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O que é Epistemologia?

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O termo significa "estudo da ciência" (do grego episthme = conhecimento, ciência, e logoV = estudo, discurso). É
usada em dois sentidos: para indicar o estudo da origem e do valor do conhecimento humano em geral (e neste
sentido é sinônimo de gnosiologia ou crítica); ou para significar o estudo as ciências (físicas e humanas), dos
princípios sobre o qual se fundam, dos critérios de verificação e de verdade, do valor dos sistemas científicos.
Pode-se dividi-la em dois sentidos básicos:
a) a crítica do conhecimento científico: exame dos princípios, das hipóteses e das conclusões das diferentes
ciências, tendo em vista determinar seu alcance e seu valor objetivo.
b) a filosofia da ciência (empirismo, racionalismo, etc), e a história do desenvolvimento científico.

Breve Prospecto Histórico


Desde que Comte negou à filosofia um domínio próprio de objetos e confiou-lhe como tarefa específica o
estudo das ciências, a determinação de seus objetos e de suas tarefas, a sua divisão e coordenação, a atenção
dos filósofos dirigiu-se sempre mais para a ciência, a qual se tornou, para muitos, o argumento principal e
central de sua análise. Além disso, a indagação atenta e aprofundada das características e das funções do saber
científico era exigida quer pela orientação positiva da filosofia, quer pelos enormes desenvolvimentos e pela
extraordinária importância que a ciência havia adquirido durante os últimos dois séculos, período no qual ela
demonstrou ser um saber extremamente fecundo e prático.
Essa instâncias foram o ponto de partida de uma parte da filosofia, chamada filosofia da ciência, ou
epistemologia . Esta se identifica com a crítica metodológica da ciência, na medida em que essa crítica tende à
explicitação consciente e sistemática do método e das condições de validade dos juízos – particulares, singulares
ou universais – tornados próprios pelos cientistas, perseguindo assim uma reconstrução racional,
convencionalmente designada por senso empírico-pragmático, do conceito de conhecimento científico.
A epistemologia propõe-se a responder às seguintes questões: o que é conhecimento científico? Em
outras palavras, em que consiste propriamente o trabalho do cientista? Que faz ele quando faz ciência?
Interpreta, descreve, explica, prevê? Faz apenas conjecturas ou verdadeiras asserções (gerais e singulares) que
espelham fielmente os aspectos dos fatos? E quando o cientista explica, o que é que ele explica dos fatos: sua
função, origem, gênese, essência, fim? Qual é o status lógico das leis na ciência? São elas resultados de
procedimentos indutivos (e o que quer dizer indução para a ciência?), ou antes, conjecturas da imaginação
científica que deverão sujeitar-se a provas empíricas? Em que sentido se fala em causalidade nas ciências
empíricas? Quando, então podemos dizer que uma teoria é "melhor" do que outra? O que queremos dizer quando
afirmamos que as ciências empíricas são objetivas? Qual é o papel da experiência na pesquisa científica?
Podemos observar que na epistemologia existem mais perguntas que respostas. Tais perguntas brotam da
pergunta inicial sobre o que seja o conhecimento científico.
Essas questões começaram a impor-se à atenção dos filósofos pelo fim do século XVIII, no momento em
que a atitude de confiança otimista e exaltação cega das ciências foi substituída por um ceticismo e uma crítica
aguda nos confrontos do conhecimento científico. O nascimento e desenvolvimento da filosofia da ciência deve-
se diretamente à tomada de consciência da problematicidade desse conhecimento. Tal consciência era ainda
ausente em Descartes, Newton, Kant, Comte, e Spencer.
Os primeiros resultados significativos dessa nova disciplina dizem respeito à matemática e à geometria.
Estas não são mais concebidas como ciências reais, como representações de situações objetivas, mas sim como
construções formais: como sistemas fundados em postulados escolhidos arbitrariamente e construídos com
técnica da dedução lógica das conseqüências que comportam tais postulados. Assim, por ação dos epistemólogos
e outros estudiosos, a matemática e a geometria tomaram consciência de sua especificidade como ciência do
possível, diferente da física, que ao contrário, é a ciência do real.
No concernente à física e às ciências experimentais em geral, passa-se de uma visão estática e
mecanicista a uma visão dinâmica, probabilista e relativista das leis da natureza. Essa mudança foi motivada
pelas descobertas da entropia, da radiatividade, dos quanta , etc. Conseqüentemente, os conceitos de um
espaço, e de um tempo absolutos, como também os de simultaneidade, perderam todo o valor. A idéia de espaço
curvo toma o lugar da idéia euclidiana de espaço retilíneo. A idéia de relações necessárias de causalidade é
substituída pela idéia de indeterminação.
Nas ciências da natureza, no início do século XIX, ressalta-se uma série de questões filosóficas relativas
ao caráter e à função do conhecimento experimental. As ciências naturais não aparecem mais no campo do
saber como conhecimento absoluto com pretensões imperialistas e limites próprios. Seu âmbito é a quantidade.
De tal sorte a física ganha um perfil matemático, relegando a segundo plano as intenções ontológicas e os
elementos sensíveis. Daí a tendência a reduzir o conhecimento experimental a puros dados métricos e ao
esquema relacional desses dados. Tal esforço de quantificação e matematização da física acentua os traços que
a distinguem tanto do conhecimento comum, quanto do filosófico.
A filosofia da ciência propriamente dita teve um considerável desenvolvimento em nosso século, dando
origem a três movimentos principais: o neopositivismo, a interpretação metafísica, e o racionalismo científico.
Os defensores mais qualificados dos neopositivistas são Wittgenstein, Carnap, e Russel. Os neopositivistas
