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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

SILVIA MÁRCIA FERREIRA MELETTI

Educação escolar da pessoa com deficiência mental em

instituições de educação especial: da política à instituição concreta

São Paulo

2006
SILVIA MÁRCIA FERREIRA MELETTI

Educação escolar da pessoa com deficiência mental em

instituições de educação especial: da política à instituição concreta

Tese apresentada ao Instituto de Psicologia da

Universidade de São Paulo. Para obtenção do título de

Doutor em Psicologia.

Área de concentração: Psicologia Escolar e do

Desenvolvimento Humano.

Orientadora: Profa. Dra. Maria Helena de Souza Patto

São Paulo

2006
AUTORIZO A REPRODUÇÃO E DIVULGAÇÃO TOTAL OU PARCIAL DESTE
TRABALHO, POR QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU ELETRÔNICO, PARA
FINS DE ESTUDO E PESQUISA, DESDE QUE CITADA A FONTE.

Catalogação na publicação
Serviço de Biblioteca e Documentação
Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo

Meletti, Silvia Márcia Ferreira.


Educação escolar da pessoa com deficiência mental em instituições
de educação especial: da política à instituição concreta / Silvia Márcia
Ferreira Meletti; orientadora Maria Helena de Souza Patto. -- São
Paulo, 2006.
125 p.
Tese (Doutorado – Programa de Pós-Graduação em Psicologia.
Área de Concentração: Psicologia Escolar e do Desenvolvimento
Humano) – Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo.

1. Retardo mental 2. Educação especial 3. Institucionalização 4.


Política educacional 5. Inclusão escolar I. Título.

RC570
FOLHA DE APROVAÇÃO

Silvia Márcia Ferreira Meletti

Tese apresentada ao Instituto de Psicologia da

Universidade de São Paulo para obtenção do

título de Doutor.

Área de concentração: Psicologia Escolar e do

Desenvolvimento Humano

Aprovado em:

Banca Examinadora:

Prof. Dr. ____________________________________________________________

Instituição _________________________ Assinatura: _______________________

Prof. Dr. ____________________________________________________________

Instituição _________________________ Assinatura: _______________________

Prof. Dr. ____________________________________________________________

Instituição _________________________ Assinatura: _______________________

Prof. Dr. ____________________________________________________________

Instituição _________________________ Assinatura: _______________________

Prof. Dr. ____________________________________________________________

Instituição _________________________ Assinatura: _______________________


Aos meus pais, por me ensinarem a essência da

vida;

Aos meus tios Júlio e Cecília, por me ensinarem,

entre tantas outras coisas, a essência da

Educação, do Conhecimento;

À Ligia, que com sua sabedoria me ensinou a

essência do respeito às diferenças;

Ao Paulo, à Laura, à Ana e à Luísa, essências de

minha vida
AGRADECIMENTOS

Certamente cometeria injustiças se tentasse nominar todos aqueles que me

acompanharam durante todo o percurso de elaboração deste trabalho. Por isso, optei

por não fazê-lo neste espaço, salvo algumas exceções.

Foram cinco anos envolvida com o doutorado. Cinco anos marcados por

grandes tristezas e grandes alegrias. Como foi duro perder a companhia e a

interlocução da amiga e Professora Lígia Assumpção Amaral, que me orientou no

início deste trabalho. Como foi decisivo o apoio do Paulo, de nossas famílias e de

nossos grandes amigos para que eu conseguisse resgatar meu trabalho e chegar até

aqui. Assim como foi decisivo o percurso acompanhado pelo Professor José Leon

Crochik e, em um segundo momento, o acompanhamento da Professora Maria

Helena de Souza Patto, juntamente com as valiosas considerações e direcionamentos

dos Professores José Geraldo Bueno e Adriana Machado Marcondes na ocasião do

Exame de Qualificação.

Agradeço ao Departamento de Educação da Universidade Estadual de

Londrina pelo apoio e pela compreensão com o percurso atípico de meu

doutoramento. À Instituição Especial que abriu suas portas me permitindo a

realização deste estudo e aos profissionais que participaram da pesquisa.

A todos aqueles que direta ou indiretamente contribuíram para a realização

deste trabalho.
Para que fazemos teses?

...Penso que muitos de nós, ao considerarmos que

perguntas formuladas, fazendo sair das sombras

fantasmas escondidos, certamente podem iluminar

novos recantos e, assim, quem sabe propiciar respostas

para um bem viver. Já disse Moscovici que toda

pesquisa começa por um gesto de indignação – alguma

coisa não é como deveria ser, aos olhos do pesquisador.

Algo nos incomoda, nos inquieta, e nos encaminha para

o desafio de penetrarmos na tal espiral sem fim,

tentando, por um lado, nos livrarmos de visões

maniqueístas do mundo e, por outro, nelas

mergulharmos para as questionar. Penso mesmo que

uma pesquisa tem como horizonte último novas

indignações, novas perguntas, novas espirais.

Lígia Assumpção Amaral (2001)


MELETTI, S. M. F. Educação escolar da pessoa com deficiência mental em
instituições de educação especial: da política à instituição concreta. 2006. f.
125. Tese (Doutorado) – Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, São
Paulo, 2006.

Resumo

O presente trabalho teve como objetivo analisar os mecanismos utilizados pela instituição
especial para se adequar às exigências legais e normativas no sentido de assumir a
educação escolar como eixo central de seu trabalho, compatibilizando-o com as
necessidades especiais de seus educandos. Para isso, optou-se por analisar os
documentos institucionais que nortearam o movimento de adequação e a percepção dos
profissionais que compõem a equipe técnica de uma instituição especial em processo de
mudança. Os documentos analisados foram: as diretrizes curriculares elaboradas pela
Federação Nacional das APAES APAE Educadora: a escola que buscamos, o currículo da
instituição especial e seu relatório de atividades. A análise consistiu em buscar nos
documentos e no discurso dos profissionais a forma como as dimensões Educação
Especial, Deficiência Mental e Instituição Especial eram concebidas e se as concepções
contemplavam as novas configurações de cada uma delas, previstas na legislação
educacional: a educação especial como uma modalidade de ensino, a deficiência mental
como uma necessidade educacional especial e a instituição especial como uma escola do
sistema regular de ensino. Para isso, o recurso metodológico utilizado foi a Análise de
Discurso. Os resultados indicaram que os mecanismos utilizados foram: apropriação do
discurso oficial; reinterpretação das normas de flexibilização curricular e de terminalidade
específica; reorganização formal e aparente da estrutura institucional. Com base na
análise dos resultados foi possível concluir que os mecanismos utilizados pela instituição
especial sustentam uma transformação institucional aparente que mantém o caráter
totalitário e conservador da instituição e da educação especial por meio da manutenção
da pessoa com deficiência mental no âmbito da filantropia; da indistinção entre
reabilitação e educação e o não acesso a processos efetivos de escolarização; e da
manutenção da condição segregada da pessoa com deficiência mental na instituição
especial, reconhecida como escola do sistema regular de ensino.
Meletti, S.M.F. School Education of a handicapped person at special care
education institutes : from school policies to real-life institution - 2006 – p.
125. Doctorate thesis – Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo.

Abstract

The aim of this work was to analyze the devices used by the special care institution
to fit in with the legal and standard demands of regular school education by
adjusting it with the special needs of their students .In order to do so, both, the
school documents used in the adjusting process as well as the professional
awareness of the group in charge of the special care institution which is going
through a changing process, were analyzed .The documents taken into account were
the following: curriculum constraints, worked out by the Federação Nacional das
Apaes/ Apae Educadora: a escola que buscamos (The school we search for); the
special care institute curriculum and their activity report.The analysis searched for
the way Special Education, Handicapped People and Special Care Institution were
thought of and whether their basic ideas regarded the new shapes each one of them
has nowadays according to the school rules: Special Education as a modality of
teaching, Handicapped as a special education need and the Special Institute as a
regular teaching school.In order to do so, the methodology used was Discourse
Analysis. The results of the research showed that the devices used were the
following: formal discourse appropriation; a re-interpretation of the rules for
curriculum flexibility and specific bounds; formal reorganization of the institutional
structure. According to the data analysis it was possible to conclude that the devices
used by the special care institution support a seemingly institutional change that still
retains a conservative and totalitarian character. The same occurs with Special Care
Education because handicapped people are regarded within the scope of
philanthropy, they are maintained at the indistinct boundaries between restoring and
regular education; regular school access is denied for handicapped people.The
isolation of handicapped people remains at the special care institution which is seen
as a school of the regular teaching system.
Sumário

Resumo

Abstract

A construção do problema de pesquisa 01

Capítulo 01 - Referenciais Teóricos para Uma Análise do Discurso sobre

Escola Especial para Pessoas com Deficiência Mental 13

Capítulo 02 - Apontamentos sobre a Metodologia da Pesquisa 58

Capítulo 03 - Os sentidos e os mecanismos presentes na reestruturação

da Instituição Especial 64

3.1 - A construção do perfil educacional da instituição

especial expressa nos documentos institucionais e na

perspectiva de seus profissionais. 80

Considerações Finais 111

Referências 120
1

A construção do problema de pesquisa

É muito difícil reconstruir os caminhos e descaminhos que percorri para

formular as perguntas que desencadearam a elaboração deste trabalho. Parece

impossível, como nos mostra Amaral (2001, p. xii), delimitar o início deste caminho,

dessa “espiral infinita que une as coisas da vida, alternando e imbricando início e

fim”. Por isso, a tentativa de reconstrução que aqui se inicia pode não contemplar

todo este trajeto constituído por minhas experiências pessoais e profissionais sempre

tão recheadas de preocupações e indagações.

Meu contato com pessoas com deficiência mental se iniciou, juntamente com

minha graduação em Psicologia, por meio do trabalho que desenvolvi em instituições

especializadas no atendimento a esta população. Em um segundo momento, quando

do desenvolvimento de minha pesquisa de mestrado, meu contato se deu

especificamente no setor profissionalizante de uma instituição especial.

No Mestrado em Educação Especial a pesquisa foi conduzida buscando

conhecer o significado que o processo de profissionalização tinha para a pessoa com

deficiência mental. Para realização do estudo, acompanhei o cotidiano de uma oficina


1 2
abrigada que mantinha convênios com empresas nas quais os aprendizes

trabalhavam em condição de estagiários. O referencial teórico 3 que sustentou as

análises indicava, por um lado, o trabalho como uma via de integração social da

pessoa com deficiência mental e, por outro, que os processos de profissionalização

oferecidos por instituições especiais não estavam viabilizando a preparação, o acesso

e a permanência desta população ao mercado de trabalho regular. Além disso, a

literatura especializada (AMARAL, 1994; MANZINI, 1989) destacava a estigmatização

da pessoa com deficiência mental e sua preparação para o trabalho em condição

1
Local supervisionado, situado em instituições especiais ou como apêndices destas, que atende o indivíduo com deficiência
proporcionando atividades consideradas profissionalizantes [...] Geralmente, é considerado parte do processo de formação [...]
representando uma escala a mais em sua trajetória educativa (MELETTI, 1997, p. 20)
2
Modo como as pessoas com deficiência mental eram denominadas na oficina abrigada.
3
Especialmente, Amaral (1994, 1995), Goyos (1995), Manzini (1989), Giordano (1994).
2

segregada como entraves para sua integração. Os resultados da pesquisa indicaram

que para as pessoas com deficiência mental que participaram do estudo o processo

de profissionalização significava: continuidade ao atendimento educacional, pois que

inserido na instituição especial; alternativa ao ócio e ao desemprego; locus de

aquisição de comportamentos socialmente adequados; e via de estigmatização em

função da permanência em uma instituição especial para deficientes mentais. Além

disso, na análise da estrutura institucional, dos procedimentos de trabalho adotados,

dos tipos de contratos firmados com empresas, não foi possível perceber um

movimento institucional no sentido de integrar a pessoa com deficiência mental no

mercado competitivo de trabalho. Concluiu-se que o processo de profissionalização

não se constituía em uma via de integração social, ao contrário, reiterava a

segregação da pessoa com deficiência mental na instituição especial (MELETTI,

1997).

Ao final daquela pesquisa, as constatações começaram a iluminar outros

questionamentos acerca do processo de institucionalização da pessoa com deficiência

mental, e outras possibilidades de estudo foram se configurando. Especificamente,

direcionei meu interesse e meus estudos para o fato da educação desta população

ocorrer quase que exclusivamente em condição segregada e circunscrita à instituição

especial. As delimitações subseqüentes foram possíveis a partir da literatura

especializada que analisa a segregação da pessoa com deficiência mental como algo

sustentado, ao mesmo tempo em que sustenta, o modo de conceber o fenômeno da

deficiência em nossa sociedade.

Aqui, considero oportuno discorrer sobre como a deficiência mental é

concebida no presente trabalho: um fenômeno multifacetado e multideterminado

em seus aspectos físicos, neurológicos, intelectuais que, dependendo do contexto

social, histórico e cultural no qual está inserido adquire significados específicos de


3

atraso, de incapacidade de atividade mental que sustentarão formas específicas de

lidar com a condição em si.

Ser identificado como deficiente mental em alguns contextos pode ser mais

restritivo das interações entre a pessoa identificada e seu grupo que a identifica do

que a condição de deficiência propriamente dita. O impacto da condição de

deficiência mental em um determinado indivíduo depende mais da leitura social que

é feita desta condição do que das condições orgânicas propriamente ditas.

Foi em Vigotski (1989) que encontrei a análise da necessidade de se

considerar uma determinada deficiência para além de suas manifestações orgânicas,

individuais. Sustentado pelos postulados do materialismo histórico e dialético,

Vigotski, nos Fundamentos da Defectologia, nos mostra que

a cegueira e a surdez como defeito físico permanecerão ainda por muito


tempo na Terra. O cego seguirá sendo cego e o surdo, surdo, mas eles
deixarão de ser pessoas com defeito, porque a deficiência é um conceito
social [...] A cegueira por si só não faz da criança uma pessoa com
defeito, não é uma deficiência, quer dizer uma insuficiência, uma menos-
valia, uma enfermidade. A cegueira se converte em deficiência só em
certas condições sociais de existência do cego (VYGOTSKY, 1989, p. 60).

Nesta mesma linha, encontramos nas análises tecidas por Jannuzzi (1992,

2004), por Amaral (1995), por Bueno (1997a) e por Garcia (2004) a sustentação de

que o fenômeno da deficiência é constituído por meio de múltiplas determinações

que não se restringem a manifestações orgânicas. O fenômeno da deficiência

também é constituído e determinado pelas dimensões sociais, históricas e culturais,

constitutivas da vida humana.

Bueno (1997a, pp. 163-164) nos mostra que

... a deficiência mental, tal como a conhecemos hoje, não apenas só


passou a ser identificada a partir do final do século XVIII, como foi
construída na trajetória histórica de determinadas formações sociais que,
gradativamente, foram exigindo determinadas formas de produtividade
intelectual, as quais culminaram na caracterização de um determinado
tipo de indivíduos – os deficientes mentais – que não conseguiam, em
relação a essas exigências do meio (produtividade intelectual), se
constituir como normativos.
4

Isso porque, em uma sociedade capitalista, marcada pela hegemonia

ideológica do liberalismo e sustentada pelo ideário iluminista com sua valorização da

razão empírica e culto à racionalidade humana, é possível o entendimento de que a

“improdutividade intelectual” seguida de outras improdutividades decorrentes da

primeira, é algo que coloca a pessoa identificada como deficiente mental em uma

condição de profundo desvio.

É, portanto, no conjunto das relações sociais que uma determinada

característica individual passa a ser identificada como deficiência, dependendo das

expectativas depositadas em cada sujeito de um determinado grupo e das

conseqüências que as diferenças acarretam às possibilidades de sua participação em

seu contexto social, histórico e cultural.

Nesse sentido, o entendimento é de que podemos encontrar pessoas

consideradas como deficientes mentais em função exclusivamente das condições de

vida nas quais se encontram 4 , o que direciona as formas de lidar, de significar, de

interagir, enfim, de participação nesse mesmo contexto. Ou seja, a condição de

deficiência mental é algo que não se restringe ao indivíduo e que depende do

julgamento do outro para se efetivar. Julgamento este sustentado pelo conjunto de

normas e valores utilizados para caracterizar tal condição em um determinado

momento histórico.

E como a deficiência mental é julgada e caracterizada em nosso contexto?

Como algo que expressa a falta, o atraso, o distanciamento de atributos

considerados importantes e que compõem o modelo idealizado de homem vigente.

Mas, que idealização é essa? Como o homem deve ser, qual é o ideal de indivíduo

almejado e a partir de quais referenciais ele é idealizado?

4
Podemos encontrar exemplos de como pessoas são identificadas e classificadas como deficientes mentais em função das
condições sociais que lhes são impostas nas análises tecidas sobre o fracasso escolar (Patto, 1997; Moysés e Collares 1992)
sobre os procedimentos de avaliação e encaminhamentos de alunos para as classes especiais (Denari, 1994; Dal Pogetto, 1987)
e também em estudo anterior (Meletti, 1997) em que pude constatar jovens desempregados e com problemas de
comportamento na escola sendo diagnosticados como deficientes mentais leves para trabalharem em oficinas abrigadas.
5

O ideal de homem é uma abstração, uma referência que traz consigo um

conjunto de características e atributos (papéis sociais, competências, valores,

crenças, expectativas) que se configura como parâmetro do que deve ser

considerado normal, melhor, desejável em um dado contexto. O ideal de homem

assume contornos e formas distintas em cada grupo social e em cada contexto

histórico e cultural, dependendo das transformações sociais que vão se processando,

das relações de poder instituídas, das idealizações (abstrações) que se tem de

mundo, de sociedade e das expectativas sociais depositadas em cada segmento e em

cada indivíduo.

Por ser uma abstração, o padrão ideal não pode ser atingido em sua

totalidade pelo indivíduo singular e, por isso, assume o papel daquilo que deve ser

almejado por cada um. Para Amaral (1998, p. 14)

a aproximação ou semelhança com essa idealização em sua totalidade ou


particularidades é perseguida, consciente ou inconscientemente, por todos
nós, uma vez que o afastamento dela caracteriza a diferença significativa,
o desvio, a anormalidade. E o fato é que muitos e muitos de nós, embora
não correspondendo a esse protótipo ideologicamente construído, o
utilizamos em nosso cotidiano para a categorização/validação do outro.

Nesse sentido, o ideal de homem é também uma referência para identificação

e julgamento do que não é condizente com aquilo que se almeja para cada indivíduo

em seu grupo social. O ideal de homem é utilizado para qualificar sua própria

negação, sustentando as formas de significar determinadas condições, atributos e

papéis sociais que caracterizam o distanciamento do indivíduo daquilo que é

idealizado e das expectativas nele depositadas em um dado contexto. Em outras

palavras, o ideal de homem sustenta a produção do distanciamento, da incompletude,

de seres humanos faltosos.

Ser identificado como não correspondente ao padrão idealizado faz com que

seu lugar social, seu status, seus papéis, suas interações sejam permeadas e
6

validadas por essa idealização. O que significa, inclusive, ser considerado como não

digno daquilo que compõe a sociedade na qual está inserido.

Significa dizer que as condições de vida de um determinado indivíduo ou

grupo são também criadas e sustentadas pelas idealizações postas em cada contexto

e pelos julgamentos desencadeados por elas. No que se refere à pessoa com

deficiência mental, podemos observar que suas condições de vida foram e ainda o

são sustentadas pela leitura social que é feita de sua condição, qual seja, de que sua

deficiência é algo que se afasta de modo preponderante daquilo considerado normal.

A conseqüência disso pode ser observada nas formas de significar e de lidar com a

pessoa com deficiência mental ao longo da nossa história.

Formas estas caracterizadas, quase que exclusivamente, pelo descrédito, pela

discriminação e pela segregação daqueles considerados deficientes.

De acordo com Jannuzzi (1996, p. 107)

O referencial histórico valorizando as necessidades sociais específicas a


um modelo de homem incorporado ao imaginário coletivo, a grosso modo,
sempre esteve presente nas sociedades, pois que os indivíduos
apresentando aspectos considerados divergentes, de uma forma ou de
outra foram sempre segregados. [...] O que tem variado historicamente é
o ponto de “corte” entre “normalidade” e “anormalidade” em função dos
parâmetros mínimos considerados necessários ao funcionamento da
organização social.

Assim, quanto mais a pessoa se aproximar dos padrões de normalidade de um

determinado grupo, mais normal será considerada e, por isso, mais aceita. Quanto

mais se distanciar destes, mais desviante e menos aceita será. É nesse contexto de

interações permeadas e sustentadas por padrões ideologicamente construídos e

mantidos, que à condição de deficiência é dado um significado de desvio.

O desvio é aqui considerado, compartilhando com as análises de Goffman

(1982), como constructo social, como algo que se efetiva no julgamento social do

que se identifica como desviante.


7

Este julgamento social se efetiva nas interações estabelecidas socialmente.

Considero, compartilhando das reflexões tecidas por Goffman (1982) e por Amaral

(1994, 1995, 1998), que as relações sociais são permeadas por referências que

permitem a categorização das pessoas e dos atributos considerados normais e

naturais para cada uma dessas categorias. Quando em minhas relações sociais

encontro um desconhecido, é através do reconhecimento de determinadas

características ou atributos que consigo incluí-lo em uma determinada categoria.

Com isso, o desconhecido deixa de ser, ao menos temporária e aprioristicamente,

um estranho e uma ameaça em potencial. No entanto, quando um de seus atributos

o torna significativamente diferente (de modo negativo) daqueles indivíduos que se

encontram a princípio na mesma categoria, esse atributo se transforma em seu

estigma (marca, sinal). Em outras palavras, de acordo com Goffman (1982), a

diferença significativa pode ser transformada em um estigma quando se constitui em

um atributo julgado depreciativo e que se distancia daquilo considerado ideal ou

normal em um determinado contexto social.

A estigmatização de um indivíduo determina a qualidade das interações entre

ele e seu grupo social, que passam a ser mediadas pelo rótulo a ele impingido.

Ocorre a coisificação e desumanização do estigmatizado, já que o indivíduo é

transformado em sua própria diferença, passa a ser reconhecido unicamente em

função desta e sua deficiência passa a ser seu único atributo, com uma carga social

de desvantagem e descrédito. Com isso, ocorre o que Amaral (1995) chamou de

“generalização indevida” e, conseqüentemente, o que temos é a impossibilidade de

outros atributos serem reconhecidos e direcionarem de forma distinta a interação.

A generalização indevida também está presente na visão homogênea que se

tem de um grupo de pessoas que recebem o mesmo rótulo, já que o estigma traz

consigo um rol de características que qualifica a pessoa rotulada. Assim, ao

identificar em uma pessoa um traço que remeta ao estigma da deficiência mental


8

passo a considerar que sei tudo a seu respeito pois o rótulo “deficiente” traz consigo

todas as suas características: incapaz, incompetente, dependente... A

homogeneização reside no fato de que todos os rotulados serão qualificados da

mesma forma independentemente de suas singularidades. A conseqüência disso é o

entendimento de que todos os identificados como deficientes mentais são iguais,

possuem as mesmas necessidades, devem ser alvo dos mesmos serviços, métodos

de trabalho etc.

Conceber a deficiência mental a partir do rótulo de deficiente faz com que as

possibilidades e as potencialidades do indivíduo rotulado sejam desconsideradas e,

acima de tudo, faz com que a pessoa não seja considerada para além de sua

deficiência.

No que se refere à educação da pessoa com deficiência mental o que pode ser

observado é que uma das conseqüências que permanecem ao longo da história é a

segregação em ambientes especiais como melhor forma de educá-la. Ambientes

educacionais estes que assumiram características próprias e se distanciaram da

educação comum. Bueno (1997a) analisa que o processo de institucionalização da

pessoa com deficiência contribuiu e contribui para a constituição tanto das

concepções sociais acerca da condição quanto da identidade do próprio deficiente.

Assim, o autor nos mostra que a crença na ineducabilidade, na dependência,

na imaturidade, na improdutividade e na necessidade de uma educação segregada

tem sustentação nos modos como foi se constituindo a educação institucionalizada

da pessoa com deficiência em nosso país. Merece destaque a indicação de que a

ampliação das instituições especiais ao longo do século XX no país não incorpora

grande parte da população elegível para tal atendimento.

Ao não incorporar a maior parcela das crianças anormais, a educação


especial contribui decisivamente para a disseminação da concepção de
irreversibilidade da anormalidade, na medida em que, por não deixar
explícita que essa ampliação não significou, de fato, a oportunidade de
acesso à maioria dos deficientes, os quais permanecem sem atendimento
e conseqüentemente com grandes dificuldades de integração social,
9

contribui para que a sociedade em geral os encare como incapazes de


adquirirem autonomia. (BUENO, 1997a, p. 175, grifos do autor)

A isso podemos acrescentar que, por outro lado, a não incorporação da

maioria das crianças anormais, mesmo com a ampliação das instituições especiais,

sustenta também a crença de que o trabalho especializado só pode ser oferecido na

e pela instituição especial, visto o grau de comprometimento da população atendida.

Na contra-mão desta história, podemos observar a partir da segunda metade

do século XX, especificamente após a segunda guerra mundial, o início de

movimentos sociais anti-segregacionistas e anti-discriminatórios que desencadearam

a reavaliação dos direitos humanos e resultaram na Declaração Universal dos

Direitos Humanos de 1948. Esta Declaração proclama os direitos humanos

fundamentais a “Todo Homem” sem enfatizar grupos específicos e

... tece em pontos firmes direitos individuais e coletivos, especialmente


no âmbito civil. Inspira constituições e tratados internacionais, desdobra-
se pelo mundo, disseminando eixos de legitimidade e respeito. Claro está
que nada disso garantiu (ou garante) o pleno respeito a esses direitos e,
por exemplo, a Anistia Internacional aí está para denunciar abusos e
transgressões. Mas, de qualquer forma, passamos a ter uma grande
pauta ética que já não podemos mais ignorar ou apelar para sua
ignorância. (AMARAL 1999, p. 36)

Por outro lado, a autora enfatiza que o fato da Declaração não explicitar

necessidades e direitos de grupos específicos, entre eles o das pessoas com

deficiência, contribuiu para que estas permanecessem, até a década de 1970 quase

invisíveis aos olhos da comunidade e não consideradas verdadeiramente humanas.

Analisa que a invisibilidade e a desumanidade daqueles com algum tipo de

deficiência se confirmam nos diferentes âmbitos de nosso contexto, afirmando:

Sim: invisíveis para a sociedade em geral, pois guardados a “sete


chaves” em instituições ou em suas casas; invisíveis para a legislação,
que deles só se ocupava em termos de restrições ou sanções; invisíveis
para as instituições educacionais regulares, que sequer os viam como
sujeitos da educação; invisíveis para os meios de comunicação não
sensacionalistas; invisíveis para os produtos culturais de qualidade. E
mais: quando tornados visíveis o eram, muitas e muitas vezes, com
10

tonalidades e características drasticamente estereotipadas e des-


humanizadas. (AMARAL, 1999, p. 36)

Em 12 de dezembro de 1975 a Assembléia Geral da Organização das Nações

Unidas (ONU) aprova a Declaração dos Direitos das Pessoas Deficientes. Com esta

Declaração, pela primeira vez, as pessoas com deficiência têm suas necessidades

explicitadas, seus direitos, seus deveres e sua condição específica reconhecidos.

Neste momento, a pessoa com deficiência “pôde começar a ser olhada, e a olhar

para si mesma, de forma menos maniqueísta: nem herói nem vítima, nem deus nem

demônio, nem melhor nem pior, nem super-homem nem animal. Pessoa” (AMARAL,

1994, pp. 14-15).

A partir de então, os movimentos sociais e as políticas públicas referentes às

pessoas com deficiência, em especial quanto à sua educação, enfatizam sua

participação na educação escolar regular como um meio de romper com sua

condição segregada e ascender a maiores níveis de escolarização, o que materializa

seu direito à educação letrada. No Brasil este movimento e as políticas dele

decorrentes indicam que a educação desta população deve ocorrer preferencialmente

na rede regular de ensino sendo a instituição especial uma opção educacional, caso

as pessoas com deficiência e/ou suas famílias assim decidirem (Brasil, 1997, 2001a).

Nesse sentido, há a exigência de uma pedagogização da instituição especial

que deve se caracterizar como escola para fins de educação escolar.

Educação escolar aqui entendida como o desenvolvimento por escolas de objetivos

comuns a todos os alunos da educação básica como previsto na Lei de Diretrizes e

Bases da Educação Nacional, Lei n° 9394/96 (LDBEN 96):

Art. 26. Os currículos do ensino fundamental e médio devem Ter uma


base nacional comum, a ser complementada, em cada sistema de ensino
e estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas
características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e
da clientela.
§ 1º Os currículos a que se refere o caput devem abranger,
obrigatoriamente, o estudo da língua portuguesa e da matemática, o
11

conhecimento do mundo físico e natural e da realidade social e política,


especialmente no Brasil. (BRASIL, 1996)

Para o cumprimento de tais objetivos da LDBEN 96 e as diretrizes e planos a

ela associados determinam uma série de outros requisitos para o reconhecimento da

instituição especial como escola.

