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ano XIII número 146 maio 2009

R$ 9,90

A MÍDIA SURRUPIOU OS CRIMES DA CAMARGO CORRÊA

DEPRESSÃO
NA SOCIEDADE DO VAZIO
ENTREVISTA COM MARIA RITA KEHL

BRIZOLA NETO
HERANÇA FORTE NA
LUTA NACIONALISTA

INJUSTIÇA ESCANCARADA
O QUE FAZER PARA PUNIR JOSÉ PADILHA
RICOS E PODEROSOS “GARAPA” MOSTRA
A DUREZA DA FOME

GUTO LACAZ MARILENE FELINTO GLAUCO MATTOSO ANA MIRANDA JOSÉ ARBEX JR. GILBERTO VASCONCELLOS MARCOS
BAGNO FERRÉZ JOÃO PEDRO STEDILE RENATO POMPEU TATIANA MERLINO EDUARDO SUPLICY GEORGES BOURDOUKAN
HAMILTON OCTAVIO DE SOUZA CESAR CARDOSO FREI BETTO GERSHON KNISPEL FIDEL CASTRO EMIR SADER MARCELO SALLES
PLÍNIO TEODORO CAROLINA ROSSETTI FELIPE LARSEN MC LEONARDO ULISSES TAVARES GUILHERME SCALZILLI CLAUDIUS
www.carosamigos.com.br
Com as obras de infraestrutura do PAC,
a roda da economia gira, o Brasil se
desenvolve e fica melhor para todos.
• O Governo Federal, estados, municípios e a iniciativa privada estão se movimentando
para fazer um Brasil melhor para todos. Com o PAC, serão investidos mais de
R$ 646 bilhões até 2010.

• 1.200 obras de urbanização e saneamento, em 565 municípios, beneficiam milhões


de famílias, geram empregos e aquecem a economia.

• Construção de 7 novas ferrovias, modernização de 18 portos e melhorias em rodovias


por todo o país fazem a produção circular com mais rapidez e segurança.

• Obras em usinas hidrelétricas e termoelétricas, plataformas de petróleo, gasodutos


e fontes renováveis de energia, como os biocombustíveis, levam muita energia
para o Brasil produzir mais.

Complexo do
Alemão - RJ
Usina Hidrelétrica
Chapecó - SC

Acredite no seu trabalho


que o Brasil acredita em você.

Acredite no seu trabalho


que o Brasil acredita em você. Confiança no Brasil.
É assim que a gente segue em frente.

www.confiancanobrasil.gov.br

BR 101 - NE
Confiança no Brasil.
É assim que a gente segue em frente.
CAROS AMIGOS ANO XIII 146 MAIO 2009

Injustiça escancarada
04 Guto Lacaz.

Nunca o Judiciário brasileiro esteve tão exposto na mídia e na 06 Caros Leitores.


boca do povo. Quase todos os dias a mídia registra os conflitos en- 07 Marilene Felinto rende homenagem à amiga querida Thaís S. Pereira.
tre instâncias, críticas internas e externas a membros da corpora-
ção, contradições de posições, decisões e sentenças. Até bate-boca 08 Glauco Mattoso Porca Miséria.
entre ministros do Supremo Tribunal Federal são transmitidos ao
Georges Bourdoukan considera legítima a resistência contra o Estado de Israel.
vivo pela TV e circulam na Internet para delírio das torcidas, provo-
cam mensagens e abaixo-assinados. 09 José Arbex Jr. fala do golpe da oligarquia Sarney contra Jackson Lago.
Tudo indica que a questão de fundo é uma só: o bloco monolí-
tico do Poder Judiciário, historicamente a serviço das classes do- 10 Gilberto Vasconcellos recorre a Darcy Ribeiro para interpretar Obama.
minantes, não consegue mais atuar de forma monolítica. Por isso Marcos Bagno Falar Brasileiro.
mesmo expõe suas contradi-
ções numa sociedade marca- 11 Ferréz retrata o agito na favela para a instalação dos relógios de luz.
da pela desiguldade, sofre
12 Renato Pompeu e suas Memórias de Um Jornalista Não-Investigativo.
foto Jesus Carlos

com as divergências intesti-


nas e é alvo de outras insti- João Pedro Stedile insiste que a crise é estrutural e precisa ser debatida.
tuições mais suscetíveis às
exigências democráticas. 13 Tatiana Merlino Por que a Justiça não consegue punir os ricos e poderosos.
Mesmo que se diga o óbvio, 18 Eduardo Suplicy recorre ao filósofo Philippe Van Parijs para defender a renda.
a crise é positiva, tem a ver com possíveis mudanças de adaptação a
uma realidade que insiste em abandonar vícios do passado oligárqui- Ana Miranda comenta ensaio de Viveiros de Castro sobre a alma indígena.
co. Apesar da disciplina hierárquica, florescem as correntes compro-
metidas com a utopia jurídica segundo a qual a lei e a Justiça devem
19 Hamilton Octavio de Souza, Entrelinhas.
ser aplicadas igualmente para todos, sem qualquer distinção. Cesar Cardoso disseca os valores e a realidade da sociedade de consumo.
A Caros Amigos apresenta um perfil do Judiciário em transfor-
mação, entrevista juristas, juizes e estudiosos do sistema. Procura 20 Entrevista com Brizola Neto A luta para regular o nióbio nacional.
mostrar ao leitor por que a mesma instituição utiliza pesos e medi- 23 Frei Betto critica a cegueira do G-20 no trato com a miséria.
das diferentes para julgar ricos e pobres. Aos pobres aplica a rigidez
da punição – independentemente de ter os seus direitos assegurados. Gershon Knispel lembra os monumentos dedicados às vítimas das guerras.
Aos ricos, em muitos casos, todo o aparato legal leva à impunidade. A
opinião pública percebe que a injustiça é escancarada.
24 Ensaio Fotográfico Daniela Moreau.
O caso da construtora Camargo Corrêa, também tratado nesta edi- 26 Entrevista com Maria Rita Kehl A depressão aumenta como sintoma social.
ção, expressa bem os conflitos e contradições do Judiciário. As inves-
tigações ofereceram indícios fortes dos crimes, a primeira instância 30 Fidel Castro pede a Barack Obama medidas para a suspensão do bloqueio.
adotou os procedimentos de pra- 31 MC Leonardo desvenda a ligação do jogador Adriano com a favela.
xe, inclusive com prisões temporá- arte da capa ricardo reis
rias, mas a segunda instância cele- Ulisses Tavares acha que casamento é uma coisa e amor é outro troço.
remente decidiu em contrário.
Guilherme Scalzilli denuncia o cartel que extermina o futebol brasileiro.
A preciosa entrevista da psica-
nalista Maria Rita Kehl é esclare- 32 Marcelo Salles Prefeitura aumenta a repressão aos pobres no Rio de Janeiro.
cedora dos sintomas sociais que
apontam para a existência de uma 34 Plínio Teodoro A mídia grande abafou o caso da Camargo Corrêa.
epidemia de depressão, que tem a 38 Carolina Rossetti e Felipe Larsen Cultura debate Lei Rouanet e Profic.
ver com o próprio esvaziamento de
valores e sentidos na sociedade de 41 Entrevista com José Padilha “Garapa” relata a fome por quem passa fome.
consumo. Essas e outras matérias
merecem a atenção e a reflexão de
43 Emir Sader defende propostas concretas de substituição do modelo neoliberal.
todos. Boa leitura! 44 Renato Pompeu, Idéias de Botequim.
46 Claudius .

EDITORA CASA AMARELA


­ evistas • Livros • Serviços Editoriais
R
fundador: Sérgio de Souza (1934-2008)
Diretor: Wagner Nabuco de Araújo

EDITORes: hamilton octavio de souza, igor fuser e jose arbex jr EDITORa adjunta: Tatiana Merlino EDITOR ESPECIAl: Renato Pompeu EDITORiA DE ARTE: Henrique Koblitz Essinger e Ricardo Reis (Coordenador) editor de FOTOGRAFIA: Walter Firmo REPÓRTERes: Camila
Martins, Felipe Larsen, Fernando Lavieri, Luana Schabib e Marcos Zibordi ESTAGIÁRIOS: Bruna Buzzo e Carolina Rossetti CORRESPONDENTES: Bosco Martins (Mato Grosso do Sul), Marcelo Salles (La Paz), Maurício Macedo (Rio Grande do Sul) e Anelise Sanchez (Roma) SECRETÁRIA
Da REDAÇÃO: Simone Alves DIRETOR DE MARKETING: André Herrmann PUBLICIDADE: Melissa Rigo CIRCULAÇÃO: Pedro Nabuco de Araújo Relações Institucionais: Cecília Figueira de Mello (Coordenadora) ADMINISTRATIVO E FINANCEIRO: Ingrid Hentschel, Elisângela Santana
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JORNALISTA RESPONSÁVEL: hamilton octavio de souza (MTB 11.242)
diretor geral: wagner nabuco de araújo

CAROS AMIGOS, ano XIIi, nº 146, é uma publicação mensal da Editora Casa Amarela Ltda. Registro nº 7372, no 8º Cartório de Registro de Títulos e Documentos da Comarca de São Paulo, de acordo com a Lei de Imprensa.
Distribuída com exclusividade no Brasil pela DINAP S/A - Distribuidora Nacional de Publicações, São Paulo. Impressão: Bangraf

Redação e administração: rua Paris, 856, CEP 01257-040, São Paulo, SP


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caros leitores

Ditabranda  categoria”, como a sra. diz. Todos ficaram sa- gurar a paz e a ordem social, protegendo e
Numa época em que o ex-presidente do bendo da avaliação com meses de antecedên- restaurando direitos.
Estados Unidos autoriza técnicas de tortura cia. Tem como defender um “professor” que Desembargador Pedro Ranzi
no interrogatório de acusados de terroris- acertou uma, duas, cinco ou dez questões? Presidente
mo, o jornal Folha de S. Paulo tenta atenuar Humberto Silva, São Paulo - SP
Dossiês 

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a estupidez e a crueldade do período de dita-
dura militar no Brasil, que torturou, exilou Caros Amigos Em reparo a inverdades contidas na repor-
e assassinou presos políticos.  Um discurso Sou assinante da Caros Amigos há muito tagem assinada por Palmério Dória e publicada
mentiroso e hipócrita justificou o golpe de tempo e percebo que a  minha impressão é na edição nº 143, esclareço aos leitores da Caros
estado no Brasil. Mentira e hipocrisia legiti- que a revista não acompanha mais os novos Amigos, em primeiro lugar, que estive à fren-
maram a invasão do Iraque. Cuidado, a His- tempos. Parece que vocês não deixaram ain- te da Gerência Geral de Segurança e Investiga-
tória é cíclica... TORTURA NUNCA MAIS!!! da as camisas e bandeiras juvenis. Parecem ções da Anvisa e não do “Serviço de Inteligência
André Brandão, abrandao68@yahoo.com.br velhos que não amadureceram com o tempo do Ministério da Saúde na gestão José Serra”.
e ainda brigam por coisas boas, mas de ma- Em segundo lugar, o repórter ressuscitou ve-
Jackson Lago e Roseana Sarney neira puramente juvenil. Resultado? Recebo lhas mentiras, todas devidamente rebatidas à
O império  faraônico dos  Sarney vai aca- a revista em casa e nem olho mais.  época, quando comprovei serem descabidas as
bar como o império faraônico dos Maga- Ismael Santos Teixeira informações que atribuíam a mim a elaboração
lhães: ACM Neto perdeu recentemente para de dossiês contra políticos. Na verdade, o meu
prefeito em Salvador, Paulo Souto tomou um Adoro a revista, mas não gostei do papel trabalho na Anvisa se restringiu ao desmantela-
banho de Wagner nas urnas das eleições de que está sendo usado agora: é muito brilhan- mento das quadrilhas de fraudadores de remé-
2006 para governador da Bahia. Tá acaban- te e reflete a luz. dios. Em relação à CPI dos Grampos, por mim
do com aquela conversa de “meu curral”. Dirceu Mezzette da Costa presidida na Câmara Federal com total indepen-
Esdras Souza, Itabuna/BA dência, esclareço que investigamos fatos, e não
Protógenes Queiroz pessoas. Contudo, por terem mentido à CPI, de-
Marilene Felinto Poder Judiciário do Estado do Acre fendo o indiciamento por falso testemunho do
Marilene Felinto, li sua coluna na Caros NOTA DE REPÚDIO delegado Protógenes Queiroz, do ex-diretor da
Amigos de abril e gostaria muito de repro- Rio Branco, 27 de março de 2009 Abin, Paulo Lacerda, e do ex-diretor-adjunto da
duzi-la na Editoria de Educação do Fazendo O Poder Judiciário do Estado do Acre, na Abin, Milton Campana. Proponho, ainda, o indi-
Media. Aproveito para manifestar meu apre- pessoa de seu Presidente, Desembargador ciamento do banqueiro Daniel Dantas pelo cri-
ço e admiração pelos seus textos sempre bri- Pedro Ranzi, diante das declarações feitas me de interceptação ilegal. 
lhantes. Geralmente é pela sua coluna que pelo delegado da Polícia Federal Protógenes Deputado federal Marcelo Itagiba (PMDB-RJ),
eu inicio a leitura da Caros. Queiroz, em entrevista para a revista Caros presidente da CPI dos Grampos
Denilson Botelho, Professor e Historiador Amigos, e agora repercutidas na imprensa
Editor de Educação do Fazendo Media local, vem expressar publicamente o seu re- Palmério Dória responde:
www.fazendomedia.com púdio às informações divulgadas, considera- A ordem dos fatores não halterofilista,
Espaço interativo virtual: Na Bruzundanga das infundadas, irresponsáveis e caluniosas como dizia o saudoso Stanislaw Ponte Preta. 
http://nabruzundanga.blogspot.com contra esta Instituição. Marcelo Itagiba está habilitado a prestar ser-
Devido à gravidade das declarações, cau- viços a José Serra, Fernando Henrique Car-
Dona Marilene Felinto, caso houvesse o sadoras de danos à imagem do Judiciário doso, Gilmar Mendes e Nelson Jobim seja lá
concurso que a sra. defende, pelo aproveita- Acreano, serão adotadas as medidas judi- onde for.  Pena para o doublê de delegado e
mento na referida prova , seriam esses profes- ciais cabíveis, de forma a trazer a público a parlamentar é que, daquela vez, na operação
sores mais antigos, os excluídos. Seus “direi- verdade dos fatos. na Lunus de Jorge Murad e Roseana Sarney,
tos” teriam ficado de fora. Por outro lado, os A Justiça do Estado do Acre não permi- a ideia era ranquear Serra, mas deu Lula. 
que se saíram melhor na avaliação, boa parte tirá atos levianos de desmoralização e con- Além disso, se ele acredita em grampo sem
vem dessas “faculdades particulares de quinta tinuará cumprindo a sua missão de asse- áudio, posso acreditar no que quiser.

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caros amigos maio 2009


6
Marilene Felinto

Thais?
Presente!

Quando este texto sair – porque a revis- A de Thais foi dessas mortes inesperadas O título deste meu texto “Thais? Presen-
ilustração gil brito

ta é de publicação mensal –, Thais já terá (um carro, uma estrada, um choque brutal), te!” tem a ver também com que ela foi: trata-
morrido haverá dois meses. E esses tempos que não deixam de provocar um sentimen- se da saudação, palavra de ordem (conforme
de verbo (“terá morrido”, “haverá” – futuro to de inconformismo, de revolta, como se o uma amiga em comum lembrou na home-
do presente composto e futuro do presente lógico fosse sempre a vida e não a morte – nagem íntima que oferecemos a ela), que o
simples), parecem não naturais (soam des- especialmente de quem ainda não dobrara o MST usa para invocar seus heróis, anôni-
conexos na leitura) e deveriam ter o nome cabo das tormentas dos 50 anos (que com- mos ou não, em reuniões.
de “futuro absurdo”, não fosse toda a idéia pletaria este ano). E Thais Sauaya Pereira Entre tantos erros nossos humanos (lem-
de futuro ser em si absurda. Como se conce- (1959-2009) foi uma espécie de “José Cláu- brou outra amiga nossa), Thais parece ter fei-
be um “futuro do presente”, um “futuro do dio”. Quem foi José Cláudio? Também não to tudo certo antes de ir embora: como quem,
pretérito”? O tempo presente, diz a gramá- sei exatamente (fui eu, foi você): um conhe- no poema, toma antes uma consoada (leve re-
tica, é indivisível; mas o pretérito e o futuro cido (ou amigo ou parente) do poeta pernam- feição noturna, sem carne, que se toma em
subdividem-se, explica: pode haver pretéri- bucano Manuel Bandeira, que transformou dia de jejum); como quem vê na morte uma
to perfeito, imperfeito e mais-que-perfeito; o nome de José Cláudio em poesia e escre- presença “caroável” (que procura ser amável
futuro do presente e futuro do pretérito. Po- veu sobre ele versos magníficos: “O espanto através de palavras ou gestos; afável, gentil,
de-se dizer, portanto, que o tempo presen- que nos deixaste!/Como fizeste crescer em afetuoso); como quem, caralho!, lavrou antes
te (o indivisível) é, no estrito senso, a única nós o mistério augusto da morte! (...)”. o campo, limpou a casa, pôs a mesa, deixou
forma de realidade (Schopenhauer). É isto. Não se darão para Thais nomes de ruas nem cada coisa em seu lugar. Como se o poema ti-
Tiro aqui uma licença poética para escre- se construirão para ela espetaculares pontes vesse sido escrito mesmo para ela.
ver sobre Thais e não sobre os outros temas de homenagem (como se constroem para os
quaisquer que costumo escolher. Deveria co- grupelhos de direita no poder e seus amigos). Consoada
meçar corrigindo o parágrafo introdutório, Nem Thais, eu acho, desejaria ter seu nome Manuel Bandeira
mudar para o tempo do leitor (o tempo verbal estampado numa ponte. Era insurgente, re-
do momento em que se dá o fato: o presen- volucionária natural, uma força das forças Quando a Indesejada das gentes chegar
te da leitura, o passado da morte de Thais). sociais, triunfo da revolução sobre o reacio- (Não sei se dura ou caroável)
E começaria o texto assim: Thais morreu faz narismo, uma dessas que ajudou a construir, Talvez eu tenha medo.
dois meses (no dia 23 de março de 2009). A nos bastidores, um país menos pior chama- Talvez sorria, ou diga:
escolha inicial, pelo tempo “futuro absurdo”, do Brasil, um lugar de menos desilusão para – Alô, iniludível!
é resultado do impacto que a morte súbita amigos seus, filhos seus, seus parentes, seu O meu dia foi bom, pode a noite descer.
desta pessoa amiga ainda tem sobre mim. marido. Militante de esquerda desde o Movi- (A noite com os seus sortilégios.)
Tiro licença, como se eu pudesse ser um mento Estudantil na década de 70, contribuiu Encontrará lavrado o campo, a casa limpa,
Manuel Bandeira (1886-1968), que escreveu para desenhar isto que hoje se chama Parti- A mesa posta,
dúzias de elegias, poemas ternos e lindos, do dos Trabalhadores (PT) – tudo sem car- Com cada coisa em seu lugar.
para os amigos mortos (e para os vivos): “A go, tudo no anonimato. Colaborou até mesmo
Mário de Andrade Ausente”, “Ovalle”, “Olegá- para uma convicção quase impossível: de al- (OPUS 10)
rio Mariano”, “...Augusto Frederico Schmidt”, guma “resistência ética e grandeza no jorna-
“José Cláudio” etc. etc. Não tenho tantos ami- lismo”, título do perfil biográfico que escre- Marilene Felinto é escritora.
gos, e tenho menos ainda a verve poética. veu sobre o jornalista Aloysio Biondi. marilenefelinto@carosamigos.com.br

maio 2009 caros amigos


7
Georges Bourdoukan

porca Glauco Mattoso


Por um estado laico e
miséria!
democrático
A propósito do texto de Gershon Knispel “Quem fala mal do Hamas
não estudou história?”, publicado na edição de número 144 da Caros
Amigos, no qual tece algumas observações sobre a minha entrevista ao
SONETO DA MISOGYNIA ATRAZADA [1237] número 143 da mesma revista, respondo:
Meu caro Gershon. Não critique o Hamas, critique o colonizador. O
Com gaffes, Clodovil faz pouco mansa Hamas é um movimento de resistência contra a ocupação. O Hamas é
a these de sua vida partidaria: um movimento político cujos dirigentes foram eleitos democraticamen-
“Mulher tá cada vez mais ordinaria! te. Gershon, você tem todo o direito de não concordar com o Hamas, mas
Trabalha ella deitada, e em pé descansa!” não o de não reconhecer sua legitimidade.
Não achei correta também sua tentativa em me associar aos go-
Collegas deputadas em vingança vernos árabes. Primeiro, porque não existem governos árabes, mas
ja pensam, comparando o gay ao paria, governos de língua árabe, assim como não existem governos portu-
pois querem que a mulher ninguem compare-a gueses, espanhóis, ingleses, mas governos de língua portuguesa, es-
à puta que desfila, deita e dança. panhola, inglesa, etc. Segundo, porque sei perfeitamente distinguir
governantes de povos, assim como também jamais vou confundir po-
Peor foi quando a emenda o Clodovil vos de confissão judaica com os governantes de Israel, ou com o sio-
tentou fazer: “Porem não é o seu caso, nismo. E para deixar mais clara ainda a minha posição em relação a
senhora: seu officio não é vil!” povos e governantes, defendo todo e qualquer povo, de qualquer con-
fissão religiosa, e coloco no mesmo limbo todos os governantes.
“Mulheres prostituem-se...” (foi raso...) O que estranhei em seu artigo é a não existência de uma crítica
“...si forem bonitinhas!” (...e subtil) contundente aos governantes de Israel. E a não manifestação sobre
“As feias não têm culpa...” Quanto atrazo! a existência de um Estado palestino.
Gershon, jamais apoiei a violência, mas sempre apoiarei a resis-
Uma das vantagens da orthographia etymologica é que, mesmo tência. E nós sabemos que toda resistência é legítima, principalmente
quando não haja differença litteral, prestamos mais attenção à ori- quando se trata de um povo que há mais de 60 anos sofre ocupação.
gem das palavras e identificamos um vocabulo hybrido, formado, por Cruel, extremamente cruel, como o é toda ocupação. Mas a de Isra-
exemplo, do grego e do latim, e assim nos conscientizamos de que, el contra o povo palestino é crudelíssima, humilhante, brutal, onde,
tanto na apparencia quanto na essencia, tudo é relativo. É o caso para vergonha da humanidade, um povo inteiro é confinado em cam-
do termo “democradura”, mixto de cidadania e tyrannia. Isso leva a pos de concentração. Onde sequer se respeita o direito básico de ir-e-
muitas reflexões. Alem da dictadura tradicional, totalitaria, que re- vir. Onde sequer se permite a entrada de medicamentos, onde o abas-
prime ou supprime quaesquer divergencias ideologicas ou direitos tecimento de água, energia elétrica e de combustível fica a critério do
civis, são varias as dictaduras parciaes, proprias das panellinhas e colonizador. E onde sequer se permite às pessoas com direitos espe-
egrejinhas das quaes venho fallando. Uma das mais recentes é a dic- ciais (deficientes) ou portadoras de doenças gravíssimas busquem so-
tadura da magreza, que abordarei noutra opportunidade. Das mais corro ou assistência médica em hospitais que possuam condições. Por-
antigas é a dictadura da belleza, qualidade obrigatoriamente attri- que, por um estranho fado da natureza, os mísseis israelenses estão
buida ao chamado “sexo fragil”, por isso mesmo tambem dicto “bello sempre indo de encontro a hospitais, escolas e residências.
sexo”. Rainhas à parte (quasi todas horrorosas), as poucas mulhe- Gershon, reconhecer legitimidade a euroamericanos sobre uma terra
res que usufruiram do poder ao longo da historia teriam usado seus asiática, a Palestina, em nome de um deus brutal, vaidoso, ciumento, in-
dotes estheticos como moeda politica, um typo mais sophisticado de justo e sanguinário só podia dar no que deu.
prostituição. Mas será que nas democracias a mulher não precisa da Não vamos confundir História com mitologia, ou Direito com re-
belleza para chegar ao poder? “As feias que me desculpem, mas bel- ligião. Esse tipo de confusão é que gera o fundamentalismo. Veja
leza é fundamental.” A phrase não é do Clodovil, nem dum marketei- você que o estado de Israel sequer possui Constituição, sequer re-
ro midiatico. Na politica actual, a belleza fica relativizada. Uma Zelia conhece o casamento civil. E não bastando isso, sua Corte Suprema
ou Dilma seria feia para os estylistas, não para os ministros ou caci- permite a tortura. Há algo mais fundamentalista do que isto?
ques partidarios. Comparada aos homens parlamentares, todos feios É difícil defender o indefensável.
que só a peste, a mais maldotada das deputadas seria uma mulher Gershon, eu não gosto da idéia de dois estados para dois povos por-
que se disputa, quando não se diz puta. Mas, si o eleitor for cego, o que sou internacionalista e visceralmente contra qualquer tipo de fron-
sexo e a physiognomia fazem pouca differença. Aquelle ou aquella teira, por entender que a humanidade não pode viver em currais. E a pior
que tiver voz mais melliflua será capaz de seduzil-o, qualquer que de todas é a fronteira física, que só beneficia a indústria bélica. Mas en-
seja a cor politica. Eu, por exemplo, votaria naquella dama que an- quanto isso não for possível, creio que o melhor para palestinos e israe-
nuncia os voos nos aeroportos, ou no rapaz que (dizem) a imita com lenses seria a existência de um Estado único, laico e democrático, onde
a maior perfeição... todos possam conviver harmoniosamente.
Será que é tão difícil isso?
Glauco Mattoso é poeta, letrista e ensaista.
htt://sites.uol.com.br/glaucomattoso Georges Bourdoukan é jornalista e escritor.

