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Condução em nevoeiro

A25, Terror na auto-estrada


0B

No passado dia 23 de Agosto, ocorreu na A25 um dos mais graves sinistros


rodoviários em Portugal. O público esquece rápido. Os envolvidos que sobreviveram,
não vão esquecer nunca.

Alguns dados sobre a ocorrência:

 57 Veículos envolvidos nos dois sinistros


 6 Mortos (2 carbonizados)
 72 Feridos, 48 em estado grave
 2 Pesados e 10 ligeiros incendiaram-se
 Chuva miudinha, nevoeiro cerrado
 Uma pessoa morre atropelada a pedir aos carros para abrandarem

Aqui ficam também para memória futura, algumas declarações retiradas do discurso
mediático:

“Condições atmosféricas adversas terão estado na origem de ambos os


acidentes”
Major Nélson Couto, Comando territorial de Aveiro da GNR

“(…) ainda casos de pessoas que não têm nada mas que não conseguem
parar de chorar”
Cílio Correia, director clínico do Hospital de Viseu

“(…) provavelmente a visibilidade terá sido o factor”


Cmdt. António Machado, Protecção Civil

“Segundo relatos de testemunhas ao JN, quem circulava no sentido


Viseu/Aveiro foi parando para acudir à vítimas a pedido de outros condutores.
Contudo, um camião TIR não conseguiu travar, alegadamente devido ao piso
molhado, e encostou à berma, abalroando 19 veículos ligeiros, dois pesados e
um motociclo.”
JN

“O Ministro das obras públicas, António Mendonça lembrou a fraca visibilidade”


SIC Notícias

"Houve velocidade excessiva. Os condutores não adequaram a condução às


condições meteorológicas - nevoeiro intenso e chuva forte - nem ao piso."
Núcleo de Investigação da GNR

1
"É a ausência de patrulhamento que se impunha nesta altura do ano. Só com
policiamento visível e assíduo é possível dissuadir os condutores da prática da
velocidade".
Lourenço da Silva, ex-comandante da Brigada de Trânsito

“(…) um terrível acidente de viação"


Ministro Rui Pereira

“(…) um traçado de estrada de montanha, faixas estreitas ensanduichadas em


corredores de cimento, nós a distâncias irregulares e, sobretudo, uma mistura
explosiva de viaturas ligeiras e pesadas, sem painéis informativos, sem
patrulhamento em circulação.”
Associação de Cidadãos Auto-Mobilizados

“A culpa é exclusivamente dos condutores, haja nevoeiro ou não as


velocidades continuam as mesmas e muitos nem os médios ligam... estas
mortes devem-se única e exclusivamente aos condutores envolvidos neste
acidente.”
Comentário de leitor (Vítor) no site do programa opinião pública da SIC Notícias

“Um dos enormes problemas que enfrentamos no nosso tráfego prende-se com
a distância a que se circula do carro da frente. Mesmo com piso seco as
distâncias não são as adequadas para uma travagem de emergência, e com
piso molhado e má visibilidade essa distância devia ser muito maior, mas o
comportamento da maioria dos condutores é de uma irresponsabilidade
criminosa. E não é só um problema de velocidade, 50 km/h na auto-estrada em
condições adversas pode ser uma velocidade vertiginosa!”
Comentário de leitor (Luís Lourenço) no site do programa opinião pública da
SIC Notícias

Algumas notas e destaques acerca dos comentários acima transcritos.

Para os responsáveis da GNR, Protecção Civil e órgãos do governo, a chuva e o


nevoeiro são causas de acidente. O “acidente” é, aliás, entendido como algo da ordem
do fortuito, do incontrolável, do imprevisível. Mais ligado à sorte e ao azar do que a
acções humanas.

Para o director clínico de um hospital onde entraram muitas vítimas do sinistro,


aparecem “pessoas que não têm nada mas que não conseguem parar de chorar”.
Será possível passar por uma experiência como esta e não ter “nada”?. Ou será que o
trauma psicológico continua a ser considerado como um mal muito secundário?

A falta de patrulhamento numa zona de risco como é a A25 no mês de Agosto, a falta
de sucedâneo credível para a extinta Brigada de Trânsito, a ausência de visibilidade
das forças de segurança, talvez estejam a contribuir também para um aumento da
sinistralidade.

