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SUMÁRIO.

1. Introdução. 2. Desenvolvimento; 2.1 - Poder Constituinte: desenvolvimento histórico. 2.2


- A representação popular na Constituição Federal de 1988. 2.3 - A Nova Ordem
Constitucional de 1888. 2.4 - A eleição dos representantes do povo. 2.5 - O sistema
bicameral. 2.6 - Partidos políticos e representação popular. 2.7 – Controle Judicial:
constitucionalidade e representação popular. 3 - Considerações finais. Referências.

1- INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem por escopo apresentar uma visão crítica da representação
popular à luz da Teoria do Poder Constituinte, através da análise da ordem política nacional,
da organização dos Poderes e de como são constituídos.
O povo, que deveria ser tudo e nada é, na visão e ao tempo de Sieyés, pela adoção
dos postulados da Teoria do Poder Constituinte nas Constituições Republicanas encontrou a
expressão do exercício do poder, por meio de representantes eleitos, naquilo que se
convencionou identificar por democracia representativa.
O que se busca discutir, portanto, é a legitimidade de tal representação sob o prisma
do ordenamento jurídico e sistemas eleitoral e político-partidário adotados no Brasil.
A análise teórica dos instrumentos de representação popular na ordem política
brasileira permite identificar se ela se dá na sua integralidade, com o exercício pleno da
soberania popular, através de representantes eleitos através de escrutínio universal e direto.
O voto, como desdobramento do exercício da cidadania, a soberania popular como
peça fundamental da democracia, são temas constitucionais de indiscutível relevância. O
estudo da organização dos Poderes da nação como institutos de exercício da vontade popular
constitui um dos aspectos basilares do presente estudo. A análise quanto à forma de produção
legislativa, o estudo de seu resultado em comparação com a vontade popular, enfim, a
afirmação da legitimidade frente ao modo de agir dos agentes políticos é o que se busca
alcançar.
Especificamente, trata-se de identificar a existência de desvios de representação, o
predomínio de determinado interesse em contraposição ao interesse coletivo.
3

Falar-se em democracia representativa, quando grande parcela da população se


encontra em estado de relativa ignorância material e política, beira à ingenuidade.
Afirmar-se legítima a representação que se dá por meio de políticos sem vínculo
ideológico claro e preciso, dos quais não se conhece o matiz, o pensamento político, é
temerário e contraproducente.
O fim da obrigatoriedade da verticalização das coligações nas campanhas eleitorais
traz ao cenário político nacional a incerteza quanto à efetividade da representação política
dos partidos.
A não regulamentação de dispositivos constitucionais básicos, como o direito de
greve nos serviços públicos, do funcionamento do sistema financeiro, entre outros, que
teoricamente deveriam expressar a vontade popular, ao contrário de firmá-la, emperra as
instituições, submetendo-se a omissão legislativa ao Poder Judiciário
O exercicio de legislação positiva por parte do órgão máximo do Poder Judiciário,
na omissão legislativa de regulamentação de normas de eficácia contida é criticada pelos
operadores de direito como forma de usurpação de poder.
A Constituição Federal de 1988 irá completar em 05 de outubro do próximo ano
vinte anos de vigência. Nesse período foram promulgadas cinqüenta e cinco emendas
constitucionais, estando a caminho outras tantas.
Recentemente veio à baila na Justiça Eleitoral, através de consulta formulada por
partidos políticos, desaguando em histórico julgamento no Supremo Tribunal Federal,
interessante discussão acerca do instituto da fidelidade partidária, perquirindo-se se o
mandato pertence ao partido ou ao candidato eleito, consulta que resultou em resposta
favorável aos partidos, fato que, dentre tantos outros, emprestam ao tema Poder Constituinte,
Soberania Popular e sua representação no sistema bicameral brasileiro, indiscutível
atualidade.
Cabe aqui esclarecer que não se pretende minimizar o papel das instituições
democráticas ou mesmo privilegiar uma ou outra competência constitucional em detrimento
de outra, mas sim, através da análise da bibliografia existente sobre o tema, assim como da
jurisprudência iterativa, busca-se traçar um norte, um caminho para o aperfeiçoamento, sem
falsas pretensões, que não necessariamente traduz-se em novidade, mas reiteração de antigos
argumentos voltados pra a reforma política, para a busca da ética no trato da coisa pública, na
conscientização do povo enquanto agente fundamental do processo.
4

2- DESENVOLVIMENTO.

2.1 - PODER CONSTITUINTE: DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO.

Na lição de Marcello Cerqueira, na França do final do século XVIII a aristocracia


continuava a dar as cartas, sendo a única riqueza existente, a terra. De luta em luta o rei iria
paulatinamente despojar a aristocracia de seu poder político, submetendo a nobreza e o clero
à sua autoridade, reservando-lhe, porém, lugar de primazia na hierarquia social.1
Outra classe surgia, todavia, da pujança advinda das descobertas marítimas dos
séculos XV e XVI, da exploração dos continentes recém-descobertos, dos primeiros
monopólios comerciais, da ocupação de quadros na burocracia monárquica: a burguesia
Resistindo a abrir mão de qualquer privilégio a favor de uma nova ordem social que
abrigasse esta nova classe emergente, reagindo exasperadamente a qualquer tentativa de
reforma e exercendo absoluto controle das funções estatais, a aristocracia abriu caminho à
Revolução. 2
Premido pela caótica situação, o rei recusa-se a demitir-se de seu poder, convocando
então os Estados Gerais, formados na vigência do Antigo Regime pelo clero, pela nobreza e
por um Terceiro Estado “composto formalmente de todos os plebeus, do mais rico dos
burgueses ao mais miserável dos mendigos”.3
É nesse cenário, antecedente à reunião dos Estados Gerais, que surge então
Emmanuel Joseph Sieyés e seu Qu’est-ce le Tiers-Etat, postulando um lugar na ordem
política e social para o povo e ajudando a firmar conceitos tais como nação, soberania
popular e representação política, que iriam ecoar através da história até os tempos
contemporâneos.
Para Sieyés, o conceito de nação correspondia a “um corpo de associados que vivem
4
sob uma lei comum e representados por uma mesma legislatura”
Afirmava, assim, uma vontade nacional uníssona, decorrente das vontades
individuais, a serem expressas através de representação política exercida por especialistas na
coisa pública a quem se conferiria mandato imperativo.
1
CERQUEIRA Marcello, A Constituição na História: 2. ed., revista, Rio de Janeiro:Revan, 2006, p.117.
2
CERQUEIRA, op. cit., p.118.
3
SIEYÉS, Emmanuel Joseph apud ZIMMERMANN, Augusto, Curso de Direito Constitucional, 2. ed. Rio de
Janeiro: Lúmen Juris, 2002, p.144.
4
Ibidem, p.144.
5

A delegação política engendrada pelo Abade Sieyés seria regulada pela Teoria do
Poder Constituinte, através da qual se firmaria o conceito de Constituição da Nação como
decorrência da vontade do povo.
Há um novo titular do poder de constituir, o povo enquanto nação, a quem se admite
o poder de elaborar, modificar ou mesmo extinguir a Carta.
Os governantes são meros agentes políticos, um Poder Constituído limitado
formalmente pelo texto constitucional.
O povo, titular do Poder Constituinte, deverá, em um ato inicial de criação do Estado,
ao qual não se opõe qualquer limitação jurídica, eleger seus representantes em uma
Assembléia Constituinte, que deverá desempenhar a missão de elaborar o estatuto básico do
Estado: a Constituição.

2.2 - A REPRESENTAÇÃO POPULAR NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988.

