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- falar que a matéria prima que a natura trabalha é esgotável e esta sujeita

restrições ambientais no futuro.


- a natura esta querendo vender em free shop, mas isso pode ir contra a sua
competência que é venda direta e pode "enfurecer" as consultoras.

- ate quando a natura consegue manter o seu processo de inovação


- ate que ponto a natura realmente consegue passar para todos (consultoras e
funcionários) os seus.

O projeto Manhattan

A marca da mudança na Natura recebeu o nome de Ekos do grego oikos (nossa


casa), do tupi-guarani ekó (vida) e do latim echo (tudo o que tem ressonância).
Durante 30 anos, a empresa viveu um ciclo de notável expansão. Por duas
décadas, a média de crescimento anual da Natura manteve-se na faixa dos 30%.
Um exército de mais de 200 000 revendedoras distribuía seus produtos em quase
todos os pontos do país e seu logotipo carregava uma imagem de qualidade e
inovação. No final dos anos 90, porém, ficou claro para seus executivos que esse
ciclo estava se esgotando. Em 1999, as vendas atingiram 392,7 milhões de
dólares, uma queda de 8,5% em relação ao período anterior. E o lucro iniciaria
uma curva decrescente que só se inverteria dois anos depois (veja quadro na pág.
36). As tentativas de internacionalização da marca também haviam dado em
quase nada. (Atualmente, as vendas em países sul-americanos como Argentina,
Chile, Peru e Bolívia representam apenas 3% dos negócios.) Esse quadro
somou-se à necessidade cada vez maior de inovação por parte da indústria
cosmética. Para satisfazer a vaidade e conviver com a volatilidade de suas
consumidoras, a Avon, maior empresa mundial do setor, investe 100 milhões
de dólares ao ano em desenvolvimento tecnológico. A cada 12 meses, para
continuar respirando, a Natura precisa colocar no mercado pelo menos 50
novos produtos. As perguntas, portanto, para Seabra, Leal e Passos eram:
como garantir o crescimento e a sobrevivência no longo prazo? Como dar
início a um ciclo de expansão? "Queríamos e precisávamos inovar nos produtos
e na abordagem do consumidor", diz Leal. Aos 52 anos, ele é a mente estratégica
da Natura. "Olhamos para a nossa vocação original e enxergamos nela o uso
sustentável da biodiversidade brasileira", diz. "Poucas empresas teriam tanta
legitimidade para usá-la quanto a Natura." No início de 1999, a Natura despachou
um grupo de funcionários para Nova York a fim de formular as premissas de uma
nova linha de produtos mais barata e que pudesse ser usada diariamente pelos
consumidores. "Estávamos no Central Park, conversando sobre o projeto, quando
ele começou a tomar forma", diz Elizabeth Pereira, líder da unidade de negócios
Ekos. "Antes de voltarmos ao Brasil, ficou claro que o que estávamos propondo
era alguma coisa sem precedentes, uma operação pioneira." O projeto Manhattan
(nome original do Ekos e homônimo do programa americano de fabricação da
bomba atômica, nos anos 40) definia três pilares para a nova linha: uso de
ativos brasileiros, sustentabilidade ambiental e social da operação e
aproveitamento das tradições populares. Eles teriam de perpassar todo o
processo da compra de matérias-primas em comunidades, que iriam dos índios
do Xingu aos ribeirinhos da Amazônia, até o tipo de publicidade utilizada. A
estratégia teria início com o lançamento de uma linha de produtos, abriria as
portas dos grandes mercados da Europa e dos Estados Unidos e, com o tempo,
seria agregada a toda a produção da Natura. Meses depois, a empresa deu o
primeiro grande passo nessa direção. Comprou, por cerca de 20 milhões de reais,
a Flora Medicinal, criada em 1912 no Rio de Janeiro pelo médico e pesquisador
José Ribeiro Monteiro da Silva. Graças às pesquisas pioneiras feitas por Monteiro
da Silva com mateiros, donas-de-casa e caboclos embrenhados nas matas, a
Flora Medicinal detém um acervo de pesquisas com mais de 280 plantas
brasileiras e uma linha de 300 produtos já desenvolvidos. Com a aquisição, a
Natura ganhava uma vantagem de pelo menos 87 anos sobre seus rivais. "Os
concorrentes até poderiam copiar o produto e alguns já estão tentando fazer
isso", diz Elizabeth. "Mas dificilmente conseguiriam reproduzir o processo de
execução. Nós teríamos histórias para contar ao mercado. Eles, não." Tal
processo depende da costura de uma rede de relacionamentos empresariais que
vai além do triângulo fornecedor-empresa-cliente e que por isso depende de novas
competências gerenciais. Há dois anos, a Natura passou a pesquisar quais
ingredientes da botânica nacional poderiam compor a linha Ekos, em quais