2
Por fim será legítimo perguntar, que lições podemos retirar deste sinistro? Será uma
fatalidade? Porque ocorrem sinistros tão graves em situações de nevoeiro?

Deixamos aqui algumas pistas para ajudar a entender este fenómeno.

Condução em nevoeiro e choque em cadeia


1B

Um estudo (Bulté, 1985), realizado na auto-estrada francesa A1, mostrou que para
visibilidades inferiores a 50 metros, 96% dos condutores de ligeiros circulam a
velocidades onde a sua distância de paragem é superior à distância de visibilidade.

Outro estudo (Snowden, Stimpson, & Ruddle, 1998), demonstra que a maioria dos
condutores subestima a avaliação da sua própria velocidade em 10 a 20% perante o
nevoeiro.

De um modo geral, um grande número de condutores assume um comportamento de


risco perante o nevoeiro que se traduz em velocidades elevadas para a distância de
visibilidade disponível. A este comportamento acrescentam-se outros como o uso
incorrecto das luzes ou o mau posicionamento da viatura na via.
Com trânsito denso e em nevoeiro, assistimos com frequência ao aparecimento de
filas que seguem a velocidades demasiado elevadas e com distâncias muito reduzidas
entre viaturas.

Como entender o comportamento de risco dos condutores perante o


nevoeiro?

Duas hipóteses gerais de origem psicológica foram colocadas (Cavallo, Colomb, &
Dore, 2000) na tentativa de explicar o comportamento dos condutores nestas
situações. Uma primeira, considera a condução em nevoeiro como um rudimentar
sistema de comunicação social. A estabilização numa fila de trânsito que flui a uma
velocidade demasiado elevada e com insuficiente distância entre veículos, é explicada
como um fenómeno de reactância psicológica onde o condutor é indirectamente
pressionado pelo grupo a um determinado comportamento. Na ausência de um critério
objectivo de avaliação do seu próprio comportamento perante o nevoeiro, o condutor
sentirá a sua inserção na fila como um comportamento adaptativo de sucesso à
situação, sendo o perigo subestimado.

A segunda hipótese prende-se com dificuldades perceptivas na avaliação da


velocidade e das distâncias perante a situação de nevoeiro. A falta de referências
visuais na condução em nevoeiro pela homogeneização do espaço, levam o condutor
a uma deficiente avaliação perceptiva da envolvente, com alteração na capacidade de
avaliar distâncias e velocidades.

3
Percepção da distância

A percepção da distância é um aspecto fundamental da tarefa da condução.


A nossa percepção da tridimensionalidade bem como a noção de profundidade e
distância, assentam numa pluralidade de fenómenos e índices complexos como
sejam: ângulo de convergência, disparidade entre imagens na retina (o que permite a
visão binocular), grandeza familiar entre objectos a diferentes distâncias, alterações
cromáticas, etc. Um condutor a uma dada velocidade, está sujeito ainda à paralaxe do
movimento: o movimento do observador produz alterações angulares nos objectos
presentes no seu campo visual, onde as alterações são maiores nos objectos
próximos do que nos objectos mais afastados.

Em condições de boa visibilidade, a maior parte destes índices estão disponíveis em


simultâneo. As informações provenientes dos referidos índices são combinadas na
percepção do condutor para lhe dar uma noção única de distância. Estes índices têm
ainda um valor cumulativo e um peso diferente segundo as situações de tráfego. Não
necessitamos de todos, mas um mínimo parece ser necessário para obtermos uma
noção correcta de distância.

Por vezes, em nevoeiro cerrado, só as luzes traseiras do veículo à nossa frente são
visíveis. A distância entre veículos é então percepcionada unicamente pelas
características das luzes como a cor, intensidade, halo ou a distância entre as luzes de
nevoeiro (se existirem duas). Todos os outros índices de profundidade estão ausentes
ou fortemente atenuados. Assim, quando um condutor se aproxima do veículo que
segue à sua frente sob forte nevoeiro, este avista primeiro as suas luzes (ou luz) e só
depois a sua silhueta.
Por sua vez o nevoeiro aumenta a densidade atmosférica, sendo a luz dispersa pelas
partículas de água suspensas nessa atmosfera. Uma consequência visual desta
dispersão é a redução dos contrastes, da luminância, a perda de detalhe e atenuação
dos contornos. Um outro efeito da dispersão da luz é a criação de um halo luminoso
em volta das fontes de luz.