A Assembléia Constituinte convocada nas eleições de 1986 para a elaboração da


Carta Constitucional que veio a ser promulgada em outubro de 1988, refletiu em sua
composição o momento político vivido pelos brasileiros.
Recém-saído de um período obscuro da história o país vivia um momento de euforia
cívica, com a campanha das Diretas Já de 1984, momento de engajamento da sociedade em
prol do restabelecimento de eleições livres e diretas, em busca da redemocratização do país,
após vinte e quatro anos de ditadura militar.
A revolução de 1964 apresentara-se ao país como uma declaração no mínimo
contraditória. Ao tempo em que se assumia como movimento armado dizia representar não
os interesses desse determinado grupo armado, mas sim os interesses da nação. Firmando-se
no conceito de Poder Constituinte, afirmava: “Os Chefes da Revolução vitoriosa, graças à
ação das Forças Armadas e ao apoio inequívoco da Nação, representam o povo e em seu
nome exercem o Poder Constituinte, de que o povo é o único titular”. 5
Apesar de se declararem chefes da revolução vitoriosa, graças à ação das Forças
Armadas, se arvoravam em representantes do povo, em nome de quem exerceriam o poder.

5
Ato Institucional de 9 de abril de 1964 apud GASPARI, Elio, A Ditadura Envergonhada, São Paulo:
Schwarcz, 2002, p.340
6

Se há apenas dois modos legítimos de manifestação do Poder Constituinte, pela


revolução, com a força das armas ou pela eleição popular, não há como conciliá-los, como
tentou fazer o regime, buscando legitimar-se por mais de uma via.
Os atos da revolução apontaram para outra realidade. A vontade popular foi
sistematicamente desconsiderada. Sem sustentação no apoio popular o regime militar
manteve-se pela força, pela opressão e repressão, culminando no ato supremo de supressão
das liberdades civis, naquilo que o jornalista Elio Gaspari iria chamar em sua obra de Missa
Negra, reunião acontecida às dezessete horas do dia 13 de dezembro de 1968 e que resultaria
na edição do Ato Institucional nº. 5, cujos efeitos descreve: "pela primeira vez desde 1937 e
pela quinta vez na história do Brasil, o congresso era fechado por tempo indeterminado. ·".
E mais adiante: “restabeleciam-se as demissões sumárias, cassações de mandatos,
6
suspensões de direitos políticos”.
Estavam suspensas, por força do Ato, as garantias constitucionais da liberdade de
expressão e reunião. Estavam suspensas todas as garantias fundamentais.
A fase de redemocratização concretiza-se com a eleição indireta de Tancredo Neves
para a Presidência da República, em janeiro de 1985, colocando termo ao regime militar.
Na dicção de Jose Afonso da Silva, a Nova República, denominação que se deu ao
governo então eleito, pressupunha uma fase de transição, com início em 15 de março de
1985, “... na qual fossem feitas, com prudência e moderação, as mudanças necessárias: na
legislação opressiva, nas formas falsas de representação e na estrutura federal...” 7
Esta fase de transição, segundo o professor, seria uma “fase em que se definiria pela
eliminação dos resíduos autoritários, e pelo início das transformações de cunho social,
administrativo, econômico e político que requer a sociedade brasileira”.8
Importa ressaltar os debates pré-convocação da Assembléia Nacional Constituinte,
em que alguns afirmavam absurda a tese da convocação sob a alegação de que não se elege
constituinte nem se faz constituição nova sem que para isso, necessariamente, deva ocorrer
uma violenta alteração nos suportes fáticos do poder.
O fato histórico é que o regime militar exaure-se, esboroa-se em disputas internas, e
premido pelas manifestações populares abre caminho através da lenta, gradual e segura
abertura política pregada pelo General Presidente Ernesto Geisel, à plena redemocratização
do país.

6
Ibidem, p.340.
7
SILVA, Jose Afonso da, apud ZIMMERMANN, op. cit. p.216
8
ibidem, p.216.
7

Em novembro de 1986 realizaram-se eleições simultâneas para Governador, Senado


Federal, Câmara dos Deputados e Assembléias Estaduais, com o PMDB elegendo a maioria
dos Governadores e tornando-se majoritário no Congresso Nacional, o qual seria, também,
Assembléia Constituinte, encarregada de elaborar a nova Constituição brasileira, aprovada
em 1988.9
Entre os deputados constituintes eleitos figuravam nomes como Ulysses Guimarães,
Luiz Inácio da Silva, Mario Covas, (oposicionistas históricos do regime militar), Aldo
Arantes, Edmilson Valentim, Eduardo Bonfim, Haroldo Lima e Lídice da Mata
(representantes do Partido Comunista do Brasil), ao lado de outros que representavam
verdadeiros sustentáculos ao regime militar.
Do embate ideológico resultou uma Constituição que os especialistas afirmam liberal-
conservadora, sem embargo da aparente contradição que a definição traz em si mesma.
A representação popular na Carta Constitucional de 1988 resta assim inconteste,
ainda que se possam tecer críticas ao resultado, pelo amálgama de idéias. O povo esteve
presente nos debates, através de representantes eleitos legitimamente e que fizeram valer,
com uma ou outra idiossincrasia, os anseios do momento político então vivido.

2.3 A NOVA ORDEM CONSTITUCIONAL DE 1988

A Carta Constitucional de 1988 resulta assim democrática, escrita por representantes


eleitos pela vontade popular, rígida quanto ao seu modo de revisão e, sobretudo, dogmática.
Segundo o magistério de Augusto Zimmermann, o legislador constituinte revelou a
dogmática constitucional nos quatro primeiros artigos da nova Carta. Ali se encontram
descritos valores que vão conferir unidade teleológica aos demais princípios e regras que
compõem o ordenamento jurídico constitucional, minimizando aparentes contradições
existentes na redação do texto constitucional10.
Estabeleceu-se, ou melhor, reafirmou-se a forma de governo republicana federativa,
os princípios da soberania, cidadania, dignidade da pessoa humana, do pluralismo político,
dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa.

9
O Senado e a República. Disponível em: http:// www.senado.gov.br . Acesso em 4 nov. 2007
10
ZIMMERMANN, op. cit. p.221.
8

O parágrafo único do artigo primeiro da Carta de 1988 estabelece os fundamentos do


Poder Constituinte, consubstanciados na soberania popular, afirmando expressamente que
todo poder emana do povo, que o exerce através de representantes eleitos ou diretamente.
O artigo 2º ressalta o postulado da separação dos poderes, instrumento liberal de
limitação ao arbítrio do Estado.
No artigo 3º indica-se a sociedade que se quer construir, livre, justa e solidária. Uma
sociedade que busca o desenvolvimento da nação, a erradicação da pobreza, a redução das
desigualdades sociais e regionais, enfim, o bem de todos sem preconceitos de origem, raça,
sexo, cor, idade ou qualquer forma de discriminação.
Enfim, a Constituição Federal de 1988 vinha ao mundo jurídico como um lindo
manifesto pela justiça social.
O presidente da Assembléia Nacional Constituinte, Deputado Federal Ulysses
Guimarães, ao declarar promulgada a Constituição em 05 de outubro de 1988 a levantou
acima dos ombros, proclamando-a como a Constituição Cidadã.
Por outro lado, a Constituição de 1988 manteve a representação proporcional,
instrumento que estabelece o número mínimo e máximo de representantes para cada Estado-
membro da Federação, em franca afronta ao ideal democrático da igualdade de voto.
Buscando o pluralismo político estabeleceu imensas facilidades para a criação de
partidos políticos, o que ao invés de fortalecer tal pluralismo enfraqueceu a representação
política por ausência mínima de disciplina partidária.
Principalmente, aumentou a centralização federativa, concentrando riquezas e
competências nas mãos da União em detrimento dos entes federativos, ao mesmo tempo em
que lhes ampliava as atribuições.
O que se constata, em suma, é que a Carta Constitucional reflete como não podia
deixar de ser, o seu Poder Constituinte, o momento político em que foi escrita e formalizada.
O tempo, entretanto, se encarregaria de mostrar que entre a palavra escrita, a
Constituição formal e jurídica e a Constituição material, real e efetiva, há uma distância a ser
vencida.
Para o prof. Jorge Miranda, o poder constituinte material representa "um poder de
autoconformação do Estado segundo certa idéia de Direito"; o poder constituinte formal "um
poder de decretação de normas com a forma e a força jurídica próprias das normas
constitucionais”. 11

