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Sobre as ENGENHARIA

ENGENHARIA
ELÉTRICA TRANSPORTE
Equações de Maxwell
ENGENHARIA/2009
592

MIRACYR ASSIS MARCATO*

m maio de 2008 os pesquisadores da os resistores usados no projeto de circuitos


E HP nos Estados Unidos fizeram um re-
lato na revista Nature sobre uma descober-
integrados sempre tiveram um diâmetro
constante. Mas o memristor é uma tubula-
ta que surpreendeu a comunidade científica ção que altera o seu diâmetro em função do
mundial e foi considerada por muitos a mais volume e sentido da água que passa por ela.
importante invenção no campo da eletrôni- Além disso, o memristor mantém a lembran-
ca dos últimos 25 anos [IEEE Spectrum, vol. ça do seu diâmetro na última passagem da
45, nº12 (INT), dezembro 2008, p.25]. Trata- água conservando-a inalterada até o próxi-
se do desenvolvimento do “Memristor” ou mo fluxo. Esta propriedade de “congelar” os
Resistor com Memória, já antecipado nos dados é ideal para ser usada como memó-
estudos de um brilhante e desconhecido ria não volátil nos computadores e vai além
professor de engenharia elétrica da Uni- disso, podendo, eventualmente, emular (em
versidade da Califórnia, Leon Chua, que em lugar de simplesmente simular) as redes de
1971 ao estudar as interrelações das gran- neurônios e sinapses do cérebro humano.
dezas fundamentais da eletricidade e do Dessas propriedades pode-se inferir a
magnetismo – carga elétrica, corrente, vol- importância que o memristor poderá ter
tagem e fluxo magnético, representadas nas para o futuro da eletrônica que desde a des-
equações de Maxwell –, previu a existência coberta do transistor (1947), dos circuitos
desse quarto dispositivo essencial dos cir- integrados (1958) e dos microprocessadores
cuitos eletromagnéticos, além do capacitor (1970), vem sendo pressionada para a mi-
(descoberto em 1745), o resistor (1827) e o niaturização dos dispositivos e aumento das
indutor (1831). Como é sabido, os resistores velocidades de processamento, exigindo um
(resistências) conectam voltagem e corren- adensamento crescente dos transistores nos
te elétrica, os indutores (bobinas), fluxo e chips de memória, com as consequentes re-
corrente, os capacitores (condensadores), duções de tamanho, aumento de frequência,
voltagem e carga, ao passo que o memris- incremento de consumo de energia e de dis-
tor – segundo Chua – preencheria a lacuna sipação de calor. Essa busca constante pelo
existente, conectando a carga que se deslo- infinitamente pequeno passando da escala
ca num circuito com o fluxo magnético que milimétrica para a micrométrica e agora na-
o envolve, ou seja, a resistência do mesmo nométrica (1 nanômetro = 1 milionésimo de
varia com o volume, sentido e tempo de milímetro = 10-6mm) poderá decretar o fim
aplicação da carga que o percorre, emulan- da lei de Moore (de Gordon E.Moore – co-
do o comportamento das sinapses que in- fundador e ex-presidente da Intel) que em
terligam os neurônios no cérebro humano. 1965 “profetizou” que o número de transis-
Mais surpreendente ainda – segundo diz o tores em um processador dobraria a cada 18
coordenador do grupo de pesquisadores a 24 meses, tese comprovada pelo gráfico
R.Stanley Williams, no artigo citado –, é o da figura 1.
fato de que o memristor guarda a memória O limite da lei de Moore seria dado pelo
do seu último estado antes de ser desligado. fato de que o transistor não pode ser me-
Imagine o resistor como uma tubulação ou nor que um átomo de silício. Hoje os fabri-
adutora no qual a água é a carga elétrica. A cantes de pastilhas de silício (chips) estão
resistência à passagem da corrente é com- trabalhando com transistores com tama-
parável ao diâmetro da tubulação: quanto nhos entre 45nm (Nehalen da Intel) e 32
menor, maior a resistência. Historicamente, nanômetros (nm), (Westmere e Gesher da

