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João Cabral de Melo Neto

Biografia

"Ele tem um lado popular que se chama João Cabral e tem um lado
aristocrático que se chama Melo Neto. Então, ele é, um pouco, todo
este universo conflitado e passou quarenta anos tentando resolver
este conflito." Décio Pignatari

João Cabral de Melo Neto nasceu na cidade de Recife - PE, no dia 09


de janeiro de 1920, sendo o segundo filho de Luiz Antônio Cabral de
Melo e de Carmem Carneiro-Leão Cabral de Melo. Viveu parte da
infância nos engenhos da família nos municípios de São Lourenço da
Mata e de Moreno. Com o regresso da família ao Recife, ingressou no
Colégio dos Irmãos Maristas, aos dez anos, onde permanece até
concluir o curso secundário. Foi na Associação Comercial de
Pernambuco, em 1937, que obteve seu primeiro emprego, tendo
depois trabalhado no Departamento de Estatística do Estado. Já com
18 anos, começa a freqüentar a roda literária do Café Lafayette,
ponto de encontro de intelectuais que residiam na capital
pernambucana.

Em 1940, Sua Família se transferiu para o Rio de Janeiro,


onde se estabeleceu definitivamente no final do ano de 1942. A
mudança para a então capital do país levou João Cabral a
conhecer o poeta Murilo Mendes que o apresentou a Carlos
Drummond de Andrade e ao círculo de intelectuais que se
reunia no consultório de Jorge de Lima. Neste mesmo ano
publica seu primeiro livro de poemas, "Pedra do Sono".
Convocado para servir à Força Expedicionária Brasileira (FEB) é
dispensado por motivo de saúde. Mas permanece no Rio, sendo
aprovado em concurso e nomeado Assistente de Seleção do
DASP (Departamento de Administração do Serviço Público).
Publica Os três mal-amados na Revista do Brasil. O engenheiro
é publicado em 1945, em edição custeada por Augusto
Frederico Schmidt. No Rio, ainda no ano de 1945, inscreveu-se
no concurso para a carreira de diplomata. Ingressando no
Itamaraty, iniciou uma peregrinação por diversos países.

Começa a trabalhar em 1946, no Departamento Cultural do


Itamaraty, depois no Departamento Político e, posteriormente, na
comissão de Organismos Internacionais. Em fevereiro, casa-se com
Stella Maria Barbosa de Oliveira, no Rio de Janeiro. Em dezembro,
nasce seu primeiro filho, Rodrigo. É transferido, em 1947, para o
Consulado Geral em Barcelona, como vice-cônsul. Adquire uma
pequena tipografia artesanal, com a qual publica livros de poetas
brasileiros e espanhóis. Nessa prensa manual imprime Psicologia da
composição. Nos dois anos seguintes são marcados pelo nascimento
de mais dois filhos, Inês e Luiz, respectivamente. Residindo na
Catalunha, escreve seu ensaio sobre Joan Miró, cujo estúdio
freqüenta.

Em 1950, é novamente transferido, só que desta vez para Londres


onde permanece por apenas dois anos e publica a obra O cão sem
plumas. Retorna ao Brasil após este curto período na Inglaterra para
responder um inquérito onde é acusado de subversão. Escreve o livro
O rio, em 1953, com o qual recebe o Prêmio José de Anchieta do IV
Centenário de São Paulo (em 1954).. Arquivado o inquérito policial, a
pedido do promotor público, vai para Pernambuco com a família. Lá, é
recebido em sessão solene pela Câmara Municipal do Recife.

Reintegrado à carreira diplomática pelo Supremo Tribunal Federal,


passa a trabalhar no Departamento Cultural do Itamaraty. Já no ano
de 1955 nasce sua quarta filha, Isabel, e recebe o prêmio Olavo Bilac
da Academia Brasileira de Letras. A Editora José Olympio publica, em
1956, Duas águas, volume que reúne seus livros anteriores e os
inéditos: Morte e vida severina, Paisagens com figuras e Uma faca só
lâmina. È enviado para Barcelona, como cônsul adjunto, vai com a
missão de fazer pesquisas históricas no Arquivo das Índias de Sevilha,
onde passa a residir.