Sob estas exigências e frente à história de educação da população com

deficiência mental em instituições especiais, que se constituiu à parte do sistema

comum de ensino e sob a égide de outros princípios educacionais que não os da

educação geral, temos a constituição de um espaço propício ao embate de forças

contrárias. Diante deste embate, as questões que se colocam são: 1) que direções as

mudanças exigidas, presentes na política educacional, estão imprimindo no

movimento de adequação das instituições especiais? 2) as exigências feitas no

âmbito legal e normativo são suficientes para alavancar a transformação da

instituição especial no sentido indicado? 3) está havendo uma organização e uma

atuação institucional no sentido de garantir a escolarização das pessoas com

deficiência mental institucionalizadas? 4) quais os mecanismos utilizados pela

instituição especial nos processos de mudança para lidar com as exigências legais e

normativas no sentido de assumir a educação escolar como o eixo central de seu

trabalho, compatibilizando-o com as necessidades especiais de seus educandos?

O presente texto se inicia nesta apresentação na qual foi definido o problema

de pesquisa e delimitado um objeto de estudo que se expressa por meio de quatro

questões.

No Capítulo I, apresento o referencial teórico que sustenta a compreensão e a

análise do objeto de estudo.

No Capítulo II, faço os apontamentos metodológicos do estudo e apresento os

procedimentos de coleta e análise dos dados empíricos.

No Capítulo III, analiso os referenciais político pedagógicos que nortearam a

reestruturação de uma instituição especial e a percepção dos profissionais acerca das


12

mudanças institucionais, assim como os sentidos e os mecanismos presentes nesta

reestruturação.

Na última parte, teço algumas considerações que este estudo me suscitou.


13

Capítulo I

Referenciais Teóricos para Uma Análise do Discurso Sobre

Escola Especial para Pessoas com Deficiência Mental

A exigência de mudança das instituições especiais conforme as diretrizes da

educação comum, propostas na LDBEN 96 e diretrizes específicas dos níveis

escolares, indica a necessidade de um movimento institucional de adequação às

normas legais cuja natureza é preciso investigar. Nessa investigação consideramos o

impacto de uma política que aponta para mudanças em dois sentidos que são

divergentes perante a história da educação desta população: o primeiro, de ruptura

da segregação da pessoa com deficiência mental ao indicar a escola comum como

espaço educacional onde preferencialmente todos devem ser educados; o segundo, a

exigência de pedagogização da instituição especial para reconhecê-la como instância

de educação escolar.

É possível perceber a complexidade do processo de transformação das

instituições especiais no resgate de sua constituição histórica. Começamos este

resgate por meio de uma breve análise histórica da Educação Especial no Brasil,

breve por já ter sido alvo de valiosas investigações 5 das quais me aproprio para

apresentar alguns fragmentos históricos necessários para situar sua atual

configuração. Especificamente este resgate se refere ao fato da educação das

pessoas com deficiência mental, estar ancorada na necessidade de uma educação

especial implementada em um locus específico – instituição especial – que se

constituiu com uma função também específica: oferecer educação especializada para

pessoas com deficiência mental.

Para isso, inicio resgatando que:

A educação especial, desde o seu surgimento no final do século XVIII,


atende a dois interesses contraditórios: o de oferecer escolaridade a

5
Tais como as desenvolvidas, entre outros, por Jannuzzi (1992, 2004), por Bueno (1993), por Ferreira (1995), Mazzotta (1996)
e por Kassar (1999).
14

crianças anormais, ao mesmo tempo em que serve de instrumento básico


para a segregação do indivíduo deficiente. (BUENO, 1997b, p.38)

Podemos observar que no Brasil a educação especial, principalmente a

direcionada à pessoa com deficiência mental, apresenta ao longo de seu processo de

constituição estes dois traços desde o início da preocupação com o atendimento

desta população que, de forma incipiente, tem seu início nos primeiros anos do

século XX. Neste período, surgem os primeiros registros sobre a educação da pessoa

com deficiência mental no Brasil destacando sua vinculação com a medicina. Os

registros também vão rompendo com o silêncio acerca dessa população e mostrando

que as pessoas com maior grau de comprometimento encontravam-se confinadas

nos hospitais psiquiátricos juntamente com todos os tipos de desvalidos que estas

instituições abrigavam na época. Essa situação começa a ser modificada através da

iniciativa de alguns médicos que criam alas anexas aos hospitais com o objetivo de

atender exclusivamente as crianças. 6

Jannuzzi (1992) analisa o quanto a implantação dos pavilhões para as

crianças nos hospitais psiquiátricos é ambivalente, pois ao mesmo tempo que se

reitera a segregação do deficiente, há a percepção da importância da educação e de

não limitar o atendimento ao campo médico.

Nesta perspectiva, a educação especial era sustentada por teorias sensualistas

e se efetiva na perspectiva da medicina moral. Conforme nos mostra Ferreira (1995,

p. 19), os trabalhos eram desenvolvidos

6
Em 1905, temos no Rio de Janeiro a criação do Pavilhão Bourneville, anexo ao Hospício da Praia Vermelha. Esta prática se
repete em Petrópolis, 1920 e em São Paulo, no Hospício de Juqueri, em 1921.
15

na linha de treino psicomotor, com imposição de hábitos regulares e


freqüentes, como oposição à anomalia fisiológica. Experiências concretas,
atividades sensoriais, rotina, consistências, menos punição.

Temos aqui o início do trabalho pedagógico destinado às pessoas com

deficiência mental fortemente direcionado por uma concepção médico-pedagógica de

educação, centrada nas causas e manifestações orgânicas da deficiência que

pretendia, dentro dos preceitos da ortopedia mental, ajustar e corrigir os danos

causados por ela (JANNUZZI, 2004).

Além do trabalho desenvolvido nos hospitais nas duas primeiras décadas do

século XX, temos a criação de classes especiais para atender crianças que

apresentavam problemas na escola regular. Segundo Jannuzzi (1992, p. 32), em São

Paulo, o Serviço de Higiene e Saúde Pública deu origem “à inspeção médico-escolar

que em 1911 foi a responsável pela criação de classes especiais e formação de

pessoal para trabalhar com essa clientela” .

Kassar (1999, p.23) nos mostra que,

as classes especiais públicas vão surgir pautadas na necessidade


científica da separação dos alunos normais e anormais, na pretensão da
organização de salas de aula homogêneas, sob a supervisão de
organismos de inspeção sanitária que incorporam o discurso da ortopedia,
a partir dos preceitos da racionalidade e da modernidade.

Outro aspecto a ser destacado é que com o surgimento das classes especiais

inaugura-se um novo espaço educacional que cumprirá com o papel de educar e de

segregar as crianças que apresentassem características que fossem identificadas

como uma deficiência.

Nesta época, temos o advento do movimento escolanovista e, com ele, a

psicologia e a sociologia, em suas vertentes funcionalistas, se consolidam como as

ciências que instrumentalizam a educação. Concomitantemente, temos a educação

brasileira buscando legitimar-se como nova, moderna, científica e experimental.


16

Carvalho (1997) nos mostra que nessa busca a escola moderna se consolida

como uma “instituição intrinsecamente disciplinar”, tanto no sentido preventivo

quanto no sentido de correção. A autora apresenta a criação do Laboratório de

Pedagogia Experimental, no Gabinete de Psicologia e Antropologia Pedagógica, anexo

à Escola Normal Secundária de São Paulo, em 1914, como a expressão mais

ambiciosa dessa busca pela implantação de práticas consideradas científicas no

campo da Pedagogia.

Considero que a criação do Laboratório também seja um exemplo significativo

da forma como os desvios e os desviantes eram concebidos na época e do quanto a

busca da pedagogia científica deixa marcas profundas na educação do deficiente em

nosso país, na medida em que por meio de várias práticas “de indagação e de

medição” buscava “construir um conhecimento científico do indivíduo” (CARVALHO,

1997 p. 272).

A autora, analisando o discurso de Oscar Thompson no texto O Futuro da

Pedagogia é Científico, explicita que

a idéia de que as diferenças entre os educandos requerem “meios


absolutamente vários de educação”, devendo ser “objeto de um estudo e
tratamento particular” é que, desse ponto de vista, comanda a
constituição de uma pedagogia científica. Assentada em uma pluralidade
de práticas de medição, tal pedagogia se contrapunha à “velha pedagogia,
[...] abstrata, dogmática, absoluta”. (CARVALHO, 1997, p. 272)

A elaboração de um conhecimento específico do indivíduo visava a

possibilidade de discriminar as crianças normais das anormais ou degeneradas para

que cada uma fosse encaminhada e cuidada de acordo com suas necessidades.

Desse modo, a pedagogia científica constitui-se como recurso de seleção e

composição do grupo de crianças que pode freqüentar a escola. Esta prática era

entendida como necessária e humanitária. Carvalho (1997, p. 277, grifos da autora)

analisa que a

prática humanitária de distribuição científica das crianças por escolas,


casas de correção, hospícios ou prisões, [...] a organização de classes
17

homogêneas, um dos objetivos da prática de medição, era recurso de


maximização dos resultados do ensino simultâneo e seriado. [...] Mas,
contraditoriamente, o intuito “humanitário” de seleção da clientela
escolar indicia o horizonte ideológico em que se inscreviam as intenções
políticas republicanas de levar a educação a todos os cidadãos.

Nesse contexto, temos o eixo da educação se deslocando da medicina para a

psicologia e o trabalho pedagógico destinado às pessoas com deficiência mental

passando a ser sustentado por uma concepção psicopedagógica da educação e a ser

fortemente influenciado pelas teorias de aprendizagem psicológicas. A ênfase do

trabalho pedagógico recai sobre os métodos e técnicas de ensino.

É nessa atmosfera que temos a criação da primeira instituição especializada

no atendimento da pessoa com deficiência mental no Brasil, o Instituto Pestalozzi de

Canoas, no Rio Grande do Sul, em 1926.

As instituições especiais surgem submersas em contexto educacional e social

marcado pela hegemonia da ideologia liberal, pelos preceitos das ciências naturais e

pelo ideal de racionalidade humana. Da mesma forma que a educação regular, a

educação especial implementada nas instituições também é uma expressão, ao

mesmo tempo em que é conseqüência, da incorporação de tais concepções por uma

pedagogia que se pretendia científica e que, instrumentalizada pela psicologia,

objetivava

observar, medir, classificar, prevenir, corrigir. Em todas essas operações,


a remissão à norma é uma constante. A pedagogia científica, as práticas
que a constituíam e as que derivavam dela, caracterizavam-se, assim,
por essa remissão constante a cânones de normalidade produzidos, pelo
avesso, na leitura de sinais de anormalidade ou degenerescência que a
ciência contemporânea colecionava em seu afã de justificar as
desigualdades sociais e de explicar o progresso e o atraso dos povos pela
existência de determinações inscritas na natureza do homem.
(CARVALHO, 1997, p. 278)

É também sustentada por essas idéias que Helena Antipoff, “na década de 30,

marca a educação especial, provendo ao Instituto Pestallozzi de Minas Gerais, tanto


18

uma base científica, quanto uma idéia ligada ao exercício do assistencialismo”

(KASSAR, 1999, p. 24).

A base científica é constituída de acordo com os preceitos da Escola Nova, que

reitera a crença de que seja possível “reconstruir a sociedade por meio da educação

de cada pessoa; e, ainda, na esperança liberal de que o talento pessoal – respeitado

e promovido na escola – tenha o poder de determinar a posição social futura dos

educandos” (CUNHA, 1995, p. 42).

O enaltecimento do individualismo no movimento escolanovista é terreno fértil

para a consolidação da crença no sucesso ou fracasso individual como naturalmente

dado e como uma conseqüência direta das diferenças individuais. Isso faz com que o

papel da psicologia como uma ciência instrumental da educação se consolide,

especificamente no que se refere à sua condição de, através de medidas

psicométricas, classificar e agrupar os alunos de acordo com suas aptidões e

potencialidades. Acredita-se que o agrupamento dos alunos em classes homogêneas

de acordo com o resultado dos testes favorece o aprendizado. Por outro lado, o que

temos é a possibilidade de separação e conseqüente segregação daqueles

identificados como anormais se consolidando.

É com base nestes preceitos que Helena Antipoff organiza o trabalho

desenvolvido no Instituto Pestalozzi. Jannuzzi (2004) analisa que, para Antipoff, o

trabalho pedagógico da educação especial deveria ser sustentado pela medicina e

pela psicologia, inclusive no que tange à atuação do professor. A educação especial

é pois uma tentativa de abrangência do total pedagógico, em que a


instrução permaneceria como horizonte que, para ser atingido, exigiria
toda essa complexificação da formação do professor e do aparelhamento
escolar (JANNUZZI, 2004, p. 125)

A criação da primeira instituição especial e das posteriormente fundadas pode

ser entendida como conseqüência do movimento de grupos específicos,

particularmente grupos de pais, com o objetivo de preencher uma lacuna existente


19

no sistema educacional brasileiro, referente ao atendimento de pessoas com

deficiência (D’ANTINO, 1996). Por outro lado, não podemos desconsiderar que a

criação das instituições especiais privadas foi favorecida pelas reformas educacionais

que se processaram no país a partir da segunda metade da década de 1920,

prevendo e favorecendo a implementação do ensino privado em todas as suas

modalidades.

De acordo com Jannuzzi (1997, p. 184), o estabelecimento do setor privado

no campo educacional foi amplamente favorecido após as reformas, especialmente

com a Reforma Francisco Campos “que facilitou a equiparação dos estabelecimentos

escolares privados com os públicos pela prescrição do currículo mínimo em âmbito

nacional”. Isso também favoreceu a transferência da responsabilidade da educação

das pessoas com deficiência mental para o setor privado, especialmente para aquele

de caráter filantrópico.

Na Constituição Brasileira de 1946, o favorecimento do ensino privado mais

uma vez é evidente com a proibição de cobrança de impostos a instituições de

educação ou de assistência social.

Da mesma forma, temos no modo de implementar políticas sociais outra via

de transferência da responsabilidade do atendimento às pessoas com deficiência do

Estado para a iniciativa privada. De acordo com Sposati (1995, p. 13)

... no Brasil a assistência social, como área de ação governamental, longe


de ser ação complementar, constitui forma específica e estratégica de
atribuir alguns serviços sociais a determinados segmentos da população.

Destaca-se aqui a criação, por parte do Estado, da Fundação Legião Brasileira

de Assistência – LBA – em 1942 7 , com o objetivo de “congregar brasileiros de boa

vontade para promover, por todas as formas, serviços de assistência social,

prestados diretamente ou em colaboração com o poder público e as entidades

7
Inicialmente seu objetivo foi “assistir às famílias dos convocados na II Guerra Mundial, passou a partir de 1945, a dar
prioridade à assistência materna e à infância” no que se refere às áreas de saúde e de educação. (Rizzini, 1995 p. 291)
20

privadas” (SPOSATI, 1995, p. 87). A indicação era de que os serviços deveriam

abranger, entre outros, a assistência aos excepcionais.

Assim, na ampliação do setor privado e no afastamento do Estado de questões

relacionadas à educação e à assistência social, temos a consolidação de um campo

fértil para criação das instituições especiais privadas de cunho filantrópico como a

instância social responsável pelo atendimento à pessoa com deficiência mental em

nossa sociedade. O que ficará evidente a partir da década de 1950, com a

necessidade de ampliação do serviço educacional especializado, que passa a atender,

inclusive, as deficiências mais leves e menos evidentes, devido ao aparecimento da

excepcionalidade nas escolas regulares (JANNUZZI, 1992).

É submersa neste contexto que, em 1954, é fundada a Associação de Pais e

Amigos dos Excepcionais (APAE), na cidade do Rio de Janeiro, nos moldes da

“National Association for Retarded Children” (NARC), organização criada em 1950

nos Estados Unidos.

Silva (1995), nos mostra que, desse modo, o surgimento da APAE está

marcado por um modelo de associação que busca se desenvolver como uma rede

nacional, “como um movimento em prol da criança excepcional”, que não objetivava,

inicialmente, o atendimento direto dessa população, conforme os objetivos do

primeiro estatuto da APAE-Rio, de 1954.

A partir da análise dos objetivos estabelecidos na fundação da APAE-Rio,


é possível compreender como essa instituição surge inicialmente para
assessorar o atendimento aos excepcionais e, em seguida, se constitui
como entidade prestadora de serviços diretos aos portadores de
deficiências. Seus fundadores mantém uma interlocução com entidades
públicas e privadas, nacionais e internacionais. Essa visão ampliada lhe
confere o status de organizadora das experiências realizadas na área do
atendimento ao excepcional (SILVA, 1995, pp. 43-44).

O surgimento da APAE está intimamente relacionado à ausência de um serviço

especializado ampliado na rede regular de ensino, que se destinasse às pessoas com

deficiência mental. Nesse sentido, Silva (1995, p. 41) nos mostra que a APAE se
21

coloca no cenário educacional nacional, de expansão da iniciativa privada e de crítica

ao monopólio do Estado, como uma “instituição privada que busca atender às

necessidades da educação especial pública”. O atendimento direto é implantado

gradativamente fazendo com que a instituição vá se constituindo e se consolidando

como uma rede nacional destinada a atender esta população.

Nos anos seguintes temos a ampliação do movimento apaeano com a

fundação das APAEs de Volta Redonda, em 1956, São Lourenço, Goiânia, Niterói,

Jundiaí, João Pessoa e Caxias do Sul, em 1957, Natal, em 1959, Muriaré, em 1960 e

São Paulo, em 1961 (SILVA, 1995).

Neste mesmo período, podemos perceber uma alteração no foco da educação

especial devido à ênfase na valorização da educação como necessária para o

progresso da sociedade, por possibilitar que o indivíduo se adapte ao seu meio. A

alteração se dá no sentido de que,

a partir do pressuposto da neutralidade científica e inspirada nos


princípios de racionalidade, eficiência e produtividade, essa pedagogia
advoga a reordenação do processo educativo de maneira a torná-lo
objetivo e operacional. (SAVIANI, 1997, p. 15)

Nesse contexto temos a manutenção da psicologia, em sua vertente

comportamental, como uma das bases de sustentação teórica da educação especial.

O Behaviorismo surge no início do século XX através dos trabalhos

desenvolvidos por Watson (1878 - 1958) e se consolida através dos postulados

elaborados por Skinner. Esta escola da Psicologia busca

as relações entre o meio material e o meio social, o que, dada sua


herança biológica, enfatiza o naturalismo do meio social e a necessidade
de adaptação do indivíduo a ele, para que a sociedade possa se elevar
harmoniosamente, tendo no seu seio indivíduos que, bem ajustados,
contribuem para o estado de progresso permanente.
[...] A premissa básica do behaviorismo - previsão, controle, seleção e
orientação de comportamentos com vista ao ajustamento daqueles
comportamentos não desejáveis. Seu método é objetivo e seu objetivo é
o comportamento. (CAMBAÚVA, 1988, p. 64)
22

Nesta perspectiva o comportamento é considerado como toda e qualquer

forma de responder a estímulos do ambiente e é na análise desta relação entre o

homem e seu meio, na seleção e controle de variáveis que interferem nas respostas

dadas, que o comportamento pode ser previsto, controlado, modificado ou extinto. É

na aquisição de comportamentos mais complexos e adequados que o indivíduo se

desenvolve. É na análise do repertório comportamental do indivíduo, buscando

apreender o seu nível de desenvolvimento, que se estabelece o quanto ele se desvia

ou não do padrão definido.

Podemos encontrar as bases epistemológicas da psicologia behaviorista no

positivismo e no funcionalismo na medida em que o conceito de ciência implícito

nesta abordagem "é o da busca das causas, das relações de efeito de variáveis sobre

um fenômeno, de forma a dizer que conhecemos o fenômeno se identificarmos suas

causas se o definirmos operacionalmente em sentido único" (FERREIRA, 1994, pp.

24-25).

A influência dessa abordagem psicológica na educação especial é profunda e

marca as formas de lidar com a deficiência mental, reiterando a idéia de que a

segregação em instâncias educacionais especiais é necessária e benéfica ao

desenvolvimento da pessoa que apresenta tal condição.

Ferreira (1994, p. 25) nos mostra que nesta perspectiva

o desenvolvimento do aluno com deficiência mental é reduzido a um


conjunto de dados mensuráveis, delimitado, isolado, dividido em partes
que passam a compor o sistema de variáveis na relação funcional com a
deficiência. [...] A tomada de decisão educacional baseia-se na
operacionalidade e mensurabilidade do objetivo de ensino e deve se
orientar pela adequação do comportamento ao meio, pelo
desenvolvimento de habilidades linearmente organizadas, segundo uma
cronologia ou sistemas previamente definidos nas suas relações
temporais ou funcionais.
O desenvolvimento, então, reduz-se ao conjunto originado pela soma das
aquisições ou habilidades aprendidas e é visto como um fenômeno cujo
processo é de natureza externa à pessoa, dentro de uma perspectiva
totalmente ambientalista.
23

Nesse sentido, a educação especial concentra seus esforços educacionais na

recuperação das etapas que faltariam ao aluno. Podemos perceber a sustentação da

educação da pessoa com deficiência mental como emendativa e compensatória, pois

que “significa corrigir falta, tirar defeito” decorrentes da deficiência (JANNUZZI, 2004,

p.70). Acredita-se que ao instalar comportamentos menos aberrantes e mais

adaptados à normalidade está se reduzindo sua condição de deficiente e dando-lhe

condições de convívio em sociedade de forma mais adequada.

A institucionalização da educação especial que ocorre no país a partir da

década de 1950 consolida não só o distanciamento do Estado no que se refere à

educação das pessoas consideradas com deficiência mas também, e principalmente,

a privatização do ensino, da assistência social e da saúde dessa população, na

medida em que agrega à sua especialidade um atendimento global. Mais que isso, ao

assumir o status de “especializada em” e, principalmente, de instituição privada de

caráter público, passa a ser reconhecida e responsabilizada como tal.

Assim, em 1961, quando é promulgada a Lei de Diretrizes e Bases da

Educação – LDB (Lei 4.024/61), que explicita o compromisso com a educação

especial, esta já está relativamente implementada nas instituições privadas de

caráter filantrópico.

Em seu artigo 88, a LDB de 1961 apresenta a necessidade de integrar as

crianças excepcionais à comunidade e aponta a escola regular como uma das

principais vias de integração. Por outro lado, seu artigo 89 explicita o compromisso

de dispensar “tratamento especial mediante bolsas de estudos, empréstimos e

subvenções” às instituições privadas de atendimento aos excepcionais, desde que

consideradas eficientes pelos Conselhos Estaduais de Educação.

Mazzotta (2001, pp. 68-69) analisa que

nesse compromisso ou “comprometimento” dos Poderes Públicos com a


iniciativa privada não fica esclarecida a condição de ocorrência da
educação dos excepcionais; se por serviços especializados ou comuns, se
no “sistema geral de educação” ou fora dele. Esta circunstância acarretou,
24

na realidade, uma série de implicações políticas, técnicas e legais, na


medida em que quaisquer serviços de atendimento educacional aos
excepcionais, mesmo aqueles não incluídos como escolares, uma vez
considerados eficientes pelos Conselhos Estaduais de Educação,
tornavam-se elegíveis ao tratamento especial, isto é, bolsas de estudos,
empréstimos e subvenções.

Podemos dizer que a LDB de 1961 consolida a educação especial como um

sistema paralelo de ensino, que se estrutura fora da escola pública e que não seria

assumida diretamente pelo Estado, ficando circunscrita ao espaço privado das

instituições especiais. Além disso, evidencia-se o fato do caráter educacional da

educação das pessoas com deficiência não ser destacado.

Esta ambigüidade entre o público e o privado, assim como o distanciamento

da educação especial do sistema regular de ensino, sustenta o alargamento da

prestação de serviços que deveriam ser públicos pelas instituições especializadas e

da influência que estas passam a exercer sobre o Estado. Isso é apontado por Silva

(1995) na análise histórica da constituição do movimento apaeano no Brasil.

Na primeira reunião nacional das APAEs ocorrida em novembro de 1962, um

dos temas discutidos foi “Legislação”. Silva (1995) nos mostra que entre os aspectos

apontados como prioritários está a necessidade: de incluir as pessoas com

deficiência mental entre os cidadãos com direito à assistência social; de defender

junto aos órgãos e autoridades competentes, principalmente os Conselhos Federal e

Estaduais de Educação, a ampliação dos recursos destinados a essa população, por

meio de medidas que assegurem, nos Planos de Educação, o financiamento da

educação especial implementada nas instituições.

A partir de então, podemos perceber que os limites não muito delimitados

entre o público e o privado no atendimento às pessoas com deficiência mental vai

moldando não só as legislações educacionais mas também a estruturação das

instituições especiais. Temos o apoio direto do Estado às instituições privadas de

ensino especial, financiando, inclusive, a ampliação das estruturas física e material


25

de várias APAEs. Em contrapartida, as instituições se consolidam como responsáveis

pelo atendimento global a esta população.

Desse modo, instituições especiais dessa natureza foram se constituindo como

a referência social, como o locus da deficiência mental em nosso país, preenchendo a

lacuna deixada por um Estado que reduz os investimentos com a educação geral

pública, que intensifica o incentivo à iniciativa privada e que e se distancia das

questões relativas à educação especial. Jannuzzi (1997, p. 185) acrescenta que “há

assim uma parcial simbiose entre o público e o privado, que permite ao segundo

exercer influência na determinação da política pública na área”. O que pode ser

amplamente observado no caso das instituições especiais, desde o primeiro estatuto

da APAE-Rio, de 1954, que explicita como um de seus objetivos “promover junto aos

órgãos oficiais a obtenção de medidas legislativas e administrativas visando o

interesse dos excepcionais” (SILVA, 1995, p. 43).

A perspectiva tecnicista analisada anteriormente se intensifica tanto na

educação geral quanto na especial a partir de meados da década de 1960. Segundo

Jannuzzi (2004), neste período ocorre a implantação da corrente da Economia da

Educação ou Teoria do Capital Humano.

Seria esta teoria a expressão mais explícita de vincular a educação ao


desenvolvimento econômico do país, tal como ele se manifestava. Seria a
procura de, pela educação, formar o aluno para os postos de trabalho
existentes. Uma subordinação da educação ao projeto de
desenvolvimento implantado. A escola como necessária à produção,
produtora de “recursos humanos” entendidos como mão-de-obra
(JANNUZZI, 2004, p. 13).

A autora ainda nos mostra que o Plano Setorial de Educação e Cultura de

1971 explicitava:

“Enquanto não se puder abrir largamente as portas da educação a cada


um, o interesse nacional recomenda que se favoreça a ascensão cultural
dos mais talentosos, os mais capazes de mobilizar a ciência e a técnica
em favor do progresso social. O único bem que nação alguma está em
condições de desperdiçar é o talento de seus filhos”. E continuava: “Mas
o mesmo interesse social exige que se eduquem os deficientes, no
26

sentido de torná-los, quanto possível, participantes de atividades


produtivas”. E num rasgo de generosidade acrescentava: “E, nesse caso,
o interesse fala mais baixo que os reclamos da eqüidade e da justiça”.
(JANNUZZI, 2004, pp. 13-14)

No caso da educação especial, o que observamos é que a ênfase no treino de

habilidades específicas é ampliada. A educação especial passa a ter como objetivo

tornar, de alguma forma, o indivíduo útil à sociedade.

Ainda durante a década de 1970, temos a ampliação do sistema nacional de

ensino e sua intensa tecnicização. Temos também os índices de fracasso escolar

aumentando na mesma proporção que aumentava o acesso das crianças advindas

das classes populares à escola. Nesse contexto a educação especial converte-se em

prioridade para o Ministério da Educação e a ela é atribuída, conforme nos mostra

Kassar (1999, p. 31),

a responsabilidade de atendimento de crianças sem a necessidade de


diagnóstico de deficiência ou, em outras palavras, torna-se legítima a
transformação de crianças “atrasadas” em relação à idade escolar de
matrícula em “deficientes mentais educáveis”. O sucesso ou fracasso
dessa clientela é respaldado pelo discurso das “potencialidades inatas” e
pela implementação e utilização de técnicas especializadas.

Entre as décadas de 1960 e 1970 o “espaço vazio” da educação especial

pública foi efetivamente ocupado pelas instituições especiais privadas,

principalmente pelas APAEs. A rede nacional se consolida não só no número de

instituições fundadas 8 , mas também na criação da Federação Nacional das APAEs em

1962.

Silva (1995, p.90) nos mostra que o rápido desenvolvimento das APAEs

se dará pela capacidade de responder às necessidades de atendimento às


pessoas portadoras de deficiência mental ao lado da carência do serviço
público. Além de tornar-se empreendedora de iniciativas nas áreas da
medicina, da psicologia e pedagogia junto às demais instituições, a APAE
obteve êxito na relação estabelecida com o poder público, seja por
intermédio de acordos econômicos ou políticos.

8
Segundo Silva (1995, p. 96), “na década de 50 a APAE constituiu-se com 07 associações, na década de 60 contava com 118,
na década seguinte com 428 e chegando à década de 80 com 775 associações”.
27

Cabe citar como exemplo do êxito obtido na relação com o poder público a

influência exercida em duas esferas: na criação do Centro Nacional de Educação

Especial – CENESP – em 1973 e na garantia de financiamento das instituições

especiais filantrópicas por parte do poder público nas políticas educacionais e sociais.