caros amigos maio 2009


8
José Arbex Jr.

A “ditabranda”
mostra as suas garras

Golpe. Puro e simples golpe. Golpe vaga- exceção, peço desculpas antecipadas): “ditabranda” estão em pleno mo-
bundo, de republiqueta de banana. Golpe de todos permaneceram caladitos, obedientes e vimento em nosso país.
jagunço, de gente baixa e mesquinha, de pig- obsequiosos diante do grande marimbondo de As elites (se é que se pode utilizar tal
meu moral, de candidato a ditador. O idioma fogo José Sarney. conceito no caso brasileiro), com a parti-
falta para caracterizar o que foi feito no Mara- E os outros partidos de esquerda? Protesta- cipação decisiva, vergonhosa e capitulado-

ilustração: guz - www.flickr.com/photos/osamurai


nhão, com o afastamento do governador legi- ram, convocaram manifestações, registraram, ra de Lula e da cúpula do PT, articulam e se-
timamente eleito Jackson Lago e a imposição, ao menos, sua indignidade diante do golpe es- dimentam suas alianças para 2010, ainda que
goela abaixo do povo, de uma representante pantoso? Onde estão os ministros, governado- isso signifique imolar os princípios republica-
da oligarquia Sarney. Para derrubar Lago e res, autoridades e parlamentares do PC do B, nos no altar do mais vil oportunismo. O povo?
ao mesmo tempo evitar a convocação de no- do PSOL, do PSB e do próprio PDT de Jackson Ora, o povo... Quanto mais a crise mundial do
vas eleições no Maranhão, a justiça eleitoral Lago? E aqueles outros que, mesmo não sen- capitalismo fizer sentir os seus efeitos sobre o
brasileira – que grande piada, que escárnio co- do de esquerda, afirmam apoiar a república e Brasil, quanto maiores forem as incertezas so-
lossal, que falta do menor senso de dignida- as instituições democráticas: por exemplo, a bre o que acontecerá em 2010, mais as alianças
de! – inventou um procedimento “ishperrrrto”: ala do PSDB identificada com o “príncipe dos feitas “na cúpula” vão adquirir um caráter re-
cassou os votos apenas dos eleitores de Jack- sociólogos”? Ah, sim, aí o silêncio tem uma ex- acionário, autoritário e truculento, pois a cri-
son Lago, mantendo todos os outros válidos. plicação: eles esqueceram, a pedido, tudo o que se tende a estreitar cada vez mais os pequenos
A criatividade não tem limites: enquanto a di- o príncipe escreveu antes de ser conduzido ao espaços ainda permitidos à nossa débil, precá-
tadura militar impugnava o mandato de um Planalto, em 1994. Com raras e honrosas exce- ria e sangrada democracia. Isto é, quanto mais
determinado opositor, o atual regime brasilei- ções, nossos digníssimos integrantes da esfe- grave for a crise, menor será o grau de tole-
ro caça o voto de centenas de milhares de elei- ra política institucional assistiram em silêncio rância da burguesia. Nesse sentido, o golpe no
tores. E o chefão do esquema, ainda por cima, a um dos mais graves ataques feitos às ins- Maranhão também funcionou como um balão
preside o honrado senado brasileiro. Triste tituições republicanas brasileiras desde 1964. de ensaio.
país, se é que possa qualificá-lo como tal. A única tentativa séria de resistência veio dos Do ponto de vista dos movimentos sociais e
E a esquerda nisso tudo? Luís Inácio Lula movimentos sociais, especialmente do MST, da esquerda que realmente mereça esse nome,
da Silva, o mais prestigiado cabo eleitoral de que mobilizou o que podia – algumas cente- a ferroada do marimbondo de fogo deixa uma
Roseana Sarney – moça de passado impoluto, nas de militantes – para proteger o palácio do mensagem muito clara: a repressão política e a
jamais envolvida em escândalos feitos de sa- governo maranhense, caso o governador elei- truculência policial aumentarão nos próximos
cos de dinheiro de origem desconhecida e des- to levasse até o fim a sua disposição de não ce- meses, assim como será acentuada a cumpli-
tino incerto -, permanece calado. Claro: ele é o der ao assalto à mão armada perpetrado con- cidade ativa da “grande mídia”, que, com ra-
poder executivo, e, como se sabe, numa demo- tra o seu mandato. zão, teme que ocorra no Brasil a eclosão do
cracia não pode haver ingerência de um po- Que ninguém se iluda: os articuladores do movimento de massas atualmente em curso na
der sobre o outro, e, mais claro ainda, o Bra- golpe no Maranhão representam as mesmas América Latina. A esquerda que deseja resis-
sil é de fato uma democracia. É óbvio, não é? forças que arquitetaram o golpe de 1964. São as tir a esse processo e mudar o país deve aban-
Para apoiar o clã Sarney, Lula arrastou na oligarquias espúrias, asquerosas, retrógradas, donar as ilusões nas suas lideranças aprisio-
lama o que resta do PT no Maranhão. A parte escravistas, racistas e subservientes ao impe- nadas às teias institucionais, para acelerar ao
ainda viva do PT maranhense protestou, gri- rialismo que, ao longo da história do Brasil – e máximo a construção de sua organização autô-
tou, brigou, mas dentro de certos limites: afi- não só do seu período republicano – sempre tra- noma e independente. Se o golpe dado em São
nal ela entende que o procedimento conivente taram o país como propriedade sua, seu quin- Luís do Maranhão indica o estado de ânimo
de Lula, para dizer o mínimo, obedece a princí- tal, sua senzala. Contaram e contam, para isso, dos feitores de escravos ridiculamente eleva-
pios estratégicos que têm a ver com as eleições com o apoio da “grande mídia”, que se apressa dos à condição de “imortais”, a resistência ofe-
de 2010. Razões de estado... Razões de estado! a denunciar, com histeria, o suposto autorita- recida pelo MST e outros movimentos sociais
A parte morta, engessada e empalhada do PT, rismo de regimes democraticamente eleitos na indica o único caminho possível.
isto é, a sua maioria, calou-se, como se calou América Latina, com a mesma desfaçatez com O resto é ilusão e blá-blá-blá.
sua direção nacional, seus governadores, seus que se cala diante do golpe antidemocrático no
deputados e seus senadores (se houve alguma Brasil. Em outras palavras, as engrenagens da José Arbex Jr. é jornalista.

maio 2009 caros amigos


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falar
Gilberto Felisberto Vasconcellos brasileiro Marcos Bagno

Darcy Ribeiro MODISMOS


e os EUA LINGUÍSTICOS?

Para entender qual é a do Obama em relação a nós, latino-ame- A Coréia do Sul tem uma população 7 vezes menor que a dos Esta-
ricanos, precisamos conhecer o que o maior antropólogo do sécu- dos Unidos. No entanto, a cada ano, ela forma o mesmo número de en-
lo XX, Darcy Ribeiro, pensou sobre os Estados Unidos na história genheiros que os EUA. Num programa internacional de avaliação, os
da humanidade. sul-coreanos ficaram com o 1o lugar em solução de problemas, 1o em
Toda a obra de Darcy Ribeiro traz alguma importante reflexão a res- leitura, 3o em matemática e 7o em ciência. Em 1945, a taxa de alfabeti-
peito dos EUA, país que se converteu na vanguarda do imperialismo e zação no país era de 22%, hoje é de 99%. É o que acontece quando uma
que ajudou a derrubar João Goulart em 1964 e exilar Leonel Brizola. nação mobiliza todos os seus recursos em favor da educação. Corta.
Em toda sua vida deve ter ido apenas uma única vez (quando já Em 2007, divulgou-se o INAF (Indicador de Analfabetismo Funcio-
estava com câncer) aos EUA, embora sua amiga e tradutora para o nal): 75% dos brasileiros entre 15 e 64 anos são incapazes de ler e in-
inglês de O Processo Civilizatório, Betty Meggers, tivesse insistido terpretar adequadamente um texto simples. Se somos hoje quase 200
várias vezes para que ele fosse conhecer o país do Tio Sam. Sua mu- milhões, significa que 150 milhões são analfabetos funcionais, isto é,
lher, a etnóloga Berta Ribeiro, de origem romena, poliglota, falan- pessoas que tiveram acesso à escolarização mas não desenvolveram
do perfeitamente o inglês, tinha uma irmã que morava nos EUA. plenamente as habilidades de leitura (e de cálculo também), o equiva-
Depois de regressar do exílio, Darcy recusou bolsa oferecida lente às populações somadas da França e da Alemanha.
pela Ford Foundation porque os EUA haviam ajudado a derrubar Esses dados não seriam suficientes para escandalizar nossas clas-
João Goulart. A vantagem de sua tão alardeada personalidade nar- ses dirigentes? Não. A história da nossa formação social mostra que,
císica é que ele deixou registrados todos os episódios e momentos há meio milênio, as classes dirigentes brasileiras não só não se escan-
de sua biografia, conforme se lê em Confissões (1997). dalizam como tiram o máximo proveito desse abismo social que sepa-
Montevidéu, primeiras semanas de exílio, estavam lá seus amigos an- ra o pequeno círculo dominante da monumental maioria de classes
tropólogos Clifford Evan e Betty Meggers oferecendo-lhe bolsa de estu- subalternas. Os dados do analfabetismo funcional “coincidem” com
do, 2.500 dólares, para ir aos EUA consultar a biblioteca do Senado. os da distribuição (distribuição?) de renda em nosso país, a mais in-
Recusou. Nunca aprendeu a falar inglês; ler, lia, como se vê pe- justa do planeta.
los livros de sua biblioteca, mas não falava, como também não falava O desenvolvimento econômico do Brasil nos últimos anos e sua
fluentemente o espanhol. Seu ex-aluno Pi Hugarte (entrevistado por crescente importância no panorama internacional – comprovada pela
Haydée Ribeiro, La Memoria de Las Memorias) assinalou que Darcy sigla BRIC, iniciais dos “países emergentes” – em nada se fazem acom-
gostava de usar neologismos a fim de elaborar novos conceitos, ex- panhar de um desenvolvimento social que mereça o mesmo destaque.
traídos da língua inglesa. Somos uma nação onde o elemento africano tem um profundo impac-
Não se pode dizer que tivesse birra com os EUA e os norte-ame- to na nossa história musical, religiosa, culinária, afetiva, linguística
ricanos, foi amigo do sociólogo Donald Pierson, mas é que a histó- etc., mas continuamos profundamente racistas. Somos o país em que
ria colocou o imperialismo na cola dele, padeceu com a CIA, telefo- as desigualdades de salários entre homens e mulheres é das maiores
ne grampeado, desavenças com o embaixador Lincoln Gordon. do mundo. Temos um genocídio diariamente praticado contra os ado-
Em Américas e a Civilização, considerado por Berta Ribeiro o me- lescentes pobres, negros em sua maioria, eliminados por traficantes e
lhor livro de Darcy Ribeiro, traz como subtítulo “processo de forma- pela polícia. Um sistema carcerário que arrancou lágrimas do obser-
ção e causas do desenvolvimento desigual dos povos americanos”. vador da Anistia Internacional, que o qualificou de “inferno”. E, é cla-
Nele são retratadas as etapas históricas dos EUA, país que experi- ro, uma forte liderança entre os países mais corruptos.
mentou penúria em seu passado na fase de ocupação do deserto com Mais sinistro é comprovar, como as pesquisas vêm mostrando, que
colonos, pioneiros e emigrantes pauperizados pela revolução mer- a maioria do nosso professorado também se inclui naquele apavoran-
cantil e pela revolução industrial na Europa, ou seja, europeus bran- te índice de analfabetismo funcional. Procurados hoje em dia pelos es-
cos que emigraram com suas mulheres para reconstruírem na nova tudantes de origem mais humilde e de baixíssimo letramento, os cur-
terra as matrizes de seus paises de origem, ingleses, holandeses, ir- sos de licenciatura continuam desconhecendo a realidade social de
landeses, suecos. Trata-se de uma colônia de povoamento, com um seu alunado, e vão diplomando milhares de pessoas sem habilitações
projeto de “autocolonização”, tendo por objetivo transplantar as for- mínimas para exercer a profissão docente. Já coletei centenas de tex-
mas de vida européia em regiões de clima temperado. Como um con- tos escritos por professores da rede pública do Distrito Federal (maior
tingente cosmopolita anglicanizado, porque os ingleses eram em renda per capita do país) e me surpreendi com sua quase absoluta in-
maior número, gente pobre, perfil caucasóide, engajados em pro- capacidade de escrever vinte linhas sobre o próprio ofício.
priedade granjeira familiar, que foram alfabetizados para ler a Bíblia Enquanto nossas elites governantes ficam se divertindo com BRIC
em igrejas modestas e sem a desqualificação do trabalho manual. pra lá e G-20 pra cá, incomodadas apenas com as altas e baixas das
Obama, em seus discursos, abusa da palavra missão e dos pio- bolsas, 75% dos brasileiros se veem desde sempre excluídos de qual-
neiros. Darcy mostrou que a missão estava indo para o brejo. Hoje quer progresso real no plano da cidadania. É triste viver num país
os pioneiros se converteram em gângsteres multinacionais. emergente com uma educação submersa...

Gilberto Felisberto Vasconcellos é sociólogo, jornalista e escritor Marcos Bagno é linguista e escritor. www.marcosbagno.com.br

caros amigos maio 2009


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Ferréz

Relógios

As garras do sol entravam pelos vãos ria vida, o silêncio definiu o argumento certo. gurar uma ponta dos cabos, Matheus gritou.
das telhas. Os moradores da rua de cima voltaram - Pega aí molecada, pode pegar, leva e ven-
O calor então se espalhava e era hora para suas casas particulares, mas quando de, é tudo nosso dinheiro mesmo.
de levantar. faltava luz, faltava lá também, quando tinha O técnico continuava com a ponta do cabo
A pesada coberta, que ganhara no casa- tiro, lá escutava também, quando havia chei- na mão e falava baixinho.
mento há alguns anos, não combinava com ro de maconha era de lá que vinha também, - Pô, aí já é bagunça, para por favor, vai
nenhum lençol nem forro de travesseiro, mas mas quando a polícia invadia os barracos, lá complicar a gente depois.
sua esposa também não deixava de dormir na rua de cima ninguém mexia. Os meninos saíram dos barracos, como se
por isso. Começaram a chegar os homens, seus ma- fossem convocados para um grande carnaval
Era um dia especial, iriam instalar os reló- cacões, seus empregos invejados, suas botas e cada um pegou seu pedaço de cabo.
gios para controle de luz. isolantes, seus equipamentos, tal qual pendu- No outro dia, após o dono do ferro-velho

ilustração: guz - www.flickr.com/photos/osamurai


Chegou como todo mundo, foi logo moran- rados ao ponto de uma criança chamar de su- ser preso por comprar produto roubado, no
do em casa de parente, levantava cedo, fazia per-herói um daqueles homens. caso os cabos de energia, não era difícil ver os
bico de pedreiro, fazia compra e venda de coi- Enrolaram as cordas em volta das barri- moradores todos eufóricos comentando.
sas usadas, vivia com relógio no bolso e ofe- gas, pegaram as escadas, começaram a subir - Cê viu que relógio bonito? todo transpa-
recia pra quem chegava perto, isso tudo du- e em seguida desligaram toda a energia. rente, parece até uma coisa do futuro.
rou uns anos, até Matheus montar seu bar e Os meninos viam os cabos no chão brilhan- - Mas dizem que é assim pra gente num
construir seu barraquinho. do, o alumínio de repente virou brinquedo, emendar cabo, num adulterar.
A favela não tinha iluminação em suas vie- depois pães, doces, e muitos outros desejos. - Deve ser mentira menina, é assim pra fi-
las, os moradores então colocavam bocais do Era só levar no lugar onde se compra de car bonito, todo de acrídico.
lado de fora da casa e assim iluminavam as es- tudo, onde tem um monte de coisa jogada, onde - Num é acrídico, é acrílico sua boba.
treitas ruas, enquanto, de quatro em quatro o homem vive sujo e suado, um ferro-velho. - O seu gira como?
anos, alguns vampiros saiam de seus grandes Mas os homens de azul estavam bem - Num sei, vamos lá ver, mas dizem que
castelos para prometer que a iluminação che- atentos. cada um gira diferente do outro.
garia em breve. Até que Matheus saiu do seu bar nervo- - E você percebeu que a luz num mudou
Os moradores foram aprendendo, aos pou- so, com uma serrinha dessas de cortar cano nada, ficou a mesma coisa, num pode tomar
cos, que o máximo que iriam ganhar era um começou a picotar os cabos, um dos técnicos banho depois das sete senão apaga tudo, que
show nessas épocas de eleição. tentou descer da escada e Matheus avisou. nem era antes?
Sempre houve uma discussão na comuni- - Fica aí, se descer é pior. Mateus voltando do açougue, com um sa-
dade, quanto a não ser cobrado corretamen- O homem voltou o passo e ficou observan- quinho com alguns bifes, passou pela viela
te o valor da água e da luz na favela, como do, não antes de dizer baixinho. principal, pulou alguns buracos, molhou a
se todos ali vivessem de favor. Um dia teve - Aí é bagunça porra, na nossa cara! ponta do pé na fossa estourada há meses, e
um grande debate: pessoas da rua de cima, E Matheus continuava a picotar os pesa- percebeu que todos olhavam pros seus reló-
que tinham terrenos legalizados, e por isso dos cabos de alumínio e como um desaba- gios, encantados, como um grande presente
se achavam melhor que todo mundo, recla- fo disse alto para que os homens nas esca- da prefeitura.
mavam que a favela não pagava seus impostos das ouvissem. Dali alguns dias, quando um outro homem
corretamente, era tudo taxa mínima. - Tô sem luz no meu bar, todo mundo vem de azul lesse os números, tirasse uma máqui-
Matheus, morador da favela e vindo do Piauí, aqui quando quer, vão por conta cara pra pa- na da bolsa e cuspisse a primeira conta, o en-
definiu tudo quando disse bem alto que, pra gar, então que se dane tudo. canto se acabaria.
morar do lado de córrego e viver com bandido Os meninos faltavam pular em Matheus,
e traficante, eles não tinham que pagar nada, ti- atento aos pedaços, e em alguns instantes Ferréz é escritor e hoje vive com a esposa e
nham sim que ser reembolsados por tão precá- quando um dos técnicos decidiu descer e se- uma filha num país chamado periferia.

maio 2009 caros amigos


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João Pedro Stedile
memórias de um
jornalista não-investigativo
Renato Pompeu É URGENTE
“Eu sou do tempo que os Diários Associados escreviam FAZERMOS UM MUTIRÃO
football, team, center-forward, full-back, shoot e goal-keeper.” PARA DEBATER A CRISE

Antigamente também havia assassínios de ho­ 1. A sociedade brasileira continua anestesiada em relação ao ver­
mossexuais a troco de nada, em crimes de ódio dadeiro problema da crise.
e preconceito, ou para simples roubo. Mas, A imprensa burguesa tem passado a idéia de que:
quando comecei a trabalhar em jornal, em a) A crise é cíclica, normal no capitalismo, portanto, logo saire­
1960, os jornais não mencionavam que a mos dela.
vítima era homossexual – dizia-se algo b) A crise é um fato natural, e portanto atinge a todos, devemos
assim como “segundo seus vizinhos, a nos conformar.
vítima tinha hábitos reservados”. O lei­ c) A crise não tem culpados. Ela aconteceu e pronto!
tor tinha de ser tão sutil quanto o reda­ d) O governo está certo quando ajuda as empresas para elas da­
tor tinha sido para entender o que eram rem empregos.
“hábitos reservados”. e) O Brasil é um país protegido por Deus e pelo presidente do Ban­
Havia os “conflitos generalizados” quan­ co Central, Sr. Meirelles, e, portanto, a crise aqui terá pouco efeito.
do ocorriam brigas de bar, em bailes ou festas; Tudo isso não passa de falácias.
uma briga de rua entre duas pessoas era chama­
da “desinteligência”. Tanto os “conflitos generaliza­ 2.O governo brasileiro tem atendido a todas as demandas dos ca­
dos” como as “desinteligências”, na maioria dos casos, pitalistas. Os banqueiros puderam reduzir a transferência ao Banco
ocorriam “após farta ingestão de bebida alcoólica”. Os assassinos, por ve­ Central dos depósitos à vista, ou seja, um reforço de caixa de 180 bi­
ilustração: hke... www.subis.blogspot.com

zes, agiam com “requintes de crueldade” (como se crueldade pudesse ser lhões de reais com os quais compraram títulos do governo, receben­
alguma coisa requintada), sem que se explicasse o que o criminoso tinha do 11% de juros.
feito com a vítima, ou com seu cadáver. Os setores industriais terão um reforço de 100 bilhões de reais na
Os estupradores e os autores de atentados violentos ao pudor, caixa do BNDES, retirados do orçamento da União. As vinte maio­
hoje apontados como “maníacos”, eram abertamente chamados de res agroindústrias, a Sadia, Perdigão, alguns frigoríficos estrangei­
“tarados”. Um que ficou célebre foi o “tarado do Ibirapuera”, antes ros, receberam 12 bilhões reais para capital de giro. Os capitalistas
das construções que marcaram esse parque no quarto centenário do agronegócio, os mesmos que diziam sustentar o Brasil e retira­
da cidade de São Paulo, em 1954. vam dos bancos 70 bilhões de reais como crédito rural, exigiram 150
Ninguém morria de “câncer”, e sim falecia “de insidiosa moléstia”. bilhões, e já botaram na rua 280 mil assalariados rurais. O governo
Não se podia falar “isso fez com que aquilo acontecesse”; tinha de se di­ tem acenado com “apenas” mais 98 bilhões. A segunda preocupação
zer “isso fez que aquilo acontecesse”. Não se podia falar do “entrosamen­ do governo é não contaminar a disputa eleitoral e a terceira é evitar
to” de um time de futebol, pois essa palavra não constava do dicionário que o clima de crise gere um sentimento de desânimo, com conse­
– mandavam a gente falar da “entrosagem” de um time, o que recusá­ quências incontroláveis.
vamos e simplesmente a organização dinâmica da equipe ficava sem ser Por tudo isso, está evitando o debate sobre a crise na sociedade.
mencionada. Após muita discussão, no decorrer do tempo, admitiu-se
que “entrosagem” era de relógio e “entrosamento” era de time de fute­ 3.Os partidos políticos já estão em plena campanha eleitoral. Nem
bol. Hoje é “entrosagem” que não consta do vocabulário dos programas querem ouvir falar em crise.
de processamento de texto.
Num sepultamento, não se dizia que, do velório tal, o cortejo seguiria 4.Diante desse quadro é urgente que as centrais sindicais, os movi­
para o cemitério tal, mas sim que “o féretro sairá do velório tal para o mentos sociais e as pastorais sociais, comecemos imediatamente um
cemitério tal”. Por sinal que era um crime repetir palavra e, na segunda verdadeiro mutirão na sociedade, para debater a crise.
vez que se ia usar “cemitério” num texto, tinha-se de dizer “necrópole”, Essa crise não é cíclica, é estrutural do capitalismo e será prolon­
ou mesmo “campo santo”, e quando se ia escrever pela segunda vez a gada e profunda. E coloca em xeque os padrões atuais de consumo e
palavra “hospital”, tinha de se usar “nosocômio”, ou “casa de saúde”. os recursos naturais, o equilíbrio do meio ambiente. Nas crises ante­
Nas inaugurações, o texto-legenda (notícia em que o texto era cons­ riores cerca de 80% da humanidade viviam no meio rural, e tinham
tituído apenas de uma legenda maior do que a maioria das legendas, ou melhores condições de resistir à crise do capitalismo industrial. Ago­
seja, uma foto-notícia), tinha de se terminar com “Compareceram auto­ ra 80% da humanidade vivem nas cidades. Daí a necessidade de deba­
ridades civis, militares e eclesiásticas. Na foto, aspecto da solenidade”. ter políticas publicas que garantam a manutenção das mínimas con­
Isso era invariável. dições de vida do povo das cidades.

