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Primeiros

Ensaios
Econômicos
Publicação do Programa de Ensino Tutorial (PET) de Ciências
Econômicas da Universidade Federal do Paraná

ISSN 2175-9022
2
Primeiros Ensaios Econômicos - PET Economia – UFPR
Expediente

Editores Responsáveis:
Fabiano Abranches Silva Dalto
Iara Vigo de Lima

Editores Associados:
Alexandre Possidente Taveira
Nelson Nei Granato Neto
Adriana Krainski
Newton Gracia
Ronald Wegner Neto
Paulo Roberto Liberti Tippa
Danielle Cristina Guizzo
Leonel Toshio Clemente
Guillermo José Mateo Leder
Erick Aguilar
Fabean Augusto Nadolny Batista
Otávio Jr. Barancelli
Valéria Faria dos Santos
Carla Zwierzchaczewski Kuss
Denise Ton Tiussi
Leonan Novaes

Revisão e editoração eletrônica:


Leonel Toshio Clemente
Erick Aguilar
Ronald Wegner Neto

Capa
Leonel Toshio Clemente

Endereço para correspondência:


PET – Economia
Av. Prefeito Lothário Meissner, 632 – Jardim Botânico
Fone: (41) 3360-4475
Curitiba - Paraná
Endereço eletrônico: petecoufpr@yahoo.com.br
Sítio eletrônico: www.pet-economia.ufpr.br/

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Primeiros Ensaios Econômicos - PET Economia – UFPR
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Primeiros Ensaios Econômicos - PET Economia – UFPR
Dedicado à Professora
Iara Vigo de Lima

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Primeiros Ensaios Econômicos - PET Economia – UFPR
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Primeiros Ensaios Econômicos - PET Economia – UFPR
Sumário
Editorial.........................................................................................................9

A queda tendencial da taxa de lucro: evidência empírica e


estimação para o caso dos EUA...........................................................11
Alexandre Possidente Taveira
Guilherme Hideo Assaoka Hossaka
Leonel Toshio Clemente

Política Monetária de Metas: a evidência chilena no período de


2001 a 2007...................................................................................................21
Augusto Emanuel Laurindo

O empresário inovador: Sua importância, características e


habilidades..................................................................................................37
Giovanna Scheleder Ferraz

Os Efeitos “Pré-Sal” e a polêmica da regulação.............................53


Danielle Cristina Guizzo
Marcio José Vargas da Cruz

Inflação, dinheiro e política monetária: Uma tentativa de análise


marxista.......................................................................................................65
Nelson Nei Granato Neto

Entrevista Com Mario Cimoli...............................................................73

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Primeiros Ensaios Econômicos - PET Economia – UFPR
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Primeiros Ensaios Econômicos - PET Economia – UFPR
Editorial

Estamos muito orgulhosos de apresentar a vocês o Primeiros


Ensaios Econômicos, o periódico do Programa de Educação Tutorial
(PET) do Departamento de Economia da Universidade Federal do
Paraná.
O Primeiros Ensaios Econômicos é dedicado à publicação de
artigos, de resenhas e de outros escritos produzidos por alunos de
programas PET e de graduação de Economia do Brasil. Nosso
objetivo com esse projeto é o de estimular a pesquisa entre
acadêmicos iniciantes e de disseminar seus resultados. Nós,
sinceramente, acreditamos que este é mais um importante instrumento
de formação para aqueles que constituirão a futura academia deste
país.
O Primeiros Ensaios Econômicos emerge da concepção filosófica
do próprio Programa PET de estimular a melhoria da qualidade
acadêmica da graduação, de disseminar os conhecimentos adquiridos
nas atividades e discussões desenvolvidas pelo grupo e de aumentar a
interação do grupo com os demais alunos de graduação. Pretende,
ainda, constituir-se num veículo facilitador de maior integração entre
os alunos de graduação em economia de todo o país.
Este primeiro número resulta do esforço conjunto do grupo de
estudantes e dos tutores do PET-Economia da Universidade Federal
do Paraná de 2008.
Tão logo iniciamos o projeto, tivemos o apoio de vários
colegas. Primeiro, de vários dos professores do Departamento de
Economia da UFPR. Da mesma forma, contamos com o incentivo de
tutores dos demais PET-Economia do Brasil pela iniciativa – vários,
inclusive, também participaram diretamente da construção do
periódico enviando artigos de seus alunos e avaliando os escritos
submetidos ao periódico. Ficamos profundamente gratos a todos
esses colegas pela estimulante recepção dada ao nosso projeto e a
todos os que enviaram artigos.
Que o Primeiros Ensaios Econômicos seja bem-vindo e que cumpra
seus objetivos!
Longa vida ao Primeiros Ensaios Econômicos!

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Primeiros Ensaios Econômicos - PET Economia – UFPR
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Primeiros Ensaios Econômicos - PET Economia – UFPR
A queda tendencial da taxa de lucro: evidência empírica
e estimação para o caso dos EUA*

Alexandre Possidente Taveira**


Guilherme Hideo Assaoka Hossaka***
Leonel Toshio Clemente****

RESUMO - O objetivo deste artigo é demonstrar a vitalidade teórica


do pensamento de Marx, utilizando-se de instrumentos econométricos
para estimar o poder explicativo de um modelo central em sua análise:
a lei da queda tendencial da taxa de lucro. E, dessa forma, dar uma
maior consistência empírica para a discussão acerca desse modelo
teórico que mantém sua relevância histórica como fator explicativo de
crises.

1 INTRODUÇÃO
Em 1964, o expressivo economista polonês Michal Kalecki
afirmou que o modelo econométrico e o materialismo histórico são
abordagens distintas, mas não irreconciliáveis. Segundo ele, “os
esquemas de reprodução de Marx nada mais são do que modelos
econométricos simples”(KALECKI, 1980).
Se, por um lado, é verdade que a matemática e a modelização,
na ciência econômica, estiveram estreitamente ligadas à evolução da
teoria neoclássica hegemônica, por outro, a abdicação por parte dos
marxistas deste instrumental tornou esta corrente de pensamento
ainda mais marginalizada dentro da Economia e afastou-a de vários
debates econômicos. Percebendo isso, vários economistas marxistas
começaram a desenvolver trabalhos utilizando mais extensivamente a
análise econométrica e sem se furtarem ao debate sobre os problemas
econômicos mais atuais. Esses economistas, como Anwar Shaikh e
Fred Moseley, fizeram diversos estudos testando e estimando os
*
Agradecemos o Prof. Dr. Ademir Clemente e Prof. Dr. Claus Magno Germer, e os
mestrandos Geraldo Augusto Staub Filho e Leonardo de Magalhães Leite, pelos importantes
conselhos e contribuições. As pessoas e instituições aqui citadas não são responsáveis pelas
opiniões dos autores.
**
Graduando do Curso de Ciências Econômicas da UFPR e membro do PET/Economia.
***
Graduando do Curso de Ciências Econômicas da UFPR, Coordenador Geral do CACE e
bolsista de Iniciação Científica pela UFPR/TN.
****
Graduando do Curso de Ciências Econômicas da UFPR e membro da equipe técnica do
Boletim Economia e Tecnologia da UFPR.
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Primeiros Ensaios Econômicos - PET Economia – UFPR
modelos desenvolvidos por Marx que, como os esquemas de
reprodução lembrados por Kalecki, são muitos em sua análise do
capitalismo. Um desses modelos é a “Lei da Queda Tendencial da
Taxa de Lucro”, considerada pelo próprio Marx a mais importante da
economia política, pois é a “lei” que prevê a tendência de depressão
dos lucros devido à mudança tecnológica.
Esse modelo, como veremos, deságua na explicação sobre as crises
econômicas e esteve no centro do debate, entre os marxistas, sobre a
estagnação americana da década de 80. O objetivo deste artigo,
portanto, é ver como se comporta estatisticamente esse modelo
teórico marxiano, tomando como amostra o período pós-guerra da
economia norte-americana.

2 A QUEDA TENDENCIAL DA TAXA DE LUCRO


A Lei da Queda Tendencial da Taxa de Lucro é um dos pontos
centrais da análise econômica de Marx; na realidade, é um dos
corolários do seu desenvolvimento teórico, posto que pressupõe todo
o desenvolvimento anterior formulado por ele e exposto ao longo de
O Capital, como as teorias do valor trabalho e da mais-valia, a
composição orgânica do capital e a transformação da mais-valia em
lucro.
A força que anima o movimento da acumulação de capital e da
sociedade capitalista como um todo é a busca pelo lucro; a “ganância e
a guerra entre os gananciosos, a concorrência” (MARX, 1844). Assim,
para sobreviver na “guerra”, os capitalistas buscam ampliar sua
margem de lucro, aumentando a produtividade de seus operários
(principalmente por meio da mecanização) e reduzindo os custos
unitários de produção. Essa redução de custos, a principal arma do
capitalista na concorrência, é gerada por economias de escala
resultantes de avanços técnicos que demandam investimentos cada
vez maiores e mais intensivos em capital fixo. Isso explica a tendência
histórica no capitalismo de aumento na composição orgânica do
capital, que é a razão entre o capital constante e o capital adiantado,
ou seja, c/(c+v), em que c é o capital constante (meios-de-produção) e
v é o capital variável (massa de salários). Dessa forma, a composição
orgânica mede a proporção dos gastos em capital constante em
relação aos salários.

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Primeiros Ensaios Econômicos - PET Economia – UFPR
Naturalmente, sendo a taxa de lucro igual a l/(c+v) e sendo l a
massa de lucros, um investimento cada vez maior em capital constante
leva, ceteris paribus, à diminuição da taxa média de lucro. Assim a
própria tecnologia, que é adotada pelo capitalista com intuito de obter
mais lucro, acaba ocasionando uma queda na taxa média de lucros da
economia. Pode-se objetar que um aumento na taxa de mais-valia
(pelo acréscimo na produtividade do trabalhador) acarreta o efeito
contrário: crescimento da taxa de lucro. Ao fim, o movimento real é
definido pela relação entre a variação da composição orgânica e da
taxa de mais-valia: se a primeira cresce proporcionalmente mais do
que a última, a taxa de lucro cai, do inverso, ela sobe. Para Marx, a
tendência dominante no desenvolvimento do capitalismo é a queda da
taxa média de lucro. É precisamente essa proposição da teoria
marxista que pretendemos avaliar estatisticamente neste artigo.

3 TAXA DE LUCRO, MASSA DE LUCRO E CRISE.


Para o fim pretendido nesta exposição, centramos a análise ao
caso da economia dos Estados Unidos no pós-guerra. A escolha tem
duas razões principais: primeiro, a facilidade com os dados e sua
rigorosidade, que serão abordadas mais adiante; segundo, o período
particular de 1947 até 1977 representa, para a economia americana, o
desenvolvimento de toda uma “onda longa” de expansão e sua
conseqüente retração e crise, que esteve no cerne dos debates
marxistas sobre a taxa de lucro e sua relação com as crises.
Como dissemos, a “lei da queda tendencial da taxa de lucro” é um
fator central na análise econômica de Marx, isso porque ela leva,
inexoravelmente, à crise. Devemos nos lembrar que sendo uma
tendência, a taxa de lucro decrescente não ocorre sempre, entretanto
sempre que ela predominar sobre outros fatores o resultado será uma
crise. Isso porque ela tem um efeito deprimente sobre a massa de
lucros, que tem o seu crescimento reduzido até estancar, quando se
precipita a crise. Esta não é uma crise conjuntural de curto prazo, mas
uma crise generalizada do sistema, fazendo-o entrar em uma “onda
longa” recessiva. Os mecanismos de recuperação do sistema são a
eliminação das empresas frágeis (concentrando e centralizando o
capital) e a intensificação da exploração sobre o trabalhador. É nessa
conjuntura que a intensificação da luta de classes pode levar à
derrubada do sistema, caso os trabalhadores se organizem em torno
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Primeiros Ensaios Econômicos - PET Economia – UFPR
de uma “consciência de classe” (SHAIKH, 1991). Por isso Marx a
chamou de “a lei mais importante da economia política” (SHAIKH,
1991).
Baseados nesses pressupostos, muitos marxistas passaram a
analisar o movimento da taxa de lucro no período pós-guerra e
sucedeu-se um debate sobre a recessão americana dos anos 80 tendo
como explicação a taxa de lucro decrescente. Mas as raízes da
estagnação econômica são buscadas muito antes, a partir de 1965,
quando a taxa de lucro começa a decair. E como observou o
economista belga Ernest Mandel, “a passagem de uma onda longa
ascendente para uma onda longa de crescimento descendente, a partir
de 1967, é comprovada pela desaceleração na produção industrial nos
países 'centrais' do capitalismo”(MANDEL 1982). A relevância atual
da análise está em que como resultado da estagnação econômica da
década de 80, o capitalismo parece ter entrado em um período
qualitativamente novo, este, classificado e propagado em quase todos
os meios como globalização (ou globalização neoliberal), em que podem
ser vistos os sintomas clássicos do mecanismo de recuperação da
dinâmica capitalista expostos por Marx. Assim, por exemplo, observa-
se a conjunção do aumento da exploração nos países desenvolvidos
(nos últimos anos, a produtividade do trabalho nos Estados Unidos
tem crescido mais do que o nível dos salários reais, enquanto trava-se
uma luta intensa pelo aumento da carga horária em vários países
europeus) e a migração do capital para regiões de mão-de-obra e
recursos naturais mais baratos, o que seria uma forma de tentar frear a
queda dos lucros. Por enquanto, essas estratégias parecem ter tido
sucesso, mas com a recessão mundial que se vê, talvez seja necessário
mais uma vez ressuscitar o debate acerca da “lei da queda tendencial
da taxa de lucro”, uma vez que alguns autores, como John Bellamy
Foster afirmam que a crise desde os anos 70, ainda não acabou, e que
o capitalismo estaria, na realidade em uma crise estrutural profunda.

4 VARIÁVEIS MARXIANAS E MODELIZAÇÃO


Um dos economistas que se debruçaram sobre o assunto da
taxa de lucro foi Fred Moseley que, em seu trabalho intitulado The
Falling Rate of Profit in the Postwar U.S. Economy, fez diversas estimativas
das variáveis marxianas para o período entre 1947 e 1987. Como há
enorme dificuldade em se encontrar dados agregados econômicos
relativos aos conceitos marxianos (por exemplo, é quase impossível
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estimar precisamente a composição orgânica para o Brasil), utilizou-se
os dados apresentados por esse autor para a economia norte-
americana no pós-guerra, também porque Moseley faz um tratamento
rigoroso para adequar os dados mais precisamente aos conceitos
originais formulados por Marx, dando mais precisão à estimação.
Porém o próprio autor reconhece que ainda restam problemas nas
estimativas, em função, principalmente, da dificuldade em separar a
categoria marxista de trabalho produtivo do trabalho improdutivo (somente
o primeiro entra no cálculo da mais-valia). Além disso, a análise
marxista somente é válida para o sistema capitalista como um todo,
enquanto os dados se restringem aos Estados Unidos. Nesse sentido
pensou-se que, ao menos, a economia americana é o centro dinâmico
do sistema, representando melhor as suas tendências históricas. O
modelo seria, provavelmente, muito problemático se aplicado à
economia brasileira.
Uma vez que no, modelo marxiano, o movimento final da taxa
de lucro é determinado pela relação entre a taxa de mais-valia e a
composição do capital, o modelo foi estimado tendo a taxa média de
lucro como variável dependente a ser explicada pelas outras duas
variáveis. Utilizaram-se, como correspondentes aos conceitos teóricos
de Marx, as estimativas de Moseley de RS (Rate of surplus-value), AOCC
(adjusted organic composition of capital) e ARP (adjusted rate of profit) para os
Estados Unidos no período de 1947 até 1977.
A primeira variável, RS, representativa da mais-valia,
corresponde, em grosso modo, ao valor adicionado menos a massa de
salários, o que daria a mais-valia total, que é então dividida pela
mesma massa de salários para dar a taxa de mais-valia1. A composição
orgânica do capital é obtida dividindo-se o estoque anual de capital
constante pelo valor adicionado2. O ARP (a taxa de lucro) é dada em
termos marxistas (diferentemente da taxa de lucro convencional),
sendo considerada como a massa de mais-valia sobre o capital total
adiantado (constante mais variável)3. Destaca-se, ainda que os dados
levem em conta apenas o trabalho considerado produtivo por Marx
(por exemplo, para estimar a massa salarial), o que exclui setores como
o comércio. Por fim, como nós queremos relacionar as flutuações das
variáveis, estimou-se o modelo em uma função logarítmica.
1
RS= (N-V)/V, sendo N, “new-value” e V, “variable capital”.
2
OCC= C/N.
3
S/C, em que S é a massa de mais-valia (Surplus-value= N-V).
15
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5 A ESTIMAÇÃO DO MODELO
Para explicar ARP (Cyclically Adjusted Rate of Profit), foi
utilizada uma amostra com 31 elementos das variáveis AOCC
(Cyclically Adjusted Organic Composition of Capital) e RS (Rate of
Surplus-Value), em português:
ARP – Taxa Ciclicamente Ajustada de Lucro média da
economia;
AOCC – Composição Orgânica do Capital Ciclicamente
Ajustada da média da economia;
RS – Taxa de Mais-Valia média da economia.
Plotando os dados, notamos facilmente uma relação negativa
entre ARP e AOCC e positiva entre ARP e RS.

