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cOlecão • • primeiros

20 ••• • passos
Carlos Rodrigues Brandão

O QUE E'"
-
EDUCAÇAO

editora brasiliense
Cupyright © hy Carlos Rodrigues Brandão, 1981
Nenhuma parte desta publicação pode _~er gravada,
annazenada cm sistemas eletrônicos, fotocopiada,
reproduzida por meios mecânicos ou outros quaisquer
sem aUlorização prévia da editora.

Primeira edição, 198 t


3
49 reimpressão, 2007

Revisão: José E. Andrade e Lúcia S. Nicolai


Caricatura... : Emílio Damilli
Capa: /23 (antigo 27) Artistas Gráficos

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) ÍNDICE


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Brandão, Carlo" Rodrigue.~
O que é educação / Carlos Rodrigues Brandão.
São Paulo: Brasiliense, 2007. - - (Coleção primeiros
passos; 20) Educação? Educações: aprender com o
índio .............. . 7
49" reimpr. da 1. ed. de 1981.
ISBN 85-11-01020-3 Quando a escola é a aldeia ...... . 13
Então, surge a escola .......... . 27
I. Educação I. Título. H. Série. Pedagogos, mestres-escola e sofistas. 36
A educação que Roma fez, e o que ela
rnn_ '711 ensina ................ _........... . 48
Índices para catálogo sistemático Educação: isto e aquilo, e o contrário
I. Educação 370' de tudo ..... _..................... . 54
Pessoas versus sociedade: um dilema que
oculta outros ....................... '. 61
editora brasiliense S.3. Sociedade contra Estado: classe e educação 73
Rua Airi, 22 - TalUapé - CEP 033 HI-OlO - São Paulo - SP A esperança na educação. _.. 98
Fone/Fax: (Oxxl [) 6198-t48f'
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'
EDUCAÇÃO? EDUCAÇÕES:
APRENDER COM O ÍNDIO

Pergunto coisas ao buriti; e o que ele responde é:


a coragem minha. Buriti quer todo o azul. e não se
aparta de sua água - carece de espelho. Mestre não
é quem sempre ensina, mas quem de repente aprende.

João Guimarães Rosa/Grande Sertão: Veredas

Ninguém escapa da educação. Em casa, na rua,


na igreja ou na escola, de um modo ou de muitos
todos nós envolvemos pedaços da vida com ela:
para aprender, para ensinar, para aprender-e-
-ensinar. Para saber, para fazer, para ser ou para
conviver, todos os dias misturamos a vida com
a educação. Com uma ou com várias: educação?
Educações. E já que pelo menos por isso sempre
achamos que temos alguma coisa a dizer sobre
a educação que nos invade a vida, por que não
8 Carlos Rodrigues Brandiío o que é Educação 9

começar a pensar sobre ela com o qúe uns índios nossa I/ngua muito mal. Eles eram, portanto,
uma vez escreveram? totalmente inúteis. Não serviam como guerreiros,
Há muitos anos nos Estados Unidos, Virgínia como caçadores ou como conselheiros.
e Maryland assinaram um tratado de paz com Ficamos extremamente agradecidos pela vossa
os rndios das Seis Nações. Ora, como as promes- oferta e, embora não possamos aceitá-Ia, para
sas e os símbolos da educação sempre foram mostrar a nossa gratidão oferecemos aos nobres
muito adequados a momentos solenes como senhores de Virg/nia que nos enviem alguns dos
aquele, logo depois os seus governantes mandaram seus jovens, que lhes ensinaremos tudo o que
cartas aos índios para que enviassem alguns de sabemos e faremos, deles, homens."
seus jovens às escolas dos brancos. Os chefes
responderam agradecendo e recusando. A carta De tudo o que se discute hoje sobre a educação,
acabou conhecida porque alguns anos mais tarde algumas das questões entre as mais importantes
Benjamin Franklin adotou o costume de divulgá-Ia estão escritas nesta carta de índios. Não há uma
aqui e ali. Eis o trecho que nos interessa: forma única nem um único modelo de educação;
a escola não é o único lugar onde ela acontece
".. .Nós estamos convencidos, portanto, que e talvez nem seja o melhor; o ensino escolar não
os senhores desejam o bem para nós e agrade- é a sua única prática e o professor profissional
cemos de todo o coração. não é o seu único praticante.
Mas aqueles que são sábios reconhecem que dife- Em mundos diversos a educação existe dife-
rentes nações têm concepções diferentes das coisas rente: em pequenas sociedades tribais de povos
e, sendo assim, os senhores não ficarão ofendidos caçadores, agricultores ou pastores nômades;
ao saber que a vossa idéia de educação não é em sociedades camponesas, em países desenvol-
a mesma que a nossa_ vidos e industrializados; em mundos sociais sem
.. .Muitos dos nossos bravos guerreiros foram classes, de classes, com este ou aquele tipo de
formados nas escolas do Norte e aprenderam toda conflito entre as suas classes; em tipos de socie-
a vossa ciência. Mas, quando eles voltavam para dades e culturas sem Estado, com um Estado
nós, eles eram maus corredores, ignorantes da em formação ou com ele consolidado entre e
vida da floresta e incapazes de suportarem o frio sobre as pessoas.
e a fome. Não sabiam como caçar o veado, matar Existe a educação de cada categoria de sujeitos
o inimigo e construir uma cabana, e falavam a de um povo; ela ex iste em cada povo, ou entre
10 Carlos Rodrigues Brandão o que é Educação 11

povos que se encontram. Existe entre povos de cada um de seus sujeitos, através de trocas
que submetem e dominam outros povos, usando sem fim com a natureza e entre os homens, trocas
a educação como um recurso a mais de sua domi· que existem dentro do mundo social onde a
nância. Da família à comunidade, a educação própria educação habita, e desde onde ajuda a
existe difusa em todos os mundos sociais, entre explicar - às vezes a ocultar, às vezes a inculcar -
as incontáveis práticas dos mistérios do aprender; de geração em geração, a necessidade da exis-
primeiro, sem classes de alunos, sem livros e tência de sua ordem.
sem professores especialistas; mais adiante com Por isso mesmo - e os índios sabiam - a edu-
escolas, salas, professores e métodos pedagógicos. cação do colonizador, que contém o saber de
A educação pode existir livre e, entre todos, seu modo de vida e ajuda a confirmar a aparente
pode ser uma das maneiras que as pessoas criam legalidade de seus atos de domínio, na verdade
para tornar comum, como saber, como idéia, não serve para ser a educação do colonizado.
como crença, aquilo que é comunitário como Não serve e existe contra uma educação que ele,
bem, como trabalho ou como vida. Ela pode não obstante dominado, também possui como
existir imposta por um sistema centralizado de um dos seus recursos, em seu mundo, dentro de
poder, que usa o saber e o controle sobre o saber sua cultura.
como armas que reforçam a desigualdade entre Assim, quando são necessários guerreiros ou
os homens, na divisão dos bens, do trabalho, burocratas, a educação é um dos meios de que
dos direitos e dos símbolos. os homens lançam mão para criar guerreiros
A educação é, como outras, uma fração do ou burocratas. Ela ajuda a pensar tipos de homens.
modo de vida dos grupos soc.iais que a criam . Mais do que isso, ela ajuda a criá-los, através
e recriam, entre tantas outras invenções de sua de passar de uns para os outros o saber que os
cultura, em sua sociedade. Formas de educação constitui e legitima. Mais ainda, a educação parti-
que produzem e praticam, para que elas reprodu· cipa do processo de produção de crenças e idéias,
zam, entre todos os que ensinam-e-aprendem, de qualificações e especialidades que envolvem
o saber que atravessa as palavras da tribo, os as trocas de símbolos, bens e poderes que, em
códigos sociais de conduta, as regras do trabalho, conjunto, constroem tipos de sociedades. E esta
os segredos da arte ou da religião, do artesanato é a sua força.
ou da tecnologia que qualquer povo precisa para No entanto, pensando às vezes que age por
reinventar, todos os dias, a vida do grupo e a si próprio, livre e em nome de todos, o educàdor
12 Carlos Rodrigues Brandão

imagina que serve ao saber e a quem ensina mas,


na verdade, ele pode estar servindo a quem o
constituiu professor, a fim de usá-lo, e ao seu
trabalho, para os usos escusos que ocultam também
na educação - nas suas agências, suas práticas
e nas idéias que ela professa - interesses polí-
ticos impostos sobre ela e, através de seu exercício,
à sociedade que habita_ E esta é a sua fraqueza.
Aqui e ali será preciso voltar a estas idéias,
e elas podem ser como que um roteiro daqui QUANDO A ESCOLA É A ALDEIA
para a frente. A educação existe no imaginário
das pessoas e na ideologia dos grupos sociais e,
ali, sempre se espera, de dentro, ou sempre se
diz para fora, que a sua missão é transformar A educação existe onde não há a escola e por
sujeitos e mundos em alguma coisa melhor, de toda parte podem haver redes e estruturas sociais
acordo com as imagens que se tem de uns e outros: de transferência de saber de uma geração a outra,
" .. _e deles faremos homens". Mas na prática onde ainda não foi sequer criada a sombra de
a mesma educação que ensina pode deseducar: algum modelo de ensino formal e centralizado_
e pode correr o risco de fazer o contrário do que Porque a educação aprende com o homem a
pensa que faz, ou do que inventa que pode fazer: continuar o trabalho da vida. A vida que trans-
"_ .. eles eram, portanto, totalmente inúteis"_ porta de uma espécie para a outra, dentro da
história da natureza, e de uma geração a outra de
viventes, dentro da história da espécie, os princí-
pios através dos quais a própria vida aprende
e ensina a sobreviver e a evoluir em cada tipo
de ser_
Os bichos do mundo aprendem de dentro para
fora com as armas naturais do instinto. Mas a
isto eles acrescentam maneiras de aprender de
fora para dentro, convivendo com a espécie,

••••••
14 Carlos Rodrigues Braruiiio o que é Educação IS

observando a conduta de outros igua is de seu


mundo e experimentando repetir muitas vezes
essas condutas da espécie, por conta própria.
Entre os que nos rodeiam de perto ou de longe,
não são raros os bichos cujos pais da prole criam
e recriam situações, para que o treino dos filhotes
faça e repita os atos da aprendizagem que garante
a vida, como a mãe que um dia expulsa com
amor o filho do ninho, para que ele aprenda
a arte e a coragem do primeiro vôo.
O homem que transforma, com o trabalho
e a consciência, partes da natureza em invenções
de sua cultura, aprendeu com o tempo a trans·
formar partes das trocas feitas no interior desta
cultura em situações sociais de aprender·ensinar·
-e-aprender: em educação. Na espécie humana
a educação não continua apenas o trabalho da Na aldeia africana o "velho" ensina às crumças o saber
vida. Ela se instala dentro de um domínio propria· da tribo.
mente humano de trocas: de símbolos, de inten·
ções, de padrões de cultura e de relações de poder.
Mas, a seu modo, ela continua no homem o traba- particular e ,exige organizações físicas e espirituais,
lho da natureza de fazê-lo evoluir, de torná-lo ao conjunto das quais damos o nome de educação.
mais humano. ~ esta a idéia que Werner Jaeger Na educação, como o homem a pratica, atua
tem na cabeça quando, num estudo sobre a edu· a mesma força vital, criadora e plástica, que espon-
cação do homem grego, procura explicar o que taneamente impele todas as espécies vivas à conser·
ela é, afinal: vação e à propagação de seu tipo. E nela, porém,
que essa força atinge o seu mais alto grau de inten-
"A natureza do homem, na sua dupla estrutura sidade, através do esforço consciente do conheci-
corpórea e espiritual, cria condições especiais mento e da vontade, dirigida para a consecução
para a manutenção e tranimissão da sua forma de um fim."
16 Carlos Rodrigues Brandão o que é Educação 17

Quando um povo alcança um estágio complexo descrevam relações cotidianas ou cerimônias


de organização da sua sociedade e de sl,la cultura; rituais em que crianças aprendem e jovens são
quando ele enfrenta, por exemplo, a questão solenemente admitidos no mundo dos adultos.
da divisão social do trabalho e, portanto, do De vez em quando, aparece, perdido num
poder, é que ele começa a viver e a pensar como mar de outros conceitos, o de educação, como
problema as formas e os processos de transmissão quando Radcliffe-Brown - um antropólogo inglês
do saber. É a partir de então que a questão da que participa da criação da moderna Antropologia
educação emerge à consciência e o trabalho de Social - lembra que, entre os andamaneses, um
educar acrescenta à sociedade, passo a passo, os grupo tribal de ilhéus entre Burma e Sumatra,
espaços, sistemas, tempos, regras de prática, para se ajustar a criança à sua comunidade Hé
tipos de profissionais e categorias de educandos preciso que ela seja educada". Parte deste pro-
envolvidos nos exercicios de maneiras cada vez cesso consiste em a criança e o adolescente apren-
menos corriqueiras e menos comunitárias do derem aos poucos a caçar, a fabricar o arco e
ato, afinal tão simples, de ensinar-e-aprender. flecha e assim por diante. Outra parte envolve
No entanto, muito antes que isso aconteça, a aqu isição de "sentimentos e disposições emocio-
em qualquer lugar e a qualquer tempo - entre '. nais" que regulam a conduta dos membros da
dez indios remanescentes de alguma tribo do tribo e constituem o corpo de suas regras sociais
Brasil Central, no centro da cidade de São Paulo - de moralidade.
a educação existe sob tantas formas e é praticada Quando os antropólogos pouco falam em
em situações tão diferentes, que algumas vezes educação, eles pouco querem falar de processos
parece ser invisivel, a não ser nos lugares onde formalizados de ensino. Porque, onde os andama-
pendura alguma placa na poria com o seu nome. neses, os maori, os apaches ou os xavantes pra-
Quando os antropólogos do começo do século ticam, e os antropólogos identificam processos
sairam pelo mundo pesquisando "culturas primi- sociais de aprendizagem, não existe ainda nenhuma
tivas" de sociedades tribais das Américas, da Asia, situação propriamente escolar de transferência
da África e da Oceania, eles aprenderam a descre- do saber tribal que vai do fabrico do arco e flecha
ver com rigor praticamente todos os recantos à recitação das rezas sagradas aos deuses da tribo.
da vida destas sociedades e culturas. No entanto, Ali, a sabedoria acumulada do grupo social não
quase nenhum deles usa a palavra educação, "dá aulas" e os alunos, que são todos os que
embora quase todos, de uma forma ou de outra, aprendem, "não aprendem na escola".' Tudo
18 Carlos Rodrigues Brandão o que é Educação 19

o que se sabe aos poucos se adquire por viver do clã. Não há mestres determinados, nem inspe-
muitas e diferentes situações de trocas entre tores especiais para a formação da juventude:
pessoas, com o corpo, com a consciência, com esses papéis são desempenhados por todos os
o corpo-e-a-consclencia. As pessoas convivem anciãos e pelo conjunto das gerações anteriores."
umas com as outras e o saber flui, pelos' atos
de quem sabe-e-faz, para quem não-sabe-e-aprende. As meninas aprendem com as companheiras
Mesmo quando os adultos encorajam e guiam de idade, com as mães, as avós, as irmãs mais
os momentos e situações de aprender de crianças velhas, as velhas sábias da tribo, com esta ou
e adolescentes, são raros os tempos especialmente aquela especialista em algum tipo de magia ou
reservados apenas para o ato de ensinar. artesanato. Os meninos aprendem entre os jogos
Nas aldeias dos grupos tribais mais simples, e brincadeiras de seus grupos de idade, aprendem
todas as relações entre a criança e a natureza, guia- com os pais, os irmãos-da-mãe, os avós, os guer-
das de mais longe ou mais perto pela presença de reiros, com algum xamã (mago, feiticeiro), com
adultos conhecedores, são situações de apren- os velhos em volta das fogueiras. Todos os agentes
dizagem. A criança vê, entende, imita e aprende desta educação de aldeia criam de parte a parte
com a sabedoria que existe no próprio gesto as situações que, direta ou indiretamente, forçam
de fazer a coisa. São também situações de aprendi· iniciativas de aprendizagem e treinamento. Elas
zagem aquelas em que as pessoas do grupo trocam existem misturadas com a vida em momentos
bens materiais entre si ou trocam serviços e signi- de trabalho, de lazer, de camaradagem ou de
ficados: na turma de caçada, no barco de pesca, amor. Quase sempre não são impostas e não é
no canto da cozinha da palhoca, na lavoura fami- raro que sejam os aprendizes os que tomam a seu
liar ou comunitária de mandi~ca, nos grupos de cargo procurar pessoas e situações de troca que
brincadeiras de meninos e meninas, nas cerimônias lhes possam trazer algum aprendizado. Assim,
religiosas. entre os Wogeo, da Nova Guiné, de acordo com
Emile Durkheim, um dos. principais sociólogos o depoimento de um antropólogo:
da educação, explica isto da seguinte maneira:
"Onde é necessário aprender habilidades especiais
"Sob regime tribal, a caracterlstica essencial da as crianças estão, em regra geral, ansiosas por
educaçaõ reside no fato de ser difusa e adminis- saber o que os seus pais conhecem. O orgulho
trada indistintamente por todos os elementos do trabalhador e o prestigio do bom artesão
20 Carlos Rodrigues Brandão o que é Educação 21