Renato Pompeu é jornalista e escritor. João Pedro Stedile é membro da coordenação nacional do MST e da Via
rrpompeu@uol.com.br Campesina Brasil.

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CRISE DO JUDICIÁRIO Tatiana Merlino

Por que a Justiça


não pune os ricos

A mesma instituição que concede habeas corpus a figuras como a proprietária da butique de luxo Daslu, que
deve aos cofres públicos R$ 1 bilhão, deixa ladras de xampu e desodorante longos meses mofando na cadeia

Maria Aparecida (foto) evita olhar para transferida para o “seguro”, onde ficam as A situação indigna Gisleine. “É um des-
sua imagem refletida no espelho. Faz quatro presas ameaçadas de morte. Maria Apareci- caso muito grande. Já era para esse julga-
foto:s igor ojeda

anos que a jovem paulistana saiu da cadeia, da passou a apanhar dia e noite. “Eu chora- mento ter acontecido. Minha irmã pagou
mas, nem que quisesse, conseguiria esque- va muito de dor no olho, e elas começaram muito caro por esse xampu que não chegou
cer o que sofreu durante um ano de deten- a me bater com cabo de vassoura”, relem- a utilizar”, critica. “Tem gente que não pre-
ção. Seu reflexo remonta ao ocorrido no Ca- bra, emocionada. Somente quando compa- cisa estar na cadeia. Existem penas alterna-
deião de Pinheiros, onde esteve presa após receu à audiência do seu caso, sete meses tivas e o caso dela não seria de prisão, mas
tentar furtar um xampu e um condicionador depois de ter sido detida, sua transferência sim de internação, já que desde os 14 anos
que, juntos, valiam 24 reais. Lá, Maria Apa- para a Casa de Custódia de Franco da Ro- ela toma medicação controlada”, afirma.
recida de Matos pagou por seu “crime”: fi- cha, na Grande São Paulo, foi autorizada.
cou cega do olho direito. Lá, diagnosticaram que havia perdido a vi- Justiça seletiva
Portadora de “retardo mental moderado”, são do olho direito. O mesmo recurso jurídico – o habeas cor-
a ex-empregada doméstica foi detida em fla- Foi nessa época que sua irmã Gisleine pro- pus – pedido pela advogada Sonia Drigo para
grante em abril de 2004, quando tinha 23 curou a Pastoral Carcerária, que a encami- que Maria Aparecida respondesse ao processo
anos. Na delegacia, não deixaram que telefo- nhou para a advogada Sonia Regina Arrojo em liberdade foi solicitado e concedido, em 24
nasse para a família. Foi mandada diretamen- e Drigo, vice-presidente do Instituto Terra, horas, a outra mulher. Mas um “pouco” mais
te para a prisão, onde passou a dividir uma Trabalho e Cidadania (ITTC). Sonia entrou rica: a empresária Eliana Tranchesi, proprie-
cela com outras 25 mulheres. Em surto, a jo- com um pedido de habeas corpus no Tribu- tária da butique de luxo Daslu, em São Pau-
vem não dormia durante a noite, comia o que nal de Justiça de São Paulo, que foi negado. lo, condenada em primeira instância a uma
encontrava pelo chão, urinava na roupa. Apelou, então, ao Superior Tribunal de Justi- pena de 94,5 anos de prisão. Três pelo cri-
Passado algum tempo, para tentar encer- ça (STJ), que, em maio de 2005, concedeu li- me de formação de quadrilha, 42 por descami-
rar um tumulto, a carceragem lançou uma berdade provisória à jovem, 13 meses depois nho consumado (importação fraudulenta de
bomba de gás lacrimogêneo na área das de- de ter sido presa por causa de 24 reais. um produto lícito), 13,5 anos por descaminho
tentas. Uma delas resolveu jogar água no ros- A advogada também entrou com um pe- tentado e mais 36 por falsidade ideológica.
to de Maria Aparecida, e a mistura do gás com dido de extinção da ação, baseando-se no Somando impostos, multas e juros, a Jus-
o líquido fez com que seu olho fosse sendo “princípio da insignificância”, aplicado tiça diz que a Daslu deve aos cofres públi-
queimado pouco a pouco. “Parecia que tinha quando o valor do patrimônio furtado é tão cos 1 bilhão de reais. Os representantes da
um bicho me comendo lá dentro”, conta. baixo que não vale a pena a justiça dar con- empresa contestam esse valor, mas afirmam
A pedido das colegas de pavilhão, que tinuidade ao caso. No entanto, até hoje, o que já começaram a pagar as dívidas. A sen-
não aguentavam mais os gritos de dor e processo não foi julgado, e Maria Aparecida tença inclui ainda o irmão de Eliana, Anto-
os barulhos provocados pela moça, ela foi continua em liberdade provisória. nio Carlos Piva de Albuquerque, diretor fi-

maio 2009 caros amigos


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nanceiro da Daslu na época dos fatos, e Celso tinções no andamento e efetividade dos pro- justiça criminal. “Essa desigualdade, mais
de Lima, dono da maior das importadoras en- cessos, que variam com a classe social dos servil aos interesses dos poderosos e mais
volvidas com as fraudes, a Multimport. envolvidos. Segundo ele, um dos maiores pro- repressiva em relação aos mais necessita-
A prisão de Tranchesi foi consequência blemas do poder é sua morosidade. No entan- dos, acirra-se ainda mais em países como o
da Operação Narciso, desencadeada pela to, “isso não significa que os processos dos ri- Brasil, que tem uma sociedade baseada num
Polícia Federal em conjunto com a Receita cos são mais ágeis. Depende dos interesses e sistema escravista”.
Federal e o Ministério Público em julho de efeitos produzidos pelos processos”. Ou seja, De acordo com Roberto Kant de Lima,
2005, com o objetivo de buscar indícios dos a Justiça, quando interessa às classes domi- Professor Titular de Antropologia da Univer-
crimes de formação de quadrilha, falsidade nantes, também pode ser lenta. Como exem- sidade Federal Fluminense (UFF), existem
material e ideológica e lesão à ordem tribu- plo, o professor cita “o longo tempo de uma “moralidades” distintas por parte dos agen-
tária cometida pelos sócios da butique. execução para cobranças de dívidas de impos- tes de segurança pública e justiça criminal
De acordo com juristas e analistas ouvi- tos, de contribuições previdenciárias”. no tratamento à criminalidade, quando ela
dos pela reportagem da Caros Amigos, a di- Em relação a casos penais, isso também está ligada ou não ao patrimônio. “Os latrocí-
ferença de tratamento dispensado a casos ocorre, “como quando uma pessoa com mui- nios [roubo seguido de morte], por exemplo,
como o de Maria Aparecida e Eliana Tran- tos recursos financeiros é acusada – Paulo são julgados por um juiz singular, enquanto
chesi acontece porque, embora na teoria a Maluf, por exemplo. Nesse caso, ela é ca- que os outros homicídios são julgados pelo
lei seja a mesma para todos, na prática, ela paz de bloquear o andamento do processo júri popular’’. Segundo o professor, que co-
funciona de forma bem distinta para os re- até que a pena esteja prescrita. A agilidade ordena o Instituto Nacional de Ciência e Tec-
presentantes da elite e para os pobres. em decidir a prisão ou soltura de uma pes- nologia, pode-se concluir que as várias “mo-
Sonia Drigo ressalta, entretanto, que não soa também varia, de acordo com sua clas- ralidades” afetam desigualmente a aplicação
existe uma justiça para ricos e outra para as se social”, aponta Koerner. A diferença é da lei, sendo que algumas dessas desigual-
camadas mais humildes. “Ela é uma só, mas é que “um acusado de classe menos favoreci- dades estão registradas em tipos processu-
aplicada diferentemente”. Segundo o cientis- da não será capaz de usar as oportunidades ais explícitos, enquanto outras, não.
ta político e professor da Universidade Esta- permitidas pelo processo”. Mazina sustenta que a justiça brasileira
dual de Campinas (Unicamp), Andrei Koerner, é constituída para não ser popular. Em sua
a questão do acesso à justiça no Brasil é histó- Servilismo versus repressão avaliação, desde a formação da legislação,
rica. “Sempre houve uma grande diferença de O juiz criminal Sérgio Mazina, presiden- há uma preocupação muito maior com a pre-
tratamento dos cidadãos de diferentes classes te do Instituto Brasileiro de Ciências Cri- servação patrimonial em detrimento da pro-
sociais pelas instituições judiciárias”. minais (IBCCrim), acredita que o sistema teção da integridade física. Isso contribui,
Ele explica que dentro do judiciário há dis- judiciário reserva, aos pobres, o espaço da portanto, para a criminalização das cama-

O remédio para a falta de liberdade


Um dos aspectos sintomáticos da diferença de que, a partir daquele momento, vai fazer todo o ne- No entanto, Sonia questiona o raciocínio do Mi-
aplicação da Justiça para ricos e pobres é o habeas cessário para liberar o acusado. “E, uma vez que se nistro. “Quantos habeas corpus não tiveram que ser
corpus. Considerado o mais importante instrumen- entra com essa medida, a tramitação também é di- pedidos até chegar a esses que foram julgados? Há
to judicial de defesa e proteção da liberdade indivi- ferente, dentro do próprio judiciário, para quem inúmeros meandros para que se chegue até lá, e, nes-
dual, ele tem sido garantido em casos envolvendo tem mais ou menos condições”. Ou seja: quem tem se percurso todo, a pessoa já cumpriu pena. Há casos
ricos, famosos e poderosos, como a empresária Elia- menos dinheiro, dificilmente vai conseguir compro- de acusados que ficam detidos nove, 11, 14 meses, e
na Tranchesi e o banqueiro Daniel Dantas. No en- vante de endereço, certidão de nascimento ou do- os habeas corpus não chegam ao STF”, relata.
tanto, pessoas como Maria Aparecida e centenas de cumento de trabalho, requisitos exigidos para ob- De acordo com ela, ao conceder os tais 18 ha-
outras não têm a mesma sorte. ter a liberdade provisória. Para reunir esses dados, beas corpus, o STF simplesmente cumpriu o que
De acordo com a advogada criminalista Sonia é preciso entrar em contato com a família, algo bas- estava na lei. “O primeiro juiz que pegou o pro-
Drigo, a lei é uma só, mas quando se cumpre em fa- tante dificultado pela precariedade das defensorias cesso poderia ter feito a mesma coisa, mas não
vor de uma grande empresária, parece que houve públicas. “Muitas vezes essas pessoas conhecem o fez porque existem preconceito e repressão con-
privilégio. Segundo ela, a decretação da prisão de advogado no dia do interrogatório”. tra essas pessoas, além da falta de tempo dos de-
Tranchesi em decorrência de uma sentença de pri- Ao rebater as recentes críticas de que o Supre- fensores públicos”.
meira instância é arbitrária. Portanto, a lei foi cum- mo Tribunal Federal (STF) só concedia habeas cor- A juiza Kenarik Boujikian Felippe, integrante da
prida. Porém, para conseguir a aplicação desse di- pus para ricos, o ministro Gilmar Mendes afirmou Associação de Juízes para a Democracia (AJD), lem-
reito, a dona da Daslu contou com uma equipe de que, no ano passado, 350 pessoas receberam tal di- bra que as arbitrariedades cometidas em casos en-
advogados que a assessoraram, o que não acontece reito, “ricos e pobres”. Ele disse, ainda, que pesqui- volvendo os mais pobres são grandes, “e o tempo
com a população pobre. “O que está errado é man- sou pessoalmente o assunto para descobrir que, en- dos mortais para chegar no Supremo é imenso.
ter essas pessoas humildes, que não têm advoga- tre os 350 habeas-corpus concedidos, 18 foram para Tem muita gente que fica presa pelo bacalhau,
dos, presas”, afirma Sonia. casos em que “se aplicam o princípio da insignifi- pelo danoninho, pelo tender, biscoito”. Quem tem
Ela explica que o habeas corpus serve para reme- cância: o furto da escova de dente, do bambolê, da condições de contratar um advogado, explica ela,
diar um constrangimento, e leva de duas a cinco se- pasta dental, do sabonete, do vídeo. Se esses casos “vai a Brasília, despacha caso a caso com o ministro.
manas para ser impetrado. Acontece que uma pes- não tivessem chegado ao Supremo, essas pessoas Quem é pobre, vai esperar, porque a defensoria não
soa da classe alta contrata uma banca de advogados ainda estariam presas”, afirmou. tem gente suficiente para levar de caso em caso”.

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das mais baixas da população, mais propen-
sas, por sua condição social, a cometerem A defesa dos humildes na penúria
delitos contra o patrimônio. “Há um acirra-
mento da legislação para os crimes cometi- Quem necessita de assistência jurídica, mas Público (MP) ganham, em média, R$ 19 mil. Os
dos pelos pobres. O código penal brasileiro não tem dinheiro para pagar um advogado, defensores, entre R$ 7 mil e R$ 8 mil. Além disso,
criminaliza a pobreza”, denuncia Mazina. pode, em tese, recorrer ao serviço da Defenso- o MP, que tem a função de acusar, possui um or-
Sonia Drigo acredita que há uma dupla ria Pública. De acordo com a Constituição Fede- çamento oito vezes maior que a defensoria, que,
criminalização, pois “a exclusão já é uma ral, qualquer pessoa que comprove a falta de re- ainda, conta com menos pessoal.
criminalização. Isso me lembra a diferença cursos pode recorrer ao trabalho dos defensores. A juíza de direito e membro da Associação
de tratamento dado para um sem-teto e para Apesar de cerca de 95% da população carcerá- dos Juízes para a Democracia (AJD), Kenarik Bou-
aquele que mora numa mansão. Vamos pe- ria do país depender desse serviço para respon- jikian Felippe, insiste na importância de se forta-
nalizar aquele que não tem endereço, nem der os processos nos tribunais, a instituição sofre lecer a instituição. “Esse é um passo para tentar
carteira assinada. Então, vamos bater nele, com problemas estruturais e orçamentários. propiciar uma situação igualitária”. Ela lembra
torturá-lo porque não teve condições de es- Um diagnóstico do Ministério da Justiça que, apesar de ser previsto em lei que toda pri-
tudar e trabalhar”. revela que, a cada R$ 100 do Orçamento do são em flagrante deve ser comunicada à Defen-
O caso da ex-empregada doméstica Ma- Estado destinado às instituições jurídicas, so- soria num prazo de 24 horas, “ela não tem estru-
ria Aparecida não deixa dúvidas a respeito mente R$ 3 vão para as Defensorias. De acor- tura para dar atenção a esses flagrantes”.
de como isso acontece na prática. Na casa de do com a Associação Nacional dos Defenso- Hoje, a Defensoria do Estado de São Pau-
sua irmã, em Taboão da Serra, na Grande São res Públicos (Anadep), no país existem cinco lo conta com 400 defensores públicos, que
Paulo, a moça pouco fala. Mantém-se de cabe- mil defensores públicos. Segundo o defen- atendem, por ano, cerca de 850 mil pesso-
ça baixa, cabelos longos e negros escondendo sor Rafael Cruz, “por conta das dificuldades, as. De acordo com estudos da própria insti-
parte de seu rosto. Às vezes, esboça um sorri- não conseguimos atender como um advoga- tuição, caso houvesse 1.600 profissionais, ela
so ingênuo. Sua expressão é de uma menina. do particular faria. Com o número de profis- poderia ter postos de atendimento em todas
Quando faz um balanço da prisão, da tor- sionais que temos, somos obrigados a esta- as comarcas.
tura e da perda da visão, muda a fisionomia: belecer prioridades”, lamenta. Ainda segundo números da Defensoria pau-
“Tudo isso por conta de um xampu. Minha Na avaliação do juiz Sérgio Mazina, presiden- lista, a população alvo (maiores de 10 anos, com
vida acabou”. Maria Aparecida compara-se te do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais renda mensal de até três salários mínimos) é de
com Eliana Tranchesi. “Eu peguei só um (IBCCrim), “aqueles que deveriam prestar assis- 23.252.323 pessoas; e, para cada defensor públi-
xampu e fiquei lá. Ela, cheia de dinheiro, tência jurídica aos mais pobres estão na penúria. co, existem 58.130 potenciais usuários (no Esta-
saiu logo, e teve do bom e do melhor”. E, em comparação com as demais carreiras, são do do Rio de Janeiro, essa proporção é de 1 para
A alegação que foi dada à família de Ma- mal remunerados”. Os integrantes do Ministério 13.886 usuários).
ria Aparecida para a perda da visão foi de
que a jovem havia batido com o rosto no
trinco de uma porta. “Mas isso é mentira,
não tinha porta com trinco nenhum lá”, afir- portante proteger um xampu e um condicio- Ninguém assume isso, mas existe. É algo
ma Gislaine. Quando a moça foi transferida nador de alguma loja que a integridade físi- que vem de 500 anos de historia”.
da cadeia para o manicômio em Franco da ca de Maria Aparecida. Especialistas ouvidos pela reportagem
Rocha, fizeram um exame de corpo de deli- A “sagrada” defesa da propriedade priva- acreditam que, muitas vezes, os magistra-
to, que atestou lesões corporais leves. “Ela da acaba sendo utilizada como argumento dos estão imbuídos de preconceito quando
perdeu um órgão vital, não a socorreram. para criminalizar movimentos sociais, como vão lidar com pessoas das classes menos fa-

“Há um acirramento da legislação para


os crimes cometidos pelos pobres”
Gostaria de saber o que seria a lesão corpo- no caso das organizações como o Movimento vorecidas. De acordo com o defensor públi-
ral grave, entregá-la num caixão para a fa- dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) co Rafael Cruz, a exigência de endereço fixo
mília?”, questiona Gislaine, indignada. e o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto e de trabalho para conceder liberdade pro-
(MTST). “Na medida em que esses movimen- visória a uma pessoa que está sendo pro-
tos possam a reivindicar uma redistribui- cessada é um exemplo típico. “Na justiça fe-
Propriedade, o grande ção de riquezas, há sua criminalização. Se ti- deral, onde tem os crimes tributários, isso
verem apresentando um reclamo como o da não acontece. Há uma seletividade, como se
valor do direito penal proteção do meio ambiente, não há necessi- os crimes contra o patrimônio fossem mais
De acordo com a juíza Kenarik Boujikian dade de criminalizá-lo. Mas se eles questio- graves que os crimes tributários”.
Felippe, integrante da Associação de Juízes nam a estrutura econômica da sociedade, há Na avaliação do juiz Sérgio Mazina, aque-
para a Democracia (AJD), “a propriedade é o uma propensão à sua criminalização”. les que não têm bons antecedentes e não
grande valor do direito penal. Basta ver que Para Kenarik, a diferença de tratamento são proprietários acabam sendo estigmati-
a pena do furto é maior do que a pena de tor- dispensado a ricos e pobres pode ser atribu- zados. “Então, o discurso do juiz, dos poli-
tura. Para o direito penal, pegar algo da sua ída, ainda, a um “judiciário extremamente ciais, é voltado para a priorização de quem
bolsa é mais grave do que a tortura”, avalia. conservador, ideológico, que acha que po- tem condições econômicas, e para a punição
Ou seja, para a justiça brasileira, é mais im- bre, por sua natureza, tem que estar preso. do mais carente”.