GRÁFICO 1 – VARIÁVEIS RS, AOCC E ARP:


Variáveis em índice: 1947=100%

160

140

120

100

80

60

40

20

0
47

49

51

53

55

57

59

61

63

65

67

69

71

73

75

77
19

19

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19

19

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19
19

19

19

19

19

19

RS AOCC ARP

Na regressão, optou-se pelo modelo log-linear com a finalidade


de se evitar problemas de heterocedasticidade e multicolinearidade, e
de exprimir os valores dos coeficientes angulares parciais como
elasticidades.
Os dados utilizados estão na planilha seguinte:

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Primeiros Ensaios Econômicos - PET Economia – UFPR
DADOS DE RS, AOCC E ARP NO PERÍODO DE 1947 ATÉ
1977 (MOSELEY):

Período RS Índice AOCC Índice ARP Índice ln(ARP) ln(AOCC) ln(RS)


1947 1,4 100 1,38 100 0,43 100 -0,844 0,322 0,337
1948 1,35 96,429 1,42 102,899 0,41 95,349 -0,892 0,351 0,3
1949 1,5 107,143 1,29 93,478 0,47 109,302 -0,755 0,255 0,406
1950 1,42 101,429 1,52 110,145 0,39 90,698 -0,942 0,419 0,351
1951 1,44 102,857 1,48 107,246 0,4 93,023 -0,916 0,392 0,365
1952 1,41 100,714 1,46 105,797 0,4 93,023 -0,916 0,378 0,344
1953 1,35 96,429 1,5 108,696 0,38 88,372 -0,968 0,406 0,3
1954 1,46 104,286 1,42 102,899 0,42 97,674 -0,868 0,351 0,378
1955 1,51 107,857 1,49 107,971 0,4 93,023 -0,916 0,399 0,412
1956 1,44 102,857 1,57 113,768 0,38 88,372 -0,968 0,451 0,365
1957 1,5 107,143 1,54 111,594 0,39 90,698 -0,942 0,432 0,406
1958 1,59 113,571 1,46 105,797 0,42 97,674 -0,868 0,378 0,464
1959 1,61 115 1,46 105,797 0,42 97,674 -0,868 0,378 0,476
1960 1,62 115,714 1,42 102,899 0,44 102,326 -0,821 0,351 0,482
1961 1,68 120 1,38 100 0,46 106,977 -0,777 0,322 0,519
1962 1,71 122,143 1,37 99,275 0,46 106,977 -0,777 0,315 0,537
1963 1,71 122,143 1,37 99,275 0,46 106,977 -0,777 0,315 0,537
1964 1,73 123,571 1,37 99,275 0,46 106,977 -0,777 0,315 0,548
1965 1,73 123,571 1,43 103,623 0,44 102,326 -0,821 0,358 0,548
1966 1,72 122,857 1,45 105,072 0,44 102,326 -0,821 0,372 0,542
1967 1,72 122,857 1,43 103,623 0,44 102,326 -0,821 0,358 0,542
1968 1,69 120,714 1,45 105,072 0,43 100 -0,844 0,372 0,525
1969 1,62 115,714 1,5 108,696 0,41 95,349 -0,892 0,406 0,482
1970 1,61 115 1,48 107,246 0,42 97,674 -0,868 0,392 0,476
1971 1,71 122,143 1,47 106,522 0,43 100 -0,844 0,385 0,537
1972 1,67 119,286 1,53 110,87 0,41 95,349 -0,892 0,425 0,513
1973 1,59 113,571 1,65 119,565 0,37 86,047 -0,994 0,501 0,464
1974 1,55 110,714 1,9 137,681 0,32 74,419 -1,139 0,642 0,438
1975 1,71 122,143 1,73 125,362 0,36 83,721 -1,022 0,548 0,537
1976 1,66 118,571 1,75 126,812 0,36 83,721 -1,022 0,56 0,507
1977 1,63 116,429 1,79 129,71 0,35 81,395 -1,05 0,582 0,489
Notas:
AOCC: Cyclically adjusted organic composition of capital
ARP: Ciclically adjusted rate of profit
RS: Rate of surplus-value

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Primeiros Ensaios Econômicos - PET Economia – UFPR
Sendo assim, a função de regressão amostral estimada foi4:
∆ln(ARPt)= - 1,033360*∆ln(AOCCt) + 0.303932*∆ln(RSt)

Os parâmetros do modelo mostraram-se significativos, a 1% de


significância, e com alto poder explicativo5. O modelo foi estimado
sem constante, por esta mostrar-se não-significativa estatisticamente6.
Não foram detectados problemas relacionados à,
heterocedasticidade e autocorrelação dos resíduos7.

6 CONCLUSÕES
A regressão no formato log-linear obtida foi:

∆ln(ARPt)= - 1,033360*∆ln(AOCCt) + 0.303932*∆ln(RSt)

Como esperado, a Composição Orgânica do Capital exerce


uma influência negativa sobre a Taxa de Lucro, bem como e a Taxa de
Mais-Valia se relaciona positivamente com a taxa de lucro. Verificou-
se que o parâmetro constante não foi significativo estatisticamente; de
fato, nada é previsto na teoria e não se confirm na prática que tal
parâmetro tenha alguma relevência explicativa.
Depois de realizados os testes de heterocedasticidade e
autocorrelação, verificou-se que o modelo é significativo, com alto
poder explicativo, dando fortes evidências empíricas da validade da
“Lei da Queda Tendencial da Taxa de Lucro”.
Não se objetivou validar uma “lei” como fator absoluto, mas resgatar
a sua legitimidade teórica e empírica frente à sua relevância atual.
Como dito, atualmente muito se tem debatido sobre a “crise estrutural
do capital” e, nesse contexto, a lei da queda tendencial pode reaver sua
importância como fator explicativo da crise.
4Equação em “primeiras diferenças” dos logaritmos. Testes de Raiz Unitária confirmaram as
estacionaridades das séries estatísticas.
5F = 637,101; t(b1) = -21,045; e t(b2) = 4,779. R² = 0,979; R²-ajustado = 0,978.
5Incluindo-se a constante, o modelo estimado continuaria significativo, com F = 637,101;
t(b0) = 0,321; t(b1) = -19,421; e t(b2) = 4,296. R² = 0,979; R²-ajustado = 0,977.
6Teste de White com termos cruzados: R² = 0,1099, R²-ajustado = -0,077; F = 0,584.
Aceita-se, a 1% de significância, a hipótese H0 de ausência de heterocedasticidade.
Teste de Durbin-Watson: dw = 2,797, indicando ausência de correlação serial positiva de
primeira ordem dos resíduos.
REFERÊNCIAS
18
Primeiros Ensaios Econômicos - PET Economia – UFPR
GUJARATI D. Econometria Básica. Makron Books, São Paulo,
2006.

HILL c. et al. Econometria. Saraiva, São Paulo, 1999.

HOFFMAN R., Estatística Para Economistas. 3ª Ed. Thomson,


São Paulo, 2006.

KALECKI M. Modelo econométrico e materialismo histórico. In:


Jorge Miglioli (org.), Kalecki: economia. Editora Ática, São Paulo,1980.

KMENTA J. Elementos de econometria. Editora atlas. 1ª edição,


Rio de Janeiro, 1978.

MANDEL E. O Capitalismo tardio. Abril Cultural, São Paulo, 1982.

MARX K. Manuscritos Econômico-filosóficos. Boitempo


Editorial, São Paulo, 2004. [1844]

MARX K. O Capital: Crítica da economia política; Editora


Civilização Brasileira, 19ª edição, Rio de Janeiro, 2002.

MOSELEY F. The Falling Rate of Profit in the Postwar United


States Economy. MacMillan, New York, 1991.

SHAIKH A. Valor, acumulación y crisis: ensayos de economía


política. Tercer Mundo Editores, Bogotá, 1991.

19
Primeiros Ensaios Econômicos - PET Economia – UFPR
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Primeiros Ensaios Econômicos - PET Economia – UFPR
Política Monetária de Metas:
a evidência chilena no período de 2001 a 2007

Augusto Emanuel Laurindo*

RESUMO – O Chile implantou o regime de metas de inflação em


1991. Sendo um dos primeiros países emergentes a fazê-lo, conseguiu
baixar sua inflação a uma taxa de um dígito em três anos. Em 2001 o
país inicia uma forte expansão de M1 na sua economia embora a
inflação observada tenha sido baixa e enquadrada na meta de 3% a.a.,
vigente até hoje. Serão utilizados dados do Banco Central chileno para
o mapeamento da política monetária adotada. O objetivo maior é ver
como baixa inflação e expansão monetária estiveram juntas neste país
e período, contrapondo a visão monetarista, e qual o instrumento que
permite o Chile controlar a inflação. A pesquisa mostrará que a
política monetária chilena manteve níveis baixos de inflação
controlando basicamente a taxa de juros de curto prazo e de nenhuma
maneira a quantidade de moeda.

1 INTRODUÇÃO
O Chile adotou um regime de metas de inflação em 1991.
Mesmo com um controle da taxa de câmbio por meio de bandas
cambiais, o país andino foi um dos primeiros emergentes a adotar um
regime de metas de inflação para alcançar seus objetivos de
estabilidade dos preços.
Como os outros países que adotaram esse sistema, o Banco
Central do Chile (BCCh) determina basicamente a taxa de juros de
curto prazo e deixa os agregados monetários livres do seu controle
restrito. O BCCh tenta por meio da taxa de juros, e não do controle
monetário, chegar aos seus objetivos.
Desde 2001 o país vivencia uma expansão do agregado M1
muito forte, porém a inflação do período permanece baixa e, de certa
forma, controlada, ao contrário do que poderia imaginar a Teoria
Quantitativa da Moeda (TQM). Apresentar como a política monetária
chilena é conduzida no período 2001/07, bem como suas
características e efeitos é o foco desta pesquisa cujo objetivo é

*
Graduando em Ciências Econômicas pela UFPR.
21
Primeiros Ensaios Econômicos - PET Economia – UFPR
entender como a baixa inflação e expansão monetária coincidem no
período, contrapondo a visão da TQM, e qual o verdadeiro
instrumento que o BCCh pode controlar para executar sua política
monetária.
Para tanto serão utilizados os dados disponibilizados pelo
BCCh e gráficos elaborados de maneira a visualizar os efeitos da
política monetária. Tentar-se-á responder se o instrumento utilizado
pelo BCCh garante a ele controlar a inflação sob uma elevada
expansão de M1.
A seção 2 mostra como se deu a implantação do regime de
metas de inflação em 1991 e quais foram as diretrizes adotadas para a
manutenção da meta. Mostra também os resultados na inflação após a
adoção do regime. A seção 3 aborda o objetivo da pesquisa de
apresentar os efeitos da política monetária no período 2001 a 2007.
Serão revisados o crescimento do PIB, as variações dos agregados
monetários, a velocidade de circulação da moeda, as taxas de juros de
curto prazo impostas e as taxas de câmbio constatadas. Pese o
exposto, a seção 4 resume as conclusões auferidas sobre a condução
da política monetária chilena e seus efeitos sobre a economia deste
país no período 2001 a 2007.

2 A IMPLANTAÇÃO DO RMI (REGIME DE METAS DE


INFLAÇÃO)
O Chile foi uma das primeiras economias emergentes a adotar
um sistema de metas de inflação como âncora para a estabilidade dos
preços. O gráfico de dispersão abaixo nos mostra os países que
adotaram o sistema de metas de inflação para controlar o nível de
preços da economia, correlacionando o ano de adoção e a inflação
vivida na época. O Chile, na verdade, adotou uma idéia que já vinha
ganhando adeptos desde final dos anos 70. Segundo o conselheiro do
BCCh (Banco central de Chile), José De Gregorio (2003), “as
constantes inovações financeiras e a conseqüente instabilidade dos
agregados financeiros deixam a moeda em um rol passivo no que diz
respeito à política monetária e realçam o manejo das taxas de juros
para o controle da política monetária”.
Até mesmo Milton Friedman disse em entrevista à revista
Financial Times de 7 de junho de 2003 que “o uso dos agregados
monetários como objetivo não tem tido êxito,... não sei se hoje

22
Primeiros Ensaios Econômicos - PET Economia – UFPR
voltaria a impulsioná-lo como fiz no passado”. (apud: GREGÓRIO,
2003).

GRÁFICO 1: METAS DE INFLAÇÃO: ANO DE ADOÇÃO E


INFLAÇÃO INICIAL

FONTE: Banco Central de Chile, 2008.

O país andino em 1991, assim como o Brasil, vinha de uma


década de inflação muito alta. Diferentemente deste, aquele viu que
possuía as condições necessárias para a implantação do sistema de
Metas para a Inflação e utilizou-o de modo a tentar controlar e reduzir
as variações enormemente positivas no nível de preços.
O sistema de metas de inflação do Chile é parecido com o
adotado internacionalmente, bem como o brasileiro. Segundo Joel
Bogdanski, em seu artigo “A Implantação do Regime de Metas para a
Inflação no Brasil de 2000”, o regime exige que as autoridades
monetárias assumam uma postura prospectiva e adotem medidas
antecipatórias, dada a existência de defasagens temporais entre as
decisões de política e seus efeitos sobre o produto e os preços. “Há,
implícita em qualquer ação ou inação de política monetária, uma
expectativa de como se desdobrará o futuro, ou seja, uma projeção”
(GREENSPAN, Alan, apud: BOGDANSKI et al., 2000). Os
comandantes da política monetária, sejam os governos ou os bancos
centrais, decidem sobre a política com base em projeções para a
inflação no futuro.

23
Primeiros Ensaios Econômicos - PET Economia – UFPR
O BCCh estimou equações simplificadas que representariam os
modelos estruturais utilizados para simular os mecanismos de
transmissão da política monetária. Como descreve Joel Bogdanski, as
equações básicas seriam uma curva IS, uma curva de Phillips, uma
curva que represente uma condição de equilíbrio no mercado de
câmbio e a paridade descoberta da taxa de juros.
Por outro lado, o BCCh adotou o regime de metas de inflação
junto com um controle da taxa de câmbio através de bandas cambiais,
bem como o Plano Real que também foi implantado com um regime
de câmbio administrado,e que este foi “um instrumento muito efetivo
para reduzir e manter baixa a inflação” (BOGDANSKI, et al., 2000). É
por isto que Manuel Marfán afirma que o sistema de metas
implementado pelo Chile em 1991 é um “sistema impuro” e que ele
somente se torna pleno em 2000, com a adoção do regime de câmbio
flutuante. As bandas cambiais existiram no Chile de 1984 a 1999.
O termo impuro vem à tona porque o mecanismo de
transmissão da política monetária (em um RMI) passa pela da taxa de
câmbio. Segundo Bogdanski:

“uma mudança na taxa de juros influi sobre a taxa de


câmbio nominal imediatamente, ou seja, no mesmo
trimestre, mas só afeta o hiato do produto com alguma
defasagem. A taxa de cambio nominal, por sua vez,
impacta a inflação importada e, portanto, a taxa de
inflação, também no mesmo trimestre. Os efeitos do hiato
do produto sobre a taxa de inflação só se manifestam com
nova defasagem”.

Então, se a variável controlada pelo BCCh, a taxa de juros,


impacta na taxa de câmbio (e conseqüentemente, na inflação
importada e na taxa de inflação), o sistema irá funcionar de maneira
pura ou livre quando a taxa de câmbio for livre ou, em outras palavras,
flutuante. O Chile controlou ainda os fluxos financeiros de 1991 a
1998, enaltecendo ainda mais o termo impuro para o sistema de metas
de 1991.
O gráfico abaixo mostra o sistema de metas de inflação e a
inflação efetiva para o Chile desde 1990. A área cinza corresponde ao
limite inferior e superior da meta para a inflação. A linha preta marca a
inflação efetiva.

24
Primeiros Ensaios Econômicos - PET Economia – UFPR
GRÁFICO 2: METAS DE INFLAÇÃO E INFLAÇÃO EFETIVA
NO CHILE (1990-2007, %AA)

FONTE: BCCh, 2008.

Este gráfico sintetiza o controle da inflação efetiva no caso


chileno. A inflação que superou os 30% a.a. no segundo semestre de
1990 despenca a taxas de um dígito em três anos. Para o sucesso, o
sistema de metas contou com o parcial controle da taxa de câmbio.
Em 1999, o nível baixo da variação dos preços permite o BCCh
abandonar o controle parcial da taxa de câmbio e atuar de maneira
plena com o sistema de metas de inflação, com base no controle da
taxa de juros de curto prazo.
As taxas de juros de curto prazo do BCCh são chamadas de
taxas de política monetária (TPM). No período representado no
gráfico acima, até 2001, elas eram indexadas a uma Unidade de
Fomento (UF). A UF é uma unidade de conta utilizada no Chile desde
1967. Esta foi criada com o intuito de determinar as taxas de juros de
empréstimos internacionais e acabou por servir a todos os tipos de
empréstimos e bancos, ou ainda, passou a ser um fator regulador da
taxa de política monetária no país andino até 2001. Neste ano, houve a
mudança com respeito a TPM. A taxa deixou de ser indexada à UF e
passou a ser determinada em termos nominais em peso (chileno). A
UF é constante, pois a relação entre ela e o peso chileno é sempre
ajustada pela inflação.
Passaremos agora para a discussão sobre a política monetária
chilena após o abandono das bandas cambiais em 2000 e a
“nominalização” (termo usado pelo BCCh) da taxa de política
monetária a partir de 2001 e como a política se comporta desde então.
25
Primeiros Ensaios Econômicos - PET Economia – UFPR
3 O RMI APÓS 2001
Após a nominalização da TPM, o controle do BCCh se mostra
eficiente com relação a uma meta baixa de inflação.