comunidades poderiam ser encontrados e de que forma estavam sendo tirados da
natureza. Três dos seis biomas brasileiros foram escolhidos para ser trabalhados
de forma prioritária: Amazônia, mata Atlântica e Cerrado. Nessa garimpagem, a
empresa chegou a um antigo assentamento de sem-terras produtores de cupuaçu
em Nova Califórnia, no Acre. A colhedores de buriti no interior do Piauí. A
extrativistas de erva-mate em Santa Catarina. Tudo a milhares de quilômetros de
sua sede branca e perfumada, em Cajamar, na Grande São Paulo. A maioria dos
líderes dessas comunidades ignora o que seja um fluxo de caixa ou os conceitos
de agregação de valor e de formação de preços. Há interesses imediatos
conseguir um preço melhor pela matéria-prima, garantir maiores volumes de
vendas, convencer seus compradores a doar recursos para a construção de uma
nova escola ou de um posto de saúde. Em outubro do ano passado, durante uma
de suas visitas a Iratapuru, a agrônoma Hélène ouviu as queixas do líder dos
castanheiros em relação ao preço pago pela gasolina utilizada nos barcos que os
levam até as reservas. Isso acabava encarecendo o produto vendido. A Natura, a
princípio, poderia aceitar arcar com o custo. Mas Hélène preferiu sugerir aos
castanheiros que optassem por um motor a diesel e iniciar negociações com o
governo local para a instalação de trilhos por onde a produção pudesse ser
escoada. São conceitos básicos da organização empresarial. E eles precisariam
ser ensinados a cada uma das comunidades parceiras como forma de garantir a
sustentabilidade, reduzir custos e aumentar a produtividade. Tais laços também
seriam uma maneira de erguer uma barreira invisível à entrada de concorrentes.
"É uma forma de conseguir exclusividade de algo que, por definição, não é
exclusivo: os recursos oferecidos pela natureza", diz Renata Bochi, diretora da
área de bens de consumo e varejo do Boston Consulting Group (BCG). Para a
Natura, estabelecer sozinha essas relações é difícil, arriscado, improdutivo e,
acima de tudo, vai muito além dos propósitos de seu negócio e de suas
competências. "Não vendemos consciência social e ambiental", diz Leal.
"Vendemos cosméticos, que devem ser desejados e aceitos pelo mercado." Uma
grande rede passou então a ser montada. Organizações não governamentais,
como a Imaflora, representante no Brasil do Forest Stewardship Council, entidade
internacional que promove e certifica o manejo sustentável de florestas, e o
Instituto Socioambiental, dedicado ao trabalho com comunidades tradicionais,
tornaram-se parceiras. Nos próximos dois anos, todos os grupos que fornecem
ativos da biodiversidade para a Natura terão de contar com a certificação da
Imaflora selo que funciona como uma espécie de passaporte verde para o
mercado internacional e que ajuda a proteger a companhia das críticas dos
ativistas verdes. Cerca de dez universidades e centros de pesquisa espalhados
pelo país estão atualmente envolvidos em pesquisas de plantas que, um dia,
poderão compor a fórmula de cremes, xampus e sabonetes da empresa. Um
projeto, batizado de Campus, vai incentivar a produção acadêmica voltada para o
uso da biodiversidade brasileira na cosmética. Esses cientistas também ajudarão
a capacitar as comunidades fornecedoras, ensinando como promover o manejo
sustentável e, ao mesmo tempo, como garantir qualidade, custos razoáveis e
algum volume de produção. "Até dois anos atrás, essas eram questões que
estavam muito distante da nossa realidade", diz Eduardo Luppi, diretor de
pesquisa e desenvolvimento da Natura. "Estamos entrando num terreno estranho,
e isso é complicado." A Ekos começou utilizando ingredientes da biodiversidade
de uso já conhecido na produção de cosméticos. A partir de agora, para sustentar
a linha no médio e longo prazos, será preciso descobrir, pesquisar e desenvolver
ativos completamente novos. Se a rede de conhecimentos gerados nas
comunidades e nas universidades não funcionar, será como procurar agulhas em
palheiros. Na área de inovação da empresa há hoje 43 projetos na linha da
biodiversidade. Metade do investimento de 62,3 milhões de reais feito no ano
passado em pesquisa e desenvolvimento foi para essa área. De cada dez ativos
presentes nos 15 principais produtos de tratamento de pele vendidos no mundo,
cinco são à base de plantas. É natural, portanto, que as maiores fabricantes
mundiais de cosméticos estejam de olho no Brasil. É natural, também, que a
Natura queira aproveitar a vantagem competitiva de ser uma empresa brasileira.
"O projeto Ekos transformou-se numa enorme avenida para o futuro", diz Luppi.