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Figura 1 - Progressão do número de
transistores em um processador
Intel), ou seja, o equivalente a cerca de 156 átomos de si-
lício. Entre outros desenvolvimentos e pesquisas em curso
para aumento da capacidade e velocidade dos processado-
res, como a “spintrônica” que trabalha manipulando uma
propriedade quântica e mecânica dos elétrons conhecida
como spin (imagine o elétron como um pião girando), o
memristor poderá ter seu lugar na eletrônica no futuro
próximo, combinado com o uso mais eficiente dos transis-
tores, em configurações híbridas para melhorar significati-
vamente o desempenho dos circuitos digitais, sem recorrer
a uma custosa e difícil duplicação da densidade nos chips
e permitindo a sobrevida da lei de Moore por pelo menos
mais uma década, segundo informa R.S.Williams.

***
Pela importância e atualidade dos temas, reprodu-
zimos, a seguir, a título de esclarecimento e curiosidade
científica, a tradução de um artigo sobre as equações de
Maxwell, publicado no NoticIEEEro – Ed. 55 – Ano 19, fe-
vereiro 2008, da Revista bimestral do Institute of Electri-
cal and Electronics Engineers (IEEE) – Região 9 – América
Latina e Caribe que transcreve um texto de Carl Sagan
(1934-1996), famoso cientista e astrônomo americano,
colaborador importante do programa espacial da Nasa e
crítico ferrenho das pseudo-ciências, conhecido pelos seus
esforços de popularização do conhecimento científico.
“Alguns anos atrás, a Associação de Físicos dos Estados
Unidos (APS), em sua revista oficial Physical Review, pro-
pôs a seus leitores uma enquete para identificar a fórmula
físico-matemática que mais havia influenciado a humani-
dade e fosse também a mais simples e elegante. A escolha
recaiu sobre as denominadas Equações de Maxwell, segui-

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CYAN AMARELO MAGENTA PRETO


Câmara de Mediação
e Arbitragem do
Instituto de Engenharia
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Melhor opção para solucionar TRANSPORTE
conflitos relacionados à Engenharia. das pelo Teorema de Pitágoras e pela fór- percorre um cabo é causada por partículas
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mula da energia de Einstein. Para dar início elétricas submicroscópicas, denominadas elé-
a esta coluna, escolhemos o texto seguinte, trons, associadas a um campo elétrico em mo-
A CMA-IE oferece à comunidade que apresenta ditas equações na forma sim- vimento. Os cabos são fabricados de materiais
ligada a Engenharia, serviços ples, mas rigorosa, divertida e profunda de
abordar temas difíceis que Carl Sagan sem-
como o cobre que possuem muitos elétrons
livres (elétrons não ligados aos átomos, mas
de Mediação e Arbitragem. pre exibiu em seus famosos textos científi- que possuem liberdade de movimentação).
cos. Pertence ao livro (versão em espanhol) De outro lado, e diferentemente do cobre, a
publicada postumamente El mundo y sus maioria dos materiais, como a madeira, por
demonios – La ciencia como una luz en la exemplo, não são condutores; são isolantes
Garantindo: oscuridad – Editora Planeta (1998). i ou “dielétricos”. Comparativamente, nestes
- Rapidez Mesmer, o inventor do “mesmerismo” materiais, existem poucos elétrons livres com
pensava ter descoberto que um fluido mag- capacidade de mover-se sob a ação dos cam-
- Sigilo nético, “quase igual ao fluido elétrico” per- pos elétricos ou magnéticos aplicados. Neles
- Eficácia meava todas as coisas. Também nisso estava não se produz qualquer corrente, mas sempre
equivocado. Agora sabemos que não existe existe algum movimento ou “deslocamento”
- Economia um fluido magnético especial e que todo de elétrons e quanto maior for o campo mag-
- Autonomia o magnetismo – incluindo o efeito que se nético, maior será tal deslocamento (fluxo).
manifesta em um ímã reto ou em forma de Maxwell idealizou uma maneira de es-
- Solução Eficaz ferradura – se deve à eletricidade em movi- crever o que se sabia sobre eletricidade e
- Decisão irrecorrível mento. O físico dinamarquês Hans Christian magnetismo em sua época e um método
Oersted conduziu um pequeno experimento para resumir com precisão todos esses ex-
- Árbitros altamente em que fazia circular eletricidade através de perimentos com cabos, correntes e ímãs.
especializados. um cabo para produzir perturbações e osci- Surgiram assim as quatro equações de
lações na agulha de uma bússola. O cabo e Maxwell para descrever o comportamento
a bússola não estavam em contato físico. O da eletricidade e do magnetismo em um
Maiores informações: grande físico inglês Michael Faraday realizou meio material:
uma experiência complementar: ao produzir
Tel.: 3466-9260 uma força magnética gerou uma corrente
.E = r /eo
e-mail: cma-ie@iengenharia.org.br elétrica através de um cabo situado nas pro- .B =0
ximidades. A eletricidade variando no tem-
Visite nosso site: po, havia se propagado de alguma maneira xE= dB/dt
gerando magnetismo – e o magnetismo, va-
www.iengenharia.org.br/cma-ie riando com o tempo, se havia propagado de x B = mo j + moeodE/dt
alguma maneira, gerando eletricidade. Isso
foi chamado de “indução” e era profunda- São necessários vários anos de estudo de
mente misterioso, algo próximo à magia. física em nível universitário, para poder en-
Faraday sustentava que o ímã possuía tender realmente estas equações. Elas estão
um “campo” de força invisível que se propa- expressas com a notação utilizada no cálcu-
gava pelo espaço circunvizinho, tanto mais lo vetorial, um ramo da Matemática (1). Um
forte quanto mais próximo do ímã e mais vetor, em negrito nas fórmulas, é qualquer
fraco quanto mais distante. Podia-se rastre- grandeza que possui um valor e uma dire-
ar a forma do campo espalhando um pouco ção. Sessenta quilômetros por hora não é um
de limalha de ferro sobre uma folha de pa- vetor, mas sessenta quilômetros por hora, na
pel e colocando um ímã debaixo da mesma. direção norte, pela rodovia um, é um vetor.
Também o cabelo, quando vigorosamente • E e B representam os campos elétrico e
escovado, em dia de baixa umidade, produz magnético.
um campo elétrico invisível que se propaga • O triângulo (delta invertido) denominado
externamente e pode, inclusive, movimentar ∇nabla, (por sua semelhança com uma an-
pequenos fragmentos de papel. tiga lira do Oriente Médio) expressa a va-
Sabemos agora que a eletricidade que riação dos campos elétrico e magnético no