GRÁFICO 3: META DE INFLAÇÃO E INFLAÇÃO EFETIVA


(2001-2007, %AA)

FONTE: BCCh, 2008.

A linha horizontal ao centro determina a meta de longo prazo


para a inflação: 3%a.a. a área tachada determina o limite inferior e
superior da meta e, por fim, a linha irregular marca a inflação efetiva.
Pode-se ver que a inflação chilena se manteve baixa em todo o
período, porém, não necessariamente na meta. Em 2004, por
exemplo, foi de 1,1%.
Quando analisamos outras variáveis e agregados
macroeconômicos, o caso chileno chama a atenção. A tabela abaixo,
por exemplo, mostra o crescimento do produto interno.

TABELA 1: PIB CHILENO (2001-2007)


PIB anual
(apc, milhões de Crescimento
ano pesos) (%)
2001 48.165.621 3,34
2002 49.209.326 2,17
2003 51.156.415 3,96
2004 54.246.819 6,04
2005 57.262.645 5,56
2006 59.748.954 4,34
2007 62.793.469 5,10
média 4,35
FONTE: BCCh, 2008, elaboração própria.

26
Primeiros Ensaios Econômicos - PET Economia – UFPR
O país teve um crescimento do produto compatível com
outros países emergentes, a uma média de 4,35% a.a. É fácil perceber
que o ano de maior crescimento do período, 2004, foi também o ano
em que houve uma inflação tão baixa a partir da uma pequena
deflação no começo do ano. Entretanto, há um fenômeno que merece
destaque: a expansão de M1 e a inflação baixa e, em certo grau,
controlada. Como O BCCh atua neste contexto? A tabela abaixo
mostra os agregados monetários e suas respectivas expansões
comparadas com a inflação.

TABELA 2: AGREGADOS BM, M1, M2, M3 E VARIAÇÃO IPC


(ÍNDICE DE PREÇOS AO CONSUMIDOR) (2001-2007; MIL
MILHÕES DE PESOS. VARIAÇÕES EM %).
Ano Base M1 M2 M3 Var. Var. Var. Var. Inflação
monetária BM M1 M2 M3 (var.IPC)
1 1.830,50 4.009,70 21.302,13 42.521,66 3,6
2 1.938,80 4.669,63 23.096,37 45.201,76 5,9 16,5 8,4 6,3 2,5
3 2.080,60 5.492,06 22.548,49 46.872,04 7,3 17,6 -2,4 3,7 2,8
4 2.370,80 6.814,66 26.769,16 51.839,85 13,9 24,1 18,7 10,6 1,1
5 2.915,70 7.578,93 32.520,18 57.997,65 23,0 11,2 21,5 11,9 3,1
6 3.504,10 8.580,14 38.195,43 64.593,74 20,2 13,2 17,5 11,4 3,4
7 3.660,60 10.129,84 46.031,67 74.090,94 4,5 18,1 20,5 14,7 4,4
∆(%) 99,98 152,63 116,09 74,24 Acum. 22,8
FONTE: BCCh, 2008, elaboração própria.

O que chama a atenção nesta tabela é que a variação de M1


(papel moeda em poder do público + depósitos em conta corrente do
setor privado + depósitos à vista diferentes de conta corrente +
depósitos de poupança à vista) no período chega aos quase 153% e
que a inflação acumulada referente ao mesmo período não chega aos
23%.
Por outro lado, é fácil visualizar também que o mesmo não
ocorre com os demais agregados. A Base Monetária (moeda, cheques
e bilhetes emitidos pelo BCCh em poder do público + reservas
monetárias dos bancos e sociedades financeiras) não chega a dobrar.
Ainda, M3 não chega aos 75% de aumento. O gráfico abaixo mostra a
variação positiva de M1 e do IPC (índice de preços ao consumidor).

27
Primeiros Ensaios Econômicos - PET Economia – UFPR
GRÁFICO 4: Variação de M1 e do IPC (2001-2007; %).
30

25

20
Variação M1
15
Inflação
10

0
2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007

FONTE: BCCh, 2008, elaboração própria.

O gráfico mostra dois pontos da tabela anterior. O crescimento


do nível de preços e de M1. A idéia principal é que M1 cresceu em
todos estes anos a taxas muito superiores às taxas do IPC e que não
mostra, a priori, uma correlação; ainda que se considere a defasagem
temporal prevista pela TQM, que é de um ano e meio
aproximadamente.
Pode-se dizer que o avanço de M1 é causado por um boom
específico e que se faz necessário discutir outros agregados. Porém,
independente do agregado monetário analisado, o fato é que todos
eles, acima relevantes, cresceram em proporções muito maiores do
que a variação do IPC, índice utilizado como base para a análise da
inflação (o BBCh contabiliza ainda outros índices como o IPCX,
IPCT e IPCN).
Este fato, então, cria novamente o problema que teóricos
quantitativistas tentaram explicar por várias saídas. O problema da
relação direta entre aumento da moeda e o aumento no nível de
preços na mesma magnitude, pregada pelo monetarismo, não
visualizado neste exemplo de análise.
O terceiro ponto a ser visto é a relação PIB / M1, ou ainda, a
velocidade de circulação da moeda. A hipótese para a TQM é de que
a velocidade de circulação da moeda seja constante1. O gráfico abaixo
mostra a velocidade de circulação da moeda para o caso chileno em
discussão.

1
Ver equação MV=PT
28
Primeiros Ensaios Econômicos - PET Economia – UFPR
GRÁ FICO 5: VELOCIDADE DE CIRCULAÇÃO M1 (2001-2007)
Velocidade de Circulação

13
Velocidade de
11 Circulação

10

5
2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007

FONTE: BCCH, 2008, ELABORAÇÃO PRÓPRIA.

Como o próprio Nicolas Kaldor afirma: “a demanda por


moeda como proporção da renda não é estável nem entre países, nem
ao longo do tempo, a não ser em alguns países” (KALDOR. apud:
FIOCCA, 2000, p. 94) (tal afirmação é uma crítica de Kaldor ao
trabalho empírico de Friedman sobre um período de tempo nos
EUA). Ainda Kaldor (1981, p. 09, tradução nossa):

“O fato de que o gasto não é limitado pela quantidade de


dinheiro em circulação é às vezes mostrado pela
velocidade de circulação do dinheiro. É possível
demonstrar, por exemplo, estatisticamente que durante os
últimos anos o volume de gasto aumentou enormemente
enquanto a oferta de dinheiro dificilmente variou. A
velocidade de circulação do dinheiro aumentou.”

Este gráfico mostra dois pontos muito claramente. O primeiro


e mais importante é a de que a velocidade de circulação de M1, PIB /
M1 decresce no período, a lógica por traz deste fenômeno depende de
alguns fatores indiretos e do fator crescimento M1 muito superior ao
crescimento PIB. O segundo é que esta velocidade decresce taxas
menores a partir de 2004. Como pode ser visto em todos os gráficos,
este ano é um marco para as decisões de política monetária chilena.
Mais à frente voltar-se-á a ele.
Com base nestes dados, pode-se dizer que os teóricos
quantitativistas não acertam quando o assunto se refere ao Chile. A
velocidade de circulação da moeda não é constante e o aumento da
quantidade de moeda não será espelhado em um aumento do nível de
preços na mesma proporção. Um aumento de moeda pode inclusive,
29
Primeiros Ensaios Econômicos - PET Economia – UFPR
como visto na tabela T2, espelhar-se em uma redução no nível de
preços.
Os teóricos pós-keynesianos horizontalistas já apontavam que a
moeda não pode ser controlada pelos bancos centrais dado que
vivemos em tempos em que a moeda é fluxo, não estoque, e nos
valemos dos sistemas financeiros, sendo assim, ela é criada
endogenamente ao sistema financeiro. Os estruturalistas, por sua vez,
apontam que as inovações financeiras criadas pelos bancos e
instituições financeiras em geral tentam burlar as regulamentações dos
bancos centrais sobre reservas compulsórias e outros temas de modo
que possam criar mais moeda com um nível dado de reservas. As duas
correntes se complementam para explicar a política monetária chilena.
Elas apontam para um controle da taxa de juros de curto prazo como
política monetária eficiente para a inflação.
Kaldor (1981), horizontalista, já dizia que a política dos bancos
centrais deve ser a de taxa de juros. “O Banco Central não tem
controle direto sobre o montante de moeda mantido pelo público
não-bancário..., seu poder está em determinar as taxas de juros de
curto prazo...” (KALDOR. apud: FIOCCA, 2000, p. 95). Assim é a
atuação do BCCh. Ele determina a TPM (objetivo direto) e assim
tenta manter o nível dos preços em torno da meta de inflação
(objetivo indireto). O gráfico abaixo mostra a TPM e a variação do
IPC. Desse modo é política é conduzida. O gráfico abaixo mostra a
TPM para o período.

GRÁFICO 6: TPM E INFLAÇÃO (2001-2007, %)


6

5
TPM; IPC (Variação)

Taxa de Política Monetária


3
Variação IPC

0
2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007

FONTE: BCCh, 2008, elaboração própria.

É possível notar que a TPM segue a inflação, sendo alta


quando a inflação é alta e baixa quando a inflação é baixa. A lógica é
30
Primeiros Ensaios Econômicos - PET Economia – UFPR
clara. Uma inflação elevada indica para o BCCh que ele deve aumentar
a TPM para rebater a variação no nível de preços para baixo, porém,
quando a inflação absorve esse impulso, o BCCh se vê permitido a
baixar a TPM (e assim estimular o investimento). É claro que esse
mecanismo exige estudos aprofundados de causas e efeitos da inflação
e da TPM pelo BCCh. Após o que se viu em 2004, uma deflação
nominal e seguinte aumento do nível de preços, o BCCh elevou a
TPM de modo a atingir a meta determinada para o ano (3% a.a.). Ele
previu que esse aumento poderia não apenas levar a inflação para a
média, senão ultrapassá-la; e com este pensamento se propôs a elevar
a TPM.
Voltando à tabela T2, vemos que 2004 e 2007 foram os únicos
anos em que a inflação efetiva não ficou dentro da meta.
Em 2004 o BCCh se viu obrigado a reverter sua política de
baixa da TPM para lograr a meta de inflação predeterminada. Sua
política de baixa da TPM até 2004 pode haver permitido um boom
inflacionário que se inicia em 2004.
Este gráfico permite uma interpretação duvidosa. Como a taxa
de juros e de inflação seguem juntas (neste caso) ou seguem a mesma
tendência (casos como o brasileiro que a taxa de juros é superior à
inflação) pode ser que alguém reafirme o que disse Friedman
(CARNEIRO, 1997, p. 257) com relação à adoção da taxa de juros
para o controle monetário:

“..., a autoridade monetária poderia assegurar taxas


nominais de juros baixas – mas para fazê-lo teria de tomar
o que parece ser a direção oposta, adotando uma política
econômica deflacionária. Da mesma forma, ela poderia
assegurar taxas nominais de juros altas adotando uma
política inflacionária e admitindo um movimento
temporário das taxas de juros na direção oposta”.

Entretanto, se assumimos uma moeda endógena e criada


dentro do sistema bancário, o Banco Central acaba por adotar uma
política para a taxa de juros e não para o controle da quantidade
emitida de moeda, em um RMI é a determinação de uma taxa “X” de
juros que implicará a resposta pela inflação e não o contrário.
Friedman quis dizer que, de alguma maneira, a taxa de juros não é um
bom meio de determinar a política monetária. Entretanto é possível
ver que uma adequada manipulação do sistema em um Regime de
31
Primeiros Ensaios Econômicos - PET Economia – UFPR
Metas, a defasagem temporal entre as decisões do banco central e seus
efeitos sobre a economia é minimizada.
Falta a análise da taxa de câmbio para que se possa entender
mais do sistema chileno e da evidência empírica para o período 2001-
2007. Como comentado no capítulo 2, uma alteração na TPM causa
de imediato uma mudança no fluxo de entrada e saída de capitais e
uma mudança na taxa de câmbio ainda no trimestre. Daí se tem uma
variação na inflação importada e, por fim, a variação na inflação
interna.
Conforme os gráficos a seguir se poderá ver como o ano de
2003 é marcante para a economia chilena. Para isto é bom lembrar
que o Chile tem sua economia extremamente aberta. O país produz e
exporta, grosso modo, frutas, vinhos, salmão, turismo e, o mais
importante, cobre. Por outro lado importa todos os outros bens de
que necessita por meio de barreiras quase inexistentes à importação.
Outro fato importante é que nos últimos cinco anos a forte demanda
por comida e por recursos minerais impulsionada pela China e pelos
EUA jogam os preços destas mercadorias fortemente para cima.

GRÁFICO 7: TAXA DE CÂMBIO: PESO CHILENO / DÓLAR


(2001-2007)
750

700

650

600

550

500
2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007

FONTE: BCCh, 2008, elaboração própria.

Como o Chile é um dos maiores exportadores de cobre do


planeta, ele passou a absorver maiores entradas de divisas nos últimos
4-5 anos decorrentes do aumento do preço do cobre no mercado
internacional. Devido as vários fatores, entre eles o aumento do valor
das exportações de cobre, o Chile mais que duplica as suas reservas
internacionais passando de US$ 14,4 bi em 2001 para US$ 35,9 bi em
2007 (BCCh). Kaldor já relatara, comentando uma passagem em seu
texto “The Scourge of Monetarism” sobre os resultados presentes no
32
Primeiros Ensaios Econômicos - PET Economia – UFPR
relatório Radcliffe, que “o comitê inesperadamente descobriu que os
estoques (oferta) de commodities são extremamente insensíveis a taxas
de juros”. (KALDOR, 1981, p. 07, tradução nossa). Em outras
palavras, mesmo com o aumento da TPM a partir de 2004 é possível
visualizar o mercado forte detido pelo cobre. Isso nos explica, em
parte, porque há uma desvalorização do peso frente ao dólar
estadunidense a partir de 2003. A explicação das causas para a taxa de
câmbio do período serve para situar o leitor de que a valorização do
peso a partir de 2003 se deve à balança de pagamentos chilena e não é
efeito colateral de uma política equivocada2. Entretanto, voltando ao
foco da análise, o gráfico abaixo mostra a taxa de câmbio frente à taxa
de política monetária.

GRÁFICO 8: TAXA DE CÂMBIO E TPM (2001-2007, TPM EM


%)
7,5

6,5 Tx Câmbio /100


TPM %
5,5

4,5

3,5

2,5

1,5
2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007

FONTE: BCCh, 2008, elaboração própria.

Com este gráfico é possível observar como a TPM afeta a taxa


de câmbio. A partir de 2001 a estabilização do nível de preços deu
margem para a baixa da taxa de política monetária. Isto, como
afirmado por Bogdanski, afeta a taxa de câmbio através da saída de
capital estrangeiro e, assim, a desvalorização do peso. Em 2003 o peso
começa a se valorizar frente ao dólar devido à maior entrada de divisas
na economia chilena conseqüente ao aumento do preço do cobre.
Com a deflação em 2004 o BCCh resolve subir a TPM. Uma TPM
subindo somada a uma reserva internacional crescente faz pressão
sobre a taxa de câmbio para baixo.
Voltando à questão que se refere ao por que de um aumento
considerado de M1 não resultar em um aumento da inflação: com
2
Segundo Bogdanski, a política de aumento da taxa de juros causa valorização da moeda local. Entretanto, a
valorização do peso anterior a 2004 se deve a outros fatores.
33
Primeiros Ensaios Econômicos - PET Economia – UFPR
respeito a este ponto se fará um breve exposto do que diz José De
Gregório. Ele parte da idéia de que o crescimento acentuado é visto
apenas em M1.
Ele faz referência a uma discrepância menor entre o
crescimento de M4 (ou da base monetária) e o da inflação. Outro
ponto é de GREGORIO (2003ª) e VERGARA (2003) (apud:
Gregório, 2003b) mostrando que a demanda por M1 é muito mais
sensível à taxa de juros quando esta é baixa. Sendo assim, a demanda
por M1 (e a oferta de moeda, segundo a visão pós-keynesiana) é
elevada neste período, influenciada pelas baixas taxas de política
monetária adotadas pelo BCCh. Este estudo afirma ainda que a
demanda por dinheiro apresenta elevado índice de volatilidade, o que
limitaria a utilização de agregados monetários pelo Banco Central para
o controle da inflação.
Não obstante, voltemos à idéia de Kaldor. Segundo Friedman,
em “Lloyd’s Bank Review” (outubro, 1970), o ponto central
desenvolvido por Kaldor é que as variações na oferta de dinheiro
devem ser consideradas como resultado, e não a causa, das variações
na atividade econômica (Kaldor, 1981, p. 33, tradução nossa). Ou seja,
neste contexto, a enorme variação positiva de M1 é devido ao elevado
nível de atividade econômica vivido pelo país nos anos considerados.
Segundo Kaldor, o gasto não é limitado pela quantidade de moeda
existente, mas é relativo à quantidade de moeda que as pessoas podem
se valer, seja recebendo uma renda, seja dispondo de algum capital ou
ainda emprestando (KALDOR, 1982, p. 08). Visto isso, é possível
entender que há uma separação entre quantidade de agregado
monetário e atividade econômica. Nessa separação reside a afirmação
que a quantidade de moeda demandada pelo público depende do nível
de atividade econômica e da capacidade do sistema financeiro de criar
moeda e não da quantidade de moeda ofertada pelo banco central.
Pese o exposto, tem-se que o Chile, através de sua política de
TPM (evidenciada na política de metas de inflação), consegue
controlar a estabilidade dos preços da economia mesmo com um
elevado crescimento de M1. Isto é possível devido ao reconhecimento
de que a oferta de moeda é endógena ao sistema bancário
descartando, portanto, a tentativa de controle dos agregados
monetários para os fins da política monetária.

