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1 – A Regressão do Demoliberalismo 1

Triunfante no século XIX, o Liberalismo, nos seus pressupostos políticos, conduziu à afirmação
das democracias parlamentares burguesas que, nos inícios do século XX, atingiam
já consideráveis níveis de aperfeiçoamento.
O demoliberalismo (a democracia liberal) era o modelo político cada vez mais adoptado no
Ocidente europeu, em finais do século XIX, e afirmou-se, de forma triunfante, com o fim da
Primeira Guerra.
Todavia, o quadro económico vivido no Velho Continente não era favorável à consolidação do
triunfo conseguido.
Os anos 20 confirmaram todas as fragilidades da Europa.

1.3.1 Dificuldades económicas e comportamentos sociais

Como já vimos a Europa em 1918 era um continente assolado por sérias dificuldades
económicas e financeiras. Este quadro negativo repercutia-se, inevitavelmente, nas condições de
vida das populações originando complicadas perturbações em todos os estratos sociais:

- a burguesia industrial e financeira, mesmo com capacidades para resistir melhor às


conjunturas negativas, viu o seu património profundamente desvalorizado. Alguns
sectores mais atingidos não conseguiram mesmo impedir a falência;

- centenas de milhares de agricultores foram à ruína, independentemente de serem


titulares de capitais próprios ou dependerem do sector financeiro;

- as classes médias urbanas, dependentes de salários ou de outros rendimentos fixos,


entraram em grande dificuldade. Muitos assalariados urbanos, não resistindo à sua
pauperização, acabam por cair na proletarização que tanto desdenhavam;

- o operariado urbano e rural mergulhou na miséria, em consequência do desemprego


que não parou de crescer.

- Os soldados desmobilizados não se adaptaram à rotina do quotidiano e sentiram-se


marginalizados por um mundo que defenderam e que não os acolhia como heróis.

Perante as dificuldades económicas, generalizou-se entre a população um sentimento de


descontentamento e de agravamento de tensões que conduziu à revolta e ao afrontamento
político. De um lado o conservadorismo burguês, do outro a agitação revolucionária socialista.

1.3.2 O impacto da expansão do socialismo revolucionário

Este quadro económico e social de crise e de profundo mal-estar social era vivido, no Ocidente
europeu numa altura em que os desenvolvimentos da democracia liberal proporcionavam total
liberdade de formação de novos partidos, muitos deles de inspiração marxista. Ao mesmo tempo,
os sindicatos, intensificavam a sua acção de propaganda e de militância política acerca dos males do
capitalismo, na tentativa de ganharem aderentes para a causa proletária.

De facto, a conjuntura negativa que atingiu a Europa, logo a partir de 1918, coincidiu com o
triunfo do socialismo na Rússia, em 1917 e com a realização da Internacional Comunista (que
formou o Komintern) cujo objectivo principal era promover a união da classe operária
internacional e impor no mundo o socialismo marxista-leninista.

Em consequência, ao longo dos anos 20, a Europa foi sacudida por uma vaga revolucionária que
evidenciou as dificuldades dos regimes demoliberais.

Nesta conjuntura, as democracias liberais e o capitalismo europeu assistiram apavorados:

- à tentativa de ocupação do poder na Alemanha por forças inspiradas no socialismo


marxista. Divisões entre espartaquistas (organização revolucionária fundada por Rosa
Luxemburgo e Karl Liebknecht) e sociais-democratas contribuiu para o fracasso dos
revolucionários;
- a um surto de manifestações e de greves que se intensificaram à medida que se agravavam
as consequências da crise. Em Berlim realizou-se uma greve geral em Jan. 1919 que foi
brutalmente reprimida e onde foram assassinados os dois fundadores do movimento
espartaquista.
- a violentos conflitos na Áustria entre operários revolucionários e camponeses
conservadores que acabaram por ocasionar o reforço do governo de centro-direita Este apoia
organizações para-militares de extrema-direita que atacam sindicatos e organizações
políticas de esquerda;
- Na Hungria, durante seis meses (Março a Agosto de 1919), o poder é assumido por uma
República dos Conselhos de inspiração bolchevique (presidido por Bela Kun);
- à ocupação de fábricas e de propriedades agrícolas em Itália;

1.3.3 Radicalização dos movimentos sociais

Os proprietários burgueses tremeram perante a intensificação da agitação social que punha


em causa a sua pessoa e os seus bens, sentiram-se ameaçados e organizaram-se em movimentos
de reacção ao avanço do comunismo:

- lançam agressivas e violentas campanhas anticomunistas;


- apelam ao orgulho nacional, à grandeza do passado, à ordem e à estabilidade que tinha
feito a grandeza das nações, contra as doutrinas socialistas que, com o seu
internacionalismo, punham em causa a coesão nacional;
- denunciam a incapacidade de os governos democráticos resolverem as situações de crise
económica e instabilidade social;
- denunciam a fragilidade do parlamentarismo, geradas nas permanentes lutas partidárias
que inviabilizam a acção governativa;
- organizam, armam e financiam milícias populares que espalham o terror entre as
organizações socialistas;
- procuram o apoio das altas patentes militares e preparam-se para a luta política.

