lima
*
Professora do Departamento de Filosofia da UFRN. E-mail:
fernandabulhoes@hotmail.com. Artigo recebido em 30.09.2007, aprovado em
19.12.2007.
1
Nietzsche, F. “Introdução teorética sobre verdade e mentira no sentido extra-
moral”. Usaremos a sigla VM para indicar esse escrito póstumo de 1873.
2
Nietzsche, F. “O último filósofo. Considerações sobre o conflito entre arte e
conhecimento” (outono-inverno de 1872). F. UF, in LF, § 54, p. 16. Usaremos a
sigla UF para indicar esse escrito póstumo de 1872.
3
VM.
4
UF, § 54, p. 16.
5
Ibidem, § 60, p. 19.
6
Nietzsche. A filosofia na época trágica dos gregos. § III. Usaremos a sigla FETG
para indicar esse escrito póstumo de 1873.
7
UF, § 63, p. 20, 21.
Como diria Nietzsche, pensar é ... uma atividade criativa 255
8
Ibidem, § 63, p. 20.
9
Ibidem, § 67, p. 23.
10
Ibidem, § 64, p. 21.
11
Ibidem, § 55, p. 17.
256 Fernanda Machado de Bulhões
12
Muricy, Kátia. “A arte do estilo”. In Assim falou Nietzsche III. Para uma filosofia
do futuro, 2001. p. 86–87.
Como diria Nietzsche, pensar é ... uma atividade criativa 257
13
Nietzsche, Curso sobre a retórica, in Da retórica, 1995. Esses Cursos foram
proferidos por Nietzsche entre 1872 e 1874.
14
VM.
258 Fernanda Machado de Bulhões
16
FETG, § IX.
17
UF, § 152, p. 51.
18
Ibidem, § 150, p. 50.
19
Ibidem, § 140, p. 45.
260 Fernanda Machado de Bulhões
Referências
NIETZSCHE, Friedrich. “A filosofia na época trágica dos gregos”.
(1873). Trad. Rubens Torres Filho. In Os Pensadores, volume Os
Pré-socráticos. São Paulo: Ed. Abril S.A, 1973.
_______. “O último filósofo. Considerações sobre o conflito entre
arte e conhecimento” (outono-inverno de 1872). Trad. Rubens
Eduardo Ferreira Frias. In O livro do filósofo. São Paulo: Centauro,
2001.
_______. “Introdução teorética sobre verdade e mentira no sentido
extra-moral” (verão de 1873). Trad. de Rubens Torres Filho. In Os
Pensadores, volume Nietzsche. São Paulo: Abril Cultural, 1983.
_______. “Curso sobre a retórica”. In Da retórica. Trad. de Tito
Cardoso e Cunha, Coleção Passagens. Lisboa: Editora Veja, 1995.
MURICY, Kátia. “A arte do estilo”. In Assim falou Nietzsche III.
Para uma filosofia do futuro. Org.: Charles Feitosa, Marco Antonio
Casanova, Miguel Angel de Barrenechea, Rosa Dias. Rio de Janeiro:
7 Letras, 2001.
TRADUÇÃO
Apresentação
Paul Thagard 2
Tradução:
Marcos Rodrigues da Silva e Miriam Giro
1
Este artigo é uma tradução de “The Conceptual Structure of The Chemical
Revolution”, publicado originalmente em Philosophy of Science, número 57, p.
183-209, 1990. Todos os direitos do artigo pertencem à revista Philosophy of
Science, editada pela University of Chicago Press. O copyright do artigo original é
de 1990, da Philosophy of Science Association. Os tradutores agradecem a Paul
Thagard e a Philosophy of Science a permissão para esta tradução. [NT.]
2
Sou grato a Susan Brison, Lindley Darden, Phillip Johnson-Laird, Trevor Levere,
Michael Mahoney e a dois referées anônimos pelos comentários valiosos. As
conversas com Nancy Nersessian, Gregory Nowak e Michael Ranney foram
igualmente muito úteis.
1774, ele possuía muito mais evidências de que isto era verdadeiro,
mas ainda não era muito claro se era o ar ou uma parte do ar que se
combinava. Por volta de 1777, ele sabia que uma porção
eminentemente respirável do ar era responsável pela combinação
com os metais, e por volta dos anos de 1780 ele tinha imaginado o ar
como um elemento que constituía parte da atmosfera. Nesta época,
ele abandonou algumas idéias vagas acerca da relevância do ar para
a calcinação e para a combustão (1772, 1774) em favor de uma
hipótese que ele claramente percebia como uma rival à teoria do
flogisto (1777), ou seja: em favor de uma teoria bem acabada que
tornava dispensável a teoria do flogisto (1783). Eu tentarei agora
esboçar uma teoria da mudança conceitual que possa explicar
transformações como estas.
COMPONENTES DE INFERÊNCIA
Se A e B reagem para formar C,
ou se C se decompõe em A e B,
então se infere que C é composto de A e B.
PRINCÍPIO DE INFERÊNCIA
Se A tem uma característica importante C,
então A contém um princípio P que é responsável por C.
Referências
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BRACHMAN. R., and LEVESQUE. H. (eds.) (1985), Radings in
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MA: Bradford Books/MIT Press.
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University Press, p. 62-91.
A estrutura conceitual da revolução química 301
Tassos Lycurgo *
*
Professora do Departamento de Ciências Exatas da Universidade Estadual do
Sudoeste da Bahia e Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Educação,
UFRN.
Glenn W. Erickson *
*
Professor titular do Departamento de Filosofia da UFRN. E-mail:
ericksons@ufrnet.br.
Ivanaldo Santos *
*
Professor do Departamento de Filosofia da UERN. E-mail:
ivanaldosantos@yahoo.com..br.
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