A influência na criação do CENESP pode ser analisada como um movimento de

pressão decorrente das recomendações feitas por organizações internacionais

direcionadas à

criação de um órgão para definir a política em relação aos deficientes


mentais. Frisava-se que a ONU, através de seus organismos especiais [...],
tinha possibilidade de auxiliar o desenvolvimento de assistência aos
excepcionais através do auxílio técnico aos governos nacionais (JANNUZZI,
2004, p. 139).

No que se refere ao financiamento público das instituições especiais, podemos

observar que a influência destas está presente inclusive na legislação educacional

que, a partir de 1961 com a Lei 4024/61, explicita o apoio financeiro às instituições

especiais privadas de caráter filantrópico em todas as Constituições, Planos Nacionais

de Educação, Diretrizes Educacionais etc.

O fato é que as instituições especiais absorvem uma expressiva parte da

verba pública destinada à educação especial no Brasil. Silva (2003, p. 91) nos

mostra que o Plano Nacional de Educação Especial para 1977/1979, estipulou

destinar no triênio “para a Cooperação Técnica e Financeira aos Sistemas Estaduais

de Ensino, o valor de Cr$ 21.520,00, em contrapartida aos Cr$ 87.148,00 para a

Cooperação Técnica e Financeira às Instituições Privadas, uma diferença de

aproximadamente 404%”.

A década de 1970 pode ser considerada um marco para a educação especial

brasileira, tanto em função da ampliação do Estado na área quanto pelo crescimento

das instituições especiais, com apoio público decisivo. De acordo com dados

apresentados por Silva (1995), na década de 1970 o crescimento das instituições


28

especiais filiadas à Federação Nacional das APAEs foi de aproximadamente de 363%

em relação à década anterior, principalmente nas regiões mais desenvolvidas do país.

Bueno (1993) analisa que esta ampliação

refletiu, em primeiro lugar, a importância cada vez maior que essas


entidades foram assumindo dentro da educação especial. Essa influência
crescente ocorreu pela sua organização em nível nacional, como são os
casos das Federações Nacionais das Sociedades Pestallozzi e das APAEs,
que passaram a exercer influência crescente nas políticas da educação
especial, bem como pela qualificação técnica das equipes de algumas
entidades assistenciais de ponta (como as Sociedades Pestallozzi de Minas
Gerais e de São Paulo e as APAEs do Rio de Janeiro e de São Paulo) e das
empresas prestadoras de serviços de alto nível (ao contrário das escolas
públicas que enfrentam o grave problema de falta de condições de
trabalho) e que passaram a estabelecer os padrões de qualidade com
relação à educação do excepcional.

O padrão de qualidade é grandemente dependente da amplitude dos

atendimentos às necessidades dos seus educandos. A ampliação das esferas de

atendimento faz com que as instituições especiais de caráter privado-filantrópico se

constituem como o espaço social responsável pela pessoa com deficiência mental. O

atendimento global incorporado abrange todas as áreas, especialmente aquelas

relacionadas à prevenção, reabilitação e bem estar social da pessoa com deficiência

mental e a subvenção o Estado se dá também nestas esferas. Um exemplo a ser

citado é a Portaria Interministerial n. 186 de 1978, na qual, segundo Mazzotta (2001)

os serviços especializados eram distribuídos da seguinte forma: educacionais,

prestados por órgãos ou entidades ligados ao CENESP/MEC; de reabilitação, prestado

pela LBA/MPAS 9 ; de saúde da Previdência Social e dos serviços de reabilitação

profissional do INPS/MPAS.

Mazzotta (2001, p. 72), ao analisar a citada Portaria, nos mostra que

o atendimento educacional, como competência “do MEC através do


CENESP, em ação integrada com outros órgãos do setor de educação, é
caracterizado como seguindo uma linha preventiva e corretiva”. Para o
encaminhamento aos serviços especializados de natureza educacional, é

9
Segundo Sposati (1995), neste mesmo ano a LBA funda o “Programa de Assistência aos excepcionais” com o objetivo de
“reabilitar portadores de doenças físicas, mentais, sensoriais, congênitas, ou adquiridas e prevenção de deficiências do
excepcional” e para o qual foram destinadas verbas para atendimento de aproximadamente 400.000 pessoas (p.98).
29

estabelecida a exigência de diagnóstico da excepcionalidade, a “ser feito,


sempre que possível, em serviços especializados da LBA/MPAS”. Onde não
houver tais serviços, recomenda-se que sejam aproveitados “os serviços
de natureza médico-psicossocial e educacional oferecidos pela
comunidade”.

Podemos considerar que os “serviços oferecidos pela comunidade” são

implementados prioritariamente nas instituições especiais que ofereciam, já nesta

época, um atendimento global. Mas, se considerarmos o caráter preventivo/corretivo

do atendimento educacional fica patenteado um posicionamento que atribui um

sentido clínico e/ou terapêutico à educação especial (MAZZOTTA, 2001).

No final da década de 1970, início dos anos 80, podemos perceber que a área

de educação especial, mesmo sem romper com o entendimento de educação

atrelada ao desenvolvimento econômico do país, passa a explicitar uma preocupação

de cunho pedagógico, incorporando em seu discurso os princípios de normalização e

de integração. O entendimento era o de que a educação especial deveria

proporcionar ao indivíduo com deficiência condições de vida tão semelhantes quanto

a de pessoas não deficientes, seja na escola, no trabalho ou no contexto social geral.

Para isso, defendia-se a normalização das condições de vida e não do deficiente, a

quem deveria ser ensinado beneficiar-se daquilo que a sociedade pode lhe oferecer

(PEREIRA et al., 1980).

Tais princípios se consolidam como o pano de fundo das investigações da área

de Educação Especial (NUNES et al., 1998) e passam a direcionar programas

políticos e educacionais referentes a esta população.

No âmbito das práticas educacionais especiais, a escola regular passou a

representar o local onde a integração poderia ser concretizada. Ampliam-se as

classes especiais públicas como forma de colocação do deficiente na escola regular,

mas com metodologias de ensino diferenciadas para atender suas necessidades.

Por outro lado, é preciso salientar que o esforço da normalização se centrou

de modo preponderante no sentido de neutralizar a deficiência (AMARAL, 1994). Ao


30

invés de construir condições de vida “tão semelhantes quanto” o que se observou foi

o esforço em tornar o indivíduo com deficiência “tão normal quanto”.

As investigações mostram que, mesmo com os princípios de normalização e

integração norteando a área da Educação Especial, as práticas integracionistas

contribuíram para a manutenção da condição em que a pessoa com deficiência

mental se encontrava anteriormente. Por exemplo, Ferreira (1995, 1998) aponta que

as classes especiais se constituíram como um local de segregação e, ao invés de

favorecer a integração dos deficientes vindos de seus lares ou de instituições

especiais, favoreceram a exclusão, de modo preponderante, de alunos do ensino

regular, especialmente aqueles que combinavam condições de pobreza e de fracasso

escolar; demonstrando inclusive que a simples colocação neste ambiente adaptado

não garantiu a integração desta população.

Isso porque, a partir desses princípios, os espaços considerados restritivos tais

como as instituições especiais e as classes especiais, são analisados como um

momento necessário de segregação para uma posterior integração mais eficiente,

como se fosse possível

abstrair a pessoa portadora de deficiência de seu contexto social,


“consertá-la” ou torná-la menos diferente, e depois devolvê-la a este
contexto de forma que não haveria ou haveria menos motivo para
estigmatizá-la e excluí-la. (FERREIRA, 1995, p. 7)

Na busca desse "conserto" ou dessa normalização, o ensino especial tem se

orientado por abordagens educacionais que, reduzidas a uma dimensão técnica de

ensino, priorizam o treino do indivíduo objetivando o desenvolvimento de

competências e habilidades específicas a fim possibilitar sua integração nos espaços

sociais dos quais foi excluído em função de sua diferença (FERREIRA, 1994).

Outro aspecto a ser salientado é que esta maneira de conceber o processo

educativo de pessoas com deficiência mental (segregar → preparar → integrar) não

atende suas reais necessidades além de colocá-las em permanente “preparo para”,


31

já que só estará preparado na medida em que estiver menos deficiente, o que não se

dá. Outrossim, o fracasso em integrar o deficiente em qualquer instância social é

atribuído à própria deficiência e não ao processo educacional.

O que percebemos é a manutenção das noções de adaptação e de

ajustamento, da visão reducionista e psicologizante da deficiência como eixos

centrais da educação especial (CAMBAÚVA, 1988). O que explicita a não ruptura com

as concepções sobre a educação das pessoas com deficiência mental analisadas

anteriormente.

Outro aspecto a ser destacado na consolidação das instituições especiais e na

omissão do Estado é que, especialmente no que se refere ao atendimento da pessoa

com deficiência mental, o assistencialismo é entendido como forma de tratar os

direitos sociais, reiterando a indistinção entre o público e o privado. Silva (2003, p.

86) nos mostra que

em alguns setores das políticas sociais esta indistinção se confunde com a


própria forma de conceber, praticar e analisar este campo de atuação. [...]
Uma forma de desdobramento da relação público-privado, [...] trata da
legitimação de determinadas formas de serviços a serem destinadas a
determinadas clientelas. A identidade criada entre a instituição e o homem,
nestas relações acaba por traçar uma compreensão a respeito desse
próprio homem.

Mas, se por um lado o apoio do Estado é decisivo para consolidação das

instituições especiais de cunho privado-filantrópico como responsáveis pelo

atendimento ao indivíduo com deficiência mental, por outro, ele por si só, não é

suficiente tanto para justificar a amplitude do espaço social por elas ocupado, quanto

para suprir suas necessidades econômicas. Assim, conforme nos mostra D’Antino

(1996, p.04), muito embora o Estado canalize recursos públicos para iniciativa

privada, mesmo que de caráter filantrópico,

estes não se constituem em solução econômica para as instituições, uma


vez que o custo da prestação de seus serviços é sempre muito superior à
verba recebida, bem como os recursos públicos destinados à iniciativa
privada são pulverizados pelo grande número de instituições, cabendo,
32

então, à sociedade civil a responsabilidade da complementação do


orçamento institucional.

Complementação esta advinda de recursos arrecadados junto à sociedade civil,

representada pelos sócios beneméritos, pelos diversos contribuintes das campanhas

promocionais e pelas empresas privadas e que se sustenta nos pilares da filantropia,

do assistencialismo e da caridade.

Esta forma de angariar fundos para a manutenção institucional traz

conseqüências para o trabalho desenvolvido na instituição especial como um todo,

visto que o apelo à caridade, à piedade e ao amor cristão se sustenta em uma

concepção de deficiência mental que coloca o indivíduo com tal condição como

aquele que depende do outro para as questões mais básicas da vida, como aquele

incapaz de aprender, de expressar seus desejos, suas necessidades... E a instituição

depende desse apelo e dessa imagem do deficiente mental para se manter e para se

perpetuar como seu espaço social.

Isso faz com que a instituição especial veicule, de diferentes formas, a

imagem do indivíduo com deficiência mental como aquele que necessariamente deve

ser alvo da piedade humana. O apelo à caridade para angariar fundos na sociedade

civil reforça fortemente esta concepção de deficiência, criando uma relação de

dependência entre a instituição e essa imagem.

Assim, conforme nos mostra D’Antino (1996, p. 47),

se, por um lado, os fatores que originam as “instituições de pais” estão


atrelados a uma concepção social de indivíduo portador de deficiência
mental como um ser incapaz das mais simples formas de expressão,
autonomia e participação social, por outro lado a esse mesmo indivíduo é
imputada a tarefa de “carregar o estandarte” da benemerência e
filantropia encontrada nos muros cristalizados (e não muito cristalinos)
das instituições que insistem em se aprisionar em seu próprio cárcere.
Assim, a imagem da pessoa com deficiência pela força desses valores que
resistem ao tempo, permanece atrelada à piedade humana.
33

Nesse sentido, a instituição depende, necessariamente, da manutenção do

vínculo do aluno com deficiência mental com o espaço institucional; o que reforça, e

muito, sua imagem de incapaz e sua segregação.

Essa imagem da deficiência mental reforça também o caráter de movimento

em prol da excepcionalidade, colocando a instituição como a “guardiã” da deficiência

mental. Isso resulta não só na arrecadação de fundos junto à sociedade civil mas

também em um trabalho institucional que privilegia a causa do excepcional em

detrimento das especificidades da população atendida e de sua educação.

Isso faz com que o caráter pedagógico da instituição especial, que justifica

inclusive grande parte das verbas advindas do poder público, possa ser

descaracterizado e relegado a um plano secundário.

Conforme nos mostra D’Antino (1996), o fato da instituição especial e das

relações nela instituídas estarem (des)equilibradas no pilar da filantropia, faz com

esta se configure como um poder oculto que domina e aliena os diferentes atores

institucionais, indiferenciando suas relações e seus papéis. Tendo, também, a função

de deslocar e de cristalizar o eixo do trabalho da competência para atributos

pessoais de caráter afetivo.

A descrença em relação à clientela que “educa” parece travestir-se do


incondicional amor. Ora, se não se crê na capacidade potencial de
aprendizagem dos educandos, o melhor que se tem a oferecer é mesmo
o abrigo, o carinho e a superproteção (D’ANTINO, 1996, p.168).

Assim, temos a relação entre a sociedade e a deficiência mental se

estruturando a partir de sua institucionalização. Significa dizer que ao longo da

história a instituição especial foi se constituindo como a instância legítima da

deficiência mental. Em nossa história mais recente, foi se legitimando como

responsável pela educação dessa população, seja por assumi-la em função da

inexistência de práticas a ela destinadas, seja por ser responsabilizada pela


34

sociedade civil e pelo Estado como locus social do indivíduo social com deficiência

mental.

Esta estruturação da relação entre a sociedade e a deficiência mental a partir

de sua institucionalização denota o caráter totalitário das instituições especiais

privadas de caráter filantrópico.

Para analisar o caráter totalitário da instituição especial, tomo por base as

reflexões tecidas por Goffman (2003) e por autores da educação especial brasileira,

que investigaram diferentes aspectos do cotidiano institucional, tais como Glat

(1989), Ferreira (1994), D’Antino (1996 e 2001) e De Carlo (1997).

Inicio apresentando que no presente trabalho, o homem é entendido como um

ser histórico, produtor e produto de seu contexto social, que se constituí na interação

com outros homens, portanto na coletividade, o que implica a compreensão de que

as relações humanas estão circunscritas a diferentes instituições sociais (família,

escola, local de trabalho, igreja...) nas quais é possível apreender aspectos da

própria sociedade, à medida que reproduzem e transmitem em seu interior valores,

crenças, normas, regras etc. A instituição, qualquer que seja sua natureza, é um

espaço de agregação e formação social dos sujeitos.

Nesse sentido, compartilhando com as reflexões de D’Antino (2001, pp. 209-

210), aponto que

a dimensão institucional é construída em contexto sócio-histórico


determinado, pré-existente ao sujeito e presentifica-se através da
manifestação do chamado sujeito social. Ou seja, é “pela mão” dos
sujeitos, embrionariamente instituídos, que as ações e relações são
determinadas, uma vez que a instituição, qualquer que seja ela, não
existe senão na concretude da existência humana. [...] Assim, é
importante lembrar que a instituição, como micro sistema que é, reflete a
ideologia do contexto social mais amplo, e o sistema de idéias que a
instituição faz circular é o mesmo que faz respirar quase todos os demais
sujeitos, de um dado tempo e espaço social.

Encontramos também em Goffman (2003) o entendimento de que o indivíduo

se constitui em suas constantes interações sociais e que é por meio de sua inserção
35

em diferentes instituições, com grupos diversificados e sob autoridades diferenciadas

que essa constituição se dá. Assim, um mesmo sujeito pode estar inserido em

diferentes espaços sociais, cuja delimitação lhe permite representar papéis distintos.

Para ele, as instituições atuam como reguladoras das relações e dos papéis sociais.

Por outro lado, existem situações em que uma única instituição se configura

como o único espaço de interação e, conseqüentemente, de constituição do sujeito

social, as quais o autor denomina “instituições totais”.

Para Goffman (2003, p.11)

uma instituição total pode ser definida como um local de residência e


trabalho onde um grande número de indivíduos com situação semelhante,
separados da sociedade mais ampla por considerável período de tempo,
levam uma vida fechada e formalmente administrada.

O autor acrescenta que o seu aspecto central e totalizante é a desintegração

das barreiras que comumente separam as diversas esferas da vida de cada indivíduo,

reduzindo drasticamente seus espaços de interação, já que todos os aspectos de sua

vida são conduzidos em um mesmo local e sob uma única autoridade.

No caso das instituições totais isso assume um significado peculiar na medida

em que a segregação impede que o indivíduo institucionalizado se insira e participe

de outros espaços sociais. Nesse sentido, sua singularidade, sua particularidade fica

circunscrita às (im)possibilidades institucionais, tanto no que se refere à constituição

de sua identidade, quanto principalmente à sua deterioração ou, utilizando as

palavras de Goffman (2003), “mortificação do eu”. Além disso, nestas instituições, as

relações e os papéis sociais são regulados de modo a reduzir as formas de interação

e de restringir a um único papel a atuação do indivíduo institucionalizado.

Conseqüentemente, temos a redução drástica de todas as possibilidades de

constituição social do sujeito e o favorecimento da apropriação de um mundo e de

uma cultura institucionalizados.


36

Goffman (2003), analisando as conseqüências da institucionalização para

pessoas com doença mental, nos mostra que as formas estereotipadas de interação

entre estas e a instituição diz respeito muito mais à condição institucionalizada da

pessoa do que propriamente à sua doença. Entretanto, aos olhos dos profissionais e

dos dirigentes da instituição e da comunidade isso não é verdadeiro; as formas de

interação e os comportamentos apresentados no interior institucional são

considerados “típicos” de pessoas com doença mental, justificando, inclusive sua

internação.

Outro aspecto apontado pelo autor, é que, mesmo com seu caráter totalizante,

estas instituições são reconhecidas pela sociedade como organizações racionais,

competentes para os fins a que se destinam. Assim, as instituições totais são

consideradas o espaço social de pessoas que são agrupadas em função de um único

atributo: doenças, deficiências, criminalidade...

Considero que as análises tecidas por Goffman (2003) acerca das instituições

totais podem ser referência para a análise da instituição especializada no

atendimento ao indivíduo com deficiência mental.

Primeiramente, como já vimos, a literatura explicita que historicamente a

instituição especial vem sendo considerada como a principal instância, senão a única,

de atendimento ao indivíduo com deficiência mental. E, quando me refiro a

atendimento, estou considerando as diferentes esferas de sua vida: saúde, educação,

reabilitação e bem estar social.

Isto é, sem ter o caráter asilar (como internatos, conventos) ou de

confinamento (como manicômios, presídios), a instituição especial pode ser

considerada como total na medida em se responsabiliza e é responsabilizada por

todas as esferas da vida do indivíduo com deficiência mental. Ser o locus social da

deficiência mental é que imprime a ela o sentido totalitário.


37

É na instituição especial e por meio de suas ações que a pessoa com

deficiência mental institucionalizada tem acesso a todas as esferas sociais e, com

isso, temos a desintegração das barreira que separam cada uma delas fora dos

muros institucionais. Conseqüentemente, tais esferas assumem um caráter

específico para o atendimento dessa população: a educação passa a ser a educação

do e para o deficiente mental; a saúde passa a ser a saúde do e para o deficiente

mental; a assistência social passa a buscar o bem estar social do deficiente mental...

Mais, englobar todas as esferas sociais significa restringir todas as

possibilidades de interação pessoal ao cotidiano institucionalizado. Nas palavras de

Jannuzzi (1992, p.57), a permanência em instituições especiais promove a

construção de mecanismos específicos que “incorporam maneiras próprias de existir,

distanciadas da sociedade”.

Nesse ponto, é necessário entender que o caráter totalitário da instituição

especial mantém o distanciamento não só entre o sujeito institucionalizado e um

contexto social mais amplo, mas também dos outros grupos sociais em relação a ele.

Esse distanciamento dá margem à construção de barreiras que se interpõem entre o

indivíduo com deficiência mental e a sociedade e que cristalizam a condição

segregada do primeiro.

Incorporar maneiras próprias de existir significa passar a ser identificado

somente por elas. Assim, essas maneiras passam a ser reconhecidas como “de

deficientes mentais”. Conseqüentemente, a instituição se perpetua como o lugar da

deficiência mental, como a responsável por aqueles que apresentam tal condição,

sedimentando ainda mais seu caráter totalitário, fechado e dependente da

manutenção de suas próprias maneiras de existir.

De acordo com Jannuzzi (1995, p. 07), isso faz com que, no caso da

deficiência mental, haja o risco de

se perder os parâmetros universais do ser humano que nele estão


presentes, considerando-o em tudo como diferente, anormal.
38

Pode haver a tendência ao isolamento do deficiente em ambientes


confinados, fora do convívio com os diferentes dele, levando-nos a
esquecer que o homem também é fruto do conjunto de suas
circunstâncias e, assim tomá-lo como responsável pela falta de certos
atributos, quando isto é resultado da situação em que é obrigado a viver.

Além disso, ter suas interações restritas a uma instituição reconhecida como o

espaço social da deficiência mental, significa reduzir drasticamente as possibilidades

de constituição individual para além da própria condição, pela impossibilidade de ser

reconhecido como uma pessoa e não como um deficiente mental.

O caráter totalitário da instituição especial pode ser apreendido também na

análise de estudos que investigaram o cotidiano de pessoas com deficiência mental

institucionalizadas, como os realizados por Glat (1989), Ferreira (1994), D’Antino

(1996, 2001) e De Carlo (1997). Todos apresentam, sob diferentes perspectivas e

por meio da análise de diferentes objetos, as conseqüências negativas que a

permanência em instituições especializadas pode trazer.

Glat (1989), analisou a vida de mulheres com deficiência mental a partir de

seus relatos sobre elas mesmas, sobre seu cotidiano institucionalizado, sobre suas

interações, sobre suas percepções de mundo, buscando apreender o significado do

estigma de deficiente mental em suas experiências e identidade pessoal. A autora

conclui, entre outros aspectos, que

pelo que pôde ser observado, a vida cotidiana desse grupo de mulheres
se desenrola entre três espaços bem definidos: a casa, a instituição e a
rua. A casa e a instituição são os espaços onde elas vivem suas práticas
diárias rotineiras, ritualizadas, repetitivas. São campos seguros onde elas
têm uma posição definida, onde sabem como agir e o que esperar do
relacionamento com as outras pessoas. Em suma é o mundo que lhes
pertence. [...] A rua, por outro lado, representa o mundo “de fora”, onde
elas transitam ocasionalmente, mais onde não possuem um conjunto de
relações e funções definidas. É um mundo estranho, onde algumas
sonham penetrar um dia (quando conseguirem “trabalhar fora”), mas que
para a maioria tem um significado ameaçador e violento. (GLAT, 1989, p.
207)

A autora nos mostra, ainda, que o lugar que a casa, a instituição e a rua

ocupam na vida dessas mulheres, como sendo o “mundo de dentro” e o “mundo de


39

fora”, é, em parte, conseqüência da restrição que a institucionalização impõe: ao

invés de “desempenhar uma função educadora, supervisionando e facilitando seu

ingresso na comunidade aberta, na prática exercem uma pressão centrípeta,

reforçando a dependência e a marginalização”.

Outro aspecto ressaltado pela autora, diz respeito à intensa infantilização das

mulheres que participaram do estudo. Nas palavras de Glat (1989, p. 207),

os relatos das entrevistadas mostraram inúmeras situações em que as


famílias ou profissionais da instituição lidavam com elas como se fossem
crianças pequenas, tomando decisões sobre suas vidas sem consultá-las,
e determinando o curso de ação a ser seguido.

Vale ressaltar, apropriando-me uma vez mais das reflexões de Goffman (2003)

e de D’Antino (1996), que o mundo da casa está circunscrito ao mundo da instituição,

como um de seus tentáculos. Ou seja, o mundo da casa, familiar, também está

submetido à autoridade institucional e ao seu poder. Isso denota sobremaneira o

caráter totalitário das instituições em apreço.

As instituições especiais se configuram como totalitárias também quando

analisamos as práticas institucionais, especificamente as pedagógicas, como nos

mostra o estudo conduzido por Ferreira (1994). Segundo a autora, a prática

educacional na instituição especial analisada apresentou-se fragmentada,

artificializada, enfatizando o treino das funções elementares, restringindo as

possibilidades de apropriação de formas culturais maduras de atividade humana,

ancorada em concepções de desenvolvimento que reduz o desenvolvimento humano

a uma somatória de aprendizagens, e reservando ao indivíduo com deficiência

mental uma posição social infantilizada. Outro aspecto apontado é que as atividades

desenvolvidas no interior da instituição são descontextualizadas, sem um significado

cultural, isentas de sentido pessoal e, por serem conduzidas preferencialmente por

meio de ações individualizadas, restritivas das interações pessoais. O que é ensinado

é sem sentido, não condiz com a realidade do deficiente e muito menos com a do
40

contexto do qual ele está excluído. A autora nos mostra, por exemplo, que as

atividades pedagógicas propostas para o ensino de jovens e adultos com deficiência

mental reproduziam as atividades pré-escolares.

Podemos perceber que a forma como a prática educacional (que deveria ser o

eixo central do trabalho institucional) está implementada na instituição especial,

além de se distanciar de outras experiências de ensino destinadas às pessoas não

deficientes, favorece sobremaneira o entendimento de que somente naquele

contexto é que o indivíduo com deficiência mental pode ser ensinado, visto suas

especificidades e reconhecimento da instituição como o único local apto a educar o

indivíduo com deficiência mental. Além disso, evidencia-se o favorecimento de

interações pessoais que não possibilitam a apropriação de um mundo e de uma

cultura não restritos ao cotidiano institucional. O que denota o caráter de locus da

deficiência mental à instituição especial.

De Carlo (1997), em estudo realizado numa instituição asilar para deficientes

mentais, objetivou analisar em que medida as condições institucionais são

favorecedoras da emergência de processos de funcionamento psicológico superior,

especificamente reflexivos e imaginários, em adultos com deficiência mental

institucionalizados. A autora nos mostra que as condições institucionais, além de

empobrecidas e restritivas de oportunidades que favoreçam o desenvolvimento de

atividades práticas e de funções psíquicas complexas, subordinam os internos a

procedimentos de infantilização, segregação e disciplinarização. Por outro lado,

ressalta as possibilidades de vida e de desenvolvimento da pessoa com deficiência

mental, apreendidas em suas interações com os internos, desde que submetidas a

condições sociais favoráveis ao desenvolvimento de suas capacidades.

Este estudo se distingue dos outros não só pelo seu objeto mas também por

ser conduzido em uma instituição especial asilar. Aqui, evidencia-se de forma

marcante o caráter totalitário institucional, principalmente pela ênfase na


41

disciplinarização e pela impossibilidade de manutenção de qualquer tipo de contato

com o mundo não institucional. Conseqüentemente, há no cotidiano da instituição

um campo fértil para a despersonalização e para o empobrecimento das

possibilidades de vida dos internos, conforme ressaltado por Goffman (2003).

Vale ressaltar a intensa infantilização do indivíduo com deficiência mental que

tem suas interações sociais restritas ao cotidiano institucional, também como

decorrente do caráter totalitário da instituição especial.

Goffman (2003) analisa a infantilização do interno como conseqüência do

rígido controle, da disciplinarização e da submissão (imposta) à autoridade. Isso faz

com que o adulto perca a possibilidade de agir e interagir em seu meio de forma

autônoma, segundo suas próprias necessidades e desejos, sendo despido de toda e

qualquer forma de singularidade.

No caso da pessoa com deficiência mental, é considerado que a infantilização

se dá como conseqüência de uma concepção que ignora qualquer possibilidade de

atuação e de interação social de forma autônoma e independente. Ou seja, essa

possibilidade não é retirada do adulto com deficiência mental; ela, simplesmente,

não está posta em seu cotidiano por ser considerada como incapacidade inerente à

condição de deficiência. Como conseqüência, temos o cotidiano institucional se

estruturando a partir dessa concepção, haja visto a ênfase em atividades

pedagógicas comumente destinadas à infância, como apresentado anteriormente.

Não pode deixar de ser mencionado que as formas utilizadas pela instituição

especial de caráter filantrópico e assistencial para sua manutenção e sua

perpetuação como locus social da deficiência mental, também denotam sua condição

totalitária. Conforme discutido anteriormente, apropriando-me das reflexões tecidas

por D’Antino (1996, 2001), o poder oculto da filantropia mantém a imagem do

indivíduo com deficiência mental atrelada à piedade humana, conferindo à instituição


42

especial o status de responsável por tudo aquilo que se refere à condição de

deficiência.