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espaço tri-dimensional.ii quantitativamente (2). por W.Rowlan Hamilton em 1843. O cálculo

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• O “produto ponto”(.) e o “produto x”(x), Maxwell se fez então uma estranha vetorial foi aplicado às equações, posterior-
depois dos nablas, denotam os diferentes pergunta: como seriam essas equações no mente, por Oliver Heaviside. Os vetores são
tipos de variação espacial. vácuo, onde não existissem nem cargas e quantidades matemáticas que possuem três
• dB/dt e dE/dt representam a variação tem- nem correntes elétricas? Talvez se pudesse características: grandeza, direção e sentido.
poral, o ritmo de mudança em função do pensar que no vácuo não haveria nem cam- (2) As equações de Maxwell não são o resulta-
tempo, dos campos elétrico e magnético. pos elétricos nem magnéticos. Ao contrário, do de uma dedução rigorosamente matemáti-
• j representa uma corrente elétrica. ele sugeriu que a forma correta de escrever ca, segundo um modelo axiomático, mas cor-
• a letra grega r (rho) minúscula representa as equações de Maxwell, no vácuo, seria a respondem a um raciocínio indutivo e físico,
a densidade das cargas elétricas. seguinte: muito semelhante a uma dedução empírica.
• eo (épsilon zero) e μo (mu zero) não são (3) As equações de Maxwell podem ser rees-
.E =0
variáveis, mas propriedades da substân- critas para representar: a) o caso da variação
cia em que se medem E e B, determinadas .B harmônica; b) o caso estacionário, quando
experimentalmente. No vácuo, eo e μ o são =0 os campos são estáticos, mas as correntes
constantes da natureza. xE= dB/dt de condução estacionárias; e c) para o caso
Considerando a quantidade de grande- estático – campos estáticos sem correntes.
zas diversas reunidas nessas equações, é x B = moeodE/dt O conjunto de todas as equações, tanto para
surpreendente que elas sejam tão simples. sistemas em repouso como em movimento,
Poderiam ter ocupado várias páginas, mas Fixou ρ igual a zero, indicando que não constitui a Teoria do Eletromagnetismo.
não é o caso. existem cargas elétricas. Também fixou j
I. A primeira das quatro equações de Maxwell igual a zero, indicando que não existem cor- Notas do Tradutor (Miracyr Assis Marcato)
expressa a maneira pela qual um campo rentes elétricas. Mas não descartou o último i Título original “The demon-haunted world”-
elétrico, devido às cargas elétricas (elétrons, termo na quarta equação, μo eo dE/dt, que é Copyright 1995, 1996 by Carl Sagan - Versão
por exemplo) varia em função da distância a corrente fraca de indução no isolante – ou brasileira com o título de “O mundo assombrado
(enfraquece a medida que se afasta). Por fluxo dielétrico (3). pelos demônios – A ciência vista como uma vela
outro lado, quanto maior for a densidade da E por que não? no escuro”, tradução de Rosaura Eichemberg - 1ª
carga (maior quantidade de elétrons num Como se pode ver nas equações, a in- edição - Companhia das Letras (1996) .
determinado espaço, por exemplo), mais tuição de Maxwell manteve a simetria entre ii Nabla é palavra de origem grega. Palavras se-