Estudos empíricos mostram que os condutores em nevoeiro tendem a percepcionar os


objectos como se eles estivessem mais longe do que com tempo claro. Assim o
condutor terá tendência a diminuir a distância de segurança, uma vez que “julga” o
veículo que vai à sua frente mais afastado.

Uma vez que são as luzes traseiras os primeiros índices a ser percepcionados, estas
são cruciais e as suas características influenciam a capacidade do condutor para
avaliar a distância que o separa do veículo que segue à sua frente.

Luzes de nevoeiro

Segundo o Código da Estrada 1 , a luz de nevoeiro da retaguarda “serve para tornar


F F

mais visível o veículo quando visto da retaguarda, em caso de nevoeiro intenso ou

1
Artigo 63º

4
outras situações de redução significativa da visibilidade”.
A par das directivas europeias, são deixados aos construtores automóveis a opção de
instalação de uma ou duas luzes de nevoeiro na retaguarda dos veículos ligeiros. Mas,
por aquilo que foi dito atrás, seria interessante perceber o efeito na percepção visual
da utilização de uma ou duas luzes de nevoeiro, a diferença entre estas e as luzes de
presença e ainda o efeito do seu afastamento relativo, bem como da altura ao solo a
que são colocadas.

Obviamente que pela sua maior intensidade, as luzes de nevoeiro traseiras são mais
eficazes do que as luzes de presença. Um estudo (Cavallo, Colomb, & Dore, 2000)
mostrou que a utilização de duas luzes de nevoeiro atrás aumenta a acuidade da
percepção das distâncias inter-veículos pelos condutores. A distância de
posicionamento destas duas luzes dá uma indicação do gabarito (dimensões) do
veículo, permitindo ao observador a utilização de índices que lhe são familiares. Os
resultados mostraram a importância da utilização de duas luzes de nevoeiro para a
avaliação da distância de segurança. Também relevante é o seu afastamento. Quanto
mais afastadas na direcção dos extremos do veículo, melhor a percepção das
dimensões reais desse veículo e melhor a avaliação da distância até ele. No entanto,
para o parâmetro distância ao solo, não foram encontradas diferenças significativas na
percepção da distância, mas ainda assim foi observado um ligeiro melhor desempenho
para as posições mais baixas. Este estudo colocou em evidência as dificuldades
perceptivas e uma sobrestimação sistemática das distâncias, quando são apenas
visionadas as luzes traseiras. Nas situações de nevoeiro diurno de baixa ou média
intensidade, desde que a silhueta do veículo se mantenha visível, permitindo o
reconhecimento da dimensão habitual do veículo, as distorções na avaliação das
distâncias são pouco significativas.
Ficou provado a maior eficácia da utilização de duas luzes de nevoeiro na traseira em
vez de uma como a legislação permite. De facto a sobrestimação da distância entre
veículos diminui quando são usadas duas luzes de nevoeiro e quando estas são
colocadas o mais afastadas possível, para dar uma ideia real da dimensão do veículo.
Também, e para terminar, uma maior intensidade das luzes de nevoeiro ajudarão a
percepcioná-las mais cedo, no pressuposto de que luzes mais luminosas são
percebidas como estando mais próximas.

Distância entre veículos

Segundo dados do projecto comunitário SASPENCE 2 , em auto-estrada, 28% dos


F F

condutores circula com uma distância ao veículo da frente inferior a dois segundos e
13% a uma distância inferior a um segundo. Temos então pelo menos 41% dos
condutores a circular demasiado perto do veículo da frente, incapazes de evitar uma
colisão em caso de travagem forte. Refira-se a propósito, que um grande número de
condutores em Portugal, desconhece esta regra básica de dois segundos de distância
de segurança.