Paralelamente, a ideologia que permeia o cotidiano das associações


apresenta-se como estratégia de manutenção da segregação da pessoa
com deficiência. O imperativo da instituição é manter o aluno vinculado
ao espaço instituído. [...] Assim, ao mesmo tempo que essa estratégia
possibilita o acesso educacional a uma parcela da comunidade, também
dificulta e/ou impede o processo de integração social desta, uma vez que
integrar implica, necessariamente, na possibilidade de aprender a
participar e até mesmo se representar enquanto expressão de desejos,
necessidades e vontade própria. Assim sendo, parece que nas
associações em apreço, a participação dos alunos no cotidiano se dá
através do pensar, sentir e fazer dos demais atores institucionais que em
seu nome falam, lutam, brigam e os abrigam (D'ANTINO, 2001 p. 167 –
168).

Diante do exposto, fica evidenciado o caráter totalitário da instituição especial

privada de cunho filantrópico, assim como as conseqüências da institucionalização

das pessoas com deficiência mental, principalmente as relacionadas à restrição de

suas possibilidades de vida.

Todavia, na década de 1990 vamos perceber uma mudança tanto no discurso

da educação brasileira como também na educação especial. A referida década vem

sendo considerada como um marco na Educação Especial brasileira em função das

alterações legais que se processaram, principalmente após 1994 com a adesão do

país à Declaração de Salamanca e linha de ação sobre necessidades educativas

especiais (CORDE, 1994), resultado da Conferência Mundial Sobre Necessidades

Educacionais Especiais.

Para analisar as alterações que se processaram na educação brasileira na

referida década é necessário discorrer sobre a forma como o Estado e sua relação

com a sociedade civil são compreendidos no presente trabalho.

O Estado é aqui entendido em uma perspectiva multidimensional, que

segundo Borón (1994) deve ser considerada sem haver uma valorização de uma das
43

dimensões em detrimento de outra. Assim, para o autor, o Estado é de maneira

concomitante:

1. Um “pacto de dominação” mediante o qual uma determinada aliança de


classes constrói um sistema hegemônico suscetível de gerar um bloco
histórico; 2. uma aliança dotada de seus correspondentes aparatos
burocráticos e capaz de transformar-se, sob determinadas circunstâncias,
em um “ator corporativo”; 3. um cenário da luta pelo poder social, um
terreno onde se dirimem conflitos entre distintos projetos sociais que
definem um padrão de organização econômica e social; e 4. o
representante dos “interesses universais” da sociedade e, enquanto tal, a
expressão orgânica da comunidade nacional (BORÓN, 1994, p. 254).

Nesta mesma perspectiva, é possível o entendimento de que o Estado nasce

nas relações engendradas na e pela sociedade civil. É esta relação que delimita a

medida e os limites do Estado.

O entendimento de que o Estado se constitui nas relações com a sociedade

civil evidencia a necessidade de refletir sobre o papel desta em nosso contexto.

Podemos acrescentar aqui as análises de Bottomore (1997, p. 134) que nos

mostra a necessidade de explorar e explicar a “autonomia relativa” do Estado “e as

complexidades que envolvem suas relações com a sociedade”. Segundo o autor, o

Estado pode ser concebido como “um instituição independente, com interesses e

propósitos próprios” ao mesmo tempo em que

serve aos propósitos e interesses da classe ou classes dominantes: o que


está em causa, como efeito, é uma associação entre os que controlam o
Estado e os que possuem e controlam os meios da atividade econômica.
Mas não há uma fusão das instâncias política e econômica, ao passo que a
articulação real é a de uma associação em que as instâncias política e
econômica conservam suas respectivas identidades e pela qual o Estado
pode agir com considerável independência para manter e defender a
ordem social da qual a classe economicamente dominante é a principal
beneficiária (BOTTOMORE, 1997, pp. 134-135)

Esta configuração do Estado como uma instituição independente, mas que

serve a interesses de determinados grupos ou classes, sustenta uma relação com a

sociedade na qual o interesse público é sobreposto pelos interesses privados. Assim,


44

o que temos é a esfera pública sendo reduzida à estatal e se confundindo, então,

com os interesses privados.

Para melhor entendimento desta relação entre público/estatal/privado, focarei

o âmbito da educação brasileira, no qual explicitamente o público é tomado como

sinônimo de estatal. Contudo, Sanfelice (2005, pp. 178-179) nos mostra que,

rigorosamente, “escola estatal não é escola pública, a não ser no sentido derivado

pelo qual o adjetivo “público” se relaciona ao governo de um país ou estado: o poder

público”.

E acrescenta:

Enquanto Estado defensor dos interesses da propriedade privada, a


educação estatal pode estar, portanto, atrelada aos mesmos objetivos. O
que é ideologicamente explicitado como educação pública na realidade
destina-se ao interesse privado, e a educação estatal assim deve ser
denominada pois não é do interesse comum, do público mas do privado.

Com base nesta referência, podemos analisar o Estado brasileiro,

especificamente no que se refere às mudanças processadas, a partir da década de

1980, que culminaram na Reforma do Estado, implementada em 1995, no governo

de Fernando Henrique Cardoso.

Podemos considerar que as alterações que se processaram ao longo da

década de 1990 foram se estruturando ao longo da de 1980, que culmina, por um

lado com promulgação da Constituição Federal de 1988, considerada constituição

“cidadã”, pela ênfase nos direitos sociais; e, por outro, com a eleição de Fernando

Collor de Mello para a Presidência da República, sustentado por um projeto de

caráter neoliberal e pela ênfase na necessidade de uma reforma do Estado. Assim,

temos a polarização de discursos e propostas sobre o papel do Estado na

organização econômica e a sua função nas áreas sociais (ARELARO, 2003).

É neste governo que os organismos internacionais condicionam o recebimento

de empréstimos financeiros à melhoria dos índices de desempenho educacional e à

adesão ao compromisso de “Educação para Todos”. Neste período se intensifica,


45

também, o embate em torno dos Projetos de Lei de Diretrizes e Bases da Educação

Nacional.

É também no governo de Collor de Mello que as instituições assistenciais

ganham o estatuto de Organizações não Governamentais “e a ambigüidade entre os

setores públicos e privados é apresentada como uma necessária e fundamental

“parceria” para o desenvolvimento do país” (KASSAR, 1999, p. 35).

No governo de Itamar Franco, que assume a Presidência da República após o

impeachment de Collor em 1992, temos a discussão do Plano Nacional de Educação

já evidenciando, na área da educação, a submissão do governo às exigências das

agências de financiamento internacionais.

Mas, é no governo de Fernando Henrique Cardoso que, em 1995, se inicia a

Reforma do Aparelho do Estado, desencadeada pelo Plano Diretor organizado pelo

então ministro da Administração Federal e Reforma do Estado, Luis Carlos Bresser

Pereira. A Reforma priorizava a redução do aparato do Estado e do financiamento

das áreas sociais, privatização, proteção aos bancos, redução de direitos trabalhistas

e redefinição das esferas pública e privada com a transferência da responsabilidade

do Estado para instituições privadas e para organizações não governamentais. Neste

contexto há uma redefinição do papel do Estado que deixa de “ser o responsável

direto pelo desenvolvimento econômico e social pela via da produção de bens e

serviços, para fortalecer-se na função de promotor e regulador desse

desenvolvimento” (BRASIL, 1995, p.11).

O Plano Diretor propõe a divisão do Aparelho de Estado em quatro setores: 1)

Núcleo Estratégico: “setor que define as leis e as políticas e cobra seu cumprimento”;

2) Atividades Exclusivas: são os serviços que apenas o Estado pode realizar

“cobrança e fiscalização de impostos, a polícia, a previdência social básica [...] o

subsídio à educação básica”, entre outros; 3) Serviços Não Exclusivos: são aqueles

nos quais o “Estado atua simultaneamente com outras organizações públicas não
46

estatais e privadas” sua presença se justifica “porque os serviços envolvem direitos

humanos fundamentais, como os da educação e da saúde...”; 4) Produção de Bens e

Serviços para o Mercado: o setor “é caracterizado pelas atividades econômicas

voltadas para o lucro que ainda permanecem no aparelho do Estado, como, por

exemplo, as do setor de infra-estrutura” (BRASIL, 1995, pp. 39-40).

Para efeito das reflexões realizadas neste trabalho, focaremos o terceiro setor

do Aparelho do Estado “Serviços Não Exclusivos” por considerar que as instituições

especiais privadas de caráter filantrópico estão aqui circunscritas e também que é

nesta esfera que se dá a redefinição dos setores Público e Privado de modo mais

explícito.

Os “Serviços Não Exclusivos” são aqueles que devem ser descentralizados,

administrados pelo setor público não estatal, mas não privatizados. Isso é possível

em função do Estado a renunciar alguns serviços e estabelecer contrato com as

organizações sociais, que são entendidas como “entidades de direito privado que ,

por iniciativa do Poder Executivo, obtêm autorização legislativa para celebrar

contrato de gestão com esse poder, e assim ter direito a dotação orçamentária”

(BRASIL, 1995).

Instala-se um processo de publicização que, juntamente com o de

privatização sustentam o redimensionamento do Estado no sentido de abandono do

papel “de executor ou prestador direto de serviços, mantendo-se, entretanto, no

papel de regulador e provedor ou promotor destes, principalmente dos serviços

sociais como educação e saúde” (BRASIL, 1995, p. 12).

Contudo, a publicização no âmbito da educação da pessoa com deficiência

mental reitera o caráter assistencialista, que tem sido historicamente sua marca, já

que a responsabilidade por este atendimento permanece circunscrita a instituições

privadas de caráter filantrópico. Bueno e Kassar (2005, p. 128) nos mostram que:

No contexto de Reforma do Estado, as “parcerias” entre os serviços


público e privados fortalecem-se, diante da necessidade apresentada pelo
47

projeto de modernização do país, que propõe a assunção de ações no


campo da educação, pelo chamado “terceiro setor”. No âmbito do terceiro
setor, o discurso assistencialista que permeia a história da educação
especial brasileira hoje é consoante ao discurso da democracia, uma vez
que o envolvimento da sociedade, na formação de associações civis, é
visto como fundamental para o seu estabelecimento. [...] O acesso aos
direitos construídos historicamente pelas sociedades, cujo cerne está na
organização econômica de um país, passa a ser enfocado como de
responsabilidade da sociedade, de “boa vontade” e da filantropia.

No que se refere à educação da pessoa com deficiência mental o que pode ser

observado é a insistente omissão e descompromisso do Estado quanto à organização

de serviços nas redes públicas de ensino e a “parceria” estabelecida com o setor

privado, especialmente o de caráter assistencialista, no sentido deste ocupar o

espaço deixado por aquele. A contrapartida do Estado é o estabelecimento de

auxílios técnico e financeiro e de incentivos fiscais com a isenção e redução de

impostos.

A “parceria” não é criada na década de 1990, ao contrário, se constituiu na

história da Educação Especial brasileira, sempre lastreada pelo descompromisso do

Estado quanto à educação das pessoas com deficiência mental. Neste processo de

constituição o que pode ser observado é que as instituições especiais privadas de

caráter filantrópico se legitimam e são legitimadas como as responsáveis pela

educação desta população. O que pode ser constatado nas referências feitas em

documentos oficiais, que reiteram o espaço por elas ocupado.

Em 1994, o MEC, por meio da Secretaria de Educação Especial publica a

Política Nacional de Educação Especial, na qual o papel das instituições especiais é

reafirmado:

Tais associações tomaram vulto, representando, até hoje, papel


significativo no atendimento educacional especializado. Na maioria dos
municípios brasileiros são elas que, em convênio com o Governo, prestam
o atendimento educacional. Têm igualmente atuado na conscientização da
comunidade. Essa atuação tem provocado, em última instância, uma
mudança de atitude na sociedade brasileira, tornando-a lenta e
progressivamente mais receptiva à conquista da cidadania dos portadores
de deficiências.
48

As organizações não-governamentais filantrópicas que prestam


atendimento educacional especializado são contempladas com verbas
estaduais e federais, além de recursos humanos cedidos pela rede pública
governamental. (BRASIL, 1994, pp. 21-22)

Já o Plano Nacional de Educação de 2001 afirma que:

Longe de diminuir a responsabilidade do Poder Público para com a


educação especial, o apoio do governo a tais organizações visa tanto a
continuidade de sua colaboração quanto à maior eficiência por contar com
a participação dos pais nessa tarefa. Justifica-se, portanto, o apoio do
governo a essas instituições como parcerias no processo educacional dos
educandos com necessidades especiais. (BRASIL, 2001 pp. 47-52)

É preciso ressaltar que a “parceria” é um “bom negócio” para ambos os lados.

Para as instituições por seu favorecimento e para o Estado pelos gastos reduzidos já

que o custo do sustentação da instituição especial privada assistencial é inferior ao

custo de implementar serviços de educação especial para toda população com

deficiência na rede regular de ensino. Isto pode ser constatado na avaliação feita

pelo Ministério a Educação (MEC), Educação Especial no Brasil: Perfil do

Financiamento e das Despesas, publicada em 1996. Na análise da Educação Especial

no Paraná, o relatório indica a relação entre o estado e as organizações não

governamentais (ONGs) como importante parceria:

Tem-se considerado que a secretaria não deve ter funções executivas em


todas as áreas, mas deve valer-se da capacidade executiva e gerencial
das ONGs. Por isso mesmo havia, em setembro de 1995, 272 convênios
na área da Educação Especial, dos quais 210 com APAEs. Tais convênios
envolvem não só a transferência de recursos financeiros, como também a
cessão de funcionários docentes e não docentes, além da capacitação de
pessoal. Um entrevistado estimou que, em 1995, o estado destinou cerca
de US$ 1,094 mil para as ONGs (fora a cessão de pessoal), que atende a
aproximadamente 23 mil alunos, correspondendo à despesa média anual
de US$47.57. Comparado com o repasse anual de US$324.00 por aluno
para os municípios e com o custo aluno/ano do estado de US$ 390.00,
mesmo que aquele valor seja subestimado, observamos que essa espécie
de “terceirização” é financeiramente vantajosa para o estado. (BRASIL B,
1996, p. 85)
49

Além das alterações indicadas na LDBEN 96 no que se refere à educação

especial analisadas anteriormente, podemos acrescentar a substituição do princípio

de escola integradora pelo de escola inclusiva.

Inclusão, educação inclusiva, escola inclusiva são expressões que ganharam

destaque nos discursos políticos, educacionais e acadêmicos de diferentes países a

partir da segunda metade da década de 1990, sustentados por diferentes correntes

político-ideológicas. No Brasil, o conceito inclusão tem sido enfatizado nas políticas

educacionais, nos documentos norteadores da educação e, particularmente, da

educação especial.

O conceito inclusão aparece nos debates que analisam as condições sociais e

educacionais dos chamados excluídos e que indicam a necessidade de superação da

exclusão social destas pessoas. Assim, podemos perceber que o conceito inclusão

aparece atrelado ao entendimento de que incluir é a forma de superar a exclusão; de

que inclusão se configurou como um novo paradigma social capaz de direcionar a

transformação da sociedade excludente em seu oposto e; que a inclusão escolar

seria a garantia de inclusão social posterior, em um resgate do ideário da escola

como um mecanismo de equalização social 10 .

No caso da pessoa com deficiência mental, a inclusão em ambientes regulares

de educação aparece como o grande objetivo da área de educação especial. A

indicação é a de que o acesso e permanência na escola regular são a via de ruptura

com a condição de segregação e de exclusão social historicamente impostas a essa

população.

Contudo, tal debate parece desconsiderar que em uma sociedade sustentada

pelo modo de produção capitalista exclusão e inclusão são partes constitutivas de um

mesmo processo, submerso em uma trama social que sustenta sua interdependência.

Assim, para analisar o conceito inclusão é necessário considerar também o seu

10
Estou me baseando nas análises tecidas por Garcia (2004).
50

suposto contrário, o conceito exclusão. Para isso, me reporto às análises

desenvolvidas por Martins (1997, 2002) e Sawaia (2001).

Para Martins (1997) exclusão é uma categoria vaga e indefinida que passou a

ser utilizada de forma mecânica para explicar todos os problemas sociais. O autor

também aponta que

a categoria exclusão é resultado de uma metamorfose nos conceitos que


procuravam explicar a ordenação social que resultou do desenvolvimento
capitalista. Mais que uma definição precisa de problemas, ela expressa
uma incerteza e uma grande insegurança teórica na compreensão dos
problemas sociais da sociedade contemporânea. (MARTINS, 2002, p. 27)

Da mesma forma podemos analisar o conceito inclusão: como uma categoria

vaga e indefinida que passou a ser utilizada de forma mecânica para indicar e

qualificar a solução para todos os problemas sociais que assolam a maioria da

população do chamado Terceiro Mundo que vive em condições miseráveis de vida e

da população pobre (os imigrantes árabes, asiáticos, latinos e os negros) dos países

de Primeiro Mundo 11 .

Sawaia (2001, p. 09) nos mostra que

... a exclusão é processo complexo e multifacetado, uma configuração de


dimensões materiais, políticas, relacionais e subjetivas. É processo sutil e
dialético, pois só existe em relação à inclusão como parte constitutiva dela.
Não é uma coisa ou um estado, é processo que envolve o homem por
inteiro e suas relações com os outros. Não tem uma única forma e não é
uma falha do sistema, devendo ser combatida como algo que perturba a
ordem social, ao contrário, ele é produto do funcionamento do sistema.

Nesse sentido, pensar em inclusão não é pensar em um processo avesso à

exclusão, como se estivéssemos em face de um dualismo cujas alternativas fossem a

de excluídos ou incluídos. É sim pensar em um processo que depende da exclusão

para se constituir. Martins (1997, p.26, grifos do autor) nos mostra que

o que vocês estão chamando de exclusão é, na verdade, o contrário de


exclusão. Vocês chamam de exclusão aquilo que constitui o conjunto de
dificuldades, dos modos e dos problemas de uma inclusão precária e

11
Não me refiro à pobreza apenas como carência material, “as pobrezas se multiplicaram em todos os planos e contaminaram
até mesmo âmbitos da vida que nunca reconheceríamos como expressões de carências vitais” (Martins, 2002).
51

instável, marginal. A inclusão daqueles que estão sendo alcançados pela


nova desigualdade social produzida pelas grandes transformações
econômicas e para os quais não há senão, na sociedade, lugares residuais.

A sociedade exclui para incluir, mas incluir de forma precária,

sustentando modos desumanos de participação (MARTINS, 2002). E o que significa

esta inclusão precária e esta participação social desumana?

Significa se inserir em um espaço social já existente e essencialmente

excludente. A inclusão é precária e perversa porque o que se busca é a inserção na

sociedade que exclui, o que se reivindica é aquilo que reproduz e conforma a

sociedade atual. Martins (2002, p. 38, grifos do autor) nos mostra que

a contradição de que o excluído é produto e expressão não é contradição


constitutiva de sua condição de marginalizado. [...] Não é contradição
constitutiva porque ela se resolve na reprodução ampliada e não na
transformação da sociedade que o vitima.

Esta forma de inclusão nos dá a indicação do porque sustenta modos de

participação sociais desumanos, já que tal participação se dá numa sociedade que

visivelmente secundariza as pessoas fazendo delas seres descartáveis que vivenciam

formas extremas de alienação e de coisificação (MARTINS, 2002).

Nesse sentido, incluir não significa superação ou ruptura com uma condição

de exclusão, visto que todos estamos incluídos nas relações sociais que reiteram a

ordem social vigente. Mesmo quando inseridos por meio de privações, de processos

de coisificação e de anulação, de modo precário, desumano e indigno.

Outro aspecto relevante para a discussão proposta é a indicação de que as

análises feitas sobre exclusão

enfocam apenas uma de suas características em detrimento das demais,


como as análises centradas no econômico, que abordam a exclusão como
sinônimo de pobreza, e as centradas no social, que privilegiam o conceito
de discriminação, minimizando o escopo analítico fundamental da
exclusão, que é o da injustiça social. (SAWAIA, 2001, p. 07)
52

Desconsidera-se que outros aspectos estão presentes e são constitutivos

tanto da categoria exclusão quanto da inclusão. Dentre estes aspectos, podemos

observar a diferenciação social sendo sustentada pela idéia de que

as diferenças sociais não são apenas diferenças de riqueza, mas


diferenças de qualidade social das pessoas. [...] As pessoas estão
separadas sobretudo qualitativamente e não quantitativamente. Há como
que a restauração da idéia de qualidade social da pessoa como meio de
classificação social. (MARTINS, 2002, p. 132-133)

Com base nesta referência é possível analisar que a inclusão não se constitui

como uma via de transformação das condições de vida, ao contrário, é parte

constitutiva de sua criação e, sobretudo, de sua conservação.

Cabe aqui acrescentar as análises tecidas por Arelaro (2003) e Bueno (2005)

acerca das políticas educacionais brasileira sustentadas pelos pressupostos de

educação para todos e de escola inclusiva.

Arelaro (2003) nos mostra que o governo brasileiro, a partir de 1997,

sustenta suas ações nas premissas de que o país não tem problema de atendimento

da demanda escolar e de que os recursos financeiros investidos em educação são

suficientes. A autora contesta estas premissas por meio da análise dos dados

estatísticos da educação e aponta que, segundo os dados oficiais, cerca de 50

milhões de pessoas (30% da população brasileira) se encontram sem qualquer tipo

de atendimento escolar.

Se considerarmos que a demanda está atendida, mesmo quando os dados


demonstram que não está, isto significa que se considera que os “tantos”
que estão sendo atendidos em escolas são os “todos” que deveriam estar,
não se pretendendo ampliar, em conseqüência, esse atendimento escolar.
(ARELARO, 2003, pp. 20-21)

Nesta mesma linha, Bueno (2005) analisa que:

Se o norte é a educação inclusiva como meta a ser alcançada, isto


significa que a projeção política que se faz do futuro é de que continuará a
existir alunos excluídos, que deverão receber atenção especial para
deixarem de sê-lo. Isto é, a meu juízo, esta nova bandeira, vira de cabeça
para baixo aquilo que era uma proposição política efetivamente
53

democrática (mesmo com perspectivas diferentes), na medida em que o


que deveria se constituir na política de fato – a incorporação de todos pela
escola, para se construir uma escola de qualidade para todos – se
transmuta num horizonte sempre móvel, porque nunca alcançado.

Assim, é possível o entendimento de as políticas de educação para todos e de

escola inclusiva, do ponto de vista conceitual, econômico e legal apresentam-se de

forma reduzida e ambígua em relação à educação das pessoas com deficiência

mental e à concretude das relações institucionais.

Na linha de materializar a educação para todos e a escola inclusiva, a

educação especial passa a ser identificada como uma modalidade de educação

escolar a ser oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, a partir da

educação infantil e que, apenas em casos excepcionais – aqueles que em função dos

comprometimentos do aluno – em que a escola não tiver recursos para o

atendimento é que este poderá ocorrer em instâncias consideradas especiais: classes

ou escolas. Há a indicação na LDBEN 96, em seu artigo 59, de que os sistemas de

ensino assegurarão aos educandos com necessidades especiais, entre outros

aspectos: currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e organização

específicos, para atender às suas necessidades; terminalidade específica para

aqueles que não puderem atingir o nível exigido para a conclusão do ensino

fundamental, em virtude de suas deficiências.

Já a definição da educação especial como uma modalidade de educação

escolar é ampliada apenas em 2001 nas Diretrizes Nacionais para a Educação

Especial na Educação Básica, conforme exposto a seguir:

Por educação especial, modalidade de educação escolar [...] entende-se


um processo educacional definido em uma proposta pedagógica,
assegurando um conjunto de recursos e serviços educacionais especiais,
organizados institucionalmente para apoiar, complementar, suplementar
e, em alguns casos, substituir os serviços educacionais comuns, de modo
a garantir a educação escolar e promover o desenvolvimento das
potencialidades dos educados que apresentam necessidades educacionais
especiais, em todos os níveis, etapas e modalidades da educação.
(MEC/SEESP, 2001, pp. 27-28)
54

Sendo que apoiar, complementar, suplementar e substituir são assim

definidos:

a) Apoiar: prestar auxílio ao professor e ao aluno no processo de ensino e


aprendizagem, tanto nas classes comuns quanto em salas de recursos;
complementar: completar o currículo para viabilizar o acesso à base
comum nacional; suplementar: ampliar, aprofundar ou enriquecer a base
nacional comum. Essas formas de atuação visam assegurar resposta
educativa de qualidade às necessidades educacionais especiais dos
alunos nos serviços educacionais comuns.
b) Substituir: colocar em lugar de. Compreende o atendimento
educacional especializado realizado em classes especiais, escolas
especiais, classes hospitalares e atendimento domiciliar. (MEC/SEESP,
2001, pp. 27-28, nota de rodapé)

Neste mesmo aparato legal, as categorias de deficiência se diluem no conceito

de necessidades educacionais especiais.

O termo é utilizado inicialmente na Declaração de Salamanca para caracterizar

crianças com deficiência e crianças bem dotadas; crianças que vivem nas ruas e que

trabalham; crianças de populações distantes ou nômades; crianças de minorias

lingüísticas, étnicas ou culturais e crianças de outros grupos ou zonas desfavorecidos

ou marginalizados (CORDE, 1994). Isto indica que a deficiência mental é entendida

como uma expressão a mais da diversidade que compõe as chamadas necessidades

educativas especiais.

No Brasil, a Declaração de Salamanca passa a ser citada como um marco na

educação especial e a ser considerada referência básica para as discussões da área.

O conceito necessidade educacional especial passa a designar a condição de

deficiência em nosso contexto, imprimindo-lhe um “novo” sentido. A inovação estaria

no fato de trabalhar na perspectiva da inclusão, ampliando a ação da educação

especial que agora contempla

não apenas as dificuldades de aprendizagem relacionadas a condições,


disfunções, limitações e deficiências, mas também aquelas não vinculadas
a uma causa orgânica específica, considerando que, por dificuldades
cognitivas, psicomotoras e de comportamento, alunos são freqüentemente
negligenciados ou mesmo excluídos dos apoios escolares. (B, 2001, p. 19)
55

Novo, mas não a ponto de transformar, como anunciado, a concepção da

deficiência. Isso porque, conforme análises tecidas por Bueno (1997b), a adoção do

termo necessidades educacionais especiais, por um lado, pode representar um

avanço no sentido de minimizar a estigmatização e a pejoratividade de termos

anteriores, mas, por outro,

como conceito portador de necessidades educativas especiais abrange


uma diversidade de sujeitos, ao ganhar na amplitude e na quebra da
estigmatização, perde na precisão. Tanto é assim que, ao lado do termo
em questão, é preciso acrescentar a espécie de sujeitos sobre a qual
estamos nos referindo. (BUENO, 1997b, p. 41)

Ou seja, ao termo necessidade educacional especial é acrescentado deficiência

mental, com toda sua carga pejorativa e estigmatizante.

Outro aspecto presente na legislação educacional vigente e que merece

destaque é a indicação da possibilidade de flexibilização curricular e da terminalidade

específica como alternativas favorecedoras do trabalho educacional da escola

inclusiva com pessoas com deficiência.

A flexibilização é a possibilidade de efetuar

adaptações curriculares, que considerem o significado prático e


instrumental dos conteúdos básicos, metodologias de ensino e recursos
didáticos diferenciados e processos de avaliação adequados ao
desenvolvimento dos alunos que apresentam necessidades educacionais
especiais, em consonância com projeto pedagógico da escola, respeitada
a freqüência obrigatória. (BRASILc, 2001, p. 47)

Tomando como referência o subsídio oferecido às escolas pelo governo de

Fernando Henrique Cardoso: Parâmetros Curriculares Nacionais, subsídios estes

significativamente valorizados, divulgados e aceitos pelas escolas da rede regular de

ensino, vamos encontrar um tomo que versa sobre as adaptações curriculares e

sobre estratégias para educação de alunos com necessidades educacionais especiais.

Neste, a flexibilização curricular é apresentada como uma forma de contemplar as

diferenças individuais oferecendo tratamento diversificado dentro do mesmo


56

currículo. Mas, ao invés de direcionar o debate no sentido de indicar estratégias e

métodos pedagógicos diversificados, a indicação é na linha da “eliminação de

conteúdos básicos o currículo” e “eliminação de objetivos básicos – quando

extrapolam as condições do aluno para atingi-lo, temporária ou permanentemente

(BRASIL, 1998, p. 38-39).

Outro componente da modalidade de educação especial é a terminalidade

específica entendida como

uma certificação de conclusão de escolaridade – fundamentada em


avaliação pedagógica – com histórico escolar que apresente, de forma
descritiva, as habilidades e competências atingidas pelos educandos com
grave deficiência mental ou múltipla. É o caso dos alunos cujas
necessidades educacionais especiais não lhes possibilitaram alcançar o
nível de conhecimento exigido para a conclusão do ensino fundamental.
[...] O teor da referida certificação de escolaridade deve possibilitar
novas alternativas educacionais, tais como o encaminhamento para
cursos de educação de jovens e adultos e de educação profissional, bem
como a inserção no mundo do trabalho, seja ele competitivo ou protegido.
(MEC/SEESP, 2001, p. 59)

Garcia (2004, p.172) analisa que a proposta de flexibilização curricular “pode

ser lida como incentivo à redução dos conteúdos a serem apreendidos, conforme as

condições individuais dos alunos com necessidades educacionais especiais”. O que é

evidenciado no caso dos alunos com deficiência mental para os quais o documento

indica como uma das possibilidades de adaptações que favoreçam o acesso ao

currículo o desenvolvimento de habilidades adaptativas sociais, de comunicação, de

cuidado pessoal e de autonomia.