É novamente transferido em 1958, desta vez para Consulado Geral


em Marselha, na França. Recebe o prêmio de melhor autor no Festival
de Teatro do Estudante, realizado no Recife. Publica em Lisboa seu
livro Quaderna, em 1960. No mesmo ano se torna o primeiro
secretário da embaixada. Em 1961 é nomeado chefe de gabinete do
ministro da Agricultura, Romero Cabral da Costa, retornando assim
para o Brasil e passando a residir na nova capital, Brasília, Com o fim
do governo Jânio Quadros, poucos meses depois, retorna para Madri.
A Editora do Autor, de Rubem Braga e Fernando Sabino, publica
Terceira feira, livro que reúne Quaderna, Dois parlamentos, ainda
inéditos no Brasil, e um novo livro: Serial. Com a mudança do
consulado brasileiro de Cádiz para Sevilha, João Cabral muda-se para
essa cidade, onde reside pela segunda vez. Continuando seu vai-e-
vem pelo mundo, em 1964 é removido como conselheiro para a
Delegação do Brasil junto às Nações Unidas, em Genebra. Nesse ano
nasce seu quinto filho, João. Como ministro conselheiro, em 1966,
muda-se para Berna.

No mesmo ano de 1966, o Teatro da Universidade Católica de São


Paulo produz o auto Morte e Vida Severina, com música de Chico
Buarque de Holanda. O auto foi representado em diversas cidades
brasileiras, alcançando grande êxito e assim sendo também
apresentado do exterior em cidades como, Nancy, Paris, Lisboa,
Coimbra e Porto. Em Nancy recebe o prêmio de Melhor Autor Vivo do
Festival. Publica A educação pela pedra, que recebe os prêmios
Jabuti; da União de Escritores de São Paulo; Luisa Cláudio de Souza,
do Pen Club; e o prêmio do Instituto Nacional do Livro.

1967 marca sua volta a Barcelona, como cônsul geral. No ano


seguinte é publicada a primeira edição de Poesias completas. É eleito,
em 15 de agosto de 1968, para a Academia Brasileira de Letras na
vaga de Assis Chateaubriand. É recebido em sessão solene pela
Assembléia Legislativa de Pernambuco como membro do Conselho
Deliberativo da Sociedade Brasileira de Autores Teatrais (SBAT).
Tomando posse em 06 de maio de 1969, na cadeira número 6, sendo
recebido por José Américo de Almeida. A Companhia Paulo Autran
encena Morte e vida severina em diversas cidades do Brasil. É
transferido novamente, desta vez para a embaixada de Assunção no
Paraguai para atuar como ministro conselheiro.

Após três anos em Assunção, é nomeado embaixador em Dacar, no


Senegal, cargo que exerce cumulativamente com o de embaixador da
Mauritânia, no Mali e na Giné-Conakry. No ano seguinte publica
Museu de Tudo, que recebe o Grande Prêmio de Crítica da Associação
Paulista de Críticos de Arte. É nomeado embaixador em Quito,
Equador e publica A escola das facas. A convite do governador de
Pernambuco vai a Recife (em 1980) para fazer o discurso inaugural
da Ordem do Mérito de Guararapes, sendo condecorado com a Grã-
Cruz da Ordem. Onde é inaugurada um exposição sobre sua obra. No
ano seguinte vai para Honduras, como embaixador. Publica a
antologia Poesia crítica.

Em 1982 vai para a cidade do Porto, em Portugal, como cônsul geral.


Recebe o Prêmio Golfinho de Ouro do Estado do Rio de Janeiro.
Publica Auto do frade e ganha o Prêmio Moinho Recife, em 1984 e,
no ano seguinte, publica os poemas de Agrestes. "). Sua esposa,
Stella Maria, falece no Rio de Janeiro, no ano de 1986. João Cabral
reassume o Consulado Geral no Porto, e no mesmo ano se casa
novamente, desta vez com a poetisa Marly de Oliveira. Em 1987
publica Crime na Calle Relator, poemas narrativos. Recebe o prêmio
da União Brasileira de Escritores. È mais uma vez transferido,
retornando assim para o Brasil.

Publica Sevilla andando, em 1989 e no ano seguinte se aposenta da


função de embaixador. A decisão de se aposentar se deve a
descoberta anos antes de que sofria de uma doença degenerativa
incurável, que faria sua visão desaparecer aos poucos. O poeta entra
em depressão e sua segunda esposa, passa a escrever alguns textos
tidos como de sua autoria. É eleito para a Academia Pernambucana
de Letras, da qual havia recebido, anos antes, a medalha Carneiro
Vilela. No período entre 1991 e 1993 recebe outros prêmios e
condecorações importantes, eles a Grã-Cruz da Ordem de Isabel, a
Católica, do embaixador da Espanha e o Prêmio Jabuti, instituído pela
Câmara Brasileira do Livro. O poeta morre no ano aos 79 anos em
1999, ano no qual se especulava que seria indicado ao Premio Nobel
de Literatura.