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Sonia Drigo resume: a lógica, na cabeça seria aplicável o principio da insignificân- tico, “pois são acionados mecanismos legais
dos magistrados, funciona assim: “vamos ver cia”, diz Sonia. Se o caso chegar ao STF, e morais que encontram respaldo na socie-
se esta pessoa não está envolvida em outros ca- será anulado, garante. No entanto, a mulher dade brasileira, socialmente hierarquizada,
sos, se o endereço dela é este mesmo. É como já terá cumprido toda a sua pena. embora teoricamente republicana”.
se um morador de rua não tivesse cidadania “Ninguém vai prejudicar o patrimônio de Outro aspecto apontado é que quando se
para responder em liberdade qualquer proces- uma grande rede de supermercados porque trata de crimes cometidos pela elite, como
so que venha a ser instaurado contra ele”. tentou furtar seis desodorantes que não foram desvio de dinheiro, “parece que o acusado
Casos arbitrários é que não faltam. Des- usados, o chocolate que não foi comido, a pi- não é uma ameaça para a sociedade, e as-
de 2005, após conseguir um habeas corpus canha que não foi assada, o brinquedo que não sim, não há um interesse para que o processo
para Maria Aparecida, Sonia trabalha defen- foi usado. Há crimes contra a vida, homicidas ande rapidamente”, avalia Sonia Drigo. Ela
dendo voluntariamente mulheres acusadas famosos que têm o direito da liberdade provi- lembra que nunca se encarcerou tanto no
de cometer pequenos furtos. O trabalho, se- sória garantida. Já essas pessoas não, pois ou- país como hoje. De acordo com dados do De-
gundo ela, não tem fim, pois sempre aparece saram atingir o patrimônio de alguém”. partamento Penitenciário Nacional (Depen),
um caso novo, o que evidencia o comporta- do Ministério da Justiça, em 1995, havia 148
mento do Judiciário. “É como se a Justi- Relações perigosas mil detidos nas penitenciárias e delegacias
ça dissesse: ‘Por que ela roubou picanha e O preconceito dos membros da Justiça com no país. Em junho de 2007, esse número su-
não carne moída? Ela disse que estava com as classes mais pobres também é fruto da re- biu para 422.373. “Esses presos não são da
fome, mas quem garante?’. A dúvida sempre lação histórica entre representantes da elite e elite e uma boa parte não deveria estar preso.
é contra aquela pessoa. Sempre se faz mau do Judiciário, afirmam os analistas. “No Bra- 30% do total poderia estar em liberdade”.
juízo, e não garante a ela os benefícios que sil, ele é formado por quadros da classe domi- No Brasil, é consenso entre a população
são garantidos para aqueles que têm infor- nante, especificamente no século 19. Havia a que os ricos nunca vão presos, e que cadeia
mação, instrução”, critica. necessidade da formação de quadros, e eles é coisa de pobre. “Aqui na justiça estadu-

"é como se a justiça dissesse:


'por que ela roubou picanha e não carne moída?' "
Uma das mulheres que Sonia defende tam- vieram da elite agrária”, lembra Mazina. al [de São Paulo] não temos a competência
bém se chama Maria Aparecida, e foi presa em Na avaliação do Professor Titular de An- de investigar crimes financeiros, colarinho
flagrante por tentativa de furto de seis desodo- tropologia da Universidade Federal Flumi- branco. Eles correm na justiça federal. Aqui
rantes de uma loja em São Paulo. Condenada a nense (UFF), Roberto Kant de Lima, “em temos roubo, tráfico de entorpecentes”, re-
14 meses, sua pena está próxima do fim. qualquer sociedade, os membros do Judici- lata a juíza Kenarik Boujikian Felippe. “Mas
A moça está na Penitenciária Feminina de ário serão parte das elites, seja por sua posi- qual é o trabalho que a policia faz com eles?.
Santana, a mesma onde Eliana Tranchesi es- ção original, seja por merecimento”. No en- O sistema policial funciona só para quem é
teve presa. A diferença é que a última teve ha- tanto, ele avalia que a elite brasileira não pobre. Aquele que ganha rios de dinheiro
beas corpus concedido, enquanto a primeira é cidadã, pois reivindica sempre privilégios eu não vejo, não sei quem é esse cara. Esses
não. Uma, era acusada de sonegar 1 bilhão “como a aplicação particularizada e excep- réus nem chegam aqui. Eles estão na esfera
em impostos. A outra, tentou subtrair objetos cional da lei no seu caso, ao invés de rei- federal. E a policia sempre funcionou para
que não chegavam a totalizar 30 reais. vindicar a uniformidade na aplicação das isso, e acaba se refletindo.”
“A pena adequada não seria de privação normas para todos, sem distinção, caracte- Para Sérgio Mazina, presidente do Ibc-
de liberdade, e além disso, a liberdade pro- rística de qualquer República”. crim, o principal motivo de haver poucos re-
visória poderia ter vindo em favor dela 48 Desse modo, acredita, o poder econômico presentantes da elite processados e conde-
horas depois. Mas não veio. E aqui também e as relações pessoais assumem um peso crí- nados é fundamentalmente político, mas é
resultado, também, de um sistema falho. “Não
temos uma policia preparada para investigar
esse tipo de crime, ela é preparada para inves-
tigar e prender aquele que está te assaltando
no meio da rua com revólver, querendo pegar
sua bolsa ou celular”.
Já para ir atrás de crime cometido pelos
representantes do poder econômico, segun-
do Mazina, não há estrutura, pessoal, equipa-
mentos, e sequer formação para entender o
delito que está sendo praticado, pois ele é, ge-
ralmente, complexo, por mexer com os aspec-
tos tributário e financeiro. Assim, o sistema
“se resume a fazer intervenções espetacula-
res, sensacionais, que acontecem em momen-
tos da mídia, mas que são inconsistentes”.
O presidente do Ibccrim destaca que a
punição precisa estar assentada em cima de

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provas. “Não adianta sair dando sentenças
de um século para todo mundo, porque ela
não vai subsistir e a justiça vai ficar desa- Judiciário em crise?
creditada. Esse é o grande perigo”.
No caso de Maria Aparecida e Gisleine, Brigas entre ministros do Supremo Tribunal Fe- vos, pois revelam que, a partir da redemocratização,
isso já aconteceu. “O Judiciário precisa ser deral (STF), desentendimentos entre juízes federais a tradição jurídica brasileira tem sido posta em ques-
modificado. Tem que se tratar todos igual- e tribunais superiores, divergências técnicas entre tão”. Segundo ele, houve o fortalecimento dos papéis
mente”, sentencia Gisleine. Já Maria Apa- magistrados. Um manda prender, outro manda sol- e poderes das diversas instituições judiciais e a redis-
recida diz que a perda do olho abala muito tar. As recentes reviravoltas nos casos envolven- tribuição entre elas. “Os processos de mudança devem
sua vaidade: “Se pelo menos eu tivesse saído do processos contra representantes da elite trou- continuar ocorrendo, com o engajamento crescente
com a minha vista, nem precisava de nada xeram à tona conflitos entre diversos setores do de profissionais na realização dos princípios, regras e
mais”. Você se sente injustiçada? “Sim, mui- Poder Judiciário. objetivos da Constituição de 1988”.
to”, responde, escondendo o rosto, lágrimas De um lado, juízes criticam os tribunais superiores, Já o juiz de direito Sérgio Mazina, presidente do
escorrendo. que estariam impondo dificuldades para prender sus- Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim),
peitos de crimes financeiros, como a concessão de ha- acredita que é normal que uma decisão de primeira
Tatiana Merlino é jornalista beas corpus em favor do banqueiro Daniel Dantas, e instância não prospere quando levada a um tribunal
a liberdade concedida à empresária Eliana Tranchesi, superior. Mas é claro que, quando, “há duas decisões
dona da butique Daslu. De outro, as instâncias supe- opostas num período de 48 horas, surja um debate pú-
riores defendem que tais prisões foram arbitrárias, e blico em torno das desavenças”, diz, referindo-se ao
que o habeas corpus é um direito constitucional, que caso de Daniel Dantas.
deve ser garantido a todos os cidadãos. A indagação Na avaliação da juíza Kenarik Boujikian Feli-
que se faz é: o Poder Judiciário está em crise? ppe, tais divergências fazem parte da produção
Para o cientista político e professor da Universida- do pensamento jurídico. No entanto, lembra que
de Estadual de Campinas (Unicamp), Andrei Koerner, o princípio da presunção de inocência é um direi-
“esses conflitos dentro do Judiciário são muito positi- to ao qual todos deveriam ter acesso.

maio 2009 caros amigos


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Eduardo Matarazzo Suplicy Ana Miranda

Por que a Renda Básica Nota sobre


é uma proposta revolucionária?
A inconstância da
alma selvagem
No Fórum Social Mundial deste ano, em Belém do Pará, organizado Sabendo que meu novo romance é de tema indígena, amigos me
pela organização civil Ingreso Ciudadano Universal-México e coordena- indicaram a leitura de A inconstância da alma selvagem, de Eduar-
do pelo Professor Pablo Yanes, Secretário de Desenvolvimento Social do do Viveiros de Castro. O ensaio ‘O mármore e a murta’ trata desse
Governo do Distrito Federal do México, foi realizada uma sessão espe- tema que pode nos parecer distante, mas não o é. A alma indígena
cial sobre As Perspectivas da Renda Básica de Cidadania nas Américas. está presente em todo o nosso território, em todo o nosso corpo, seja
Participaram o Ministro Patrus Ananias, do Desenvolvimento Social e por um contato externo, histórico, hostil, ou afável, seja por genea-
Combate à Fome; a Professora Makieze Medina, da Universidade Nacio- logia. Seja por medo, seja por sonho, seja por negação. Na verdade,
nal do México; a Professora Célia Lessa Kerstenetzky, da Universidade a alma indígena pode ser tida como a nossa infância, ou melhor, a
Federal Fluminense; o Professor Clovis Zimmermann, da Universidade origem da humanidade. O índio é o ser humano natural.
Federal do Recôncavo da Bahia; o Prefeito José Augusto Guarnieri Pe- O ensaio de Viveiros de Castro nasce de um trecho do padre Viei-
reira, de Santo Antônio do Pinhal, Estado de São Paulo, além de mim. ra, no Sermão do Espírito Santo, belíssimo, como todos os trechos
Cerca de 400 pessoas assistiram ao debate. de Vieira. Ele idealiza sobre duas estátuas, uma de mármore, uma de
Marcelo, um rapaz na platéia, disse ter assistido a uma palestra mi- murta. A de mármore é custosa para fazer, mas fica pronta para sem-
nha sobre a Renda Básica de Cidadania (RBC) na London School of pre. A de murta é de feitura simples, pois os ramos desse arbusto são
Economics, em Londres, na Inglaterra, e que se entusiasmou tanto dóceis, mas é preciso todo o tempo estar a refazê-la, ou ela voltará à
pelo tema que sua tese de pós-graduação foi sobre o assunto. Questio- sua imagem original de planta. E dessa símile, sai Vieira a compa-
nou os debatedores a respeito das dificuldades que tinha para persua- rar as nações frente à doutrina da fé. Nossos índios seriam como em
dir seus amigos de esquerda acerca das vantagens da Renda Básica. murta, fáceis de moldar, mas inconstantes, pois logo voltam “à bru-
Pablo Yanes, ao responder a questão, ressaltou que a principal arma teza antiga e natural, e a ser mato como dantes eram”.
dos capitalistas era justamente a fome dos trabalhadores, confor- Também belíssimo é o desenvolver das ideias de Viveiros de
me salientou Karl Marx em suas obras. Acrescentei que se Castro, cada palavra denotando uma elevação estética e
uma pessoa não tem outra alternativa de sobrevivência a compreensiva, num fluir incessante, a cada página mais
não ser aceitar um trabalho humilhante, que coloque fundo, e mais constante, e mais, no entanto sempre
ilustração: luana schabib

sua saúde em risco ou em condições semelhantes à fazendo lembrar o índio na construção cuidadosa e
de trabalho escravo, obviamente ela venderá sua fluente do objeto, e quanto mais o antro-
força de trabalho por qualquer preço. Entretanto, pólogo se distancia do mundo índio no
no caso de existir uma Renda Básica de Cidada- rumo da visão filosófica, mais ele revela
nia, a qual garanta a todos, não importando o elemento da alma índia e mais amal-
sua origem, raça, sexo, idade, condição gama um em outro. Um trabalho lindo.
civil ou mesmo socioeconômica, o su- E vai ele mesmo construindo sua está-
ficiente para atender suas necessida- tua de mármore, de murta, e ainda mais
des vitais, então as pessoas podem vaga, mais inconstante estátua perene de
não aceitar o trabalho. Podem dizer palavras.
que aguardarão por uma oportuni- Numa das leituras subliminares, é fei-
dade melhor, mais de acordo com ta uma construção da própria alma brasileira,
suas vocações. Podem até buscar criada nesse embate de diferentes almas, crenças
um curso profissional que lhes pos- e experiências humanas. Nosso lado inconstante.
sibilite encontrar algo mais próximo Muitas vezes, ao ler o ensaio, eu parecia estar desco-
de suas aptidões ou aspirações. brindo algumas razões de comportamentos meus, e de
É por aumentar a liberdade de todos pessoas do meu mundo. Nos interlúdios, a inconstân-
os seres humanos na sociedade que o filóso- cia de nossa própria história brasileira. E afinal, a re-
fo Philippe Van Parijs argumenta em suas velação da perenidade índia, sua constância quanto à
obras que a RBC significará o grande avan- própria experiência, crença, modo de viver, e de ser.
ço da humanidade no Século XXI. Todo ser vivo é eternamente aquele que nasceu.

Eduardo Matarazzo Suplicy é senador. Ana Miranda é romancista, autora de Boca do


Inferno, Desmundo, Dias & Dias, entre outros
livros, todos pela Companhia das Letras. Suas
crônicas da Caros Amigos estão reunidas no
volume Deus-dará, da Editora Casa Amarela.

caros amigos maio 2009


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entrelinhas a mídia como ela é Cesar Cardoso
Hamilton Octavio de Souza

COMO GARANTIMOS
O FUTURO DOS NOSSOS
FILHOS

MÍDIA COMPRADA CÍNICA CONTRADIÇÃO


Quase um ano depois de executada, a A imprensa neoliberal brasileira comemo- Nunca me esqueci daquele dia. Chega-
Operação Satiagraha não conse- rou a condenação, por um tribunal ram os resultados: eu estava grávida e meu
guiu acabar com os crimes pra- sueco, dos criadores do site Pirate marido, desempregado. Mas nem pensei em
ticados por Daniel Dantas no Bay, especializado na liberação tirar a criança e acabar excomungada em
Banco Opportunity, embora de filmes pela Internet. Fiéis Pernambuco. Não, usei a criatividade, ven-
tenha revelado provas su- ao Consenso de Washing- di espaço publicitário nas ultrassonografias
ficientes para colocar na ton, os jornalões nacionais dos bebês (era um casal de gêmeos) e assim
cadeia o banqueiro e seus vivem em contradição com paguei o parto e a maternidade. Na hora do
asseclas. No entanto, ser- os postulados do sistema: batizado não homenageei avô, nem tia, nem
viu para desmascarar o defendem a rigidez das pa- padrinho. E graças a seus nomes, nossos fi-
envolvimento de políti- tentes e direitos autorais, lhos Nokia e Ruffles foram muito mais lu-
cos, jornalistas e a mídia mas não pagam pela repro- crativos do que aquele bando de Wellinsons
grande com os esquemas dução de textos e imagens e Daianes, Taianes, Raianes...
de corrupção no Brasil. Bin- aos seus auto-res. Depois veio a hora da escola. Aí foi meu
go! marido, pós-doutorado em educação e ainda
SÓ NO PAPEL desempregado, quem teve a iniciativa, ao de-
PERNA CURTA O Tribunal de Justiça do clarar: “educação é coisa do passado e eu sou
Manipulação grossei- Pará proibiu a publicação a prova viva disso. Vamos batalhar pelo direi-
ra da revista eletrônica de fotografias de vítimas to desses moleques trabalharem desde bebê”.
Consultor Jurídico ten- de acidentes e de mor-tes E em vez de entrar na creche, eles entraram
tou indispor jornalistas brutais na imprensa regio- no mercado. Bebês-propaganda, anunciando
contra o delegado Pro- nal – quando ofender a dig- e consumindo de tudo. No começo, bonecas,
tógenes Queiroz, da Polí- nidade humana e o respeito doces e brinquedos. Depois, gordura trans,
cia Federal, atribuindo a ele aos mortos. Será que os jornais bebida alcoólica, cigarros. E por fim, drogas
ilustração silvino /www.laertesilvino.blogspot.com/

suposta perseguição aos jorna- do Estado, que exploram o sensa- e armas. Se essas são as coisas que mais mo-
lis-tas na investigação dos crimes do cionalismo sem o menor pudor e senso vem dinheiro no planeta, como deixar nossos
Banco Opportunity. O jornalista Mino Carta, ético, vão acatar? filhos queridos fora disso?
da Carta Capital, que conhece de cor e salte- E foi através da educação das crianças
ado as sujeiras do banqueiro Daniel Dantas PIRAÇÃO PARANÓICA que descobrimos nossa nova ética. Quais
colocou as coisas nos seus devidos lugares. O jornal O Globo está a cada dia babando os valores pelos quais todo mundo briga?
mais. Difícil mesmo é destacar uma única bes- Igualdade? Que o quê! Todo mundo é desi-
IMPRENSA NEGRA teira no mar de besteirol direitoso. Uma delas: gual desde que nasce. Se você tem dúvida,
Aprovada na Faculdade de Educação da deu recentemente uma chamada na capa com vá visitar as maternidades do plano de saú-
USP a dissertação de mestrado do sociólo- denúncia contra o ex-governador do Rio de Ja- de e as públicas. E tem mais: o importante
go Ariovaldo Lima Junior, sobre o “Jornal neiro, Leonel Brizola, falecido em 2004, com não é saber o valor das coisas, é ter mais di-
Irohin”, uma publicação da imprensa negra base em informações do extinto SNI e, no final nheiro do que seu vizinho para comprá-las.
de combate ao preconcei-to e ao racismo. da mesma chamada, dizia que nada daquilo ha- Porque no nosso mundo quem compra é que
Normalmente os oligopólios da mídia igno- via sido comprovado. É o antijornalismo! manda. Foi o que ensinamos para Ruffles e
ram as violências do Estado contra a popu- Nokia. Não precisamos de cidadania, de tí-
lação negra. FARRA DE SERRA tulo de eleitor, de identidade. Nossa identi-
No afã de contemplar os aliados com ver- dade é o tênis que a gente usa e o carro que
DESSERVIÇO NACIONAL ba publicitária, o governo José Serra, do PS- a gente compra. E viver é gastar no cartão.
Várias entidades, entre elas a Federação dos DB-SP, está colocando anúncio da Sabesp até E foi assim que vivemos. Hoje, eu e meu
Jornalistas, Abraço (Associação Brasileira de em jornal do sertão nordestino. Surrealista marido estamos mortos e felizes, vendo nos-
Rádios Comunitárias), FNDC (Fórum Nacional mesmo é o anúncio veiculado nas TVs sobre sos filhos vivos e bem-sucedidos enquanto
pela Democratização da Comunicação) e Conse- os serviços noturnos de limpeza dos trens do curtimos nossa vida eterna aqui no céu. Ou
lho Federal de Psicologia, divulgaram nota de metrô. Não serve para nada, é puro desperdí- melhor, num paraíso fiscal.
protesto contra a Anatel (Agência Nacional de cio do dinheiro público.
Telecomunica-ções), que em abril destruiu oito Cesar Cardoso é escritor de letras do
toneladas de equipamentos apreendidos em rá- Hamilton Octavio de Souza é jornalista. tesouro nacional e cobrou uma nota para
dios comunitárias. É puro vandalismo! hamilton@uol.com.br psicografar essa mensagem.

maio 2009 caros amigos


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entrevista Brizola neto
Fernando Lavieri, Gilberto Felisberto Vasconcellos,
Hamilton Octavio de Souza, Renato Pompeu, Tatiana
Merlino, Wagner Nabuco | fotos Flavio Melgarejo.

Exploração de nióbio

r e g u l a m e n ta ç ã o
Deputado Federal do PDT, neto de Leonel Brizola, fala da
defesa dos recursos naturais, da sua trajetória política e
da luta contra a exploração das multinacionais

Gilberto Felisberto Vasconcellos: Que questões po Rockefeller, exporta 90% do nióbio extraído. processo de privatizações da Companhia Vale
envolvem o nióbio no Brasil? Isso é mais um exemplo deplorável da simbio- do Rio Doce, o ex-presidente Fernando Henri-
Toda indústria de alta tecnologia é altamen- se da burguesia nativa com os interesses das que, o ministro das Minas e Energias na épo-
te dependente do nióbio, não tem turbina de grandes corporações multinacionais que en- ca do governo Fernando Henrique, o senhor
avião, não tem turbina de termoelétricas, não gordam o imperialismo. Com o deputado mi- Roger Agnelli, que comprou a Vale, para expli-
tem oleoduto se não tiver nióbio, porque ele é neiro José Fernando Aparecido, a gente tem lu- car por que a venderam pelo preço de seis me-
anticorrosivo. E o dado importante, é que jus- tado na Câmara por um novo marco regulatório ses do seu faturamento. E mais, o mais grave,
tamente 95% das reservas de nióbio do mundo na questão mineral no Brasil. Dá mais de um a Constituição Federal diz que quem detém o
concentram-se só nas minas amazônicas, onde trilhão de dólares o nióbio que você tem hoje na solo não detém o subsolo, que o subsolo é pa-
está demarcada a Reserva Raposa do Sol, sem Amazônia. Isso com preço estipulado lá na Bol- trimônio da União, e junto com a venda da Vale
serem exploradas. Há uma mina em ativida- sa de Londres, abaixo do custo, sem levar em do Rio Doce entregaram as maiores minas bra-
de em Araxá, Minas Gerais, uma associação do conta a importância que tem o nióbio hoje na sileiras, as de Carajás, exploradas pelo senhor
grupo Moreira Sales com o grupo Rockefeller, a indústria, principalmente na indústria de pon- Roger Agnelli.
Cia. Brasileira de Mineração de Metais-CBMM. ta. É mais um caso da história de 500 anos de
que vendem internacionalmente o nióbio a um espoliação internacional do Brasil. Renato Pompeu: A CBMM tem interesse em que
preço abaixo do custo. Fato grave é que mesmo não sejam exploradas as reservas de nióbio
sendo o único exportador no mundo deste mi- Renato Pompeu: A sua intervenção no Congresso de Roraima, que estão nas terras indígenas.
nério estratégico, o nosso país não é sequer ca- teve repercussão na mídia? Mas a direita militar divulga na Internet que a
paz de determinar o preço do nióbio no merca- Olha, na grande mídia a gente pode dizer demarcação contínua das terras indígenas foi
do externo. Nos momentos de baixa dos valores que essa repercussão ela realmente não acon- feita para possibilitar a exploração do nióbio
das commodities como ocorre na crise atual, o tece, e ai a gente entende inclusive as pressões de Roraima por empresas estrangeiras.
preço da extração e do refino fica superior ao que deve haver dos grandes grupos multinacio- Acho que uma questão não inviabiliza a ou-
valor em que é cotado na bolsa de Londres, em nais nesse sentido, talvez os grandes anuncian- tra. Nesse primeiro momento há essa pressão
média U$ 90 o kilograma. Na jazida atualmen- tes e sustentadores da grande mídia. Só para clara da CBMM para não desvalorizar a explo-
te mais explorada, em Araxá, Minas Gerais, a dar um exemplo, nós fizemos uma convocação ração do nióbio na mina que ela tem em Araxá,
Companhia Brasileira de Metalurgia e Minera- na Comissão de Minas e Energia, requerimen- porque é uma exploração muito mais difícil do
ção (CBMM) pertencente ao grupo Moreira Sal- to meu e do deputado José Fernando Apareci- que a exploração que é possível hoje na Amazô-
les associado a multinacional Molycorp, do gru- do, convocando, para que se explicasse esse nia. Mas eu concordo plenamente que essa de-

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marcação, além de atender o interesse imediato no Rio de Janeiro matérias disseram que nós conseguimos fazer a reversão dessa agenda,
da CBMM, num futuro próximo, ela vai atender o Brizola recebeu propina, num ataque de hoje não se fala mais em reformar a CLT, hoje
ao interesse internacional de que empresas es- primeira página. qualquer segmento mais conservador tem medo
trangeiras se instalem ali para fazer a explora- Na semana dos 45 anos do golpe. Eu acho em falar em reforma da Previdência, e o partido
ção do nióbio brasileiro. que o que é interessante frisar é que o Brizola tem cumprido esse papel. Agora, indo na crise,
é o único político que incomoda a Globo ainda a gente fez um enfrentamento importante que
Wagner Nabuco: Mas lá no Congresso, como depois de morto. foi justamente na defesa da questão do empre-
é que você sente a repercussão, quem está go. A gente tem visto que, como o mercado não
mais para a posição sua e do PDT, quem fica Wagner Nabuco: Você, como neto, conviveu deu conta de tudo, e praticamente não deu con-
mais em cima do muro, quem combate mais? com ele na intimidade, você sabia que ele era ta de nada, é o bom e velho Estado que está sal-
Como que é isso lá? vigiado de alto a baixo? vando da bancarrota mais uma vez esse famige-
Hoje, eu acho que é um pouco difícil você Quando fiz 16 anos fui trabalhar com ele, que rado mercado. Acho que nós tivemos um papel
identificar dentro do Congresso, através de par- morava na avenida Atlântica, no Rio, ao lado do importante exigindo uma contrapartida dessas
tidos políticos, quais são os grupos nacionalis- Hotel Othon, e o Hotel Othon instalou uma câ- empresas que forem ajudadas pelo Estado que,
tas. Você tem hoje nacionalismo espalhado em mera do lado do apartamento dele, uma câmera no mínimo, garantam a permanência do empre-
vários partidos e, infelizmente, talvez seja a giratória, e ai ele foi lá no escritório, e ele olhou go dos seus funcionários.
fração minoritária de cada um desses partidos aquilo: “O que é aquilo? É uma câmera, o FMI
com algumas exceções. Até mesmo no campo já está ai no Hotel Othon!” Ele sabia que não era Hamilton Octavio de Souza: A gente costuma,
da esquerda você tem partidos que não compre- ação da ditadura, era ação imperialista. nas entrevistas da Caros Amigos , pedir ao
endem a questão do nacionalismo, preferem es- entrevistado que fale de sua vida, onde
tar afiliados a doutrinas externas. Tatiana Merlino: A
situação de o nacionalismo nasceu, onde morou etc...
ter perdido a força no Brasil pode se Nasci em Porto Alegre, numa passagem rá-
Wagner Nabuco: Qual a sua posição sobre essa atribuir ao fato de nós não termos mais uma pida da minha mãe que saiu do Uruguai e foi a
questão que o neto do Jango tem levantado burguesia nacional? Porto Alegre justamente para que eu nascesse
do fato de ele ter sido assassinado. E se o É, porque se você for analisar, a burguesia brasileiro. E depois do nascimento eu tive que
Jango depois, o único presidente que nós nacional, hoje, não é diferente de toda a Améri- voltar para o Uruguai, nasci no ano de 1978, foi
temos que morreu no exílio, se ele recebeu ca Latina. A burguesia nacional, hoje, é associa- justamente o ano em que meu avô foi expulso do
honras de Estado. da ao imperialismo. Só que, se a burguesia aqui Uruguai. Naquele momento minha mãe e meu