A terminalidade específica pode ser entendida como a possibilidade de

certificar que ao indivíduo com deficiência mental basta o aprendizado de condutas

adaptativas, de independência, de auto cuidado e de noções rudimentares dos

conteúdos acadêmicos.

Por outro lado, podemos observar que, mesmo apresentando a educação

especial como dever constitucional do Estado e como modalidade de educação


57

escolar, a LDBEN 96 mantém a valorização da iniciativa privada por meio do apoio

técnico e financeiro do Poder Público às instituições especializadas, desde que sejam

sem fins lucrativos, que atuem exclusivamente em educação especial e que atendam

aos critérios estabelecidos pelos órgãos normativos dos sistemas de ensino (art. 60).

No âmbito destas políticas eivadas de um otimismo pedagógico que coloca a

escola inclusiva no papel de redentora das injustiças sociais (JANNUZZI, 2004;

GARCIA, 2004) fica aberta, contraditoriamente, a possibilidade da educação das

pessoas com deficiência mental ser plenamente oferecida no âmbito de uma escola

especial pedagogizada e eivada, por sua vez, de um “otimismo pedagógico especial”

(FERREIRA, 1992, p. 105).

Neste sentido as mudanças vão se processando.

Com o intuito de buscar ampliar o conhecimento sobre as instituições

especiais de educação das pessoas com deficiência mental neste processo de

mudança, me aproximei de uma escola especial e procurei captar e analisar os

aspectos definidos como objeto deste estudo.


58

Capítulo II

Apontamentos sobre a Metodologia da Pesquisa

E, ainda nessas digressões que venho aqui me permitindo,


enfatizo o quanto acredito, cada vez mais, numa Ciência
que tenha a preocupação de aliar conhecimento científico à
dignidade de viver – não em um sentido pragmático, de
aplicação imediata (ou outras prescrições eivadas de
utilitarismo), mas em um sentido último de aliança entre
uma construção científica e a criação de oportunidade para
sua ressonância na vida – e este é um compromisso social.
Mas há, ainda, um terceiro integrante dessa aliança: o
pensar filosófico, legítimo porta-voz de reflexões
“descompromissadas” (as aspas são importantes, em sua
ironia) que, em meu entender, precisa permear e imbricar-
se no perene desafio presente nos andaimes que
sustentam a construção do conhecimento.
Lígia Assumpção Amaral (2001)

O estudo foi realizado em uma Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais

(APAE) 12 . Para analisar os mecanismos utilizados pela instituição especial para se

adequar às exigências legais e normativas no sentido de assumir a educação escolar

como eixo central de seu trabalho, compatibilizando-o com as necessidades especiais

de seus educandos, o primeiro passo foi delimitar a Educação Especial, a Instituição

Especial e a Deficiência Mental como as dimensões da realidade a serem analisadas

neste estudo. Esta opção se deu em função destas dimensões serem representativas

da nova configuração da educação especial expressa na legislação educacional

brasileira.

Mas, para a viabilização da análise das dimensões foi necessário eleger alguns

eixos representativos de cada uma delas. As dimensões e seus respectivos eixos

estão descritos no Quadro I.

12
Por solicitação da direção da instituição, o nome e a cidade onde está localizada a Escola não serão divulgados. A escola
especial onde a pesquisa foi realizada será denominada no trabalho “APAE” e estará destacada em itálico.
59

Quadro I: Dimensões da realidade segundo seus eixos de análise

Dimensões Eixos de Análise


- modalidade de educação escolar a ser desenvolvida
Educação Especial preferencialmente na rede regular de ensino;
- flexibilização e adaptação curricular;
- certificação de terminalidade específica.
- necessidade educacional especial;
Deficiência Mental - níveis de apoio;
- atendimento preferencial em escolas comuns.
- escola organizada de modo similar às escolas comuns;
Instituição Especial - atendimento exclusivo em educação especial;
- substituição da escola comum, quando necessário.

Assim, busquei apreender o sentido da Educação Especial, da Instituição

Especial e da Deficiência Mental, segundo os eixos de análise, nos documentos que

apresentam as diretrizes curriculares de uma instituição especial. Nesse sentido, os

documentos selecionados foram: a proposta curricular elaborada pela Federação

Nacional das APAEs (FENAPAES), APAE Educadora: a escola que buscamos, o

currículo elaborado pela instituição especial pesquisada, filiada à FENAPAES, e o seu

Relatório de Atividades do ano de 2002.

Contudo, considerei que a análise documental por si só não seria suficiente

para apreensão dos mecanismos utilizados pela instituição especial. Era preciso

eleger outra esfera institucional que expressasse tais mecanismos. A opção foi

analisar o discurso dos profissionais da equipe técnica da instituição por considerar

que uma mudança no sentido de implementar um perfil educacional necessariamente

incide sobre a atuação destes, haja visto a centralidade do papel das equipes

técnicas nas instituições especiais.

A decisão por analisar o discurso dos profissionais da instituição foi

confirmada após o primeiro encontro com a coordenadora pedagógica, no qual pedi

permissão para realizar o estudo naquela instituição. Nesta ocasião, a coordenadora


60

pedagógica me informou que a instituição especial passara recentemente por

algumas mudanças, entre as quais se destacavam a elaboração do currículo da

escola conforme exigências do Conselho Estadual de Educação e a alteração do

trabalho da equipe técnica que passou a atender os alunos nas salas de aula como

decorrência da orientação contida na proposta da APAE Educadora: a escola que

buscamos.

Considerei, então, que focar estas duas mudanças seria uma das vias de

análise já que ali residia, explicitamente, o foco da transformação institucional para o

seu reconhecimento como escola.

Outro aspecto a ser ressaltado é que as análises foram tecidas não só por

meio do discurso expresso nos documentos e no relato dos profissionais. Alguns

aspectos sustentam as análises em sua materialidade, por exemplo: carga horária do

trabalho educacional na instituição especial, conteúdos trabalhados, critérios de

agrupamento dos alunos na instituição especial etc.

No primeiro contato com a APAE a proposta do trabalho foi apresentada à

direção com o objetivo de definir a trajetória da pesquisa na instituição especial, que

se iniciou com a análise dos arquivos, conforme apresentado anteriormente.

O conhecimento do cotidiano institucional se deu por meio da análise das

concepções dos profissionais que vivenciam e que compõem o cotidiano institucional

acerca de suas experiências profissionais, principalmente no que se refere ao seu

papel na construção do trabalho pedagógico. Optei, então, por adotar a Análise de

Discurso como procedimento de investigação das concepções dos profissionais, por

conceber

a linguagem como mediação necessária entre o homem e a realidade


natural e social. Essa mediação, que é o discurso, torna possível tanto a
permanência e a continuidade quanto o deslocamento e a transformação
do homem e da realidade em que ele vive. O trabalho simbólico do
discurso está na base da produção da existência humana. (ORLANDI,
2003, p. 15)
61

Por outro lado, dependendo dos procedimentos de investigação adotados, o

discurso poderia apenas reproduzir aspectos presentes nos discursos oficiais e

institucionais acerca das dimensões de análise Educação Especial, Instituição

Especial e Deficiência Mental. Então, a opção foi por tentar apreender as concepções

nas entrelinhas do discurso, propondo como ponto de partida a colocação: "gostaria

que você me falasse um pouco sobre o seu trabalho, sobre o que você quiser me

contar a respeito de seu papel aqui na instituição”. Adotando, assim, o procedimento

de investigação utilizado e analisado em trabalhos anteriores (MELETTI, 1997, 2003).

Inicia-se, assim, o segundo momento da investigação no qual os profissionais

que integram a equipe técnica da instituição participaram de uma seqüência de

entrevistas que objetivaram conhecer seu trabalho na instituição. Primeiramente, foi

feito um contato com cada um dos profissionais para que a proposta de trabalho e os

procedimentos da investigação fossem esclarecidos e para saber de sua vontade e

disponibilidade para participar da pesquisa. Todos os profissionais concordaram em

participar e, a partir desse momento, foram definidos local, data e horário de

realização de nossos encontros.

Participaram a diretora da instituição, a coordenadora do setor escolar, uma

psicóloga, uma assistente social, uma terapeuta ocupacional, uma fisioterapeuta e

uma fonoaudióloga, responsáveis pelo trabalho desenvolvido na instituição como um

todo.

O procedimento adotado consistiu em realizar entrevistas recorrentes nas

quais foi solicitado a cada participante que falasse sobre seu trabalho, a partir da

colocação já apresentada.

As entrevistas foram registradas em áudio gravador, o que possibilitou a

transcrição integral de seu conteúdo. Após a transcrição das entrevistas foi feita a

textualização do relato oral, com o objetivo de deixar o texto mais compreensível,


62

sem aspectos da linguagem oral que ao serem transcritos podem tornar o texto

ilegível para quem não tem acesso ao relato original.

Em seguida, os relatos foram organizados em um caderno de trabalho de

acordo com os diferentes assuntos abordados na primeira entrevista, para que

pudessem ser apresentados aos participantes nos encontros posteriores. O referido

caderno teve como objetivo a reapresentação cumulativa dos conteúdos para que

cada participante tivesse a oportunidade de completar, incluir novas informações ou

alterar as iniciais, explicar ou corrigir o que havia dito, dando assim continuidade ao

tema inicialmente proposto. A reapresentação foi feita oralmente de forma que os

conteúdos do encontro anterior fossem narrados ao participante e este pôde

interromper a narração quando achou conveniente.

Após a apresentação do conteúdo do caderno, quando o participante não teve

mais nada a acrescentar, foi solicitado a ele que relacionasse seu trabalho com o

trabalho pedagógico da escola analisando em que medida um sustenta o outro.

Cada sessão de entrevista foi encerrada quando o participante disse não ter

mais o que falar.

O procedimento de coleta do material empírico – entrevista recorrente –

auxiliou de forma preponderante a análise dos relatos. A organização dos relatos que

possibilitaram a seqüência das entrevistas, também foi responsável pelo

agrupamento dos conteúdos para posterior análise.

Primeiramente, os relatos foram divididos em falas.

As falas podem ser constituídas por uma ou mais palavras, expressões e

frases. Foram formadas a partir das entrevistas, tendo como base os assuntos

tratados por cada participante, e selecionadas de acordo com sua pertinência com o

interesse do estudo.

Posteriormente, foram realizadas sucessivas leituras das entrevistas e das

falas selecionadas (tendo sempre a transcrição da entrevista na íntegra como


63

suporte) com o objetivo de identificar os temas dominantes a partir do exame dos

dados e de sua contextualização. Vale ressaltar que os temas não foram elaborados

a priori, eles representaram os diversos assuntos discutidos por cada um

participantes. Os temas dominantes foram: Estrutura e organização institucional;

Caracterização dos alunos; Atuação profissional; Critérios de avaliação dos alunos;

Critérios de agrupamento dos alunos; Atendimento às famílias; Relação com a

comunidade; Encaminhamento dos alunos para outras instâncias sociais.

Identificados os temas, selecionou-se e agrupou-se as falas pertinentes a cada

um deles. Este procedimento foi realizado para cada um dos temas tratados por cada

participante.

O passo seguinte foi a construção de um dispositivo de interpretação que,

segundo Orlandi (2003, p. 59),

tem como característica colocar o dito em relação ao não dito, o que o


sujeito diz em um lugar com o que é dito em outro lugar, o que é dito de
um modo com o que é dito de outro, procurando ouvir, naquilo que o
sujeito diz, aquilo que ele não diz mas que constitui igualmente os
sentidos de suas palavras.

Para isso, a mediação teórica é essencial, já que

não há análise de discurso sem a mediação teórica permanente, em todos


os passos da análise, trabalhando a intermitência entre descrição e
interpretação que constituem, ambas, o processo de compreensão do
analista. (ORLANDI, 2003, p. 62)

Buscou-se, então, apreender o sentido das dimensões Educação Especial,

Instituição Especial e Deficiência Mental, segundo cada um dos eixos de análise

propostos, no discurso dos profissionais que participaram do estudo.

Este procedimento permitiu apreender os mecanismos utilizados pela

instituição especial para se adequar às exigências legais e normativas no sentido de

assumir a educação escolar como eixo central de seu trabalho, conforme será

apresentado a seguir.
64

Capítulo III

Os sentidos e os mecanismos presentes na

reestruturação da Instituição Especial

A promulgação da LDBEN 96 com a nova configuração da educação especial e

com a exigência das instituições especiais apresentarem atuação exclusivamente

educacional para fins de estabelecimento de convênios com o Poder Público

desencadeou uma reação imediata das instituições especiais filantrópicas que, por

meio de suas Federações e de seus representantes no poder legislativo, teceram

críticas veementes à nova Lei. Especificamente, a crítica incidiu sobre o fato do

financiamento destas por parte do Poder Público ficar condicionado ao atendimento

educacional, exclusivamente. Assim, passaram a reivindicar alterações que

beneficiassem o que denominaram de “rede já existente de educação especial”.

A reação das instituições especiais está explicitada no Ofício 2010/97 enviado

pela Federação Nacional das APAEs (FENAPAES, 1997, p.01) à Secretaria de

Educação Especial do Ministério da Educação (MEC), que apresenta o “parecer

técnico sobre as questões da Educação Especial e do Fundo de Manutenção e

Desenvolvimento do Ensino Fundamental, que estão sendo abordados pela LDB”,

assinado pelo presidente da Federação, Deputado Eduardo Barbosa.

O documento expressa a preocupação da FENAPAES com o financiamento de

instituições especiais que atuem exclusivamente na área educacional. Primeiramente,

o documento afirma:

A lei determina que serão objeto do apoio governamental as de atuação


exclusiva na área de educação especial, criando a necessidade destas
instituições se reordenarem limitando a sua atuação, uma vez que
diversas delas atuam também na área de reabilitação, habilitação, saúde
e assistência social. Este fato traz um novo complicador na
conceituação dos serviços de educação especial. (FENAPAES, 1997,
p. 02, grifos meus)
65

A indicação de que atuar exclusivamente na área educacional limita a atuação

das instituições especiais além de ser um complicador na conceituação dos serviços

de educação especial permite o entendimento de que as exigências legais colocam

em risco seu espaço social. A consideração de que a atuação educacional é restritiva

do trabalho confirma reabilitação, saúde e assistência social como eixos da atuação

da instituição, assim como o quanto as especificidades do atendimento de pessoas

com deficiência mental não se referem à educação escolar.

O documento também explicita a preocupação com a ameaça de

descaracterizar e de inviabilizar o atendimento institucional na indicação de

ampliação da oferta de educação especial na rede regular de ensino:

A Lei 9.394/96 determina, ainda, que o poder público adotará, como


alternativa preferencial, a ampliação do atendimento aos educandos com
necessidades especiais na própria rede pública regular de ensino,
independente do apoio às instituições filantrópicas. Este parágrafo pode
levar à interpretação que não haverá nenhuma ampliação do
atendimento nas instituições não governamentais apoiada pelo
poder público. A ampliação só se dará na rede pública. Isto poderá
paralisar o atendimento. Ou reconceituamos o que é serviço de
educação especial público para além do tradicional serviço estatal
ou iremos prejudicar a rede existente. (FENAPAES 1997, p.02, grifos
meus)

Além disso, a Federação expressa a preocupação com a indicação de

municipalização da educação especial. Segundo o documento:

por interpretação, ao nosso entender dúbio da LDB e do papel das


instituições filantrópicas privadas, diversos municípios vêm colocando não
ser mais necessário apoiar trabalhos das APAEs ou de outras instituições
filantrópicas, uma vez que deverão criar rede especializada pública.
Adotam a política de eliminação ou investem na rede pública de educação
especial e deixam de investir na rede filantrópica, ou vão investir apenas
nos atendimentos de apoio aos alunos integrados. Não há uma visão
global sobre o assunto que contribua para a complementação de serviços
e parceria entre as redes para cumprir o desafio de oferecer
escola para todos. (FENAPAES 1997, p.03, grifos meus)

A interpretação de que assumir o caráter educacional se faz em detrimento

dos outros trabalhos aponta para a concepção de que a especificidade da educação


66

das pessoas com deficiência mental reside exatamente no não pedagógico, assim é

contraditório solicitar da instituição especial o atendimento daqueles que a escola

comum não consegue educar ao mesmo tempo em que exige-se sua pedagogização

para manutenção da parceria com o Estado no “desafio de oferecer escola para

todos”.

Assim a FENAPAES reivindica que as instituições especiais filantrópicas sejam

reconhecidas como entidades públicas de educação especial; que não fiquem

circunscritas às verbas municipais, já que a educação especial se insere em todos os

níveis educacionais, “desde que para responder às necessidades do educando e de

acordo com os princípios de inclusão” (FENAPAES, 1997, p. 02). Garantindo, assim,

os recursos para manutenção de seus quadros e de sua natureza de “especializada

em” sob o discurso de educação para todos.

Assim, o documento, considerando a amplitude dos serviços especializados

prestados à pessoa com deficiência, o dever constitucional do Estado para com a

Educação Especial, a precariedade quantitativa do atendimento oferecido pela rede

pública e os custos da educação especial, defende como linha de ação da Secretaria

de Educação Especial do MEC,

a publicação de formas alternativas para inclusão das instituições


filantrópicas de atendimento à educação especial no artigo segundo da
Lei 9.424, ou a ampliação do conceito de serviço público de
educação especial. Sugere-se uma regulamentação deste artigo ou
uma lei específica sobre o assunto, que contenha artigo com a seguinte
redação: poderão ser consideradas como entidades públicas de educação
especial as instituições filantrópicas regularmente registradas junto ao
MEC, que prestam serviços de natureza pública, têm controle comunitário
das verbas e não têm fins lucrativos. (FENAPAES, 1997, p. 05, grifos
meus)

Esta reivindicação, apesar de garantir o caráter totalitário das instituições

especiais, é coerente com atual configuração do Estado brasileiro no que se refere ao

seu processo de publicização, ou seja, a solicitação é de que estas entidades sejam


67

reconhecidas como instituições privadas de caráter público, pertinente aos “serviços

não exclusivos” do Estado.

Mesmo assim, o Estado não atende explicitamente as reivindicações da

FENAPAES e esta passa, então, a construir uma linha de ação cujo principal objetivo

é a estruturação de uma atuação prioritariamente educacional em suas instituições.

Assim, em 1997, iniciam-se as discussões desencadeadas pelo Plano Estratégico –

Projeto Águia, que teve por objetivo a elaboração de um “Eixo Referencial de

Atuação”, que estabelecesse “linhas gerais norteadoras para o Movimento Apaeano

quanto ao seu compromisso social frente à atual política educacional brasileira, de

possibilitar programas educacionais ofertados pelas escolas das APAEs” (FENAPAES,

1997, p. 11).

Como resultado do Projeto Águia, em 2001, é lançado pela FENAPAES a APAE

Educadora: a Escola que Buscamos, que sintetiza a proposta de unificação das ações

educacionais de todas as instituições federadas.

A APAE Educadora é uma proposta de ações educacionais elaborada pela

FENAPAES que tem por objetivo:

a inserção oficial das Escolas das APAEs na estrutura da educação


nacional, ofertando educação básica nos níveis de educação infantil e
fases iniciais do ensino fundamental, de forma interativa com as
modalidades de educação de jovens e adultos e educação profissional.
(FENAPAES, 2001, p.32)

A proposta busca unificar as ações pedagógicas das APAEs e estabelece como

ponto de partida

a construção de uma escola que tenha um compromisso social para com


todas as pessoas portadoras de deficiência mental. Além disso, visa
suprir a necessidade de atender às demandas sociais latentes e
sistematizar, na medida do possível, as ações pedagógicas das APAEs,
dentro de uma perspectiva formal de escolarização para a vida. A
proposta a APAE Educadora caracteriza-se como um instrumento de
identidade das ações educacionais do Movimento Apaeano, expressa pelo
compromisso de materializar “o direito de todos a uma educação de
qualidade”. (FENAPAES, 2001, p. 12)
68

A proposta focaliza a construção do projeto político pedagógico e a

organização do currículo como seu principal eixo. Apresenta a estrutura da APAE

Educadora no contexto da Educação Nacional, “expressando o objetivo de oferecer

oportunidades de experiências de aprendizagem e o reconhecimento oficial dessas

aprendizagens, sem discriminação de espaço e organização em que a mesma ocorre”

(FENAPAES, 2001, p.13).

A APAE Educadora: a escola que buscamos apresenta os princípios de

Educação para Todos e de Escola Inclusiva como norteadores da proposta, mas com

uma configuração bastante diferenciada.

Primeiramente, é preciso ressaltar que essa afirmação só é possível a partir

do entendimento que a proposta da APAE Educadora está estruturada sobre a

premissa de que viabilizará a construção de uma escola. Nesse sentido, pensar em

educação para todos e em escola inclusiva assume um outro contorno.

O documento apresenta o Movimento Apaeano como o responsável pela

educação das pessoas com deficiência mental no Brasil e como aquele que supre as

lacunas sociais e educacionais referentes a essa população. O que está posto é que o

seu reconhecimento como instância educacional contribui para que a oferta de uma

educação de qualidade para todos seja uma realidade em nosso contexto. Ou seja, o

direito à educação está garantido à pessoa com deficiência mental, mesmo que seja

o direito a uma educação não comum a todos e que não se insere em instâncias

educacionais também comuns a todos.

O entendimento de que o reconhecimento da instituição especial como

instância educacional é favorecedor da oferta de educação para todos, atribui ao

princípio escola inclusiva também um outro sentido. A APAE é considerada também

como uma instância favorecedora da inclusão social de pessoas com deficiência

mental na medida em que proporciona o acesso e a permanência dessa população à

escola.
69

Em todo o documento, a inclusão social é apresentada como um objetivo,

principalmente para aqueles inseridos nos programas de educação para o trabalho.

Por outro lado, a inclusão no sistema regular de ensino é colocada apenas como uma

possibilidade existente caso o aluno se desenvolva (em função do trabalho

institucional) e possa dar prosseguimento à sua escolarização em escolas comuns do

ensino regular. Cabendo à instituição especial avaliar e encaminhar o aluno, sendo

ressaltada a necessidade de considerar o sistema de progressão e de avaliação

adotado pela escola que irá recebê-lo.

Além disso, temos na proposta o entendimento de que a pessoa com

deficiência mental é aquela que, em função de suas condições específicas, não pode

estar preferencialmente na rede regular de ensino, como proclama a LDBEN 96. E

isso é utilizado como justificativa da necessidade da escola especial oferecer todos os

níveis educacionais, da educação infantil à educação para o trabalho. Conferindo à

escola especial o caráter de instância responsável e competente para oferecer a

modalidade de Educação Especial para pessoas com deficiência mental.

A APAE Educadora não indica em que circunstâncias o aluno com deficiência

mental deve ser considerado elegível para o ensino especial ou para outras

instâncias educacionais. Não faz a diferenciação de níveis de comprometimentos, não

indica as necessidades educacionais especiais acarretadas pela deficiência mental e

nem os níveis de apoio necessários. Assim, é possível o entendimento de que a

condição de deficiência mental, por si só, justifica o acesso e a permanência do aluno

em escolas especiais. Mais, a deficiência mental é considerada a necessidade

especial do aluno.

Assim, o que temos é a indicação de que todas as pessoas com deficiência

mental são elegíveis para a instituição especial. Ou, invertendo o sentido, toda

pessoa com deficiência mental pode ser considerada como aquela que

preferencialmente não poderá freqüentar a escola comum. De um modo ou de outro,


70

o que temos é a condição de deficiência mental sendo o único critério a ser

considerado para que a pessoa seja institucionalizada.

Assim, a APAE Educadora apresenta uma proposta de organização e

estruturação cujo objetivo é a construção de uma escola de educação especial

inserida no sistema regular de ensino.

As diretrizes curriculares da APAE Educadora: a escola que buscamos adotam

o conceito de Educação Especial presente nas políticas educacionais, especialmente

na LDBEN 96. Assim, a Educação Especial é entendida como uma modalidade da

educação escolar, constituída por

um conjunto de recursos e serviços educacionais especiais organizados


para apoiar, suplementar e, em alguns casos, substituir os serviços
educacionais comuns, de modo a garantir a educação formal dos
educandos que apresentem necessidades educacionais muito diferentes
da maioria das crianças e jovens. [...] A Educação Especial se insere na
transversalidade dos diferentes níveis de formação escolar (educação
infantil, ensino fundamental, médio e superior) e na interatividade com as
modalidades da educação escolar como a educação de jovens e adultos e
a educação profissional. (FENAPAEs, 2001, p. 27)

Este conceito subsidia a elaboração da proposta pedagógica apresentada pela

APAE Educadora que visa implementar a educação escolar nas instituições especiais

do Movimento Apaeano, entendendo que os serviços de apoio especializados são

aqueles ofertados pelas escolas especiais de atuação na área da educação especial,

realizado em parceira com as áreas da saúde, da assistência social e do trabalho.

Salienta, ainda, a importância de se considerar como serviços de apoio especializado

aqueles oferecidos para atender às especificidades dos educandos portadores de

deficiência, contudo, sem definir as características de tais serviços e como estariam

articulados em cada um dos níveis e das modalidades educacionais ofertados.


71

A Figura I apresenta as áreas de abrangência dos serviços ofertados pelas

APAEs.

FIGURA I: Abrangências dos serviços – APAES. Fonte: FENAPAES, 2001, p.25

A abrangência dos serviços ofertados pelas instituições especiais evidencia seu

caráter totalitário, haja visto que todas as esferas da vida estão circunscritas ao

espaço institucional, inclusive aquelas mais elementares, como a saúde, e aquelas

em que não há relação alguma com comprometimentos ou especificidades

decorrentes da condição de deficiência mental, como o lazer.

No que se refere à implementação da educação escolar nas APAEs, merece

destaque o fato da área educacional ser um componente associado a outros que não

caracterizam uma escola e da proposta da APAE Educadora se circunscrever a

apenas uma área de abrangência da instituição especial. Nesse sentido, o documento

sugere que
72

a proposta APAE Educadora: A Escola que Buscamos expressa as


aspirações e expectativas do Movimento Apaeano quanto à sua atuação
educacional, por meio de um projeto político-pedagógico voltado para
educandos portadores de deficiência mental e outras(s) associada(s),
atuando com a modalidade de educação especial na oferta dos seguintes
níveis e modalidades de ensino: Educação Básica, integrada pelos níveis
de educação infantil; ensino fundamental (fases iniciais); educação de
jovens e adultos; educação profissional. (FENAPAES, 2001, p. 36)

Assim, é possível o entendimento de que a educação especial é uma

modalidade de ensino a ser ofertada em uma instituição especial, de atendimento

global, a pessoas com deficiência mental. Não há referência quanto ao papel da

instituição especial como instância educacional destinada a substituir a escola regular

em casos extraordinários nos quais se evidencie a falta de condições desta em lidar

com as especificidades dos alunos.

No entanto, acredito que na ausência da referência explícita, no silenciamento

podemos apreender a concepção de educação especial, à medida que “há um modo

de estar em silêncio que corresponde a um modo de estar no sentido” (Orlandi, 1995

p. 11). Os outros aspectos que compõem a forma como a educação especial é

concebida estão implícitos no “silêncio” da APAE Educadora.

Assim, a não indicação da instituição especial como um espaço de substituição

da escola comum denota o sentido de que para esta proposta educacional a

educação especial no que se refere à pessoa com deficiência mental é uma

modalidade de ensino a ser ofertada na instituição especializada que se organizará

de modo a oferecer todas as modalidades e níveis da educação básica. É possível

também apreender neste silenciamento o sentido da educação especial como um

sistema paralelo de ensino e também de que a educação da pessoa com deficiência

mental só pode ocorrer em instâncias que substituem a escola regular. Na proposta

da APAE Educadora, conforme apresentado na Figura II, a escola regular representa

a instância educacional para onde o aluno pode vir a ser encaminhado.


73

FIGURA II: Estrutura organizacional da APAE Educadora. Fonte: FENAPAES, 2001 p. 35

Vale ressaltar que pela quase inexistente menção a encaminhamentos para o

ensino regular, pode-se inferir que o “movimento” do aluno por esta estrutura

organizacional provavelmente se dê em seu sentido horizontal. Assim, a abrangência

da APAE Educadora como responsável pela modalidade de educação especial seria

melhor representada, conforme exposto na Figura III.


74

FIGURA III: Estrutura da Educação Nacional SENAC – SP e a abrangência da APAE


Educadora. Fonte: FENAPAES, 2001 p. 32.

A estrutura proposta enfatiza a identificação da APAE Educadora com a

Educação Especial. Da forma como a abrangência da APAE Educadora é apresentada,

é possível apreender que o reconhecimento da instituição especial como escola do

sistema regular de educação, associado ao seu caráter substitutivo da escola comum

em se tratando do atendimento à pessoa com deficiência mental, significa a não

necessidade de encaminhamento para outras instâncias educacionais. Ou seja, não é

preciso encaminhar o aluno, pois a escola especial oferece todos os níveis e

modalidades educacionais com as devidas especificidades garantidas. Nesse sentido,

educação especial é concebida como o trabalho institucional e a educação da pessoa

com deficiência mental é reduzida à educação especial implementada na escola

especial.

