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Fazendo Gênero 8 - Corpo, Violência e Poder

Florianópolis, de 25 a 28 de agosto de 2008

Lei Maria da Penha em Mossoró – RN:


limites e possibilidades ao combate à violência contra a mulher

Marwyla Gomes de Lima1(UFRN); Fernanda Marques de Queiroz2 (UERN)


Palavras chave: Gênero; Violência contra a mulher; Lei Maria da Penha.
ST 11 – Exclusão social, poder e violência I

Introdução
O presente artigo objetiva mostrar o resultado de uma pesquisa realizada em Mossoró-RN
intitulada: lei Maria da penha em Mossoró-RN: Limites e possibilidades ao combate a violência contra
a mulher. Esta pesquisa visou mapear como tem se dado a implementação da Lei Maria da Penha na
cidade diante da inexistência de políticas públicas necessárias para a sua devida implementação. Os
resultados obtidos se deram por intermédio de visitas e entrevistas realizadas com os (as) principais
profissionais que prestam atendimento as mulheres na DEAM e na 5ª Vara Criminal onde estão sendo
julgados os processos de violência. A falta de capacitação e sensibilidade por parte de alguns
profissionais frente à atuação nessa problemática, bem como, a importância da equipe multidisciplinar
para compor esse atendimento são os recortes dados a esse artigo.
Inicialmente, abordaremos um pouco sobre as categorias gênero, patriarcado e violência
contra a mulher que embasaram a pesquisa, bem como a metodologia que a norteou. E por fim,
mostraremos os resultados da pesquisa.
É importante ressaltar que essa pesquisa, além de contribuir como fonte de pesquisa
bibliográfica, ainda contribui para o reconhecimento de todos (as) que para a real efetivação da Lei
Maria da Penha, se fazem necessárias além da implementação de políticas públicas, uma equipe de
atendimento que seja sensibilizada para entender a causa das mulheres em situação de violência.

Gênero, patriarcado e violência contra a mulher


Desde pequenas, as crianças são ensinadas que a mulher tem que ser submissa e que os
homens é quem comandam tudo e todos, marcando o início de desigualdades que começam na infância
a partir da divisão de brincadeiras para meninos e meninas. Essa educação diferenciada se reverterá em
expressões de desigualdades muito maiores, onde os homens por acreditarem que as mulheres são sua
propriedade particular têm o direito de dominá-las e maltratá-las marcando diferenças que se
estenderão as esferas social, política e econômica na vida de homens e mulheres, trazendo um enorme
prejuízo a estas.
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A partir da contribuição da categoria gênero é que podemos desmistificar as desigualdades
biológicas entre os sexos e afirmar que estas são construções sociais, portanto, que podem ser
desconstruídas socialmente.
Segundo Faria e Nobre, citada por LIMA:

As crianças são levadas a se identificarem com modelos do que é feminino e masculino


para melhor desempenharem os papéis correspondentes. Os atribuídos às mulheres não
só são diferentes do homem, são também desvalorizados. Por isso, as mulheres vivem
em condições de inferioridade e subordinação em relação aos homens (1997,p.10).

Desta maneira, compreendemos que a categoria gênero, assim como uma lupa, contribui para
visualizarmos que os papéis atribuídos a homens e mulheres não são determinados biologicamente por
causa de seu sexo, mas são construções sociais que são incutidas culturalmente para ambos os sexos e
naturalizadas pela sociedade.
O patriarcado se constitui em um sistema de relações sociais que garante a subordinação da
mulher ao homem. Resultado desse sistema é que as diferenças biológicas são transformadas em
desigualdades de forma a garantir o pátrio poder do homem sobre a mulher. Assim, devido a esse
sistema opressor em que o poder do “macho” é perpassado de geração para geração naturalizando esta
dominação, é que ainda não foi possível banir a dominação que o homem exerce em nossa sociedade.
Neste trabalho, abordamos o regime patriarcal na noção de um “nó” utilizado pela autora
Saffioti, que tem por base o poder encontrando-se imbricado na relação entre classe, raça e gênero.
Desta forma, entendemos que uma mulher não é duplamente discriminada, porque, além de
mulher, é uma assalariada ou somado a isso, seja triplamente discriminada por ser negra, mas por estas
condições, a situação da mulher se torna muito mais complexa no interior da sociedade.
Desta maneira, podemos destacar que as várias desigualdades sociais entre homens e mulheres
começam desde a infância e o fato do homem acreditar que a mulher é sua propriedade particular é que
se dá à violência cometida contra esse segmento.
Segundo QUEIROZ, citada por LIMA:

A violência contra a mulher, também denominada de “violência doméstica” ou


“conjugal” é um fenômeno [...] que engloba todos os atos que pela ameaça, ou força, as
infligem, na vida privada ou pública, bem como, os sofrimentos físicos, sexuais,
psicológicos e discriminações com a intenção de intimidar, punir e humilhar, ferindo a
integridade física e subjetiva das mulheres agredidas (2008, p.26).