11
MIRANDA, Jorge, Manual de Direito Constitucional, v. II - Introdução à Teoria da Constituição, 2.ed.
revista, Coimbra: Coimbra, 1983, p. 62.
9

Neste sentido, o poder constituinte material vem antes do poder constituinte formal, e
busca lhe dar conformação, embora este último confira força normativa ao poder constituinte
material.
Os princípios gerais que refletem os anseios do poder constituinte material devem ser
submetidos ao poder constituinte formal a fim de serem conformados segundo opções
jurídicas e políticas fundamentais, estando sujeitos a pressões que podem vir a favorecer,
ainda mais em um ambiente onde hegemonia política não se encontre plenamente
estabelecida, a importância do poder constituinte formal na definição de tais princípios.12
Miguel Reale tece críticas ao momento da convocação para a Assembléia Nacional
Constituinte, afirmando que esta se realizou fora de hora, havendo sido inspirada em
preceitos estatizantes originários do ideário marxista, como a luta de classes como fator
determinante da história.
Seria esta a razão, segundo o prof. Reale, que levou a uma Constituição na qual a
“proclamação de direitos individuais e sociais, reclamada pela sociedade civil, contrasta,
paradoxalmente, com a redução do povo a simples massa de manobra de uma estrutura
burocrática rotineira”. 13
Esta “certa idéia de Direito” a que se refere Jorge Miranda, pode ser vista na Carta de
1988, como a de um novo Estado de Direito, Social, Providência, que se contrapõe à idéia de
Estado de Direito emanada do Estado Liberal, aqui entendida a expressão Estado de Direito
no sentido que lhe emprestou Norberto Bobbio, Estado limitado pelo direito, ou seja, o
Estado cujo poder é exercido nas formas do direito e com garantias jurídicas
preestabelecidas, que até então se sobrepunha e que visava, sobretudo, garantir a iniciativa
privada, a livre empresa, os interesses individuais, limitando a interferência do Estado a uma
possibilidade mínima.
Não buscou a Carta Magna de 1988, restringir o Estado apenas aos limites da
proteção às liberdades individuais e à propriedade privada.
Tal constatação encontra-se em Princípios constitucionais tais como o da função
social da propriedade- Art. 5º, Inciso XXIII, em contraposição à visão liberal da propriedade.
O Estado vislumbrado pela Carta vê-se compromissado com a idéia do apoio
solidário ao indivíduo, potencializando seu livre desenvolvimento pessoal, garantindo-lhe um
mínimo de condições materiais. 14
12
CARRION, Eduardo Kroeff Machado, A Constituição de 1988 e sua Reforma.Disponível em: JUS
NAVEGANDI, http://www.jus.uol.com.br. Acesso em 4 nov 2007.
13
REALE, Miguel, apud ZIMMERMANN, op. cit. p. 216.
14
ZIMMERMANN, op.cit. p. 64.
10

A intenção do legislador constituinte originário nesse sentido encontra-se positivada


no Artigo 3º da Carta de 1988.
Outro ponto a ser considerado é o da intervenção estatal na ordem econômica,
dirigismo econômico explicitado na Constituição de 1988, resultante daquilo que nas
palavras de Eros Roberto Grau decorreu da “evidente inviabilidade do capitalismo liberal”. 15
Clèmerson Merlin Clève enumera as formas de intervenção do Estado na economia:
regulando o mercado, diminuindo a extensão da autonomia da vontade nos negócios
privados, reprimindo práticas comerciais abusivas.
Para Merlin Clève, o Estado também se encarrega de participar do processo
econômico “quer seja através de empresas estatais, quer seja, ainda, oferecendo a infra-
estrutura necessária para a implantação e o desenvolvimento das indústrias e negócios”. 16
Talvez em razão desta pluralidade de visões de Estado na Carta de 1988, as normas
constitucionais não encontrem, em um primeiro momento, o reconhecimento de normas
jurídicas dotadas de imperatividade. Via-se as normas e princípios inscritos na Constituição
mais como declaração de intenções. Nos casos concretos que careciam de sua tutela, nas
situações da vida real carecedoras de aplicação dos princípios constitucionais, prevaleciam os
entendimentos originários da velha ordem.
Para Luis Roberto Barroso e Ana Paula de Barcelos, apenas em meados dos anos
noventa verificou-se a chamada constitucionalização do ordenamento jurídico brasileiro, a
adoção do que se convencionou chamar de filtragem constitucional, que coloca a
Constituição no centro do ordenamento, irradiando seus princípios e regras a todos os demais
ramos do Direito. 17
Para os autores, a Constituição de 1988 representa o marco inicial de um recomeço,
projetando uma nova história. Sem velhas e utópicas ambições, com o caminho a ser feito
passo a passo. Mas com uma carga de esperança e um lastro de legitimidade sem
precedentes.18
Afirmam mais os mestres, que a efetividade da Constituição “rito de passagem para o
início da maturidade institucional brasileira” solidificou-se, vitoriosamente. As normas

15
GRAU, Eros Roberto, A ordem Econômica da Constituição de 1988: interpretação e crítica, São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1990, p.40.
16
CLÈVE, Clèmerson Merlin, Atividade Legislativa do Poder Executivo no Estado Contemporâneo e na
Constituição de 1988. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993, p.35.
17
BARROSO, Luís Roberto (Org.) e BARCELOS, Ana Paula de, O Começo da História. A Nova Interpretação
Constitucional e o Papel dos Princípios no Direito Brasileiro, in A Nova Interpretação Constitucional, 2. ed.,
revista e atualizada. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p.329.
18
Ibidem, p.329.
11

constitucionais conquistaram o status pleno de normas jurídicas, dotadas de imperatividade,


“aptas a tutelar direta e indiretamente todas as situações que contemplam”. 19

2.4- A ELEIÇÃO DOS REPRESENTANTES DO POVO.

O voto enquanto instrumento de soberania popular encontra no sufrágio universal sua


expressão maior, muito embora o exercício que dele resulte seja indireto, ao contrário do
plebiscito, do referendo e da iniciativa popular.
O Brasil avançou do direito de sufrágio censitário do século XVIII para o direito de
sufrágio universal contemporâneo, acompanhando as evoluções que se impuseram ao ideário
liberal.
A Constituição Imperial de 1824 dispunha que podiam votar nas eleições paroquiais
aqueles que apresentavam renda superior a cem mil réis por bens de raiz, indústria, comercio
ou emprego-Artigo 92, Inciso V.
Com renda superior a duzentos mil réis podia-se votar nas eleições de deputados,
senadores e membros dos Conselhos de Província, artigo 94, Inciso I.
Podiam candidatar-se ao cargo de deputados aqueles que detinham renda anual
superior a quatrocentos mil réis – Artigo 95, Inciso I, e para senador do império quem tivesse
renda anual superior a oitocentos mil réis – Artigo 45, IV.
As votações no Brasil chegaram a ocorrer em até quatro graus: os cidadãos das
províncias votavam em outros eleitores, os compromissários, que elegiam os eleitores de
paróquia, que por sua vez escolhiam os eleitores de comarca. Estes, finalmente, elegiam os
deputados. Os pleitos passaram depois a ser feitos em dois graus. Isso durou até 1881,
quando a Lei Saraiva introduziu as eleições diretas.20
Para Clèmerson Merlin Clève, os Estados liberais foram forçados a ampliar o
sufrágio: “em princípio, e este foi também o caso do Estado brasileiro, admitiram apenas o
voto censitário. Apenas os proprietários podiam votar. Os que não produziam renda, os não
proprietários, estes não dispunham de direitos políticos”.21
A Carta de 88, por sua vez, dispõe que a soberania popular será exercida pelo
sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos – Artigo 14, caput.