Outro destaque é o fato de serem oferecidos pela APAE Educadora apenas os

conteúdos elementares do ensino básico, o que permite a compreensão de que a


75

pessoa com deficiência mental não tem condições ou não necessita de outros níveis

de conteúdo. E mais, a oferta de todos os níveis e modalidades educacionais

reduzem ainda mais as possibilidades da pessoa com deficiência mental sair da

instituição especial e se inserir em instâncias regulares de ensino.

A modalidade de educação especial na instituição especial deveria contemplar

em sua proposta curricular as especificidades que a escola comum não consegue

abarcar, sem prejuízo daquilo que o aluno deveria receber na rede regular, e que

estão presentes no trabalho institucional. E qual seria a especificidade da educação

oferecida pela instituição especial, como apreendê-la?

Mais uma vez o olhar teve que ser direcionado para o silenciamento, para a

apreensão dos sentidos implícitos.

Os documentos oficiais, conforme apresentado anteriormente, indicam que a

substituição da escola comum por outra instância educacional se dá quando o grau

de comprometimento do aluno e suas conseqüentes necessidades educacionais

especiais forem de tal proporção que sejam inviáveis a flexibilização e adaptações

curriculares para atendê-las. Assim, é de se esperar que as instituições especiais,

substitutas por excelência, desenvolvam as adaptações e as flexibilizações

necessárias. Da mesma forma, a expectativa era encontrar na proposta curricular da

APAE Educadora a indicação de tais estratégias.

No que se refere à flexibilização curricular, há apenas a indicação de que “as

escolas das APAEs devem basear-se no currículo da rede regular de ensino,

flexibilizando-o e realizando adequações que atendam às potencialidades e

necessidades dos educandos” (FENAPAES, 2001, p. 34). Não há indicação de quais

seriam as adequações, de como seria feita a flexibilização e nem apontamentos ou

críticas do que seria necessário modificar nas estruturas curriculares e nas práticas

institucionais para se conseguir a inversão da instituição reabilitadora em escola.

Isso permite inferir o entendimento de que o trabalho já implementado na instituição


76

especial é por si só adequado e flexibilizado. Ou seja, o trabalho institucional já é

especializado no atendimento à pessoa com deficiência mental, centrado nas

condições e nas necessidades do aluno com deficiência mental.

O único caso em que adaptações curriculares são explicitadas é na

apresentação dos Programas Pedagógicos Específicos. Estes

inserem-se na proposta curricular da APAE Educadora destinando-se aos


educando a partir de 14 anos de idade portadores de deficiência mental,
associada, ou não, a outras deficiências. São alunos que por
possuírem alterações profundas no processo de desenvolvimento,
aprendizagem e adaptação social requerem uma proposta
educacional diferenciada que atenda às suas necessidades
específicas. (FENAPAES, 2001, p.47, grifos meus)

Todavia, o objetivo da instituição especial não pode se reduzir a programas

específicos que são impossíveis à escola comum.

Aqui, merece destaque o fato dos programas pedagógicos específicos só se

inserirem na proposta curricular como uma possibilidade de trabalho educacional

para alunos a partir de quatorze anos de idade, quando se encerra o período de

obrigatoriedade da Educação Básica. Até atingir esta idade o aluno com “alterações

profundas no processo de desenvolvimento, aprendizagem e adaptação social” está

inserido em qual programa educacional, com qual adaptação curricular?

Parece que o caráter substitutivo não está na troca da escola comum pela

instituição especial, mas da última por ela mesma. Nisso está implícito que a partir

de determinada idade e de determinado grau de comprometimento o caráter

educacional não precise ser a tônica (inclusive documental) do trabalho institucional.

A terminalidade específica já é citada no documento de modo mais explícito. É

considerada conforme previsto no capítulo V, artigo 59, da LDBEN de 1996:

“terminalidade específica para aqueles que não puderem atingir o nível exigido para

a conclusão do ensino fundamental, em virtude de suas deficiências...”. É indicada

como o meio de certificação do aluno com deficiência mental, e o sentido


77

apreendido é de que esta é a única forma de conclusão de algum nível ensino para

esta população.

Operacionalizado o currículo nas dimensões estabelecidas pela presente


proposta, a certificação de conclusão de escolaridade ocorrerá,
através da terminalidade específica com características codificada
e/ou descritiva, explicitando as habilidades e competências
desenvolvidas pelos educandos portadores de deficiência mental,
observando os dispositivos legais vigentes e o regimento da instituição
(FENAPAES, 2001, p. 31, grifos meus).

Para isso, indica que é necessário que a escola se organize em “ciclos” ao

invés de adotar o sistema seriado. A vantagem apontada é que tal organização

permite a expansão do tempo para mais que os oito anos mínimos previstos na lei.

Segundo a APAE Educadora,

no contexto da educação especial, essa ampliação é muitas vezes


necessária para a escolarização de educandos portadores de
deficiência(s). Quando isso ocorre, os sistemas de ensino podem se valer
dos programas da modalidade de educação de jovens e adultos para os
que não tiveram acesso à educação ou não deram continuidade aos
estudos na idade própria e, ainda, para educandos que levaram mais
tempo no período escolar em decorrência de suas necessidades
educacionais especiais/ deficiência(s). (FENAPAES, 2001, p. 33)

É interessante notar uma alteração no sentido dos “ciclos mais longos”. Ao

invés de uma alternativa à seriação, o sistema de ciclos é apresentado na instituição

especial como uma justificativa para o trabalho institucional destinado aos adultos

com deficiência mental. Além disso, fica subentendido que as pessoas com

deficiência mental necessitam apenas de um tempo mais longo para adquirirem os

conteúdos elementares do ensino fundamental. Na extensão do tempo reside outra

especificidade da educação especial na proposta curricular da APAE Educadora.

Assim, é possível o entendimento de que a educação especial é concebida na

proposta da APAE Educadora como uma modalidade de ensino a ser ofertada

extraordinariamente nas escolas comuns, sendo prioritariamente, no caso da

deficiência mental, ofertada na instituição especial reconhecida como escola


78

pertencente ao sistema regular de ensino. Estas indicações e suas conseqüências

podem ser melhor analisadas na estrutura curricular da instituição especial alvo

desta pesquisa, conforme será apresentado posteriormente.

A necessidade de ofertar os diferentes níveis e modalidades de ensino da

Educação Básica na APAE, que permite o seu reconhecimento como instância

educacional e que garante o seu financiamento por parte do poder público, implica a

implementação de uma prática educacional efetiva, que deve se caracterizar como o

eixo central do trabalho institucional.

Para isso, o documento orienta que:

as escolas das APAEs, de acordo com a proposta da APAE Educadora,


devem se organizar de modo a construir seu Projeto Político-Pedagógico,
garantindo sua autonomia e identidade institucional. O projeto deve ser
elaborado com a participação da comunidade escolar, como preconiza a
legislação, e deve ser convergente às características dos educandos e às
peculiaridade do contexto local. (FENAPAES, 2001, p. 34)

E, para a elaboração e operacionalização da proposta pedagógica orienta que:

as escolas das APAEs devem basear-se no currículo da rede regular de


ensino, flexibilizando-o e realizando adequações que atendem às
potencialidades e necessidades dos educandos, tendo como referências
curriculares: Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil
(MEC/SEF, 1998); os Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino
Fundamental, compatíveis com os níveis de ensino com os quais atua
(MEC/SEF, 1998); a Proposta Curricular da Educação de Jovens e Adultos
(Ribeiro, 1999); os Parâmetros Curriculares Nacionais – Adaptações
Curriculares: Estratégias para a Educação de Alunos com Necessidades
Educacionais Especiais (FENAPAES, 2001, p. 34)

Sugere, ainda, que esses documentos trazem referências para a construção

não só do projeto pedagógico e da proposta curricular da escola, mas também dos

planos de ensino e dos projetos educacionais de cada escola. Assim, a elaboração

dos programas e dos procedimentos educacionais, da flexibilização e das adaptações

curriculares fica a cargo de cada APAE. Vale destacar o fato das Diretrizes

Curriculares da Educação Nacional, que são os documentos oficiais que

regulamentam a educação, não são citados como referências.


79

A APAE Educadora traz diretrizes para a elaboração do Projeto Pedagógico da

escola e de seu Regimento Escolar, apresentando os itens que devem compor cada

um.

Além disso, a APAE Educadora traz volumes específicos sobre Arte e Cultura e

sobre Educação Física como subsídios para a “construção de uma proposta

pedagógica, integrando as áreas de Arte, Educação Física e Educação Profissional,

como suporte para a oferta de um atendimento educacional de qualidade”.

(FENAPAES, 2001, apresentação de cada volume).

Cada um dos volumes apresenta conteúdos referentes às áreas específicas e

como devem estar distribuídos em cada um dos níveis e modalidades educacionais

ofertados nas escolas das APAEs. Destaca-se, aqui, a ausência de conteúdos

referentes às áreas de conhecimento básico, visto que estão contemplados no

Currículo da rede regular de ensino, que deve ser a base da proposta pedagógica da

escola especial.

Outro aspecto a ser destacado é o fato das diretrizes não apresentarem a

instituição especial como a instância que pode substituir a escola comum caso esta

não tenha condições de atender o aluno em função de suas necessidades

educacionais especiais. Assim, como já analisado anteriormente, o que pode ser

apreendido é o entendimento de que instituição especial e educação especial são

sinônimas.

O caráter escolar é citado na APAE Educadora como algo a ser “buscado”,

construído. Para isso, a indicação é de que cada instituição especial deve se

organizar para oferecer todos os níveis e modalidades de ensino da educação básica.

O desdobramento desta orientação pôde ser analisado na forma como uma

instituição especial federada se organizou para ser reconhecida como instância do

sistema regular de ensino, conforme apresentado a seguir.


80

3.1 – A construção do perfil educacional da instituição especial expressa nos


documentos institucionais e na perspectiva de seus profissionais

A APAE foi fundada em 28 de agosto de 1964 por um grupo de pessoas

interessadas na causa das pessoas portadoras de deficiência. Até 1971, teve sua

existência apenas estatutária e, em maio de 1972, passa a ser mantenedora de uma

Escola Especial para pessoas com deficiência mental. Em 1999, por deteminação da

Secretaria Estadual de Educação, passou a ser denominada Escola de Educação

Especial... que está registrada na Secretaria de Educação do Estado, reconhecida

pela Resolução 842/93, obteve a primeira autorização de funcionamento pelo

Decreto Estadual N° 3179 de 07/03/1973, renovada em 19/07/2002, pela Resolução

N° 2963/2002.

Tem como missão:

Promover e articular ações de defesa de direitos, prevenção, orientações,


prestação de serviços e apoio à família direcionados à melhoria da
qualidade de vida da pessoa portadora de deficiência e a construção de
uma sociedade justa e solidária. (APAE, 2002, p. 03)

Destaca-se o fato de não apresentar como missão a educação da pessoa com

deficiência mental, mesmo em um documento elaborado em 2002, após seu

reconhecimento como escola regular.

Seu reconhecimento como instância de educação escolar pertencente à rede

regular de ensino se deu após sua reestruturação segundo os moldes do ensino

regular. Para isso, se baseou nos parâmetros curriculares da educação infantil, do

ensino fundamental e das diretrizes da APAE Educadora. A organização atual da

APAE nos mostra reflexos de tais parâmetros 13 .

A APAE, conforme seu Currículo de 2002, tem por objetivos:

- Proporcionar atendimento educacional e de reabilitação à pessoa portadora de


deficiência mental, com fins de desenvolver suas potencialidades tornando-a
uma pessoa produtiva e integrada ao seu meio familiar e social.

13
A caracterização apresentada foi elaborada baseada nas informações obtidas no Relatório de Atividades da APAE de 2002 e
nas entrevistas realizadas (entre agosto de 2002 e fevereiro de 2003) com seus profissionais.
81

- Proporcionar atenção integral à criança e ao adolescente através da construção


de uma filosofia de linha metodológica interdisciplinar.
- Desenvolver os sub-programas de forma integrada, sem a prevalência de um
sobre o outro, utilizando-se todos os meios e recursos disponíveis para o
alcance das ações de caráter sócio educativo de atenção integral.
- Proporcionar ao educando atendimento complementar, através do serviço social,
da psicologia, da fonoaudiologia, da fisioterapia e da terapia ocupacional, uma
vez que seja considerado necessário pelo setor responsável.
- Resgatar a pessoa enquanto membro da sociedade em crise, preparando-a para
o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
- Orientar pais e outros familiares, a fim de que possam integrar-se e colaborar
ativamente no processo de educação e reabilitação do indivíduo.
- Formar e esclarecer a sociedade em geral, quanto às questões inerentes às
pessoas portadoras de deficiência mental e a parcela que lhe cabe no processo
de educação e reabilitação dessas pessoas.
- Conceder estágios a estudantes e profissionais de áreas afins a educação e
reabilitação da pessoa portadora de deficiência mental no regulamento de
estágio da Escola de Educação Especial.

É interessante notar que os objetivos da escola especial não contemplam

especificamente a formação acadêmica do aluno e nem o seu caráter eminentemente

educacional, conforme exigência legal. Os objetivos apresentados convergem mais

aos do Movimento Apaeano, inclusive aos inicialmente propostos na ocasião da

inauguração da primeira APAE, em 1954, do que para aqueles expressos nos textos

oficiais que regulamentam a educação e a educação especial em nosso país.

No que se refere ao alunado, a Instituição Especial tem por objetivo educar e

reabilitar pessoas com deficiência mental. Os objetivos não expressam graus de

comprometimentos elegíveis para o atendimento especializado, isso será indicado

em outros momentos do documento, assim como no discurso dos profissionais,

segundo os quais a APAE atende pessoas com deficiência mental com grau de

comprometimento moderado e severo. O grau de comprometimento é definido pela

equipe técnica no processo de avaliação de triagem. Assim, se o grau de

comprometimento é leve, segundo a coordenadora pedagógica, o aluno é

encaminhado para o ensino regular ou suponhamos para uma creche,


uma pré-escola. Se ele é deficiente mental severo ou moderado ele fica
para nós, mas, suponhamos que ele tem um comprometimento motor
severíssimo, que ele não consiga nem ficar sentado, então a gente vai
82

ver junto com a fisioterapeuta, qual o prognóstico dele estar sentando, se


isto é possível, se ele nunca vai sentar... se ele nunca vai ter controle de
cabeça, ele vai ter, ele não vai ter, quanto tempo… da viabilidade dele
estar freqüentando uma escola, que são 4h de atendimento, com todas
as perspectivas educacionais e não só de manutenção de vida. Isso aqui
dentro da APAE, isso é uma especificidade nossa, não atende criança
portadora de deficiência mental profunda, por que? Exige-se um
atendimento muito mais específico... até certo ponto clínico, e a gente
sabe que a sua condição cognitiva de aprendizagem acadêmica é mínima
e a sua estrutura de manutenção de vida é grande, visto que aqui é uma
escola e não um centro de atendimento. (Entrevista 01, Coordenadora
Pedagógica)

Não há referências às necessidades educacionais especiais e aos níveis de

apoio. Mais uma vez, no silenciamento temos implícitos os sentidos. Vale resgatar a

análise de Bueno (1997b) no que se refere ao termo necessidades educacionais

especiais e à sua imprecisão. O autor alerta para a necessidade de acrescentar a

espécie de sujeitos a qual estamos nos referindo.

No caso da deficiência mental, o que é acrescentado oficialmente ao termo

necessidades educacionais especiais é:

Deficiência mental: funcionamento intelectual significativamente inferior à


média, com manifestação antes dos dezoito anos e limitações associadas
a duas ou mais áreas de habilidades adaptativas, tais como:
comunicação; cuidado pessoal; habilidades sociais; utilização da
comunidade; saúde e segurança; habilidades acadêmicas; lazer; e
trabalho. (BRASIL, 1999)

Ou seja, ao termo necessidade educacional especial é acrescentado uma

definição que não rompe com a concepção de associação dos déficits intelectual e

comportamental. O déficit intelectual significativamente abaixo da média mantém a

mensuração do quociente de inteligência como o eixo central de definição da

deficiência, o déficit no comportamento adaptativo mantém o entendimento de

comparação a um determinado grupo padrão cujo repertório comportamental seja

condizente com determinada faixa etária; o grau de afastamento destes padrões é a

indicação do grau de comprometimento; nisso não há nada de novo.


83

Jannuzzi (1996) aponta que esta associação entre déficit intelectual e

comportamental é um traço comum, presente de algum modo, em todas as formas

de conceituar a deficiência mental. As análises tecidas por Mendes (1995) também

indicam isso.

Contudo, o termo deficiência mental quando associado ao de necessidades

educacionais especiais, pode nos remeter a conceitos anteriores, como acontece na

APAE, ao definir que o aluno elegível para freqüentar a escola especial é aquele que

apresenta comprometimento mental moderado e severo. O que revela mais do que

graus de comprometimento.

O resgate do conceito de deficiência mental que classifica a condição em

níveis profundo, severo, moderado e leve nos mostra uma associação entre déficits

intelectual e de conduta adaptativa, sendo que “a inteligência é o foco central do

problema e, desse ponto de vista, o critério psicométrico para classificar é o mais

usado” (FOGUEL, 1972, p.39).

Foguel (1972, p. 40) nos mostra que em 1968 a Organização Mundial da

Saúde agrupou a deficiência mental em quatro níveis:

1 – Profunda, com QI abaixo de 20;


2 – Severa, entre 20 e 35;
3 – Moderada, entre 36 e 52;
4 – Leve, entre 53 e 70.
Os profundos necessitam de assistência permanente. São sempre
dependentes. Os severos requerem os mesmos cuidados, mas são
passíveis de treinamento simples. Os moderados são susceptíveis de
treinamento sistematizado para os hábitos de vida diária. Quanto aos
levemente retardados, constituem o maior grupo. São considerados
educáveis por meio de métodos especiais.

Encontramos um detalhamento de cada um dos níveis em Queiroz e Perez-

Ramos (1979, p. 70). Para os autores, cada um dos níveis de comprometimento

pode ser caracterizado, segundo a faixa etária, de acordo com o Quadro II.
84

Quadro II: Níveis de retardo em função dos períodos evolutivos. Fonte:


adaptação de Queiroz e Perez-Ramos (1979, p. 70).

Níveis Propor- Maturidade e desenvolvi- Educação e treinamento Adaptação social e pro-


ção mento (idade pré-es-colar: profissional (idade escolar fissional (adultos: 21 anos
0 a 6 anos 7 a 20 anos em diante

- atraso acentuado no - beneficia-se do treina- - possui habilidade para


desenvolvimento intelectual mento da comunicação ver- desempenhar ocupações sim-
motor e da linguagem; bal; ples de trabalho produtivo,
- capacidade insuficiente de - pode adquirir atitudes so- com supervisão imediata;
adaptação social; ciais e primárias; - conta com possibilidade
Moderado - responde ao treinamento - é capaz de desenvolver para participar de atividades
(treinável) 6% das habilidades básicas e hábitos de higiene pessoal; recreativas na comunidade;
QI: 40-54 dos hábitos de auto-ajuda. - tem possibilidades de ad- - possui condições de co-
quirir habilidades vocacio- operar para sua manu-
nais primárias; tenção;
- pode reconhecer palavras - pode andar e viajar sozinho
simples escritas e adquirir em lugares que lhe são
conceitos básicos de núme- familiares.
ros.

- marcado atraso no de- - aprende cumprir ordens - tem possibilidade de realizar


senvolvimento intelectual, simples e comunicar-se a- atividades repetitivas e da
sensorial e motor; través de sentenças curtas; rotina diária;
Severo - habilidade mínima para - beneficia-se do treina- - pode desenvolver habili-
(subtreiná- comunicar-se; mento sistemático de hábi- dades para proteção de si
vel) - pode responder ao tos de convivência; mesmo, em ambiente contro-
QI: 25-39 3,5% treinamento de hábitos - locomove-se com inde- lado.
simples de auto-ajuda (ex. pendência e intencional- - pode contribuir, de alguma
alimentar-se) mente; forma, para sua própria ma-
- pode ser treinado em nutenção, sempre que haja
algumas habilidades manu- supervisão constante.
ais simples.

Assim, estamos diante de um conceito e de uma classificação de

comprometimento mental que afirmam a não educabilidade da pessoa com

deficiência mental moderada e severa, nem em ambientes especiais de ensino.

Evidencia que o aprendizado está limitado a aspectos de hábitos diários, de rotina e

de cuidados pessoais, além da dependência quase constante de supervisão de outras

pessoas.

Vale destacar que para freqüentar a instituição, a pessoa com deficiência

mental pode ser encaminhada por qualquer membro da comunidade: família,

profissionais das áreas de saúde, educação e serviço social, vizinhos etc.


85

Primeiramente, é feita uma sondagem pela direção da instituição para verificar se é

ou não um caso para ser avaliado. Se sim, a pessoa fica em uma lista de espera e, à

medida que surgem vagas na escola, inicia-se o processo de triagem e avaliação.

Via de regra, a pessoa já vem diagnosticada como deficiente mental, cabendo

à instituição especial avaliar o grau de comprometimento Os setores de psicologia,

pedagogia e assistência social realizam entrevistas com a família e avaliação do

aluno. Cabe aos setores de psicologia e de pedagogia diagnosticar e classificar o grau

de comprometimento da pessoa e definir se é caso para a instituição ou não. O

diagnóstico do grau de comprometimento é feito através de avaliação psicométrica

com a aplicação testes de inteligência, de personalidade, de prontidão e com o uso

de escalas de desenvolvimento. Quando não existe a possibilidade de usar

instrumentos de testagem, os profissionais realizam observações em situações

variadas.

Após a avaliação psicológica, caso esteja com mais de seis anos, o candidato

passa por uma avaliação pedagógica para avaliação do nível cognitivo. Para esta

avaliação são utilizadas escalas de desenvolvimento (Portage, Provas Operatórias...).

Quando é definido que o candidato é uma pessoa que apresenta deficiência

mental em nível moderado ou severo, associada ou não a outros comprometimentos,

os outros profissionais realizam suas avaliações.

Também foi possível apreender que a deficiência mental é analisada a partir

dos déficits dos alunos e entendida como uma condição que apresenta peculiaridades

que demandam atendimento especializado de saúde, de educação, de reabilitação e

de assistência social. Os sentidos de imaturidade e de dependência da pessoa com

deficiência mental como características inerentes à condição estão presentes, de

diferentes formas, nos discursos de todos os profissionais. Somam-se a isso as

premissas do assistencialismo e da filantropia que sustentam o entendimento de que


86

lidar com esta condição de deficiência mental é algo que só a Instituição Especial faz

e pode fazer.

A crença na dependência da pessoa com deficiência mental está presente no

entendimento de que o deficiente não tem autonomia para lidar com situações

básicas de sua vida (alimentação, higiene pessoal), o que é coerente com alguns

níveis de comprometimento. Por outro lado, ela está expressa na compreensão de

que esta condição impede a pessoa de atuar no seu próprio cotidiano,

independentemente do grau de comprometimento.

Porque, o que é que acontece? Os nossos alunos não vão chegar numa
chefia e falar: o professor não está dando nada, eu estou vendo revistas
4h, eu estou só pintando... Então, felizmente ou infelizmente esse é o
meu padrão. Eu tenho que ser os olhos, os ouvidos e a
reivindicação dos nossos alunos. Porque o professor fecha a porta
dele e lá ele dá o que quer. E ele pode me mostrar um planejamento
belíssimo, mas e daí? Porque realmente os nossos alunos eles não vão
reivindicar. (Entrevista n° 02 Coordenadora Pedagógica)

Esta forma de conceber a deficiência mental acentua “a sua subordinação aos

outros, esmaecendo a própria identidade, tornando-o até aquele que precisa

emprestar a voz de outrem para se fazer ouvir” (Jannuzzi, 1994 p. 22).

A crença na imaturidade e na permanência de uma condição intelectual e

comportamental infantilizada também pôde ser apreendida. Destaca-se a ênfase na

utilização de parâmetros curriculares da educação infantil (0 a 6 anos) como

referência inclusive para os alunos dos níveis escolares (7 a 16 anos); a utilização de

atividades pré-escolares tendo por base mais o nível cognitivo do que a faixa etária

do aluno; a referência constante às “crianças” da escola mesmo para designar

pessoas com 19, 20 anos.

Mas a infantilização do deficiente mental não é algo circunscrito a esta

instituição especial. Conforme discutido no primeiro capítulo do presente trabalho, a

infantilização foi destaque nas análises de várias pesquisas da área e também é um

componente marcante do caráter totalitário da instituição especial. Mesmo assim,

considero oportuno tecer uma consideração sobre esta crença.


87

O fato de termos a deficiência mental definida a partir da mensuração da

inteligência (déficit intelectual) e da análise do comportamento adaptativo evidencia

dois parâmetros de comparação entre normalidade e anormalidade.

O primeiro, mensuração da inteligência, tem como parâmetro a razão entre

idade cronológica e a chamada idade mental da pessoa testada. Assim, quando há

um distanciamento acentuado entre ambas, temos o afastamento da média

considerada normal, para mais ou para menos. Significa dizer que alunos com

deficiência mental moderada apresentam idade mental inferior à cronológica de

modo acentuado, haja vista a estimativa de QI, conforme resgatamos anteriormente.

Contudo, esta forma de compreender a deficiência mental se traduz no cotidiano

institucional como a necessidade de planejar o trabalho direcionando-o para a “idade

mental” do aluno ao invés de para a cronológica.

O segundo, comportamento adaptativo, nos remete à associação entre idade

cronológica e o repertório comportamental do aluno. Assim, o descompasso entre a

idade do aluno e a forma como atua em seu ambiente é que determina seu grau de

comprometimento. Nesta perspectiva o trabalho é planejado tendo por base o déficit

no repertório comportamental.

Em ambos os casos o que temos é a condição de deficiência mental, ou seja o

déficit, direcionando as formas de significar e de lidar com o aluno.

Diante do exposto é possível a análise de que a deficiência mental é concebida

a partir do rótulo de deficiente, sustentado por conceitos e sistemas de classificação,

fazendo com que as possibilidades e as potencialidades do aluno sejam

desconsideradas e, acima de tudo, fazendo com que a pessoa não seja considerada

para além de sua deficiência. E mais: sustentada pela crença na ineducabilidade do

aluno, seja em instâncias especiais ou comuns de ensino. Isso reforça o

entendimento da impossibilidade de estruturar outro trabalho que não o já instituído.

Daí a ênfase na reabilitação em detrimento da educação e o entendimento de que ela


88

é condição para o trabalho pedagógico, o que é coerente com a preocupação

expressa no Ofício 2010/97 da FENAPAES de que a implantação do perfil educacional

limitaria o atendimento já ofertado.

No que se refere à estrutura institucional, temos a divisão da escola em dois

setores: setor escolar e setor profissionalizante.

O Setor Escolar atende alunos de zero a dezesseis anos de idade em

programas de educação precoce, pré-escola, escolar e de educação para o trabalho.

Segundo o Relatório de Atividades, o objetivo do setor escolar é:

Proporcionar ao aluno de 0 a 16 anos, atendimento educacional que seja


adequado às suas necessidades, favorecendo desta forma o seu
desenvolvimento global, bem como as suas habilidades e competências,
possibilitando assim a sua independência, a integração social e a
construção da cidadania (p. xxx).

No ano de 2002, a APAE em seu setor escolar atendeu a 124 alunos

distribuídos em 21 turmas conforme apresentado no Quadro III.

Quadro II: Estrutura do Setor Escolar segundo número de alunos e distribuíção por
níveis, programas e modalidades. Fonte: Relatório de Atividades de 2002 da
Instituição Especial.

Nº Nº
NÍVEL PROGRAMAS MODALIDADES IDADE
TURMAS ALUNOS

Educação Precoce 0 a 04 anos 01 12

Programa
Educação Pedagógico 04 a 06 anos 01 14
Infantil Especifico I

Pré-
Fase I, II, III 04 a 06 anos 03 07
Escolar

Ciclo I
Escolar 07 a 16 anos 10 58
Fase I e II
Ensino
Fundamental
Programa
Pedagógico 07 a 16 anos 06 33
Específico II

TOTAL
05 02 0 – 16 anos 21 124
89

Ainda de acordo com o Relatório de Atividades, os objetivos de cada um dos

programas desenvolvidos pelo referido setor são:

− Educação Precoce: estimular o desenvolvimento do educando de 0 a 4


anos de idade, através de atividades lúdicas, amparadas pela Escala de
Desenvolvimento Portage.
− Pré-escolar: estimular o desenvolvimento global dos alunos dos níveis
maternal, jardim e pré-escolar, através de atividades concretas e
lúdicas dentro de uma visão construtiva da aprendizagem.
− Programa pedagógico específico I: proporcionar a aquisição de rotina
escolar e adaptação do aluno ao grupo através de um atendimento
individualizado.
− Escolar: proporcionar ao educando a aquisição da leitura e da escrita
bem como as operações aritméticas, dentro de uma abordagem
construtivista, facilitando desta forma sua aprendizagem.
− Programa pedagógico específico II: proporcionar atividades de vida
prática e de vida diária bem como a educacional adaptada, visando a
independência pessoal e a integração do aluno.