Valores, metas e barreiras

Fornecedores de óleos essenciais, como as multinacionais Cognis e Croda, foram


envolvidos. Eles só venderiam à Natura se certas garantias fossem dadas. A
extração dos ativos não poderia comprometer o equilíbrio ambiental. Não
poderia haver uso de trabalho infantil (a menos que ele fosse parte da
cultura local), e as tradições e o estilo de vida deveriam ser preservados. O
preço justo um conceito ainda nebuloso e estranho deveria ser praticado. Os
fornecedores também teriam de se comprometer a ajudar as comunidades a
agregar valor a seus produtos. Tecnologias básicas de extração de óleos, por
exemplo, deveriam ser repassadas. Claro que esse comportamento tem um preço.
O primeiro lote de buriti comprado para compor a linha Ekos chegou fora da
especificação. A Natura e o fornecedor arcaram com os prejuízos. "Diante das
dificuldades, alguns fornecedores ficaram longe do projeto", diz Elizabeth. "No
início, não tínhamos noção da complexidade do processo e de como seria difícil
estruturar nossa cadeia de suprimentos." Atualmente, a Cognis, empresa alemã
controlada pelo banco Goldman Sachs e pelo fundo de investimentos Schroder
Ventures Life Sciences (SVLS), trabalha com quatro comunidades, nos estados de
Rondônia, Amapá, Amazonas e Acre, e seu mercado para produtos desse tipo
está basicamente no Brasil. Mas a grande esperança está nos compradores
internacionais, sobretudo nos europeus e nos asiáticos. "Para isso precisamos de
escala de produção", diz a bióloga gaúcha Janice Casara, responsável pelo
projeto Amazoncarechemicals, da Cognis. "E isso é algo que demanda muito
tempo, cuidado e energia." Por não serem considerados commodities e devido à
escala de produção reduzida, produtos sustentáveis são invariavelmente mais
caros que os demais. Tome-se o exemplo do óleo de babaçu, usado na produção
de sabonetes. Um litro do óleo produzido de acordo com as melhores práticas de
manejo pode chegar a custar 50 vezes mais que o produto convencional. Reduzir
essa diferença exige disposição, dinheiro e sobretudo tempo. "Esse é o nosso
maior custo", afirma Pedro Passos, o sócio res ponsável por executar as
estratégias da Natura. O conceito de just-in-time passou a valer pouco. Todo mês,
saem da fábrica da Natura milhares de embalagens de produtos Ekos. As
castanhas-do-pará, porém, só podem ser colhidas durante quatro meses do ano. A
safra de buriti acontece entre outubro e dezembro. "Não podemos pedir para que
uma comunidade faça hora extra", diz Passos. As matérias-primas, portanto, têm
de ser estocadas. Como planejar a produção? Há muito insumo disponível, a
ponto de uma empresa como a Natura conseguir, se assim quiser, parte da
matéria-prima no mercado Ver-o-Peso, em Belém. Mas ainda há escassez de
produtos considerados sustentáveis, o que eventualmente provoca quebras na
produção. "O projeto Ekos vai bem", diz o representante de uma organização
parceira da Natura. "Mas, sempre que surgem problemas de preço ou de
fornecimento, alguns descontentes aparecem. A vida ficou mais difícil para o
pessoal do dia-a-dia." Trata-se de focos de resistência previsíveis. Na Natura,
como em qualquer grande empresa, existem metas e recompensas quando elas
são atingidas. Lucro, Ebitda, geração de caixa, custos, orçamento felizmente
continuam a fazer parte do vocabulário da companhia. Há também o restante dos
negócios, que gera 90% do faturamento da Natura, a maior fatia de seus lucros e
garante o emprego de seus 2 700 funcionários. A Natura é, sim, uma empresa de
cultura peculiar, na qual executivos e operários acreditam que podem ganhar
dinheiro e ao mesmo tempo mudar o mundo. Mas é muito provável que, sem a
interferência direta de seus líderes, o projeto Ekos jamais tivesse tomado a
dimensão que tomou. Seabra, Passos e Leal participaram de todas as etapas das
primeiras discussões filosóficas às negociações com as comunidades. "É preciso
ter ousadia para tentar coisas novas", diz Leal. "Há riscos? Sim. Mas achamos
que há uma recompensa no fim do arco-íris."