Foi demonstrado ( (Aron, Biecheler, & Peytavin, 1999) (Hoffmann & Mortimer, 1996)

2
http://www.prevent-ip.org/en/prevent_subprojects/safe_speed_and_safe_following/saspence/

5
que os condutores na procura da distância a deixar para o veículo da frente, assentam
as suas decisões menos no cálculo de velocidades ou distâncias e mais nas
mudanças aparentes no volume dos veículos que aumenta e diminui consoante o
condutor se aproxima ou se afasta. À medida que a distância para o veículo da frente
diminui, a sua aparente dimensão aumenta de um modo não linear, ou seja, á medida
que o condutor se aproxima do veículo da frente, a sua dimensão aparente aumenta
primeiro lentamente e depois rapidamente quando já está muito perto.
Parece que os condutores são bons a avaliar a direcção da aproximação, mas maus a
determinar a sua cadência de aproximação. Assim, muitos choques em cadeia são
determinados por uma inadequada avaliação da taxa de cadência de aproximação.

Foi também determinado que os condutores avaliam de um modo linear, a


necessidade de aumentar a distancia de travagem à medida que aumentam a
velocidade. Na verdade, a distância de travagem não aumenta numa proporção linear
mas sim numa proporção exponencial.

Regras dos dois segundos


3B

A utilização da regra dos dois segundos 3 (2 s.), para cálculo da distância mínima a
F F

guardar do veículo da frente em vez da utilização de metros, deve-se ao facto de, para
a maioria das pessoas, ser mais fácil calcular tempo do que distância. Os 50 metros
necessários a guardar do veículo da frente quando circulamos a 90 km/h são
avaliados de modo muito discrepante por diferentes condutores. Já o cálculo de dois
segundos de tempo decorrido, é operado pela maioria das pessoas em valores muito
mais aproximados.
Mas o cálculo da distância de 2 s., implica a existência de um referencial fixo na
estrada. Tal referencial em nevoeiro cerrado não existe. Por isso deixamos aqui uma
tabela que mostra o espaço a deixar para o veículo da frente, calculado segundo o
número de veículos que caberiam nesse espaço.

3
Como se aplica a técnica dos dois segundos: observamos o veículo que segue à nossa frente
passar um objecto estacionário na berma da estrada (candeeiro; sinal de trânsito; veículo
estacionado; marca no chão, etc.) Se o nosso veículo demorar 2 segundos ou mais a passar
no mesmo ponto, então estamos a uma distância segura. Podemos contar dois segundos
dizendo pausadamente dois números com 4 algarismos – Ex: 1101...; 1102!
Esta técnica, por contar tempo em vez de metros, adapta-se automaticamente à velocidade.
De notar que para piso menos aderente ou para veículos mais pesados deveremos aumentar o
tempo para 3 ou 4 segundos.

6
2 segundos 4 F Veículos de intervalo 5F

Veículo a 30 Km/h 16 m. 3
Veículo a 50 Km/h 27 m. 5
Veículo a 90 Km/h 50 m. 10
Veículo a 110 Km/h 61 m. 12
Veículo a 130 Km/h 72 m. 14

A tabela mostra, por exemplo, que quando circulamos a 50 km/h 6 em auto-estrada e


F F

sob nevoeiro cerrado, necessitamos de guardar do veículo da frente o espaço onde


caberiam 5 viaturas de dimensão média. Facilmente nos lembramos que, com
nevoeiro cerrado não conseguimos ver 5 viaturas (27 metros) à frente. Tal significa
que vamos depressa demais. Se mantivermos esta velocidade, quando apenas
avistamos 10 metros de estrada à nossa frente, significa que vamos embater em
qualquer obstáculo que nos apareça imobilizado na via. Basta um embate (ainda que
ligeiro) para imobilizar duas viaturas no meio de uma auto-estrada com forte nevoeiro.
A seguir, todas as viaturas que viagem a velocidades superiores ao que a visibilidade
permite, serão envolvidas num choque em cadeia.