dominam sua vida e elas necessitam de muito reconhecidos e legitimados para a convlvencia
pouco est/mulo para procurá-los por si mesmas_" social, o trabalho, as artes da guerra e os ofícios
do amor.
o saber da comunidade, aquilo que todos conhe-
cem de algum modo; o saber próprio dos homens "Os meninos observam os homens quando fazem
e das mulheres, de crianças, adolescentes, jovens, arcos e flechas; o homem os chama para perto
adultos e velhos; o saber de guerreiros e esposas; de si e eles se vêem obrigados a observá-lo. As
o saber que faz o artesão, o sacerdote, o feiticeiro, mulheres, por outro lado, levam as meninas para
o navegador e outros tantos especialistas, envolve fora de casa, ensinando-as a conhecer as plantas
portanto situações pedagógicas interpessoais, fami- boas para confeccionar cestos e a argila que serve
liares e comunitárias, onde ainda não surgiram para fazer potes. E, em casa, as mulheres tecem
técnicas pedagógicas escolares, acompanhadas os cestos, costuram os mocassins e curtem a
de seus profissionais de aplicação exclusiva. Os pele de cabrito diante das meninas, dizendo-lhes,
que sabem: fazem, ensinam, vigiam, incentivam, enquanto estão trabalhando, que observem cuida-
demonstram, corrigem, punem e premiam. Os que dosamente, para que, quando forem grandes,
não sabem espiam, na vida que há no cotidiano, ninguém as possa chamar de preguiçosas e igno-
o saber que ali existe, vêem fazer e imitam, são rantes. Ensinam-nas a cozinhar e aconselham-
instruídos com o exemplo, incentivados, treinados, -nas sobre a busca de bagas e outros frutos, assim
corrigidos, punidos, premiados e, enfim, aos como sobre a colheita de alímentos. "
poucos aceitos entre os que sabem fazer e e(lsinar,
com o próprio exercício vivo do fazer. Esparra- Em todos os grupos humanos mais simples,
madas pelos cantos do cotidiano, todas as situações os diversos tipos de treinamento através das trocas
entre pessoas, e entre pessoas e a natureza - sociais, que socializam crianças e adolescentes,
situações sempre mediadas pelas regras, símbolos incluem, entre outras, estas situações pedagógicas:
e valores da cultura do grupo - têm, em menor
ou maior escala a sua dimensão pedagógica. Ali, • o treinamento direto de habilidades corporais,
todos os que convivem aprendem, aprendem, por meio da prática direta dos atos que condu-
da sabedoria do grupo social e da força da norma zem o corpo ao hábito;
dos costumes da tribo, o saber que torna todos • a estimulação dirigida, para que o aprendiz
e cada um pessoalmente aptos e socialmente faça e repita, até o acerto, os atos de saber
r
22 Carlos Rodrigues Brandão o que é Educação' 23

e habilidade que ignora; vizinhas de pastores do deserto, é possível que


• a observação livre e dirigida, do educando, se dê franca importância a um artifício pedagógico,
dos procedimentos daqueles que sabem; em uma delas, como o castigo corporal, por exem-
• a correção interpessoal, familiar ou comuni- plo, ou a atemorização de crianças, e ele seja
tária, das práticas ou das condutas erradas, simplesmente rejeitado na outra. Mas em uma e
por meio do castigo, do rid(culo ou da admoes- na outra, como em todas do mundo, nunca as
tação' pessoas crescem a esmo e aprendem ao acaso.
• a assistência convocada para cerimônias rituais O que vimos acontecer até aqui, formas vivas
e, aos poucos (ou depois de uma iniciação), e comunitárias de ensinar-e-aprender, tem sido
o direito à participação nestas cerimônias chamado com vários nomes. Ao processo global
(solenidades religiosas, danças, rituais de pas· que tudo envolve, é comum que se dê o nome
sagem); de socialização. Através dela, ao longo da vida,
• a inculcação dirigida em situações de quase-ensi- cada um de nós passa por etapas sucessivas de
no, com o uso da palavra e turmas de ouvintes, inculcação de tipos de categorias gerais, parciais
dos valores morais, dos mitos histórico-religiosos ou especializadas de saber-e-habilidade. Elas fazem,
da tribo, das regras dos códigos de conduta. em conjunto, o contorno da identidade, da ideo-
logia e do modo de vida de um grupo social.
Assim, tudo o que é importante para a comuni- Elas fazem, também, do ponto de vista de cada
dade, e existe como algum tipo de saber, existe um de nós, aquilo que aos poucos somos, sabemos,
também como algum modo de ensinar. Mesmo fazemos e amamos. A socialização realiza em sua
onde ainda não criaram a escola, ou nos intervalos esfera as necessidades e projetos da sociedade,
dos lugares onde ela existe, cada tipo de grupo e realiza, em cada um de seus membros, grande
humano cria e desenvolve situações, recursos parte daquilo que eles precisam para serem reco-
e métodos empregados para ensinar às crianças, nhecidos como "seus" e para existirem dentro dela.
aos adolescentes, e também aos jovens e mesmo Ora, no interior de todos os contextos sociais
aos adu Itos, o saber, a crença e os gestos que os coletivos de formação do adulto, o processo
tornarão um dia o modelo de homem ou de mulher de aqU1s1çao pessoal de saber-crença-e-hábito
que o imaginário de cada sociedade - ou mesmo de uma cultura, que funciona sobre educandos
de cada grupo mais específico, dentro dela - como uma situação pedagógica total, pode ser
idealiza, projeta e procura realizar. De duas tribos chamado (com algum susto) de endoculturação.
24 Carlos Rodrigues Brandão o que é Educação 2S

Dentro de sua cultura, em sua sociedade, aprender mãos do oleiro, mas que se deixa conduzir por
de maneira mais ou menos intencional (alguns elas a se transformar na obra feita: o adulto edu-
dirão: "mais ou menos consciente"), através do cado. Quando o educador pensa a educação,
envolvimento direto do corpo, da mente e da ele acredita que, entre homens, ela é o que dá
afetividade, entre as incontáveis situações de a forma e o polimento. Mas ao fazer isso na prática,
relação com a natureza e de trocas entre os ho- tanto pode ser a mão do artista que guia e ajuda
mens, é parte do processo pessoal de endocul- o barro a que se transforme, quanto a forma que
turação, e é também parte da aventura humana iguala e deforma.
do "tornar-se pessoa". i: bom separar agora algumas palavras usadas
Vista em seu vôo mais livre, a educação é uma até aqui e que serão ainda trabalhadas mais adiante.
fração da experiência endoculturativa. Ela apa- Tudo o que existe transformado da natureza pelo
rece sempre que há relações entre pessoas e trabalho do homem e significado pela sua cons-
intenções de ensinar-e-aprender. Intenções, por ciência é uma parte de sua cultura: o pote de barro,
exemplo, de aos poucos "modelar" a criança, as palavras da tribo, a tecnologia da agricultura,
para conduzi-Ia a ser o "modelo" social de adoles- da caça ou da pesca, o estilo dos gestos do corpo
cente e, ao adolescente, para torná-lo mais adiante nos atos do amor, o sistema de crenças religiosas,
um jovem e, depois, um adulto. Todos os povos as estórias da história que explica quem aquela
sempre traduzem de alguma maneira esta lenta gente é e de onde veio, as técnicas e situações
transformação que a aquisição do saber deve de transmissão do saber. Tudo o que existe dispo-
operar. Ajudar a crescer, orientar a maturação, nível e criado em uma cultura como conhecimento
transformar em, tornar capaz, trabalhar sobre, que se adquire através da experiência pessoal
domar, polir, criar, como um sujeito social, a obra, com o mundo ou com o outro; tudo o que se
de que o homem natural é a matéria-prima. aprende de um modo ou de outro faz parte do
Não é nada raro que tanto na cabeça de um processo de endoculturação, através do qual
índio quanto na de um de nossos educadores um grupo social aos poucos socializa, em sua
ocidentais, a melhor imagem de como a educação cultura, os seus membros, como tipos de sujeitos
se idealiza seja a do oleiro que toma o barro sociais.
e faz o pote. O trabalho cuidadoso do artesão Ora, a educação é o território mais motivado
que age com tempo e sabedoria sobre a argila deste mapa. Ela existe quando a mãe corrige o
viva que é o educando. A argila que resiste às filho para que ele fale direito a Iíngua do grupo,
,
26 Carlos Rodrigues Brandiío

ou quando fala à filha sobre as normas sociais


do modo de "ser mulher" a li. Existe também
quando o pai ensina ao filho a polir a ponta da
flecha, ou quando os guerreiros saem com os
jovens para ensiná-los a caçar. A educação aparece
sempre que surgem formas sociais de condução
e controle da aventura de ensinar-e-aprender.
O ensino formal é o momento em que a educação
se sujeita à pedagogia (a teoria da educação).
cria situações próprias para o seu exercício, produz ENTÃO, SURGE A ESCOLA
os seus métodos, estabelece suas regras e tempos,
e constitui executores especializados. ~ quando
aparecem a escola, o aluno e o professor de quem
começo a falar daqui para frente. Mesmo em algumas sociedades primitivas,
quando o trabalho que porduz os bens e quando o
poder que reproduz a ordem são divididos e
começam a gerar hierarquias sociais, também
o saber comum da tribo se divide, começa a se
distribuir desigualmente e pode passar a servir
ao uso político de reforçar a diferença, no lugar
de um saber anterior, que afirmava a comunidade.
Então é o começo de quando' a sociedade
separa e aos poucos opõe: o que faz, o que se
sabe com o que se faz e o que se faz com o que
se sabe. Então é quando, entre outras categorias
de especialidades sociais, aparecem as de saber
e de ensinar a saber. Este é o começo do momento
em 'que a educação vira o ensino, que inventa
a pedagogia, reduz a aldeia à escola e transforma
"todos" no educador .

••••••
28 Carlos Rodrigues Brandão o que ti Educação 29

o que é que isto significa? Significa que, para meninas são isolados do resto da tribo. Em alguns
além das fronteiras do saber comum de todas as casos convivem entre iguais e com adultos por
pessoas do grupo e transmitido entre todos livre períodos de reclusão e aprendizagem que envolvem
e pessoalmente, para além do saber dividido situações de ensino forçado e duras provas de
dentro do grupo entre categorias naturais de iniciação. Todo o trabalho pedagógico da forma-
pessoas (homens e mulheres, crianças, jovens, ção destes jovens é conduzido por categorias de
adultos e velhos) e transferido de uns aos outros educadores escolhidos entre todos para este tipo
segundo suas linhas de sexo ou de idade, por de ofício, de que os meninos saem jovens-adultos
exemplo, emergem tipos e graus de saber que e guerreiros, por exemplo, e as meninas, moças
correspondem desigualmente a diferentes cate- prontas para a posse de um homem, uma casa
gorias de sujeitos (o rei, o sacerdote, o guerreiro, e alguns filhos.
o professor, o lavrador). de acordo com a sua Nas suas formas mais simples, estas situações
posição social no sistema político de relações pedagógicas de ensino especializado que apressa
do grupo_ Onde todos aprendem para serem o adulto que há no jovem podem ser muito breves.
"gente" adulto", "um dos nossos" e, meio a
I lI Podem envolver pouco mais do que momentos
meio, alguns aprendem para serem "homem" provocados de convivência intensificada entre
e outros para serem "mulher", outros ainda come- grupos de adolescentes e grupos de adultos.
çam a aprender para serem "chefe", "feiticeiro", Depressa eles são devolvidos ao grupo social
"artista", "professor", "escravo". A diferença e, quase sempre, depois de cerimônias públicas
que o grupo reconhece neles por vocação ou por de iniciação (os ritos de passagem), são reconhe-
origem, a diferença do que espera de cada um deles cidos, pela posição que o grupo lhes atribui e
como trabalho social qualificado por um saber, pelo saber que lhes reconhece, como homens
gera o começo da desigualdade da educação de e mulheres aptos e legítimos para a vida do adulto
"homem comum" ou de "iniciado", que cada da tribo.
um deles diferentemente começa a receber. Outras vezes este período de aprendizagem-sepa-
Uma divisão social do saber e dos agentes e rada é muito ~ais longo, muito mais diversificado
usuários do saber como essa existe mesmo em e, por certo, muito mais próximo dos modelos
sociedades muito simples. Em seu primeiro plano de agências e procedimentos de ensino que temos
I
de separação - o mais universal - numa idade na cabeça quando pensamos em educação. Em
sempre próxima à da adolescência, meninos e sociedades tribais da Libéria e de Serra Leoa,
-
30 Car/cs Rodrigues Brandão o que é Educação 31

na África, há tipos de escolas para os meninos de ensino divide a "Mand(bula Superior", onde
(as escolas "Poro") e para as meninas (as escolas os jovens aprendem com os sacerdotes os segredos
"Sande"). De tribo para tribo os meninos estudam do sagrado, da "Mandíbula Inferior", relacionada,
por períodos que vão de ano e meio a oito anos. com os assu ntos terrenos.
Estudam, convivem entre si e com seus mestres, Em um 'segundo plano, mais restrito e mais
e treinam. Divididos de acordo com seus grupos marcadamente político, diferentes categorias de
de idade (como em nossas "séries"), eles aprendem meninos e meninas recebem o saber especializado
as crenças, as tradições e os costumes culturais que há em uma "educação de minorias privile-
da tribo, além do saber dos ofícios de guerra e giadas", destinadas por herança aos cargos de
paz. A escola Poro leva em conta diferenças indivi- chefia. Assim acontece, por exemplo, entre quase
duais e, com o trabalho docente de diferentes todos os grupos originais do Havaí, onde os nobres
professores-especialistas, forma novos especialistas. e outros jovens selecionados de antemão para
Se um menino ·demonstra talentos para o trabalho postos futuros de poder sobre os outros passavam
do fabrico de tecidos, de couro, para o exercício por verdadeiros cursos superiores de estudos
da dança, ou para os ofícios da medicina tribal, que lhes tomavam quase todo o tempo da adoles-
ele acrescenta estes treinos e estudos ao corpo cência e da juventude. A tribo que mais adiante
comum do programa por que passa com todos submeterá a eles a chefia comunitária - o trabalho
os outros companheiros de idade. social de dirigir - atribuirá a eles como um direito,
Entre grupos de pescadores da Nova Zelândia e exigirá deles como um dever, o saber especia-
e do Arquipélago da Sociedade, existem "casas lizado do chefe. E o próprio tempo prolongado
de ensino", verdadeiras unil(ersidades em escala de estudo, treino e teste, muito mais do que o
indígena, onde toda a sabedoria da cultura é de todos os outros meninos, vale como um ates-
ensinada aos jovens de ambos os sexos por profes- tado social de diferenças entre o chefe e os outros,
sores-sacerdotes. Durante a metade do ano estas dado pela educação. "
"casas" permanecem abertas e, por todo o dia, Mesmo os grupos que, como os nossos, dividem
oferecem cursos com alguma teoria e muita prá- e hierarquizam tipos de saber, de alunos e de usos
tica sobre pelo menos os seguintes assuntos: do saber, não podem abandonar por inteiro as
genealogia, tradições e história, princípios de formas livres, familiares e/ou comunitárias de
crença e cultos r.eligiosos, magia, artes da nave- educação. Em todos os cantos do mundo, primeiro
gação, agricultura, dança, literatura. O programa a educação existe como um inventário amplo
32 Carlos Rodrigues Brandão o que é Educação 33

de relações interpessoa is diretas no âmbito fami- externo a ele, atribuído de fora para dentro a uma
liar: mãe-filha, pai-filho, sobrinho-irmão-da-mãe, hierarquia de especialistas do ensino, e destinado
irmão-mais-velho-irmão-caçula e assim por diante. a reproduzir a desigualdade através da oferta
Esta é a rede de trocas de saber mais universal desigual do saber, é uma conquista tardia na
e mais persistente na sociedade humana. Depois, história da cultura.
a educação pode existir entre educadores-edu- Em nome de quem os constitui educadores,
candos não parentes - mas habitantes de uma estes especialistas do ensino aos poucos tomam
mesma aldeia, de uma mesma cidade, gente de a seu cargo a tarefa de assumir, controlar e recodi-
uma mesma linguagem - semi-especializados ficar domínios, sistemas, modos e usos do saber
ou especialistas do saber de algum ofício mais e das situações coletivas de distribuição do saber.
amplo ou ·mais restrito: artesão-aprendiz, sacer- Onde quer que apareça e em nome de quem venha,
dote-iniciado, cavaleiro·escudeiro, e tantos outros. todo o corpo profissional de especialistas do
Até aqui o espaço educacional não é escolar. ensino tende a dividir e a legitimar divisões do
Ele é o lugar Ja vida e do trabalho: a casa, o conhecimento comunitário, reservando para o seu
templo, a oficina, o barco, o mato, o quintal. próprio domínio tanto alguns tipos e graus do
Espaço que apenas reúne pessoas e tipos de ativi- saber da cultura, quanto algumas formas e recursos
dade e onde viver o fazer faz o saber. próprios de sua difusão.
Em todo o tipo de comunidade humana onde Assim, aos poucos acontece com a educação
ainda não há uma rigorosa divisão social do tra- o que acontece com todas as outras práticas
balho entre classes desiguais, e onde o exercício sociais (a medicina, a religião, o bem-estar, o
social do poder ainda não foi centralizado por lazer) sobre as quais lÍTTl dia surge um interesse
uma classe como um Estado,· existe a educação político de controle.' Também no seu interior,
sem haver a escola e existe a aprendizagem sem sistemas antes comunitários de trocas de bens,
haver o ensino especializado e formal, como um de serviços e de significados são em parte contro-
tipo de prática social separada das outras. E lados por confrarias de especialistas, mediadores
da vida. entre o poder e o saber.
Mesmo nas grandes sociedades .-çivilizadas do Os estudos mais recentes da História têm indi-
passado - como na Grécia e em Roma, com que cado que a palavra escrita parece ter surgido em
vamos nos encontrar um pouco mais adiante - sociedades-estado enriquecidas e com um poder
um sistema pedagógico controlado por um poder muito centralizado, como entre os egípcios ou
34 Carlos Rodrigues Brandão o que é Educação 3S