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Primeiros Ensaios Econômicos - PET Economia – UFPR
4 CONCLUSÕES
Em 1991 o país andino adotou um regime de metas para
inflação e com isto reduziu sua taxa de inflação a taxas de países
desenvolvidos. Entre 2001 e 2007 o Chile vivenciou uma expansão
acentuada de M1 e uma expansão relativamente alta dos demais
agregados monetários. Esta expansão, ao contrário do que diz a teoria
quantitativa da moeda, não foi acompanhada de um aumento no nível
dos preços da economia. Vimos que a hipótese da velocidade de
circulação da TQM também foi quebrada com esse exemplo empírico.
O controle da TPM, no caso chileno, foi eficiente em um cenário de
crescimento da moeda na economia.
A política monetária chilena é conduzida através de uma meta
para a inflação. Para tanto, o BCCh controla a TPM e descarta a
hipótese de controlar agregados monetários. No período analisado, o
BCCh manteve a meta em 3% a.a. e controlou a TPM de modo a
atingir essa meta. Mesmo com as alterações, as taxas de juros
permaneceram relativamente baixas em todo o período (gráfico G6).
Somado a isto, tem-se que o Chile é um país emergente que opera
abaixo do pleno emprego, ou seja, o aumento da moeda é
impulsionado, de alguma maneira, pela economia que cresce mais de
4% a.a. Como mostrado, a economia chilena é bastante adepta do
comércio internacional e a queda na taxa de câmbio devido às maiores
entradas de divisas a partir de 2003, quando os preços dos alimentos e
dos minerais no mercado mundial começaram a subir, ajudou para
uma deflação nos primeiros meses de 2004. Este fato foi seguido de
uma quebra da seqüência baixista da TPM de forma a se atingir a
meta.
Então, por fim, é certo dizer que o caso chileno analisado pode
ser considerado como uma evidência empírica do modelo
endogeinista sobre a oferta de moeda ou, de outra forma, ele mostra
que o controle da política monetária baseado no controle,
basicamente, da taxa de juros de curto prazo, consegue ser eficiente na
execução da política monetária. Por outro lado, como vimos, a
economia chilena é aberta sendo a taxa de câmbio uma variável
fundamental para a inflação e que, no Chile, ela é flutuante. Em outras
palavras, é arriscado afirmar categoricamente que o BCCh controla a
inflação por meio da TPM, sem levar em conta externalidades que
afetam a inflação importada. Agora, pode ser que o BCCh e o bicho

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Primeiros Ensaios Econômicos - PET Economia – UFPR
papão da inflação estejam brigados, o difícil é saber quando eles
voltarão a fazer as pazes.

REFERÊNCIAS

BANCO CENTRAL DE CHILE (BCCh). Dados disponíveis em


<http://www.bcentral.cl> Acesso em: 28/05/2008.

BOGDANSKI, J.; TOMBINI, A. A.; WERLANG, S. R. da C. A


Implementação do regime de metas para inflação no Brasil -
2000.

CARNEIRO, R. Uma reafirmação e o papel da política monetária


em Friedman. In: Os clássicos da economia - 1997.

FIOCCA, D. A oferta de moeda nos pós-keynesianos. In: Oferta


de moeda na macroeconomia. Ed. Paz e Terra. São Paulo - 2000.

GREGORIO, J, de. Mucho dinero y poca inflación: Chile y la


evidencia internacional. Documento do BCCh – setembro de 2003.

KALDOR, N. The Scourge of Monetarism. Oxford University


Press - 1981.

MARFÁN, M. Tipos de cambio y metas de inflación: El caso de


Chile. Apresentação montada pelo BCCh apresentada na LXXIX
Reunião de Governadores dos Bancos Centrais da América Latina,
Espanha e Cartagena das Índias - abril de 2005.
PARRADO, E. Metas de inflación en economías emergentes.
Apresentação montada pelo BCCh apresentada em La Paz, 18 de
julho de 2007.

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Primeiros Ensaios Econômicos - PET Economia – UFPR
O empresário inovador: Sua importância, características
e habilidades*

Giovanna Scheleder Ferraz**

RESUMO – A importância dada nos dias de hoje para o tema de


inovação tecnológica na Ciência Econômica é cada vez maior. Mais
especificamente dentro do tema, há a figura do empresário inovador,
responsável diretamente pela implementação de inovações e políticas
que incentivam atividades inovadoras dentro das firmas. Este
indivíduo apresenta certas habilidades que o definem como inovador e
que, em geral, levam tais habilidades para a firma. Este ainda deve
apresentar certas características básicas que facilitam sua atuação na
empresa e permitem que esta inove. O objetivo do artigo é apresentar
a importância da figura do empresário inovador, mostrando ainda as
habilidades e características que o formam e num sentido mais geral o
que o diferencia do simples administrador. A revisão teórica mostra
que algumas características são determinantes para o sucesso do
referido empresário, havendo concordância entre a maior parte dos
autores citados sobre o tema.

1 INTRODUÇÃO
Provavelmente não exista ainda uma definição concreta e única
para o termo empresário inovador, sendo que cada autor que trata do
assunto pode ter escolhido focar em um aspecto que julgue
importante, mas que outros não consideram da mesma forma. O
objetivo deste artigo é mostrar a importância do chamado empresário
inovador para uma firma, apresentando as características deste, bem
como o que diferencia o simples homem de negócios ou
administrador da empresa do empresário inovador, também chamado
de schumpeteriano.
O artigo será estruturado em três tópicos. A primeira parte
busca tratar das habilidades e características de um empresário
considerado inovador e nos principais pontos de diferenciação deste
para com o administrador, fazendo uso das principais teorias que dão
*
Este artigo é parte da monografia de conclusão de curso defendida pela autora, sob a
orientação do professor Dr. Mauricio Aguiar Serra.
**
Graduanda de Ciências Econômicas da Universidade Federal do Paraná e bolsista do
programa de Monitoria da Universidade na matéria de Macroeconomia sob a tutela do
professor Dr. Luciano Nakabashi.
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Primeiros Ensaios Econômicos - PET Economia – UFPR
base a discussões sobre inovação tecnológica em economia, a saber,
Schumpeter e seu estudo referente ao empresário e Nelson e Winter
com a questão das habilidades individuais como proxy para as
características de uma firma inovadora. A segunda e terceira partes
apresentam a importância do empresário schumpeteriano para a firma
e como se dá sua atuação.
O referencial teórico utilizado para a discussão proposta no
artigo versa sobre os principais autores que trataram do tema de
inovação tecnológica em termos econômicos, como Schumpeter, que
é considerado o pai da inovação; Nelson e Winter e a Teoria
Evolucionista formulada por estes; e Penrose, que mesmo não
havendo unanimidade no tocante à sua contribuição para a inovação
tecnológica, apresenta pontos bastante interessantes para a discussão
específica no tangente ao presente artigo. Será ainda utilizado o
trabalho de Giovanni Dosi, autor Evolucionista que comenta sobre a
importância do empresário.

2 AS HABILIDADES REQUERIDAS DE UM EMPRESÁRIO


Nesta primeira seção referente ao empresário inovador e
suas características, serão tratados dois tópicos distintos: o primeiro
busca mostrar as características do empresário inovador, mais
especificamente do empresário schumpeteriano como base para uma
definição de empresário inovador, enquanto a segunda parte mostrará
os pontos centrais das semelhanças e diferenças encontradas entre o
empresário schumpeteriano apresentado no tópico anterior e o
homem de negócios, também chamado de administrador da firma.

2.1 O EMPRESÁRIO SCHUMPETERIANO


Em grande parte, nos estudos que abordam a inovação na
economia, o empresário inovador também pode ser chamado de
empresário schumpeteriano. O empresário inovador é conhecido
como empresário schumpeteriano devido ao fato de que foi
Schumpeter quem inicialmente tratou do empresário e de seu papel na
firma para a inovação e para promover o posterior desenvolvimento
econômico.
Na análise inicial de Schumpeter (1911), este comenta que para
que possa ocorrer alguma alteração que venha a ser importante para o
desenvolvimento da economia, as pessoas deverão se portar como
“sujeitos econômicos” ou depender de um. É a partir de tal

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Primeiros Ensaios Econômicos - PET Economia – UFPR
constatação que o autor inicia a análise de pessoas com diferentes
características, que serão capazes de inovar e assim alterar o curso da
economia em vários aspectos. São as inovações que irão tirar a
economia de seu estado estacionário e levá-la a atingir um estágio de
desenvolvimento econômico superior, e serão os empresários os
responsáveis por permitir a realização destas inovações pelas firmas.
Para Schumpeter, é o empresário na firma que deve inicialmente
realizar a inovação e educar os consumidores a adquirir os produtos
resultantes de tais inovações. O empresário irá realizar estas inovações
a partir de combinações novas de fatores de produção que já estão
presentes na empresa, o que é denominado de empreendimento.
Portanto, o empresário pode ser independente ou subordinado à
alguma firma, mas o que o definirá realmente como empresário
inovador será o fato deste realizar as inovações, alterando o processo
produtivo das firmas e conseqüentemente atingindo um nível
diferente de desenvolvimento econômico. Da forma mais simples
possível, o empresário schumpeteriano será aquele que inova, seja na
sua empresa ou de forma independente, ou seja, aquele que realmente
leva a cabo novas combinações. Muitos são aqueles que têm a
possibilidade objetiva de inovar, mas são poucos os que realmente
irão realizar estas inovações, muito devido ao fato de que a maioria
das pessoas não gosta muito de alterar a seqüência de atividades, bem
como a forma como são realizadas estas atividades que já fazem parte
de sua vida há algum tempo para experimentar algo novo, até, às
vezes, sabendo que esta novidade será melhor em muitos sentidos
quando comparada a atividade anteriormente praticada
(SCHUMPETER, 1911).
Nelson e Winter (1982) tomam como base a análise de
Schumpeter na questão da inovação, mas seu tratamento do
empresário é um pouco diferente do deste autor. Diferente
basicamente no sentido de que Schumpeter analisou o empresário
como um agente econômico imprescindível para a realização da
inovação no sistema econômico, inovação esta que possibilitaria à
frente um processo de desenvolvimento econômico. A Teoria
Evolucionista toma um rumo diferente nesta análise, já que se baseia
muito no interior das firmas, a chamada “caixa-preta”, e em como a
inovação e conseqüentemente o empresário estão inseridos nestas
firmas e atuam para possibilitar o processo de inovação e a posterior
mudança econômica.

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Primeiros Ensaios Econômicos - PET Economia – UFPR
Para realizar tal análise interna à firma, Nelson e Winter partem
de uma analogia relativamente simples. Como são as pessoas que
tomam as decisões por uma firma e que num sentido mais geral,
formam a empresa e suas características, deve-se analisar estas pessoas
para se ter um relato das firmas e de como estas funcionam e atuam
no mercado. As habilidades individuais daqueles que formam a
empresa são análogas ao processo pelo qual as firmas passam, a rotina.
É por este fato que os autores decidem analisar as habilidades
individuais para entender de uma forma geral as rotinas das
organizações. Aqui se faz necessária uma análise um pouco mais clara
do que é considerado como rotina para a Teoria Evolucionista.
Nelson e Winter (1982) comentam que o termo geral para todos os
padrões comportamentais regulares e previsíveis das firmas é
denominado como rotina. São as rotinas de cada firma que definirão
suas características básicas, desde os gastos com pessoal até os
investimentos em Pesquisa e Desenvolvimento, ou seja, características
que determinam o comportamento possível de cada empresa. Da
mesma forma, as habilidades individuais irão determinar os processos
de seleção dos indivíduos fora e dentro das empresas. Não pode-se
afirmar que as estratégias destas empresas irão se adaptar para atender
as características dos empresários que as formam. Parece que neste
ponto, cada caso é um caso, a adaptação ou não da empresa.
Vale destacar aqui um ponto bem interessante: Schumpeter
quando escreve a "Teoria do Desenvolvimento Econômico", destaca
o indivíduo com maior importância, atribuindo a este a tarefa de
inovar numa empresa e conseqüentemente no sistema econômico
como um todo. Já numa publicação posterior, em "Capitalismo,
Socialismo e Democracia", o autor passa a dar destaque maior à
própria firma. É esta que é responsável pelas inovações neste
momento. É a partir desta última obra, que partem as idéias dos
Evolucionistas Nelson e Winter, e até mesmo de Giovanni Dosi.
Trata-se a partir daí da firma inovadora, não mais da figura individual
de um empresário. Para Schumpeter (1942) é a empresa capitalista que
dá o impulso fundamental para manter em funcionamento a máquina
capitalista. Tanto Nelson e Winter como Dosi tentam se desvincilhar
da visão de serem seguidores de Schumpeter, mas não conseguem
fazê-lo por completo, justamente por seguir um pouco as idéias
discutidas em "Capitalismo, Socialismo e Democracia" da importância

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Primeiros Ensaios Econômicos - PET Economia – UFPR
da firma capitalista como um todo para a inovação de sistema
econômico.
É importante neste ponto, fazer um pequeno resumo de como
ocorre o processo de inovação na empresa de acordo com as idéias
evolucionistas. A empresa apresenta uma série de características que se
apresentam através de sua história, características estas tanto em
termos empresariais quanto em termos internos de pessoal e aspectos
relativos à coordenação. A partir desta história que cada empresa
apresenta, existe a rotina, definida pelos autores como técnicas e
processos organizacionais que mostram de que forma os bens são
produzidos, desde as atividades cotidianas até as de caráter inovativo.
Os mecanismos de seleção se definem como a busca, que nada mais é
do que uma avaliação de todas as rotinas existentes, e a seleção
propriamente dita torna capaz a acumulação do conhecimento. É a
partir desta acumulação de conhecimento da firma, que irá se fazer
possível o processo de inovação.
Como os autores comentam, a seleção são “escolhas
incorporadas numa capacidade”, ou seja, para um bom e eficaz
processo de tomada de decisão, o comportamento habilidoso por
parte daqueles que tomam as decisões de caráter produtivo e de
coordenação da empresa se torna fundamental.
Ainda na questão do empresário e da habilidade empresarial, a
implementação ou deliberação de alguma alteração no sistema
produtivo requer uma capacidade diferenciada da firma,
principalmente por parte de seus empresários, no sentido de mudar o
sistema anterior, o que não é tão simples como possa parecer. É
função da firma e do empresário propriamente dito criar inovações
que sejam importantes e possam ser inseridas no sistema econômico,
e posteriormente, “ensinar” os consumidores a olhar este novo
produto, por exemplo, com outros olhos, e que passem a adquiri-lo. A
forma como o empresário fará com que a sociedade aceite bem o
novo produto a ponto de adquiri-lo pode surgir de formas diversas.
Em certos casos é a propaganda que faz toda a diferença a partir de
campanhas fortes e bem-sucedidas de marketing. Vale sempre ressaltar
que este “ensino” nada mais é do que um processo de convencimento,
no qual a empresa que fez a inovação deverá mostrar para o mercado
como um todo o porque seu produto é melhor e necessário. Esta é
sem dúvida uma habilidade que um empresário inovador deve possuir.
Este deve perceber as necessidades de sua firma ou do mercado de

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Primeiros Ensaios Econômicos - PET Economia – UFPR
uma forma geral e buscar produtos ou processos inovativos que
possam suprir estas necessidades de uma forma positiva, tanto para o
mercado, quanto para o próprio empresário. Porém, o inovador não
deve tomar suas decisões baseado somente na demanda do mercado,
mas principalmente, deve ser capaz de inovar e mostrar para o
mercado que seu produto novo é positivo e necessário, e que
portanto, deve ser consumido.
É nesta capacidade de influenciar o mercado a seu favor, o que
permite o crescimento da firma, que entra Penrose (1959). É bastante
claro o tratamento e a importância que esta autora dá para o
empresário como fator para o crescimento da firma. Não importa qual
cargo o empresário ocupe na empresa, mas para ser considerado
inovador ou schumpeteriano, deve contribuir à introdução ou
aceitação de novas idéias que possam ser aproveitadas no processo
produtivo e pelo mercado, não só em termos de novos produtos, mas
também de revoluções no que concerne à localização ou alterações
referentes à tecnologia aplicada em algum processo. (PENROSE,
1959)
Outras características colocadas como fundamentais no caráter
do empresário para o crescimento da firma são chamadas pela autora
de questões de versatilidade. Como ponto de partida da inovação para
o crescimento da firma, está a intuição e imaginação empreendedora,
principalmente quando a firma não é de grande porte e necessita de
decisões acertadas. Neste caso, o papel fundamental do empresário é
acertar o momento em que a firma necessita de alguma inovação e a
partir desse ponto, saber tomar as decisões corretas de acordo com as
oportunidades produtivas que poderão ser implementadas. Num
sentido maior, é a qualificação e a capacidade do empresário que irão
decidir se a firma será bem sucedida no mercado ou não. Em
situações de firmas com estruturas parecidas, um empresário
schumpeteriano mais versátil em uma delas, pode colocá-la numa
posição de muito mais destaque quando comparada às outras.
(PENROSE, 1959)
Dosi (1984), comenta que boa parte do conhecimento
“tecnológico” necessário para ser aplicado em um processo de
inovação além de ser bem menos articulado que o conhecimento
científico, não foi escrito e está implícito na experiência e nas
habilidades do empresário. Vale a pena inserir aqui algumas outras
discussões tratadas por Dosi, entre elas os conceitos de trajetória e