O Relatório não apresenta as atividades desenvolvidas nas salas de aula, nem

os conteúdos trabalhados em cada um dos níveis e modalidades.

Vale ressaltar que o Relatório de Atividades elaborado pela APAE é um

documento oficial que serve como base para a avaliação da instituição pelos órgãos

do Poder Público. Também é necessário destacar a distinção do que está posto no

relatório com relação à estrutura do Setor Escolar e a forma como os profissionais

entrevistados o caracteriza. Assim temos que a Educação Precoce segundo a APAE

Educadora: a escola que buscamos

tem como finalidade precípua promover o desenvolvimento integral e o


processo de aprendizagem da criança de modo a ampliar suas
perspectivas educacionais, sociais, e culturais [...] O programa objetiva,
ainda, evitar o surgimento de seqüelas adicionais (no caso de bebês de
risco) e minimizar o efeito de deficiências ou defasagens já existentes.
(FENAPAES, 2001, p. 38)

São elegíveis para ingresso no programa as crianças consideradas de alto

risco 14 , com deficiência mental e outras deficiências associadas a esta, com atraso

14
O conceito adotado pela APAE Educadora é o proposto pela Política Nacional de Educação Especial do MEC (1994). São
consideradas crianças de alto risco “as que têm o desenvolvimento ameaçado por condições de vulnerabilidade decorrentes de
fatores de natureza somática, como determinadas doenças adquiridas durante a gestação, alimentação”.
90

no desenvolvimento neuropsicomotor. O programa se inicia após o nascimento e

pode prosseguir até os três anos e onze meses.

Na APAE os atendimentos são individualizados e realizados duas vezes por

semana com profissionais das áreas da pedagogia (quarenta e cinco minutos), da

fisioterapia (trinta minutos), da fonoaudiologia (uma vez por semana com duração

de trinta minutos) e da terapia ocupacional quando há necessidade.

O trabalho pedagógico é norteado pela Escala de Desenvolvimento Portage e

pelos Referenciais Curriculares Nacionais (RCN) específicos para a Educação Infantil,

buscando desenvolver as áreas cognitiva, motora, da linguagem, de independência e

de socialização. Os conteúdos são apresentados de forma sintetizada sem que haja

indicação de como podem ser trabalhados e nem por quais áreas. A título de

ilustração, transcrevo os conteúdos indicados para o trabalho da área de linguagem:

Linguagem: sons guturais; balbucio; imitação; ordem simples/complexa;


linguagem receptiva (expressiva); sons onomatopaicos; interpretação de
cenas. (APAE, 2002)

A família é orientada pela equipe e a mãe, sempre que necessário, acompanha

os atendimentos do filho, que ocorrem concentrados em dois dias da semana. Esta

forma de implementar o atendimento no programa de Educação Precoce é justificada

pela condição sócio-econômica das famílias e também como uma forma de evitar o

desgaste dos bebês. O entendimento é que se os atendimentos estivessem diluídos

no decorrer da semana para que a criança freqüentasse a instituição todos os dias,

as famílias abandonariam os atendimentos já que isso interferiria na rotina de

trabalho das mães.

Quando a criança tem aproximadamente dois anos e meio, são organizados

subgrupos e o trabalho individual passa a ser feito com duas ou mais crianças no

mesmo horário, mantendo-se os objetivos individuais. Um dos critérios utilizados

para este agrupamento é o tipo de deficiência que a criança apresenta (por exemplo,

mesma síndrome). Assim, prolonga-se o atendimento e prepara-se as crianças para


91

freqüentarem o maternal. Esta preparação é feita até a criança atingir quatro anos e

passar a freqüentar os programas de Educação Infantil. Caso não haja condições de

agrupamento, nesta idade a criança começa a freqüentar alguns espaços coletivos da

instituição, como o refeitório e o parque, com a supervisão de um dos profissionais.

Já a Educação Pré-Escolar tem por objetivo “proporcionar condições

adequadas e favoráveis ao seu desenvolvimento nas dimensões física, emocional,

cognitiva e social” (FENAPAES, 2001 p. 40).

Atende crianças de quatro a seis anos nos níveis Maternal, Jardim 1 e Pré-

escola. São elegíveis para ingressar no programa crianças egressas do programa de

educação precoce da Instituição Especial e de outras instituições, com deficiência

mental associada, ou não, a outras deficiências e com atraso no desenvolvimento.

O trabalho pedagógico é orientado pelos Referenciais Curriculares Nacionais

da Educação Infantil, criando-se estratégias de ensino diferenciadas que respeitem o

ritmo de aprendizagem do aluno. As atividades são mais diversificadas e com curta

duração, o trabalho concreto e em partes é priorizado. As áreas a serem trabalhadas

com a criança se mantêm, ampliando-se seu tempo de permanência na instituição:

quatro horas diárias. O trabalho é realizado em conjunto com os profissionais das

áreas de psicologia, fisioterapia, fonoaudiologia e terapia ocupacional.

De acordo com a proposta da APAE Educadora

ao finalizar a educação pré-escolar, o aluno, mediante um processo


avaliativo, poderá ser encaminhado para o ensino fundamental nas
escolas regulares da comunidade. Se indicado pela avaliação, ele pode
permanecer matriculado na escola especial da APAE para continuidade de
seu processo educacional (FENAPAES, 2001, P. 40).

A avaliação é feita pela equipe de profissionais da APAE e prioriza os aspectos

cognitivos da criança.

Alguns aspectos merecem destaque em função dos objetivos do presente

trabalho.
92

O primeiro deles se refere ao início do atendimento ser proposto a partir do

nascimento da criança. Isso indica que quando a deficiência é identificada o

encaminhamento para instituição especial é imediato sem que se considere a

possibilidade de atendimento em outras instâncias da comunidade, principalmente da

saúde. Por outro lado, pode indicar também que em vários locais as instituições

especiais sejam a única opção de atendimento o que denota o afastamento do

Estado no que se refere não só à educação, mas também à saúde desta população.

O segundo diz respeito ao caráter quase que exclusivamente clínico do

atendimento desenvolvido no programa de educação precoce. Aqui, inclusive o

atendimento pedagógico tem este perfil, que é também sustentado pelo caráter

preventivo da educação especial, explicitado nos documentos. Nas práticas da APAE,

esse atendimento, assim caracterizado e circunscrito ao espaço institucional significa

a “institucionalização precoce” da pessoa com deficiência mental. Os profissionais da

APAE relatam o acompanhamento de uma criança que se iniciou em seu décimo dia

de vida.

Isso pode ser analisado sob duas perspectivas: a primeira é a de que a

criança é encaminhada por não haver o atendimento em outras instâncias da

comunidade, denotando a omissão do Estado que engendra e é engendrada pelo

atendimento oferecido na instituição especial; a segunda é a de que o

encaminhamento é feito em função da instituição especial ser identificada como o

local mais adequado para atender a esta população. O que pode ser apreendido é

que a instituição se constitui como o locus social da deficiência mental e adquire o

status de especializada no atendimento global desta população.

A LDBEN 96 em seu artigo 58 §3º indica que a educação especial, dever

constitucional do Estado, tem início na faixa etária de zero a seis anos, durante a

educação infantil. Área, segundo Ferreira (1998, p. 11), “em que o atendimento

educacional ao aluno com necessidades especiais é ao mesmo tempo tão escasso


93

quanto importante”. Importante em dois sentidos: das necessidades especiais da

criança, decorrentes da condição de deficiência e da possibilidade de antecipar a

inserção no sistema comum de ensino para os primeiros meses de vida, por exemplo

em Centros de Educação Infantil que oferecem o atendimento em berçários.

Por outro lado, ao analisarmos a implementação da educação infantil na APAE

o que pôde ser apreendido foi a constituição do caminho inverso: o da

institucionalização precoce, significando uma verticalização (para baixo) da

segregação da criança com deficiência, que é retirada da escola comum antes

mesmo de chegar lá. O que reitera e potencializa a possibilidade de não

encaminhamento para o ensino regular.

Mas apreendemos um outro sentido do trabalho implementado no programa

de educação precoce na Instituição especial. As poucas crianças que são

encaminhadas para a escola comum saem

... da educação precoce. Então lá na educação precoce a gente já


começa... geralmente são crianças de alto risco tipo PC (com paralisia
cerebral), você vê que ele tem um comprometimento motor, mas a parte
cognitiva está preservada. Então o atendimento vai compensando essa
parte motora que não funciona com a parte cognitiva. Aí a gente
encaminha para a escola. O grosso do nosso encaminhamento é PC da
educação precoce. [...] Nós temos claro que não podemos ficar segurando
ele por muito tempo, porque ele vai acabar de certa forma perdendo
algumas coisas, por mais que a professora trabalhe diferenciado, lá fora
ele vai ter muitos modelos, ele vai ter um conteúdo mais profundo.
(Entrevista n. 01 Psicóloga)

Mas, não há consenso entre os profissionais e as críticas incidem sobre este

mesmo aspecto.

Eu já interroguei todo mundo aqui na escola é bebê de risco, risco do que?


De deficiência mental? Aí a criança fica numa APAE quatro anos, e aí aos
quatro anos ela vai para o ensino regular, se não tiver a deficiência
mental. Só que como ex-aluno da APAE e a gente sabe o que isso
significa...
Mas, a gente vê que tem PCs aqui pequenos de três, cinco anos que dão
resposta de criança normal, que não tem atraso cognitivo e que estão na
instituição com a justificativa que ele precisa adquirir rotina de escola
para ser encaminhado. Como é que vai aprender rotina de escola aqui
94

com os atendimentos do jeito que são feitos? (Entrevista n. 02


Fisioterapeuta)

Aqui evidencia-se uma contradição: o programa de educação precoce da APAE

é ao mesmo tempo uma via de institucionalização precoce e uma das poucas portas

de saída da Instituição Especial, já que

são raríssimos os casos de alunos eu encaminhei que já freqüentavam um


ano de sala de aula ou freqüentaram no máximo dois anos e já foram
encaminhados. (Entrevista n. 02 Psicóloga)

Outro aspecto que merece destaque é a proposta da APAE Educadora enfatizar

a omissão do Estado no atendimento precoce da população com deficiência mental

para reiterar o seu papel de instituição privada que presta serviço público:

o programa de educação precoce não costuma ser oferecido


sistematicamente pelo poder público, sendo rara sua oferta, mesmo nas
grandes cidades. Constitui, portanto, uma significativa contribuição da
APAE Educadora ao cumprimento da Constituição Federal (FENAPAES,
2001, p. 39)

O que temos aqui é a explicitação do caráter substitutivo, não da escola

comum pela especial, mas do dever do Estado (previsto na lei) pelo “apoio” do favor

privado da instituição especial.

No nível Escolar a distinção entre o conteúdo do Relatório de Atividades e o

discurso dos profissionais se evidencia.

Este nível atende alunos de sete a dezesseis anos. O trabalho é direcionado

pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) para o ensino fundamental e pelos

Referenciais Curriculares Nacionais da Educação Infantil.

Vale ressaltar a presença dos Referenciais Curriculares Nacionais da Educação

Infantil como um dos parâmetros para o trabalho com alunos de sete a dezesseis

anos e os conteúdos presentes no currículo da APAE reiteram a ênfase em atividades

pré-escolares para as diferentes faixas etárias. Por exemplo, conteúdos como noção

corporal e espacial e discriminação de cores estão previstos no trabalho de

treinamento básico, independente da faixa etária.


95

Por outro lado, durante o processo de elaboração da proposta curricular da

APAE os profissionais estruturaram programas cujos conteúdos correspondem até ao

terceiro ano do ensino fundamental.

Quando eu pedi para ir até a terceira série, algumas professoras falaram


assim: mas é utópico, imagina... Aí eu falei assim: não é importante a
gente ter um parâmetro maior para não ficar na mesmice? E se o aluno
começar a ir, como que você vai? Você vai ficar no achismo? Não é
melhor a gente já ter alguma coisa pré determinada? Por que, realmente,
se a gente vê que ele está caminhando rápido e se aproximando disso, ele
não vai ficar aqui mesmo, eu vou encaminhar ele rapidinho para a escola
regular. Então, eu quero que vocês tenham o máximo de parâmetros para
não ficar naquilo: ele não vai chegar. A gente não sabe, a gente não pode
determinar. Então, o currículo está muito além mesmo, porque eu acho
que tem que ter um parâmetro. O professor não pode ficar preso naquilo,
olha, o deficiente só aprende isso. (Entrevista n. 01 Coordenadora
Pedagógica)

Assim, a oferta de um grau de escolaridade que corresponde à terceira série

do ensino fundamental acontecerá em casos extremos, nos quais o aluno surpreenda

e supere o nível de ensino implementado na instituição. A indicação de que caso isso

ocorra o aluno será encaminhado para a escola comum permite inferir que os

conteúdos pedagógicos trabalhados na APAE não ultrapassem os níveis elementares

do ensino fundamental, em função do grau de comprometimento dos alunos, já que

aqueles que avançam no processo de escolarização seriam, em tese, encaminhados.

Se resgatarmos as colocações da psicóloga sobre os encaminhamentos feitos para o

ensino regular e contrapormos ao discurso da coordenadora pedagógica, vamos

perceber que a oferta de conteúdos da terceira série do ensino fundamental é algo

hipotético na APAE.

Outro aspecto a ser destacado é a forma como a APAE se organiza para

atender seus alunos no setor escolar. Para melhor compreendê-la, é preciso antes

esclarecer que os critérios adotados pela instituição para o agrupamento dos alunos

são equivalência de faixa etária e, principalmente, de nível cognitivo (leia-se grau de

comprometimento).
96

O setor escolar é composto por cinco níveis denominados de Escolar Um,

Escolar Dois, Escolar Três, Escolar Quatro e Escolar Cinco. Cada um dos níveis possui

diferentes turmas que são montadas no início de cada ano de acordo com as

necessidades da escola. Assim, em um ano o setor pode oferecer o nível Escolar

Cinco com duas turmas e, em outro, não precisar ofertar nenhuma turma pela

ausência de alunos aptos a freqüentá-lo.

O Escolar Um corresponde ao nível mais elementar e atende os alunos com

comprometimento severo. Mas, também, é o primeiro nível após a pré-escola. A

distinção é feita na composição dos grupos (idade e grau de comprometimento) e

também na distribuição destes: mais novos e menos comprometidos no período

matutino e mais velhos e mais comprometidos no período vespertino. Então, pode

ter uma turma de Escolar Um para alunos com comprometimento severo de

aproximadamente doze anos e uma turma de Escolar Um para alunos com

comprometimento moderado de aproximadamente sete anos.

O critério de transferência de um nível para o outro é o desenvolvimento

cognitivo do aluno e pode ocorrer tanto para níveis superiores quanto inferiores. A

transferência não ocorre somente ao final de períodos letivos, a qualquer momento o

aluno pode mudar de nível ou de turma desde que seja considerado oportuno pela

equipe pedagógica. Assim, em um ano o aluno pode freqüentar vários níveis de

acordo com seu desenvolvimento cognitivo, da mesma forma que pode ficar vários

anos em um único nível, mudando apenas de grupo em função de sua idade.

Com relação aos conteúdos ministrados, existe um planejamento específico

para cada turma respeitando as possibilidades dos alunos. O conteúdo acadêmico

formal é oferecido para os alunos com comprometimento moderado e, para aqueles

cujo comprometimento é considerado severo, as atividades são direcionadas para

noções de higiene, cuidados pessoais e atividades de vida diária.


97

O treinamento básico é oferecido também para alunos com comprometimento

moderado/severo que não acompanham as atividades acadêmicas formais

(matemática, escrita, cores...) em um nível denominado: Educação para o Trabalho.

Este nível prioriza a preparação para entrar no setor profissionalizante da instituição

por meio de atividades funcionais com o objetivo de trabalhar habilidades

ocupacionais. Destaca-se o fato deste ser um programa

que não tem nomenclatura definida, porque a Federação coloca que a


iniciação para o trabalho é uma nomenclatura do profissionalizante e eu
tenho uma turma que de educação para o trabalho dentro da escolaridade
que eu chamo de escolar dois, mais ou menos assim. São aqueles alunos
que sempre foram trabalhados dentro da escolaridade e não eram
totalmente severos. Como que eu posso dizer… sabe aquele meio termo?
Que tem outros alunos, é... e isso é muito desafiador... dentro do meu
processo de orientação, eu procuro dar muita chance para o aluno, eu
prefiro colocar que ele é mais dentro do moderado do que do severo;
então, a gente sempre está investindo mas tem um limite. Suponhamos
que ele está com a gente desde bebê ou com sete anos, ou até os 12, ele
está dentro de um processo de escolaridade, mas a gente está vendo a
limitação cognitiva dele nos cálculos matemáticos, na produção de escrita,
nas cores. Para continuar insistindo, dos 7 aos 16 a gente acha muito... é
uma judiação... Lógico, que nós não vamos abandonar essa escolaridade,
como ela não é abandonada na oficina. Mas, só que a gente modifica um
pouco o nível de exigência, o que acontece? Então, aquele aprendizado
que era... para a construção daquele conhecimento que estava se
exigindo, hoje ele fica mais dentro de fixação de situações, não que não
fosse exigido, mas de situações mais funcionais para ele. O que?, o nome
dele, a linha de ônibus, o número do telefone, o seu endereço… então a
gente divide as 4h aulas dele dessa forma. As duas primeiras horas, é a
fixação dos conteúdos acadêmicos pertinentes a essa independência dele
e também de todos os conteúdos que nós trabalhamos. (Entrevista 01,
Coordenadora Pedagógica)

Aqui, evidencia-se o quanto a APAE precisou construir estratégias para

justificar que o trabalho desenvolvido é educacional. A ênfase na questão da

nomenclatura indica o quanto o trabalho desenvolvido não foi alterado, mesmo

porque o que ocorre é a justificativa de que os conteúdos trabalhados, mesmo que

funcionais, são acadêmicos formais. Evidencia-se que o movimento desencadeado na

APAE não é de transformação e de construção de um perfil eminentemente


98

educacional, mas de tentar justificar que o trabalho ali desenvolvido já é educacional

em todas as suas esferas.

Aqui, novamente o silenciamento nos dá pistas sobre os sentidos. A ausência

de referências aos conteúdos trabalhados, aos métodos de ensino, ao papel do

professor, à proposta de ensino construtuvista expressa apenas no Relatório de

Atividades, ao processo de aprendizagem do aluno, ao processo de avaliação... Isso

denota o caráter não educacional do trabalho desenvolvido. Não significa dizer que o

pedagógico inexista, mas sim que ele não é o eixo central do trabalho institucional,

que deveria ser em uma escola. Podemos perceber este mesmo caráter em outras

esferas institucionais que também devem assumir o caráter educacional.

O Setor Profissionalizante de acordo com o Relatório de Atividades de 2002,

tem por objetivos:

− Proporcionar aos aprendizes acima de 15 anos de idade, ocupação


adequada às suas habilidades e individualidades, através de trabalhos
diversificados;
− Identificar potencialidades e interesses do portador de deficiência e
oferecer programas de educação profissional que visem garantir as
condições de empregabilidade;
− Capacitar e atualizar os seus recursos humanos (aprendizes);
− Coordenar, inovar e promover programas/parcerias que possam
garantir a qualidade das atividades desenvolvidas no Setor;
− Conscientizar a sociedade sobre as potencialidades de trabalho da
pessoa portadora de deficiência (APAE, 2002)

O setor iniciou o ano de 2002, atendendo 109 alunos (denominados de

aprendizes) e terminou o período letivo com 100 alunos, visto que cinco foram

encaminhados para o mercado de trabalho competitivo, dois para postos de estágio

e dois desligados da instituição. Os aprendizes foram atendidos em 15 turmas

distribuídas por diferentes programas, conforme apresentado no Quadro III.


99

Quadro III: Estrutura do Setor Profissionalizate segundo número de alunos e


distribuíção por níveis, programas e modalidades. Fonte: Relatório de
Atividades de 2002 da Instituição Especial.

Nº DE
PROGRAMAS Nº DE TURMAS
APRENDIZES

Programa de Pré – Profissionalização 06 42

EDUCAÇÃO Programas Pedagógicos Específicos 05 35


PROFISSIONAL Programa de Qualificação para o
02 15
Trabalho Masculino

Programa de Qualificação para o


01 08
Trabalho Feminino

Educação de Jovens e Adultos 01 média de 20 alunos

Segundo o Relatório de Atividades de 2002 os programas desenvolvidos no

setor são assim caracterizados:

− Pré-profissionalização: caracteriza-se pelo atendimento a aprendizes


que iniciam no Setor Profissionalizante e alguns que já freqüentaram,
com o objetivo de sondar habilidades e aptidões para o trabalho e
prepará-los para atividades específicas e, posteriormente, pela oferta
de várias experiências de trabalho em atividades práticas, para que o
aprendiz, através de experiências diversificadas, possa definir seus
interesses e desenvolver suas capacidades e potencialidades para o
trabalho.
− Programa de qualificação para o trabalho – treinamento profissional
feminino e masculino: caracteriza-se por procurar desenvolver
treinamento profissional através do desenvolvimento de habilidades
necessárias ao desempenho de uma tarefa, busca levar o aprendiz a
executar um trabalho com qualidade e responsabilidade. Tem como
objetivo: preparar o aprendiz para o exercício de atividades
profissionais; aperfeiçoar conhecimentos básicos necessários para a
profissionalização; treinar os aprendizes para futura colocação no
mercado de trabalho, oferecer condições para o desenvolvimento de
posturas adequadas para o trabalho; encaminhar os aprendizes para
estágios Escola-Empresa e/ou colocação no mercado de trabalho.
− Programas pedagógicos específicos: caracteriza-se pelo atendimento
em grupo, de maneira a proporcionar atividades de vida prática e
atividades de vida diária, visando a independência pessoal e
integração.
− Educação de jovens e adultos: caracteriza-se pelo atendimento em
contra-turno aos aprendizes independentes e com potencial
acadêmico, com o objetivo de oferecer manutenção aos conteúdos de
leitura, escrita e matemática, ou seja, trabalhar com a pré e pós-
alfabetização. (APAE, 2002)
100

Destaca-se no Setor Profissionalizante a mesma configuração do Escolar no

que se refere a ter diferentes turmas para diferentes graus de comprometimento dos

alunos e também a oferecer uma turma de Educação de Jovens e Adultos na qual

conteúdos acadêmicos formais são trabalhados. Contudo, em 2002, dos 109 alunos

atendidos no setor, apenas 20 tiveram acesso a este programa.

O número fica mais reduzido quando o foco de análise são os

encaminhamentos realizados: cinco para o mercado de trabalho regular e dois para

postos de estágios. Mesmo com um número reduzido de encaminhamentos, é

preciso ressaltar que outros setores não fizeram nenhum. O que nos permite inferir

que uma das poucas e estreitas portas de saída da instituição se encontra no Setor

Profissionalizante. Contudo, podemos constatar que a saída da instituição especial é

uma exceção reservada a poucos.

Outro aspecto que merece atenção é o fato do setor manter um trabalho que

dê continuidade ao do Setor Escolar de modo a permitir a permanência dos alunos

na instituição, inclusive daqueles que adquiriram conteúdos acadêmicos formais. O

que denota o seu caráter de “especializada em” e, conseqüentemente, de locus

social da deficiência mental. Mais um vez, não temos a menção a conteúdos

ensinados, a métodos de ensino, a processos avaliativos... Mais uma vez, no

silenciamento a explicitação do não educacional.

Por outro lado, o caráter não educacional não reside apenas no pedagógico

secundarizado em ambos os setores da instituição. Outros dois aspectos denotam tal

caráter: o assistencialismo e o trabalho clínico da equipe muldisciplinar da

instituição.

Para a construção do perfil educacional exigido, uma das recomendações da

proposta da APAE Educadora: a escola que buscamos é um redimensionamento do

trabalho das equipes multidisciplinares das instituições. A proposta enfatiza que


101

o atendimento proposto pela APAE Educadora é de caráter pedagógico,


estando qualquer intervenção de natureza clínica e
psicopedagógica subordinada ao cumprimento das metas
educativas previstas e operacionalizadas no currículo escolar.
Desse modo, a proposta desenvolve suas ações, construindo espaços
educacionais favoráveis à escolarização e formação dos alunos,
focalizando o convívio social e a qualificação para o trabalho. Assim, as
escolas avaliam e planejam condições que favorecem o desenvolvimento,
a aprendizagem e a socialização de seus educandos. (FENAPAES, 2001, p.
36, grifos meus)

Não há qualquer indicação acerca da contribuição que cada um dos

profissionais que tradicionalmente atuam em instituições especiais pode trazer para

o trabalho pedagógico. Ficando a cargo também de cada escola definir como será a

atuação da equipe técnica, que pode ser composta por pedagogo, médico, psicólogo,

fonoaudiólogo, fisioterapeuta, terapeuta ocupacional e assistente social, dependendo

da realidade e da necessidade de cada APAE.

No caso da APAE, a partir do ano de 2002, a equipe técnica deixou de realizar

atendimentos individuais e passou a atender os alunos em sala de aula juntamente

com os professores. Assim, o trabalho das áreas de psicologia, fonoaudiologia e

terapia ocupacional passou a ser desenvolvido tendo, em tese, como objetivo o

suporte ao trabalho pedagógico.

Contudo, a análise do discurso dos profissionais aponta que tal reestruturação

do trabalho foi feita no sentido de alterar o “local” da prática e não seus objetivos. O

que encontramos é o entendimento de que as mudanças descaracterizaram o papel

dos profissionais e não sustentaram a construção de uma prática distinta. Para os

profissionais, desenvolver o trabalho em sala de aula não significou um

redimensionamento de seus objetivos e de seus procedimentos, ao contrário, a

mudança é concebida como restritiva do papel de cada um. As falas dos profissionais

são ilustrativas:

Porque eu deveria estar fazendo isso na sala de aula, só que na sala de


aula eu ficava tão restrita, que uma vez eu falei para a diretora: eu não
sei o que eu vou fazer, eu vou pedir demissão, porque eu não estou
102

fazendo o meu trabalho aqui dentro. Não estava uma coisa clara para
mim. E no fim, eu via o quadro motor dos alunos piorando cada vez mais,
se agravando... e eu não podia estar retirando ele da sala de aula.
(Entrevista n° 02 Fisioterapeuta)

Então assim, as mudanças que tiveram dentro da psicologia, eu acho que


pecou um pouquinho... porque esse trabalho que eu tinha com o grupo
de alunos a cada quinze dias (não era nem uma vez por semana, era
uma vez cada 15 dias fora da sala de aula) tinha um resultado bom você
entendeu, a gente via resultado, a gente trabalhava coisas que eram... a
gente sabe que o trabalho em grupo é legal porque um ajuda o outro, um
serve de modelo para o outro. Você consegue trabalhar no grupo
algumas coisas que individualmente é difícil trabalhar, mesmo que for em
sala de aula é diferente, o professor está junto... então tem coisas que dá
para trabalhar no grupo longe de professor, que você dá para colocar
algumas coisas... eles às vezes tem vergonha... Então dentro da
psicologia eu acho que perdeu um pouco sabe... a gente não poder tirar
mais do aluno da sala... até fono teve que ir para atendimento em sala,
perdeu aquela coisa de individual.
Então prejudicou um pouco nesse sentido. A gente colocou que era uma
vez cada quinze dias, mas na época foi colocado que era para passar isso
tudo para o professor. Só que o professor acaba não fazendo...
(Entrevista n° 01 Psicóloga)

Estas falas nos mostram que a transformação do cotidiano institucional não se

dá apenas por meio de rearranjos internos. Solicitar a alteração do trabalho da

equipe multidisciplinar sem redimensionamento dos objetivos de sua atuação e da do

professor, sem a construção conjunta dos objetivos pedagógicos explicitando o apoio

que cada um pode dar, é um exemplo apenas de como a APAE tentou se adequar às

exigências externas.

Normalmente a gente levava a atividade, a proposta para o professor na


hora. Não tinha assim... olhar junto com a professora o que seria
trabalhado esta semana... não tinha um planejamento. Eu acho que nem
na área da fonoaudiologia acaba acontecendo essa troca, eu acho que elas
também não preparam o material e vão para a sala (Entrevista n° 02
Fisioterapeuta).