19
Ibidem, Ibidem.
20
História das eleições no Brasil. Centro de Memória. Tribunal Superior Eleitoral. Disponível em:
http://www.tse.gov.br/institucional/centro_memoria/hi.Acesso em 16 nov 2007.
21
CLÈVE, op. cit. p.37.
12

Como condição de elegibilidade impõe a nacionalidade brasileira, o pleno exercício


dos direitos políticos, o alistamento eleitoral, o domicilio eleitoral na circunscrição e a
filiação partidária além de idade mínima exigida para cada cargo, artigo 14, Incisos I a VI.
Na definição dos direitos políticos em sentido estrito, verifica-se a possibilidade de
participação nos destinos políticos da sociedade e na formação da estrutura do poder estatal.
Há uma questão, porém, que se coloca como fundamental ao estudo que se propõe,
qual seja estabelecer-se se os avanços obtidos pelo direito eleitoral foram suficientes a
garantir a representatividade popular que dispõe a Carta Magna de 1988 no parágrafo único
do seu artigo primeiro, o exercício do poder popular através de representantes eleitos.
Pressupõe a efetividade normativa constitucional, no tocante à soberania popular, que
os cidadãos eleitos pelo voto popular irão representá-lo nas questões de Estado, na figura dos
“especialistas na coisa pública” de que tratou Siéyes.
Para tal faz-se necessária estar presente no processo a consciência cívica, tanto de
quem exerce a capacidade eleitoral ativa quanto a passiva.
Para os primeiros, exige o exercício pleno da representatividade que estejam
conscientes da importância do voto, que exerçam o direito de sufrágio de forma efetiva,
cônscios da importância da escolha.
Quem consulta uma lista de votação dentro da cabine eleitoral, sem inteirar-se quanto
ao pensamento político dos candidatos, sem verificar seus atributos morais, sua capacidade
política, estará apenas cumprindo a obrigação legal de comparecer ao local de votação, não
estará exercendo o direito de sufrágio.
O eleitor que utiliza o voto como elemento de barganha, no varejo dos interesses
pessoais, não se vê como instrumento da democracia, mas sim como o participante de um
jogo, no qual sendo vencedor o seu escolhido terá vencido também, ainda que o prêmio seja
vil.
Esbarra a efetividade da representatividade popular na ignorância política, que não se
confunde, debalde, com analfabetismo. Não se deve ceder a argumentos reducionistas, tais
como o de que o povo não sabe votar porque é ignorante do ponto de vista material.
Na verdade o que o eleitor no mais das vezes ignora, e aí não se faz distinção a
classes sociais ou no nível de instrução, é que está delegando ao candidato escolhido sua
capacidade de decidir.
Na Teoria do Poder Constituinte, quem decide é o povo, único titular do Poder.
13

Ao escolher um candidato entre tantos elencados em uma lista partidária, o eleitor


está conferindo-lhe uma procuração, um mandato que lhe confere o poder de decidir frente a
diferentes situações, como se o próprio eleitor estivesse decidindo.
Para que tenha efetividade tal representação, o candidato escolhido deverá,
necessariamente, estar alinhado com a ideologia do eleitor, estar afinado com seus anseios
políticos, deverá verdadeiramente defender seus interesses políticos.
E mais, o candidato escolhido deverá estar imbuído do espírito público de quem trata
da coisa pública como se fosse sua, visando o bem comum.
O eleitor inconsciente de sua titularidade, do seu poder constituinte confere ao
desconhecido delegação política para decidir em seu nome, sem qualquer reserva.
O que advém de tal inconsciência, muitas vezes, é o descompasso entre a vontade
popular e as decisões tomadas alhures, no Congresso Nacional, ou mesma nas Câmaras
estaduais e municipais.
Tal fato assume extrema importância quando se tem em conta que o legislador
constituinte originário delegou aos representantes eleitos pelo povo o poder de propor e
aprovar emendas à Constituição.
Outra problemática verificada no sistema eleitoral brasileiro decorre de como são
custeadas as campanhas eleitorais no Brasil.
Um estudo promovido pelo pesquisador David Samuels professor-assistente do
Departamento de Ciência Política da Universidade de Minesota (EUA) e pesquisador
visitante na Fundação Getúlio Vargas nos anos de 2001 e 2002, divulgado pela Revista
Conjuntura Política, chegou à conclusão de que Brasil tem campanhas eleitorais custosas,
que envolvem valores tão grandes quanto os movimentados em campanhas eleitorais nos
Estados Unidos, país com um produto interno bruto mais de quatorze vezes maior do que o
brasileiro.
O pesquisador comparou o custo da campanha eleitoral de 1994 no Brasil com o
custo da campanha de 1996, nos EUA. A campanha eleitoral brasileira consumiu entre
US$3,5 e US$4,5 bilhões, mais do que o total gasto por todos os candidatos nas eleições dos
EUA em 1996: US$ 3 bilhões. 22
A parte final do parágrafo 9º do artigo 14 da Constituição de 1988 dispõe sobre a
proteção à normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico.

22
Noticias de Universidades e Centros de Pesquisa. Agência de Noticias Prometeu.Disponível em:
http://www.prometeu.com.br/noticia.asp? cod=453. Acesso em 17 nov 2007.
14

O bem jurídico protegido pela norma constitucional é a liberdade de voto, além da


liberdade de participação, a liberdade da escolha no viés da capacidade eleitoral ativa, a
liberdade de participar do processo eleitoral com chances, no que tange à capacidade eleitoral
passiva.
Aquela limitação censitária do século XIX, que restringia as capacidades ativa e
passiva aos proprietários, aos possuidores de renda, parece ter mudado de eixo.
Não mais é uma limitação quanto à elegibilidade ou alistabilidade, mas sim quanto à
capacidade de fazer campanhas políticas.
Excetuando-se aqueles partidos de longa tradição ideológica, em que as convenções
partidárias são dignas desse nome, nos quais os candidatos são escolhidos de forma
democrática e que se sustentam dos fundos partidários e de contribuições de seus afiliados,
no mais é extremamente difícil, para não dizer impossível, que um candidato sem um
financiamento privado forte faça uma campanha compatível com o poder econômico e, por
conseguinte seja eleito.
A pergunta que se impõe é se este candidato, uma vez eleito, estará representando o
eleitorado que o elegeu ou o doador de campanha que o financiou.
No Brasil fala-se em bancada dos ruralistas, bancada da saúde, bancada do sistema
financeiro com a maior naturalidade, como se isso não indicasse graves distorções do sistema
de representatividade.
Reconhecendo a gravidade de tais distorções, visando coibir a influência do poder
econômico nas eleições, o Congresso Nacional aprovou a Lei 11.300, de 10 de maio de 2006,
que introduz e altera dispositivos da Lei 9504, de 30 de setembro de 1997, que por sua vez
disciplina a realização das eleições.
Entre as inovações introduzidas pela referida Lei encontra-se a obrigatoriedade de
comunicação, no ato de registro das candidaturas, pelos partidos e coligações, dos valores
máximos de gastos que farão por cargo eletivo em cada eleição a que concorrerem – Artigo
17-A da Lei 9504/97.
Impõe ainda a utilização de conta específica para recebimento de doações, que
somente poderão ser feitas por meio de cheques cruzados e nominais, transferência eletrônica
de depósitos e depósitos em espécie, até o limite fixado – Artigo 23, parágrafo quarto.
Veda ainda quaisquer doações em dinheiro, bem como de troféus, prêmios, ajudas de
qualquer espécie feitas por candidato, entre o registro e a eleição, a pessoas físicas ou
jurídicas – Artigo 23, parágrafo quinto.
15