entre os astecas. Ela teria aparecido primeiro a separar o nobre do plebeu parece ser um ponto
sendo usada pelos escribas, para fazer a contabi· terminal na escala de invencão dos recursos huma·
lidade dos bens dos reis e faraós. Só mais tarde nos de transferência do s~ber de uma geração a
é que foi usada também pelos poetas para cantarem outra. Também nas sociedades ocidentais como a
as coisas da aldeia e de sua gente. Assim também nossa - sociedades complexas, sociedades de clas·
a educação. Por toda a parte onde ela deixa de ses, sociedades capitalistas - a educação escolar é
ser totalmente livre e comunitária (não escrita) uma invenção recente na história de cada uma. Da
e é presa na escola, entre as mãos de educadores maneira como existe entre nós, a educação surge
a serviço de senhores, ela tende a inverter as na Grécia e vai para Roma, ao longo de muitos
utilizações dos seus frutos: o saber e a repartição séculos da história de espartanos, atenienses
do saber. A educação da comunidade de iguais e romanos. Deles deriva todo o nosso sistema
que reproduzia em um momento anterior a igual· de ensino e, sobre a educação que havia em Atenas,
dade, ou a complementariedade social, por sobre até mesmo as sociedades capitalistas mais tecnolo·
diferenças naturais, começa a reproduzir desigual· gicamente avançadas têm feito poucas inovações.
dades sociais por sobre igualdades naturais, começa Talvez estejam, portanto, entre os seús inven-
desde quando aos poucos usa a escola, os sistemas tos e escolas, algumas das respostas às nossas
pedagógicos e as "leis do ensino" para servir ao perguntas.
poder de uns poucos sobre o trabalho e a vida
de muitos. Onde um tipo de educação pode tomar
homens e mulheres, crianças e velhos, para torná·
·Ios todos sujeitos livres que por igual repartem
uma mesma vida comunitária; um outro tipo
de educação pode tomar os mesmos homens,
das mesmas idades, para ensinar uns a serem
senhores e outros, escravos, ensinando·os a pensa·
rem, dentro das mesmas idéias e com as mesmas
palavras, uns como senhores e outros, como
escravos.
Nas sociedades primitivas que nos acompa-
nharam até aqui, a educação escolar que ajuda

••••••
o que é Educação 37

a vida do cidadão livre e educado. Esta educação


grega é, portanto, dupla, e carrega dentro dela
a oposição que até hoje a nossa educação não
resolveu. Ali estão normas de trabalho que, quando
reproduzidas como um saber que se ensina para
que se faça, os gregos acabaram chamando de
tecne e que, nas suas formas mais rústicas e menos
enobrecidas, ficam relegadas aos trabalhadores
PEDAGOGOS, MESTRES-ESCOLA manuais, livres ou escravos. Ali estão normijS
E SOFISTAS de vida que, quando reproduzidas como um
saber que se ensina para que se viva e seja um
tipo de homem livre e, se possível, nobre, os
gregos acabaram chamando de teoria. Este saber
Todas as grandes sociedades ocidentais que, que busca no homem livre o seu mais pleno desen-
como Atenas e Roma, emergiram de seus bandos volvimento e uma plena participação na vida da
errantes, de suas primeiras tribos de clãs de pasto- polis é o próprio ideal da cultura grega e é o
res ou camponeses, aprenderam a lidar com a que ali se tinha em mente quando se pensava
educação do mesmo modo como qualquer outro na educação.
grupo humano, em qualquer outro tempo. Tal De tudo o que pode ser feito e transformado,
como entre os índios das Seis Nações, os primei- nada é para O grego uma obra de arte tão perfeita
ros assuntos e problemas da educação grega foram quanto o homem educado. A primeira educação
os dos oHcios simples dos tem'pos de paz e de que houve em Atenas e Esparta foi praticada
guerra. O que se ensina e aprende entre os primei- entre todos, nos exercícios coletivos da vida,
ros pastores, mesmo quando eles começaram em todos os cantos onde as pessoas conviviam
rusticamente a enobrecer, envolve o saber da na comunidade. Quando a riqueza da polis grega
agricultura e do pastoreio, do artesanato de subsis- criou na sociedade estruturas de oposição entre
tência cotidiana e da arte. Tudo isso misturado, livres e escravos, entre nobres e plebeus, aos
sem muitos mistérios, com os princípios de honra, meninos nobres da elite guerreira e, mais tarde,
de solidariedade e, mais do que tudo, de fideli- da elite togada é que a educação foi dirigida.
dade à polis, a cidade grega onde começa e acaba Por alguns séculos, mesmo para eles, ainda não
38 Car/os Rodrigues Brandiio o que é Educação 39

havia a escola. militar, destinada apenas à formação do cidadão


Das relações familiares diretas até a convivência nobre. Até então, mesmo no apogeu da demo-
entre jovens, segundo os seus grupos de idade, cracia grega, a propriedade é restritamente
ou entre grupos de meninos educandos e um comunal; pertence aos cidadãos ativos do Estado.
velho educador, entre os gregos sempre se conser- O poder pertence aos estratos mais nobres destes
vou a idéia de que todo o saber que se transfere cidadãos ativos, e a vida e o trabalho colocam
pela educação circula através de trocas interpes- de um lado os homens livres, senhores e, de outro,
soais, de relações física e simbolicamente afetivas os escravos ou outros tipos de trabalhadores
entre as pessoas. Assim, a pederastia acaba sendo manuais expulsos do direito do saber que existe
considerada em Esparta como a forma mais pura napaideia.
e mais completa de educação entre homens livres Durante muitos séculos os "pobres" da Grécia
e iguais. Em toda a Grécia a formação do nobre aprenderam desde criança fora das escolas: nas
guerreiro apenas desenrola ao longo dos anos oficinas e nos campos de lavoura e pastoreio.
u ma seqüência de trocas entre um mestre e seus Os meninos "ricos" inicialmente aprenderam
discípulos. também fora da escola, em acampamentos ou
Aquilo que a cultura grega chama com pleno ao redor de velhos mestres. Além das agências
efeito de educação - paideia - dando à palavra estatais de educação, como a Efebia de Esparta,
o sentido de formação harmônica .do homem que educava o jovem nobre-guerreiro, toda a
para a vida da polis, através do desenvolvimento educação fora do lar e da oficina é uma empresa
de todo o corpo e toda a consciência, começa particular, mesmo quando não é paga. Particular
de fato fora de casa, depois dos sete anos. Até e restrita a muito pouca gente.
lá a criança convive com a sua criação, convi- Apenas quando a democratização da cultura
vendo com a mãe e escravos domésticos. e da participação na vida pública colocam a neces-
Para além ainda do que entre os sete e os catorze sidade da democratização do saber, é que surge
anos aprende com o mestre-escola, a verdadeira a escola aberta a qualquer menino livre da cidade-
educação do jovem aristocrata é o fruto do lento -estado. A escola primária surge em Atenas por
trabalho de um ou de poucos mestres que acom- volta do ano 600 A.C_ Antes dela havia locais
panham o educando por muitos anos. de ensino de metecos e rapsodistas que aos inte-
Em Atenas, por volta do VI século A.C., a edu- ressados ensinavam "a fixar em símbolos os negó-
cação deixa de ser uma prática coletiva, de estilo cios e os cantos". Só depois da invenção da escola
40 Carlos Rodrigues Brandão o que é Educaçã, 41

de primeiras letras é que o seu estudo é pouco


a pouco incorporado à educação dos meninos
nobres. Assim, surgem em Atenas escolas de
bairro, não raro "lojas de ensinar", abertas entre
as outras no mercado. Ali um humilde mestre-
-escola, "reduzido pela miséria a ensinar", leciona
as primeiras letras e contas. O menino escravo,
que aprende com o trabalho a que o obrigam,
não chega sequer a esta escola. O menino livre
e plebeu em geral pára nela. O menino livre e
nobre passa por ela depressa em direção aos lugares
e aos graus onde a educação grega forma de fato
o seu modelo de "adulto educado". Citação
de Sólon, legislador grego:

"As crianças devem, antes de tudo, aprender a


nadar e a ler; em seguida, os pobres devem exer-
citar-se na agricultura ou em uma indústria qual-
quer, ao passo que os ricos devem se preocupar
com a música e a equitação, e entregar-se à filo-
sofia, à caça e à freqüência aos ginásios."

Esta concepção Xenofonte, historiador, poeta,


filósofo e militar grego, criticaria quase dois
séculos depois:

"Só os que podem criar os seus filhos para não


fazerem nada é que os enviam à escola; os que não Pequenas imagens gregas de te"acota retratam o escravo
podem, não enviam." pedagogo conduzindo para a escola a criança.
42 Carlos Rodrigues Brandão o que é Educação 43

A educação do jovem livre vai em direção à dores, muito mais do que os mestres-escola. Eles
teoria, que é o saber do nobre para compreender conviviam com a criança e o adolescente e, mais
e comandar, não para fazer, curar ou construir. do que os pais, faziam a educação dos preceitos
Durante toda a antigüidade a única disciplina e das crenças da cultura da polis. O pedagogo
técnica (entendida como a de uma formação era o educador por cujas mãos a criança grega
que aponta para um ofício determinado) é a atravessava os anos a caminho da escola, por
medicina. Não há outras escolas coletivas de caminhos da vida.
ensino técnico para o preparo de arquitetos, Nos primeiros tempos, mais do que filósofos
engenheiros ou agrimensores, por exemplo. Tal ou matemáticos, os gregos foram guerreiros,
como ferreiros ou tecelões, eles aprendem de músicos e ginastas. Assim, mais do que jurídica
maneira simples e direta, na oficina e no tra- ou científica, a educação do cidadão livre era
balho, através do convívio com algum velho ética e artística (no pleno sentido que estas duas
artífice. palavras possuíam na paideia grega), dentro de
Diferenças de saber de classe dos educandos uma cultura pouco acostumada a separar a verdade
produziram diferenças curiosas entre os tipos da beleza. Mais tarde, sob a influência de Sócrates
de educadores da Grécia antiga. De um lado, e Epicuro (um sujeito feio e outro doentio) é que
desprezíveis mestres-escola e artesãos-professores; a educação começa a ser pensada como formadora
de outro, escravos pedagogos e educadores nobres, do espírito. Por muitos e muitos séculos ela aponta
ou de nobres. De um lado, a prática de instruir para a harmonia que existe na beleza do corpo
para o trabalho; de outro, a de educar para a (e a destreza para a luta) ao lado da clareza da
vida e o poder que determina a vida social. mente (e a fidelidade à polis dos cidadãos livres).
De todos estes adultos trans'missores de saber Mesmo no nível da cultura letrada dos nobres,
vale a pena falar do pedagogo. Pequenas estatuetas a civilização clássica não conservou sempre um
de terracota guardam a memória dele. Artistas único modelo ou estilo de saber, logo, de educação.
gregos representaram esses velhos escravos - Ela oscilou entre duas formas de algum modo
quase sempre cativos estrangeiros - conduzi ndo antagônicas: a filosófica, cujo tipo dominante
crianças a caminho da escola de primeiras letras .• pode ser Platão, e a oratória (retórica), cujo tipo
E por que eles e não os mestres que nas escolas dominante pode ser Isócrates.
ensi navam? Porque os escravos pedagogos - Depois de constitu ídas as classes de homens
condutores de crianças - eram afinal seus educa- livres que regem a democracia dos gregos sobre
44 Carlos Rodrigues Brandão o que é Educação 4S

a divisão do trabalho e a instituição do regime ·mestre como Sócrates, Platão e Aristóteles,


escravagista, para os seus adolescentes a educação reúnem à sua volta os seus alunos, em suas escolas
coletiva não é uma atividade voluntária ou um superiores. A escola filosófico·iniciática de
direito de berço. E um dever imposto pela polis Pitágoras, que interna educandos, cria regras
ao livre. Porque o seu exercício modela não um próprias de conduta e lhes absorve boa parte
homem abstrato, sonho de poetas, mas o cidadão do tempo da juventude, antecede a Academia
maduro para o serviço à comunidade, projeto de Platão, o Liceu de Aristóteles e a Escola de
do político. A "obra de arte" da paideia é a pessoa Epicuro. Mas são os filósofos sofistas os que
plenamente madura - como cidadão, como militar, democratizam o ensino superior, tornando:O
como político - posta a serviço dos interesses remunerado e, portanto, aberto a todos os que
da cidade·comunidade. Assim, o ideal da educação podem pagar. Após a longa crise de tirania por
é reproduzir uma ordem social idealmente conce- volta do VI século A.C., a vida social de Atenas
bida como perfeita e necessária, através da trans- possibilita a participação de todos os cidadãos
missão, de geração a geração, das crenças, valores livres, e isto recoloca a questão do preparo do
e habilidades que tornavam um homem tão mais homem para o exercício da cidadania, a questão
perfeito quanto mais preparado para viver a cidade de aprender para legislar e para estar de algum
a que servia. E nada poderia haver de mais precio· modo presente nas assembléias de representação
so, a um homem livre e educado, do que o próprio pol ítica. Os sofistas transformam a educação
saber e a identidade de sábio que ele atribui ao superior em um tempo de formação do orador,
homem. onde a qualidade da retórica tem mais valor do que
Depois de haver conquistado a cidade onde a busca desinteressada da verdade, exercício
vivia o filósofo Estilpão, Demétrio Poliorceto dos nobres dos períodos anteriores.
pretendeu indenizá·lo pelos preju ízos materiais Aos poucos até Aristóteles e Alexandre Magno,
que sofrera por causa da pilhagem. Quando pediu muito depressa durante a Civilização Helenística,
que fizesse o inventário do que lhe pertencera a educação clássica passa por algumas mudanças:
e fora destru ído, Estilpão respondeu que nada 1) ela vai do cultivo aristocrático do corpo e
havia perdido do que era seu, porque não lhe da mente, com vistas à formação do nobre guer·
haviam roubado a sua cultura - ",,,6 "" - dado reiro e dirigente, à habilitação do cidadão livre,
que ainda conservava a eloqüência e o saber. comum, para a carreira pol ítica; 2) ela vai de um
O formador de jovens, o educador, o filósofo· domínio do "saber desinteressado", de fundo
46 Carlos Rodrigues Brandão o que é Educação 47

artístico-musical, para o literário, daí para o dia. De algum modo, é uma educação contra a
retórico, o livresco e o escolar (de aprender a criança, que não leva em conta o que ela é, mas
sabedoria para aprender a informação); 3) ela olha para o modelo do que pode ser, e que anseia
vai das agências de reprodução restrita do saber torná-Ia depressa o jovem perfeito (o guerreiro,
de nobres, entre nobres, para o saber disponível, o atleta, o artista de seu próprio corpo-e-mente)
à venda em escolas pagas que educam da criança e o adulto educado (o cidadão político a serviço
ao adulto. da polis).
Com o tempo a educação clássica deixa de ser Esta educação humanista de uma sociedade
um assunto privado, posse e questão da comuni- que deixa ao escravo e ao artesão livre o trabalho
dade dos nobres dirigentes, e passa a ser questão de fazer, desdenha a técnica e olha para "o homem
de Estado, pública. Aristóteles exige do Imperador todo", formado de aprender a teoria e praticar
leis que regulem direitos e controlem o exercício o gesto que constroem o saber e o hábito do
da educação. Atrás das tropas de conquista de homem livre. Em seu pleno sentido, é uma edu-
Alexandre Magno, os gregos levam as suas escolas cação ética cujo saber conduz o sábio a viver,
por todo o mundo. Elas são, mais do que tudo, com a sua própria vida, o modelo de um modo
o meio de impedir que a distância da Pátria de de ser idealizado, tradicional, que é missão da
origem ameace perder-se a cultura do vencedor paideia conservar e transmitir.
entre os costumes e o saber dos vencidos. , Finalmente, os gregos ensinam o que hoje esque-
Como seria possível fazer uma síntese dos cemos. A educação do homem ex iste por toda
princípios que orientaram toda a educação clássica parte e, muito mais do que a escola, é o resultado
criada pelos gregos? Ela foi sempre entendida da ação de todo o meio sociocultural sobre os
como um longo processo pêlo qual a cultura seus participantes. E o exercício de viver e convi-
da cidade é incorporada à pessoa do cidadão. ver o que educa. E a escola de qualquer tipo
Uma trajetória de· amadurecimento e formação é apenas um lugar e um momento provisórios
(como a obra de arte que aos poucos se modela), onde isto pode acontecer. Portanto, é a comu-
cujo produto final é o adulto educado, um sujeito nidade quem responde pelo trabalho de fazer
perfeito segundo um modelo idealizado de homem com que tudo o que pode ser vivido-e-aprendido
livre e sábio, mas ainda sempre aperfeiçoável. da cultura seja ensinado com a vida - e também
Assim, a educação grega não é dirigida à criança com a aula - ao educando.
no sentido cada vez mais dado a ela hoje em

••• •••
o que é Educação 49

a educação da criança é uma tarefa doméstica.