O problema está na ideia de “velocidade reduzida” e na sensação subjectiva de


velocidade. A maioria dos condutores que circula habitualmente em auto-estrada não
cumpre o limite de velocidade de 120 km/h.
Vamos analisar um caso típico de comportamento em auto-estrada com nevoeiro.
Para um condutor que normalmente circula a 140 km/h em tempo claro, quando
encontra nevoeiro, reduz a velocidade, talvez para 90 km/h. Se o nevoeiro se tornar
muito cerrado, o condutor, “prudente”, reduzirá a sua velocidade para 70 km/h. A
redução de 140 km/h para 70 km/h dá ao condutor a sensação de ter reduzido muito a
velocidade. De facto, esta foi reduzida para cerca de metade da velocidade inicial.
Ora, como vimos anteriormente, a 70 km/h ele necessitava de uma distância de
segurança equivalente ao espaço ocupado por cerca de 8 viaturas. Em nevoeiro
4
Valor mínimo para cálculo da distância de segurança para um veículo ligeiro para estrada
com bom piso e sem chuva.
5
Valor aproximado segundo o cálculo: 1 veículo a cada 5 metros, para um comprimento de
veículo de 4,2 metros e com 40 cm de espaço para a frente e para trás. Valores segundo a
distância percorrida em 2 segundos.
6
O que para muitos condutores seria uma velocidade “ridiculamente” baixa

7
cerrado não conseguimos avistar tão longe. Assim, o condutor a 70 km/h irá embater
num obstáculo fixo ou veículo que circule a velocidade lenta, provavelmente ainda
antes de sequer iniciar a travagem. Tal também sucederá a todos os condutores que
circulem atrás de si a velocidades semelhantes.

Também é facilmente perceptível que não basta o comportamento adequado praticado


por apenas alguns dos condutores. Se a maioria não cumprir estas regras, o sinistro
em cadeia ocorrerá. Por isso, nos países onde o comportamento geral dos condutores
é mais adequado, os sinistros em cadeia são mais raros e geralmente de menor
gravidade. É portanto um tipo de sinistro com fortes características sociais, onde o
condutor individual, apesar de puder fazer “tudo bem”, poderá ser envolvido. Por isso a
formação técnica e cívica dos condutores é fundamental. Também por isso, todas as
entidades com responsabilidade na prevenção da sinistralidade a nível mundial
referem que a primeira acção a tomar perante o nevoeiro é não conduzir. Isto porque,
na verdade, não há solução técnica de condução defensiva que seja realmente eficaz
em nevoeiro cerrado, uma vez que estamos sujeitos a condutores a circular a
velocidades muito discrepantes. Se todos circularem em auto-estrada com nevoeiro
cerrado a uma velocidade muito moderada, por exemplo, a 30 km/h, mesmo que
ocorra um embate, este terá normalmente consequências pouco graves devido aos
sistemas de segurança passiva dos automóveis modernos que são bastante eficazes
a proteger os ocupantes a estas velocidades. Mas bastam dois ou três condutores a
circular a velocidades superiores para se estabelecer o caos e gerar um sinistro com
graves consequências.

Por isso, insistimos, se puder prever que vai encontrar nevoeiro, não conduza. Se tiver
mesmo de conduzir ou for apanhado a meio da viagem por uma zona de nevoeiro
cerrado, aqui ficam alguns conselhos para tentar diminuir um risco que, lembre-se, é
sempre demasiado elevado.

Conduzir no nevoeiro
2B

1. Aos primeiros sinais de aproximação de nevoeiro, acenda os faróis médios;


2. Ao entrar em zona de nevoeiro, ainda que pouco denso, acenda os faróis de
nevoeiro da frente e a luz (ou luzes) de nevoeiro traseira;
3. Reduza progressivamente a velocidade, usando muito suavemente o travão
para avisar os condutores de trás que está a reduzir a velocidade;
4. Desligue o rádio e abra um pouco a janela para ouvir o que se passa à sua
volta;
5. Mantenha o limpa pára-brisas em funcionamento para eliminar as gotículas de
água do pára-brisas;
6. Ajuste a velocidade em função dos valores da tabela acima;
7. Se o nevoeiro se tornar muito cerrado e não estiver em auto-estrada ou via
rápida, tente encontrar um local fora da estrada para estacionar e aguardar que

8
o nevoeiro seja menos denso. Se circular em auto-estrada e não estiver perto
de estação de serviço, circule a velocidade muito moderada, regulando a sua
trajectória pela guia do lado direito;
8. Não utilize os quatros piscas, a não ser que a sua viatura esteja imobilizada 7
F

