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Resumo
Discute a reformulação do Curso de Pedagogia a partir de análises acerca da
constituição identitária do profissional pedagogo e de suas possibilidades de inserção
no mercado de trabalho. Para tanto, foram realizadas entrevistas semi-estruturadas com
52 alunos e 47 egressos do Curso de Pedagogia da UECE e com representantes de sete
empresas que admitem pedagogos em seus quadros funcionais. Os resultados apontam
novas possibilidades de atuação para o pedagogo, assim como dificuldades comuns à
docência a ao trabalho na empresa capitalista. Conclui-se que o delineamento preciso
do campo de atuação do pedagogo demanda um aprofundamento da discussão nas IES,
considerando as experiências em ambientes escolares e não-escolares, assim como as
determinações advindas de legislação específica.
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que recebe entre um e três salários da crise de identidade que os afeta” (Esteve,
mínimos mensais4 (s.m.). Além destes, 1999, p. 34).
15% revelam que recebem entre quatro e Em especial na situação do professor,
seis s.m., e um reduzido número (5%) a crise de identidade profissional está asso-
percebe entre sete e nove s.m. ciada a uma política de desvalorização que
Registra-se um consenso entre alunos o considera como um mero técnico
e egressos do Curso de Pedagogia, o de que reprodutor de conhecimentos, um profissi-
a remuneração é injusta e desvalorizada onal desqualificado, um “semiprofissional”
diante da importância do trabalho do (Sarmento, 1994, p. 39). Além disso, a “cres-
pedagogo, como ilustra o seguinte depoi- cente desprofissionalização do docente”
mento: “melhora-se o salário dos juízes, pode ser interpretada também como conse-
médicos, advogados etc., visando, sobre- qüência dos baixos salários, articulados ao
tudo, um melhor estímulo à profissão, e “déficit de professores, em algumas regiões,
esquecem de que quem forma todos esses facilitando o ingresso de profissionais de ou-
profissionais são os professores, pedagogos tras áreas para exercer a docência” (Pinto,
em potencial” (Aluno nº 12). 1998, p. 343).
Não é novidade que a história dos Mesmo diante de uma situação em
profissionais da educação (principalmen- que o campo de atuação é impreciso e a
te dos que atuam nos anos iniciais da remuneração não é satisfatória, as experi-
educação básica) é marcada pela desvalo- ências de trabalho vivenciadas são
rização. Acerca desta compreensão e dos consideradas positivas e enriquecedoras
dados revelados por estudos, Gatti (1997, pela maioria de entrevistados (73%),
p. 59) comenta que essa situação destacada no Gráfico 2.
desprestigiada deve-se a vários fatores,
entre eles “as condições de formação ofe-
recidas pelos cursos em si, as condições
em que seu exercício se dá e pelas
condições salariais”.
Em contrapartida, os discursos sobre
a valorização do magistério têm aumenta-
do nos últimos tempos, sobretudo no
decorrer das décadas de 80 e 90; esta últi-
ma, inclusive, instituída como “década da
educação” na Conferência Mundial de
Educação para Todos (Jontiem, 1990). Esta
preocupação tem se manifestado na retó-
rica governista, mas infelizmente a falta
de políticas que resultem em mudanças
significativas persiste até os dias atuais.
O mais breve olhar sobre a história
educacional no Brasil leva o observador a
perceber que nos anos 40 e 50 a figura do
educador era bastante respeitada, pois lhe Gráfico 2 – Experiência de trabalho
era atribuído um certo status social no qual
prevalecia a idéia de saber, abnegação e Muitos mencionam a satisfação com
vocação (Ranjard, 1984). Nesse contexto, a experiência de trabalho associada à pos-
o conceito de professor aproximava-se do sibilidade de “contribuir para a melhoria
conceito de santo – o que pressupõe, sem da educação”. É o que ilustra o depoimento
dúvida, algum sacrifício (Ferreira, 1998). abaixo:
Porém, a partir dos anos 60, o status ine-
rente à imagem social do professor come- A cada dia me sinto gratificado em saber
ça a perder a nitidez; a almejada melhoria que posso ajudar as crianças a ter uma
das condições de trabalho e de salário pas- perspectiva melhor. Apesar das adversi-
sa a se constituir como pressuposto para dades, nós professores temos um papel
redefinir o status social do mestre. Dessa importante na luta contra as desigualda-
4
Calculados de acordo com o forma, tanto para os professores como para des sociais, e somente através da educa-
valor do salário mínimo
convencionado no ano de
qualquer outra classe profissional, o salá- ção conseguiremos formar uma socieda-
2000 (R$ 150,00). rio assume o papel de um “forte elemento de mais justa e solidária (Aluno nº 12).