Na aurora da história do poder de Roma, ela foi
uma lenta iniciação da criança e do adolescente
nas tradições consagradas da cultura, e servia à
consagração da tradicional idade quase venerada
de um modo camponês de vida, simples e austero.
A criança começava a aprender em casa, com
os mais velhos, e quase tudo o que aprendia era
A EDUCAÇÃO QUE ROMA FEZ, para saber e preservar os valores do mundo dos
E O QUE ELA ENSINA "mais velhos", dos seus antepassados.
Essa educação doméstica busca a formação
da consciência moral. O adulto educado que ela
quer criar é o homem capaz de renúncia de si
Os primeiros latinos foram camponeses aos próprio, de devotamento de sua pessoa à comu-
poucos enriquecidos e, alguns, tornados nobres nidade. São as virtudes do campesinato de todos
na Península Itálica. Ali aconteceu como em os tempos e lugares, o que dirige a primitiva
tantas outras partes do mundo. Classes sociais educação de Roma, que exalta em verso e prosa
que com o tempo chegaram a ser "privilegiadas" a austeridade, a vida simples, o amor ao trabalho
e separaram a direção do trabalho do próprio como supremo bem do homem, e o horror ao
exercício do trabalho, separando com isso as luxo e à ociosidade. Ao contrário do que aconteceu
forças produtivas mentais d.as físicas, desem- cedo em Atenas, em Roma não há de início
penharam antes funções úteis. Primeiro, entre qualquer tipo de cuidado com a pura formação
os romanos, o trabalho é entre todos e o saber física e intelectual do cidadão ocioso, ocupado
é de todos. Os primeiros reis de Roma punham com pensar, governar e guerrear. A educação
com os súditos as mãos no arado e lavravam de uma comunidade dedicada ao trabalho com
a terra. a terra foi durante séculos uma formação do
Como entre os índios, como nos tempos de homem para o trabalho e a vida, para a cidadania
origem dos povos gregos, a educação dos campo- da comunidade igualada pelo trabalho.
neses latinos é comunitária e existe difusa em Quando o mundo romano de camponeses enri-
todo o meio social. Muito mais do que na Grécia, quece com os excedentes da terra e das pilhagens
50 Carlos Rodrigues Brandão o que é Educação 51

de outros povos, quando opõe classes sociais


e inventa o Estado, ele ainda defende a criança
I um modelo de educação para cada um, e limites
entre um modelo e outro.
de ser entregue cedo a alguma forma de educação Aos poucos a educação deixa de ser o ensino
estatal, militarizada, fora do lar. Entre os romanos que forma o pastor, o artífice ou o lavrador e,
os primeiros educadores de pobres e nobres são nas suas formas mais elaboradas, prepara o futuro
o pai e a mãe. Mesmo os mais ricos, senhores guerreiro, o funcionário imperial e os dirigentes
de escravos, não entregam a um servo·pedagogo do Império. O sistema comunitário de base peda-
ou a uma governanta o cuidado dos filhos. Quando gógica familiar compete com outros. Aos poucos
o menino completa, aos 7 anos, o aprendizado aparece a oposição entre o ensino de educar,
cheio de afeição que recebe da mãe, ele passa dos pais, dos mestres-pedagogos. que convivem
para o pai, que não divide sequer com o mestre- com os educandos e os acompanham, prolon-
-escola o direito de educá-lo, ou seja, de formar gando com eles o saber que forma a consciência
a sua consciência segundo os preceitos das crenças e que é a sabedoria; e o ensino de instruir, do
e valores da classe e da sociedade. mestre-escola que monta no mercado a loja de
Em Roma, portanto, ao contrário do que vimos ensino e vende o saber de ler-e-contar como uma
acontecer em Atenas e principalmente em Esparta, mercadoria.
a família prolonga o poder de socializar o cidadão O ensino elementar das primeiras letras apareceu
e, através dela, a sociedade civil estende o alcance em Roma antes do IV século A.C. Um tipo de
do seu modelo em toda uma primeira educação ensino que podemos identificar com o secundário
da criança. A partir de Homero, no alvorecer surgiu na metade do século III A.C. e o ensino
da história grega, o ideal da paideia é o herói que hoje em dia chamaríamos de superior, univer-
da polis. Na educação romana o modelo ideal sitário, apareceu pelo século I A.C. Mas, durante
é o ancestral da família, depois o da comunidade. quase toda a sua história, o Estado Romano
Quando uma nobreza romana enriquecida não toma a seu cargo a tarefa de educar, que ficou
com a agricultura e o saque abandona o trabalho deixada à iniciativa particular, mas já não mais
da terra pelo da política, e cria as regras do Império comunitária, como ao tempo em que os reis
de que se serve, aquele primitivo saber comu- aravam a terra. Só depois do advento do Cristia-
nitário divide-se e força a separação de tipos, nismo, por volta do século IV D.C., é que surge
níveis e agências de educação. Quando há livres e se espalha por todo o Império a schola publica,
e escravos, senhores e servos, começa a haver mantida pelos cofres dos municipios.
52 Carlos Rodrigues Brandiio o que é Educação 53

Nos tempos do domínio de Augusto e de Tibé- visão de mundo do dominador.


rio, a criança, educada em casa pelos pais, aprendia Plutarco descreveu como Roma usou a educação
depois dos 7 anos as primeiras letras na escola para "domar" os espanhóis dominados:
(loja de ensino) do ludimagister. Aos 12 anos ela
estava pronta para freqüentar a escola do gramma- "As armas não tinham conseguido stlbmetê-Ios
ticus e, a partir dos 16, a do lector. Na sua forma a não ser parcialmente; foi a educação que os
mais simples esta é a estrutura de educação que domou."
herdamos e conservamos até hoje.
Do lado de fora das portas do lar, a educação
latina enfim separa em duas vertentes o que se
pode aprender. Uma é a da oficina de trabalho
para onde vão os filhos dos escravos, dos servo~
e dos trabalhadores' artesãos. Outra é a escola
livresca, para onde vão o futuro senhor (o diri-
gente livre do trabalho e do Estado) e o seu media-
dor, o funcionário burocrata do Estado ou de
negócios particulares.
Esta educação de escola, que os romanos criam
em Roma copiando a forma e alguma coisa do
espírito dos gregos, espalham primeiro pela Penín-
sula Itálica e depois por todo O mundo que con-
quistam na Europa, na Asia e no Norte da Africa.
Do mesmo modo como o sacerdote, o educador
caminha atrás dos passos do general. A educação
do conquistador invade, com armas mais pode-
rosas do que a espada, a vida e a cultura dos
conquistados. A educação que serve, longe da
Pátria, aos filhos dos soldados e funcionários
romanos sediados entre os povos vencidos, serve
também para impor sobre eles a vontade e a
.a
••••
T o que é Educação ss
I
qual nos ajustamos à vida, de acordo com as
necessidades ideais e propósitos dominantes'
ato ou efeito de educar; aperfeiçoamento integraí
de todas as faculdades humanas, polidez, cortesia. "
(Pequeno Dicionário Brasileiro de Ungua Portu-
guesa, Aurélio Buarque de Hol/anda)

Um pouco mais adiante vamos ver que o miolo


EDUCAÇÃO: ISTO E AQUILO, de cada uma d_Bstas definições de dicionário pende
E O CONTRÁRIO DE TUDO para um dos lados em gue se recortam as maneiras
de explicar o que a educação é e a Que serve.
Na nlema da Lei" a coisa não muda muito. Ao
pretenderem estabelecer os-fins da educacão no
Ora, uma outra maneira de se compreender país, nossos legisladores, pelo menos em teoria,
o que a educação é, ou poderia ser, é procurar garantem para todos o melhor a seu respeito. Eles
ver o que dizem sobre ela pessoas como legisla- falam sobre o que deve determinar e controlar o
dores, pedagogos, professores, estudantes e outros trabalho pedagógico em todos os seus graus e
sujeitos um tanto mais tradicionalmente difíceis modalidades. De certo modo falam a respeito de
de entender, como filósofos e cientistas sociais. uma educação idealizada, ou falam da educacão
Nos dois dicionários brasileiros mais conhecidos através de uma ideologia (ver O que é ideologia,
a educação aparece definida assim: desta mesma coleção):

"Ação e efeito de educar, de desenvolver as facul- "Art. 1 ~ O ensino de 1 ~ e 2 ~ graus tem por objeti-
dades f(sicas, intelectuais e morais da criança e, vo geral proporcionar ao educando a formação neces-
em geral, do ser humano; disciplinamento, ins- sária ao desenvolvimento de suas potencialidades co-
trução, ensino ". (Dicionário Contemporâneo da mo elemento de auto-realização, preparação para o
Língua Portuquesa, Caldas Aulete) trabalho e para o exercício consciente da cidadania".
"j!\ção exercida pelas gerações adultas sobre as (Lei 5.692, de 11 de agosto de 1971)
gerações jovens para adaptá-Ias à vida social;
trabalho sistematizado, se!etivo, orientador, pelo
56 Carlos Rodrigues Brandão o que é Educação 57

Mas, do outro lado do palco, intelectuais, educa- ções entre os homens é inerente e inseparável
dores e estudantes fazem e refazem todos os dias de qualquer trabalho de produção, veiculação
a crítica da prática da educação no Brasil. Eles ou discussão cultural.
levantam questões e afirmam que, do Ministério "E buscar todos os meios para que todo esse
à escolinha, a educação nega no cotidiano o que trabalho floresça, para que toda essa força con·
afirma na lei. Não M liberdade no país e a edu- tida venha à tona, é função nossa, das entidades
cação não tem tido papel algum nos últimos estudantis.
anos para a sua conquista; não há igualdade entre "Criar condições para que, através da manifes·
os brasileiros e a educação consolida a estrutura tação de todos, possamos perceber os anseios,
classista que pesa sobre nós; não há nela nem as contradições de cada um, do homem e de toda
a consciência nem o fortalecimento dos nossos a sociedade.
verdadeiros valores culturais. "Ampliar as idéias sobre o trabalho cultural.
Abranger o homem, as suas relações, as discri·
Um grupo de estudantes candidatos à direção minações raciais, sexuais, etárias, a moral, o poder,
da UNE resume parte desta crítica e reclama a dominação.
para a luta estudantil itens que, com alguma "Romper os limites, soltar a cabeça, as mãos,
variação de linguagem, quase poderiam caber os pés, o corpo para a realidade inquieta, questio-
nas "leis do ensino", nadora.
"Destruir as regras do jogo.
"Os homens discriminados como negros, velhos, "Subir no palco e invadir os camarins do mundo.
crianças, homossexuais, mulheres... descobrem Assumir o papel de agentes da História. Repre-
que, nestes anos todos de dominação, a força sentar a vida." (Voz Ativa - Cultural)
imensa que mexeu e transformou a face do planeta Sem rodeios as "leis do ensino" no país garan-
nasce de cada oprimido, de cada explorado, de
tem que:
cada homem, de cada mulher. Descobrem a origem
e o fim de toda a atividade humana: o próprio "Art. 41. A educação constitui dever da União, dos
homem. Estados, do Distrito Federal, dos Territórios, dos Mu-
"Corações e mentes se abrem para uma nova nicípios, das empresas, da família e da comunidade
vida. Irrompe uma nova consciência. em geral, que entrosarão reCursos e esforços para
"A percepção -ampla e profunda das ações e rela- promovê-Ia e incentivá-Ia.
58 Carlos Rodrigues Brandão o que é Educação 59

Parágrafo único. Respondem, na forma da I~i, soli- "O regime politico e o modelo socioeconômico
dariamente com o Poder Público, pelo cumprimento impostos nos últimos anos à Nação Brasileira
do preceito constitucional da obrigatoriedade escolar, produziram danos marcantes na qualidade do
os pais ou responsáveis e os empregadores de toda ensino de nossas escolas, seja pela repressãq pol i-
natureza de que os mesmos sejam dependentes. tico-ideológica que se abateu sobre toda a comu-
nidade, seja pelo caráter flagrantemente antidemo-
Art. 42. O ensino nos diferentes graus será minis- crático de suas leis e decretos, que se refléte
trado pelos poderes públicos e, respeitadas as leis que na elaboração e modificação ilegítimas de regi-
o regulam, é livre à iniciativa particular. mentos e estatutos das Universidades.
Art. 43. Os recursos públicos destinados à educa- nA palitica educacional implantada levou à
ção serão aplicados preferencialmente na manuten- progressiva desobrigação do Estado com o custeio
ção e desenvolvimento do enSino oficiai, de modo que da Educação, e à expansão do ensino privado.
se assegurem: Assim, a educação está aberta à ação dos empre-
sários do ensino, sujeita às leis da iniciativa privada,
a) maior número possível de oportunidades edu- sendo negociada comO mercadoria entre as partes
cacionais: interessadas em vender e comprar, o que revela
b) a melhoria progressiva do ensino, o aperfeiçoa- o caráter elitista do atual processo educacional
mento e a assistência ao magistério e aos ser- no Brasil." (Boletim Nacional das Associações
viços de educação; de Docentes; n? 31
c) o desenvolvimento c·,entífico e tecnológico".
(Lei 5.692, de 11 de agosto de 1971) A fala do poder que constitui .a educação no
país propõe o exercício de uma prática idealizada.
A fala dos praticantes da educação, os educadores,
Mas,·se entre o pensado e o vivido há diferenças, faz então a critica dadistânciá que há entre a
as pessoas do país -protestam e cobram, de quem promessa ea realidade. Faz mais, denuncia a alte-
faz a lei, que pelo menos ela seja cumprida: que ração para pior das próprias leis que dizem o que
haja liberdade na educação e, através dela, que a é e como deve ser a Educaçaã no Brasil.
Não há apenas idéias opostas ou iqel8s diferentes
escola exista para todos e seja distribuída por
a respeito da Educação, sua essência:e seus fins.
igual entre todos. Assim, os docentes universitár~os
Há interesses econômicos, políticos qUe se proje-
reunidos num Encontro Nacional de Assoclaçoes
tam também sobre a Educação. Não é raro que
escreveram o seguinte no documento final:
60 Carlos Rodrigues Brandão

aqui, como em toda parte, a fala que idealiza


a educação esconda, no silêncio do que não diz,
os interesses que pessoas e grupos têm para os
seus usos. Pois, do ponto de vista de quem a
controla, muitas vezes definir a educação e legislar
sobre ela implica justamente ocultar a parcialidade
destes interesses, ou seja, a realidade de que eles
servem a grupos, a classes sociais determinadas,
e não tanto lia todos", "à Nação", "aos brasi·
PESSOAS "VERSUS"
leiros". Do ponto de vista de quem responde SOCIEDADE: UM DILEMA
por fazer a educação funcionar, parte do trabalhp QUE OCULTA OUTROS
de pensá-Ia implica justamente desvendar o que
faz com que a educação, na realidade, negue e
renegue o que oficialmente se afirma dela na lei
e na teoria. Quando alguém tenta explicar o que são estes
Mas a razão de desavenças é anterior e, mesmo nomes e o que eles misturam: educação, escola,
entre educadores, ela tem alguns fundamentos ensino, a fala que explica pode pender para um
na diferenca entre modos de compreender o que lado ou para o outro de uma velha discussão.
o ato de ~nsinar afinal é, o que o determina e, Uma discussão ontem quente, hoje em dia inútil,
finalmente, a que e a quem ele serve. a não ser quando serve para revelar o que se
esconde por detrás de pensar a educação desta
maneira ou daquela.
De acordo com as idéias de alguns filósofos
e educadores, a educação é um meio pelo qual
o homem (a pessoa, o ser humano, o indivíduo,
a criança, etc.) desenvolve potencialidades biopsí·
quicas inatas, mas que não atingiriam a sua perfei·

.-
ção (o seu amadurecimento, o seu desenvolvi·
mento, etc.) sem a aprendizagem realizada através
da educação. Pode até ser que haja formas próprias