Por outro lado, temos o trabalho desenvolvido em sala de aula desencadeando

reflexões nos profissionais no que se refere ao seu trabalho na APAE:

Porque a gente chega e a professora fala: "Olha, eu queria que ele


respondesse essas perguntas para mim mas não sei de que forma, vamos
103

pensar numa adaptação". Se ela estivesse dentro da minha sala eu


poderia estar desenvolvendo outra atividade que não fosse essa e jamais
poderia sacar algumas coisas que pudessem dar um insight para ela estar
indo longe. Poderia estar trabalhando a independência dela nas AVDs mas
não investindo no cognitivo, sendo que ela poderia me dar muito mais
retorno na parte cognitiva do que nas AVDs. Então às vezes quando você
dá algum suporte você vê que a criança vai muito além, que talvez se eu
trouxesse ela para dentro da minha sala eu não conseguiria perceber isso,
porque estaria trabalhando outras coisas e não estaria ligada tanto na
parte da alfabetização... E, no início eu não acreditava que este trabalho
em sala de aula seria bom; eu resisti muito no começo. (Entrevista 01,
Terapeuta Ocupacional)

Aqui temos a indicação da possibilidade do trabalho conjunto, desde que com

objetivos estruturados. Outro aspecto é a mudança servindo para refletir sobre o

trabalho realizado anteriormente, colocando em xeque o trabalho realizado em

outros espaços, com outros objetivos. Contudo, as dúvidas, os receios, os conflitos

que surgiram não são trabalhados no sentido de construir juntamente com

profissionais e professores esse novo perfil de atuação e, aos poucos, o espaço do

atendimento individualizado vai sendo recuperado:

É, eu falo que essa semana eu tive uma vitória! Consegui tirar uma turma
da sala e trazer para a minha sala para um atendimento individual. São
adolescentes e não sabem dar laço no sapato, e um faz basquete fora, a
outra participa do grupo GRD e está indo para Fortaleza numa
apresentação de ginástica... e aí eu coloco para você, onde está a auto-
estima desses adolescentes? Eles não sabem nem amarrar o sapato, se
está num jogo e se o tênis desamarra, eles tem que sair, sentar no banco
para professora pode ir lá e amarrar, então assim foi uma vitória sabe,
conversando, explicando realmente a necessidade da turma, que é uma
turma que está envolvida em várias atividades, e que isso para auto-
estima deles não é bom. Então eu perguntei se eu poderia estar fazendo
esse trabalho de treinar o amarrar cadarço, colocar o cadarço e daí me
liberaram. (Entrevista n° 02 Terapeuta Ocupacional)

Vale ressaltar que a imposição, o não planejamento, a falta de objetivos

comuns, a falta de reuniões foram amplamente citados pelas profissionais

entrevistadas, o que inviabiliza a implementação de qualquer outra prática que de

distinga do que já era feito. Nesse sentido, o retorno ao trabalho individual, mesmo
104

considerando o trabalho em sala de aula positivo e enriquecedor de sua atuação, é

uma vitória.

Se os objetivos, os procedimentos e as condutas permanecem as mesmas, o

trabalho em sala de aula perde seu sentido. Mais que isso, desta forma o trabalho

destes profissionais na instituição devido à sua descaracterização também perde o

seu sentido. A percepção dos profissionais é a de que do modo como o trabalho foi

implementado dificilmente severia de apoio efetivo à prática pedagógica, ainda que

seja entendido como um dos objetivos da atuação.

Outro aspecto a ser destacado é o caráter assistencialista do trabalho

institucional que pode ser apreendido no trabalho realizado com as famílias que

possuem filhos na instituição.

Primeiramente, é necessário ressaltar que a condição de pobreza da maioria

dos alunos da instituição é enfatizada pelos profissionais como um grande obstáculo

ao trabalho. A precariedade econômica das famílias é traduzida como incompetência

e como inadequação para lidar com a condição de deficiência mental do filho. Deste

modo, cabe aos profissionais suprir as “deficiências” da família por meio de medidas

compensatórias de suas necessidades básicas e por meio da orientação de como

lidar com a deficiência do filho.

No que se refere às formas de orientação das famílias, os profissionais

entendem que o principal objetivo desta prática é oferecer condições destas darem

continuidade ao trabalho desenvolvido na instituição especial em suas casas. O que é

enfatizado pelos profissionais é que tal continuidade é uma condição para o

desenvolvimento do trabalho com os alunos, inclusive o educacional. Isso pode ser

constatado nos relatos de vários profissionais, mas o mais ilustrativo é o da

Terapeuta Ocupacional:

Vamos supor, nós temos várias crianças aqui na faixa etária de 13 a 19


anos que não tomam banho sozinhas. Porque não tiveram uma
orientação da família... a família acha melhor fazer essa atividade pela
criança para facilitar a vida... então muitas vezes tenho um trabalho
105

também com a família de conscientização sabe... Nada se começa aqui


na questão das atividades de vida diária se você não tem... como se diz
assim... uma conversa com a família e assim... um trato. Eu faço aqui e
eles dão continuidade em casa. Então se a família não está disposta, a
gente nem inicia; porque na verdade eu fico aqui segunda, terça e quarta,
são 3 dias; então a família tem que dar continuidade a esse trabalho em
casa na quinta, na sexta, no sábado e no domingo porque senão o
negócio não vai. Então todas as crianças que eu vejo que tem a
necessidade desse treino, antes de iniciar a família é chamada e é
colocado o problema. Aí a família dá autorização e é iniciado o trabalho.
(Entrevista 02, Terapeuta Ocupacional)

Assim, temos a orientação das famílias sobre como posicionar o filho em uma

cadeira, como utilizar uma adaptação, como estimular. Da mesma forma que, como

dar o banho, escovar os dentes, lavar alimentos, dar a comida... E isso é feito tanto

na APAE quanto na residência, por meio das visitas domiciliares, que têm dois

objetivos: orientar e verificar se o que foi orientado está sendo feito; se os

equipamentos e adaptações doados pela instituição estão em bom estado e se estão

sendo utilizados adequadamente; se o aluno está tomando a medicação; se a família

está passando por algum problema que possa justificar a inadequação do aluno na

escola; porque o aluno não está comparecendo à instituição. Para isso:

... eu não costumo marcar horário não, eu vou. Eu acho interessante


assim porque você verá a realidade mesmo; porque se você marcar uma
visita, então não vai ser a realidade que você vai ver. (Entrevista n° 01
Assistente Social)

Toda terça-feira nós técnicos saímos para uma visita domiciliar. Então
tudo que a gente quer descobrir no âmbito familiar, a gente deixa tudo
para terça-feira. Que na parte da tarde os técnicos depois das 3h da
tarde não tem atendimento, é direcionado para isso mesmo, então a
gente faz uma reunião e vê qual o aluno está necessitando de uma visita.
Que nem nessa terça-feira eu visitei a casa de um aluno que nós
estávamos achando que ele não estava tomando a medicação, que a
família não estava dando a medicação. Então nós sentamos em equipe
técnica e decidimos que terça-feira nós iríamos visitar a casa desse
paciente para conferir se a medicação está sendo ou não ingerida. Então,
quando a gente quer fechar alguma coisa, alguma questão de medicação,
a gente não avisa a família que nós estamos indo, a gente chega assim
de supetão para pegar mesmo, para ver se a família está com essa
medicação em mãos, se está sendo administrada... então na terça-feira é
fechado para essas visitas. (Entrevista n° 01 Terapeuta Ocupacional)
106

No que se refere às necessidades básicas da família, a APAE se coloca como

mediadora entre a família e as instâncias sociais responsáveis pelos benefícios e

pelos atendimentos, especificamente públicos, à população de baixa renda em nossa

sociedade. Assim, cabe à assistente social mediar o contato da família com postos de

saúde e da previdência social, com hospitais e ambulatórios, com serviços de ação

social, entre outros. É por meio da atuação da instituição especial que as famílias

têm acesso a benefícios como bolsa família, passe livre para transporte, além de

conseguir medicamentos, consultas médicas e odontológicas, equipamentos para o

filho tais como cadeiras de roda, aparelhos ortopédicos etc. É nesse sentido que a

atuação com a família também é entendida como uma das especificidades da

Educação Especial que só pode ser ofertada na instituição especial.

Estas esferas do trabalho institucional denotam não só o caráter assistencial

da instituição mas, sobretudo, seu caráter totalitário, já que parte das interações

tecidas entre as famílias e a comunidade, especificamente nos aspectos relacionados

à deficiência mental, têm a instituição como única referência.

A referência institucional não diz respeito apenas aos aspectos da assistência

social. Conforme indicado pela psicóloga da instituição,

A gente faz o trabalho também com as mães, mas não para falar de
filhos, é um grupo de mães a cada 15 dias onde são feitas propostas de
lazer, uma palestra, uma coisa bem fora... esquecer um pouquinho que
ela tem filhos. Porque assim ela vivencia isso 24h por dia, então nossa
idéia é dar um tempo para ela. Uma tarde, a cada 15 dias, elas têm o
momento delas; então a gente faz passeio marca... elas querem
conhecer tal lugar... vamos conhecer o aeroporto... Então parte delas o
que elas querem. Querem um profissional para falar... um cardiologista,
um ginecologista... então é o momento para elas. (Entrevista 01,
Psicóloga)

Aqui podemos perceber outras esferas de atendimento à família. Vale

ressaltar que o foco da análise não o trabalho desenvolvido pela psicóloga, visto que,

conforme Amaral (1995) nos ensinou, as relações de uma família que possui um

membro com deficiência é um reinado de ambivalências, perdas, dificuldades, além


107

de implicar em uma reestruturação familiar, especialmente da figura materna. Isso

por si só justifica o trabalho psicológico com esta mãe. Contudo, é necessário

analisar que este tipo de acompanhamento reafirma, também, o caráter totalitário

da instituição, já que contraditoriamente, a mãe precisa do espaço institucional para

obter lazer, informações básicas, descanso etc.

Vale ressaltar que os modos de lidar com as famílias estão lastreados pelo

rótulo da deficiência mental. Por isso, a casa, o espaço privado da família, é

identificado como um apêndice da APAE. E, conforme vimos anteriormente, isso

significa que o mundo familiar também está submetido à autoridade institucional e

ao seu poder, justificando, inclusive, o controle por meio de “visita surpresa”

(Goffman, 2003 e D’Antino 1996).

Diante do exposto, cabe sintetizar que a aparente transformação sustentada

pela construção de uma escola na instituição especial, esconde a conservação do

espaço institucional reiterando seu caráter totalitário. E isso é sustentado por três

mecanismos:

1) Apropriação do discurso oficial.

A educação especial é apresentada como uma modalidade de ensino. Contudo,

o sentido de modalidade de ensino que perpassa todos os níveis e demais

modalidades da educação básica, na instituição especial é invertido em escola de

educação especial que oferece todos os níveis e modalidades de ensino necessários à

pessoa com deficiência mental.

Soma-se a isso a apropriação do discurso de pedagogização da instituição

especial mesmo quando o que se evidencia é seu caráter reabilitador. A instituição

especial é apresentada como escola que contribuirá para atingir a meta de educação

para todos mesmo sem oferecer a escolarização básica aos seus alunos.

A apropriação também se dá no sentido de reproduzi-lo por meio de járgões

que se incorporaram no cotidiano educacional brasileiro: educação para todos,


108

inclusão social, preparação para o mundo do trabalho, diversidade... Isso

especialmente presente nas diretrizes da APAE Educadora.

O sentido atribuido à educação especial sustenta e é sustentado por um outro

mecanismo.

2) Reinterpretação das normas.

A flexibilização curricular é exclusivamente apoiada em dois eixos: extensão

do tempo de ensino de um mesmo conteúdo e, principalmente, redução/eliminação

dos conteúdos e dos objetivos que compõem o currículo básico. Com isso, cria-se o

espaço para que os treinos de atividade de vida diária sejam a adaptação do

conteúdo de ciências, o treinamento básico de adolescentes por meio de atividades

ocupacionais seja entendido como flexibilização da preparação para o trabalho.

A certificação da terminalidade específica é incorporada no processo de

avaliação dos alunos para definir quais níveis ou setores da própria instituição

especial freqüentará. Se resgatarmos que os poucos encaminhamentos feitos pela

escola são para pré-escola e para funções que não exigem certificação de

escolaridade no mercado de trabalho, percebemos que esta certificação não é

apreendida conforme seu sentido na letra da lei.

A apropriação do discurso oficial e reinterpretação de suas norma culminam

no terceiro mecanismo utilizado pela instituição especial:

3) Reorganização estrutural formal e aparente da instituição especial.

A reestruturação da instituição especial acontece de modo que sua estrutura

efetiva não seja colocada em xeque. A reorganização dos níveis de ensino e das

turmas se dá por meio da renomeação: ao invés de treinamento básico, Escolar Um.

Ambos atendem aos mesmos alunos com os mesmos objetivos, programas e

métodos. Mantém-se o mesmo critério de avaliação e de agrupamento dos alunos

buscando a homogeneidade do grupo, a mesma concepção de que isso favorece o

ensino e a aprendizagem.
109

A organização da escola em “ciclos” que se dividem tanto em níveis verticais

quanto em horizontais, permitindo que o aluno mude de grupo (turmas) sem mudar

de nível ou programa. Por exemplo, o Programa Pedagógico Específico possui sete

turmas: uma com quinze alunos de 04 a 06 anos de idade e seis com trinta e três

alunos de 07 a 16 anos. Assim, é possível que um aluno entre neste programa com

04 anos e nele permaneça até os 16 mudando de turma de acordo com sua faixa

etária.

Do mesmo modo, é possível analisar a alteração do trabalho da equipe técnica

como uma reorganização aparente, já que a mudança não alavancou a

pedagogização da instituição especial e nem um redimensionamento do atendimento

clínico. Isso porque o caráter pedagógico da instituição especial é secundarizado não

devido à presença de atendimentos clínicos. É necessário ressaltar que o espaço

ocupado pelos atendimentos clínicos engendrou e foi engendrado na ausência do

pedagógico e no caráter de reabilitação em detrimento do educacional, ambos

construídos historicamente. Mais, o caráter reabilitador não reside apenas no

atendimento clínico, visto que o pedagógico também se estrutura nesse sentido.

Basta resgatar o trabalho da pedagoga da instituição especial na estimulação

precoce.

Além disso, a não pedagogização da instituição especial se sustenta na crença

arraigada de que a pessoa com deficiência mental não tem condições de se apropriar

de conteúdos educacionais formais. O pedagógico não tem espaço na educação de

uma população que, acredita-se, não tem condições de aprendizado. Daí a

centralidade da equipe técnica.

A retirada do atendimento clínico e a alocação de profissionais que não o

professor em sala de aula não garante a priorização do pedagógico, mas subsidia o

reconhecimento da instituição especial como escola do sistema regular de ensino.

Mesmo não oferecendo aquilo que a escola comum não oferece. Ou seja, educação
110

da pessoa com deficiência mental é reduzida à educação especial. A instituição não

oferece algo a mais que a escola comum poderia oferecer (educação comum +

apoios, adaptações), ela oferece menos. Sua pseudo pedagogização não é suficiente

para colocar o pedagógico como eixo central do trabalho educacional, mas o é para

seu reconhecimento como instância responsável pela educação da pessoa com

deficiência mental.

Lançando mão destes mecanismos, a instituição especial é reconhecida como

escola do sistema regular de ensino, o que a repõe como locus social da deficiência

mental em nossa sociedade, agora oficialmente reconhecido como educacional. Ou

seja, tal reconhecimento reitera seu caráter totalitário.


111

Considerações Finais

Destacamos que na concretude da instituição especial as políticas de educação

especial favorecem sua conservação como locus social da pessoa com deficiência

mental e seu caráter totalitário. Isso é reiterado pelo reconhecimento da instituição

como escola do sistema regular de ensino. Além disso, mereceram destaque os

mecanismos utilizados pela instituição especial para, com aparência de mudança

instituída, conservar o que estava posto. Todo esse movimento reitera para

manutenção de três esferas:

1 – A manutenção da pessoa com deficiência mental no âmbito da filantropia

Manter a pessoa com deficiência mental em tal âmbito significa, acima de

tudo, mantê-lo no condição de não cidadania.

Uma análise da questão da filantropia sustenta a afirmação da não cidadania:

nas condições filantrópicas transforma-se direito em uma concessão. Nas

considerações tecidas por Ozouf (1989, p. 727) acerca do princípio tríplice liberdade,

igualdade, fraternidade: “as duas primeiras são direitos e a terceira é uma obrigação

moral”. Assim, é possível o entendimento da filantropia, sustentada nos princípios

iluministas, como uma concessão e não como um direito. É nesse sentido que a

manutenção da pessoa com deficiência mental no âmbito da filantropia significa

mantê-la na condição de não cidadania.

Além disso, Ozouf (1989, p. 727) acrescenta:

Mas é impressionante ver que as disposições revolucionárias que seguiram


o sentido do direito social, as oficinas de assistência, o grande livro de
beneficência pública, o projeto robespierrista de imposto para os cidadãos
desprovidos de recursos, foram tomadas não em nome da fraternidade,
mas em nome da igualdade. O artigo 21 da Declaração adjunta à
Constituição montanhesa, que definiu a assistência pública como uma
dívida sagrada, encara tal assistência no prolongamento e não na crítica
dos direitos individuais.
112

Soma-se a isso que o âmbito da filantropia, neste caso, está circunscrito ao

espaço da instituição especial e isso favorece de modo preponderante o

descompromisso e a omissão do Estado, que cada vez mais requesita a “parceria”

deste tipo de instituição, haja visto o caráter assistencialista e caritativo de suas

ações.

A omissão do Estado em favor do trabalho institucional revela também a

indisponibilidade de investimento efetivo em um grupo que, acredita-se, não tem

condição de dar o retorno desejado. Para as pessoas com deficiência mental, então,

a filantropia, a caridade, o assistencialismo.

A crença na total dependência do deficiente também sustenta esta análise. Se

a pessoa com deficiência mental não tem condições de se valer nas esferas mais

elementares de sua vida, só poderá conquistar e usufruir de seus direitos por meio

do outro ou da instituição.

Outro aspecto da manutenção da pessoa com deficiência mental no âmbito da

filantropia que denota o caráter conservador das (pseudo) transformações é o

entendimento de que o direito à educação está garantido ao deficiente no

reconhecimento da instituição especial como uma escola regular. Mas, como a

conservação está posta, tal direito não está garantido, haja visto o caráter totalitário,

filantrópico e assistencialista da instituição especial.

Na base do problema, além da questão economica e política, temos uma

questão conceitual a ser elaborada com outros sentidos

2 – A indistinção entre reabilitação e educação e o não acesso a processos efetivos


de escolarização

Como foi analisado anteriormente tanto as propostas curriculares quanto o

discurso dos profissionais indicam o objetivo de construir um perfil educacional


113

formal na instituição especial, mas a não implantação de uma prática efetivamente

escolar é o que se evidencia.

Mantendo a coerência com as concepções de deficiência mental, de educação

especial e de instituição especial, a reabilitação da pessoa com deficiência mental é

considerada a condição para sua educação, haja visto o entendimento de que a

redução dos danos e dos déficits da deficiência é pré-requisito para aprendizagem. O

que corrobora a crença na impossibilidade de educar esta pessoa, já que sua

necessidade especial (a deficiência mental) é, acima de tudo, motora,

fonoarticulatória, emocional, psicopedagógica, assistencial... Isso faz com que o

trabalho educacional seja concebido como a reabilitação, o que reitera a instituição

especial como o único espaço onde esta pessoa pode ser atendida, já que na escola

este atendimento global, especializado não existe.

Mais uma vez a omissão do Estado se evidencia, pois que o fato de não

estruturar um atendimento de saúde digno reforça a crença de qua na instituição

especial estão os profissionais que podem desenvolver um trabalho especializado. E

aqui abro um parêntese para relatar uma conversa que tive com um dos

profissionais que participou em um encontro informal, após o término da coleta de

dados “não adianta... quando nasce um Síndrome de Down o médico encaminha

direto é para a APAE, não é para o posto de saúde. Entra lá bebê e não sai mais; só

sai se a gente fizer a inclusão”.

Outro aspecto que sustenta a análise de uma das formas de velar a

conservação é a indistinção das esferas de reabilitação e de educação é o

reconhecimento formal da instituição especial, com a estrutura analisada, como uma

escola da rede regular de ensino que lhe confere uma pseudo identidade. Aqui cabe

levantar alguns apontamentos que situam esta pseudo identidade:


114

Uma escola de educação infantil não seria reconhecida como tal oferecendo

quarenta e cinco minutos de atendimento psicopedagógico, cujo caráter é

eminentemente clínico duas vezes por semana aos seus alunos.

Uma escola do ensino fundamental não seria reconhecida como tal se

estivesso estruturada com apenas uma turma de alfabetização que atende entre dez

e quinze dos seus mais de cem alunos em idade escolar, que são distribuídos entre

outras dezenove turmas nas quais o pedagógico formal é secundarizado. Essa

mesma escola não conseguiria reconhecimento caso oferecesse a seus alunos

conteúdos básicos que, extraordinariamente, chegariam ao nível da terceira série do

ensino fundamental.

Sendo assim, o reconhecimento da instituição especial como escola da rede

regular de ensino lhe confere uma pseudo identidade de escola, já que não

caracteriza suas funções no padrão instituido para as escolas da educação básica. E

é lá que estão os especialistas, os currículos flexibilizados, os métodos de ensino

especializados e, acima de tudo, os deficiente mentais.

Com o reconhecimento da instituição especial, o que está garantido à pessoa

com deficiência mental é o não acesso a processos efetivos de escolarização, nem na

intituição, nem fora dela. Isso é justificado pela própria deficiência mental do aluno,

pois que sua inserção em processos de escolarização está condicionada à sua

normalização. Assim, ele terá acesso à educação à medida que for se tornando

menos deficiente.

3 – Manutenção da condição segregada da pessoa com deficiência mental na


instituição especial “inclusiva”.
O reconhecimento da instituição especial como escola regular é considerado,

inclusive pela FENAPAES, como uma contribuição das APAEs para que o Estado

cumpra com o seu compromisso de oferecer Educação para Todos. Nesta “parceria”,

a instituição especial engrossa as estatísticas de todos na escola, já que os dados


115

institucionais, antes computados como “outros atendimentos” hoje encontram-se

diluídos nos diferentes níveis e modalidades de ensino, sem a especificação do

atendimento especializado.

Além disso, tal reconhecimento reitera a segregação na medida em que

“oferece” todos os níveis e modalidades de ensino.

Assim sendo, não faz sentido encaminhar o aluno com deficiência mental para

a escola comum se na instituição ele tem acesso a todos atendimentos mais o

educacional. Também não faz sentido que a escola comum precise se estruturar para

receber o aluno com deficiência mental se existe um local reconhecidamente

estruturado para atendê-lo.

Nesse ponto é preciso enfatizar que a manutenção da segregação está posta

inclusive para aqueles alunos que conseguirem avançar até o hipotético conteúdo

básico do ensino fundamental. Nesse caso, sua “produtividade intelectual” sustenta o

reconhecimento e o conseqüente financiamento da instituição escola. Ou seja, a

escola precisa dos alunos produtivos para se manter como escola. Mesmo sendo

reconhecida pelo trabalho desenvolvido com a minoria de seus alunos. Isso é a porta

de entrada para alunos com necessidades educacionais especiais encaminhados pela

escola comum em função de problemas de aprendizagem, comportamento etc.

Desse modo, a instituição especial ao ser reconhecida como escola da rede

regular de ensino colabora com a estatística da Educação para Todos, que mantém o

aluno com deficiência mental longe da escola comum, pode ser reconhecida como

“inclusiva”. Em tal reconhecimento temos a consolidação de seu caráter totalitário,

visto que a pseudo educação escolar garante sua condição de locus social da

deficiência mental. Por outro lado, aqui reside a contradição: para se manter como

totalitária precisa ser reconhecida como escola semelhante à comum, mas para

manter a pessoa com deficiência mental institucionalizada não pode se assemelhar

ao ponto de possibilitar que a escola comum seja igual a ela, haja visto que se isso
116

ocorrer não teríamos a necessidade da instituição especial para educar esta

população. Em suma tem que se estruturar como escola sem deixar de ser a

Instituição Especial.

Embora se perceba uma tendência conservadora nas mudanças

implementadas, foi possível apreender a existência de espaços favorecedores do

acirramento das contradições necessárias às transformações.

Há um desconforto dos profissionais com o novo papel que lhes foi imposto

institucionalmente, mas que é acompanhado pelo sentido da necessidade de

mudança e da expectativa de sua ocorrência.

Este sentimento é captado tanto no desconforto com que falam dos seus

papéis frente às novas demandas quanto na perspectiva crítica que imprimem às

suas reflexões sobre suas práticas, sejam as antigas ou as novas.

Cabe resgatar que os profissionais da equipe técnica, submersos nesse

momento de transição institucional, se vêem sem alternativas que não tentar

implementar uma nova prática que lhes foi imposta sem que fossem consultados,

que não teve suporte institucional em seus desdobramentos e que foi sendo

gradativamente suspensa à medida que o processo foi gerando contradições e

conflitos. Contudo, este processo imprime nos profissionais um caráter de

incompetência, atribuindo a eles o fracasso da nova prática e fazendo com que o

estigma da deficiência com sua caracterização de ineficiência e improdutividade se

estenda aos profissionais da instituição especial.

Por outro lado, o desconforto, a crítica e perspectiva de mudança propiciam o

surgimento de conflitos que se trabalhados no sentido inverso poderão favorecer a

transformação desejada.

A transformação será possível na medida em que os conflitos e as

contradições desencadeados forem direcionados para uma ruptura dos

condicionantes históricos de ineducabilidade da pessoa com deficiência mental e do


117

caráter totalitário da instituição especial. Para isso, é necessário que as

transformações incidam sobre outros espaços sociais que não os institucionais. Ou

seja, é preciso uma política e um Estado que não favoreçam exclusivamente as

instituições especiais em detrimento da consolidação da educação desta população

em outras instâncias educacionais.

Nesse sentido, considero que não se trata de um processo de inclusão, mas

sim de recuperar a busca de uma escola verdadeiramente democrática. Isto porque,

conforme Bueno (2001, p. 27), não se pode deixar de considerar

Que a perspectiva de inclusão exige, por um lado, modificações


profundas nos sistemas de ensino; que estas modificações [...]
demandam ousadia, por um lado e prudência por outro; - que uma
política efetiva de educação inclusiva deve ser gradativa, contínua,
sistemática e planejada, na perspectiva de oferecer às crianças
deficientes educação de qualidade; e que a gradatividade e a prudência
não podem servir para o adiamento “ad eternum” para a inclusão [...]
mas [...] devem servir de base para a superação de toda e qualquer
dificuldade que se interponha à construção de uma escola única e
democrática.

Ainda que a inserção das pessoas com deficiência mental na escola comum

não signifique a ruptura com sua condição de segregação social; ainda que os

desafios de sua educação não se esgote no âmbito escolar; ainda assim a educação

se configura como espaço fundamental para a constituição da vida e para o

exercício dos direitos dessas pessoas.

Outro elemento a ser destacado é a necessidade da reflexão acerca do

fenômeno da deficiência mental e de todos os conceitos e preconceitos construídos

socialmente no sentido de evidenciar suas limitações e imperfeições como condição

para construir uma nova rede de significações em torno da pessoa com deficiência

mental. Conforme Amaral (1998, p.26)

A questão conceitual pode encaminhar novas formas de interação


humana, uma vez que se ponham a descoberto os aspectos intimamente
vinculados à desvantagem, especialmente em sua vertente social.
118

Esses são os pontos que elejo a partir desta pesquisa tanto para evidenciar as

estratégias de conservação da instituição especial como locus social da deficiência

mental em nossa sociedade, quanto por considerar que são aqueles necessários a

serem aprofundados no sentido de captar os possíveis impactos transformadores

acerca do desenvolvimento escolar da pessoa com desenvolvimento mental. Chamo

a atenção para algo que me move:

[...] que uma sociedade abstrata também não existe, pois cada um de
nós a constitui e, portanto, cada um de nós pode subverter alguns dos
postulados vigentes, revolucionar a mentalidade hegemônica. Essa seria,
para além da própria revolução conceitual, a revolução micropolítica,
detonada e exercida no cotidiano, nas interações do dia-a-dia – e talvez
especialmente no cotidiano escolar (AMARAL, 1998, p. 26).

Nesse sentido considero que o desenvolvimento desta pesquisa contribuiu

para contornar uma inquietação. Mas, como toda pesquisa “tem como fim último

novas indignações, novas perguntas, novas espirais”, conforme Lígia me ensinou,

gostaria de apresentar as novas espirais, que surgem submersas em novas (serão

mesmo?) inquietações e indignações. Entre elas, aquelas que apontam para a

necessidade de analisar que movimentos foram desencadeados nas escolas comuns

pelas políticas educacionais brasileiras que prevêem a educação da pessoa com

deficiência mental na rede regular de ensino, buscando apreender se eles criaram

um espaço propício ao surgimento de contradições e conflitos que possam vir a

sustentar a ruptura da crença de que a pessoa com deficiência mental só pode ser

educada em espaços especializados em sua (não) educação passaram a assumir

maior destaque em minhas reflexões. Mas isso não significa que as instituições

especiais não façam mais parte delas, ao contrário, o entendimento é de que nos

movimentos e nas contradições externas a elas reside a possibilidade de sua

transformação.

Soma-se a isso o fato desta pesquisa ter analisado um momento de transição

cujos desdobramentos ainda se processam. Há que se questionar que


119

desdobramentos esta transição trouxe não só para a instituição alvo do estudo, mas

também para outras que sofreram o impacto das mesmas exigências legais e da

FENAPAES.

Talvez, estejamos, mais uma vez, diante da “espiral infinita que une as coisas

da vida, alternando e imbricando início e fim”.


120

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