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especialmente estruturados para este fim principalmente a partir dos anos 1990. A
e abertos a todos os licenciados”. É neces- intensidade de tal debate se coloca a partir
sário reconhecer – mas difícil dimensionar das transformações sociais, políticas e eco-
– o impacto destas prerrogativas sobre a nômicas que vêm ocorrendo no mundo, im-
(in)definição do Curso de Pedagogia. pulsionada, principalmente, pelas novas
As funções do Curso de Pedagogia são demandas postas pelo que tem sido chama-
bastante abrangentes, e este fato certam- do Revolução da Tecnologia da Informação
ente se articula aos depoimentos de en- (Castells, 2000). Esse cenário revela que os
trevistados que vêem o mercado de traba- avanços na comunicação, na informática e
lho do pedagogo “em crescimento” (9%), outras mudanças tecnológicas e científicas
devido ao “reconhecimento que se tem têm implicado diferentes desafios de atua-
procurado dar à educação como via de me- ção e formação para os pedagogos, conside-
lhoramento da situação atual do País” ou, rando-se crescente a demanda por interven-
ainda, “amplo” (27%), destacando que o ções e ações educativas em âmbitos, meios
trabalho do pedagogo pode ser ampliado e organizações diferenciadas do sistema
para outros espaços educativos como re- educacional. Ademais, a atuação como
gistra o seguinte depoimento: “hoje o edu- docentes ou especialistas da educação (di-
cador não necessariamente precisa atuar reção, supervisão, coordenação e orienta-
apenas na sala de aula ou em coordena- ção educacional, entre outras atividades es-
ção, mas poderá atuar como orientador em pecíficas da escola) tem-se modificado ao
diversas áreas” (Aluno nº 19). longo do tempo, apontando espaços que
O depoimento citado caminha no extrapolam os “muros das escolas” e das
sentido de ressaltar os novos campos de instituições de ensino.
atuação do pedagogo, aspecto que vem
sendo discutido por vários segmentos da Há que se encontrar respostas para outras
sociedade. A Comissão de Especialistas de circunstâncias emergentes que estão exi-
Ensino de Pedagogia (1999), por exemplo, gindo respostas e decisões educativas: a
defende o seguinte perfil para o pedagogo: ampliação dos espaços educativos para
além dos muros da escola é uma realida-
Um profissional habilitado a atuar no de incontestável; as novas e complexas
ensino, na organização e gestão de siste- formas em que se estabelecem as relações
mas, unidade e projetos educacionais e de trabalho estão a demandar novos mei-
na produção e difusão do conhecimento, os e espaços de formação de jovens; as
em diversas áreas da educação, tendo a conseqüências sociais decorrentes da
docência como base obrigatória de sua internacionalização da economia, entre
formação e identidades profissionais. outros fatores, exigem o repensar do papel
da pedagogia, a direção da construção de
Contribuindo com esta discussão, novas mediações sociais e políticas, com
Libâneo e Pimenta (2002) enfatizam a im- vistas a um projeto de futuro digno, às
portância da formação de profissionais de novas gerações (Franco, 2003, p. 14).
educação para atuar em contextos escola-
res e não-escolares. Essa diversidade de Nesse contexto, buscou-se aqui
atuação demonstra novas perspectivas investigar a atuação do pedagogo que tra-
para o campo de trabalho do pedagogo, já balha em empresas. Para isso, foram
que, historicamente, era concebido apenas pesquisadas sete instituições de caráter
como “professor” ou “técnico da educa- privado, que admitem pedagogos em seu
ção”. A concepção abrangente do exercí- quadro funcional. No momento da pesqui-
cio deste profissional abre portas para atu- sa, apenas três apresentavam pedagogos
ação em outras instituições, inclusive em contratados (uma empresa, inclusive, com
empresas, aspecto que será discutido no mais de um pedagogo). Achou-se, portanto,
tópico a seguir. relevante ouvir o que pensavam.
Com relação ao tempo de exercício da
profissão, observa-se que a maior parte dos
O pedagogo nas empresas pedagogos está lotada em empresas há
menos de quatro anos. Em apenas uma
O debate acerca do reconhecimento da instituição foi constatada a existência de
importância da Pedagogia em diversos es- um funcionário com formação em
paços não-escolares tem se ampliado, Pedagogia, atuando há mais de 15 anos.
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Referências bibliográficas
BRASIL. Parecer CNE/CP nº5 de 13 de Dezembro de 2005. Diretrizes Curriculares
Nacionais para os Cursos de Graduação em Pedagogia. Brasília, 2005.
196 R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 87, n. 216, p. 188-197, maio/ago. 2006.
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