Buscando a transparência e a lisura das doações de campanha, o artigo 28 da referida


lei passa a obrigar os partidos, as coligações e os candidatos a divulgar, durante as eleições e
por meio da rede mundial de computadores, relatório discriminando os recursos em dinheiro
ou estimáveis em dinheiro que tenham recebido para financiamento da campanha eleitoral, e
os gastos que realizarem, em sítio criado pela Justiça Eleitoral para esse fim, exigindo-se a
indicação dos nomes dos doadores e os respectivos valores doados somente na prestação de
contas final.
Contrariando as expectativas, a Lei 11.300 encontrou aplicação já nas eleições de
2006, pela Resolução nº. 22.261 do Tribunal Superior Eleitoral, sendo cedo para se avaliar os
efeitos que emprestou àquelas eleições, exceto quanto à limpeza e organização dos
logradouros públicos e áreas comuns, imposta pela proibição de afixação de propaganda
política de qualquer natureza, limpeza e organização percebida a olhos nus.
Questão interessante respeitante à lisura, normalidade e legitimidade das eleições no
Brasil remete à fiscalização exercida pela Justiça Eleitoral sobre a emissão de títulos
eleitorais.
Embora seja forçoso reconhecer os avanços que a tecnologia possibilitou nesse
campo, principalmente através da informatização dos sistemas e modernização dos meios, é
curioso verificar-se a convocação promovida pela Justiça Eleitoral para revisão do eleitorado
brasileiro, sob a constatação de que alguns municípios brasileiros têm muito mais eleitores
que habitantes.
O artigo 92 da Lei 9.504/97 determina a revisão pelo Tribunal quando o número de
eleitores é superior a 80 por cento da população, o total de transferências de títulos do ano em
curso é dez por cento maior em relação às transferências do ano anterior e o eleitorado for
superior ao dobro da população entre dez e quinze anos, somados também os com mais de
setenta anos. Os três requisitos devem ser cumpridos simultaneamente.
Levantamento promovido pelo Tribunal Superior Eleitoral apontou que em cento e
oito municípios o número de eleitores é maior do que a população. Campos Verdes (GO) é a
cidade onde há a maior porcentagem de eleitores sobre a população: 314,53%. Há no
município 1.707 habitantes e 5.369 eleitores. A segunda maior proporção também está no
estado de Goiás. Na cidade de Baliza há 897 moradores e 2.304 eleitores, ou seja, o
eleitorado corresponde a 256,86% da população.
16

Por esta razão, 6.812.962 eleitores de 24 estados deverão comparecer ao cartório


eleitoral de seu município para regularizar a sua situação até o final deste ano; caso contrário,
o título será cancelado.23
Os números falam por si quanto à representatividade popular e legitimidade de
eleições realizadas nesses termos e quanto às distorções que tal inchamento do eleitorado
pode causar no sistema da democracia representativa.

2.5 – O SISTEMA BICAMERAL

Segundo o magistério de Augusto Zimmermann, “o bicameralismo surgiu na


Inglaterra, quando em 1265 um poderoso feudatário de origem normanda, Simon de Monfort,
reuniu o Parlamento contra a vontade do Rei Henrique III”. 24
Monfort convocou dois cavalheiros por cada condado e dois burgueses por cada
25
cidade, “merecendo por tal motivo a denominação de Pai da Câmara dos Comuns”.
Tal procedimento seria posteriormente adotado oficialmente, reunindo-se a Câmara
dos Comuns separadamente à Câmara dos Lordes, em salas distintas, tendo aí origem o termo
bicameralismo.
No Estado Federal, o bicameralismo serve à dupla representação, do povo e dos
representantes dos estados-membros da Federação, cada qual em sua casa legislativa.
Havendo reafirmado a Carta de 1988 o pacto federativo como forma de organização
do Estado, subsiste no ordenamento jurídico constitucional a dupla representação, a Câmara
dos Deputados representando o povo, enquanto o Senado Federal representa os Estados-
membros da Federação.
Segundo John Stuart Mill, tal medida teria ao propósito de obstar que Estados mais
poderosos oprimam os outros, garantindo ainda os direitos reservados dos governos
estaduais. Por esse critério de representação, se torna impossível que um projeto seja
aprovado apenas com a maioria dos cidadãos, dependendo para tal também da maioria dos
Estados.26

23
Revisão Eleitoral. Justiça Eleitoral. Disponível em: http: // www.tse.gov.br. Acesso em 17 nov 2007.
24
ZIMMERMANN, op.cit. p.447.
25
Ibidem, p.447.
26
STUART MILL, John, apud ZIMMERMANN, op.cit. p. 451.
17

Cabe observar que a dupla representação se dá apenas no plano do poder central,


favorecendo a segunda representação certo controle, pelo Senado Federal, de atos da União
que venham a suprimir direitos reservados dos Estados-membros, sendo esse um dos
aspectos positivos da dupla representação.
Tal assertiva encontra exemplo maior na competência estabelecida pela Constituição
ao Senado Federal para autorizar operação externas de natureza financeira, de interesses da
União dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios (Art.52, V), para
dispor sobre limites e condições para a concessão de garantia da União em operações de
crédito externo e interno (Inciso VIII), dentre outras atribuições de controle e proteção ao
pacto federativo.
Outro aspecto importante da dupla representação é a possibilidade de controle mútuo
dos atos de cada casa legislativa, resultando em decisões plenamente amadurecidas.
Karl Loewenstein afirma que ambas as casas do Legislativo, “sendo
constitucionalmente habilitadas a aprovar, em separado, cada projeto de lei, estariam em
condições de contrabalançar, restringir ou controlar mutuamente os respectivos atos”.27
No caso das Emendas à Constituição, dispôs o legislador constituinte originário que
para serem aprovadas, as propostas deverão ser discutidas e votadas em cada Casa do
Congresso Nacional, em dois turnos, considerando-se se aprovadas se obtiverem três quintos
dos votos dos respectivos membros – Artigo 60, parágrafo segundo - garantindo-se assim a
rigidez quanto à forma de alteração da Constituição.
Também quanto à produção das demais espécies normativas prevê a Constituição
revisão mútua, em um só turno de discussão-Artigo 65.
Questão relevante quanto à competência constitucional atribuída ao Senado Federal é
de julgar e processar o Presidente e o Vice-Presidente da República, nos crimes de
responsabilidade, bem como os Ministros de Estado e Comandantes das Forças Armadas, nos
crimes da mesma natureza conexos com aquele, situação em age como verdadeiro órgão
julgador.
Ressalte-se o caráter eminentemente político de tal julgamento, decorrente da
natureza funcional do crime de responsabilidade, crimes aos quais se refere Damásio como
crimes de responsabilidade impróprios, definidos como ilícito político-administrativo, ou
“crime que não é crime”. 28

27
LOEWENSTEIN, Karl, apud ZIMMERMANN, op. cit. p.449.
28
JESUS, Damásio de in Ação Penal sem crime, Complexo Jurídico Damásio de Jesus. Disponível em:
www.damasio.com.br. Acesso em 18 nov 2007.
18

Os membros do Senado Federal são eleitos segundo o princípio majoritário, para um


mandato de oito anos, o dobro da duração do mandato dos deputados federais, o que segundo
a doutrina teria fundamento no caráter moderador da Casa.
Pode-se afirmar, em termos de representatividade popular, que enquanto a Câmara
dos Deputados é composta de representantes da nação como um todo, o Senado Federal
compõe-se de representantes de um grupo da nação em particular, de determinado Estado-
membro da Federação, devendo agir em defesa de interesses específicos desse determinado
grupo de nacionais.

2.6- PARTIDOS POLÍTICOS E REPRESENTAÇÃO POPULAR

A conceituação doutrinária de partido político remete a uma associação de indivíduos


que promove ações conjuntas orientadas à conquista do poder.
Conquanto Rousseau tenha defendido que “quando se estabelecem facções,
associações parciais a expensas da grande, a vontade de cada uma dessas associações torna-
se geral em relação a seus membros e particular em relação ao Estado”, e que “quando uma
dessas associações for tão grande que se sobreponha a todas as outras, não se terá mais como
resultado uma soma das pequenas diferenças, mas uma diferença única – então, não há mais
29
vontade geral” , a democracia moderna não prescinde do debate advindo de uma
pluralidade de partidos fortes.
Pela associação dos indivíduos congregados em ideais, em objetivos comuns, que
pela força das idéias se apresentem à nação como alternativa de poder surgem os caminhos a
percorrer em busca da solidificação do Estado ideal desenhado pelo constituinte originário.
Com o fim da ditadura militar vários partidos políticos foram criados enquanto outros
deixaram a clandestinidade e voltaram à atividade regular.
Durante o regime militar apenas duas agremiações político-partidárias podiam
exercer livremente as suas atividades: A Aliança Renovadora Nacional – ARENA, que
reunia os políticos favoráveis ao Regime e o Movimento Democrático Brasileiro – MDB, de
oposição.