Armadilhas na floresta
Os riscos vão além das paredes da fábrica de Cajamar. Ao optar pelo uso da
biodiversidade e pelo relacionamento com comunidades tradicionais, a
Natura pisou num novo e pantanoso terreno para o mundo corporativo. Na
Amazônia, maior reserva de biodiversidade do planeta, com um patrimônio
biológico estimado em 2 trilhões de dólares, falta infra-estrutura de estradas,
aeroportos e comunicação e sobram interesses. Nela está a maior concentração
de ONGs ambientais do mundo. Para algumas dessas ONGs, a presença de
grandes empresas é automaticamente associada à exploração irresponsável. Por
outro lado, para as comunidades carentes, a chegada de compradores poderosos
pode soar como a redenção das mazelas locais. Para as empresas, a fronteira
entre o heroísmo e a vilania pode ser ultrapassada ao menor descuido. "O que
mais nos assusta é o tamanho da responsabilidade que estamos assumindo", diz
Philippe Pommez, vice-presidente encarregado da expansão internacional da
Natura. Tropeçar numa dessas armadilhas pode gerar de perdas financeiras a
fraturas expostas na imagem da marca. Isso aconteceu com a The Body Shop,
empresa de cosméticos fundada pela inglesa Anita Roddick e dona do modelo de
negócios mais assemelhado ao que a Natura vem fazendo atualmente. Dublê de
ativista e empresária, Anita peregrina desde os anos 80 pelo mundo em busca de
matéria-prima e de histórias que levantem a bandeira de causas sociais e
empinem as vendas da Body Shop. A inglesa ecológica esteve com mulheres
produtoras de manteiga de karité em Gana, com artesãos de artigos de juta em
Bangladesh e com os índios caiapós da região de Altamira, no Pará. Ela ficou
encantada com os caiapós, liderados na época pelo cacique Paulinho Paiakan.
Dormiu em rede, tomou banho de rio, aceitou uma poção preparada por um pajé
que a faria ter um filho da floresta. (A seu pedido, a magia foi desfeita a tempo.)
Finalmente, Anita propôs a eles a compra de óleo de castanha, que seria usado
em condicionadores para cabelos Body Shop. Tudo correu muito bem até que,
segundo Anita, os caiapós passaram a fazer exigências financeiras cada vez
maiores. "Como nós comprávamos seu óleo, 300 pessoas em duas das dez
aldeias podiam estar empregadas mas os caiapós pareciam pensar que
poderíamos dar emprego para todos e, como resultado, criou-se um clima de
antagonismo entre as duas aldeias", relata Anita em seu livro Meu Jeito de Fazer
Negócios. "Quando eclodiu a luta o que é tradicional entre eles, muitas pessoas
nos acusaram de culpados." A Body Shop deixou de comprar castanhas dos
caiapós e teve sua imagem chamuscada, mas continua a apostar na linha do
ativismo social. Com lucro. Com uma rede de 190 lojas em 50 países e 5 000
empregados diretos, a Body Shop faturou 1,1 bilhão de dólares no ano passado.
Um caso semelhante aconteceu mais recentemente com o pesquisador Elisaldo
Carlini, diretor do Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas da
Universidade Federal de São Paulo. Há um ano, Carlini e equipe firmaram um
acordo com a Vyty-Cati, associação que representa duas das 17 aldeias da