A visibilidade a essa forma de violência somente se deu devido à luta do movimento feminista
no decorrer dos anos de 1970, que influenciado pelos movimentos feministas da Europa e dos Estados
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unidos, começou a incentivar as mulheres a denunciarem os maus tratos e espancamentos pelos quais
eram vítimas no interior dos lares brasileiros.
A partir da pressão desse movimento, é que o Estado começou a criar as primeiras políticas
públicas como forma de enfrentamento a este tipo de violência sendo estas reivindicações atendidas a
partir da implementação das primeiras intervenções estatais as quais destacaremos as principais: o SOS
Mulher3 em 1981; A primeira Delegacia Especializada de Atendimento às mulheres em 1985 e
atualmente, como objeto de nossa pesquisa, a Lei Maria da Penha, que se constitui na primeira Lei
específica de combate a violência contra a mulher.
Esta violência se expressa em um ciclo que vai da acumulação de tensão, onde há constantes
brigas; passando para explosão de tensão, quando ocorre um episódio grave de violência; à lua de mel,
onde o casal reconcilia-se para recomeçar um novo ciclo sendo difícil a ruptura sem interferência
externa. São vários os tipos de violência que as mulheres estão cotidianamente submetidas nesse ciclo.
Seja ela física, sexual, psicológica ou simbólico-social, todas essas formas de violência ferem quando
não o corpo, à alma e a subjetividade das mulheres agredidas.
A Lei Maria da Penha (11.340/06) traz uma inovação que visa coibir a violência contra a
mulher por intermédio de medidas não somente de caráter repressivo, mas preventivo e assistencial.
Dessa forma, abordaremos aqui, os principais artigos da Lei em que direcionamos a nossa pesquisa e os
resultados nela obtidos.

Caminhos da pesquisa
A pesquisa é de natureza qualitativa, pois possibilita tratar das singularidades do sujeito,
compreendendo-as como ser histórico situado em suas relações sociais, fundamentada nas categorias
violência contra a mulher, gênero e patriarcado, compreendendo-as numa relação de totalidade e
contradição, inseridas no contexto das relações sociais capitalistas e da “lógica patriarcal de gênero”,
que impõem dentre outros valores, a subordinação das mulheres aos homens, e conseqüentemente, a
violência contra a mulher como algo natural.
A pesquisa se constitui de grande relevância social, pois propiciou o conhecimento das
condições das principais políticas de prevenção e combate à violência contra a mulher no município de
Mossoró-RN quais sejam: DEAM e 5ª vara Criminal, como também, investigou se os profissionais
estavam capacitados (as) e/ou sensibilizados (as) para atuarem em tal problemática.
Realizamos quatro entrevistas semi-estruturadas com três funcionárias da DEAM e uma com o
juiz da 5ª Vara Criminal da Comarca de Mossoró. Por intermédio das entrevistas podemos perceber se
estes profissionais foram capacitados para atuarem com a Lei Maria da Penha; se existe à atuação da
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equipe de atendimento multidisciplinar para a implementação da Lei e se há sensibilidade por parte dos
(as) profissionais que trabalham com a temática da violência contra a mulher.

Análise e interpretação dos resultados


Quanto à capacitação e sensibilidade dos (as) profissionais
Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher de Mossoró e 5ª Vara Criminal
Encontra-se disposto no artigo 8º da Lei Maria da Penha dentre outros “[...] a implementação
de atendimento policial especializado para as mulheres, em especial nas DEAM´s [...]”. Concordamos
com a Lei por compreendermos que para a sua real efetivação, se faz necessário o mínimo de
capacitação com os (as) agentes que farão o atendimento as mulheres vítimas de violência, em especial
com os profissionais que compõem a DEAM, uma vez que esse se constitui no primeiro órgão público
que a mulher procura para pedir ajuda profissional, publicizando assim à violência antes privada e
requerendo auxílio estatal para a interrupção do ciclo da violência.
Diante da realidade da nossa pesquisa e do universo dos quatro entrevistados (as), apenas um
profissional recebeu capacitação para trabalhar com a Lei Maria da Penha e este não constitui o quadro
de funcionários da DEAM e sim da 5ª Vara Criminal do município, tendo este recebido capacitação do
Estado do Ceará e a partir disso, procura capacitar a sua equipe profissional mediante leituras e por
intermédio da própria dinâmica institucional o que consideramos algo extremamente positivo.
A falta de capacitação dos agentes que compõem a DEAM de Mossoró no que concerne a
efetivação da Lei 11.340/06 é algo preocupante, pois implica em mau atendimento por parte dos
profissionais e até mesmo falta de sensibilidade para o tratamento dos casos de violência contra a
mulher banalizando-as e tornando-as culpadas por não conseguirem romper com o ciclo da violência.
Assim, o local que para as mulheres seria um refúgio torna-se um segundo local onde são vítimas de
um tipo específico de violência, a violência institucional, pois são mal-tratadas e de vítimas tornam-se
culpadas por sofrerem agressões de seus companheiros tornando o atendimento prestado as mulheres
na DEAM de má qualidade, pois estas chegam a serem intimidadas por alguns(as) dos (as)
profissionais, devido à forma ríspida com que as tratam, fazendo com que estas desistam da denúncia e
retirem a queixa.