29
ROUSSEAU, Jean-Jacques, O Contrato Social, Livro Segundo Capítulo III apud ZIMMERMANN, op. cit.
p.354.
19

No Brasil da Carta de 1988 apresenta-se como Princípio fundamental o pluralismo


político que se manifesta pela liberdade que a Carta propicia à formação dos partidos
políticos-Artigo 1º, Inciso V.
Se por um lado essa liberalidade se contrapõe salutarmente ao ordenamento anterior
em que se tolerava apenas um partido de oposição ao regime, por outro lado enfraqueceu
esses mesmos partidos ao propiciar a criação de inúmeras agremiações de nenhuma tradição
ideológica, que funcionam como verdadeiras “legendas de aluguel”, abrigando candidaturas
aventureiras e desprovidas de lastro político.
Pelo contrário, multiplicam-se as legendas utilizadas por políticos inescrupulosos para
o aproveitamento do tempo gratuito de propaganda nos meios de comunicação, tempo esse
que passa, nas mãos de tais políticos, a representar valiosa moeda de troca, além da
participação inerente no Fundo Partidário.
O que interessa para o estudo que ora se propõe, porém, é saber até que ponto a
representação política exercida pelas agremiações político-partidárias está em sintonia com a
representação popular.
A Carta de 1988 estabeleceu, para a eleição dos deputados federais, o sistema de
representação proporcional em listas abertas, que corresponde à votação em determinado
candidato constante em uma lista apresentada pelo partido e não no partido em si,
beneficiando-se a agremiação partidária, de todo modo pelo chamado voto de legenda.
O Artigo 45 da Carta Magna dispõe que a Câmara dos Deputados compõe-se de
representantes do povo, eleitos pelo sistema proporcional.
Nesse sistema, o total de números válidos de determinado Estado é dividido pelo total
de vagas disponíveis. Do cálculo resulta o chamado coeficiente eleitoral, que é o número de
votos necessários para o preenchimento de um cargo.
De posse do coeficiente eleitoral e do número de votos obtidos por cada partido,
chega-se ao número de cadeiras a que a agremiação terá direito, pela divisão do coeficiente
pelo número de votos obtidos.
Como o partido se beneficia ainda do voto de legenda, voto dado unicamente ao
partido, percebe-se que o voto em determinada unidade da Federação chega a valer até vinte
vezes mais do que em outro, o que viola, sem qualquer sombra de dúvida, o princípio do um
homem, um voto, princípio básico da Teoria do Poder Constituinte e da soberania popular.
Deve ser observado que na atual legislatura, dos quinhentos e treze deputados eleitos,
apenas 31 (6,04%) alcançaram por si mesmos o coeficiente eleitoral.
Outro aspecto relevante diz respeito ao instituto da fidelidade partidária.
20

A Constituição Federal exige a filiação partidária como pressuposto de exigibilidade,


nos termos do Inciso V do parágrafo terceiro do artigo 14.
Ocorre que uma vez eleito o candidato, o partido não exerce mais qualquer controle
sobre ele, ou melhor, não exercia, pois inédita decisão em sede do Supremo Tribunal Federal
concluiu que o cargo pertence ao Partido, não ao candidato eleito.
Desde o início da atual legislatura 46 deputados haviam trocado de partido, no
momento em que a Corte Suprema decidiu, nos autos dos Mandados de Segurança 26602
(impetrado pelo PPS), 26603 (PSDB) e 26604 (DEM), por maioria de seus membros, que o
instituto da fidelidade partidária começou a vigorar a partir da data da resposta dada pelo
TSE à Consulta 1398, em 27 de março de 2007, consulta formulada pelo Partido da Frente
Liberal, atual DEM.
A referida consulta dizia respeito a se as coligações têm o direito de preservar a vaga
obtida pelo sistema eleitoral proporcional, quando houver pedido de cancelamento de filiação
ou de transferência do candidato eleito por um partido para outra legenda.
Em resposta, decidiu o Tribunal Superior Eleitoral afirmativamente, sob o argumento
de que “não se há de permitir que seja o mandato eletivo compreendido como algo integrante
do patrimônio privado de um indivíduo, de que possa ele dispor a qualquer título, seja
oneroso, seja gratuito”. E ainda: “o mandato parlamentar pertence, realmente, ao Partido
Político, pois é à sua legenda que são atribuídos os votos dos eleitores” Voto do Ministro
César Asfor Rocha – Consulta TSE 1398.
O voto do Ministro Celso de Melo, Relator do Mandado de Segurança nº. 26.603
ressalta questões “impregnadas de qualificação constitucional”, tais como a essencialidade
dos partidos políticos no processo de poder, a importância do postulado da fidelidade
partidária, o alto significado das relações entre o mandatário eleito e o cidadão que o escolhe,
o caráter eminentemente partidário do sistema proporcional e as relações de recíproca
dependência entre o eleitor, o partido político e o representante eleito.
Também se revela preocupante no tocante à representação política, o fim da
obrigatoriedade da verticalização das coligações nas campanhas eleitorais, o que permite que
um partido se coligue com um oposto em determinada região, e com o oposto deste em outra,
em verdadeira miscelânea de ideologias.
2.7 – CONTROLE JUDICIAL: CONSTITUCIONALIDADE E REPRESENTAÇÃO
POPULAR.
21

O legislador constituinte originário de 1988 delimitou muito bem a forma de controle


judicial de constitucionalidade das leis e atos normativos, adotando um sistema misto de
controle repressivo, fulcrado tanto no sistema concentrado, de via direta ou principal, de
ação, quanto no sistema difuso, ou de via indireta, incidental, prejudicial, por via de exceção
ou de defesa.
Apesar de provirem de ordenamentos com realidades político – jurídicas distintas
encontraram ambos os sistemas aplicação no ordenamento constitucional brasileiro,
coexistindo pacificamente, caracterizando-se o segundo “pela permissão a todo e qualquer
juiz ou tribunal realizar no caso concreto a análise sobre a compatibilidade do ordenamento
30
jurídico com a Constituição Federal”. Já o sistema concentrado deriva da doutrina de
Kelsen, também chamado de modelo europeu, consistindo no controle repressivo através de
tribunais constituídos de jurisdição constitucional.
Cabe ressaltar que a técnica de controle constitucional pela via de exceção, através de
recurso extraordinário ao Supremo Tribunal Federal encontra-se prevista no ordenamento
constitucional brasileiro desde a Carta de 1891.
Augusto Zimmermann cita a Constituição de 1891, “sob a nítida influência da
doutrina constitucional norte-americana, modelar com o pensamento de Rui Barbosa” como a
31
que “inaugurou o sistema de controle judicial de normas no Brasil”.
Comparando-se o capítulo das competências do Supremo Tribunal Federal desde a
carta de 1891 até a atual Constituição, verifica-se que a Constituição Federal de 1891, em seu
artigo 59, parágrafo primeiro, alínea “b”, dispunha a possibilidade de interposição de recurso
extraordinário, em face das sentenças proferidas pelas justiças dos estados, em instância
final, na hipótese de contestação da validade de leis ou de atos dos governos dos estados em
face da Constituição.
A disposição foi mantida e ampliada pelas Constituições que a sucederam,
verificando-se algumas modificações significativas no Texto Constitucional, que não
tiveram, porém, o condão de alterar a substância do instrumento.
Para Paulo Bonavides o controle por via de exceção “é de sua natureza o mais apto a
prover a defesa do cidadão contra os atos normativos do Poder, porquanto em toda demanda
que suscite controvérsia constitucional sobre lesão de direitos individuais estará sempre
aberta uma via recursal à parte ofendida”.32