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Primeiros Ensaios Econômicos - PET Economia – UFPR
paradigma tecnológicos. "Definiremos o paradigma tecnológico como
um "modelo" e um "padrão" de solução de problemas tecnológicos
selecionados.(...) Definiremos a trajetória tecnológica como o padrão
da atividade normal de resolução do problema" (DOSI, 1984, p. 40-
42).
A partir de esforços tecnológicos de caráter genérico, que
podem ser chamados de necessidades genéricas, surgem certas
tecnologias específicas, com suas próprias "soluções" para as
dificuldades, a partir da exclusão de outras tecnologias nocionalmente
possíveis. Essa capacidade de exclusão apresenta-se devido aos
esforços e à imaginação tecnológica dos engenheiros e de suas
organizações, os quais focalizam em direções específicas. São as forças
econômicas juntamente com fatores institucionais e sociais que
funcionam como um dispositivo seletivo para definir as trajetórias
reais a serem seguidas dentro de um conjunto bem maior de trajetórias
possíveis. (DOSI, 1984)
Voltando à questão da versatilidade, está inserida nesta
capacidade a habilidade de mobilizar recursos financeiros, o que para
uma empresa de médio ou pequeno porte é de extrema importância
no momento em que esta decidir inovar. Empresas de grande porte
não apresentam esta dificuldade, visto que podem fazer uso de
recursos de outros setores, ou até mesmo já apresentam um setor
específico de Pesquisa e Desenvolvimento, que recebe uma
determinada quantia para aplicar em desenvolvimento de inovações.
Agora, é muito difícil para uma empresa pequena, com possibilidades
restritas de capital, ser capaz de alocar parte deste capital em uma
atividade que não irá apresentar grandes volumes de lucro no curto
prazo, às vezes até mesmo não apresentando resultados positivos no
longo prazo, em ocasiões que a pesquisa não resulta em produtos que
possam ser aplicados no mercado. Para atrair o capital, já que o
empresário não é alguém que assume riscos, este deve ser capaz de
inspirar confiança dos capitalistas para investir em sua empresa.
Ainda quanto à versatilidade, há duas características que devem
estar presentes nos empresários schumpeterianos, quais sejam, a
ambição e o tino empresarial (PENROSE, 1959). Um empresário sem
ambição não irá buscar desenvolver inovações que possam melhorar
algum produto ou processo produtivo, simplesmente estará contente
com o estado da empresa no momento e será relutante a fazer
qualquer tipo de mudança. Já no quesito tino empresarial, é

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Primeiros Ensaios Econômicos - PET Economia – UFPR
praticamente impossível algum indivíduo que não apresenta aptidão
para os negócios ser capaz de inovar e contribuir ao crescimento de
uma empresa. Alguns nascem para ser pianistas, outros para ser
empresários. Não há como alterar certas características que fazem
parte da formação do indivíduo de uma hora para outra.

2.2 HOMEM DE NEGÓCIOS versus EMPRESÁRIO


SCHUMPETERIANO
Os empresários inovadores apresentam algumas habilidades que
os tornam especiais e importantes para a firma, porque é através
destes que a firma poderá realizar um processo de inovação para um
posterior crescimento econômico. Portanto, este empresário, pela sua
função de importância dentro das empresas, deve ser uma pessoa
diferenciada e apresentar as características elencadas no tópico acima,
como versatilidade, tino empresarial, ambição e conhecimento que o
capacitam a tomar as decisões quanto às várias opções de alocação de
recursos que lhe são apresentadas.
O conhecimento comum da população tende a se referir a
qualquer homem de negócios como empresário, mas especificamente
nas teorias que tratam da inovação na Teoria Econômica, esta
diferença é básica para o bom entendimento do que os autores
propõem. Para estes, fica bastante clara a partir do momento que uma
firma começa a inovar, a diferenciação entre os grupos, dos
administradores comuns e o dos empresários inovadores.
A principal diferença entre os grupos é que o primeiro, dos
administradores, simplesmente está interessado em questões
financeiras, econômicas ou de caráter administrativo de uma empresa,
sem, no entanto, ser capaz de alterar significativamente o organização
produtiva a partir da implementação de uma inovação, como a
inserção de um novo produto no mercado ou alguma mudança no
processo produtivo. Essas inovações são realizadas pelos legítimos
empresários schumpeterianos, que a partir de suas habilidades e do
conhecimento são capazes de realizar tais mudanças positivas para a
empresa. Afinal de contas, toda empresa de grande porte nos dias
atuais precisa inovar para ser capaz de continuar concorrendo com as
demais.
No entanto, é bastante aconselhável que uma empresa,
principalmente se esta for de médio ou grande porte, tenha em seus
recursos humanos empresários inovadores, mas também homens de

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Primeiros Ensaios Econômicos - PET Economia – UFPR
negócios que sejam capazes de bem administrar a empresa e seus
funcionários. É necessário ter um controle sobre a produção, algo que
não deve ficar nas mãos dos inovadores, que não podem ser
sobrecarregados com outras tarefas que não sejam as relacionadas a
questões de Pesquisa e Desenvolvimento ou conhecimento do
produto, do processos de produção e do mercado. Em casos
especiais, pode ocorrer que as inovações ou combinações novas,
como chama Schumpeter, possam ser realizadas pela mesma pessoa
que controla o processo produtivo ou o ramo comercial da empresa.
A distinção entre tais grupos para Schumpeter (1911), se faz no
momento em que alguns “sujeitos econômicos” se especializam,
lembrando que são estes sujeitos que irão realizar os fatos
econômicos, que por sua vez irão alterar a dinâmica do
desenvolvimento econômico. Ainda para o mesmo autor, a distinção
se faz porque alguns indivíduos simplesmente tiram conclusões de
circunstâncias conhecidas, sem fazer diferença se estes são dirigentes
ou dirigidos, já que o comportamento de ambos está sujeito às
mesmas regras. Neste caso, os que dirigem a empresa sem se
preocupar com as inovações, somente executam o que lhes foi
apontado pela demanda e pelos métodos de produção dados. Não são
capazes de pensar em algo para alterar esta demanda ou esta produção
e por isso não são considerados como empresários schumpeterianos.
O empresário, para realizar as inovações, não precisa
necessariamente estar vinculado a uma determinada empresa, e deve-
se deixar de lado aqueles indivíduos que somente operam um negócio
estabelecido. Para Penrose (2006) os serviços empresariais são muito
diferentes dos serviços administrativos, já que estes últimos apenas
colocam em prática o que os empresários definiram como a melhor
estratégia possível. Os administradores ainda são responsáveis, como
já foi citado aqui, pelas tarefas de controle da produção, desde
matérias-primas a funcionários, mas sua mudança se prende à rotina,
não à mudança da rotina.

3 IMPORTÂNCIA DO EMPRESÁRIO INOVADOR PARA A


FIRMA
Já foram apresentadas no tópico anterior as características de um
empresário schumpeteriano que o fazem diferenciado quando
comparado com um homem de negócios administrador de uma

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Primeiros Ensaios Econômicos - PET Economia – UFPR
empresa. Isto posto, vale mostrar neste tópico porque uma firma
necessita de um inovador.
Por qual motivo uma firma necessita de um administrador
parece estar bastante claro até mesmo para o senso comum. É óbvio
que um empresa necessita de um indivíduo ou em certos casos de um
grupo de indivíduos coordenando-a e tomando todas as decisões
cabíveis para seu bom funcionamento, resultando em ganhos que
tomam forma nos lucros recebidos pela firma no mercado. Porém, foi
mostrado no tópico anterior que há uma clara diferença entre estes
administradores e um empresário inovador. Portanto, isso nos leva ao
seguinte questionamento: por que uma empresa necessita ter em seu
quadro de funcionários o chamado empresário schumpeteriano? O
que este trará de positivo para a empresa que o administrador não
pode proporcionar?
Agora que as questões se mostram claras, fica mais fácil tentar
encontrar uma resposta que as esclareça. A partir da época de
Schumpeter, e de forma cada vez maior, a concorrência entre grandes
e médias empresas é cada vez mais acirrada. Devido a isso, aquelas
empresas que decidem continuar auferindo ganhos no mercado
devem partir para algo chamado por Schumpeter de inovação. Para
Schumpeter (1988), o desenvolvimento, também entendido como
uma mudança econômica viria a ocorrer através de uma iniciativa
própria de pessoas capacitadas para tal ato. Estas mudanças seriam
reflexos de inovações no sistema econômico e seriam trazidas para a
empresa e para o sistema econômico de uma forma geral através dos
chamados empresários inovadores que ficaram conhecidos também
como empresários schumpeterianos. Vemos então que, para que
ocorresse uma mudança no sistema produtivo que pudesse permitir
um desenvolvimento de uma forma geral no sistema, uma inovação
deveria partir de um empresário.
Portanto, as firmas que tivessem interesse em inovar para se
tornarem capazes a ser pioneiras nestas mudanças econômicas, que
seriam de toda a forma positivas de uma maneira geral, deveriam ter
em seu quadro indivíduos capazes de realizar tais mudanças, ou seja,
empresários inovadores.
Penrose (1959) afirma que uma firma só irá crescer se aproveitar
as oportunidades produtivas que aparecerem no decorrer do percurso.
Porém, são inúmeras as oportunidades que irão lhe aparecer e tomar
uma decisão correta pode ser muito complicado.

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Primeiros Ensaios Econômicos - PET Economia – UFPR
As pessoas de uma forma geral enfrentam situações parecidas no
decorrer de sua vida. Um jovem, por exemplo, deve decidir aos 17
anos que profissão irá exercer no futuro antes de entrar na
universidade. Para uma firma isso não é diferente e o seu futuro
depende da tomada de decisão hoje. Se a firma escolher trilhar um
determinado caminho e este se mostrar correto no futuro, esta irá
auferir ganhos maiores e portanto, pode ultrapassar suas concorrentes
e se colocar muito bem no mercado. Mas sempre há o outro lado, no
caso em que a decisão tomada hoje pela firma se mostra no futuro
como o caminho errado. Esta firma terá dificuldades de mercado e
financeiras e não irá crescer da mesma forma que suas concorrentes,
podendo até perder fatias de mercado para estas. Este é o diferencial
da tomada de decisões da firma: o resultado, ou seja, saber se o
caminho trilhado foi o mais correto dentre todas as oportunidades
apresentadas, só irá aparecer no médio prazo, e não instantaneamente.
Alguns autores comentaram sobre tal fato, de que o resultado da
inovação só será percebido em um momento posterior à tomada de
decisão e por isso a firma deverá considerar e pesar diversos fatores
antes de definir por uma trajetória tecnológica em detrimento de
outra. Como exemplo, tem-se a abordagem de Dosi e também de
Nelson e Winter.
Em muitos casos, as características das firmas que concorrem no
mercado são muito parecidas, em termos de custos ou processos
produtivos. O que irá se mostrar como um diferencial importante são
as qualidades dos empresários que estão inseridos nestas firmas. A
firma que apresenta empresários capazes de inovar e portanto de
diferenciá-la das demais terá ganhos de mercado, na forma de um
produto novo, ou de um processo economizador de insumos ou de
mão-de-obra, por exemplo. Para finalizar, é o que Penrose chama de
“qualidade” da empresa, ou seja, qualidade dos tipos particulares de
que uma firma dispõe, que têm uma importância estratégica na
determinação de seu crescimento. Então, tem-se que o crescimento de
uma firma é muitas vezes determinado por um determinado
empresário inovador.
Pode-se até a relacionar tal discussão de Penrose dos tipos
particulares presentes em cada firma, com a discussão de habilidades
dos indivíduos como proxy para as habilidades das empresas de Nelson
e Winter.

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Primeiros Ensaios Econômicos - PET Economia – UFPR
4 O EMPRESÁRIO SCHUMPETERIANO E SUA ATUAÇÃO
NA EMPRESA
No tópico anterior, foi apresentada a importância do empresário
schumpeteriano para a diferenciação da empresa, o que permite seu
crescimento e a dá vantagens quando comparada com suas
competidoras. Mas, como se dá a atuação do empresário internamente
na empresa?
É o produtor que deve iniciar a mudança econômica e
posteriormente educar os consumidores para adquirir os produtos
diferentes daqueles que estavam acostumados a usar, e não apenas
realizar inovações devido a uma necessidade mostrada pelos
consumidores. O desenvolvimento é definido pela realização de novas
combinações, já que para produzir são utilizados determinados fatores
produtivos, e para produzir outras coisas, ou seja, inovar, estes fatores
devem ser combinados de formas diferentes. Este conceito de novas
combinações para a inovação engloba cinco casos distintos: 1)
introdução de um novo bem ou de uma qualidade diferente de um
bem existente; 2) introdução de um novo método de produção; 3)
abertura de um novo mercado; 4) conquista de uma fonte diferente de
matéria-prima ou de bens semi-manufaturados que serão utilizados na
produção; e 5) estabelecimento de uma organização diferente de
qualquer indústria, como a criação de um monopólio por exemplo.
(SCHUMPETER, 1911)
Especificamente no caso do empresário, Schumpeter (1911, p.
49) comenta que “(...) não é essencial, embora possa acontecer, que as
combinações novas sejam realizadas pelas mesmas pessoas que
controlam o processo produtivo ou comercial a ser deslocado pelo
novo”. O autor cita que o comando sobre os meios de produção deve
existir para que ocorra a realização das novas combinações que
permitam a inovação. “Chamamos “empreendimento” à realização de
combinações novas; chamamos “empresários” aos indivíduos cuja
função é realizá-las” (SCHUMPETER, 1911, p. 54).
A partir dos cinco casos de novas combinações possíveis
abordados por Schumpeter, pode-se ver que um inovador tem
diversos campos para atuar, e para permitir esta inovação, uma
condição sine qua non que este deve ter é o profundo conhecimento do
produto. Isto porque ele pode inovar introduzindo no mercado uma
qualidade diferente de um bem já existente, ou abrindo um novo
mercado. Ou pode ainda mudar o método de produção ou conquistar

48
Primeiros Ensaios Econômicos - PET Economia – UFPR
uma fonte diferente de matéria-prima. Nestes dois grupos
apresentados, percebe-se que no primeiro, o empresário atua no
mercado, e no segundo, atua na produção do bem. Isto mostra
claramente que a inovação pode surgir em diferentes áreas, e que,
portanto, o empresário pode estar inserido em diversas áreas dentro
da empresa. A inovação não ocorre em algum lugar específico e o
empresário pode ocupar diversos cargos. Schumpeter (1911) comenta
que as inovações não precisam necessariamente ser realizadas por
aqueles que controlam o processo produtivo, e daí que surge a
diferenciação apresentada num dos tópicos anteriores entre
empresário schumpeteriano e homem de negócios. Este ainda
comenta que os empresários inovadores podem ser pessoas
independentes, podem ser subordinados a alguma empresa ou ainda
ter controle da maioria das ações por exemplo. Por isso, o empresário
inovador não necessita ocupar qualquer cargo pré-determinado na
firma.
Assim como o cargo não é especificado, tem-se que sua atuação
internamente também pode ser diferenciada. Como foi mostrado
anteriormente, um pode atuar em termos do mercado, outro pode
atuar mais especificamente no processo de produção do bem e em
suas matérias-primas. Mas algo que pode ser recorrente na maioria dos
casos de inovações, é o empresário atuar num setor específico, o de
Pesquisa e Desenvolvimento, o qual tem por objetivo inovar em todos
os sentidos, seja na matéria-prima, no mercado, ou no processo de
produção.
Algo importante destacado por Penrose (2006) é que para uma
firma permitir que haja investimento para o crescimento, deve
investigar as oportunidades possíveis não somente através de cálculos,
mas com uma análise profunda do mercado em que a firma se insere e
suas possibilidades. Esta análise e a tomada de decisão que se segue é
de responsabilidade do inovador e pode ser considerada como a
decisão inicial, onde e como investir. A partir desta tomada de decisão,
se o processo correr bem e a invenção for bem sucedida, o
departamento de Pesquisa e Desenvolvimento irá aplicar juntamente
com o empresário a invenção no mercado e obterá assim os resultados
que ela irá proporcionar. Porém, em alguns casos, pode ocorrer da
invenção não ser bem sucedida, e do empresário ter que retornar ao
ponto de partida para decidir novamente onde e como reaplicar o
dinheiro, de forma não rotineira.