"há um nacionalismo em vários partidos, talvez


seja a fração minoritária de cada um deles"
Não, só houve essas honras agora.. Hoje de São Paulo, a burguesia de Caracas, a burgue- pai foram para o Uruguai, ficaram lá numa fa-
não tenho dúvidas de afirmar que o presiden- sia de Maracaibo, a burguesia de Buenos Aires zenda da minha avó cuidando das terras. Mas a
te João Goulart foi assassinado por esse proces- é essa burguesia que é associada ao capital ex- gente passou os primeiros anos de vida no Uru-
so de cortes de cabeça das principais lideranças terno que vem nos infligindo tantas derrotas, guai, eu aprendi a falar em castelhano, aprendi
políticas de toda a América Latina pela pres- a gente não pode esquecer que houve inúme- a falar em espanhol, e claro que não por gosto,
são que surgiu, até dos próprios Estados Uni- ros projetos nacionais desenvolvimentistas que mas porque estava impedido, a família toda, de
dos a partir do presidente Jimmy Carter, que chegaram ao poder em toda a América Latina estar em solo brasileiro. E depois desse proces-
houvesse um processo de reabertura da Améri- e que foram derrotados. Como que a gente vai so houve o processo de reabertura, vem a reor-
ca Latina. Houve um acordo com as ditaduras esquecer do projeto nacional desenvolvimentis- ganização do PDT, primeira tentativa do PTB,
militares dos países da América Latina - Brasil, ta de Getúlio, como a gente vai esquecer do Pe- a carta de Lisboa, nesse processo a gente ain-
Chile, Argentina, Uruguai -, e nesse acordo fi- rón, na Argentina, como que a gente vai esque- da estava no Uruguai. É quando o meu avô re-
cou tratado que se cortariam cabeças, e eu te- cer do Bolívar lá atrás? torna e escolhe o Rio de Janeiro, nós voltamos
nho certeza que uma das cabeças cortadas foi a para Porto Alegre.
do presidente João Goulart. Olha, você tem ou- Hamilton Octavio de Souza: Deputado, neste
tros exemplos, inclusive dentro do Brasil, são momento quais lutas o PDT está apoiando? Gilberto felisberto Vasconcellos: Você tem outro
questionados, o próprio Juscelino, é questiona- No momento o PDT tem uma aliança estra- avô exilado...
do o assassinato do Letelier nos Estados Uni- tégica com o governo Lula. Nós temos o enten- Em 1961, o presidente Jânio Quadros re-
dos, o colaborador do presidente Allende, e a dimento que o governo Lula é um governo plu- nunciou, o vice-presidente João Goulart estava
morte de diversas lideranças do Movimento dos ral, é um governo de transição, que teve como na China retornando de uma viagem diplomá-
Montoneros na Argentina, dos Tupamaros no qualidade estancar o avanço do processo neo- tica, os golpistas se articularam para impedir a
Uruguai. Digo que a própria cabeça de Leonel liberal no país. Quando fomos para o governo posse do presidente João Goulart. Assume o po-
Brizola só não foi cortada porque ele foi avisa- Lula, o PDT firmou um compromisso público as- der uma junta militar. Nesse processo começa
do pelo governo do Uruguai que corria risco sinado pelo presidente da República, de que não toda aquela mobilização a partir do governo do
de vida e foi tomar asilo nos Estados Unidos, haveria reforma da Previdência e nem reforma Rio Grande do Sul, do destacamento da Briga-
pedindo inclusive para o próprio presidente na Legislação Trabalhista, que era a agenda da da Militar para guarnecer uma torre de rádio,
Jimmy Carter que concedesse esse asilo. hora, era agenda aqui da avenida Paulista, era e a partir daquela torre de rádio fazia a trans-
a agenda da Febraban, era a agenda do governo missão do atentado à democracia que estavam
Gilberto felisberto Vasconcellos: A
cabeça dela passado, inclusive tentou fazer a flexibilização fazendo. Naquele momento, essa junta militar
está sendo cortada depois de morto. Agora, das leis trabalhistas. E, nesse sentido, acho que manda que fosse bombardeado o Palácio de Pi-

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ratini, onde estava lá entrincheirado o Brizo- entender a grandeza do Leonel Brizola para o telo Novo, e que não devia em nada para o en-
la com toda a sua família, estava lá a mulher, povo brasileiro e começa a entender o que era sino da escola particular. Infelizmente, a gen-
os filhos do Brizola, com toda a população em- aquela demanda reprimida e que se expressava te sabe hoje que a escola pública está cada vez
barricada em volta do Palácio. Os membros da acima de tudo na eleição do Brizola em 82. Ti- pior, não consegue mais acompanhar as insti-
junta destacaram para a base aérea de Canoas nha uma frase que dizia: Tá com Brizola, ou tá tuições de ensino particulares, talvez seja mais
que decolassem os jatos e efetuassem o bombar- com medo? E era exatamente isso que resumia um dos movimentos de segregação dos pobres
deio. E ali naquela base aérea tinha um sargen- aquela eleição, o mártir da ditadura militar vol- e de reserva de mercado para os filhos da elite.
to, que não era brizolista, não era getulista, não tava para disputar uma eleição contra os seto- Eu continuei depois os meus estudos, fiz o se-
era trabalhista, um sargento que era naciona- res conservadores e reacionários. gundo grau em uma escola metodista lá no Rio
lista e que foi para as Forças Armadas e jurou de Janeiro e ingressei para fazer Direito, que eu
a Constituição. E na época, aquele sargento se Wagner Nabuco: Edaí, você estudava? não concluí, não concluí o curso de Direito, fal-
insurgiu contra os comandantes da base aérea, Eu tinha cinco anos de idade, eu era novo, tam dois anos ainda.
se insurgiu contra a trinca militar, e liderou os mas eu observava isso, e mais que isso, a gente
sargentos da base aérea e furou o pneu de todos chegou ali e você tinha aquela elite rancorosa Wagner Nabuco: Como que você entrou para
os caças, impedindo que decolassem para bom- da zona sul do Rio de Janeiro, com quem a gente o embate político? Esse é o seu primeiro
bardear o Palácio Piratini. Como consequência convivia. A gente chegou morando na zona sul mandato?
isso, ele foi o primeiro militar a ser expulso da e a gente sofria aquela oposição diária daquele De deputado federal. Eu tive um manda-
Aeronáutica, foi o primeiro militar a ser banido nicho conservador da zona sul carioca que não to de vereador, de 2004 a 2006, eu sai no
do país. Ele era piloto de avião. aceitava a chegada de alguém como Brizola. E meio do mandato para ser candidato a depu-
a gente vivia ali no meio daquela contradição. tado federal.
Gilberto felisberto Vasconcellos: Quem era
ele? Teve uma coisa que foi importante para mim e
O Daudt, capitão Daudt. Que vem a ser meu que abriu bastante a minha perspectiva de co- Renato Pompeu: Quantos votos você fez como
avô por parte de mãe. nhecer pessoas, de conhecer gente, que foi um vereador?
espaço democrático que é a praia, e o Rio de Ja- Como vereador eu fiz 24 mil e noventa e
Gilberto felisberto Vasconcellos: Brizola
Neto é neiro tem isso.. São Paulo, você chega aqui, a poucos votos e como deputado foram 62 mil e
fruto de um avô revolucionário da parte de pai gente vinha chegando de avião, você olha e tem 90 e poucos votos. Pelo Rio de Janeiro. Eu vivi
e da parte de mãe, o Daudt e o Brizola. uma ilha de prosperidade cercada por aquele essa realidade que eu estava falando, de inte-
E aí seguindo, houve o processo de reaber- mar de periferia. No Rio de Janeiro a coisa é gração, aos 16 anos eu começava a conhecer
tura quando ele decide voltar ao Rio de Janei- diferente, a coisa é entremeada, todos os bair- o que era a grandeza do Leonel Brizola para a
ro. A gente primeiro vai a Porto Alegre e perma- ros do Rio de Janeiro têm uma favela. Todos os população, e principalmente para a população
nece um ano em Porto Alegre, e vem para o Rio bairros da zona sul carioca você tem um mor- mais pobre do Rio de Janeiro. Era muito inte-
de Janeiro. O Brizola era uma coisa proibida ro que se coloca ali e deixa clara essa contradi- ressante, porque a gente era hostilizado nes-
no Brasil. Então havia uma demanda reprimida ção. E na praia era um espaço em que todos se ses ambientes de classe alta, como era na es-
enorme e, ao mesmo tempo, a família não sabia encontravam, os ricos, os pobres, ali eu conhe- cola particular; quando a gente subiu o morro,
como estava por aqui, como que era aqui depois ci a turma do Cantagalo, ali eu conheci de fato, a favela, era uma coisa interessantíssima, por-
de 20 anos de um nome ser colocado como sub- porque eu conhecia na teoria o que era o brizo- que eu chegava na casa das famílias, e as fa-
versivo, criminoso, mais de mil processos movi- lão, mas subi o morro e conheci o que era o bri- mílias tinham a foto do meu avô em casa e eu
dos na Justiça, demonizado exatamente, demo- zolão do morro do Cantagalo, que era um espa- falava: “Que é isso!” Entendeu, as pessoas me
nizado, essa é a palavra. E aí a grande surpresa ço de libertação daquela população, e mais do beijavam e diziam: “Deixa eu abraçar o neto
é chegar ao Rio de Janeiro e ver o Rio de Janei- isso, o reconhecimento que aquela população ti- do Brizola”. E eu ficava às vezes até assustado
ro tomado por uma sede brizolista, ver o Rio de nha daquele espaço, porque nunca nenhum go- com aquilo, eu não compreendia. E esse pro-
Janeiro que tinha 20 anos atrás eleito o Brizo- vernante tinha dado alguma coisa de qualidade cesso foi muito importante para a gente en-
la como deputado federal mais votado da his- e ali se botou uma escola da mais alta qualida- tender a grandeza de Leonel Brizola.
tória do Rio de Janeiro, até hoje proporcional- de. Eu comecei a ter a dimensão da importân-
mente. E ai quando a gente chega no Rio de cia do Brizola. Wagner Nabuco: Deputado, e a sua base de
Janeiro, eu estou falando a família, a gente en- votação reproduz um pouco a base de votação
contra o reconhecimento e ai a gente começa a Fernando Lavieri: E no colégio você sofreu de seu avô? Ou ela mudou e você tem hoje voto
discriminação por ser neto do Brizola? na zona sul?
Sofri bastante discriminação. Num primei- Tenho algum voto na zona sul, mas eu tenho
ro momento eu estudei em uma escola particu- uma votação muito espalhada. Eu não sou cam-
lar, e nessa escola particular o que havia era o peão de voto em nenhuma zona eleitoral, mas
pensamento da zona sul carioca, pensamento eu tenho voto em todas as zonas eleitorais. Não
elitista, aquela elite raivosa que não suporta- tem um único município no Estado do Rio de
va ver políticas públicas para pobres, que não Janeiro que eu não tenha sido votado. A gente
suportava ver políticas públicas para a favela. até entende um pouco essa lógica, a gente não
Em muitos momentos a gente chegou a ser es- trabalha a partir de currais eleitorais, a gente
tigmatizado sim, como se nunca pertencesse não trabalha a partir de assistencialismo. A gen-
àquilo ali, mas a gente nunca fez questão de te sabe que existe um legado, a gente sabe que
pertencer, pelo contrário, chegou um determi- existe um relicário que foi construído por esses
nado momento que o meu avô me disse: “olha, anos de luta, por essa biografia, por essa histó-
você tem que estudar em escola pública”. E foi ria, por essas realizações todas do Leonel Brizo-
para a escola pública que eu fui, escola pública la. As lutas de Leonel Brizola, desde a década de
que tinha na frente da minha casa, escola Cas- 50, são as mesmas lutas que nós temos hoje.

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Frei Betto Gershon Knispel

Reflexões
ESQUECERAM DE MIM sobre minha
ou O FRACASSO DO G-20 última viagem a Israel - 2

Meu nome é miséria. Comprometo, hoje, a vida de cerca de 1,5 Monumentos como marcos de contradições
bilhão de pessoas, sobretudo crianças desnutridas, vulneráveis à
morte precoce.
Tinha esperança de que na reunião em Londres, no início de abril, o
G-20, que reúne as 20 maiores economias do planeta, se lembrasse de
mim. Hoje, devido à indiferença dos que governam o mundo, ameaço a
maioria da população da África, cuja situação é agravada por cerca de

Foto: Gershon Knispel


25 milhões de pessoas contaminadas pelo HIV. Em menor proporção,
estou presente também na Ásia e na América Latina.
No Brasil, sou encontrada a olhos vistos no Vale do Jequitinhonha
(MG), na fronteira entre Alagoas e Pernambuco, no interior do Mara-
nhão e do Pará, nas tribos indígenas e entre a população quilombola. E,
de modo aberrante, nas favelas que circundam as grandes cidades.
Esperava que o G-20, frente à crise financeira mundial, fosse
destinar recursos para reduzir a minha incidência global. Segundo
as Metas do Milênio, da ONU, bastariam US$ 500 bilhões para erra- Na véspera da minha volta para o Brasil, um grupo de árabes da
dicar a fome crônica que, hoje, castiga 950 milhões de pessoas. ONG Mosawa Center, me entregou um livro em memória da chacina
Os governantes do G-20 sofrem de hiperopia, o contrário da mio- dos camponeses da Galiléia, a 30 de março de 1976. Num protesto con-
pia: enxergam muito mal de perto. Em vez de debaterem como li- tra a desapropriação de terras árabes, cadetes israelenses mataram a
vrar o mundo da minha presença, decidiram destinar US$ 1,1 tri- metralhadora seis adolescentes, com centenas de feridos.
lhão para “salvar o mercado”. Num encontro urgente de judeus israelenses, foi escolhida uma
O capitalismo neoliberal deu um tiro no próprio pé. Agora apela delegação para se reunir com Itzhak Rabin, então primeiro-minis-
aos cofres públicos para socorrer os “pobres” miliardários que cos- tro. Ele se recusou a fazer um inquérito oficial sobre a chacina. Res-
tumam transformar a injeção de recursos em bônus astronômicos pondemos que faríamos um monumento às vítimas, para um pro-
aos executivos de empresas sob risco de falência. testo que durasse toda a eternidade.
Que decepção o G-20! Pensei que daria fim aos paraísos fiscais. Em Rabin replicou: “Vocês fazem e nós desfazemos”. Eu e meu colega
vez de fechar o bordel, decidiu divulgar o nome de seus frequentado- árabe Abed Abdi, depois de quatro meses, erguemos o monumento den-
res. Vários países europeus são verdadeiros Édens para as finanças tro do cemitério muçulmano, na entrada de Sachnin. “Num lugar sa-
escusas: Suíça, Luxemburgo, Bélgica, Áustria, a City de Londres, etc. grado como o cemitério, os militares não vão ter coragem de entrar”.
Quem garante que esses feudos de riqueza ilícita (no mínimo, sone- Semanas depois da inauguração, ocorreu a cerimônia em home-
gadora de impostos em seus países de origem) vão mesmo quebrar o nagem aos soldados mortos de Israel, junto a um monumento de
sigilo bancário de seus clientes, como quer o G-20? minha autoria, inspirado pelo religioso Jeshayahu Leibovitz: “É
E por que entregar toda essa fortuna de US$ 1,1 trilhão ao FMI, muito triste homenagear qualquer soldado que morreu pela libe-
de triste memória? Todos sabemos tratar-se de uma instituição ração do Muro das Lamentações – eles se sacrificaram para nada.
atrelada à Casa Branca e à política exterior usamericana; mete o O Deus não se encontra entre as pedras do Muro”.
nariz nas finanças dos países que lhe tomam dinheiro emprestado; Esse monumento apresenta um soldado deitado, esmagado pe-
impõe medidas econômicas que favorecem privatizações, aumento las pedras enormes. Do outro lado, há uma mãe que perdeu o fi-
da desigualdade social, oligopolização de empresas e bancos, etc. lho na guerra, de joelhos, segurando os pés, também presos den-
Em suma: os contribuintes, ou seja, o povo, que mais paga im- tro das pedras. Em 1983, depois da Primeira Guerra do Líbano, na
postos, está compulsoriamente convocado a canalizar fortunas base preta do mármore, onde foram escritos os nomes dos mortos
para tentar aplacar a crise financeira dos donos do mundo. Estes e dos lugares em que perderam a vida, não havia lugar para os no-
temem que, sem crédito, os países emergentes deixem de comprar mes dos novos mortos. Planejei um muro de arrimo de mármore
produtos manufaturados das nações ricas. preto. Lá começaram a gravar os nomes adicionais.
Antes de pensar em contribuir com US$ 10 bilhões para a “va- Passei nestes dias lá perto e o novo muro já não tem também lu-
quinha” do FMI, o Brasil deveria curar-se da hiperopia e olhar um gar para novos nomes. Um velho se aproximou e me disse que já ti-
pouco mais para mim: com esse recurso eu seria progressivamente nha participado da inauguração do primeiro monumento, nos anos
erradicada e haveria aqui mais educação, menos violência urbana 1950: “Meu filho perdi na Guerra da Independência (1948), meu
e, portanto, mais qualificação profissional e menos desemprego. neto na Guerra dos Seis Dias (1967) e meu bisneto na Guerra do
Yom Kippur (1973). Quando vai terminar essa loucura?”
Frei Betto é escritor,
autor de “Calendário do Poder” (Rocco), entre outros livros. Gershon Knispel é artista plástico

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Daniela Moreau
Daniela Moreau é historiadora e fotógrafa. Desde 1995 realizou inúmeras viagens ao continente africano visi-

tando, entre outros países, Burkina Fasso, Mali, Tanzânia, Madagascar, Namíbia e Marrocos. Atualmente coor-

dena o programa “Casa das Áfricas” (www.casadasafricas.org.br), centro de informações, estudos e pesquisas.

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1 – Niamey, capital do Níger, 1995./ 2 - Mulher e crianças do grupo Zemba. Opuwo, Namíbia, 2006./ 3 – Estudantes em Windhoek, capital da Namíbia, 2006./
4 - Menino em passeata contra o abuso sexual de crianças. Maputo, Moçambique, 2002./ 5 – Mulher e criança Himba – uma sociedade pastoril do grupo Herero,
do sul de Angola e norte da Namíbia. Kunene, Namíbia, 2006./ 6- Alunas da escola de Aït Benhaddou vestidas para evento festivo, Marrocos, 2007./ 7 – Meninas

durante o festival de cinema africano (FESPACO), Uagadugu, capital de Burkina Fasso, 1995./ 8 - Passeata em subúrbio da Cidade do Cabo, lembrando os 30

anos do massacre de Soweto, ocorrido em 16 de junho de 1976. África do Sul, 2006.


entrevista Maria Rita Kehl

Ana Maria Straube, Camila Martins, Hamilton Octavio de


Souza, Luana Schabib, Tatiana Merlino | fotos Jesus Carlos.

“A depressão cresce
a nível epidêmico”
Em entrevista exclusiva para Caros Amigos, a psicanalista fala de seu novo livro, analisa as consequências
do ritmo frenético da vida contemporânea e aponta a depressão como sintoma social de uma
sociedade que cria o “sujeito esvaziado" Maria Rita Kehl conta a sua experiência como jornalista,
nos anos 70 e 80 e, mais recentemente, como psicanalista de homens e mulheres que integram o
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, na Escola Nacional Florestan Fernandes.
Tatiana Merlino: Qual sua origem, e como você o que é jornalismo, escreve trabalho de esco- Hamilton Octavio de Souza: O Jornal do Bairro?
entrou para a psicanálise? la”. E eles falavam: “Vai assistir tal filme”. Aí Não. Ele foi uma iniciação para eu aprender
Nasci na cidade de Campinas aqui do lado, me ensinaram o que é um abre de uma maté- a escrever, não era jornal de esquerda. Mas era
apesar de me considerar paulistana. Todos os ria, enfim, que não pode ter cara de trabalho muito legal, porque era um jornal muito engra-
filhos são de Campinas, mas fomos criados escolar. E eu virei jornalista free lancer, em se- çado. Ele era a capa, com artigos de política, e
aqui, passei a vida inteira no bairro de Pinhei- guida veio a lei que exigia registro. Foi muito a contracapa, com artigos de cultura, e o resto
ros. Estudei em uns colégios de freiras. Mi- formadora para mim a época dos jornais alter- eram anúncios. E todos os artigos eram escri-
nha mãe era religiosa, e depois fiz psicologia nativos, dos tablóides, foi o único lugar em que tos em 40 linhas. Em 40 linhas você aprende a
na USP em 71 a 75, no período mais fecha- eu pude ser contratada numa redação, porque pegar o fundamental, você não precisa entender
do da Universidade, com muita gente cassada. eles já estavam totalmente irregulares mesmo, do assunto, você junta umas idéias, faz um tex-
Então, muito insatisfeita com o curso, lá pelo então eles contratavam gente que era de mo- to razoável, agradável, põe uma abertura cha-
terceiro ano eu queria trabalhar, sair de casa. vimentos. Foram três anos, de 75 a 78 no má- mativa, um final retumbante e ponto. Quarenta
E bati na porta do Jornal do Bairro, cujo dire- ximo, mas foi muito marcante, muito forma- linhas é o meu forte, digamos assim.
tor era o Raduan Nassar, que ainda não era o dor, porque foi o período que eu pude alargar
grande escritor, e falei: “Eu quero escrever”. esse horizonte de uma faculdade de psicologia, Hamilton Octavio de Souza: Você colaborou com
Eu queria trabalhar em alguma coisa que não numa formação um pouco medíocre numa épo- aqueles jornais feministas da época?
fosse psicologia, que me parecia na época uma ca em que estava todo mundo com medo, mes- No Mulherio. Recebi a notícia que esse jor-
coisa muito xarope. E aí o editor, José Carlos mo porque eu nunca entrei para a luta arma- nal ia começar e eu era levemente atraída pela
Abbate, e o Raduan foram muito generosos, do da nem nada. Mas as coisas que me acontecem esquerda. Eu não tinha formação política: no
tipo: “Bom, você sabe escrever, mas não sabe hoje eu devo muito a esse período. começo, nas reuniões de pauta tinha que dis-