••••
62 Carlos Rodrigues Brandão o que é Educação 63

de auto-educação, mas é de suas práticas interativas superior do ser humano, fisica e mentalmente
(interpessoais), coletivas, que se está falando desenvolvido, livre e consciente, a Deus, tal como
quando se escreve um livro sobre "Filosofia da se manifesta no meio intelectual, emocional e
Educação" por exemplo_ Assim como a própria volitivo do homem". (Herman Horse);
sociedade é um corpo coletivo formado da indi- "O fim da Educação é desenvolver em cada indi-
vidualidade das pessoas que a compõem, e assim viduo toda a perfeição de que ele seja capaz."
como o seu fim é a felicidade de seus membros (Kant);
a quem todas as suas instituições devem servir, ,,{ toda a espécie de formação que surge da
assim também a educação, como idéia (a defi- influência espiritual." (Krieck).
nição, a "filosofia"). deve ser pensada em nome
da pessoa e, como instituição (a escola, o sistema Quando a Enciclopédia Brasileira de Moral e
pedagógico) ou como prática (o ato de educar), Civismo, editada pelo Ministério de Educação
deve ser realizada' como um serviço coletivo que e Cultura, define educação. pensando talvez
se presta a cada indivíduo, para que ele obtenha expressar uma idéia consensual, ela de fato repete
dela tudo o que precisa para se desenvolver o ponto de vista das definições anteriores. Ve-
individualmente. jamos:
Muitas vezes, entre os que pensam assim, a
dimensão subjetiva da educação é ressaltada "Educação. Do latim 'educere', que significa
e, não raro, toma conta de todo o espaço em extrair, tirar, desenvolver. Consiste, essencial-
que o seu processo está sendo pensado. Não mente, na formação do homem de caráter_ A
importa considerar sob que. condições sociais educação é um processo vital, para o qual con-
e através de que recursos e procedimentos exter- correm forças naturais e espirituais, conjugadas
nos a pessoa aprende, mas apenas a pensar o pela ação consciente do educador e pela vontade
ato de aprender do ponto de vista do que acontece livre do educando. Não pode, pois, ser confundida
do educando para dentro. com o simples desenvolvimento ou crescimento
dos seres vivos, nem com a mera adaptação do
"A Educação não é mais do que o desenvolvimento individuo ao meio. { atividade criadora, que visa
consciente e livre das faculdades inatas do ho- a levar o ser humano a realizar as suas potencia-
mem." (Sciacca); lidades fisicas, morais, espirituais e intelectuais.
"A Educação é o process(iJ externo de adaptação Não se reduz à preparação para fins exclusiva-
64 Carlos Rodrigues Brandão o que é Educação 6S

mente utilitários, como uma profissão, nem para e organizado, variável em extensão e profundidade
desenvolvimento de caracteristicas parciais da para cada individuo e processado pelas riquezas
personalidade, como um dom artistico, mas culturais." (Kerschensteiner);
abrange o homem integral, em todos os aspectos "É a influência deliberada e consciente exercida
de seu corpo e de sua alma, ou seja, em toda a sobre o ser maleável e inculto, com o propósito
extensão de sua vida sensivel, espiritual, inte- de formá-lo. " (Cohn).
lectual, moral, individual, doméstica e sociál,
para elevá-Ia, regulá-Ia e aperfeiçoá-Ia. É processo Um pouco ma is perto dos que nos esperam
continuo, que começa nas origens do ser humano do outro lado desta aparente história de "ovo-e-
e se estende até à morte. " -galinha", estão alguns estudiosos da educação
que consideram que não só a pessoa, individual-
Se voltarmos às duas definições de dicionários mente, mas alguma coisa indicada como "a civili-
brasileiros de algumas páginas atrás, veremos que zação", "o meio social" Ou lia sociedade" deve
a da Enciclopédia concorda mais com a primeira ser o destino do homem educado:
do que com a segunda. Uma enfatiza o que acon-
tece da pessoa para dentro; a outra o que acontece "Podemos agora definir de modo mais precioso
dela para fora, em direção à sociedade onde vive o objeto da educação.- é guiar o homem no desen-
e de que aprende. volvimento dinâmico, no curso do qual se consti-
A meio caminho entre um lado e outro, algumas tuirá como pessoa humana - dotada das armas
propostas lembram que aquela formação do do conhecimento, do poder de julgar e das virtudes
ser humano, segundo as sua~ próprias potencia- morais - transmitindo-lhe ao mesmo tempo
I idades e através de seu próprio esforço, é o resul- o patrimônio espiritual da nação e da civilização
tado de um trabalho intencional, deliberado - às quais pertence e conservando a herança secular
aquilo que faz da educação a parte mais motivada das gerações." (Maritain);
da endoculturação, como eu disse várias páginas '~ Educação é a organização dos recursos bioló-
atrás. Esta ação dirigida ao educando procede gicos individuais, e das capacidades de compor-
de um educador, de uma agência de educação, ou tamento que tornam o indiv(duo adaptável ao
do que existe de educativo no meio sociocultural. seu meio fisico ou social. " (Wil/iam James).

"Educação é um sentido de valorização individual Procuremos refletir um pouco sobre tudo


66 Carlos Rodrigues Brandão o que é Educação 67

isto. Ao discutir os ideais da educação entre os der alguma coisa que se passa entre relações sociais
gregos, Werner Jaeger lembra uma coisa muito de categorias de homens, que educa transmitindo
importante. Não é sempre e não são todos os de uns a outros crenças e valores sociais, que serve
povos e homens que consideram a educação tanto a igualar quanto a diferenciar as pessoas
apenas como o que vimos até aqui. Na verdade de acordo com projetos de usos do saber situados
esta é uma maneira de "imaginar" característica fora dos sonhos do educador, sem pensá-Ia dentro
da nobreza de todos os povos em que ela existiu, dos mundos reais onde acontecem as trocas tam-
em todos os tempos. E próprio de elites separadas bém reais entre os homens, verdadeiros homens
do trabalho produtivo - ou dos intelectuais de carne e osso, situados de um lado e do outro
que pensam o mundo por elas, e para elas .~ da educação?
propor como educação a formação da persona- Na verdade, quem descobriu que na prática
Iidade humana através do conselho sistemático o "fim da educação" são os interesses da socie-
e da direção espiritual. dade, ou de grupos sociais determinados, através
Esta crítica, do mesmo modo como algumas do saber que forma a consciência que pensa o
feitas nos primeiros capítulos, aqui, procura mundo e qualifica o trabalho do homem educado,
separar o que a educação é, de fato, dQ que as não foram filósofos do passado ou cientistas
pessoas dizem dela. Jaeger não entra no mérito sociais de hoje. Esta é a maneira natural dos
da veracidade de algumas idéias sobre a educação. povos primitivos, com quem estivemos até há
Afinal, quem poderia negar que a educação deve pouco, tratarem a educação de suas crianças,
servir ao homem, deve servir para educá·lo, torná-lo mesmo quando eles não sabem explicar isto com
melhor, desenvolver nele tudo. o que tem, e tudo teorias compl icadas.
a que tem direito? Quero insistir em que muitas Os índios e os camponeses 'realizam, no modo
vezes o que se critica em quem apresenta a edu- como ensinam o que é importante para alguém
cação, tal como ela apareceu até aqui, não é o aprender, a consciência de que o saber que se
que foi dito, mas o que ficou oculto: a) ou porque transmite de um ao outro deve servir de algum
quem disse não sabe de onde vem a educação, modo a todos. Mas o que Werner Jaeger diz é que
o que ela é em cada mundo rea\1 e o que faz; b) ou justamente nas formações sociais mais desenvol-
porque quem disse sabe, mas explica a educação vidas, onde por sobre o trabalho de muitos aparece
justamente para negar a sua origem, os seus meca- a elite dominante de uns poucos, surge com o
n ismos e os seus usos. Como é poss ível compreen- tempo a idéia de uma educação que deve servir
68 Carlos Rodrigues Brandão o que é EducUfão 69

a alguns homens individualmente, desvinculada dades" que houve no Brasil até há pouco tempo
da idéia de que eles existem dentro de grupos são o melhor exemplo. Foi necessário que, a partir
ou mundos sociais, e a seu serviço. Esta maneira de Roma, o Estado cristianizado e as elites de
de compreender para que serve a educação é' sua sociedade tomassem posse da mensagem
decorrência de um "esquecimento", ou de uni cristã de militáncia e salvação, fazendo dela parte
ocultamento de que, afinal, por mais louvável de sua ideologia. Tornando-a o repertório de sím-
que seja, a educação é uma prática social entre bolos e valores pelos quais representavam,o mundo,
outras. representavam-se nele e, assim, legitimavam,
Entre os gregos, vimos que a educação dos com as palavras originalmente dirigidas a pobres
jovens nobres, que viviam do trabalho de escravos e deserdados, a sua posição de domínio econômico
estrangeiros e que, quando adultos, participavam e de hegemonia pol ítica sobre eles.
da direção da cidade, procurava desenvolver Foi então preciso o advento de uma nobreza
o corpo e a inteligência para formar homens plenamente separada do trabalho produtivo e,
fortes e sábios destinados à defesa e à pol ítica cada vez mais, até mesmo do trabalho político -
da comunidade. O que à distáncia poderia parecer entregue nas mãos de intelectuais mediadores
a formação do ocioso era, na verdade, uma apren· de seus interesses - para que surgisse uma classe
dizagem feita durante um longo período de ócio de gente capaz de representar o mundo quase
nobre (separação do trabalho braçal), para a fora dele. Esta elite ociosa e seus intelectuais
formação do homem político. A educação grega sacerdotes, filósofos e artistas puderam imaginar
e, depois, a de Roma preocupavam-se em formar como "puras" a vida, a arte, a ciência e até mesmo
o cidadão e eram, portanto, educações da e para a educação.
a comunidade. ' Ela começa a representar realmente alguma
No mundo ocidental, é depois do advento coisa (pensa, faz pensar, constrói sistemas de
e da difusão do Cristianismo que aparecem idéias pensamento) sem representar coisa alguma de real;
sobre a educação que isolam o saber da sociedade sem conseguir explicar mais, para si própria e para
e o submetem ao destino individual do cristão. as outras classes, o que são de fato os homens,
O homem que aprende busca na sabedoria a o mundo e as relações concretas entre o mundo
perfeição que ajuda à salvação da alma. Mas não e os homens. Ora, é a partir deste universo de
é o Cristianismo Primitivo quem sugere a "edu- idéias puras que a educação afinal é pensada como
cação humanista", de que os cursos de "humani- o exercício do educador sobre a alma do educando,
70 Carlos Rodrigues Brandão o que é Educação 71

com o propósito de purificá-Ia do mal que existe em toda parte e não existem como realidade (como
na ignorância do saber que conduz à salvação. vida concreta, como trabalho produtivo, como
Da Antigüidade decadente à Idade Média, da compromisso, como relações sociais) em parte
Idade Média ao Renascimento (um tempo da alguma.
História rico em redefinições da idéia de edu- O que existe de fato são exigências sociais de
cação) e do Renascimento à Idade Moderna, formação de tipos concretos de pessoas na e para
foi preciso esperar muitos séculos para que de a sociedade. São, portanto, modos próprios de
novo os brancos civilizados aprendessem a repen- educar - por isso, diferentes de uma cultura
sar a educação como os índios. E uma nova para outra - necessários à vida e à reprodução
maneira de definir a educação como uma prática da ordem de cada tipo de sociedade, em cada
social cuja origem e destino são a sociedade e a momento de sua história. Não se trata de dizer
cultura, foi formulada com muita clareza pelo que a educação tem, também, de modo abstrato
sociólogo francês Emile Durkheim. e muito amplo, um compromisso com a "cultura",
Ele sacode a poeira de um assunto que só com a "civilização", ou que ela tem um vago
aos poucos foi recolocado na Europa de seu tempo, . "fim social". O que ocorre é que ela é inevita-
nos últimos anos do século passado. Se o fim velmente uma prática soCial que, por meio da
da educação é desenvolver no homem toda a inculcação de tipos de saber, reproduz tipos de
perfeição de que ele é capaz, que "perfeição" sujeitos sociais.
é esta? De onde é que ela procede? Quem a define
e a quem serve? Por que, afinal, ideais de perfeição "A educação é a ação exercida pelas gerações
são tão diversos de uma cultura para outra? E adultas sobre as gerações que não se encontram
falso imaginar uma educação que não parte da ainda preparadas para a vida social; tem por objeto
vida real: da vida tal como existe e do homem suscitar e desenvolver na criança certo número
tal como ele é. E falso pretender que a educação de estados flsicos, intelectuais e morais recla-
trabalhe o corpo e a inteligência de sujeitos soltos, mados pela sociedade polltica no seu conjunto
desancorados de seu contexto social na cabeça e pelo meio especial a que a criança, particular-
do filósofo e do educador, e que os aperfeiçoe mente, se destina." (Durkheim)
para "si próprios", desenvolvendo neles o saber
de valores e qualidades humanas tão idealmente Entre muitas outras, esta é uma maneira socio-
universais que apenas exjstem como imaginação lógica de compreender a educação. Depois de
72 Carlos Rodrigues Brandão

Durkheim (que, por- sua vez, aprendeu isso com


outros cientistas anteriores e, quem sabe?, com
alguns índios) inúmeros sociólogos, antropólogos,
filósofos e educadores começaram a formular
pontos de vista semelhantes. Não é que eles tives·
sem a proposta de uma "nova educação", menos
abstrata e desancorada do que a "Educação Huma-
nista" que criticavam. O que eles buscaram fazer SOCIEDADE CONTRA ESTADO:
foi esclarecer mais e mais como a sociedade e a
cultura são e funcionam, na realidade. Como,
CLASSE E EDUCAÇÃO
portanto, a educação existe dentro delas e funciona
sob a determinação de exigências, princípios e
contro les socia is.
A idéia de que não existe coisa alguma de social
na educação; de que, como a arte, ela é "pura"
e não deve ser corrompida por interesses e contro-
les sociais, pode ocultar o interesse pol ítico de
usar a educação como uma arma de controle, e
dizer que ela não tem nada a ver com isso _ Mas
o desvendamento de que a educação é uma prática
social pode ser também feito numa direção ou
noutra e, tal como vimos antes, pode se dividir
em idéias opostas, situadas de um lado ou do
outro da questão.
Vamos por partes, portanto. Até aqui chegamos:
a educação é uma prática social (como a saúde
pública, a comunicação social, o serviço militar)
cujo fim é o -desenvolvimento do que na pessoa

..••..,
humana pode ser aprendido entre os tipos de
saber existentes em uma cultura, para a formação
74 Carlos Rodrigues Brandâo o que é Educaçâo 75

de tipos de sUJeitos, de acordo com as necessi· ou duma profissão, quer se trate dum agregado
dades e exigências de sua sociedade, em um mais vasto, como um grupo étnico ou um Es-
momento da história de seu próprio desenvol- tado." Como outras práticas sociais constitu-
vimento. Não procurei inventar uma nova defi- tivas, a educação atua sobre a vida e o crescimento
nição, porque delas acho que já há demais. da sociedade ·em dois sentidos: 1) no desenvol-
Procurei reunir as idéias correntes entre 'os que vimento de suas forças produtivas; 2) no desen-
concebem a educação como Durkheim. volvimento de seus valores culturais. Por outro
Assim, dos dois historiadores da educação de lado, o surgimento de tipos de educação e a sua
cujos livros aprendi quase tudo o que disse sobre evolução dependem da presença de fatores sociais
Grécia e Roma, um deles dirá o seguinte: determinantes- e do desenvolvimento deles, de
suas transformações. A maneira como os homens
"Primeiro que tudo, a educação não é uma proprie- se organizam para produzir os bens com que
dade individual, mas pertence por essência à comu- reproduzem a vida, a forma de ordem social
nidade. O caráter da comunidade imprime-se que constroem para conviver, o modo como
em cada um dos seus membros e é no homem . .. tipos diferentes de sujeitos ocupam diferentes
muito mais que nos animais, fonte de toda a posições sociais, tudo isso determina o repertório
ação e de todo o componamento. Em nenhuma de idéias e o conjunto de normas com que uma
parte o influxo da comunidade nos seus membros sociedade rege a sua vida. Determina também
tem maior força que no esforço constante de como e para quê este ou aquele tipo de educação
educar, em conformidade com o seu próprio é pensado, criado e posto a funcionar.
sentir, cada nova geração." (Werner Jaeger). Quando são transformados a "maneira", a
Hforma" e o limado" de que falei acima, tanto
Toda a estrutura da sociedade está fundada as idéias quanto as normas, os sistemas e os méto-
sobre códigos sociais de inter-relação entre os dos de um tipo de educação são modificados.
seus membros e entre eles e os de outras socie- Ao fazer a sua crítica, IOmile Durkheim pergun-
dades. São costumes, princípios, regras de modos tava a pensadores da educação que considerava
de ser às vezes fixados em leis escritas ou não. "A ilustres, mas ingênuos: que "perfeição" é essa?
educação é, assim, o resultado da consciência "Mas, que se deve entender pelo termo perfeição?"
viva duma norma que rege uma comunidade Ele quer perguntar o seguinte: quem afinal esta-
humana, quer se trate da família, duma classe belece os ideais e os princípios da educação?
76
Carlos Rodrigues Brandão r o que é Educação 77