49
Primeiros Ensaios Econômicos - PET Economia – UFPR
5 CONCLUSÃO
A partir da análise apresentada até aqui, é possível perceber
uma notável relação entre as teorias de Schumpeter, Nelson e Winter
e no que tange à firma e seu crescimento, que podem ser entendidas
como uma seqüência da análise do empresário inovador.
Primeiramente veio Schumpeter concluindo que a inovação era um
aspecto de suma importância para permitir o desenvolvimento
econômico, e mostrou também que o empresário teria um papel
fundamental para permitir a realização desta inovação. É das
discussões dele que surge o nome de empresário schumpeteriano para
aqueles que buscam a inovação em suas empresas. Depois da análise
inicial de Schumpeter, tem-se a discussão de Nelson e Winter, que
tocou principalmente nas habilidades dos inovadores com o intuito de
compreender as características das firmas inovadoras. Nelson e Winter
vieram complementar a teoria schumpeteriana naquilo que ela tratou
pouco, ou seja, o aspecto da inovação interna a empresa e do processo
de como ocorre esta inovação.
Fazendo um apanhado geral das características citadas pelos
autores que nos interessam, temos que o que não deve faltar num
empresário schumpeteriano é conhecimento do produto, processo de
produção e do mercado para fazer mudanças que possam ser aceitas,
versatilidade para arrecadar capital, tino empresarial, ambição, intuição
e imaginação empreendedora e, finalmente, habilidades para o
processo de busca e seleção da melhor opção de inovação possível,
com forte atenção para o setor de Pesquisa e Desenvolvimento da
firma. Estes aspectos foram abordados por quase todos os autores
citados até aqui de forma a destacar a importância do empresário
schumpeteriano para a inovação na firma.

REFERÊNCIAS

DOSI, Giovanni. Mudança técnica e transformação industrial: a


teoria e uma aplicação à indústria dos semicondutores. Editora
da Unicamp - Campinas, 2006. [1984]

NELSON, Richard ; WINTER, Sidney. Uma Teoria Evolucionária


da Mudança Econômica. Editora da Unicamp – Campinas, 2005.
[1982]

50
Primeiros Ensaios Econômicos - PET Economia – UFPR
PENROSE, Edith. A Teoria do Crescimento da Firma. Editora da
Unicamp – Campinas, 2006. [1959]

SCHUMPETER, Joseph Alois. Teoria do Desenvolvimento


Econômico. Nova Cultural, Coleção Os Economistas – São Paulo,
1988. [1911]

SCHUMPETER, Joseph Alois. Capitalismo, Socialismo e


Democracia. Editora Fundo de Cultura – Rio de Janeiro 1961. [1942]

51
Primeiros Ensaios Econômicos - PET Economia – UFPR
52
Primeiros Ensaios Econômicos - PET Economia – UFPR
Os Efeitos “Pré-Sal” e a polêmica da regulação

Danielle Cristina Guizzo*


Marcio José Vargas da Cruz**

Para entendermos os possíveis efeitos das mega-reservas de


petróleo descobertas na regulação, nos preços e na economia brasileira
em si, compreender a história do mercado de petróleo e suas formas
de precificação ao longo do tempo nos ajudam a analisar este
fenômeno.

1 BREVE REVISÃO HISTÓRICA DO MERCADO


PETROLÍFERO
O petróleo teve sua relevância destacada após a Segunda
Revolução Industrial, em que substituiu, junto à eletricidade, as antigas
energias dependentes do carvão e do vapor. Desde o início do século
XX o petróleo já era extraído e refinado em larga escala, para atender
a uma demanda mundial crescente. Após a 2ª Guerra Mundial, em que
as então nações neocolonialistas saem das áreas ocupadas no Oriente
Médio, iniciam-se na região movimentos nacionalistas pelo direito das
nações disporem livremente de seus recursos naturais. A partir disso, a
OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) é criada
em 1960 com o intuito fortalecer os principais países produtores
frente às empresas cartelizadas do ocidente (“Sete Irmãs”), que
exigiam cada vez mais uma redução nos preços de petróleo
(MENDES, 2003)
Os choques do petróleo, em 1973 e 1979, que resultaram no
aumento brutal dos preços do produto, geraram uma grave crise
econômica mundial, marcando em definitivo o fim da era do
combustível barato e abundante. Iniciativas foram criadas para tentar
amenizar a dependência do petróleo, como o programa Pró-Álcool
brasileiro durante o governo Geisel, mas a volatilidade de toda a
economia estava, ainda, subordinada ao petróleo (COELHO, 2008).
Após os dois choques do petróleo, o mercado de cotação dos
preços do barril passa a ser feito mediante mercados à vista (como já
era feito antes dos choques) e também futuros, na tentativa de reduzir
*
Aluna do curso de Ciências Econômicas e bolsista do Programa de Educação Tutorial (PET)
de Economia da Universidade Federal do Paraná (UFPR)
**
Mestre em Desenvolvimento Econômico pela Universidade Federal do Paraná e Professor
Adjunto do Departamento de Economia da UFPR
53
Primeiros Ensaios Econômicos - PET Economia – UFPR
a dependência mundial das enormes variações de preços, que por sua
vez prejudicavam a saúde econômica da grande maioria dos países.

2 INFLUÊNCIAS NOS PREÇOS


Conflitos político-sociais mostram como este mercado é
sensível, indo além da influência tradicional do mecanismo “oferta-
demanda”. Incertezas nos países exportadores de petróleo ou mesmo
nos principais demandantes (como EUA, Japão, China) afetam
negativamente os investidores e desestimulam a entrada de capitais
direcionados à expansão da produção, fazendo com que o preço do
petróleo varie significativamente. Dado isso, as especulações são
inevitáveis, gerando ainda maior incerteza e aumentos consideráveis
nos preços.
As altas excessivas nos preços do barril de petróleo
desencadeiam um efeito inflacionário geral, que pode prejudicar o
crescimento econômico mundial. Dessa maneira, nota-se uma
expansão das fronteiras explanatórias em busca de novas reservas,
como, por exemplo, a própria análise de viabilidade feita pela
Petrobras na camada pré-sal e recentes pesquisas no Canadá sobre a
extração de petróleo nas montanhas rochosas.
O alto custo da exploração de petróleo em locais de difícil
acesso acaba gerando alguns questionamentos sobre a rentabilidade
dessa exploração caso o preço do petróleo atinja patamares menores.
Com o preço do barril variando significativamente devido, entre
outros fatores, a perspectivas de queda na demanda dos países-chave
(EUA, Japão, China, etc), cotado a US$ 147,27 em julho de 2008 e a
US$ 49,62 em novembro de 2008 (France Presse, 20/11/08), a
lucratividade tão esperada com as novas explorações passa a não ser
mais atraente em alguns casos.
O Gráfico a seguir mostra as variações do preço do petróleo
mensalmente, desde 1957 até setembro de 2008. A cotação é feita em
dólares estadunidenses (US$) em valores nominais.

54
Primeiros Ensaios Econômicos - PET Economia – UFPR
GRÁFICO 1: COTAÇÃO DO BARRIL DE PETRÓLEO (BEP)
MENSAL EM US$, DE JANEIRO DE 1957 A SETEMBRO DE
2008, EM VALORES NOMINAIS

Fonte: Ipeadata (Observação: Cotações em valores nominais e não-deflacionados)

É notável a partir de uma análise gráfica que os dois choques do


petróleo (1973 e 1979) causaram elevações bruscas no preço do barril,
e que após esse último, algumas variações ocorreram até o súbito
aumento do preço, novamente, por volta de 2004. Após bater
recordes em 2008, é visível uma tendência de queda nos preços.

3 PRÉ-SAL E REGULAÇÃO
Voltamo-nos agora para as descobertas de novas jazidas de
petróleo na camada pré-sal pela Petrobras. Em 2005, a empresa
anunciava que havia atingido a camada pré-sal, abaixo da camada pós-
sal em que explora petróleo atualmente, e os primeiros estudos
afirmam que existe um potencial de até 80 bilhões de barris de
petróleo e gás natural na área pré-sal (ANP, 07/11/08). Se
confirmadas as primeiras estimativas, o Brasil passaria a deter a 6ª
maior reserva de petróleo no mundo, podendo ficar à frente de países
produtores como a Venezuela e a Rússia (VEJA, 20/08/08).
Dessa forma, a polêmica da regulação entra em questão: uma
vez que os lucros advindos do petróleo são repassados para a União e
divididos entre os governos federal, estadual e municipal, com o início
55
Primeiros Ensaios Econômicos - PET Economia – UFPR
da exploração na camada pré-sal, apenas algumas unidades federativas
seletas serão beneficiadas, caso a legislação atual permaneça.
Revisando o passado da Petrobras, após o fim do monopólio
estatal do petróleo durante o governo FHC, a Agência Nacional do
Petróleo (ANP) foi criada, sendo responsável pela regulação,
fiscalização e contratação das atividades do setor. Assim, a ANP
promove também licitações de blocos a serem explorados, baseados
em contratos de concessão. São nesses contratos que o pagamento
dos royalties à União está incluído, bem como outras
responsabilidades da empresa para com a ANP (FORMAN, 2002).
Após as descobertas de novas jazidas de petróleo, a legislação
atual dos royalties entra em xeque: uma vez que ela parte de critérios
distorcidos, caso ela permaneça em vigor, mesmo com uma mudança
sensível nos lucros provenientes da exploração petrolífera em maiores
proporções, essa renda paga ao setor público não será maximizada da
melhor maneira, favorecendo amplamente apenas alguns estados
costeiros (SERRA, 2006).
A legislação atual (“Lei do Petróleo”, n. 9478/1997) determina
uma alíquota de 10% de pagamentos de royalties à União, incidentes
sobre o valor bruto da produção, e também amplia as possibilidades
de investimentos de tais recursos por parte das prefeituras (POSTALI,
2008). Para se ter uma idéia dos números: em 2004, o setor público
brasileiro recebeu R$ 11,1 bilhões em rendas petrolíferas, e desse
montante, R$ 4,3 bilhões (ou 46, 3%) foram destinados ao estado do
Rio de Janeiro e seus municípios. Finalmente, 63,9% desses R$ 4,3
bilhões estão concentrados em apenas 10 cidades do estado do Rio de
Janeiro (SERRA, 2006).
Nota-se que atualmente o estado mais favorecido pelas rendas
advindas do petróleo é o Rio de Janeiro, pois é em seus domínios em
que se encontra a área da Bacia de Campos, bem como toda a infra-
estrutura industrial necessária para a exploração do petróleo, como
refinarias, redes de distribuição e escritórios.

4 REFLEXOS DA LEGISLAÇÃO NA SOCIEDADE


Mantendo-se a legislação atual dos royalties para a exploração
das bacias na área do pré-sal, alguns impactos negativos podem surgir,
como estimular os governos subnacionais que recebem os royalties a
aumentar suas despesas totais, realizar gastos de menor qualidade e
reduzir o esforço da arrecadação própria. Esses impactos negativos

56
Primeiros Ensaios Econômicos - PET Economia – UFPR
tendem a se agravar nos casos em que os critérios de repartição das
transferências são inadequados, gerando grupos de estados e
municípios sobrefinanciados, o que já ocorre atualmente no Rio de
Janeiro.
As Tabelas 1A e 1B comprovam esse fato:

TABELA 1A: DISTRIBUIÇÃO DAS PARTICIPAÇÕES


GOVERNAMENTAIS (ROYALTIES + PARTICIPAÇÕES
ESPECIAIS) CORRESPONDENTE AO ANO DE 2003

Beneficiários Royalties (em % do P.E.’s (em R$)2 % do


R$)1 Total Total
União 1.186.231.731,92 27,0 % 2.498.708.400,00 50,2%

Estado do RJ 907.744.089,66 20,6% 1.961.297.000,00 39,4%

Estado do RN 140.945.914,14 3,2% 7.532.200,00 0,2%

Demais Estados 364.484.081,54 8,3% 31.644.900,00 0,6%


Municípios 1.474.619.168,45 33,6% 482.970.218,89 9,7%
Fonte: ANP e Serra, R.V.

1
Royalties: se a empresa consegue retirar petróleo dos poços, paga ao governo um porcentual
sobre o valor produzido. O dinheiro arrecadado é dividido entre o governo federal, o estado
em que se encontra o poço e os municípios (VEJA, 20/08/08).
2
Participações Especiais: é a compensação financeira que se paga nos casos de grande volume
de produção ou de grande rentabilidade dos campos sob exploração (VEJA, 20/08/08).
57
Primeiros Ensaios Econômicos - PET Economia – UFPR
TABELA 1B: DISTRIBUIÇÃO DAS RENDAS PETROLÍFERAS:
PARTICIPAÇÃO DE CADA BENEFICIÁRIO NO TOTAL
PAGO A CADA ESFERA GOVERNAMENTAL E
PARTICIPAÇÃO DAS RENDAS PETROLÍFERAS NAS
RECEITAS TOTAIS DE CADA BENEFICIÁRIO,
CORRESPONDENTE AO ANO DE 2003:
Receitas Totais do % das
Beneficiário Rendas
% do Total Pago (Execução petrolíferas
Total das Rendas às Esferas
Orçamentária dos na Receita
Beneficiários Petrolíferas em R$ Governamentais3
(Royalties+P.E.’s) Estados e Total do
Municípios) em R$ Beneficiário
Estado do 2.869.041.089,66 84,1% 24.392.821.768,53 11,8%
RJ
Campos dos
Goytacazes 4 475.182.177,54 24,3% 465.000.000,00 102,2%
Macaé 256.136.554,11 13,1% 528.712.592,06 48,4%
Rio das 201.942.934,33 10,3% 333.766.420,03 60,5%
Ostras
Cabo Frio 87.556.221,75 4,5% 225.011.293,61 38,9%
Quissama 63.064.726,98 3,2% 128.316.328,13 49,1%
Armação de 36.247.341,45 1,9% 76.609.254,84 47,3%
Búzios
Fonte: ANP, Secretaria do Tesouro Nacional – STN e Serra, R.V.

Não só apenas a arrecadação, financiamento e gastos dos


governos são questionados, mas também qual será o efeito da
distribuição dos recursos petrolíferos em termos de políticas sociais.
Será que os municípios beneficiados hoje por estes recursos logram de
um desempenho diferente em termos de crescimento econômico e
desenvolvimento? A literatura econômica sugere que países ricos a
partir de recursos naturais tendem a apresentar taxas de crescimento
inferiores às dos países relativamente desprovidos. Assim, temos a
chamada “maldição dos recursos naturais” (SACHS, WARNER,
1999)5.
3
Porcentagem de quanto o beneficiário recebe de rendas petrolíferas em relação às outras
esferas governamentais da mesma categoria (Estados ou Municípios).
4
Para Campos dos Goytacazes a relação rendas petrolíferas/receita total foi maior que 1
devido aos valores subestimados de seu orçamento municipal para o ano de 2003.
5
A “maldição dos recursos naturais” (Dutch Disease) é um conceito que tenta explicar a
aparente relação entre a exploração de recursos naturais e um declínio no crescimento
58
Primeiros Ensaios Econômicos - PET Economia – UFPR
A Tabela 2 apresenta indícios desse fato:

TABELA 2: CRESCIMENTO MÉDIO ANUAL (%) DO PIB PER


CAPITA MUNICIPAL, DE 2000 A 2005. MUNICÍPIOS DO RJ E
RN
Montantes de royalties recebidos RJ RN RJ + RN
Todos 0,95 4,00 3,06
Não recebem royalties 3,83 4,37 4,27
Recebem royalties -0,02 3,69 2,28
Recebem royalties acima de R$ 10,00 -0,05 1,83 0,71
per capita
Recebem royalties acima de R$ 100,00 -1,74 1,60 -0,70
per capita
Fonte: IBGE, ANP e Postali, F.A.S.

Como se pode observar, os municípios que receberam royalties


cresceram menos, em média, do que aqueles que não dispõem desse
recurso. Também, os grandes receptores (acima de R$ 100,00 por
habitante) apresentaram da mesma forma, taxas de crescimento
menores do que a média estadual. Evidentemente, não está sendo
analisado o efeito de causalidade (maiores royalties, menor
crescimento), mas os dados sugerem uma forte presença da “maldição
dos recursos naturais”, em que os royalties nem sempre podem ser
benéficos ao município do ponto de vista do crescimento econômico
e desenvolvimento.

5 POSSÍVEIS MODELOS DE REGULAÇÃO A SEREM


APLICADOS
A discussão sobre uma possível mudança na legislação será
realizada no governo, de acordo com recentes declarações da ministra
Dilma Rousseff (Folha de São Paulo, 28/10/08). Na camada pré-sal, o
risco exploratório é menor, e, portanto, o governo dá sinais de que irá
aumentar a parcela dos ganhos da União, em detrimento das
empresas, bem como revisar a divisão da parcela do setor público que
será direcionada aos estados e municípios.
É dessa forma que a discussão atual levanta a questão dos
modelos regulatórios que podem entrar em vigor com a exploração do

econômico de um país. A exploração de recursos naturais eleva a taxa de câmbio do país,


fazendo com que sua indústria se torne menos competitiva, havendo assim uma
desindustrialização e um menor crescimento econômico. Sachs, J., Warner, A., (1999), ‘The
Big Push, Natural Resource, Booms and Growth’, p. 44-76.
59
Primeiros Ensaios Econômicos - PET Economia – UFPR
pré-sal. O modelo atual (concessão) tem como característica a
realização de licitações pela ANP para empresas privadas explorarem
petróleo por sua conta e risco, comprometendo-se a pagarem royalties
e bônus ao governo. A desvantagem dessa modelo para a exploração
das jazidas no pré-sal é que as empresas ganhadoras das licitações
terão ganhos certos, já que na camada pré-sal existe um óleo de
excelente qualidade, e os poços estão interligados em um grande poço.
Portanto, existem outros modelos em discussão (norueguês, partilha
da produção e misto) que visam contornar este problema dos ganhos
certos pelas empresas privadas.
A Tabela 3 mostra as vantagens e desvantagens de cada modelo
regulatório possível a ser aplicado:

TABELA 3: MODELOS REGULATÓRIOS POSSÍVEIS A


SEREM APLICADOS NA NOVA LEGISLAÇÃO DA
EXPLORAÇÃO DE PETRÓLEO NA CAMADA PRÉ-SAL
Modelo Definição Vantagem Desvantagem
São feitos leilões
de licenças para empresas
privadas explorarem Manutenção Toda
petróleo por sua conta e das bases do produção pertence
risco. A produção é da “jogo”; segurança ao concessionário;
Concessão empresa. Há pagamento institucional. ganhos certos.
de bônus, royalties e P.E.
Exemplo: EUA,
Brasil (hoje).
Estatal se associa a
grupo de capital aberto
para investir na
O governo
exploração. Sem operar Uma Estatal
seria representado
os poços, auxilia com não tem como
pela estatal que
financiamento e fica com objetivo maximizar
Norueguês atuaria como a
uma parcela dos lucros. lucros; o retorno
“administradora”
Os dividendos são pode ser abaixo do
das reservas.
depositados em um potencial (perda de
fundo soberano. eficiência)
Exemplo:
Noruega.