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farçar a minha ignorância. Como eu era dispo- vistas ao vivo, e as mulheres ligavam e a gente onde só tinha homem. Hoje em dia ninguém
nível, eles precisavam de gente que pudesse ga- dava respostas, era muito divertido. O progra- te olha se você é mulher ou não é porque está
nhar pouco e de gente que eles pudessem fazer ma acabou também. E eu abri consultório no dia tudo igual hoje. Só tinha homem, eu entrei e fa-
a cabeçam. Porque eles não podiam tentar, aí seguinte, uma menina da rádio me pediu tera- lei “não sou jornalista mas eu quero escrever”, e
na época era o Movimento era do PCdoB mes- pia, e no dia seguinte, sem nada, sem nenhum veio um cara legal me ensinar, entendeu? Como
mo, eu nem sabia o que era PCdoB. Eu sabia que preparo, eu estava fazendo o consultório. Foi em que isso iria acontecer se eu fosse rapaz?
era um jornal de oposição à ditadura e isso me 1981, desde lá eu sou psicanalista, nunca mais
interessou. Em um ano eu era editora de cultu- larguei. Aí foi fazendo cada vez mais sentido, até Tatiana Merlino: Como é que surgiu a idéia do
ra, mas você tem que ir na raça. Não tem quem hoje cada vez eu mais me espanto com isso. livro O Tempo e o Cão?
faça, você faz. Então, foi muito legal. Quando a gente está muito perto de uma es-
Ana Maria Straube: E sua tese de televisão já tinha crita, é difícil a gente ter claro o porque escre-
Camila Martins: E lá você foi também alguma coisa a ver com psicanálise? veu. Mas eu tive no meu consultório duas ocor-
desenvolvendo essa formação? Nada, nada. Claro que se você faz psicologia, rências de suicídio nos anos 80, quando eu era
É, e nunca não mais parou, porque isso é lê algumas coisas, você tem um pouco de aber- ainda novata. Interessante que nenhum dos
uma coisa que não para, não vou dizer que seja tura para entender com objetividade. A minha dois era deprimido, no sentido daquela pessoa
uma formação, é uma trajetória. Talvez eu te- tese era “O papel da Rede Globo e das novelas da que se suicida porque está no fundo do poço,
nha descoberto uma coisa que tinha mais a ver Globo em domesticar o Brasil durante a ditadu- era mais uma coisa persecutória, não era por de-
comigo e eu estava fora disso. Engraçado que ra militar”. Pegava desde a primeira novela, foi pressão. Mas eu fiquei com muito medo de tor-
depois de mim, os meus irmãos, a minha famí- de 73, as novelas das 8, desde Irmãos Coragem nar a atender pacientes muito deprimidos, que
lia é razoavelmente de esquerda.. Meu pai não até na época, que era Dancing Days, mostrando vinham já dizendo que eram deprimidos. Eu
era, mas ele morreu dizendo: “Na próxima elei- como se criou um retrato, uma imagem do Bra- precisei de muito tempo para entender o que
ção, eu vou votar no Lula”. Ele morreu em 2000. sil para si mesmo. A brincadeira na época era as- eu tinha não escutado. Um não deu nem tempo,
Uma família um pouco inconvencional, sempre sim: a única coisa que os militares conseguiram porque ele fez pouquíssimas sessões e foi demi-
foi um pouco gauche. Então o esquerdismo caiu modernizar durante 20 anos de ditadura foi a tido, pior da demissão é que ele perderia o se-
bem, para todo mundo quando a gente come- imagem televisiva que o Brasil apresentava para guro que dava direito de continuar a psicanáli-
çou a se abrir, para todo mundo fez sentido. En- o próprio Brasil, que é o que o Brasil acreditou. se, é claro que eu continuaria atendendo, mas
tão, eu fiquei uns sete anos só como jornalista. E a minha tese era mais ou menos isso. ele ficou muito desesperado, ele tinha feito sei
Teve um momento que eu fiquei um pouco in- lá, um mês. Mas o outro era meu paciente de al-
satisfeita. Fui virando free lancer para poder so- Camila Martins: Você viveu essa questão da guns anos, tinha interrompido, e nessa inter-
breviver. Folha, Veja, Isto É. Mas eu cobria vá- mulher nos anos 70, da luta feminina? rupção se suicidou. Então, eu fiquei muito cul-
rias coisas da área de cultura. E senti que eu não Olha, eu fui muito pouco feminista. Eu falo pada, como todo analista fica. Não dá para dizer
sabia nada com muita consistência. Aí fui fazer isso até com um pouco de sentimento de cul- que a culpa é toda sua e não dá para dizer tam-
um mestrado uns quatro anos depois de forma- pa de não ter prestado atenção em uma coisa bém que você não tem nada a ver com isso. En-
da e sobre televisão, pois, por causa da minha importante. Por exemplo, a minha contempo- tão, eu ia encaminhando as pessoas deprimidas
prática em jornalismo cultural, falei:”Ninguém rânea na USP, era Raquel Moreno que é uma que sempre chegam. De uns anos para cá eu
está percebendo o que a televisão está fazendo feminista importante, militante desde o come- fui amadurecendo, e comecei a atender pessoas
no Brasil”. Na época, a única pessoa que escre- ço. Eu achava aquilo uma chatice, eu não que- deprimidas e comecei a ficar interessadíssima
via sobre televisão era a Helena Silveira, que co- ria ir naquelas coisas, eu achava que eu não era no fato de como elas eram sensíveis à análise,
mentava as novelas, falava dos figurinos. E só oprimida, que eu me virava muito bem, que eu como tinham permeabilidade maior ao incons-
depois que fiz a tese é que eu fui perceber que não tinha esse problema. Talvez porque eu es- ciente que no neurótico, que, vamos dizer, está
podia ser psicanalista.Na verdade, é uma coisa tivesse achando a minha vida com os homens bem defendido, que vai para a análise também,
ruim de contar hoje porque não é uma coisa que muito divertida. Depois que eu tive filho é que, mas é um custo para abrir uma brecha. Então
os psicanalistas respeitam. Mas foi no trambo- embora fosse tudo muito libertário, quem car- primeiro isso, eu comecei a escutar os depressi-
lhão, tinha meu filho pequeno; o pai do meu fi- regou o piano sozinha fui eu. Aí eu falei: “Opa! vos e comecei a falar “há uma riqueza de saber,
lho morava em uma comunidade, eu morava em Negócio de feminismo, pelo menos para a mu- tem uma coisa muito interessante, que eu gosta-
outra. Eu já morava há um bom tempo. Era uma lher que tem filho faz sentido. Não dá para di-
casa que caiu, uma casa genial, daquelas anti- zer que eu estou livre disso não”. E eu, não sei,
gas na rua Matheus Grou, que você entra e tem não me acho uma feminista de bandeira, por-
um porão aqui, e sobe uma escada, tem um cor- que pelo menos na minha geração tinha uma
redor, a cozinha é lá no fundo, o banheiro é de- bandeira feminista que até hoje eu não embar-
pois da cozinha. Morei em várias comunidades, co, que é “mulher e homem é igual”. Eu acho
mas essa foi a mais marcante, tinham uns refu- que isso criou um ambiente meio belicoso, não
giados que vinham morar com a gente, era uma que eu não brigue com os homens, mas brigar
delícia, meu filho nasceu aí. Eu saía e deixava o assim por mesquinharia: eu lavei dez pratos
pessoal tomando conta, era muito legal. Então, você tem que lavar dez, não posso lavar onze
eu tive uma bolsa da Fapesp, que era muito bom e você lavar nove. Eu morava em comunidade.
porque eu podia fazer a minha tese e ficar bas- Cada um tinha um dia para fazer supermerca-
tante com o Luan, meu filho. E no mesmo ano a do, para lavar, e claro que a gente brigava por-
comunidade terminou, cada um foi morar numa que sempre tinha um cara que folgava. No jor-
casinha. A bolsa terminou, e eu tinha que fazer nalismo, por exemplo, olha como as coisas são
alguma coisa, com filho para sustentar. Tive um contraditórias, na época, por eu ser mulher eu
trabalho rapidinho na Rádio Mulher, me chama- acho que eu tive uma chance que se eu fosse
ram para fazer um programa que eram entre- um rapaz eu não teria, de entrar numa redação,

maio 2009 caros amigos


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ria de um dia poder escrever”. E depois teve esse vessou a estrada mancando e sumiu no mato te acredita, deveria ser uma sociedade menos
incidente, que está escrito também na introdu- e desaconteceu. E esse acontecimento teria de- depressiva. Dos anos 60 para cá nós somos mais
ção do livro, que foi justamente, a caminho da sacontecido, eu não sofri nada, se eu não ficas- livres, nós podemos fazer mais sexo, nós pode-
Escola Nacional Florestan Fernandes, do MST, se tão chocada com o que a velocidade faz com mos desfrutar do corpo e da saúde de uma ma-
onde eu atendo pacientes, no livro eu não pus os acontecimentos da vida. Não só pelo cachor- neira privilegiada. Tem mais opções de lazer e
isso, e na Dutra que é uma estrada pesada, eu ro, o atropelamento é mais uma metáfora, por- de festas, encontrar sua tribo para não ficar ne-
atropelei um cachorro. E essa cena, não vou di- que atravessou a outra pista mancando e não cessariamente submetido a um padrão só de
zer que foi traumática, mas exigiu reflexão, por- morreu. Eu comecei a me dar conta de quantos comportamento. E tem um avanço enorme no
que foi uma coisa muito rara. O cachorro esta- acontecimentos na minha vida, nessa velocida- desenvolvimento de antidepressivos, então essa
va na beira da estrada, tinha movimento e ele de, não aconteceram, viraram desacontecimen- sociedade não deveria ser mais deprimida, a não
começou a atravessar como se estivesse em um tos. Quando cheguei na escola, fui olhar o pa- ser os casos patológicos raros de porque um dia
campo. Cachorro de beira de estrada deveria es- rachoque, e tinha uma sujeirinha, talvez o pêlo o pai estuprou a irmã na frente dele, essas coisa
tar acostumado, não é que ele tentou e veio um dele. E tinha um ligeiro amassadinho. Aí entra mais horrorosas. Não deveria ter mais depressi-
carro rápido e ele não viu. Ele começou a atra- a associação. Eu estava lendo Walter Benjamin, vos. E os dados da Organização Mundial da Saú-
vessar e eu vi que ele estava atravessando, eu vi por causa de um grupo de estudos, estava len- de são de que a depressão cresce a nível epidê-
que ele ia ser atropelado, mas eu não podia des- do o texto dele sobre experiência. Ele faz uma mico nos países industrializados e que em 2020,
viar, porque tinha um carro do lado, e eu não po- articulação entre a perda da experiência e a ve- se eu não me engano, será a segunda maior cau-
dia frear, você não pode frear na via Dutra. Eu locidade da vida moderna. E eu falei “a depres- sa de comorbidade, não de morte diretamente,
ia morrer, enfim, não podia frear. Então eu tive são está aqui”, porque Walter Benjamin chama mas de comorbidade do mundo ocidental. En-
essa enorme agonia de perceber que eu estava isso de melancolia, não é também que eu inven- tão, é o sintoma social, está mostrando que esse
em uma velocidade irreversível e que eu ia ma- tei isso, então são duas coisas diferentes que se negócio não funciona.

“ A SOCiedade em termos dos discursos nos quais a


gente acredita deveria ser menos depressiva"
tar um animal, um ser. Passar por cima. E eu juntaram. A depressão como o começo de uma Tatiana Merlino: Então o aumento do mercado
consegui desviar muito pouco, diminuí a veloci- experiência no consultório que me interessou de antidepressivos não resulta numa
dade muito pouco, de modo que eu só peguei ele muito, e a depressão como um sintoma social, diminuição dos casos de depressão?
com a roda, eu consegui não passar por cima, eu quer dizer, algo que se alastra, sintoma social O antidepressivo, embora seja em muitos ca-
dei um tempinho para ele. E o que foi mais cho- no sentido de um tipo de sofrimento mental que sos importante, vital até, não quero aqui falar
cante, foi que, quando eu tentei ver o que acon- além de dizer respeito ao sujeito, a cada um por contra os avanços da indústria farmacêutica,
teceu com ele, eu olhei e ele já virou uma figu- si que está sofrendo, cada um com suas razões, embora o antidepressivo às vezes salve vidas,
ra no retrovisor, eu só percebi que ele estava revela alguma coisa que não vai bem. Não se deva ser tomado por pessoas que correm risco
uivando de dor porque eu vi o uivo dele no es- poderia dizer que é o sintoma social do homem até de se matar ou então de morrer por não di-
pelho, porque eu já não ouvia mais e ele atra- contemporâneo, porque drogadição também é zer, não consegue nem ir a um consultório de
um sintoma, violência também é um sintoma. analista. O antidepressivo não cura, ele ajuda o
Mas certamente depressão é um dos importan- depressivo a ter energia e ânimo para fazer al-
tes sintomas. Porque, digamos, ele faz água no gumas coisas e aí ele tem que se tratar.
barco. Tem um barco, que é a sociedade de con-
sumo, que as pessoas supostamente navegam, Camila Martins:: Você diz então que a depressão
às vezes achando que a vida vai ter sentido por- faz parte da sociedade contemporânea. Mas é
que você pode ter dinheiro e comprar não sei o muito comum a gente escutar: “o quê, a menina
quê. Todo mundo fala: “Que sociedade de consu- está com depressão? Parece que não trabalha,
mo? Brasil? Menos de 1/3 pode consumir o bá- que não estuda, só quem é desocupado é que
sico”. E eu insisto que essa sociedade é de con- tem tempo de ter depressão”.
sumo, nos termos mesmo dos autores, do Jean Luana schabib: Ao mesmo tempo tem gente que
Baudrillard, aliado à idéia de Guy Débord da so- qualquer coisa fala: “Puxa, tô deprimido”.
ciedade do espetáculo, porque o que dá sentido Exatamente, tem os dois lados. Tem o lado
à vida é o consumo. A questão não é a socieda- talvez mais conservador, e principalmente com
de de consumo porque todo mundo está con- os jovens, “isso é frescura, vai trabalhar”. Mas
sumindo furiosamente, pouca gente está consu- eu acho que o lado que a Luana falou, hoje é pre-
mindo furiosamente, mas as pessoas medem o dominante, porque qual é a estratégia dos labo-
que elas são pelo que elas podem consumir, me- ratórios? Às vezes eu brinco e falo assim: “quem
dem o sentido da sua vida pelo que elas podem vai salvar o capitalismo da crise é a indústria
consumir. Estão convencidas de que o valor de- farmacêutica, porque quanto mais crise mais
las e das outras se define pelo que elas podem remédios eles vão vender”. Entendeu? Qual é a
consumir. Por isso sociedade de consumo, pela estratégia dos laboratórios farmacêuticos? Não
crença, não necessariamente pelos atos. é mais somente divulgar os remédios. Saiu o
Então voltando ao por que a depressão que Prozac, na época foi divulgadíssimo, foi o pri-
é sintoma social. Porque a sociedade, em ter- meiro grande antidepressivo genérico que as
mos dos discursos dominantes nos quais a gen- pessoas tomavam. Hoje tem muita gente da ge-

caros amigos maio 2009


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ração 20 anos do Prozac que vem para o consul- Hamilton Octavio de Souza: O modelo atual coloca
tório dizendo: “tomei um tempão, foi ótimo, fi- que você não tem emprego porque você não
quei muito alegre. Depois fiquei simplesmente se preparou, você que não é capaz, o problema
indiferente e agora não aguento mais não sen- não é do sistema, o problema é teu.
tir nada. E vou fazer análise”. Mas enfim hoje a Isso começou a ficar mais claro para mim
principal estratégia de marketing é divulgar a quando eu comecei a atender os pacientes no
doença. Que por um lado poderia ser um tra- MST, na Escola Nacional Florestan Fernandes,
balho importante de saúde pública, dizer para onde eu fui uma vez fazer uma conferência em
as pessoas como é que é a Aids, cuidado, se pre- 2006, eu fui falar de televisão, justamente o que
vina. Agora, nas doenças mentais a populariza- foi a minha tese. E eles me perguntavam de psi-
ção da doença ajuda você a se identificar com canálise, assim na aula. E eu dizia: “olha, dá para
ela. Que se você faz uma campanha contra o ter atendimento aqui”. Mas ninguém me procu-
câncer de mama, tudo bem, todas as mulheres rava para isso, eu já tinha oferecido. E um dia
podem falar: “ai meu Deus do céu, será se eu te- me perguntaram de novo como que a psicaná-
nho isso?”. Ai você vai ao médico e faz uma ma- lise podia ajudar a militância e eu falei: “olha, a
mografia e se tem, tem, se não tem, não tem. psicanálise não é uma teoria militante. Pela psi-
Não dá para você achar que você tem só porque canálise eu creio que não vai sair nenhuma mi-
houve uma divulgação maior, preventiva. Ago- Mas o remédio não é a cura, é só a condição litância psicanalítica”. Mas, aí eu brinquei com
ra, na depressão, todos os ambulatórios no Bra- para a pessoa ir se tratar. Então, o que é a for- eles: “tem muito neurótico militando, e os neu-
sil têm esse folhetinho: “Você tem depressão? ça psíquica, a chamada vida interior? É trabalho róticos atrapalham a militância, misturam seus
Atenção, é uma doença séria mas tem cura”. Aí permanente, desde o bebezinho ali que a mãe problemas pessoais com os problemas da mili-
se você tem alguns sintomas, ai tem uma lista não chegou na hora e ele estava com fome e teve tância, o que embola o meio de campo. Então o
de 20 sintomas que qualquer um de nós tem al- que esperar um pouquinho, o psiquismo é isso, que a psicanálise pode fazer é tratar as pessoas,
guns deles. Falta de sono, excesso de sono, fal- trabalho para se enfrentar a dificuldade, enfren- e se ajudar a militância, o cara fica menos lou-
ta de fome, excesso de fome, desânimo, irritabi- tar conflitos, suportar crises, suportar despra- co e daí milita melhor”. Eu saí da sala e tinham
lidade, bom, em São Paulo quem é que não tem zer em momentos, porque não dá para ter pra- duas pessoas da direção me esperando: “quan-
irritabilidade, estresse, vai por aí. O importan- zer o tempo todo, isso é psiquismo. A ansiedade do é que você pode começar?”.
te é que no caso das depressões, numa socieda- diz “não enfrenta conflitos, não enfrenta porque
de em que a moral social é a moral da alegria, você vai ficar um tempo meio confuso, meio im- Ana Maria Straube: Interessante, porque a
do gozo, da farra, não é a moral até a primeira produtivo, toma o remédio e vai em frente”. Vai psicanálise parte de uma perspectiva mais
fase do capitalismo, que até os anos 1950, e isso se criando uma vida sem sentido. individual. E no MST acho que tem uma coisa,
combinou também com o protestantismo, era a Como é estar realmente deprimido? Porque de buscar soluções coletivas para as coisas.
moral do adiamento da gratificação, sacrifício, tem alguns casos de depressão que são diferen- Então, isso é genial, porque eu achava que
esforço, sobriedade, tudo que a gente conhece tes do que eram os casos de depressão da minha alienação neurótica era uma coisa, e aliena-
hoje em dia de literatura. E a moral que mudou bisavó ou do meu tataravô. Hoje uma pessoa ção política é outra, e uma não interfere na ou-
muito rapidamente depois dos anos 60, não por deprimida, além dela sentir todo o sofrimen- tra. Reformulei o que eu pensava. Uma parte
culpa dos movimentos dos anos 60, mas pela to da depressão, a sensação de vazio, de que a da alienação neurótica é alienação política, por-
tremenda plasticidade do capitalismo, do boi eu vida não vale a pena, de que ele mesmo, ou ela que lá o cara, as pessoas que vão lá sofrem pe-
aproveito até o berro, do homem eu aproveito mesma, não vale nada, de que o tempo não pas- los motivos que os neuróticos sofrem, não in-
até o berro, derramo o que não queremos, o que sa, que os dias estão estagnados e insuporta- teressa nem contar detalhes, porque é contar
queremos é sexo livre, independência. E o siste- velmente lentos, enfim, falta de vontade de vi- o detalhe de qualquer outra clínica, mas qual é
ma fala “oba, vamos devolver isso na forma de ver basicamente, tudo isso que já é sofrimento o grande diferencial? Esse a mais de culpa, de
mercadoria”. E hoje nós nos beneficiamos, mas suficiente para um depressivo, hoje recebe um baixa estima, do indivíduo que se acha ele pró-
também a sociedade de consumo bombou de- acréscimo da culpa de se estar deprimido. Ai faz prio obrigado a dar conta da vida dele e de pas-
pois dos anos 60. Então, numa sociedade como parte do que você falou, não é só que eu estou sar na frente de todo mundo, ele já tem, nos
essa em que você moralmente se sente obriga- passando por tudo isso e tudo isso é uma dure- 25 anos do MST, uma formação que não é só
do a estar sempre muito bem, qualquer triste- za e eu preciso de uma ajuda. Eu estou passan- política, não é só cartilha, é formação humana,
za você identifica como depressão. Então tem do por tudo isso, então eu sou pior do que os isso é que me impressiona. É consistente, você
aí muitas dessas famílias que dizem que isso é outros. Eu já me sinto ruim porque estou depri- ouve um paciente três anos seguidos, e você
frescura, que não é depressão, mas eu acho que mido, e agora estou me sentindo ruim porque fala: “não é só cartilha”. É formação humana,
é minoria. A maioria é assim: o filho está male- eu sou quase que culpado, é quase como se fosse eles distinguem o que é o problema deles, do
ducado, toma remédio, porque é hiperativida- um fora da lei. Hoje um deprimido se sente cul- que é a sua situação de classe, claro que não es-
de, toma remédio; o filho está numa crise ado- pado por não querer ir para as festas. Na ado- tou falando de pessoas superdotadas, mas eles
lescente, deprimido, toma remédio. É a mesma lescência isso é tremendo, os adolescentes, que distinguem. As mulheres, eu nunca vi um femi-
lógica, digamos assim, imaginária que rege o é a idade de ouro na sociedade de consumo, os nismo tão profundo, mais verdadeiro do que eu
capitalismo financeiro: jogue certo que você vai adolescentes são o outdoor da sociedade de con- vi nas mulheres do MST, porque não é feminis-
estar rico a vida inteira, acabaram os seus pro- sumo, eles aparecem como nossos representan- mo anti-homem, não é feminismo masculiniza-
blemas, acumule um monte, faça a jogada, e não tes, já que são mais livres, não têm filhos, teo- do, é uma coisa tão profundamente libertária,
é para ter turbulência, que as turbulências são ricamente os de classe média são sustentados, elas são cientes de que elas têm o valor delas
deficiências, perdas de tempo, porque tempo é não têm que trabalhar, eles são os mais convi- como mulher, que elas não vão atrelar a vida de-
dinheiro; afinal de contas, então, remédio, re- dados para essa festa perpétua que não existe, las, de estilo de militância, a um homem, a não
médio. E qual a relação disso com a depressão? mas que aparece no horizonte social. O adoles- ser que o caminho coincida, é muito impressio-
Você vai criando um sujeito esvaziado. cente em crise hoje, ele se sente o último. nante. Porque o que mais tem na clínica psica-

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nalítica das cidades? Qual é a questão mais ba- Me perguntou se eu ia para alguma coisa gran- bebe, e no dia seguinte está todo mundo traba-
nal? Não estou banalizando os meus clientes, de lá e eu falei: “Não, eu aqui sou peixe peque- lhando às oito. Aguenta a sua ressaca. Mas não
estou falando que tem uma questão que é ba- no”. E ele falou: “não existe peixe pequeno”. E é repressivo nesse sentido, por outro lado, ti-
nal: me ama ou não me ama, papai gostou de eu falei: “Não, eu quero dizer que o que eu faço nha barraca de bebidas, teve uma cerimônia de
mim, mamãe não gostou de mim, um gostou aqui é secundário”. “Não existe tarefa secun- premiação longuíssima, porque tudo lá é ceri-
muito, outro gostou menos, eu era o predileto, dária”. Ele foi me interpretando. “Companhei- monial, cerimônia longuíssima, e pediram para
meu irmão que era predileto, gostava de mim, ra, ou somos iguais ou não somos iguais. Se so- a barraca de bebida não vender bebida duran-
não gostava de mim, meu namorado gosta ou mos iguais, você pode trabalhar lá nas privadas te a premiação, para não misturar uma coisa
não gosta, ai não tenho um homem então sou que o seu trabalho é tão importante quanto de com a outra, daí sim. E pediram para os parti-
uma porcaria porque não tenho homem, ah não um dirigente”. Claro que isso não é tão perfei- cipantes que não estavam dentro do auditório
tenho mulher. Isso aí eu nunca ouvi lá, em três tinho assim, porque tem aqueles que se acham não começarem a comer o lanche que já esta-
anos e pouco já. O valor do sujeito não está atre- o máximo, principalmente os escalões interme- va servido. E uma hora eu, ingenuamente, sai
lado a se o outro gosta dele ou não, é muito im- diários, o Stedile não. Claro que tem gente que do auditório, estava morrendo de fome, eram
pressionante, o valor está ligado à militância. gosta do poder, bom isso é do humano, mas o 10 da noite já, o almoço tinha sido ao meio-dia,
E ao mesmo tempo não está ligado à militân- que o rapaz falou bate e pronto, e isso é muito passei na barraca e peguei um negocinho, na
cia, é claro que alguns sofrem de uma coisa as- profundo. Na festa de Sarandi, eu fiquei mui- barraca não, nas mesas, quando eu olhei esta-
sim “eu sou herói mais do que todo mundo”, to impressionada, porque foi uma festa enorme, va todo mundo olhando parado. Aí fui na bar-
mas também tem essa idéia de que o que você tinha duas mil e quinhentas pessoas, três mil, raca de cerveja, e pedi uma água, e os meninos
é, você é coletivamente. E é fácil dizer isso por barbaridade assim. Nada terceirizado, eviden- falaram: “É, a gente agora só vende água”. E eu
quê, não preciso nem contar dos meus pacien- temente, não tinha uma companhia que ofere- falei: “Por quê, acabou a cerveja?” “Não, pedi-
tes, eu posso contar por exemplo de um rapaz cia churrasquinhos, tudo era feito por eles, e to- ram para não beber cerveja enquanto está a ce-
com quem eu conversei quinze minutos na por- dos faziam tudinho, as brigadas são fantásticas, rimônia”. Então tem um comprometimento de
ta, eu estava na porta do consultório esperando mas o que aquilo funcionou era impressionan- todos com o bom funcionamento da coisa. Com
um paciente que estava atrasado e tinha um ra- te. E daí você pensa: “não, então eles são uma evidentes exceções, uma pessoa teve o celular
paz, que eu nunca tinha visto, sei lá, é que tem coisa militar?” Porque quando eu conto para al- roubado, paraíso não existe, mas pensando no
muitos cursos, então uns ficam uma semana, gumas pessoas que têm a perspectiva da socie- funcionamento coletivo, em que as pessoas, a
alguns ficam um mês, tinha um rapaz paraiba- dade do oba-oba, dizem – então é militar? Não. sensação de confiar, confiar eu não estou falan-
no que puxou conversa comigo, queria saber Aí tem o baile no fim do dia que é para acabar à do confiar no marido, no irmão, acho que quan-
quem eu era, comecei a contar, e ai ele me dis- meia-noite, porque no dia seguinte a coisa co- do você está entre estranhos confiar é uma coi-
se: “Ah! Então você vai na reunião da direção?” meça cedo, e acaba ás três da manhã e o pessoal sa muito boa.