Uns e outros são universais? Existiram para todos não nos podemos separar sem vivas resistências,
os povos em todos os tempos, de uma mesma e que restringem as velocidades dos dissidentes. "
. ' ,
maneira, pelo fato de que e sempre a m~m.a
a "essência do homem"? Pode ou deve eXistir No entanto, o que é "cada sociedade consi-
uma espécie de "educação universal"? Durkheim derada em um momento determinado de seu
conclui que não. E conclui que o ponto fraco desenvolvimento"? E preciso reforçar algumas
das idéias pedagógicas que avaliou está na crença perguntas e fazer outras. Afinal, "eada socie-
ilusória (ilusória sempre, ou algumas vezes mal- dade" existe e funciona como um todo orgânico
-intensionada?) de que há, ou deveria haver, e harmônico, fundado sobre a igualdade entre
uma "educação ideal, perfeita, apropriada a todos todos e o consenso de todos? Dentro dela, em
os homens, indistintamente". posições especiais de privilégio, de hegemonia
Até aí tudo bem. Assino embaixo. Mas será e de controle sobre outros, não existirão classes
que não poderíamos fazer a Durkheim, leitor, sociais capazes de impor uma educação que fazem
a pergunta que ele fez aos outros? Quando fala criar e existir? Para seu uso próprio e por sobre
de sociedade e, mesmo, de sociedades concretas, outras classes e grupos socia is (mais do que "em
do que está falando? Que tipo de soc!edades, nome deles"), não há, em determinadas socie-
regidas por que modos e mecanismos Internos dades concretas, classes e grupos, às vezes muito
de produção de bens, de serviços, de poder e minoritários, que resolvem por sua conta como
de idéias entre os seus integrantes? Ele respon- será e para quê servirá a "educação oficial"?
deria com segurança: "cada uma"; cada tipo de Ou, perguntando de outra maneira, já que cada
sociedade real, histórica, cria .e impõe o tipO de tipo de sociedade - a "tribal" de índios Gê
educação de que necessita. E arremataria: do Brasil Central; a chinesa após a revoluçã~
socialista; a indiana do V século A.C.; a da
"Na verdade, porém, cada sociedade, considerada Alemanha medieval ou mesmo a de uma aldeia
em momento determinado de seu desenvolvi- de camponeses, dentro dela; a portuguesa colon ia-
mento, possui um sistema de educação q.ue ~e lista do século XVII; a do Brasil "pós-64" -
impõe aos indivíduos de modo geralmente ITreSIS- inventa e faz a sua educação ou as suas educações,
t(vel. E uma ilusão acreditar que podemos educar nos sistemas mais oficiais, mais organizados em
nossOs filhos como queremos . .. Há, pois, a cada projetos e programas pedagógicos, são pensados
momento, um tipo regulador de educação do qual a partir das idéias fundamentais de todos os tipos
78 Carlos Rodrigues Brandão r o que é Educação 79

de pessoas? As mesmas escolas servem ao operário, não estar escrita de maneira direta nas "leis do
ao engenheiro e ao capitalista imobiliário do mes- ensino". Afinal, as leis quase sempre são escri-
mo modo (como as leis brasileiras de ensino garan- tas por quem pensa que nem elas nem o mun-
tem que sim e os professores críticos garantem qu~ do vão mudar um dia. Mas as suas conseqüên-
não)? Uma educação ensina o saber da "comunI- cias podem aparecer indiretamente. Por exem-
dade nacional" a todos, para os mesmos usos so- plo, na Lei 5.692, conhecida como Lei de Dire-
ciais, e segundo os mesmos direitos individuais de trizes e Bases da Educação Nacional e já citada
todas as categorias de seus "adultos educados"? neste livro, os fins da educacão acrescentam
Ora entre os que colocam "sociedade e cultura" a formação para o trabalho, ou enfatizam este
no me'io da questão da educação, alguns pesquisam objetivo do ato de ensinar, mais do que as leis
e apenas reconhecem que ela é, na cultura, uma anteriores:
prática social de reprodução de categorias de saber
através da formação de tipos de sujeitos educados. "O ensino de I? e 2? graus tem por objetivo ge-
Outros projetam e defendem a necessidade deste rai proporcionar ao educando a formação neces-
ou daquele tipo de educação para este ou aquele sária ao desenvolvimento de suas potencialida-
tipo de sociedade. . des como elemento de auto-realização, prepara-
Entre estes últimos, um pensamento mUito ção para o trabalho e para o exercício conscien-
corrente hoje em dia é o de que a educação é um te da cidadania".
dos principais meios de realização de mudança
social ou, pelo menos, um dos recursos de adapta- Quando a idéia de educacão vem associada à
ção das pessoas a um "mul)do em mudança". de adaptação para alguma coisa externa à pes-
Este modo de imaginar tende a ser dominante soa, e que se transforma, a proposta pode ser for-
atualmente. Mas ele não fazia sentido para gregos mulada assim: "Educação é preparação da crian-
e romanos e nem mesmo para os portugueses ça para uma civilização em mudança" (Kilpatrik),
e missionários que tentaram educar nosSOS antepas- ou assim:
sados durante a Colônia.
A idéia de que a educação não serve apenas "Em uma sociedade dinâmica como a nossa, só
à sociedade, ou à pessoa na sociedade, mas à pode ser eficaz uma educação para a mudança. Es-
mudança social e à formação conseqüente de ta (educação! consiste na formação do espírito
sujeitos e agentes na/da mudança social, pode isento de todo dogmatismo, que capacite a pes-
.
80 Carlos Rodrigues Brandão o que é Educação 81

soa para elevar·se acima da corrente dos acon·


tecimentos, ao invés de arrastar·se por eles."
(Mannheim)

Um outro nome para a educação pode ser até


mesmo sugerido, quando se constata, por exemplo,
que o rumo e a veloCidade das transformações
do mundo moderno exigem cada vez mais, de
todos os homens, uma constante reciclagem
de conhecimentos e uma contínua readaptação
a um mundo que, afinal, ainda é sempre o mesmo
e já é sempre um outro.

"A Educação Permanente é uma concepção dialé·


tica da educação, como um duplo processo de
aprofundamento, tanto da experiência pessoal
quanto da vida social, que se traduz pela parti·
cipação efetiva, ativa e responsável de cada sujeito
envolvido, qualquer que seja a etapa de existência
que esteja vivendo. . .. O primeiro imperativo
que deve preencher a Educação Permanente
é a necessidade que todos nós temos de sempre
aperfeiçoar a nossa formação profissional. Num
mundo como o nosso, em que progridem ciência
e suas aplicações tecnológicas cada dia mais, não
se pode admitir que o homem se satisfaça durante
toda a vida com o que aprendeu durante uns
poucos anos, numa época em que estava profun·
damente imaturo. Deve informar·se, documen·
tar·se, aperfeiçoar a sua destreza, de maneira a
82 Carlos Rodrigues Brandão o que é Educação 83

se tornar mestre da sua práxis. O dom(nio de formar a sociedade." (Ortega V Gasset)


uma profissão não exclui o seu aperfeiçoamento. Associar "educação" a "mudança" não é novi-
Ao contrário, será mestre quem continuar apren- dade. Tem sido um costume desde pelo menos
dendo." (Pierre Furter) as primeiras décadas do século. Mas só um pouco
mais tarde, quando pol íticos e cientistas come-
Não será estranho que, aqui e ali, a proposta çaram a chamar a "mudança" de "desenvolvi-
de uma educação apareça armada do poder de mento" (desenvolvimento social, socioeconômico,
realizar, ela própria, o trabalho de transformar nacional, regional, de comunidades, etc.), é que foi
a sociedade. Quando este tipo de proposta consi- lembrado que a educação deveria associar-se a
dera a educação como uma entre outras práticas ele também. Este foi o momento de uma transição
sociais cujo efeito sobre as pessoas cria condições importante. Antes de se difundirem pelo mundo
necessárias para a realização de transformações idéias de mudança e de necessidade de mudança
indispensáveis, a sugestão é aceitável e rea lista. social, a educação era pensada como alguma coisa
Nada se faz entre os homens sem a consciência que preserva, que conserva, que resguarda justa-
e o trabalho dos homens, e tudo o que tem o mente de se mudarem, de se perderem, as tradi-
poder de alterar a qualidade da consciência e ções, os costumes e os valores de "um povo",
do trabalho, tem o poder de participar de sua "uma cultura" ou "uma civilização". Antes de se
práxis e de ser parte dela. No entanto, quando a inventarem pol(ticas de desenvolvimento, a edu-
educação é imaginada - agora pelo utopista cação era prescrita como um direito da pessoa,
social - como o único ou principal instrumento ou como uma exigência da sociedade, mas nunca
de qualquer tipo de transformação de estruturas como um investimento. Um investimento como
políticas, econômicas ou culturais, sem que haja outros, como os de saúde, transporte e agricultura.
a lembrança de que ela própria é determinada A educação deixa finalmente de ser vista como
por estas estruturas, esta'11os diante de pequeno um privilégio, um direito apenas, e deixa também
acesso de "utopismo pedagógico". de ser percebida como um meio apenas de adapta-
ção da pessoa à mudança que se faz sem ela, e
"Se educaçaã é transformação de uma realidade, que apenas a afeta depois de feita.
de acordo com uma idéia melhor que possu(mos, Pessoas educadas (qualificadas como "mão-de-
e se a educação só pode ser de caráter social, -obra" e motivadas enquanto "sujeitos ·do proces-
resultará que pedagogia é a ciência de trans- so") são. agentes de mudança, promotores do
84 Carlos Rodrigues Brandão o que é Educação 8S

desenvolvimento, e é para torná-los, mais do que emprego de uma força de trabalho "adequa-
cultos, agentes, que a educação deve ser pensada damente qualificada" misturam a educação antiga
e programada. Não é raro que em alguns países da oficina com a da escola, reduzem o seu compro-
se defenda então que as propostas básicas da misso aristocrata com a "pura" formação da
educação venham quase prontas do Ministério personalidade e inscrevem o ato de educar entre
do Planejamento para o da Educação. as práticas pol ítico-econômicas das "arrancadas
para o desenvolvimento". Arrancadas que, nas
"A Educação é hoje considerada como um fator de sociedades capitalistas são de modo geral estra-
mudanças: um dos principais instrumentos de inter- tégias de reorganização de toda a vida social,
venção na realidade social com vistas a garantir a de acordo com projetos e interesses de reprodução
evolução econômica e a evolução social e dar conti- do capital. De multiplicação dos ganhos das em-
nuidade à mudança no sentido desejado . .. presas capitalistas.
"Salienta-se, no entanto, um aspecto em que Esta é a crítica que tem sido feita por cientistas
a educação representa investimento a curto prazo: e educadores que, sem deixarem de reconhecer
é quando ela desempenha função de forma- com Durkheim que a educação existe na socie-
ção de mão-de-obra. Ao lado da formação da dade, dentro da cultura, procuram compreender
personalidade, da preparação necessária de cada como ela existe a í e sob que condições é prati-
cidadão para assumir as obrigações sociais e polf- cada contra o homem ou a seu favor.
ticas, a educação desempenha a tarefa de preparar Ora, às veses mais útil do que comprar e discu-
para o trabalho, e influi substancialmente na tir o conteúdo de estilos diferentes de definições
criação de novos quadros de mão-de-obra com ou propostas de tipos de educação, é procurar
capacidades técnicas adequadas' aos novos proces- ver de onde eles vêm. Quem diz, em nome de
sos produtivos que o desenvolvimento introduz quem e para quê?
criando novos mercados de trabalho." (SAGMACS A variação da maneira como o triângulo edu-
- educação e planejamento) cação-ensino-escola tem sido formulado no Brasil
pelas pessoas que possuam o poder direto ou
111 nvestimento", "mão-de-obra", Ilpreparação indireto de determinar como ele vai existir, dá
para o trabalho", "capacidades técnicas ade- o que pensar. Até há alguns anos atrás o universo
quadas". .. são os nomes que denunciam o da educação estava dividido por aqui tal como
momento em que os interesses pol íticos de na Grécia e em Roma, há muitos séculos. As
86 Carlos Rodrigues Brandiio o que é Educação 87

crianças filhas de pais "das boas famílias" iam porque "sem cultura", de acordo com a visão
às escolas, mesmo que por poucos anos. As escolas das elites, mas sábios do saber que faz o trabalho
. eram particulares, "abertas" por professores produtivo, fizeram a riqueza e as obras do pa ís
avulsos ou pelas ordens religiosas. Eram pagas, e de cada uma de suas cidades.
algumas custavam caro e as poucas crianças pobres
que aprendiam "de graça" aprendiam nos arfa· "Mestre carapina, conhecido na história da cidade,
natos ou nos anexos dos colégios religiosos. queria dizer carpinteiro, mas sua atividade não
Os escravos e os filhos dos deserdados da for· se circunscrevia apenas a este of/cio. Eram enge-
tuna - lavradores livres, artistas pobres, artesãos - nheiros práticos: estes escravos calculavam a
aprendiam "no ofício". Rara vez um deles alisava construção de um sobrado fi o construiam. Isto
com o traseiro magro o banco de madeira de ocorreu até a metade do século passado com
alguma eséola, razão por que o país tinha, até há sobrados que chegam até nossos dias e foram
poucos anos, um dos maiores índices de analfa- construidos por esteS engenheiros (toda a parte
betismo em.todo o mundo. de taipa, armação do telhado de grande dimen-
Havia, portanto, duas educações em curso. Uma são), sendo que os engenheiros graduados só
era a da escola, destinada aos filhos das "gentes chegavam na fase final para terminar a construção.
de bem". Ali, fora o ensino de primeiras letras, ha- A velha Igreja do Carmo foi feita só por 'mestres
via cursos, sempre não profissionalizantes, que en- carapinas', como muitos outros prédios cujos
sinavam Latim, Grego, Literatura e Música para os construtores podem ser identificados ainda hoje. "
que chegavam até depois dos estudos primários. (Celso Maria de Mello Pupo, sobre a cidade de
Mesmo nas três primeiras décadas deste século, Campinas, em São Paulo)
até entre os mais ricos eram raras as pessoas que
faziam algum curso superior. Havia poucas facul- Nas primeiras décadas deste século, pol íticos
dades isoladas e a nossa universidade mais anti- e educadores liberais trouxeram idéias novas para
ga, a de São Paulo, só tem 60 anos. a educação no país. Entre outras coisas eles come-
Outra era a da oficina, misturada com a da çaram a falar de uma escola mais dirigida à vida
vida, destinada pelos ossos do ofício aos filhos de todo dia e mais estendida a todas as pessoas,
"da pobreza". Analfabetos "de pai e mãe", mas ricas ou pobres. A "luta pela democratização
excelentes lavradores, mineradores, pedreiros, do ensino" resultou na escola pública. Resultou
carapinas, ourives, ferreiros, estes homens "rudes", no reconhecimento pai ítico do direito de estudar
88 Carlos Rodrigues Brandão o que é Educação 89

para todas as pessoas, através de escolas gratuitas, Como tipos de intelectuais (educadores, filó'
de ensino leigo, oferecido peio governo. safas, legisladores, cientistas sociais) constitu ídos
Há quem diga que isto foi o resultado de um e sustentados, direta ou indiretamente, pelos novos
confronto entre "liberais" e "conservadores" donos do poder, quase todos os militantes de
na pol(tica, um confronto que invadiu a questão uma nova educação souberam lutar com entu·
da educação. De um lado ficaram os que falavam siasmo por torná·la mais aberta e democrática
em nome das elites agrárias tradicionalistas e por dentro e por fora, sem saber muitas vezes
acostumadas a padrões ultrapassados de dom(nio que as suas idéias apenas consolidavam outros
pai (tico. De outro lado ficaram os que falavam projetos pai (ticos para a educação. Eles subs·
em nome das novas elites capitalistas, atentas titu íam outros intelectuais, aqueles cujas idéias
a novos tempos e problemas que batiam nas pedagógicas serviram aos interesses pol(ticos
portas do mundo e do Brasil. No entanto, o que dominantes de outros tempos, e que não tinham
eu quero ressaltar é que esses pol (ticos e educa· mais lugar nem poder, porque eram as idéias
dores liberais - alguns deles sem dúvida lúcidos que traduziam os interesses de preservação de
e bem·intencionados - ao pregarem idéias de um tipo de ordem social inadequada no Brasil,
uma educação voltada para a vida, a mudança, diante das mudanças aos poucos havidas nas
o progresso, a democracia, traduziam ao mesmo relações de produção de bens e de poder.
tempo o imaginário democrático de seu tempo Por uma porta os filhos dos pobres começam
e, por outro lado, o projeto polltico que servia a entrar nas escolas públicas. Por outra o pa ís
aos interesses de novos donos do poder e da eco· ingressa enfim em tempos de transferência do
nomia. E, tal como aconteceu em outros setores capital da agricultura para a indústria, e de poder
da sociedade brasileira, as i"novações propostas e pessoas do campo para a cidade. Então pai íticos
para a educação propiciaram novos tipos de usos e educadores começam a chamar a atenção para a
pai (ticos de todo o aparato pedagógico, adaptan· evidência de que, mesmo nas escolas públ icas, o
do·o à realidade de novos tempos e a novos mode· ensino escolar era inadequado. Não servia para
los de controle do exercício da cidadania e de preparar o cidadão para a vida nem para preparar
preparação de "quadros" qualificados para o o trabalhador para o trabalho, em qualquer um
trabalho das fábricas. Indústrias que primeiro dos seus níveis. Quando as exigências de ordem
o capital brasileiro e, depois, o internacional, e trabalho do capital redefiniram aos poucos
comeÇaram a semear pelo país. a vida e o trabalho, a idéia de que, além de uma
90 Carlos Rodrigues Brandão o que é Educação 91