No duplo sinistro ocorrido em Agosto na A25, para além do nevoeiro cerrado, havia
também chuva “miudinha”, segundo relatos das vítimas. Tal significa que o piso, após
longas semanas de tempo quente e acumulação de poeiras de diversas origens,
apresentava-se muito escorregadio, com uma taxa de aderência que poderá ser
inferior a metade da taxa de aderência quando seco. Tal significa que, na prática e no
caso ocorrido na A25, a distância de segurança não pode ser aferida com base nos 2
segundos mas em 3, 4 ou mais segundos.
Para 4 segundos a 50 km/h, por exemplo, teremos então uma distância mínima a
deixar do veículo da frente de cerca de 54 metros, o equivalente ao espaço de onze
viaturas, segundo a nossa tabela. Em nevoeiro cerrado não conseguimos avistar por
vezes nem duas viaturas, quanto mais onze.
Podemos concluir então que, 50 km/h seria já uma velocidade muito excessiva para as
condições de piso e visibilidade naquela tarde fatídica de Agosto na A25. Pelo grau de
deformação de algumas das viaturas envolvidas, percebe-se que as velocidades
praticadas pela maioria estavam muito para além dos 50 km/h.

Ajudas Electrónicas
4B

Perante as enormes dificuldades de adaptação dos condutores à reduzida visibilidade


provada pelo nevoeiro há muito que os construtores têm vindo a desenvolver sistemas
electrónicos de ajuda ao condutor que avaliam a distância ao veículo da frente
avisando o condutor e até iniciando a travagem em situação limite. Vejamos alguns
exemplos:
Um destes sistemas já em funcionamento chama-se Front Assist e é produzido pela
H H

Vollswagen.
O Brake Assist Plus é o sistema da Mercedes capaz de avisar visual e acusticamente
H H

o condutor, da aproximação de um obstáculo e de travar o veículo no último instante


(caso o condutor não faça nada), para minimizar a violência do impacto.
A Peugeot chama-lhe Distance alert.
H H

Os modelos Volvo são também equipados com dispositivos electrónicos de ajuda ao


condutor na avaliação da distância de segurança e na travagem de emergência: veja
um exemplo aqui. H H

Os sistemas de ajuda electrónica ao condutor são uma ferramenta muito importante na


prevenção de choques em cadeia. É certo que muitos fabricantes já equipam as suas

7
O nº 2 do Artigo 63 do Código da Estrada refere que “Os condutores devem também utilizar
as luzes referidas no número anterior em caso de súbita redução da velocidade provocada por
obstáculo imprevisto ou por condições meteorológicas ou ambientais especiais.” Ora, o que o
condutor não deve fazer perante o nevoeiro é realizar uma “súbita redução da velocidade”, uma
vez que esta pode de imediato provocar um choque em cadeia.

9
viaturas com estes dispositivos, mas geralmente apenas nos modelos de gama alta.
No entanto, como sabemos, estas inovações vão sendo introduzidas
progressivamente ao longo de toda a gama. Sabemos também que estes
equipamentos tendem as estar disponíveis na maioria dos novos veículos eléctricos.

Para terminar, é importante referir que tais sistemas constituem ajudas ao condutor.
Ou seja, não o substituem. Por isso, infelizmente, dentro do actual paradigma de
mobilidade, continuaremos que assistir a sinistros graves a que alguns insistem em
chamar “acidentes”.

Luís Escudeiro

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Bibliografia

Aron, M., Biecheler, M., & Peytavin, J. (Julho-Setembro de 1999). Temps intervéhiculaire et
vitesse, Quels enjeux de sécurité sur l'autoruote? Recherche Transport Sécurité , 64, pp. 3-20.

Bulté, B. (1985). Brouillard. Comportement par visibilité réuite. Lille, France: Centre d'Etudes
Techniques de L'Equipement Nord Picardie.

Cavallo, V., Colomb, M., & Dore, J. (Janeiro-Março de 2000). La surestimation de la distance
intervehiculaire dans le brouillard. Recherche - Transports - Securite , 66, pp. 81-97.

Hoffmann, E., & Mortimer, R. (1996). Scaling of relative velocity between vehicles. Accident
Analysis and Prevention , 28, pp. 415-421.

Snowden, R., Stimpson, N., & Ruddle, R. (2 de Abril de 1998). Speed perception fogs up as
visibility drops. Nature , 392.

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