reserva indígena dos craós, no norte do estado de Tocantins. O objetivo era
identificar e pesquisar plantas utilizadas pelos pajés com atuação no sistema
nervoso central. Se, eventualmente, alguma patente fosse depositada, os índios
seriam remunerados com a distribuição de royalties. O problema surgiu quando
outra associação dos craós decidiu desautorizar a pesquisa, cobrar uma
indenização de 5 milhões de reais por danos morais e exigir o pagamento de uma
taxa de bioprospecção de 20 milhões. O projeto foi temporariamente abortado. Há
pelo menos dois anos, a Natura vem negociando o fornecimento de pequi por
parte das tribos indígenas do parque do Xingu, no norte do Mato Grosso. São, ao
todo, 16 etnias, entre elas os matipus, os tapaiúnas, os cuicuros e os auetis, cada
uma com seus costumes, tradições e interesses. Como parte do ritual de
aproximação, em setembro do ano passado, Leal, Pommez e outros altos
executivos da Natura participaram da festa do Quarup, dormiram em malocas e
conversaram com representantes das aldeias. Dois meses depois, 13 líderes
indígenas visitaram a fábrica de Cajamar. Receberam a proposta comercial e
voltaram para suas tribos, onde, prometeram, pensariam no assunto. "Foi uma
experiência fantástica", diz Leal. "Eles trouxeram até um videomaker para registrar
as reuniões." Ter os índios do Xingu como parceiros resultaria num poderoso
apelo de marketing, sobretudo nos mercados internacionais. Mas há ainda vários
pontos a ser esclarecidos. Como o dinheiro da venda do pequi será distribuído?
Como e com que valores remunerar a imagem dos índios que participarão das
campanhas publicitárias da linha Ekos? A Natura tem menos de um ano para
responder a essas perguntas. Os produtos à base do pequi extraído no Xingu
fazem parte do plano de lançamentos da companhia em 2004. O que ninguém
sabe, por enquanto, é quanto vale esse conhecimento e como remunerá-lo. Não
há ainda um contrato-padrão entre a Natura e as comunidades, e várias formas de
remuneração estão sendo estudadas vão do pagamento puro e simples ao
repasse para os fornecedores de um percentual do faturamento conseguido com o
produto. "No mundo todo, há muita discussão nesse campo e quase nenhum
consenso", diz a antropóloga Manuela Carneiro da Cunha, da Universidade de
Chicago. "A falta de parâmetros acaba aumentando as expectativas das
comunidades." Tudo o que a Natura não quer e não pode fazer é criar uma
relação de dependência com seus fornecedores da floresta, a ponto de eles não
conseguirem sobreviver sem ela. Ao chegar a uma comunidade, um dos primeiros
atos da agrônoma Hélène e dos representantes das empresas beneficiadoras é
tentar explicar aos moradores que um dia, inevitavelmente, a empresa deixará de
comprar suas matérias-primas. O ciclo de vida de um cosmético é de, no máximo,
cinco anos. Alguns produtos são retirados do mercado meses após o lançamento.
Nesse ponto, a Natura continua a seguir uma lei intransponível: só existirá oferta
se existir demanda. Em 2002, dois itens foram descontinuados. Este ano, outros
14 deixarão de fazer parte dos catálogos usados pelas 300 000 revendedoras da
empresa.