vaga "personalidade do educando", a educação nicas". lO claro que esta oposição real, que existe
tinha compromissos para com a vida social e o sob uma unidade proclamada, não é oficialmente
trabalho produtivo passou a figurar entre leis aceita. Não é reconhecida como existente e deter·
e projetos de escolarização no país. minante do sistema pedagógico francês pelos seus
Este progressivo ingresso da criança pobre ideólogos. Mas é através do que separa e de como
nas salas das escolas, associado a uma redefinição separa quem entra e quem sai das escolas que a
do ensino escolar em direção ao trabalho produ· educação capitalista cumpre a sua função de
tivo, não fez mais do que trazer para dentro reproduzir e consagrar a desigualdade, afirmando
dos muros do colégio a divisão anterior entre o que existe como um instrumento democrático
aprender·na·oficina para o trabalho subalterno de produção da igualdade social através do acesso
e o aprender·na·escola para o trabalho dominante. ao saber.
Algumas pesquisas de sociólogos americanos, Uma rede é a de tipo PP, primário·profissional,
realizadas desde a década de 50, confirmam que, limite dos estudos para os filhos do povo desti·
mesmo nos Estados Unidos, o filho do operário nados, também por ela, aos padrões do trabalho
estuda para ser o operário que acaba sendo, e operário. Outra rede é a de tipo 55, secundário·
o filho do médico para ser médico ou engenheiro. ·superior, destinada aos filhos dos ricos, enviados,
Apesar de ser, também lá, um projeto teórico também por ela, às pontes·de·comando do trabalho
de reprodução da igualdade, a educação da socie· "superior",
dade capitalista avançada reproduz na moita e Então, esta educação que incorpora o povo
consagra a desigualdade social, sem esquecer ao ensino oficial, que arranca o menino proletário
de fazer alarde em festa de formatura quando da oficina e o deseja pelo menos por alguns anos
algum filho de operário consegue sair formado na escola, será a educação que serve a ele? Que
da Faculdade de Engenharia. serve pelo menos também a ele?
Em um dos mais importantes estudos elabora- Este é o momento de voltarmos juntos, leitor,
dos sobre o assunto, dois franceses, Christian Bau- a algumas páginas do começo desta conversa
delot e Roger Establet, demonstram que a escola sobre ensinar·e·aprender. O tipo de formação
capitalista francesa superpõe ao sistema oficial de social onde nós vivemos não é como o de uma
ensino - aquele que é proclamado como demo- pequena aldeia tribal, embora haja muitas delas
craticamente aberto a todos - uma divisão entre em nosso mundo. Não é sequer, como na Grécia,
duas redes "heterogêneas ... opostas ... antagô- de onde saiu o modelo de nossa educação, o
92 Carlos ROdrigues Brandão o que é EduCtlção 93

lugar da polís, onde pelo menos nos melhores inclusive por meio de dados estatísticos. Ela não
tempos vigora a democracia de todos os cidadãos vale só para um país de economia pobre e depen-
livres, mesmo que ela seja sustentada pelo traba- dente como o nosso, situado, como diriam os
lho dos escravos. Vivemos aqui, hoje, dentro de economistas, "na periferia do sistema capitalista".
uma ordem social regida por um sistema amplo Vale também para os países de economia desen-
e muito complexo de relações de produção entre volvida, os da "metrópole" do sistema.
tipos de meios e produtores, que se costuma Em um estudo sobre "a educação como processo
chamar de modo de produção capitalista. Embora social", o norte-americano Wilbur Brookover
possa ser fatigante e parecer agressivo, é muito concluiu que em seu país a educação: a) tem o seu
pouco real pensar, seja a educação, seja quase controle situado em mãos "de elementos conserva-
tudo o mais que acontece por aqui, sem levar dores da sociedade"; b) é dirigida de modo a
em conta que são tipos de trocas regidos pela impedir mudanças significativas, "exceto nas áreas
oposição entre o capital e o trabalho. em que os grupos dominantes desejam a mudança";
Ora, por toda parte, em sociedades como a c) na melhor das hipóteses, pode atuar como
nossa, grupos nacionais ou estrangeiros, que um agente interno de mudanças sociais, não como
repartem entre si a propriedade e o controle um agente externo, ou seja, capaz de provocar
direto dos meios de produção dos bens de que por sua conta mudanças significativas; d) não é
se nutrem as pessoas e seu mundo, concentram acreditada como criadora de um possível "mundo
entre si o poder de constituírem, em seu proveito, melhor", a não ser quando "outras forças também
o tipo de Estado que, por sua vez, reproduz ser- operam como agências de mudanças".
viços e normas de segurança, de propriedade, Dentro de um tipo de ordem social assim divi-
de direito, de saúde e até de educação, serviços dida, a educação (como tantas outras coisas da
e normas que servem em conjunto para manter vida e dos sonhos de todos os homens) perde
coesa e, se possível, em relativa paz a ordem a sua dimensão de um bem de uso e ganha a de
social de que se nutre o capital, ou seja, aquela 'um bem de troca. Ela não vale mais pelo que é
ordem em que ele se multiplica. e pelo que representa para as pessoas. Não é mais
Esta é uma afirmação comum hoje em dia entre um dom do fazer que existe no ensinar o saber
os que pensam sobre a educação sem se iludirem que é um outro dom de todos e que a todos
com as condições de sua existência real. 10 também serve. A educação vale como um bem de mercado,
uma crítica que se confirma a todo momento, e por isso é paga e às vezes custa caro. Vale como
94 Carlos Rodrigues Brandão o que é Educação 9S

um instrumento cujos segredos se programam


nos gabinetes onde estão os emissários dos interme-
diários dos interesses pol,ticos postos sobre a edu-
cação. Esta é a sua dupla dimensão de valor
capitalista: a) valer como alguma coisa cuja posse se
detém para uso próprio ou ,de grupos reduzidos,
que se vende e compra; b) valer como um instru-
mento de controle das pessoas, das classes sociais
subalternas, pelo poder de difusão das idéias de
quem controla o seu exercicio.
Então, o que parece inacreditável faz parte
da própria lógica do modo como a. educação
existe na sociedade desiguat. Quando. pensada
como uma "filosofia" ou uma. "política de edu-
cação", ela se apresenta juridiCamente como
um bem de todos, de que o· estado assume a
responsabilidade de distribuição em nome de
todos. Mas sequer as pessoas a quem a educação
serve, em principio, são de algum modo consul-
tadas sobre como ela deveria ser. A educação
que chega à favela, chega prqnta na escola, no
livro e na lição. Os pais favelados dos alunos
são convocados a matricular os seus filhos, como
se aquilo fosse um posto de recrutamento. Não
são convocados, por exemplo, a debaterem com
os professores como eles pensam que a escola
da favela poderia ser uma verdadeira agência
de serviços à sua gente. Mesmo que fossem, as
suas idéias por certo não sairiam do caderno
de anotações da diretoria. Mas não são só os A autoridade do mestre na educação dita democrática
96 Carlos Rodrigues Brandíio o qUe é Educação 97

pais e as crianças faveladas os que não têm direitos Por isso há "leis do ensino" que afirmam com
de pensa r na educação da favela. Mesmo os cida- fé de oficio os valores de uma suposta democracia
dãos ricos e letrados não tem poder algum sobre as feita através da educação. e que é a alma dos
idéias que determinam a educação de seus filhos, conteúdos de seu ensino. Estas afirmações teóricas
e a imensa massa dos próprio educadores da linha ocultam o fato real de q.ue o exercício desta
de frente do trabalho pedagógico (professores, educação consagra a deSigualdade que deveria
diretores de escola, orientadores, supervisores destruir. Afirmar como idéia o que nega como
educacionais) têm o poder do exercício da repro- prática é o que move o mecanismo da educacão
dução das idéias prontas sobre a educação e dos autoritária na sociedade desigual. .
conteúdos impostos à educação. Mas não têm nem
o direito nem o poder de participarem das decisões
pol ítico-pedagógicas sobre a educação que prati-
cam. Elas estão reservadas aos donos do poder
pol ítico e às pequenas confrarias de intelectuais
constituídas como seus porta-vozes pedagógicos.
Poucos espaços de trabalho social são hoje, tão
pouco comunitários e democratizados entre
os seus diferentes praticantes, como a educação.
E, em qualquer tipo de ordem social, quanto
mais a educação autoritária e classicista é expressão
de um poder autoritário de üm~ sociedade classista,
tanto mais ela procura apresentar-se como uma
prática humanamente legitima, exercida em nome
de. leis legítimas e "para o bem de todos". A
ideologia que fala através das leis, decretos e
projetos da educação autoritária nega acima de
tudo que ela seja uma pedagogia contra o ho-
mem - contra a verdadeira liberdade do homem
através do saber, liberdade que existe através
da verdadeira igualdade entre os homens.

••
fi • • •
o que é Educação 99

é inevitável". Uma outra, melhor seria: "porque


a educação sobrevive aos sistemas e, se em um
ela serve à reprodução da desigualdade e à difusão
de idéias que legitimam a opressão, em outro pode
seryir à criação da igualdade entre os homens
e à pregação da liberdade". Uma outra ainda pode·
ria ser: "porque a educação existe de mais modos
do que se pensa e, aqui mesmo, alguns deles
podem servir ao trabalho de construir um outro
A ESPERANÇA NA EDUCAÇÃO tipo de mundo".
"Reiventar a educação" é uma expressão cara
a Paulo Freire e aos seus companheiros do Instituto
de Desenvolvimento e Ação Cultural. De algum
Se a educação é determinada fora do poder modo eles a aprenderam na África, trabalhando
de controle comunitário dos seus praticantes, como educadores junto a educadores de países
educandos e educadores diretos, por que parti· como a Guiné·Bissau e as ilhas de São Tomé
cipar dela, da educação que existe no sistema e Príncipe, que se haviam tornado independentes
escolar criado e controlado por um sistema pol í· de Portugal e tratavam de reinventar, mais do que
tico dominante? Se na sociedade desigual ela só a educação, a sua própria vida social. O mais
reproduz e consagra a desigualdade social, deixan· importante nesta palavra, "reinventar", é a idéia
do no limite inferior de seu mundo os que são para de que a educação é uma invenção humana e,
ficar no limite inferior do mundo do trabalho se em algum lugar foi feita um dia de um modo,
(os operários e filhos de operários), e permitindo pode ser mais adiante refeita de outro, diferente,
que minorias reduzidas cheguem ao seu limite diverso, até oposto. Muitas vezes um dos esforços
superior, por que acreditar ainda na educação? mais persistentes em Paulo Freire é um dos menos
Se ela pensa e faz pensarem o oposto do que é, lembrados. Ao fazer a crítica da educação capi·
na prática do seu dia a dia, por que não forçar talista, que ora chamou também de "educação
O poder de pensar e colocar em prática uma outra bancária", ora de "educação do opressor", ele
educação? sempre quis desarmá·la da idéia de que ela é maior
A resposta mais simples é: "porque a educação do que o homem. De que as pessoas são um pro·
100 Carlos Rodrigues Brandão o que é Educação 10l

duto da educação, sem que ela mesma seja uma


invenção das pessoas, em suas culturas, vivendo
as suas vidas. Ele sempre quis livrar a educação de
ser um fetiche. De ser pensada como uma reali-
dade supra-humana e, por isso, sagrada, imutável
e assim por diante. Ao contrário do que acontece
com os deuses, para se crer na educação é preciso
primeiro dessacralizá-Ia. 10 preciso acreditar que,
antes, determinados tipos de homens criam deter·
minados tipos de educação, para que, depois,
ela recrie determinados tipos de homens. Apenas
os que se interessam por fazer da educação a arma
de seu poder autoritário tornam-na "sagrada"
e o educador, "sacerdote". Para que ninguém
levante um gesto de critica contra ela e, através
dela, ao poder de onde procede.
Por isso, muitas páginas atrás comecei falando
sobre ensinar-e-aprender como alguma coisa que
começa com os bichos (quem sabe com as plantas,
com os seres "brutos" do Universo?) e que, entre
nós, homens, existe por tQda parte. Procurei
corrigir a visão estreita de que a educação se
confunde com a escolarização e se encontra só
no que é "formal", "oficial", "programado",
"técnico", "tecnocrático". Se em algumas pági· Nas ''zonas libertadas" durante as lutas contra o colonia-
nas falei dela como um entre outros instrumentos lismo, uma escola na Guine-Bissau.
de desigualdade e alienação, em outras imaginei-a
como uma aventura humana.
A educação ex iste em toda parte e faz parte leitor, acontecer na Grécia, repete-se mil vezes
dela existir entre opostos. O que vimos juntos, em mil tempos de outros mundos sociais. Entre
102 Carlos Rodrigues Brandão o que é Educação 103

sujeitos igualados pelo trabalho comum e o saber o controle do Estado. Em primeiro lugar, em
comunitário, também a educação pertence do algum tempo ela existe difusa no meio social
mesmo modo a todos e, se existe diferente para de que todos participam e é ativamente exercida
alguém, é para especializar, para o uso de todos, nos diferentes círculos naturais da sociedade:
o seu saber e o seu trabalho. Mais do que poder, a família, o clã, o grupo de idade, o grupo de
portanto, ela atribui compromissos entre as socius. Mais adiante a educação especializa·se
pessoas. sob a égide da escola, mas a escola particular
Quando o fruto do trabalho acumula os bens do mestre avulso ainda é uma extensão da sacie·
que dividem o trabalho, a sociedade inventa dade civil. Mais tarde ainda, a própria educação
a posse e o poder que separa os homens entre escolar cai sob o poder de decisão do Estado
categorias de sujeitos socialmente desiguais. A que, quando autoritário e classista, exerce a edu·
posse e o poder dividem também o saber entre os cação para o controle da sociedade civil da comu·
que sabem e os que não sabem. Dividem o trabalho n idade de todos. '
de ensinar tipos de saber a tipos de sujeitos e Onde surgem interesses desiguais e, depois,
criam, para o seu uso, categorias de trabalhadores antagônicos, o processo educativo, que era uni·
do saber·e·do·ensino. tário, torna·se partido, depois, imposto. Há edu·
E a partir da í que a educação aparece como cações desiguais para classes desiguais; há interesses
propriedade, como sistema e como escola. O divergentes sobre a educação, há controladores.
controle sobre o saber se faz em boa medida Grupos desiguais não só participam desigualmente
através do controle sobre o quê se ensina e a da educação - dos nobres, dos funcionários,
quem se ensina; de modo que, através da educação dos artesãos - como são também por ela desti·
erudita, da educação de elites ou da educação nados desigualmente ao trabalho: para dirigir,
"oficial", o saber oficialmente transforma·se em para executar, para produzir.
instrumento político de poder. Ele abandona Mas, assim como a vida é maior que a forma,
a communitas de que fez parte um dia e ingressa a educação é maior que o controle formal sobre
na estrutura dos aparatos de controle. O "processo a educação. Alguns pesquisadores têm descoberto
grego" se repete então: a educação da comu· hoje o que existe há milênios. Por toda parte
nidade, a escola, a oposição entre a educação-de· as classes subalternas aprenderam a criar e recriar
·educar e a educação·de·instruir, a passagem da u ma cultura de classe - mesmo quando aprovei·
aprendizagem coletiva para o ensino particular, tando muitos elementos dominantes que lhes
104 Carlos Rodrigues Brandão o que é Educação 105

foram impostos como idéias ou como práticas - de sistemas populares de vida e de representação
e também formas próprias de educação do povo. da vida, e tem uma lógica e densidade de que
As oficinas de que falei aqui e ali são um exemplo apenas levantamos o primeiro véu, depois de
que vem da antigüidade até nossos dias. Mas podem tantas pesquisas.
não ser o melhor exemplo. Pois todo este trabalho tradicional de classe
O que existe na verdade nas comunidades de que sustenta um modo próprio de vida subalterna
subalternos é a preservação de tipos de saber comu- é sustentado por formas próprias e muitas vezes
nitários e de meios comunitários de sua transfe- popularmente muito complexas de saber. E susten·
rência de uma geração para outra. Como sempre tado ta mbém por sistemas próprios de repro-
se faz a história da educação erudita e formal dução do saber popular, que implicam não apenas
quando se discute o que é educação, sempre se em relações simples. como as de um pai lavrador
deixa de lado este seu outro lado. A margem com um filho aprendiz, mas também em redes
da vida dos dominantes, dos escravos aos bóias· e estruturas pedagógicas de que desconhecemos
·frias de hoje, os subalternos souberam criar, quase tudo. Isto é evidente em muitas situações:
dentro dos limites estreitos em que sempre lhes na Capoeira da Bahia, nas confrarias populares
foi permitido "criar" alguma coisa sua, os seus de Foliões de Santos Reis, numa quadrilha de
modos próprios de saber, de viver e de saber. pivetes ou numa equipe rústica de construtores
Eles inventaram os seus códigos de trocas no de casas.
interior da classe e entre classes. Estes modos próprios de uma educação dos
Sempre que possível, criaram formas peculiares subalternos têm um teor político de que pouco
de solidariedade para dentro da classe, e de resis- se suspeita. Assim como a educação do sistema
tência e manipulação para fara dela. Elaboraram dominante possui o valor pai ítico dos serviços
as suas crenças e valores de representação do que presta aos que a controlam, enquanto ensina
mundo, mesmo quando observando a escrita desigualmente aos que a recebem, assim também
da ideologia dos seus senhores. Constru íram estilos as formas próprias de educação do povo servem
e tecnologias rústicas dirigidos aos seus usos a ele como redes de resistência a uma plena invasão
do cotidiano. Inventaram rituais sagrados e profa- da educação e do saber "de fora da classe".
nos. Tudo isso a que se dá o nome de "Cu Itura A própria maneira como uma população de
Popular", e que às vezes se vê da academia como favelados se relaciona com a escola pode ser um
um amontoado de coisas pitorescas, faz parte bom exemplo disso. Quando há escola pública
106 Carlos Rodrigues Brandão o que é Educação 107