As classes médias têm diferentes reacções:

- alguns sectores empobrecidos e proletarizados engrossam as fileiras da agitação


revolucionária;
- a maioria, todavia, humilhados na sua honra e dignidade, indignados e revoltados contra a
ascensão de alguns sectores do proletariado, em consequência do seu poder reivindicativo,
amantes da ordem e da disciplina, sentem-se facilmente atraídos pela propaganda
nacionalista e pelas promessas de autoridade e disciplina impostas por governos que
deixarão de depender dos parlamentos.
As democracias liberais começam a viver tempos muito difíceis:

1.3.4 Emergência de regimes políticos autoritários.

Efectivamente, o período que mediou entre as duas guerras foi caracterizado pelo avanço e
ascensão ao poder das forças conservadoras de direita, radicalmente contrárias à democracia
parlamentar, que acusavam de ser a grande causa da agitação social e do caos económico
provocados pela livre actuação dos partidos socialistas.

- Na Alemanha, após a onda revolucionária espartaquista de 1919, surge, em 1923, uma


sublevação de forças da extrema-direita que atacam figuras do Estado. Neste contexto surge,
em Munique, um pequeno partido – Partido Nacional-Socialista e um desconhecido imigrante
austríaco, Hitler, que protagonizam um fracassado motim que leva aquele à prisão.

- Em Itália e França, também grupos de extrema-direita, constituídos por muitos ex-


combatentes marginalizados por não se adaptarem à rotina quotidiana, manifestam-se e
atacam violentamente as organizações de esquerda. São eles o grupo Fascio (Itália) e Liga
dos Cruzes-de-Fogo (França).

- No resto da Europa a situação era de instabilidade económica e agitação social afectando


primacialmente as classes médias que sem uma organização própria para defender os seus
interesses acabam por cair nas fileiras da extrema-direita que lhes prometiam defender os seus
interesses contra a grande burguesia e contra o proletariado que elas tanto desprezavam.

Era o tempo das ditaduras que se aproximava com o avanço da extrema-direita e o triunfo de
regimes totalitários. Praticamente toda a Europa viveu a experiência totalitária e poucas foram as
democracias que conseguiram resistir ao avanço da extrema-direita:

• Hungria (1920);
• Itália (1922);
• Turquia (1923) - após a instauração da República, o Presidente assume todos os poderes e
exerce um poder autoritário;
• Espanha (1923) - entre 1923 e 1930, um directório de altas patentes dirigido pelo general
Primo de Rivera, tentou implantar o fascismo, após ter forçado o rei Afonso XIII a convidá-
lo para formar governo, dissolveu as Cortes. Mas só em 1939, e após uma guerra civil de 3
anos, o General Franco que contou com o apoio da Itália e da Alemanha, impôs um regime
ditatorial fascista.
• Bulgária, após um golpe de Estado nacionalista (1923), inicia-se um período de agitação
entre conservadores e comunistas que culmina em 1935 com Bóris III a impor uma ditadura
monárquica.
• Albânia (1925),
• Lituânia, Polónia e Portugal (1926),
• Jugoslávia (1929)
• Áustria (1932) - depois dos distúrbios de 1927, a Constituição reforça o poder executivo e o
chanceler Dollfuss instaura uma ditadura.
• Alemanha (1933),

• Outros regimes autoritários instalaram-se, entretanto, na Letónia, na Roménia, na Grécia e


na Hungria, países onde não existiam tradições democráticas.
• Mesmo nos EUA, assistiu-se à escalada do conservadorismo e do nacionalismo. Com os
republicanos no poder, a defesa da tradição e dos valores morais americanos, saldou-se na
Lei Seca, na progressão do racismo (Ku Klux Klan), na limitação da imigração (o medo
dos “vermelhos” fazia ver em cada trabalhador imigrante um agente do bolchevismo
europeu).

Cada um destes regimes caracterizava-se por determinados particularismos. Mas era a evolução
política da Alemanha que prenunciava consequências mais trágicas para a História do século XX
europeu.
SÍNTESE ESQUEMÁTICA

A regressão do demoliberalismo

Dificuldades + Revolução Socialista


económicas do pós- (1917)
guerra


Radicalização social e
política nos anos 20

• Greves
• Ocupações
• Tentativas de
revolução
comunista


• Incapacidade das
democracias liberais na
resolução da crise
económica;
• Incapacidade das
democracias liberais no
controlo da ordem
social;
• Medo ao bolchevismo


Emergência dos
autoritarismos

• Fascismo na
Itália
• Nazismo na
Alemanha
• Ditaduras
noutros países
Prof. Natália Silva
europeus.

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