De Iratapuru para Paris

Na pequena cidade gaúcha de Putinga, no Vale do Taquari, a família do agricultor


Eduardo Guadagnin extrai e processa erva-mate. Sua propriedade, de 69
hectares, fica em meio a um pedaço quase intocado de mata Atlântica.
Guadagnin, de 48 anos, deverá ser o primeiro produtor rural certificado pela
Imaflora. Sua erva-mate é nativa. A despeito de uma produção reduzida, a poda é
feita de forma a garantir que as árvores sobrevivam por muitos anos. Não há uso
de agrotóxicos ou fertilizantes artificiais, todos os funcionários são registrados, os
impostos são recolhidos e as duas filhas de Guadagnin freqüentam a escola local.
Há cerca de dois meses, o agricultor enviou amostras de sua erva-mate à Natura.
O negócio estaria praticamente certo, não fosse a velha lei do mercado. Os
produtos da linha Ekos feitos à base de mate vendem pouco e estão arriscados a
desaparecer. "Orientamos as comunidades a não depender de uma matéria-prima
ou de uma única empresa", diz Pommez. "Queremos que elas estejam preparadas
para vender para outras companhias no dia em que a deixarmos." O inverso
também pode acontecer. Como garantir o fornecimento caso um xampu ou um
perfume tenham sucesso inesperado? Hoje, isso não é propriamente um
problema. A Natura compra, por exemplo, apenas 5% do volume de castanhas-do-
pará oferecido na reserva do Iratapuru. O mesmo acontece com o buriti, o
cupuaçu, o cumaru e a andiroba. Mas, se os planos da empresa prosperarem,
rapidamente a necessidade de ativos da biodiversidade e os desafios
aumentarão. Segundo dados da consultoria Booz Allen, a demanda mundial por
extratos de plantas dobrou, movimentando 2 bilhões de dólares em 2002.
Colocada no mercado em agosto de 2000, a linha Ekos é hoje uma das mais bem-
sucedidas da Natura. No ano passado, suas vendas cresceram mais de 20% e
representaram 10% do faturamento total da companhia. Em pouco mais de dois
anos, esse se transformou num negócio de cerca de 200 milhões de reais anuais.
Graças em parte ao sucesso da linha, o Ebitda da Natura passou de 130, 2
milhões de reais em 2001 para 210,3 milhões no ano passado.
Nos próximos meses, mais 23 novos produtos deverão ser colocados no
mercado nacional e a Ekos finalmente deverá fazer sua estréia na Europa e nos
Estados Unidos, mercados até agora intocados pela Natura. É provável que essa
seja a marca usada para alicerçar toda a estratégia de internacionalização. Há
cerca de três meses, as primeiras pesquisas e testes com consumidoras da
França e da Inglaterra foram realizados. Deles saíram informações preciosas. "As
mulheres queriam saber por que não ficava claro na embalagem que os produtos
vinham do Brasil", diz Pommez. "Disseram também que comprariam os
cosméticos principalmente por sua eficiência e não apenas devido a um discurso
ambiental ou social." Este mês, os testes serão iniciados nas cidades americanas
de Boston e San Francisco. Recentemente, a Natura contratou o francês Jöel
Pontes, ex-executivo da L'Oréal como consultor da área internacional. De seu
escritório, em Paris, ele ajudará a empresa a formular sua estratégia de entrada
no mercado internacional. Alguns pontos, porém, já ficaram estabelecidos. O
sistema de vendas diretas, utilizado no Brasil e na América do Sul, será
abandonado nos demais mercados. Muito provavelmente, os produtos Ekos serão
vendidos em lojas de varejo, talvez com a participação de um sócio local. "Para
qualquer empresa de bens de consumo que queira se internacionalizar, marca e
canal de distribuição são determinantes", diz Renata Bochi, diretora do BCG.
Desta vez, a Natura não pode repetir os erros cometidos em sua tentativa de
expansão latino-americana. A empresa optou por replicar o sistema de vendas
diretas e acabou esbarrando numa saturação de mercado. As possíveis
vendedoras já estavam ocupadas demais oferecendo produtos da Avon e das
várias empresas locais. Os produtos também não apresentavam grandes
diferenciais. Hoje, por exemplo, a Natura conta com pouco mais de 6 000
revendedoras na Argentina. Com a Ekos, seus executivos sabem que terão de ter
espaço suficiente para vender mais que um produto. "O sucesso depende da
venda do conceito", diz o diretor de uma grande consultoria internacional. "A
Natura terá de aprender do zero a lidar com o varejo como canal de vendas."
Na verdade, a Natura terá de começar do zero uma porção de coisas. Arcar com
os riscos e aproveitar as oportunidades. Não há alternativa. Esse é o preço
da inovação.

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