Fidel Castro Ruz

Do bloqueio não se disse uma só palavra

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Nossos doentes não têm acesso a numerosos e sua vontade de mudar a política e a imagem
equipamentos de diagnóstico e medicamentos dos Estados Unidos. Compreende que travou
vitais, embora provenham da Europa, do Japão, uma batalha muito difícil para conseguir ser
ou de outro país, se possuem alguns componen- eleito, apesar de preconceitos centenários.
tes ou programas dos Estados Unidos. Partindo disso, o presidente do Conselho de
Em virtude da extraterritorialidade, as Estado de Cuba expressou sua disposição para
restrições relacionadas com Cuba devem ser dialogar com Obama e, com base no mais estri-
aplicadas pelas empresas dos Estados Uni- to respeito à soberania, normalizar as relações
O governo dos Estados Unidos, através dos que produzem bens ou prestam serviços com os Estados Unidos.
da CNN, anunciou que serão aliviadas algu- em qualquer parte do mundo. Um influen- Cuba não aplaude as mal chamadas Cú-
mas odiosas restrições impostas por Bush aos te senador republicano, Richard Lugar, al- pulas das Américas, onde nossos países não
cubanos residentes nos Estados Unidos para guns mais de seu partido com igual título discutem em pé de igualdade. Se servissem
visitar suas famílias em Cuba. Quando se in- no Congresso, e mais outro número de im- para alguma coisa, seria para fazer análises
ilustração hke... www.subis.blogspot.com

dagou se tais prerrogativas reconheciam ou- portantes senadores democratas são a favor críticas de políticas que dividem nossos po-
tros cidadãos norte-americanos, a resposta do fim do bloqueio. Foram criadas as condi- vos, saqueiam nossos recursos e obstaculi-
foi que não estavam autorizados. ções para que Obama empregue seu talento zam nosso desenvolvimento.
Do bloqueio, que é a mais cruel das me- numa política construtiva que acabe com o Agora falta apenas Obama persuadir to-
didas, não se disse uma só palavra. Dessa que fracassou durante quase meio século. dos os presidentes latino-americanos de que
maneira piedosa é chamado o que constitui Por outro lado, nosso país, que resistiu e o bloqueio é inofensivo.
uma medida genocida. O prejuízo não é me- está disposto a resistir a tudo o que for neces- Cuba resistiu e resistirá. Não estenderá
dido só por seus efeitos econômicos. Custa sário, não culpa Obama das atrocidades come- jamais suas mãos para pedir esmolas.
constantemente vidas humanas e ocasiona tidas por outros governos dos Estados Uni-
sofrimentos dolorosos a nossos cidadãos. dos. Também não questiona sua sinceridade Fidel Castro Ruz

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Mc Leonardo Ulisses Tavares Guilherme Scalzilli

“Sou e sempre Casamento Exterminadores


serei favela” é um negócio de times

No inicio do mês de abril, o jogador Adria- Você dorme comigo, mas pode acordar com Parte da crônica esportiva decidiu que
no da Inter de Milão não voltou à Itália no prazo uma pensão de ex-marido. os campeonatos estaduais de futebol che-
previsto, dando um susto em seus empresários Pode desejar outro homem desde que ele garam a um nível irremediável de indigên-
e servindo de manchete para os jornais mais seja eu. cia e previsibilidade, devendo ser extintos
vendidos do mundo. O príncipe encantado era um sapo. Ago- e substituídos por disputas mais amplas.
Acabado o mistério, descobriu-se que ele ha- ra lava os pratos e vem dormir, comedor de Não surpreende que a medida seja defen-
via passado as últimas 48 horas em uma favela mosca. dida majoritariamente pela imprensa das
da zona norte do Rio, onde nasceu e foi criado. Sua boceta não é novidade. capitais: apenas os clubes poderosos co-
A mídia então se preocupou com outra coisa: Meu pau não é novidade. nheceriam benefícios, enquanto os interio-
o que ele teria ido fazer neste lugar? Você é aquele pacote morno que dorme à mi- ranos cairiam no ostracismo das divisões
A desconfiança de que ele tenha ido buscar nha direita. inferiores.
drogas é tão ridícula quanto a de que ele tenha O lado esquerdo é meu e pronto. É universalmente sabido que isso leva-
ido falar com traficantes, pois com o dinheiro Concordo em discutir a relação, mas você ria, em pouco tempo, à extinção de dezenas
que ele tem se consegue droga em qualquer can- chama isto de relação? de times sem recursos. As cidades menores
to deste planeta. E se foi falar com o responsá- Absolutamente não é possível discutirmos a sofreriam consequências negativas para o
vel pela venda do varejo da droga naquela loca- relação na disputa final do campeonato. comércio e o emprego, perdendo ainda mais
lidade, não levaria 48 horas. Os filhos de seu casamento anterior foram sua tão menosprezada identidade regional.
Sinceramente, qual é problema de uma pes- falta de planejamento familiar. Agora, se vira. Ao mesmo tempo, os clubes ricos ganhariam
soa visitar o lugar onde morou e onde mora a Meus filhos são ótimos, quem não presta é fortunas absorvendo diretamente os talen-
maioria dos seus verdadeiros amigos? minha ex-mulher. Pior que errei de novo, arru- tos originados nos rincões. Para dimensio-
Mas entre tanta besteira que foi falada na mí- mando você. nar os valores envolvidos, basta fazer um le-
dia sobre esse caso, separei um que me chamou É entediante esse seu hábito de ir sempre vantamento dos jogadores mais badalados
mais atenção. ao banheiro, de defecar e tomar banho para dar do país que foram revelados por times de
O apresentador Brito Jr., da TV Record, fa- uma simples rapidinha. menor expressão.
lou o seguinte: Vejo você de calcinha e nem penso em tirar. Mas apenas o aspecto financeiro não ex-
“Muitos artistas que nascem nessas localida- Essa plástica ficou ótima, mas só quando plica o apego à proposta malévola. A indisfar-
des, que na verdade são caldeirões de pobreza e você está vestida. Pelada, a cicatriz salta aos çável decadência técnica do futebol nacional
violência, não conseguem conviver com o cho- olhos. nivelou os times negativamente, ameaçando
que cultural que têm fora dela, saem do caldei- Não é que eu não goste de sexo oral, mas a primazia dos chamados “grandes”. Se um
rão, mas o caldeirão não sai de dentro deles”. com esse corrimento e minha afta na língua rebaixamento no campeonato brasileiro soa-
Esse “caldeirão” citado pelo apresentador é, está difícil. lhes constrangedor, semelhante fracasso em
na verdade, a favela. E os artistas que nascem Xeretou meu perfil no orkut de novo? nível estadual pareceria desmoralizante, aba-
na favela são favelados, não vão deixar de ser Daqui a pouco vai querer me instalar um lando certas ilusões de “grandeza” que a im-
por terem ficados ricos e famosos. gps, né? prensa alimenta para valorizar-se a reboque
Pobreza não tem só na favela, violência tam- Estava me masturbando no banheiro, sim, de seus preferidos.
bém não, mas posso garantir pra esse apresen- mas pensando em você. É essa mitologia da superioridade ima-
tador que na favela tem muito mais diversidade Bom dia por quê? nente que disfarça a cadeia de artimanhas vi-
cultural do que em qualquer outro lugar. Boa noite pra quem? ciadas dos gabinetes futebolísticos. O poder
Tem-se muito mais contato físico, muito mais Nunca tinha reparado que você comia de dos clubes privilegiados advém de uma po-
informação e vivência do problema do próximo, boca aberta. pularidade construída com títulos que foram
que gera outro tipo de convivência humana que Antes, meu bem pra cá, meu bem pra lá. Ago- possíveis graças à generosidade dos contra-
pessoas da outra classe social desconhecem. ra, meus bens pra cá, meus bens pra lá. tos publicitários e de transmissão televisiva,
A definição dada à favela pelo apresentador Por que não ficou com ele? além dos infames sistemas de repasses desi-
só faz aumentar a visão preconceituosa sobre a Por que não fiquei com ela? guais de verbas por parte da CBF. Para com-
favela e aumentar a distância entre as classes Vou explicar nada. Você não entenderia. pletar o cartel, resta apenas eliminar a inde-
no Brasil. Tenho sonhos, mas troco por sono que ama- sejável concorrência.
nhã é dia de batente.
MC Leonardo é compositor, autor, com seu ir- Também te amo, querida. Guilherme Scalzilli, historiador e escritor.
mão MC Junior, de funks de protes-to, como o Autor do romance “Crisálida” (editora Casa
Rap das Armas. mcleonardo@carosamigos.com. Ulisses Tavares acha que casamento é uma coi- Amarela).
br - http://mcjunioreleonardo.wordpress.com sa, amor é outro troço. Coisas de poeta. www.guilhermescalzilli.blogspot.com

maio 2009 caros amigos


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Marcelo Salles

CHOQUE
DE CAPITALISMO
NAS RUAS
DO RIO LEMBRA
A DITADURA
A nova administração municipal
aumentou a repressão sobre
Foto: marcelo Salles

os desempregados,
subempregados,
camelôs e trabalhadores
pobres em geral.

Se você está desempregado no Rio de Ja- cio logo na primeira semana de janeiro. E É contra o uso de armas convencionais pe-
neiro, cuidado. Se você não tem onde mo- não tem data para terminar. “Apesar de mui- los guardas e acredita que o Rio de Janei-
rar, redobre a atenção. Você está na mira tos terem uma dimensão de que choque é ro deve se espelhar em cidades como Nova
do Choque de Ordem. Apesar de a Prefeitu- algo passageiro, acho que choque não é algo York, Chicago, Bogotá e Medellín. “A hora
ra negar, durante a apuração desta repor- passageiro, choque é algo intenso. A prefei- que você combate o pequeno delito você dei-
tagem ficou claro que a repressão empreen- tura vai permanecer com essa intensidade, xa absolutamente caracterizado que o poder
dida pela nova administração está voltada vai fazer valer as posturas e a lei municipal, público vai estar presente permanentemen-
essencialmente contra as parcelas mais po- porque não há outro caminho para a cidade te combatendo essas transgressões”.
bres do povo. Não foram poucos os relatos do Rio de Janeiro”, explica Rodrigo Bethlen, O secretário mais badalado pelas corpora-
que ouvi de agressões contra camelôs e pes- o chefe da Secretaria de Ordem Pública, es- ções da mídia fluminense afirmou que o Cho-
soas em situação de rua, sendo que o mais pecialmente criada para comandar as ações. que de Ordem não é seletivo. Ele citou três
chocante foi narrado pelo defensor público De acordo com os números oficiais, até mar- episódios em que as ações foram direcionadas
Alexandre Mendes. Quando pergunto sobre ço foram abordadas 5.076 pessoas, mais de contra gente rica: a demolição de um restau-
denúncias de agressão física, ele diz: duzentos mil automóveis foram multados ou rante na Gávea, de uma casa na Barra e do
“Isso eu posso falar porque presenciei, pois rebocados e cerca de 180 mil produtos diver- prédio conhecido como Minhocão, na favela da
acompanhei e assinei o boletim de ocorrência. sos foram recolhidos. Cerca de oitenta cons- Rocinha. “Pra mim lei vale pra todo mundo,
Houve uma agressão estúpida da Guarda Mu- truções populares foram destruídas. tanto pra mim quanto para o prefeito Eduardo
nicipal. Uma senhora de 60 anos, de muleta, foi Bethlen, ex-vereador pelo PFL e homem Paes. Se a lei não for respeitada por todo mun-
derrubada no chão e usaram sua própria mu- de confiança do prefeito Eduardo Paes, me do, nosso choque não tem validade”.
leta para agredi-la. Por pedir que não fizessem recebeu na sexta-feira, dia 17 de abril, no
isso, um menino negro tomou uma banda e vá- sétimo andar do gigantesco prédio da Pre- Em nome do lucro
rias cacetadas e também outras duas pessoas feitura, que fica no centro da cidade. Fui “Mas quantos camelôs eles prenderam?
acabaram apanhando. Foi uma ação de extre- prontamente atendido e todas as perguntas Quantos foram feridos? Só pessoas em situ-
ma violência”, lembra Alexandre, do Núcleo de foram respondidas com desembaraço; trata- ação de rua foram recolhidas 2 mil”. Quem
Terras da Defensoria Pública do Estado do Rio se, sem dúvida, de um grande quadro da di- questiona é Antônio Futuro, mestre em
de Janeiro. Ele explica que o Núcleo de Direi- reita fluminense. O secretário de Ordem Pú- Educação pela UERJ e professor da mes-
tos Humanos está acompanhando denúncias de blica tem a pele branca, cabelo preto liso, ma Universidade. “Eles se especializaram
agressão e o de Fazenda Pública está acompa- barba bem feita e gesticula muito enquanto em não mudar a estrutura. Só que agora
nhando denúncias de roubo de mercadoria. fala. Ele defende, para a Guarda Municipal, estão agindo como se estivessem mudando,
O Choque de Ordem, conjunto de ações o uso de armas não letais (ou menos letais, apesar de não ter havido nenhuma mudan-
coordenadas pela Prefeitura, mas com apoio segundo fabricantes) como os tasers – apa- ça nas relações de classe. Sem dúvida são
das polícias e da iniciativa privada, teve iní- relhos que disparam projéteis eletrificados. ações de criminalização da pobreza. Eu que-

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ria ver o choque de ordem nas empresas que agora patrocinam operações como o Cho- deu parcialmente o movimento de dois de-
praticam sonegação fiscal, nas que praticam que de Ordem da prefeitura carioca. Quan- dos (mindinho e anelar).
especulação imobiliária da Barra da Tijuca, do perguntei ao secretário sobre parcerias Em 2007, Valentim tornou a ser vítima
nos puxadinhos da Vieira Souto”. com o setor privado, ele confirmou que elas dos agentes da repressão. Por conta das ca-
A presidente do Grupo Tortura Nunca existem e citou a Associação Brasileira de misas que estava vendendo com mensagens
Mais, Cecília Coimbra, concorda com essa Hotéis, além de “diversos órgãos, empresas críticas aos Jogos Pan-Americanos, a polícia
avaliação e faz uma analogia com a ditadu- interessadas em doar equipamentos para a passou a persegui-lo. “Entraram no meu es-
ra civil-militar de 1964: “Esse nome é muito GM... A gente tem feito várias parcerias por- tabelecimento, na minha casa, apreendendo
bem escolhido. Choque de Ordem. Esse títu- que isso no mundo inteiro tem dado muito meus materiais. E me monitorando através
lo tem tudo a ver com todos os dispositivos certo”. Posteriormente a assessoria de Beth- do meu celular. Fui acompanhado visual-
que a ditadura deixou”. len informou que também existe uma parce- mente, passo a passo”, até ser detido e leva-
A jornalista canadense Naomi Klein escre- ria com a Federação do Comércio do Estado do à delegacia “para prestar esclarecimen-
veu um livro de 600 páginas sobre a função do Rio de Janeiro que, segundo sua página tos” e processado sob a acusação de vender
dos choques no sistema capitalista. Título: “A na internet, “é formada por 61 sindicatos material com o símbolo dos Jogos, que era
Doutrina do Choque – a ascensão do capitalis- patronais fluminenses, representa os inte- patenteado pela Globomarcas. O autor do
mo de desastre” (Nova Fronteira). Ela mostra resses de todo o comércio de bens, serviços desenho, Carlos Latuff, também foi intima-
que existe uma relação estreita entre os gol- e turismo do Rio. O setor reúne mais de 400 do. Ao fim e ao cabo, o processo foi arquiva-
pes de Estado na América Latina e a imposi- mil empresas, que respondem por cerca de do, mas as 60 camisas e o mochilão apreen-
ção do novo modelo econômico proposto por 60% do PIB e quase 90% dos estabelecimen- didos nunca foram devolvidos.
Milton Friedman e executado pelos jovens tos do estado”. Valentim também foi vítima do Choque
economistas da Universidade de Chicago. de Ordem. Na manhã do dia 13 de janeiro,
De acordo com o delírio de Friedman, os Perseguição política uma terça-feira, ele estava com sua banca em
governos fariam um bom trabalho na me- Na Cinelândia, centro da cidade, encon- frente à Ocupação Zumbi dos Palmares, onde
dida em que abolissem as regulamentações trei um alvo da nova repressão. Trata-se de mora com outras 132 famílias. Foi quando
sobre a acumulação de lucros, vendessem Joel Valentim, trabalhador autônomo que viu uma viatura da PM, um Gol branco des-
todos os ativos que possuíam para a inicia- para sobreviver produz faixas e estampa ca- caracterizado (provavelmente da polícia ci-
tiva privada e cortassem as verbas destina- misas, sempre com frases e ilustrações po- vil), uma picape e um ônibus da Guarda Mu-
das aos programas sociais. Segundo o di- líticas. Valentim é baixo, tem a pele more- nicipal, e um guincho. Ele recorda o que lhe
plomata chileno Orlando Letelier, que foi na e olhos muito pretos, assim como o boné disseram: “É o Choque de Ordem, isso aqui
embaixador de Allende nos EUA, “havia e a camisa que veste. Seu cabelo é crespo e é um logradouro público e aqui não pode ser
um único projeto no qual a tortura desem- os gestos, contidos. Sua história de vida se colocado esse material”. Levaram seis ban-
penhava um papel central como ferramen- confunde com a violência imposta ao Rio pe- deiras médias e algumas camisas.
ta para a metamorfose do livre mercado”. las classes dominantes. Filho de imigrantes “A questão é perseguição política, mesmo.
Daí o interesse de empresas capitalistas no (pai pernambucano, mãe mineira), esse ca- Na época do Pan-Americano tive que tomar
financiamento da repressão, como escreve rioca de 50 anos tem três filhos. Nascido e alguns cuidados, tive que parar de produzir
Naomi Klein citando o relatório Brasil: Nun- criado na Tijuca, na favela do Borel, ele con- por causa dessa situação. E o que mais pesa
ca Mais. “Composta de oficiais militares, a ta que despertou para a política em 1993, “a é que fomos impedidos de nos manifestar po-
OBAN foi financiada pela contribuição de di- partir da violência policial”: liticamente. Acho que esse Choque de Ordem
versas corporações multinacionais, inclusi- “A comunidade já sofria várias interven- vem de fora, é o sujeito que vem de fora e não
ve a Ford e a General Motors”. ções da polícia por conta de drogas, tráfico, quer ver gente trabalhando na rua, não quer
Durante a entrevista com Rodrigo Be- aí a população começou a reclamar do que a ver os materiais, gente gritando. E aí, dita-
thlen, perguntei o que ele achava do nome polícia fazia na comunidade, a truculência de- dura novamente? Onde está a liberdade de
“Choque de Ordem”, se ele achava que re- les, subtraíam alguns materiais dos morado- expressão?”, pergunta Valentim.
metia à ditadura. Ele respondeu o seguinte: res, o que eles podiam carregar eles faziam. Cecília Coimbra consulta a história para
“Olha, você sabe que na verdade não fomos Eu mesmo presenciei algumas vezes. Aí co- responder por que a repressão recai sobre
nós quem batizamos essas ações de Choque meçamos a nos reunir”. Eis a origem da Rede ele? “As grandes revoluções foram feitas
de Ordem. Isso a imprensa começou a le- Contra a Violência, um dos movimentos so- principalmente pelas populações pobres. O
vantar e ficou. Ficou no gosto popular. O ciais mais combativos do Rio de Janeiro. que deu a vitória para a revolução francesa?
Pronasci, capitaneado por uma vertente dos Quatro anos depois, em 1997, Valentim Foram os camponeses, os chamados sans-
direitos humanos, uma coisa que eles reco- levou um tiro de fuzil no cotovelo direito culottes. Em todas as revoluções a popula-
mendam é que a Guarda Municipal use cada enquanto dormia. Eram duas da madruga- ção pobre está presente, por isso ela é temi-
vez mais armas não-letais. Você tem um apa- da. “Meu braço ficou literalmente pendura- da pelas elites. Não é por acaso que a gente
relho, que é o taser, que dá um choque e do”, lembra. Correu para o hospital mais não estuda algumas revoluções na história
imobiliza a pessoa. É muito melhor usar um próximo, o Ordem Terceira, da iniciativa do Brasil. A balaiada, no Pará, a revolução
aparelho desse do que dar um cassetete na privada, onde disseram que não prestariam dos alfaiates... Isso não é falado porque a
cabeça de alguém, que vai deixar sequela ou socorro. Foi para o Hospital do Andaraí, pú- grande marca dessas revoluções era a par-
hematoma ou até pode causar danos irre- blico, onde encontrou a polícia. Foi acusa- ticipação da pobreza. O Choque de Ordem
versíveis. Então acho isso um pouco, assim, do de ser bandido e levado para a delega- está coroando toda uma política que vem
uma memória ruim de uma época do Brasil cia sem nenhum socorro. Só foi liberado às desde o início do século XX”.
que eu acho que não tem muita ligação”. 23h, quando finalmente pôde retornar ao
A ligação é tamanha que, da mesma ma- hospital para ser operado. Felizmente con- Marcelo Salles é jornalista e coordenador da
neira que corporações financiaram a tortu- seguiu recuperar os movimentos do braço, Caros Amigos no Rio de Janeiro.
ra durante a ditadura, empresas capitalistas que guarda uma cicatriz imensa, mas per- salles@carosamigos.com.br

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Plínio Teodoro

Como a mídia grande


abafou o caso da

São Paulo, 25 de março de 2009. No escri- E neste momento, nada melhor que um afago vanguardista na defesa dos interesses da Ca-