na favela, os pais mandam os filhos para ela. na Africa, confirmados por outros feitos, por
Quando não há, as "comissões de bairro" lutam brasileiros, aqui no Brasil, demonstram como
para que haja. Mas quem envia os filhos não se existe uma sábia arma de resistência popular
compromete com a escola. Os esforços de profes· justamente naquilo que nos acostumamos a despre·
sores e diretores para que haja um maior inter· zar, por ver como "tradicional", lIatrasado" I
câmbio entre "a escola" e "a comunidade" resul· "primitivo". A aparente "primitividade" do pobre
tam quase sempre em fracasso. Quando em alguma contra a invasão sobre ele da "modernidade"
favela a coisa dá resultado; às vezes o secretário do senhor é um meio popular avançado de lutar
da educação vai visitar e, se possível, leva a TV por manter e recriar uma identidade própria
Globo. O descompromisso dos adultos para com de subalterno (de índio, de negro, de colonizado,
a escola pública não é devido à falta de tempo. de escravo, de camponês). de manter o seu próprio
Muitos destes pais gastam o corpo, o tempo e o saber e as suas próprias redes de educação.
dinheiro por meses a fio nos preparos do "bloco Quando em alguma parte setores populares
do bairro", ou da "escola de samba". Eles fazem da população começam a descobrir formas novas
assim porque tratam a escola "do governo" como de luta e resistência, eles redescobrem também
tratam as suas outras agências: o posto de saúde, velhas e novas formas de "atualizar" o seu saber,
a delegacia, a agência de bem·estar social. Tratam de torná·lo orgânico. Criam por sua conta e risco,
como locais para serviços de emergência e, ao ou com a ajuda de agentes·educadores eruditos,
mesmo tempo, como postos invasores de um tipo outras formas de associação, como os sindicatos,
de domínio de classe indesejável. Se tratam a os movimentos populares, as associações de mora·
educação dos seus filhos como coisa que se passa dores. Estes grupos, que geram outros tipos de
"no mundo dos brancos", é porque têm também mestres entre as pessoas do povo, geram também
as suas formas próprias, tradicionais, de repro· outras situacões vivas de aprendizagem popular.
dução do saber. Por isso tratam o "bloco" e a Eu não tenho dúvidas em afirmar que é entre
"escola de samba" como coisa sua, de seu mundo. as formas novas de participação popular, nas
Sem o saber que existe na fala, mas cheios do brechas da luta política, que, hoje em dia, surgem
saber que existe na prática, os subalternos criam as experiências mais inovadoras de educação no
e recriam a sua própria educação. E ela não existe Brasil. Os professores tradicionais e OS tecnocratas
só para difundi[ o saber, mas para reforçar o da pedagogia são cegos para elas, mas é ali que
resistir. Alguns estudos de antropólogos franceses as propostas mais avançadas de "educação e vida",
108 Carlos Rodrigues Brandão o que é Educação 109

"educação na prática", etc., são criadas e testadas. De outro lado, os alunos criam e recriam as
Mais do que isso, em algumas partes do país suas unidades de organização, os seus grêmios,
comunidades populares tentam inventar agora grupos de arte e cultura. Quem poderia esquecer
tipos de escolas comunitárias que antecipariam, que as experiências de Educação Popular e de
em uma plena democracia, o exercício de uma Cultura Popular no Brasil foram iniciadas dentro
"educação como prática da liberdade". Aquela dos primitivos serviços de Extensão Universitária,
que, sendo sustentada economicamente pelo poder como o da Universidade Federal de Pernambuco,
público, fosse política e pedagogicamente contro- onde nasceu O Método Paulo Freire de Alfabeti-
lada pelas comunidades onde se exercesse. zação, ou como os Movimentos de Cultura Popular
De outra parte, mesmo nos setores eruditos e os Centros Populares de Cultura, vinculados
da educação oficial, é preciso compreender que ao movimento estudantil e às suas unidades de
ela existe em muito mais situações do que dentro mobilização?
do sistema e na sala de au la. Ao lado das ino- Só os formalistas pedagógicos podem enxergar
vações pedagógicas que provocam a reinvenção educação apenas dentro dos sistemas restritos
do trabalho escolar, a mesma relação de opostos da pedagogia (que, aliás, até hoje não se sabe
sobreexiste entre a formal idade da estrutura ao certo se é uma ciência, uma prática especia-
e a permanente oposição que fazem a ela as inú- lizada ou uma teoria de educação, ou, quem
meras pequenas communitas de sujeitos envol- sabe, nada disso).
vidos, de um modo ou de outro, com o sistema Somente eles poderiam discutir, como questões
de educação. da educação, problemas de método, de operacio-
De um lado, os próprios professores que traba- nalidade curricular, de programação sistemática
lham como educadores (como sujeitos de suas e assim por diante. Instrumentos úteis, sem dúvida,
diversas categorias de especialistas), nas escolas, mas pequenas algemas de controle quando empre-
colégios e universidades, aprendem. a se organ izar gados sem a crítica do lugar e do sentido de tudo
também como categorias políticas e profissionais isso. Só o educador "deseducado" do saber que
de trabalhadores da educação. As associações existe no homem e na vida poderia ver educação
de tipos de especialistas do ensino e, mais ainda, no ensino escolar, quaRdo ela existe solta entre
as associações de categorias de docentes são o os homens e na vida. Quando, mesmo ao redor
resu Itado do desenvo Ivimento da consciência da escola e da universidade, ela está no sistema
pol ítica do educador. e na oposição a ele; na sala de aula em ordem,
110 Carlos Rodrigues Brandão

e no dia de greve estudantil; no trabalho rigoroso


e persistente do professor-e-pesquisador e, ao
mesmo tempo, no trabalho político do profes-
sor-militante.
Esta é a esperança que se pode ter na educação.
Desesperar da ilusão de que todos os seus avanços
e melhoras dependem apenas de seu desenvolvi·
menta tecnológico. Acreditar que o ato humano INDICAÇÕES PARA LEITURA
de educar existe tanto no trabalho pedagógico
que ensina na escola quanto no ato pai ítico que
luta na rua por um outro tipo de escola, para Para quem tiver fôlego e coragem há dois livros
um outro tipo de mundo.
importantes a respeito da idéia de educação entre
E é bem possível que até mesmo neste "outro os gregos (de onde veio a nossa, através de Roma~
mundo", um reino de liberdade e igualdade busca· e sobre a educação na Antigüidade Clássica. Um e
do pelo educador, a educação continue sendo o Paideia - a formação do homem grego, de
movimento e ordem, sistema e contestação. O Werner Jaeger (Herder) e o outro, a Histór~a
saber que existe solto e a tentativa escolar de da Educação na Antigüidade, de Henrl·lre~~e
prendê-lo num tempo e num lugar. A necessidade Marrou (Herder/EDUSP). Ainda sobre hlstorla
de preservar na consciência dos "imaturos" o da educação a Editora Pedagógica e Universitári.a
que os "mais velhos" consagraram e, ao mesmo publicou Educação e Sociedade na PnmelTa Rep!!-
tempo, o direito de sacudir. e questionar tudo blica. Trpta-se de um estudo sobre a educaçao
o que está consagrado, em nome do que vem brasileira escrito por Jorge Nagle. Finalmente,
pelo caminho. um livro simples e muito útil é a História da
Pedagogia, publicado pela Cia. Editora Nacional
e escrito por René Hubert.
• • •
Quem quiser conhecer o pensamento de um

..••.., dos principais educadores brasileiros deve ler


os trabalhos de Fernando de Azevedo, publicados
112 Carlos Rodrigues Brandão o que é Educação 113

pela Melhoramentos e pela Cia. Editora Nacional. o Educação e Ideologia, de Sinésio Bacchetto.
Leia especialmente: A Educação na Encruzilhada e Dois outros livros de leitura simples e de um bom
Novos Caminhos e Novos Fins. Vale a pena ler poder de explicação de questões básicas da edu-
também a sua Sociologia da Educação. cação em nosso tempo são: Fenomenologia da
Educação, do argentino Gustavo Cirigliano e
* * • Pedagogia de nosso Tempo, de Ricardo Nassif.
Ainda sobre a abordagem sociológica da edu- Outra abordagem sociológica da educação brasi-
cação, existem alguns livros que são coletâneas leira foi realizada por Ângelo Domingos Salvador,
de vários autores. Um deles, publicado há algum em Cultura e Educação Brasileira. Resta ainda
tempo, mas ainda atual, é Educação e Sociedade, da coleção o desafiante estudo de Ivan IIlich,
organizado por Luis Pereira e Maria Alice Foracchi Sociedade sem Escolas. Da mesma editora há
e publicado pela Cia. Editora Nacional. Alguns um pequeno livro bastante útil, escrito por Suzana
artigos históricos sobre a educação, a sociedade Albornoz Stein: Por uma Educação Libertadora.
e a cultura, como um de Durkheim, foram reunidos • * *
neste livro. A mesma editora tem uma longa
Alguns estudos sobre a universidade brasileira.
série de livros sobre educação. Vale a pena ler
Democracia e Educação, de John Dewey, um dos A Universidade Temporã, publicado Ed. Civili-
livros essenciais para se compreender o movimento zação Brasileira, de Luis Antônio Cunha, de
da Escola Nova no Brasil. De modo geral, todos quem todos os outros livros podem ser lidos
os livros de Anísio Teixeira, outro educador sem susto e com um grande proveito, especial-
dos tempos de renovação da pedagogia no Brasil, mente Educação e Desenvolvimento Social no
podem ser lidos. São também publicados pela Brasil. A Universidade Brasileira em Busca de
mesma editora. sua Identidade, de Maria de Lourdes de A. Fávero,
publicado pela mesma coleção Educação e Tempo
• • • Presente, da Vozes. Sobre o movimento estudantil,
A ·Editora Vozes tem uma das melhores coleções além dos seus próprios escritos, há uma pesquisa
de livros sobre educação. Trata-se de Educação que não pode a~ixar de ser lida. !: o estudo de
e Tempo Presente. Destaco dela os três livros José Augusto Guilhon Albuquerque, Movimento
de Pierre Furter: Educação e Reflexão, Educação Estudantil e Consciência -Social na América Latina,
e Vida e Educação Permanente e Desenvolvimento publicado pela Paz e Terra.
Cultural. Na mesma linha de pensamento, existe * • *
114 Carlos Rodrigues Brandão o que é Educação 115

Sobre questões relativas a educação e ideo- no Futuro, da Editora Encontro.


logia, -entre os livros mais recentes quero destacar Absolutamente essencial é °
livro de Demerval
três: Prática Educativa e Sociedade, de Jether Saviani, Educação Brasileira, Estrutura e Sistema,
Pereira Ramalho, da Editora Zahar, Ideologia da Editora Saraiva.
e Hegemonia, de Niuvênius Junqueira Paoli, • • •
da Editora Cortez e, finalmente, Paulo Freire
A mesma Editora Brasiliense lançou em 1980
e o Nacionalismo-Desenvolvimentista, de Vanilda
talvez o mais inteligente e também o mais moti-
Paiva, publicado pela Civilização Brasileira.
vante (e desafiador) livro sobre a educação, pa-
• • • ra quem queira fazer sobre ela uma leitura de in-
De modo geral são muito úteis e cobrem uma trodução crítica. Trata-se de Cuidado, Escola!, es-
ampla gama de quest'ões os livros publicados pela crito pela equipe do Instituto de Desenvolvimen-
Editora Cortez (antiga Cortez e Moraes). Essa edi- to e Ação Cultural, fundado por Paulo Freire.
t~ra tem lançado estudos recentes sobre ques- • • •
toes concretas da educação brasileira. Há uma série de livros a respeito de Educação
Popular e entre eles é indispensável a leitura
de pelo menos algu~s livros de Paulo Freire. Os
Dentro da linha em que a educacão foi discu- dois primeiros: Educação como Prática da Liber-
tida aqui há muitos outros livros. Três de acesso dade, editado pela Paz e Terra, e Pedagogia do
fácil são os escritos por Pedro Benjamin Garcia: Oprimido, da mesma editora. Entre os mais recen-
Educação - Modernização ou Dependência, por tes, não perder Cartas de Guiné-Bissau. Outras
Cláudio L. Salm: Escola e Trabalho e por María cartas de Pau lo Freire estão em A Questão Pol (-
Teresa Nidelcoff: Uma Escola para o Povo. O tica da Educação Popular, que editei pela Brasi-
primeiro é da Livraria Francisco Alves e os dois - liense. Ler ainda o excelente Educação Popular
últimos da Brasiliense. Lauro de Oliveira Lima I
e Conscientização, da Vozes, escrito pelo uru-
tem' vários livros publicados e todos eles são guaio Julio Barreiro. Não perder, ainda, Vivendo
introduções desafiadoras às questões quentes e Aprendendo, da equipe do IDAC e publicado
da educação no Brasil: ler pelo menos O Impasse pela Brasiliense. Sobre a própria história da edu-
na Educação, da Vozes, Tecnologia, Educação cação popular no Brasil, é importante ler: Edu-
e. Democracia, da Civilização Brasileira e Escola cação Popular e Educação de Adultos, de Vanilda

*" *" *
1 116 Carlos Rodrigues Brandiío

Pereira Paiva, editado pela Loyola; Estado e Sobre o autor


Educação Popular, de Celso Rui Beisiegel, da
Pioneira; e, finalmente, Pol/tica Educação Nasci no Rio de Janeiro em abril de 1940. Vivi ali 26 anos e ali,
Popular, de Sílvia Maria Manfredi, publicado
Um dia, me formei psicólogo na PUC. Mas eram temposem que co-
meçávamos a criar movimentos e centros de cultura popular. Parti-
pela Símbolo. cipei intensamente de tudo aquilo e o que vivi então teve mais in-
• • * fluência sobre minhas idéias e práticas posteriores do que meu pró-
prio curso. Porque queria ser mais um educador e um pesquisador
Até aqui falei apenas sobre livros de história do que propriamente um psicólogo, fui viver primeiro em Brasília e
e crítica sociológica da educação. Mas sobre depois, por vários anos, em Goiânia. Faz 10 anos que estou em
questões de pedagogia e de psicologia aplicada Campinas e na UNICAMP. Em 1967 ingressei como professor na
vida universitária, primeiro em Brasilia (UnB), depois em Goiâ-
à educação existe uma relação bastante maior. nia (UFG) e agora em Campinas. Tornei-me antropólogo primeiro
Entre os livros de acesso mais fácil estão todos por conta própria e depois. ,através de cursos na UnS e na USP.
os publicados pela Cia. Editora Nacional. Vale Dedico-me hoje a estudos, aulas e pesquisas de Antropologia So-
a pena procurar também uma entre outras revistas cial. mas desde 1963 nunca deixei de participar do debate,extra-
especializadas, como a Revista Brasileira de Estu· universitário dos movimentos e experiências de educação e cultura
dos Pedagógicos, publicada pelo INEP (Instituto popular. Tudo o que escrevi até hoje, fora a poesia que me persegue
desde a adolescência, são os meus relatórios de pesquisas de Antro-
Nacional de Estudos Pedagógicos). do Ministério pologia ou os livros entre a didática e a militância, dirigidos a edu-
da Educação e Cultura. O próprio MEC edita cadores.
ainda uma outra revista importante: Educação. Livros publicados pela Brasiliense: Os Deuses do Povo - Uma
introdução às religiões. Diário de Campo - Antropologia como
• • • Alegoria. Educação como Cultura, Educação Popular. Identidade
Revistas sobre educação existem muitas. Uma e Etnia. Pesquisa Participante. A Questão Polttica da Educação
abordagem sociológica está em Educação e Socie- Popular. Repensando a Pesquisa Participante e pela coleção Pri-
dade, do CEDES, distribuída pela Editora Cortez. meiros Passos, O que é Educação. O qúe é Folclore e O que é Méto-
do Paulo Freire.
Em outra direção, dirigida ao professor, existe
Sala de Aula, publicada pelo Centro de Estudos
Anísio Teixeira. Caro leitor:
As opiniões expressas neste livro são as do autor,
podem não ser as suas. Caso você ache que vale a
pena escrever um outro livro s6bre o mesmo tema,
nós estamos dispostos a estudar sua publicação
com o mesmo título como "segunda visão·· .

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