Quanto à importância da equipe de atendimento multidisciplinar


Junto com a promulgação da Lei Maria da Penha, veio à possibilidade de criação dos Juizados
especializados em violência Doméstica e Familiar contra a mulher (art. 1º) e com isso a Lei estabelece
a criação de uma equipe de atendimento multidisciplinar integrada por profissionais das áreas
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psicossocial, jurídica e de saúde para prestar atendimento as mulheres e dependentes envolvidos no
ciclo da violência (art.29 a 32).
Em Mossoró inexiste à equipe multidisciplinar de atendimento. A falta destes profissionais,
em especial, do profissional de Serviço social e de Psicologia na DEAM e 5ª Vara criminal, foi algo
muito lamentado por todos (as) os (as) nossos entrevistados (as), pois reconhecem a importância de
trabalhar as condições objetivas e subjetivas não somente das mulheres agredidas como também das
crianças e adolescentes que fazem parte deste ciclo.

Conclusão
Após um ano de promulgação da Lei Maria da Penha, ainda visualizamos a incipiência de
várias políticas públicas que conclama a Lei. A cultura patriarcal interfere diretamente na forma com
que os (as) profissionais lidam com esta temática em seu cotidiano expressos na falta de um
atendimento humanizado as mulheres que os (as) procuram.
A inexistência da equipe de atendimento multidisciplinar torna o atendimento às mulheres
mais limitado ainda, resumindo os serviços oferecidos pelo poder público a uma questão técnico-
judicial tratada somente com medidas de caráter policialescos e repressivos ao agressor, deixando de
lado a questão subjetiva das mulheres e de seus filhos (as) que ficam a mercê das incipientes políticas
voltadas à questão objetiva e subjetiva das mulheres que podem contribuir no processo de autonomia
destas para o rompimento com o ciclo da violência.

Referências
BRASIL. Lei 11.340/06
DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na justiça: a efetividade da Lei 11.340/06 de combate
à violência doméstica e familiar contra a mulher. São Paulo: editora Revista dos Tribunais, 2007.
FARIA, Nalu; NOBRE, Miram. Gênero e desigualdade. São Paulo: SOF, 1999.
HERMAN, Leda Maria. Maria da Penha Lei com nome de mulher: Considerações à Lei nº
11.340/06: contra a violência doméstica e familiar, incluindo comentários artigo por artigo. São Paulo.
Editora Servanda, 2007.
LIMA, Marwyla Gomes de. Avaliação da Lei Maria da Penha em Mossoró-RN: limites e
possibilidades ao combate à violência contra a mulher. 2008,87p – Faculdade de Serviço Social,
UERN, Mossoró,2008.
MINAYO, Maria cacilía de Souza (org). Pesquisa Social: teoria, método e criatividade. 21. ed.
Petrópolis/RJ: Vozes, 1994.
PINTO, Célia Regina Jardim. Uma história do feminismo no Brasil. São Paulo: editora Fundação
Perseu Abramo, 2003. (Coleção História di povo brasileiro).
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QUEIROZ, Fernanda Marques de. Não se rima amor e dor: representações sociais sobre violência
conjugal. Tese de Doutorado em Serviço Social. UFPE, Recife,2004.
SAFFIOTI, Heleieth Lara Bongiovani. Contribuições feministas para o estudo da violência de
gênero. São Paulo,2001. (Cadernos Pagu nº. 16).
SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil para análise histórica. Tradução Chistiane Rufino Debat e
Maria Betânea Ávila. New York: Columbia University Press,1990.
TOLEDO, Cecília. Mulheres o gênero nos une, a classe nos divide. Cadernos Marxistas. São Paulo,
editora Xamã, 2001.

1
Mestranda em Serviço Social da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).
2
Profa. Dra. Da Faculdade de Serviço Social da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN), orientadora do
trabalho.
3
O SOS Mulher, não se constituíram em uma política criada pelo Estado, mas sim pelas próprias feministas que cansadas
de esperarem pelo poderio público, uniram-se para prestar atendimento gratuito as mulheres em situação de violência
(LIMA, 2008,p 24).

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