30
MORAES, Alexandre de, Direito Constitucional, 11ª ed., São Paulo: Atlas, 2002, p.587.
31
ZIMMERMANN, op. cit, p. 581.
32
BONAVIDES, Paulo, Curso de Direito Constitucional, 20. ed.São Paulo: Malheiros, 2007, p.325.
22

O professor Bonavides aponta, colocando-se ao lado da maioria dos historiadores


constitucionais, a importância da Constituição de 1934 como marco introdutório de
33
importantes inovações de teor constitucional.
Seriam essas inovações, primeiramente a imposição de maioria absoluta dos votos
pela totalidade dos juízes como requisito essencial de eficácia das declarações de
inconstitucionalidade, pelos tribunais. Em segundo lugar a competência atribuída ao Senado
Federal para suspender, parcial ou totalmente a execução de qualquer ato ou dispositivo
normativo ao qual o Supremo tenha declarado inconstitucional. 34
Em terceiro figura a representação interventiva, a partir da qual o Procurador - Geral
da República levaria ao conhecimento do Supremo Tribunal Federal, lei federal que, havendo
decretado intervenção da União em determinado Estado-membro da Federação, o fizesse
com inobservância de determinados princípios constitucionais, requerendo a declaração de
constitucionalidade e por ultimo, a instituição do mandado de segurança contra ato de
qualquer autoridade, manifestadamente inconstitucional ou ilegal, para proteção de direito
certo, líquido, ameaçado ou violado dos cidadãos. 35
A Constituição do Estado-Novo, de 1937, outorgada em plena vigência de regime
autoritário representou, por sua vez, verdadeiro retrocesso no plano do controle judicial, ao
condicionar a aplicação das declarações de constitucionalidade proferida pelos Tribunais à
revisão pelo Parlamento, nos casos em que o ato ou a lei fosse considerado necessário ao
bem-estar do povo, à promoção ou defesa de interesse nacional de alta monta, a juízo do
Presidente da República, podendo ser invalidada a decisão judicial por votos de dois terços
dos membros de cada Casa - parágrafo único do artigo 96, controle político exercido em
proveito do Executivo, não da normalidade constitucional.
Paulo Bonavides ressalta a representação interventiva, nos moldes em que foi
retomada pela Constituição de 1946, que previa a possibilidade de intervenção da União em
Estado-membro da Federação, no caso de inobservância dos princípios constitucionais
inscritos no Inciso VII do art. 7ª, mas que agora “só se decretava após o Supremo haver
examinado o ato argüido de inconstitucionalidade” como a “semente de um controle por via
de ação” que começava a germinar. 36.
Fato é que a Constituição de 1988 consolidou no ordenamento constitucional as
técnicas repressivas de controle de constitucionalidade, não havendo qualquer dúvida quanto

33
Ibidem, p. 328.
34
Ibidem, p.328.
35
Ibidem, p.328.
36
Ibidem, p. 329.
23

à legitimidade da delegação conferida aos órgãos judiciais, ao Supremo Tribunal Federal, em


especial e precipuamente, como figura guardiã da Carta Magna.
O grande problema que impulsiona a polêmica sobre a legitimidade de determinadas
decisões em sede de controle judicial de constitucionalidade, diz respeito mais à
judicialização verificada no plano institucional, respeitante à apreciação pelo Judiciário de
todos os assuntos nacionais, que ao controle judicial em si.
Atualmente o Poder Judiciário é chamado a decidir praticamente todas as disputas
que se verificam, quer no âmbito interno dos demais poderes, como aplicação do regimento
interno da Câmara dos Deputados, por exemplo, quer no âmbito do sistema político-
partidário, quer dos sistemas eleitoral, penal e carcerário, além de outras questões relevantes
e de interesse nacional, o que estaria a evidenciar certo desequilíbrio entre os poderes
constituídos.
Como fator inibidor do acesso desenfreado, primeiramente introduziu-se a exigência
de pertinência temática no controle judicial por via de ação, que encontra resistência entre os
próprios membros do Supremo, como o Ministro Gilmar Mendes, como se observa da
afirmação: “uma tal restrição ao direito de propositura não se deixa compatibilizar,
igualmente, com a natureza do controle abstrato das normas e criaria uma injustificada
37
diferenciação entre os entes ou órgãos autorizados a propor a ação”, além da exigência de
representatividade em nível nacional, em pelo menos nove unidades da Federação, no caso
dos legitimados à proposição da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória
de constitucionalidade.
A Emenda 45 de 2004, além de ampliar os efeitos vinculantes gerais das decisões
definitivas de mérito proferidas pelo Supremo às ações diretas de inconstitucionalidade,
efeitos anteriormente atribuídos apenas às ações declaratórias de constitucionalidade,
introduziu a exigência, no controle por via de exceção, através de recurso extraordinário, da
demonstração, pelo recorrente, da repercussão geral das questões constitucionais discutidas
no caso, como requisito de admissibilidade, condicionada a negativa desta à manifestação de
dois terços de seus membros – Artigo 102, Inciso III, parágrafos 2º e 3º.
Tais dispositivos têm o claro condão de diminuir a sobrecarga a que foi submetido o
sistema de controle de constitucionalidade, liberando os membros do Supremo à análise das
questões verdadeiramente constitucionais.

37
MENDES, Gilmar Ferreira, Jurisdição Constitucional, 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 145 apud
ALMEIDA, Vânia Hack de, Controle de Constitucionalidade, Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2004, p.63.
24

Na realidade, o que esse aparente desequilíbrio evidencia, é um claro choque de


visões de Estado, de idéias, sobre o qual já se tratou anteriormente.
Havendo estabelecido a Assembléia Constituinte de 1988 um Estado de Direito
eminentemente social, tal deliberação choca-se com a visão anterior de Estado de Direito,
liberal, de bases jurídicas preestabelecidas e preordenadas de forma a buscar o maior lucro
possível pela utilização do capital no menor espaço de tempo.
Não se pode olvidar que o Estado liberal visava precipuamente ao atendimento dos
interesses de uma burguesia mercantilista, manifestando-se preferencialmente pela proteção à
propriedade privada, à livre iniciativa de empresa e aos interesses individuais.
Afirma Paulo Bonavides que “o Estado Social no Brasil aí está para produzir as
condições e os pressupostos fáticos indispensáveis ao exercício dos direitos fundamentais" ·
O novo estado de direito desenhado pelo constituinte originário visa dar conformação
à solidariedade social em contraposição a um Estado de Direito voltado a interesses privados.
Afirma mais o autor: “não há para tanto outro caminho senão reconhecer o estado
atual de dependência do indivíduo em relação às prestações do Estado e fazer com que este
último cumpra a tarefa igualitária e distributivista, sem a qual não haverá democracia nem
liberdade”.38
Desse choque de visões surgem, inevitavelmente, conflitos cotidianos, que deságuam
na apreciação judicial.
E mais, como os governos eleitos nem sempre estão dispostos a cumprir o seu papel
na ordem constitucional, provendo aos seus cidadãos as condições mínimas de subsistência
impostas pela solidariedade social, conforme o padrão estabelecido pela Constituição,
preferindo o caminho eleitoralmente mais proveitoso do assistencialismo, tais questões são
levadas, inexoravelmente, à apreciação judicial.
Exemplo da assertiva acima é a demanda judicial pelo fornecimento gratuito de
medicamentos a pessoas portadoras de moléstias graves e que não têm condições materiais
para a sua aquisição, demandas que abarrotam os tribunais e que muitas vezes, a mingua de
instrumentos de efetiva coerção ao cumprimento das decisões judiciais concessivas, resultam
em mandados de prisão dirigidos a secretários de estado, mandados que por sua vez abrem
novas discussões no campo da constitucionalidade de tais medidas.
Quando os governos eleitos, contrariamente ao exemplo anterior, visando dar
efetividade à solidariedade social decidem promover emendas à Constituição que, ao menos
teoricamente, restringem benefícios previdenciários das classes mais organizadas e poderosas
38
Ibidem, pp.378,379.
25