60
Primeiros Ensaios Econômicos - PET Economia – UFPR
A estatal se associa Risco O retorno
a grupos privados para reduzido para a não seria tão
Partilha da cuidar da prospecção. companhia e volumoso a fim de
Produção maiores ganhos atrair grandes
Exemplo: Angola. pelo governo. investidores.

Mescla do modelo
de concessão com o de Manutenção
partilha. O Brasil do regime de A atração de
caminha nesse sentido ao concessões em investimentos pode
Misto estudar a adoção do áreas fora da ser reduzida.
sistema norueguês para Camada Pré-Sal e
as reservas do pré-sal e a adoção de sistema
manutenção das semelhante ao
concessões nas demais Norueguês.
áreas.

Exemplo: Rússia.
Fonte: Revista VEJA, 20/08/08, elaboração própria.

De acordo com o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão,


com a determinação de um novo modelo de exploração previsto para
o ano de 2009 as rendas petrolíferas pagas à União também serão
modificadas (Agência Brasil, 11/11/08). Assim, esse fato trará
profundas conseqüências econômicas e sociais, de forma que é
necessária uma reavaliação dos investimentos feitos a partir destes
recursos na tentativa de maximizar o bem-estar da sociedade em geral
(Agência Brasil, 11/11/08).

6 E COM A CRISE?
Como já dito anteriormente, o preço do petróleo teve quedas
substanciais nos últimos meses após atingir patamares históricos,
causado principalmente pela incerteza nos mercados e previsões de
queda de demanda por parte dos grandes compradores (EUA, Japão,
China, etc). Uma vez que os preços relativos do petróleo não
favorecem, no curto prazo, novas explorações de petróleo e
incentivos ao desenvolvimento de combustíveis alternativos, pode-se
inferir que o governo e a Petrobras diminuiriam seu ritmo tanto para o
início das explorações como para mudanças substanciais na legislação
que recai sobre o mercado petrolífero. Porém, relatos na própria
teoria neoschumpeteriana consideram que, no longo prazo, a detenção
61
Primeiros Ensaios Econômicos - PET Economia – UFPR
de novas tecnologias, como é o caso da exploração em águas
profundas pela Petrobras, proporcionam ao país maior dinâmica ao
longo do tempo, bem como maior independência em relação à infra-
estrutura e às tecnologias desenvolvidas no próprio país.
Declarações recentes da Petrobras, da ANP e do próprio
governo federal deixam claro que seguirão em frente com as
explorações mesmo com o preço do barril de petróleo em níveis mais
baixos. Estudos recentes da empresa afirmam que a exploração de
petróleo nas novas jazidas é economicamente viável até com o preço
do barril cotado a, aproximadamente, US$ 35,00 (Folha de São Paulo,
05/12/08). As explorações na camada pré-sal, até 2020, terão um
custo de aproximadamente US$ 600 bilhões, mas no longo prazo as
mudanças proporcionadas pela exploração de petróleo no Brasil “não
só modificam o panorama da geopolítica mundial do petróleo como
coloca o Brasil numa perspectiva completamente nova do ponto de
vista de serviço e de base industrial”, afirmou o diretor-geral da ANP,
Haroldo Lima (Folha de São Paulo, 07/11/08).

REFERÊNCIAS

AGÊNCIA BRASIL. Disponível em: http://agenciabrasil.gov.br>


Acesso em: 28/11/08.

ANP. Disponível em: <http://www.anp.gov.br> Acesso em:


01/12/08

FOLHA ONLINE. Disponível em:


<http://www.folhaonline.com.br> Acesso em: 05/12/08.

FRANCE PRESSE. Disponível em: <http:// www.afp.com> Acesso


em 28/11/08.

IPEADATA. Disponível em: http://www.ipeadata.gov.br Acesso em:


29/11/08.

COELHO, W. ‘História do Petróleo no Brasil: Tese mineira do


petróleo’, Dissertação de Mestrado, Fundação Brasileira de Direito
Econômico – 2008.

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FORMAN, J. ‘Plano Decenal de Estudos e Serviços de Geologia
e Geofísica Aplicados à Prospecção de Petróleo e Gás Natural’,
17º World Petroleum Congress – 2002.

GOBETTIW, S.W. ‘Mitos e Verdades sobre os Royalties no


Contexto do Debate sobre o Pré-Sal’, Petróleo, Royalties e Região,
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MENDES, A.F. ‘Mercado Futuro de Petróleo: Origem e


desenvolvimento’, Monografia de Bacharelado, UFRJ – Rio de
Janeiro, 2003

POSTALI, F.A.S. ‘Royalties do Petróleo e Crescimento


Municipal: Uma avaliação preliminar’, Petróleo, Royalties e Região,
UcamCidades, Ano IV, nº 21 – 2008.

SACHS, J., WARNER, A. ‘The Big Push, Natural Resource,


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SAMPAIO, E. O. ‘Teoria da Regulação e Abordagem Neo-


Schumpeteriana: Algumas reflexões sobre a possibilidade de
complementaridade e convergência teórica’, XXXI Encontro ANPEC
– 2003.

SERRA, R.V. ‘Rendas Petrolíferas no Brasil: Critérios de


distribuição distorcidos induzem ineficiência no gasto’, Revista de
Desenvolvimento Econômico, vol. 8, nº 01 - 2006

VEJA, Revista (20/08/08), ‘A Exploração do Petróleo’, edição 2074.

63
Primeiros Ensaios Econômicos - PET Economia – UFPR
64
Primeiros Ensaios Econômicos - PET Economia – UFPR
Inflação, dinheiro e política monetária: Uma tentativa de
análise marxista

Nelson Nei Granato Neto*

1 INTRODUÇÃO
A recente aceleração inflacionária que ocorreu no mundo
inteiro, com reflexos no Brasil, suscitou uma escalada de críticas ao
modo como o Banco Central brasileiro conduz o seu combate à
inflação, com a sua política monetária considerada muito
conservadora, inclusive para padrões internacionais. O presente artigo
é uma tentativa de análise da política monetária do Banco Central sob
a perspectiva da teoria marxista. Este artigo pretende ser um
pequeno resumo do que a teoria marxista entende sobre dinheiro,
política monetária e inflação e desfazer algumas confusões que
existem na comparação da teoria marxista com outras teorias sobre
esses temas. Para isso os conceitos como endogeneidade da moeda,
valor socialmente necessário e política monetária serão abordados e a
teoria do dinheiro-extra será utilizada para explicar o surgimento da
inflação. E assim este artigo contribui para novas abordagens,
diferentes do mainstrem oficial, sobre os problemas econômicos como
a inflação.

2 DINHEIRO: MEIO DE CIRCULAÇÃO E MEIO DE


PAGAMENTO
O conceito marxista de dinheiro, de fundamental
importância, é pouco conhecido e é a origem de muitas confusões
acerca do marxismo. Segundo Marx, na esfera da circulação o
dinheiro1 tem duas funções: meio de circulação, intermediação de
trocas, como nas compras a vista, onde o dinheiro cumpre uma
função transitória; e meio de pagamento, que surge na separação do
ato de comprar e vender, como nas transações a prazo, quando o

*
Aluno do curso de Ciências Econômicas e bolsista do Programa de Educação Tutorial
(PET) de Economia da Universidade Federal do Paraná (UFPR)
1
Além dessas funções na esfera da circulação, o dinheiro tem outras funções importantes na
teoria econômica marxista: a de medida de valores (o dinheiro como a expressão de valor para
as mercadorias, ou seja, do tempo de trabalho) e a de entesouramento, que será abordada
posteriormente.
65
Primeiros Ensaios Econômicos - PET Economia – UFPR
dinheiro é parte essencial da troca (HILFERDING, 1985). O esquema
abaixo ilustra isso:

M – D – M (meio de circulação)
M – T – M (meio de pagamento)2

A base do dinheiro é o ouro, que historicamente é a mercadoria


que desempenha o papel de dinheiro, entretanto devido ao
crescimento da capital mercantil e das necessidades de circulação o
papel-moeda começou a ser emitido e circula no lugar do ouro
desempenhando as funções do dinheiro. Isso não significa que o
papel-moeda sem lastro consiga desempenhar as funções de dinheiro,
pois isso levaria a perturbações constantes no processo de circulação e
o comércio internacional se tornaria inviável (HILFERDING, 1985),
e a própria troca ‘demonstra que e necessário ir mais adiante e admitir
um equivalente universal que seja em si mesmo uma mercadoria e
conseqüentemente um valor (HILFERDING, 1985).' Portanto a base
do dinheiro é o ouro, como pontua o próprio Karl Marx:
[o ouro] não vendeu a sua própria sombra, mas usa a
mesma para fazer compras. Por conseguinte o signo de
valor [papel-moeda] só funciona na medida em que ele
representa, dentro do processo, o preço de uma mercadoria
em relação a outra, ou o de todo dono de mercadoria em
relação ao ouro. (MARX apud HILFERDING, 1985 op. cit. p. 63.)

As necessidades de circulação dão origem ao chamado valor


socialmente necessário de circulação3 dado pela razão entre o valor
total das mercadorias em circulação e a velocidade de circulação do
dinheiro (HILFERDING, 1985), quando há dinheiro acima do que e
necessário para a circulação ele é entesourado (HILFERDING, 1985).
Esses conceitos muitas vezes levam a acusar o marxismo de ter uma
teoria quantitativa da moeda, mais adiante esta confusão será
esclarecida.

2
O T representa um título de dívida quando o pagamento é realizado depois da compra, ou
seja, uma venda a prazo. O vendedor recebe um compromisso de pagamento, o título de
dívida, que é pago posteriormente.
3
Essa idéia de Hilferding vem do conceito marxista de ‘grau de saturação da esfera da
circulação’ (MARX, 1983. p. 113) que determina o ‘volume de dinheiro funcionando como
meio circulante’ (id. ibid. p.104). Quando o volume de dinheiro está acima desse grau de
saturação, ele é entesourado; se não há dinheiro suficiente, o dinheiro é então desentesourado.
66
Primeiros Ensaios Econômicos - PET Economia – UFPR
3 ENDOGENEIDADE DA OFERTA DE DINHEIRO
Outro aspecto importante para ser discutido é o caráter
endógeno da oferta de dinheiro na teoria marxista. É muito comum
comparar a teoria pós-keynesiana da endogeneidade da moeda com a
teoria marxista, convém ressaltar as diferenças e apresentar a teoria
marxista da endogeneidade do dinheiro.
A teoria pós-keynesiana, conhecida como ‘Teoria Horizontalista
da Moeda’4 reconhece a oferta de moeda como endógena, e é
determinada pela demanda entre três instancias: entre empresas e
bancos (bancos criam moeda em resposta à demanda de crédito das
empresas), entre bancos e o banco central, e entre famílias e bancos
(SAAD e LAPAVISTAS, 1999). Isso implica em: empréstimos criam
depósitos, depósitos criam reservas, e a oferta de moeda-crédito;
fazendo com que taxa de juros e demanda por moeda tenham relação
inversa; a criação de moeda-crédito permite às firmas financiar seus
gastos antes que o valor seja produzido; os lucros são investidos antes
de serem criados; a composição dos ativos bancários deriva de leis
macroeconômicas e não da preferência pela liquidez; e a taxa de juros
não é um preço de mercado, mas um fenômeno puramente monetário
(SAAD e LAPAVISTAS, 1999).
Na teoria marxista, a endogeneidade do dinheiro (termo
preferível ao de moeda, por ser um conceito mais amplo que um mero
meio de circulação) tem um enfoque diferente. Em um artigo ainda
inédito5, o Profº Claus Germer afirma que a oferta monetária é
necessariamente endógena na teoria marxista porque o dinheiro é uma
mercadoria por definição, por isso a chamada endogeneidade
produtiva. Como já foi mencionada, a função de dinheiro como meio
de circulação é muitas vezes desempenhada por títulos de dívidas (o
chamado dinheiro de crédito), que não é dinheiro por definição apesar
de cumprir funções de dinheiro, o que gera confusões entre as teorias
não-marxistas e a marxista, uma vez que no marxismo o dinheiro é
definido pela sua essência e as outras teorias o definem a partir de suas
funções, o que gera confusões entre dinheiro e outras categorias que
desempenham determinadas funções de dinheiro.
Essas confusões são sintetizadas na citação abaixo:

4
A oferta endógena de moeda é representada por uma curva horizontal nos gráficos juros-
dinheiro, origem do seu nome.
5
GERMER, Claus M. “Endogeneidade produtiva”, um enfoque alternativo da hipótese da endogeneidade
da oferta monetária. (artigo inédito).
67
Primeiros Ensaios Econômicos - PET Economia – UFPR
[a incompreensão da diferença entre o dinheiro e o dinheiro
de credito resulta na incompreensão] do papel do ouro
como dinheiro – como base da pirâmide creditícia sobre ele
erigida – uma vez que o sistema de crédito culmina em um
saldo resultante das compensações finais de dividas
recíprocas de todo o sistema, representados pelo dinheiro
de crédito, saldo esse que deve ser coberto pelo dinheiro
real, isto é, o ouro (GERMER).

Ainda sobre a oferta monetária, a sua quantidade (meios de


circulação + meios de pagamento) é regulada por três fatores: valor
total de mercadorias a circular (ou a pagar), velocidade da circulação
de dinheiro e o valor do próprio dinheiro. Ou seja, ao contrario da
teoria quantitativa da moeda, a quantidade ofertada de dinheiro é
determinada por fatores intrínsecos a produção de mercadorias, e seu
caráter endógeno (como mercadoria) precede o surgimento do crédito
monetário e do dinheiro de crédito. E lembrando que não é a
produção de ouro que determina a quantidade de dinheiro em
circulação, são as reservas em dinheiro e em títulos de crédito
entesourados que regulam com o entesouramento e o
desentesouramento a oferta de dinheiro conforme as necessidades de
circulação (ou grau de saturação da esfera da circulação).6
Assim sendo, percebe-se que também não é coerente comparar
a endogeneidade da oferta monetária na teoria pós-keynesiana e na
teoria marxista. Enquanto na teoria horizontalista, há uma
endogeneidade, que se pode chamar de bancária, uma vez que os
bancos ‘criam’ dinheiro, segundo essa teoria; no marxismo isso é
considerado uma confusão uma vez que os bancos não podem criar
meios de pagamento. No marxismo o papel dos bancos é,
essencialmente, o de mediador nas funções monetárias, o que se cria
com os depósitos bancário não é propriamente dinheiro, mas uma
emissão de dinheiro de crédito representando a forma monetária do
capital industrial cuja circulação passa necessariamente pelo sistema
bancário7.
Ou seja, apesar de fenômenos, como a fixação do nível taxa de
juros em uma economia, terem explicações semelhantes nas duas

6
Adaptado de: MARX, Karl. O Capital. Livro I. Vol. 1. São Paulo: Abril Cultural, 1983. p.113 e
118.
7
Adaptado de: GERMER, Claus M. op. cit. p. 20.
68
Primeiros Ensaios Econômicos - PET Economia – UFPR
teorias8, estas apresentam bases teóricas diferentes o que impede uma
equivalência entre as análises pós-keynesiana e marxista.

4 POLÍTICA MONETÁRIA
Sobre a política monetária, é preciso ficar claro que, do ponto de
vista marxista, a política monetária é uma ideologia de uma prática
estatal que é garantir a coerção monetária (BRUNHOFF, 1978) (um
exemplo disso é a função estatal de manter a moeda como
equivalente-geral). Esta política tem duas frentes: 1) gestão da moeda:
a cargo do Banco Central; 2) sanção da política referente à moeda:
referente à tomada de decisões políticas. Como a política monetária é
feita pelo Estado, que na visão marxista é um instrumento da
burguesia para gerenciar seus negócios comuns, essa política não deixa
de ser também um instrumento de classe, ao contrário do discurso
oficial que a apresenta como de ‘interesse geral’.
As intervenções governamentais são apresentadas como
política monetária de interesse geral, quando não passam de
decisões que procuram tornar possível uma nova gestão da
moeda, indispensável à expansão da acumulação capitalista
(BRUNHOFF, 1978)
O capitalismo atual tem necessidade desta noção ideologia
[a política monetária] bem como da noção de inflação para
exprimir sua própria relação com as condições de produção
(BRUNHOFF, 1978).

Portanto, a política monetária longe de ser neutra e de interesse


geral é sim uma prática estatal, orientada pela ideologia burguesa, para
favorecer determinados setores da burguesia. Logo, os eventuais
sucessos ou fracassos da política monetária não podem ser
conceituados com noções da ideologia burguesa.