Curiosidades sobre o poeta

• João Cabral de Melo Neto não compareceu a nenhuma reunião da


Academia Pernambucana de Letras como acadêmico, nem mesmo
a sua posse
• João Cabral escreveu um poema sobre a Aspirina, que tomava
regularmente, chamando-a de "Sol", de "Luz"… De fato, desde sua
juventude João Cabral tomava de três a dez aspirinas por dia. Em
entrevista à "TV Cultura", certa vez, ele contava que boa parte da
inspiração (inspiração sempre cerebral) provinha da aspirina
• Pelo lado paterno o poeta era primo de outro poeta, Manuel
bandeira e pelo lado Materno era primo do sociólogo e escritor
Gilberto Freyre.
• Amante do futebol foi campeão juvenil pelo Santa Cruz Futebol Clube em
1935.

Cronologia das obras


“Pedra do sono", 1942
"O engenheiro", 1945;
"O cão sem plumas", 1950;
"O rio", 1954;
"Quaderna", 1960;
"Poemas escolhidos", 1963;
"A educação pela pedra", 1966;
"Morte e vida Severina e outros poemas em voz alta", 1966;
"Museu de tudo", 1975;
"A escola das facas", 1980;
"Agrestes", 1985;
"Auto do frade", 1986;
"Crime na Calle Relator", 1987;
"Sevilla andando", 1989.

Estilo do autor

A poesia de João Cabral de Melo Neto se caracteriza pela objetividade


na constatação da realidade e, em alguns casos, pela tendência ao
surrealismo. Considerado parte da Geração de 45 se levado em
consideração o fator cronológico, esteticamente afasta-se de outros
autores e grupos do mesmo período

Morte e vida severina


Escrito entre 1954 e 1955, sendo publicado em 1956, Morte e vida
severina é um poema dramático, que se tornou a obra mais
conhecida de João Cabral de Melo Neto. Morte Vida Severina tem
como subtítulo Auto de Natal pernambucano e tem inspiração nos
autos pastoris medievais ibéricos, além de espelhar-se na cultura
popular nordestina. É por esse motivo que, no poema, João Cabral usa
preferencialmente o verso heptassilábico, a chamada "medida velha",
ou redondilha maior, verso sonoroso e facilmente obtido.

Morte e vida severina prende a atenção do leitor-ouvinte por


combinar simplicidade e concentração, fortes imagens visuais e
auditivas com uma linguagem repleta de oralidade.
Neste auto de Natal pernambucano, o autor trata da luta de Severino,
um retirante do agreste, pela sobrevivência. Guiado pelo rio
Capibaribe rumo ao litoral, Severino busca chegar à capital,
almejando uma vida digna. Pelo caminho, depara-se com as diversas
facetas da morte - causada pela seca; pela fome, que corrói as
entranhas do país, e pela disputa por terras áridas. Ele tenta a todo
custo fugir da destruição e corre em busca da perspectiva de dias
melhores, mas a cidade grande revela uma realidade tão dura quanto
a do sertão.

Diante de tal situação e percebendo que para ele não há nenhuma


saída, Severino chega ao seu limite e planeja o suicídio atirando-se da
ponte sobre o rio Capibaribe, que o guiara até ali. Contudo, após
presenciar o nascimento de uma criança (filho de José, o mestre
"carpina", numa clara alusão ao nascimento de Cristo), reacende-se
no coração do herói a esperança de vencer a vida "severina", e
Severino acaba por desistir do suicídio e percebe que ainda existe
alguma esperança em seu futuro e no de outros tantos Severinos.

O poema está estruturalmente dividido em 18 partes onde o


personagem se apresenta e passa a relatar sua trajetória e o
encontro com outros personagens até sua chegada a Recife, sempre
seguindo o rio Capibaribe, ou o "fio da vida" mesmo quando o rio lhe
falta e dele só encontra a leve marca no chão crestado pelo sol. Pode
se realizar outra divisão do poema a partir da temática em duas
partes, sendo a primeira dos trechos 1 ao 9, e que consiste na viagem
da Paraíba ao Recife; e a segunda compreendendo dos trechos 10 ao
18, nos quais aparecem as experiências vividas pelo retirante na
cidade grande, onde sofridamente percebe que para ele não há
nenhuma saída, a não ser aquela que presenciou no percurso: a
morte. Mas acaba sendo salvo, por um acontecimento simples mais
simbólico onde percebe que de alguma forma ainda há esperança.
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