em benefício do regime geral de previdência, da mesma forma são contestados, sob


argumentos tais como supressão de direitos adquiridos, lesão a ato jurídico perfeito, etc.
demandando pronunciamento judicial quanto à constitucionalidade das medidas adotadas.
Como se observa, é inesgotável o arsenal de discussões constitucionais geradas a
partir do choque de Estados mencionado.
Como instrumento de solução dos conflitos assim estabelecidos, e partindo da
premissa da supremacia das normas constitucionais, o ordenamento jurídico pátrio buscou
emprestar efetividade constitucional às relações institucionais e interpessoais, pela ação dos
órgãos judicantes competentes, a partir daquilo que se convencionou chamar de filtragem
constitucional, através do qual todo o ordenamento jurídico é lido e interpretado à luz da
Constituição.
De tal método surgem métodos e expressões tais como interpretação conforme a
Constituição, ponderação de direitos em conflitos, declaração de inconstitucionalidade com
supressão ou redução de texto e outras mais, que fazem, por sua vez, crescer o debate acerca
da legitimidade do que a doutrina denominou de legislação positiva, hipótese na qual o órgão
judicante, pela interpretação dada a determinada lei ou ato normativo, pela supressão ou
redução do texto da norma, acaba alterando seu sentido inicial ou a interpretação inicial que
dela se extraia.
Recentemente, por considerar que a norma constitucional que dispunha sobre o
direito de greve do funcionalismo público detinha eficácia limitada, carecendo de
regulamentação infraconstitucional e na omissão do poder legislativo quanto à edição de
norma de regulação do direito, instado a pronunciar-se o Supremo Tribunal Federal decidiu
pela aplicação da regulamentação do direito de greve dos trabalhadores em geral ao direito de
greve dos funcionários públicos, decisão por muitos considerada como exercício de
legislação positiva.
Começa a aparecer no cenário do debate jurídico doutrinário nacional, já há algum
tempo, a questão da dificuldade contra-majoritária, importada da doutrina norte-americana,
em que se tecem críticas ao processo do judicial review, americano, justamente pelo caráter
político da jurisdição exercida pela Suprema Corte e ainda pela prevalência das decisões
judiciais frente aos demais poderes constituídos, resultante no que doutrina americana
denominou de supremacia judicial.
No Brasil, assim como lá, respeitadas as características de cada sistema, afirmam os
críticos que tal supremacia se dá em que pese os juízes não serem eleitos pelo voto, mas
escolhidos tecnicamente através de concurso e prova de títulos, em alguns casos, e nomeação
26

em outros, proferindo decisões que iriam de encontro à maioria que pelo voto escolheu os
governantes e seus programas de governo.
O caso, não obstante o respeito às opiniões divergentes, parece ser, mais uma vez, de
choque de visões de Estados e de idéias, como anteriormente explicitado e não de supremacia
judicial sobre os demais poderes.
Não é constitucionalmente aceitável que determinado grupo eleito em hipótese de
alternância de poder, alternância de poder esta que não revele o rompimento institucional
verificado no período pré-constituinte de 1988, queira alterar o ordenamento vigente pela
imposição de novo ideário político, através de leis e atos normativos casuísticos, sem
observância dos princípios constitucionais legitimados pelo Poder Constituinte originário.
Em 1988, após longo período de supressão de liberdades democráticas e garantias
fundamentais, a sociedade civil organizou-se de tal modo que, pela força dos seus anseios, no
papel de poder constituinte material, impôs a alteração da ordem constitucional,
legitimamente, pelo voto, pela eleição de representantes, poder constituinte formal que deu
conformação social ao novo Estado de Direito.
Daí exsurge a força normativa constitucional de 1988, e se o órgão máximo do Poder
Judiciário, a quem a ordem constitucional delegou o papel de guardião da Constituição,
decide segundo o padrão constitucional originário, tornando concretos os anseios da
sociedade civil, o que verifica é supremacia constitucional, não uma mera supremacia
judicial.
Por outro lado, como a sociedade não é estática, estando em estado de mutação
constante, a ordem constitucional vigente deve adequar-se à solução dos novos conflitos
surgidos das relações de emprego, do aparecimento de novas mídias, do sistema global de
comércio e indústria, do transnacionalismo contemporâneo, sendo certo que tal adequação
cabe ao órgão ao qual se delegou originalmente tal poder, utilizando-se para tal do desenho
constitucional estabelecido em 1988, até que nova ordem constitucional venha a alterá-lo, se
esta for a vontade da nação.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS.

Diante do acima se expôs, é de se concluir que o regramento constitucional de 1988


encontra-se assentado em sólidas bases de legitimação popular, havendo se estabelecido
através de rompimento político com o ordenamento anterior, ordenamento este imposto pelo
27

regime militar que a partir do golpe revolucionário de 1964 governou o país com mão - de-
ferro, até exaurir-se em lutas internas e pela pressão da sociedade civil organizada.
O movimento que culminou com a convocação de 1986 para a elaboração da Carta de
1988, deu efetiva concretude aos postulados da Teoria do Poder Constituinte, principalmente
no que diz respeito ao povo, titular do Poder, que em um ato inicial de criação do Estado, ao
qual não se opôs qualquer limitação jurídica, elegeu seus representantes em Assembléia
Constituinte, Assembléia esta que desempenhou a missão de elaborar o estatuto básico do
Estado: A Constituição.
Como o rompimento institucional não se deu de forma violenta, com a tomada de
poder pelas armas como se viu acontecer tantas vezes na história das nações, mas sim de
forma pacífica, sem maiores sobressaltos, estiveram representados na Assembléia
Constituinte todos os estratos da sociedade, inclusive aqueles que apoiavam o antigo regime,
resultando de tais circunstâncias a manutenção de determinados modelos e idéias que
implicam em desvios importantes de representação popular.
Não se pode olvidar como demonstrado anteriormente, que a representação popular
não encontra perfeita expressão nas bases em que está assentado o sistema eleitoral,
mormente no que tange à consciência cívica dos eleitores, na ausência de espírito público dos
eleitos, nos financiamentos privados de campanha que resultam em influência indevida do
poder econômico sobre a liberdade de voto.
Com a edição da Lei 11.300, de 10 de maio de 2006, como se expôs no item
pertinente, ampliou-se significativamente o leque de medidas de combate à influência do
poder econômico, cabendo à sociedade a fiscalização quanto à sua aplicação, de forma a
garantir-se igualdade de condições de elegibilidade.
Ainda no plano eleitoral, em combinação com o político-partidário, verifica-se talvez
o mais importante desvio de representação, consubstanciado na manutenção pela Carta de
1988 do sistema proporcional na eleição dos deputados federais, que como demonstrado,
representa violação ao princípio básico da Teoria do Poder Constituinte e da soberania e
representação popular, manifestado na expressão da igualdade de voto: um homem, um voto.
No que tange à representação política, os problemas enfrentados dizem respeito à
facilidade atribuída pela ordem constitucional à criação de novas agremiações partidárias,
que se traduz em fragilidade dos partidos políticos.
Com relação aos aspectos internos dos partidos, o instituto da fidelidade partidária,
definido em decisões proferidas pelo Superior Tribunal Federal e pelo Supremo Tribunal
Federal na Consulta 1398 e Mandados de Segurança 26602, 26603 e 26604, respectivamente,
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indicam a retomada do caminho da moralidade, restando ainda em aberto a problemática do


fim da obrigatoriedade da verticalização das coligações nas campanhas eleitorais, o que
permite que um partido se coligue com um oposto em determinada região, e com o oposto
deste em outra, em verdadeira miscelânea de ideologias.
Finalmente, no plano judicial, indene de dúvida a legitimação popular delegada ao
Supremo Tribunal Federal para a guarda da Constituição e conseqüente decisão das questões
constitucionais, representando os institutos da súmula vinculante e da cláusula de repercussão
geral introduzidas pela Emenda 45 de 2004, inegáveis avanços no sentido de resguardar-se a
autoridade da Corte e a reserva de competência para as questões verdadeiramente
constitucionais, deixando-se as demais questões aos órgãos judicantes competentes.

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