forte será o campo. os campos: elétrico e magnético. Mesmo melhantes existem também em aramaico e he-
II. A segunda equação nos diz que não se no vácuo, na ausência total de eletricida- braico. Outro nome, menos usado, para o sím-
pode fazer uma afirmação similar em re- de e até de matéria, ele estabeleceu que bolo é atled (delta invertido). O nabla é usado
lação ao magnetismo porque as “cargas” um campo magnético variável provoca um em matemática para denominar um operador
magnéticas (ou “monopolos” magnéticos) campo elétrico e vice versa. As equações diferencial em cálculo vetorial. Foi introduzido
de Mesmer não existem: se cortarmos um iriam representar a natureza e Maxwell pelo cientista irlandês William Rowan Hamilton.
ímã pela metade não haverá um polo “nor- achava a natureza bela e elegante (também As expressões ∇. E e ∇x B escrevem-se também
te” isolado e um polo “sul” isolado; cada havia outro motivo, mais técnico, para man- x E e ∇˄ B ou, segundo a notação atual, ∇. E e
parte terá agora seus polos “norte” e “sul”, ter a corrente de deslocamento no vácuo, ∇ x B , respectivamente.
respectivamente. que aqui passamos por alto). iii Considerando que os números reais R podem

III. A terceira equação nos mostra como um Essa valoração estética, por parte de ser interpretados como pontos de uma reta e
campo magnético variável induz um campo um físico tipo “bicho grilo”, totalmente des- os números complexos C como pontos de um
elétrico. conhecido, exceto para alguns cientistas plano, os quaterniões de Hamilton são expres-
IV. A quarta descreve o contrário: como um do meio acadêmico, contribuiu mais para sões H de números hipercomplexos quaternos
campo elétrico variável (ou uma corrente o desenvolvimento de nossa civilização do da forma a+bi+cj+dk onde i2 = j2 = k 2 = -1, que
elétrica) induz um campo magnético. que o fariam dez presidentes e primeiros- representam pontos do espaço tridimensional e
As quatro equações são essencialmente ministros juntos”. obedecem a todas as propriedades formais do
o resultado de uma inumerável quantidade cálculo, exceto a propriedade comutativa da
de experiências de laboratório realizadas Notas do Editor do NoticIEEEro multiplicação.
principalmente por cientistas franceses e (1) Maxwell formulou suas equações median-
ingleses. O que se descreve aqui de forma te o uso de quaterniões,iii números com ca- * Miracyr Assis Marcato é engenheiro eletricista consultor,
diretor do Departamento de Engenharia Elétrica e membro
vaga e qualitativa, as equações representam racterísticas algébricas muito especiais con- do Conselho Deliberativo do Instituto de Engenharia
esse resultado de modo exato e também tendo quatro componentes, desenvolvidos E-mail: energo@terra.com.br

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