dividem as ciências em dois grandes ramos: as lógico-matemáticas, e as experimentais. As primeiras são
constituídas por proposições analíticas, ou seja, tautológicas; as segundas são compostas por proposições
factuais. As proposições lógicas e matemáticas, destituídas de conteúdo, não são mais do que regras para a
utilização dos símbolos e a ordenação das proposições. As experimentais ou factuais são as empiricamente
verificáveis: isto acontece se elas são traduzíveis em proposições de caráter empírico.
Em contraste radical com o neopositivismo coloca-se a concepção metafísica da ciência. Esta afirma que
a ciência envolve uma metafísica e somente nela encontra seu fundamento último. Conforme esta concepção, o
trabalho científico apresenta-se como descoberta progressiva da realidade, ou como a auto-manifestação do
espírito humano através da pesquisa científica. No primeiro caso, refere-se a uma concepção metafísica realista;
no segundo, a uma concepção metafísica idealista.
Um dos maiores expoentes do realismo metafísico é Émile Meyerson (1859-1933), o qual afirma que a
ciência "não é positiva e não contém mesmo dados positivos, no sentido rigoroso que foi dado a este termo por
Comte e seus seguidores, ou seja, dados desprovidos de qualquer ontologia. A ontologia faz parte da própria
ciência e dela não pode ser separada". É o realismo do senso comum, segundo Meyerson, que se prolonga na
ciência sem solução de continuidade. A ciência, progredindo na direção do senso comum, cria essências, cujo
caráter real não somente não é eliminado, mas é intensificado.
Já na interpretação metafísica idealista da ciência, sustenta-se que a subjetividade é um fator
importante na pesquisa cientifica. Nesta interpretação destacam-se as "leis epistemológicas". Sua característica
peculiar é serem dedutíveis unicamente através do estudo de nossos métodos de observação. Essas leis
necessárias, universais, e exatas constituem o elemento a priori da física, e das outras ciências experimentais.
Segundo outro grande grupo de autores, a ciência é obra da razão humana, uma espécie de máquina gerada por
ela, cujas estruturas e leis internas é preciso descobrir. Enquanto o interesse da interpretação metafísica dirigia-
se à infra-estrutura ontológica da ciência, e o do neopositivismo a seus conteúdos como tais, tomados em seu
grau máximo de cristalização objetiva, o esforço do racionalismo científico, por sua vez, tende a clarificar o
sentido do opus rationale que constitui a ciência.
O principal expoente desta interpretação epistemológica é Gaston Bachelard (1844-1962), para quem a
filosofia da ciência contemporânea não pode aceitar nem a solução realista, nem a idealista. Segundo ele, deve
colocar-se num meio termo entre ambos, no qual sejam retomados e superados: "Um realismo que se deparou
com a dúvida científica não pode mais ser do mesmo teor que o realismo imediato... um racionalismo que
retificou os juízos a priori, como sucedeu nos novos ramos da geometria, não pode mais ser um racionalismo
fechado" .
Bachelard em sua gnosiologia, põe o binômio experiência-razão na base de todo o conhecimento
humano. Entretanto, não se trata de um condomínio de potências iguais, pois o elemento teórico é que
desempenha o papel normativo: "O sentido de setor epistemológico parece-nos bastante claro. Ele vai
certamente do racional para o real, e não na ordem inversa, do real do geral, como professaram todos os
filósofos, de Aristóteles a Bacon" .
Posição análoga à de Bachelard é a sustentada por Karl Popper (1902 -) que também rejeita
decididamente o empirismo em nome de uma certa espécie de racionalismo . O controle das teorias, a
corroboração das proposições científicas, segundo Popper, não é obtida diretamente, como querem os
neopositivistas, recorrendo à verificação experimental, mas sim indiretamente, através do processo de
falsicabilidade . Este critério estabelece que uma teoria pode ser considerada científica unicamente se satisfaz a
duas condições:
– ser falsificável, ou seja, poder vir a ser desmentida e contradita em linha de princípio;
– não ter sido ainda provada como falsa de fato.
O critério do estágio científico de uma teoria é a sua "falsicabilidade", ou "refutabilidade", ou seja a sua
controlabilidade. O critério de demarcação entre teorias empíricas e não empíricas, não é a verificabilidade,
mas sim sua falsicabilidade. Com efeito, uma lei científica jamais poderá ser inteiramente confirmada, ao passo
que pode ser totalmente falsificada.
O lógico na construção da ciência são os problemas, e com eles, as hipóteses, as conjecturas, e não as
observações. Observamos através de um ponto de vista, sempre sob o estímulo de um problema. Todos os
conhecimentos são respostas a problemas prévios. Adquirimos os conhecimentos que se prestam para solucionar
nossas interrogações, nossos problemas. Por isso, as teorias científicas não são cúmulos de observações, mas
sistemas de conjecturas arriscadas e temerárias. Antes de tudo, ciência é invenção de hipóteses ; a experiência
desempenha um papel de controle das teorias.
Percebe-se assim que na epistemologia, a razão humana ainda não conseguiu chegar a uma solução
satisfatória e definitiva, com a qual todos possam concordar. Mesmo na filosofia da ciência, recolocam-se as
alternativas clássicas: idealismo ou realismo? Racionalismo ou positivismo?
Nessa situação poderíamos ser tentados a abandonar o ambiente de pesquisa filosófica. Esta, entretanto,
não é a melhor decisão, pois o homem é dotado de razão para procurar a razão das coisas, ou seja, para
encontrar uma explicação profunda, geral, exaustiva, uma explicação filosófica.
Assim, sobre todos os aspectos da realidade, e sobre todos os setores do conhecer e do agir, será preciso
continuar a filosofar. E mesmo no futuro serão obtidos resultados alternativos, como no passado.

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