5 INFLAÇÃO SOB A PERSPECTIVA MARXISTA: A


‘TEORIA DO DINHEIRO-EXTRA’
Entendendo a visão marxista de dinheiro e política monetária,
pode-se falar de inflação. Como ressalta Suzanne de Brunhoff, no
discurso oficial a inflação é tratada como uma ‘força má’ que precisa
ser combatida, ela é apresentada como alheia ao funcionamento
8
Em ambas as teorias o nivel da taxa de juros é determinado pela oferta e demanda por
dinheiro, e sua fixação por parte do Banco Central, por exemplo, trata-se de uma decisão
política.
69
Primeiros Ensaios Econômicos - PET Economia – UFPR
‘normal’ do capitalismo, todos são culpados (estado, estruturas de
mercado, massa monetária, consumidores) menos o próprio sistema
capitalista (BRUNHOFF, 1978). Na teoria marxista a inflação não
pode ser procurada em apenas algumas determinadas estruturas do
capitalismo, mas como um fenômeno próprio da dinâmica capitalista.
Para formular uma teoria marxista sobre a inflação é necessário
obedecer alguns pré-requisitos, como bem observam Lapavistas e
Saad Filho: 1) a teoria tem que ser historicamente especifica e baseada
nas características particulares da produção capitalista; 2) a moeda-
crédito (dinheiro como meio de pagamento) é uma forma avançada de
dinheiro e sua oferta é endógena em um sentido mais profundo e
complexo que a analise pós-keynesiana; 3) apesar da oferta de dinheiro
ser endógena, a quantidade ofertada não é necessariamente compatível
com as necessidades de circulação (SAAD e LAPAVISTAS, 1999).
Uma teoria marxista sobre a inflação é a ‘teoria do dinheiro-
extra’, apresentada pelos professores Maria de Lourdes Mollo e
Alfredo Saad Filho em um artigo (2002). O seu diagnóstico parte que
a inflação tem origem em conflitos distributivos endógenos ao
capitalismo, sendo três os principais: 1) empresas com o poder de
fixar preços; 2) repasse dos aumentos salariais por parte dos
capitalistas; 3) disputa do capital financeiro e do capital industrial por
parcelas de mais-valia (BRUNHOFF, 1978).
Segundo as interpretações marxistas correntes a inflação é um
estudo das discrepâncias, criadas pelo circuito do capital, entre a
produção de valor e a oferta de dinheiro, porque a emissão de
dinheiro-extra9 (pelo setor privado – bancos comerciais, e público –
Banco Central) valida preços mais altos do que o valor10, e o
descompasso entre os rendimentos e a circulação do dinheiro; e como
o Estado não tem como regular as variáveis de acumulação da
economia (que por sua influenciam a emissão de crédito) o Estado
sanciona preços que são expressões imperfeitas de valor, e a emissão
contínua de dinheiro-extra produz distorções nas relações entre
preços e valor e entre setores da economia (BRUNHOFF, 1978).
Tanto a teoria econômica marxista quanto a teoria quantitativa
da moeda usam fórmulas matemáticas parecidas para explicar

9
Para manter a coerência com o marxismo, a emissão de dinheiro-extra por parte dos bancos
trata-se de dinheiro de crédito.
10
A emissão de dinheiro de crédito e de papel-moeda pode desvalorizar o padrão de preços, o
que freqüentemente ocorre.
70
Primeiros Ensaios Econômicos - PET Economia – UFPR
fenômenos monetários11, o que muitas vezes leva à conclusão
precipitada de que o marxismo tem uma teoria quantitativa da moeda.
Entretanto as implicações teóricas disso são diferentes: enquanto na
teoria quantitativa da moeda há uma relação direta entre quantidade de
dinheiro e inflação, na teoria econômica marxista há outra abordagem.
A emissão de dinheiro-extra pode provocar inflação ou não, isso vai
depender da capacidade produtiva dos setores da economia: em
setores com capacidade ociosa o dinheiro-extra estimula o
investimento e a demanda e não provoca inflação, o contrario ocorre
nos setores com capacidade produtiva esgotada (BRUNHOFF, 1978);
entretanto o seu efeito quanto a preço e/ ou quantidade são
imprevisíveis (BRUNHOFF, 1978). Além disso, dependendo de como
é emitido e como circula, o dinheiro-extra pode mudar
irreversivelmente o nível e a estrutura da composição do produto
nacional (BRUNHOFF, 1978).

6 CONSIDERAÇÕES
Ao final desse artigo de conjuntura é possível tirar algumas
considerações acerca da política monetária do Banco Central do Brasil
atualmente.
Não é de hoje que a taxa de juros do Banco Central do Brasil
está entre as mais altas do mundo, sempre com a justificativa de
manter a inflação em um nível baixo. O que a teoria marxista tem a
dizer sobre isso é que se o objetivo é controlar a inflação, o Banco
Central fatalmente não terá como controlá-la com uma taxa de juros
alta, uma vez que o Banco Central não tem controle sobre a oferta de
dinheiro na economia e muito menos sobre as variáveis de
acumulação da economia nacional, isso só seria possível se a economia
fosse planejada, o que esta fora de cogitação em um sistema
capitalista.
Isso não implica que o marxismo concorde com avaliações
semelhantes feitas por outras teorias, os pressupostos teóricos são
diferentes. Apesar de haver semelhanças entre o marxismo e o pós-
keynesianismo no diagnóstico que as decisões do Banco Central

11
A teoria quantitativa da moeda usa a fórmula: MV=PQ (massa monetária*velocidade da
circulação da moeda=nível de preços*nível de produção).
E Marx no Capítulo III do Livro I do Capital usou a seguinte fórmula: volume do
dinheiro funcionando como meio circulante=soma dos preços das mercadorias/número de
cursos das peças monetárias.
71
Primeiros Ensaios Econômicos - PET Economia – UFPR
quanto a política de juros, isso não se deve a endogeneidade bancária
da moeda, mas sim devido a endogeneidade produtiva do dinheiro.
Assim como a semelhança que há no diagnóstico de que emissão de
dinheiro (ou moeda) pode gerar inflação tanto no marxismo quanto
na teoria quantitativa da moeda, isso se deve a imprevisibilidade dos
efeitos da emissão de dinheiro-extra e não a uma suposta relação
direta entre quantidade de moeda e inflação.
Ou seja, sob a luz da teoria marxista, a política monetária do
Banco Central com os seus juros altos que não tem efeitos sobre a
inflação, só tem sentido como uma estratégia política para favorecer
determinados setores da burguesia, notadamente os banqueiros. E seu
discurso de combate à inflação não passa de retórica para justificar
essa estratégia política.
REFERÊNCIAS

BRUNHOFF, Suzanne de. A política monetária – Um ensaio de


interpretação marxista. Paz e Terra – São Paulo, 1978.

GERMER, Claus M. “Endogeneidade produtiva”, um enfoque


alternativo da hipótese da endogeneidade da oferta monetária.
(artigo inédito).

HILFERDING, Rudolf. O Capital Financeiro. Abril Cultural – São


Paulo, 1985.

MARX, Karl. O Capital – Livro I. Vol. 1. Abril Cultural – São Paulo,


1985.

SAAD FILHO, Alfredo. LAPAVISTAS, Costas. A Teoria


Horizontalista da Moeda e do Crédito. In: Revista Estudos
Econômicos – Instituto de Pesquisas Econômicas da USP. Vol. 29 –
nº 1 – São Paulo, 1999.

SAAD FILHO, Alfredo. MOLLO, Maria L. R.. Inflation and


stabilization in Brazil: a political economy analysis. In: Review of
Radical Political Economics. v.34 - 2002.

72
Primeiros Ensaios Econômicos - PET Economia – UFPR
Entrevista Com Mario Cimoli

No dia 13 de outubro, o professor Mario Cimoli, pesquisador


da Cepal e professor na universidade de Veneza, esteve na UFPR a
convite do Professor Gabriel Porcile para proferir um seminário
intitulado “Cambio estrutural y Aprendizado en América Latina”.
Cimoli é pesquisador na área de inovação tecnológica e concedeu esta
entrevista, em que pudemos falar de sua trajetória profissional, da
Cepal e da América Latina.

O SENHOR PODE FALAR UM POUCO SOBRE A SUA


VIDA PROFISSIONAL E ACADÊMICA, SOBRE AS
PESSOAS QUE TIVERAM INFLUÊNCIA NA SUA
FORMAÇÃO?
Sou natural da Argentina. Iniciei meus estudos fazendo um
curso técnico industrial e mais tarde estudei engenharia. E enquanto
eu estudava à noite, trabalhava na empresa de meu pai, uma pequena
empresa de elevadores e de máquinas, e isso tem muito a ver com o
porquê eu ter me especializado na área da tecnologia, ou seja, foi
porque entrei e conheci a tecnologia de uma empresa.
Pouco depois, exilei-me na Itália. Era época da ditadura e tive
que partir porque os militares me procuravam. Lá comecei a estudar
economia. E a pessoa que teve uma grande influência sobre a minha
formação em economia, de quem tenho muitas boas lembranças,
como um excelente economista, de boa formação acadêmica e
humana, era o professor Paolo Sylos Labini. Paolo foi fundamental na
minha carreira porque ele me ajudou transformar meu ímpeto jovem,
minha vontade de mudar muitas coisas, em estudo sério da economia.
Com ele entendi a importância do estudo da matemática, da história
do pensamento econômico. Além disso, Paulo Sylos Labini escreveu
excelentes livros. “Oligopólio e Progresso Técnico” é um livro que até
hoje os manuais de história econômica e de microeconomia citam.
Outra pessoa fundamental foi o professor Giovani Dossi. Fui a
um seminário seu no meu último ano na faculdade em Veneza e eu o
critiquei. Ele terminou o seminário, depois das críticas e me convidou
para estudar com ele em sua universidade. Ou seja, eu o critiquei, mas
minhas críticas foram muito entusiásticas, eufóricas. Depois ganhei
73
Primeiros Ensaios Econômicos - PET Economia – UFPR
uma bolsa de estudos da fundação Norberto Bobbio e uma bolsa do
Banco Itália para poder estudar na Inglaterra. Aí me aprofundei nos
temas de estruturas, sempre pensando na América Latina.

E COMO O SENHOR CHEGOU ATÉ A CEPAL?


Quando voltei da Inglaterra, comecei a lecionar na
Universidade de Veneza, onde sou professor até hoje. E bem, não que
eu estivesse em desacordo, mas havia muita gente mainstream, muita
gente muito ortodoxa. E o problema da universidade é de poder, se os
ortodoxos têm o poder, os outros não o tem, e o mesmo acontece no
caso contrário. Muitas vezes não existe respeito pelo pensamento
plural na economia. A economia não é uma ciência como a física, tem
um grande componente ideológico. E então fui ao México em um ano
sabático e acabei ficando lá por três anos. E quando estava prestes a
voltar, José Antonio Ocampo, o secretário da Cepal na época, me
convidou para ir trabalhar com eles. Aceitei e aí estou há oito anos.

E SE PODE DIZER QUE A SUA VISÃO DE MUNDO, SUA


VISÃO DA ECONOMIA É PRÓXIMA DAQUELA QUE TEM
A CEPAL?
Evidentemente. O último documento da Cepal do qual
participei em grande medida se chama “Transformación productiva 20
años después”, que trata da história da Cepal no pensamento sobre
produtividade e crescimento. Sim, me identifico muito com a Cepal.
Além disso, ela é uma bela instituição. É bela porque pensa, porque é
provocativa, porque não tem que prestar contas ao governo. Não
temos que dizer aos governos o que pensar. E às vezes nos olham
mal, porque se os governos são inteligentes, preferem ter pessoas que
digam o que pensam e não pessoas que o façam pelo dinheiro. E há a
história da Cepal! Prebisch, Celso Furtado... eu, aos jovens brasileiros,
digo que leiam “A fantasia organizada”. Se um jovem brasileiro me
perguntar o que deve estudar para seguir a carreira de economia, eu
digo que é um orgulho e é lindíssimo ler “A Fantasia Organizada”. O
livro explica porque às vezes a gente faz o que faz, explica o porquê da
Cepal e explica Celso Furtado, Cardoso, Pinto, Osvaldo Sunkel,
enfim, mostra uma grande riqueza de pensamento. E a Cepal quanto a
isso é linda porque se pode pensar. É um ‘Think Tank’ da América
Latina, que tem boas relações com a consciência latino-americana.

74
Primeiros Ensaios Econômicos - PET Economia – UFPR
E BREVEMENTE, COMO VOCÊ DEFINIRIA A
VISÃO DA CEPAL SOBRE DESENVOLVIMENTO
ECONÔMICO?
Se alguém me pede uma definição da visão da Cepal sobre
desenvolvimento, eu diria que a Cepal vê o desenvolvimento como
algo integrada. Quando falamos de desenvolvimento, preocupa-nos o
desenvolvimento de cada cidadão latino americano, para que ele possa
ter acesso ao bem estar, aos direitos e à cidadania e que a distribuição
desses direitos seja o mais equitativa possível. Mas também
entendemos que isso não é possível sem crescimento, educação, uma
boa condução de políticas macroeconômicas e também uma boa
gestão do meio ambiente. Mas prevalece a visão integral do
desenvolvimento.

E SOBRE POLÍTICAS INDUSTRIAIS, O QUE VOCÊ


ACREDITA QUE ESTÁ SENDO FEITO NA AMÉRICA
LATINA AGORA?
Parece-me que foi feito menos do que poderia ter sido feito e
temo que se perca o rumo. O Brasil fez muito nessa área, está
fazendo. Mas creio que frente à crise financeira internacional, os
países que vão esquecer dos problemas industriais e tecnológicos são
os que ficarão piores nos próximos 20 ou 30 anos. Quero dizer, agora
com o que está acontecendo, é que se deveria pensar mais na política
industrial e tecnológica.

E HÁ ALGUM PAÍS NA AMÉRICA LATINA QUE LHE


PARECE SER O MAIS DESENVOLVIDO NESSE ASPECTO
DE POLÍTICA INDUSTRIAL E TECNOLÓGICA?
Eu diria que é o Brasil. Não porque estou aqui, mas o Brasil é o
que está na vanguarda.

E O CHILE?
O Chile é um país interessante, que mudou muito, cresceu, mas
se falamos de políticas industriais, o Brasil, com todos os seus defeitos
e problemas, está na frente. Tem instrumentos e uma planta
tecnológica muito interessantes. O BNDES é notável, o que estão
fazendo com a Petrobrás também o é. Não está perfeito, há críticas,
mas o que quero dizer é que se há um exemplo regional, é o Brasil.
No entanto, fazer comparações é difícil, porque o país é muito grande

75
Primeiros Ensaios Econômicos - PET Economia – UFPR
e tem muitos recursos. Os países têm que fazer suas políticas com
relação ao que há disponível, de acordo com sua história, sua
tecnologia.

E QUAIS OS PRINCIPAIS PROBLEMAS INSTITUCIONAIS


E POLÍTICOS QUE A AMÉRICA LATINA ENFRENTE
COMO IMPEDITIVO AO DESENVOLVIMENTO
TECNOLÓGICO E INDUSTRIAL?
Acredito que há várias oportunidades aqui, deve-se saber aproveitar,
deve-se mostrar ao povo o que se pode fazer, o que não se pode.
Acredito que o principal problema passa pela afirmação da
democracia, da cidadania. Cidadania com C maiúsculo, em que todos
tenham acesso à educação, que ela não seja discriminatória. Quanto a
isso, a América Latina tem muito que fazer. É essa cidadania que
imagino para esse lindo continente.

E SOBRE A INTEGRAÇÃO DESTE CONTINENTE, O QUE


O SENHOR PENSA?
Eu estou muito contente com o que está sendo feito no Cone
Sul. A Unasul é uma excelente iniciativa, a integração regional é muito
importante. E deve-se fazer com que os jovens se movam. Meu sonho
para a América Latina, principalmente para o Cone Sul neste
momento, é poder ter jovens do Brasil, da Argentina, do Uruguai, do
Chile se movendo, como acontece na Europa, com o programa
Erasmus, em que os jovens vão fazer parte de suas graduações em
outros países. Eu quero uma América Latina assim, quero que vocês
possam fazer um curso na Universidade de Buenos Aires, enquanto
alguém de Buenos Aires faz um curso na UFPR, e alguém da UFPR
na Universidade de Chile... essa é a América Latina que eu quero.

E A AMÉRICA LATINA NO MUNDO, QUAL O SEU


PAPEL?
Eu penso que a crise vai afetar a América Latina, mas estamos
mais bem preparados que em outras vezes. No mundo, precisamos de
mais integração política. A América Latina tem importância no
mundo. O Brasil tem um grande papel, a Argentina também, mas os
dois juntos seriam mais fortes. Teríamos mais importância se, sobre
alguns temas, falássemos ao mundo com uma voz única.

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Primeiros Ensaios Econômicos - PET Economia – UFPR
Mas temos que raciocinar, principalmente os jovens. Pensa-se
pouco, discute-se pouco, debate-se pouco. Eu penso em uma
sociedade latino-americana diferente. Pelo menos devemos começar a
pensar em um acordo em que os jovens possam ir de uma
universidade a outra. Por que não começar com o simples? Por que
não reunimos os vinte reitores que se deve reunir para que resolvam o
problema da integração acadêmica, para que os jovens possam se
deslocar de uma universidade a outra? Integremos a região, essa é a
América Latina que quero.

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