ILUSTRAÇÃO: GUZ - WWW.FLICKR.COM/OSAMURAI


tório de uma agência de comunicação localiza- no bolso da trupe que concentra o oligopólio margo Corrêa. A manchete “PF prende dire-
da na Avenida Paulista, a cúpula da Constru- da comunicação no Brasil. tores da Camargo Corrêa” foi, digamos, es-
tora Camargo Corrêa se reúne com assessores Acusados de remeter, de forma ilegal, pelo quecida na abertura da principal reportagem
para definir estratégias para abafar mais um menos 20 milhões de dólares aos dutos de la- sobre o caso. Sob o título “PF investiga doa-
escândalo da série em que a empreiteira se en- vagem de dinheiro no exterior – o valor pode ções ilegais da Camargo Corrêa a políticos”,
volveu desde quando foi criada, em 1939. Ho- ultrapassar 200 milhões de dólares, segundo aparecia, cuidadosamente, um dos crimes co-
ras antes, ainda durante a alvorada, a Polícia a Procuradoria da República – executivos da metidos pela empreiteira na linha fina, que di-
Federal havia desencadeado a operação Cas- Camargo Corrêa resolveram presentear os co- zia “Quatro diretores da empresa são presos;
telo de Areia que levou à prisão quatro execu- legas que comandam a mídia, em princípio, há suspeita de superfaturamento de obras”.
tivos e duas secretárias da construtora, além com mais de três milhões de reais, gastos em Na reportagem que trata da investigação,
de quatro doleiros, um deles com trânsito fá- informes publicitários publicados nas capas o jornal se volta contra seus alvos prediletos
cil entre empresários e políticos representan- dos principais jornais do país no dia seguinte. e tenta ligar os nomes dos presidentes Lula e
tes da chamada “elite brasileira”. Somente na Folha de S.Paulo, foram gastos Hugo Chávez às irregularidades cometidas pela
A acusação, mais uma vez, é grave. Segun- mais de 668 mil reais em um único anúncio. empreiteira, da mesma maneira que quis mini-
do a Polícia Federal, os diretores da Camargo O informe nada explicava sobre as suspeitas mizar os efeitos da “ditabranda” brasileira em
Corrêa estão indiciados por fazer parte de um de evasão de divisas e superfaturamento de relação à “ditadura” chavista.
grupo criminoso que frauda licitações, super- obras públicas pela empreiteira, apenas re- O Jornal Nacional, que no dia da opera-
fatura obras públicas e envia os recursos des- produzia uma nota, já distribuída aos jorna- ção focou a reportagem nos crimes cometi-
viados para contas em paraísos fiscais. Duran- listas, em que a empresa se dizia “perplexa” dos pela empreiteira, logo depois se alinhou
te as investigações, liderada pelo coordenador com a ação da polícia. à “operação-abafa” e diz que “o Ministério Pú-
da área de combate ao crime organizado da No dia 26, as manchetes já indicavam blico identificou os supostos destinatários e
Polícia Federal em São Paulo, delegado Alber- como seria a “operação-abafa” que, em uma intermediários das doações a partidos políti-
to Legas, foi descoberto ainda que a suposta semana, tirou das primeiras páginas dos prin- cos consideradas ilegais”.
quadrilha também pratica a velha tática de ofe- cipais jornais do país os supostos crimes co-
recer vultosas quantias a politicos, partidos e metidos pela Camargo Corrêa. Em O Estado Estratégia da defesa
membros do poder público em troca de benefí- de S.Paulo, o excesso de zelo se destacou na A tática adotada pela empreiteira e pulve-
cios durante os processos licitatórios. manchete “PF prende executivos de emprei- rizada pela grande mídia fez com que as auto-
A reunião é tensa. Entre olhares desconfia- teira por fraudes”, que nem mesmo citava o ridades que tratam do caso viessem a público
dos, mordidas nos lábios e expressões pouco nome da empresa. Em destaque, logo abai- esclarecer que as doações ilegais aos políticos,
amigáveis, um dos executivos da construto- xo, o jornal reproduziu frase do advogado da por motivos óbvios, não são alvos da investiga-
ra revela que a investigação pode levar a Po- construtora, Antônio Mariz de Oliveira, que ção conduzida pela Polícia Federal. Segundo a
lícia Federal a mares nunca antes navegados no dia anterior havia falado com exclusivida- própria corporação, as suspeitas surgiram em
no submundo da corrupção no Brasil. “O pro- de ao Jornal Nacional, da Rede Globo, que a interceptações telefônicas dos executivos da
blema é que esta é apenas a ponta do iceberg”, empresa teria o “máximo interesse” em apu- Camargo Corrêa durante a investigação.
bradou aos colegas. rar a verdade para “preservar sua imagem”. Em nota distribuída à imprensa, o juiz
A estratégia foi, então, montada e imedia- Nas reportagens torna-se evidente o con- Fausto de Sanctis, que acatou o pedido da
tamente desencadeada. O objetivo era desviar luio definido entre diretores e assessores da Polícia Federal e decretou a prisão preventi-
do foco de cobertura da grande mídia os cri- Camargo Corrêa na reunião realizada no dia ve dos executivos da empreiteira, disse que
mes cometidos pela empresa, jogando os ho- anterior para aquilo que os marqueteiros cos- as investigações “nunca foram centradas em
lofotes para as suspeitas de doações ilegais tumam chamar de “gerenciamento de crise”. ocupantes de cargos públicos ou em quem te-
aos politicos e partidos, de competência de A Folha, que se vangloria de seu “pioneiris- nha funções políticas”. No comunicado, o ma-
outra instância de poder, a Justiça Eleitoral. mo” nas coberturas midiáticas, também foi gistrado ressalta que “o que se apura é o su-

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posto cometimento de crimes de pessoas da PF passar por cima da polêmica e dos erros de O jornal também recorre ao advogado da
iniciativa privada, principalmente lavagem de Protógenes e voltar à glória e à ribalta”. própria empreiteira, Antonio Claudio Mariz de
dinheiro por parte de organização crimino- A revista Veja, que se especializou em criar Oliveira, para atacar a decisão do juiz Fausto de
sa” e pede aos jornalistas cautela para “evitar factóides para defender os interesses desta mes- Sanctis, de prender os executivos da constru-
conclusões precipitadas ou tendenciosas”. ma elite, fez coro com a colunista da Folha. No tora, classificada como “panfletária” na repor-
O assunto, no entanto, foi tratado com des- editorial da edição de 28 de março, Veja defen- tagem. Na edição de segunda-feira, o mesmo
prezo pela mídia. Em reportagem, a Folha dis- de que a estelionatária dona da Daslu, chama- Mariz de Oliveira ganha espaço na capa da pu-
se que a nota emitida pelo juiz ‘’foi interpreta- da pela revista de “sacerdotisa da moda para os blicação dizendo que a Polícia Federal cometeu
da (sem dizer quem a interpretou) como uma ricos e poderosos”, não pode ser “demonizada o “abuso” de realizar buscas no departamento
tentativa de o magistrado não perder o co- como o símbolo da desigualdade e da injustiça jurídico da Camargo Corrêa com aval do juiz.
mando da investigação, pois o procedimento social no país”. E prossegue dizendo que “a caça O factóide criado pela defesa da empreitei-
subiria para instâncias superiores se envol- aos ricos é uma tentação suicida que, como de- ra em conluio com o jornal chega, então, ao Su-
vesse políticos com foro privilegiado”, igno- monstra a história, só produz mais miséria mo- premo Tribunal Federal. Em nova chamada de
rando o fato de que a parte do inquérito que ral, política, econômica e social”. capa, o Estadão diz, sem citar fontes, que os mi-
trata das doações aos políticos seria enviada Na mesma edição, para noticiar a Operação nistros do STF viram “excessos na investiga-
ao órgão competente. Castelo de Areia, a publicação segue a receita ção”. Na reportagem, o jornal afirma que “para
A manobra seria revelada, no entanto, uma elaborada na “operação-abafa”, sem se esquecer os ministros ouvidos, usou-se a mesma meto-
semana depois pelo procurador regional eleito- de atacar quem mais causa ojeriza entre seus dologia de outras investigações de repercussão,
ral em São Paulo, Luiz Carlos dos Santos Gon- leitores. A reportagem diz que os partidos ci- como a Operação Satiagraha, na qual foi preso
çalves, em entrevista sem muito alarde e fora da tados na investigação da Polícia Federal são: o banqueiro Daniel Dantas”.
contextualização no jornal O Estado de S.Paulo. PMDB, PSDB, DEM, PPS, PSB, PDT e PP e iro- Com o circo armado, faltava entrar em cena
Na ocasião, o procurador, que ficou responsá- niza: “pois é, faltou o PT. Mas, preocupado com o personagem principal, que, por meio de suas
vel pela investigação das doações aos políticos, os desdobramentos da investigação, o presi- decisões e declarações, vem se destacando
afirma que envolver a questão nos crimes co- dente Lula convocou o ex-ministro da Justiça como paladino da moralidade e da ordem social
metidos pela Camargo Corrêa faz parte da es- Márcio Thomaz Bastos para acompanhar o as- quando os interesses da elite são colocados em
tratégia de defesa da empreiteira “para assegu- sunto e defender... a Camargo Corrêa”. xeque. Em linguajar peculiar, o presidente do
rar impunidade”. “Por que querem trazer o caso STF e do Conselho Nacional de Justiça, Gilmar
para o âmbito eleitoral? Porque sabem que a le- Papéis invertidos Mendes, ganha destaque na Folha, dizendo
gislação eleitoral é branda, é fraca”, diz. Já são notórios os casos no Brasil em que se que a Polícia Federal comete um “dicionário de
De acordo com o procurador, a única medi- pune quem investiga ou condena membros da abusos”; e no Estadão, onde “acusa o Ministério
da que poderia ser aplicada, em tese, à Camar- elite. O caso mais recente é o do delegado Protó- Público de ser parceiro de abusos da PF” e diz
go Corrêa em um inquérito na justiça eleitoral genes Queiróz, afastado da Polícia Federal após que o controle da polícia pela instituição é
seria a imposição de multa que vai de 5 a 10 colocar na cadeia, por duas vezes, o banqueiro lítero-poético-recreativo.
vezes o valor repassado aos políticos. “Nesse Daniel Dantas, envolto na tramóia que tem iní-
aspecto é possível chegar a uma punição. Mas cio no processo de privatização da Telebrás. A Os crimes cometidos
sabe para onde vai esse dinheiro? Para o Fun- tática é sempre a mesma, as denúncias de “abu- Uma semana após a operação Castelo de
do Partidário. Os envolvidos levam mais uma sos” ganham as páginas dos jornais e ecoam Areia ser desencadeada – e já com os dez
vantagem”, afirma. nos corredores do Congresso Nacional e entre presos, incluindo os executivos da Camargo
A semana em que foi desencadeada a ope- os defensores de uma certa moralidade, restri- Corrêa, livres e de volta à ativa – as denúncias
ração Castelo de Areia foi conturbada. Além de ta aos endinheirados. de superfaturamento de obras públicas, evasão
minimizar a prisão dos executivos da Camargo Na edição de domingo, dia 29 de março, a de divisas, fraude em licitações e doações
Corrêa, os jornalões também se ocupavam em Folha afirma em editorial que “setores da Po- ilegais a políticos e partidos desapareceram do
rebater as críticas do presidente Lula, que disse lícia Federal, do Ministério Público e do Judi- noticiário nacional. Mais uma vez, a pena foi
que a crise teria sido provocada por “brancos de ciário acomodam-se, perigosamente, a um mé- imposta aos investigadores e coube à revista
olhos azuis”, e defender os interesses de outros todo de atuação sensacionalista e truculento” e Veja dar o veredicto final.
integrantes da elite “branca de olhos azuis” tu- considera as prisões preventivas “uma concep- Na edição que foi às bancas no dia 3 de
piniquim, como Eliana Tranchesi, dona da Das- ção vingativa e primitiva de Justiça”. Na man- abril, Veja lista os “crimes” cometidos pelos
lu, condenada a 94 anos de prisão por fraudar chete, o jornal condenava, no entanto, um velho investigadores que ousaram desmoronar o
mais de 600 milhões de reais em impostos. inimigo, o Movimento Sem Terra, por ter rece- castelo de areia da Camargo Correa: “1) não
Eliane Catanhede, colunista da Folha, ini- bido repasses que totalizam 152 milhões de re- havia a necessidade de a Justiça decretar a
ciou o levante contra os “abusos” da Polícia Fe- ais – valor que representa um quarto daquilo prisão de seis funcionários da empreiteira, já
deral e de parte do judiciário brasileiro, que que foi sonegado pela Daslu - desde que Lula que a investigação ainda não terminara; 2)
julga sem levar em conta o volume da conta assumiu o governo. não deveria haver menção a doações políticas
bancária do réu. Em um emaranhado artigo, No mesmo tom, o Estadão destaca em sua nos relatórios, já que a investigação tratava
a jornalista envolve na trama o delegado res- manchete que a “abusada” Polícia Federal, du- de crimes financeiros; e 3) a polícia violou
ponsável pela prisão de outro membro da eli- rante a investigação da Castelo de Areia, che- a Constituição ao revistar, com mandado, o
te corrupta brasileira, o banqueiro Daniel Dan- gou a monitorar conversas de executivos de departamento jurídico da empreiteira”.
tas, condenado a 10 anos de prisão por tentar outra empreiteira, a OAS, e do presidente do A pena aplicada pela revista condenou mais
corromper um delegado federal. Ao comentar conselho administrativo do Banco Bradesco, de 180 milhões de brasileiros que estão fora da
“as prisões de diretores da Camargo Corrêa e Lázaro de Mello Brandão, em conversas com o pontinha do iceberg da corrupção a continua-
da dona da Daslu, Eliana Tranchesi”, Catanhe- doleiro Kurt Paul Pickel, considerado o articu- rem se afogando no mar de lama em que nave-
de brada: “Se há motivos, que sejam punidos. lador do esquema de lavagem de dinheiro da ga uma parte da classe dominante do país, seja
Mas que não sejam só bodes expiatórios para a Camargo Corrêa. ela na esfera pública ou privada.

maio 2009 caros amigos


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As peripécias da empreiteira de
“Don Sebastián”
As supostas irregularidades cometidas divisão de obras públicas. Pietro Bianchi, por ano, Arruda Botelho reúne os amigos endi-
pela Camargo Corrêa que vieram à tona na que tem cargo de consultor na empresa, se- nheirados ou influentes em uma festa que tem
Operação Castelo de Areia são apenas um ria o responsável pela entrega da “caixinha” como tema a aviação, uma de suas manias pre-
breve capítulo da história da empreiteira. A aos políticos e autoridades que beneficias- feridas, em uma de suas fazendas na cidade de
investigação liderada pelo delegado Alberto sem a empreiteira em licitações e superfatu- Itirapina, no interior paulista. A festa – cance-
Legas, especializado em crimes de lavagem de ramento de obras. Duas secretárias da em- lada em 2009 devido à crise financeira, mesmo
dinheiro, foi um desdobramento da Operação preiteira, Marisa Berti Iaquino e Darcy Flores com o grupo Camargo Corrêa registrando lu-
Downtown, realizada em 2008, que prendeu Alvarenga, fariam a intermediação dos conta- cro de 16 bilhões de reais em 2008 – começou
15 doleiros acusados de lavagem de dinheiro tos entre doleiros e executivos. em 2004, no aniversário do empreiteiro.
e distribuição de valores para integrantes da Todos foram presos na ação da Polícia Fede- Numa dessas festas, ele mandou cons-
facção criminosa PCC (Primeiro Comando da ral e soltos cerca de 72 horas depois, por pedido truir na fazenda, a 200 quilômetros da ca-
Capital), traficantes nigerianos e comerciantes de habeas corpus, uma decisão polêmica da de- pital paulista, uma pista de pouso de 1.200
chineses da região da rua 25 de Março, região sembargadora Cecília Mello, que criticou a sen- metros, arquibancadas para 2.500 pessoas,
central de São Paulo. tença de prisão expedida pelo juiz Fausto de estacionamento para 1.000 automóveis e
Segundo a Polícia Federal, as duas quadri- Sanctis, o mesmo que vem sofrendo represálias uma praça de alimentação como as de sho-
lhas agiam de forma semelhante na lavagem do do presidente do STF, Gilmar Mendes, e que co- pping centers. O custo total chegou a 1,5 mi-
dinheiro obtido de forma ilícita – através do trá- locou na cadeia, mesmo que por instantes, per- lhão de reais. Entre os convidados – muitos
fico de drogas e mercadorias, no caso da Opera- sonagens como os banqueiros Daniel Dantas e deles chegaram em jatos particulares que pou-
ção Downtown, e por meio de licitações fraudu- Edemar Cid Ferreira, políticos como Celso Pit- saram na pista – políticos, funcionários públi-
lentas e superfaturamento de obras, na Castelo ta, além do traficante Juan Carlos Abadía. cos do alto escalão, empresários, banqueiros e
de Areia. Por meio de doleiros, os grupos cri- As investigações apontam ainda que o es- até mesmo a dona da boutique de luxo Daslu,
minosos remetiam o dinheiro a paraísos fiscais, quema seria feito com a anuência do principal Eliana Tranchesi, condenada por sonegar mais
como Ilhas Cayman, Uruguai e Suíça. controlador da Camargo Corrêa, Fernando Ar- de 600 milhões de reais em impostos, como re-
As remessas eram feitas através de uma ope- ruda Botelho, genro do fundador do grupo, Se- lata a revista Veja, em edição do dia 16 de ju-
ração não autorizada pelo Banco Central co- bastião Camargo e que também ocupa a vice- nho daquele ano.

empreiteira é investigada pelo superfaturamento


da obra de construção de trecho do Rodoanel
nhecida como dólar-cabo, que é realizada ele- presidência da Federação das Indústrias de São Ali, como em muitos outros casos se confun-
tronicamente, através da transferência entre Paulo, a Fiesp. Em pelo menos uma das inter- diu o que era público e o que era privado. Dez
contas bancárias no Brasil e no exterior. Os ceptações telefônicas realizadas com autoriza- controladores de vôo, cedidos pelo Departa-
grupos também utilizavam empresas de facha- ção judicial pela polícia, Arruda Botelho teria mento de Aviação Civil e pagos com recur-
da, como o Instituto Pirâmide, que teria sido conversado com Pietro Bianchi sobre atrasos sos da União, cuidaram da orientação dos
responsável pela movimentação de 800 mil dó- na liberação de recursos a políticos que atuam aviões sobre a fazenda, antes de uma apre-
lares da construtora Camargo Corrêa, de acor- fazendo lobby para a empreiteira no Congres- sentação particular da Esquadrilha da Fu-
do com as investigações. No endereço identi- so Nacional. maça, da Força Aérea Brasileira.
ficado como sede do instituto, localizado no
distrito de Bacaxá, em Saquarema, no litoral Dinheiro pelos ares Acúmulo de fortuna
fluminense, funcionam uma escola primária e Fernando Arruda Botelho, casado com Ro- Fundado como uma pequena empresa
um escritório de contabilidade. sana Camargo, assumiu os negócios da Camar- de construção em 1939 com um capital de
Segundo a polícia, o doleiro Kurt Paul Pi- go Corrêa, junto com outros dois concunhados, 200 contos de réis, o atual grupo Camar-
ckel, suíço naturalizado brasileiro e ex-exe- após a morte de Sebastião Camargo, em 26 de go Corrêa sempre teve como fim o lucro
cutivo do banco UBS no país europeu, se- agosto de 1994. Discreto no que tange a apari- dentro da esfera pública, seja utilizando
ria o elo entre as quadrilhas e o principal ções públicas, Botelho preserva diversos hábi- métodos escusos ou não. De estilo con-
mentor do esquema na Camargo Corrêa. Ele tos exóticos do sogro, como caçar – ele nos Al- servador, bem aos moldes da antiga TFP
agia em parceria com outros três doleiros: pes austríacos e Sebastião Camargo nas selvas (Tradição, Família e Propriedade), o fun-
José Diney Mattos, Jadair Fernandes de Al- africanas – e cortejar tomadores de decisões, dador não admitia homem barbudo, cabelu-
meida e Maristela Brunet. seja na esfera pública ou privada, visando au- do ou desquitado na firma.
Dentro da empreiteira, os contatos com os mentar os rendimentos da empreiteira. Sebastião Camargo também nunca fez
doleiros seriam feitos pelos diretores Fernan- Para isto, ele nem mesmo precisa transitar distinção entre regimes políticos, desde
do Dias Gomes, da auditoria, Dárcio Bruna- pelos escritórios da Avenida Paulista ou pelos que fosse agraciado com polpudos con-
to, da controladoria, e Raggi Badra Neto, da corredores dos poderes, em Brasília. Uma vez tratos. Para isto, se aproximou de figuras

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controvertidas, como o ditador paraguaio (Odebrecht), Queiroz Galvão e Andrade Gu-
Alfredo Stroessner. As viagens constan- tierrez. Parte da obra desabou em janeiro de
tes com Stroessner para empreitadas de 2007, matando 7 pessoas. Laudo do Instituto
pescaria lhe renderam um peixe gordo na de Pesquisas Tecnológicas concluiu que uma
construção da Usina de Itaipu, uma das sucessão de erros provocou o acidente, mas
obras da Camargo Corrêa. após dois anos ninguém foi condenado.
Ao ver que o amigo de pescaria não Em vez de ser punida, a empreiteira foi be-
havia conseguido a licitação para cons- neficiada na licitação de outra linha do metrô
truir a usina, o ditador paraguaio protes- paulistano, a verde, em agosto de 2008. Em
tou: “Onde está Don Sebastián?” e amea- reportagem no portal Folha Online, do gru-
çou melar o negócio, obrigando o governo po Folha, o editor Ricardo Feltrin adiantou
brasileiro a contratar a empreiteira. em oito horas o resultado da licitação, que
teve o consórcio liderado pela Camargo Cor-
Simpatia pela ditadura rêa como vencedor. A suposta irregularidade
A construção de Brasília e as diversas obras está sendo investigada pelo Tribunal de Con-
contratadas pelo presidente Juscelino Kubits- tas do Estado (TCE).
chek – como as estradas que levam à capital A empreiteira também é investigada pelo
federal - alavancaram os negócios do “China”, superfaturamento da obra de construção do
apelido pelo qual Camargo era chamado pelos trecho sul do Rodoanel, na capital paulista.
amigos próximos, em razão dos olhos puxa- Uma auditoria realizada pelo TCU entre maio
dos. Mas foi durante a ditadura militar que a e julho de 2008 aponta que a empresa causou
empresa começou a amealhar as obras que a um prejuízo de mais de 184 milhões de reais
tornariam um império no ramo da engenha- aos cofres públicos.
ria das grandes construções no país. Na Bahia, a Procuradoria da República in-
Condecorado, em 1967, com o título de dou- vestiga um suposto superfaturamento das
tor honoris causa pela Escola Superior de Guer- obras do metrô de Salvador, sob responsabili-
ra, a usina ideológica do regime militar, e lis- dade do consórcio Metrosal, formado por Ca-
tada como um dos financiadores da Operação margo Corrêa, Andrade Gutierrez e Siemens.
Bandeirantes (Oban), o braço repressivo da di- Suspeitas de irregularidades fizeram o
tatura brasileira, Camargo nunca escondeu sua TCU, que fornece informações para o inquéri-
simpatia pelo sistema político de então. “Acho to da Procuradoria da República, determinar
que o grande progresso do Brasil foi no gover- a retenção de parte dos repasses para a obra.
no militar”, disse em dezembro de 1990, ao jor- As auditorias do órgão apontaram que o va-
nal Folha de S. Paulo, numa rara entrevista. lor de partes da obra foi alterado no contrato
Foi nesta época que, em meio a denúncias e recebeu aditivos irregulares.
de irregularidades de superfaturamento e frau- No Rio de Janeiro, três diretores da Ca-
de em licitações, a empreiteira assumiu obras margo Corrêa respondem processo por lava-
como as usinas hidrelétricas de Itaipu e Tucu- gem de dinheiro, evasão de divisas e sonega-
ruí, a ponte Rio-Niterói, as rodovias Transama- ção fiscal por operações financeiras realizadas
zônica e Bandeirantes, o Metrô de São Paulo e pela Ponte S/A, que administra a Ponte Rio-
a usina nuclear Angra 1. Niterói. Entre os réus no processo está Pietro
Na volta à democratização, já sob o comando Francesco Giavina Bianchi, que foi preso na
dos genros de “Don Sebastián”, a empreiteira Operação Castelo de Areia.
participou de boa parte dos controversos pro- Segundo o Ministério Público Federal, os
cessos de concessão de serviços públicos do go- dirigentes da Ponte S/A, com aval dos direto-
verno Fernando Henrique Cardoso e assumiu, res da Camargo Corrêa, simularam três mo-
entre outras, a administração da Rodovia dos vimentações financeiras na contabilidade da
Bandeirantes e da Ponte Rio-Niterói. empresa para justificar o envio de 9 milhões
de reais em 1997 para uma conta da conces-
Irregularidades sionária no banco Safra nas Bahamas. Para a
Os crimes supostamente cometidos pela Procuradoria, as operações foram inventadas
Camargo Corrêa investigados pela Operação para lavagem de dinheiro.
Castelo de Areia parecem realmente ser ape- No Distrito Federal, a Procuradoria Fe-
nas a ponta do iceberg, como bem definiu um deral moveu ação civil pública para suspen-
dos executivos da construtora que participou der as obras de construção da nova sede do
da reunião para desencadear a “operação-aba- Tribunal Regional Federal da 1ª Região, em
fa” na mídia gorda. Apenas o Tribunal de Con- Brasília. A obra é um atentado ao princípio
tas da União registra pelo menos 34 proces- da economicidade, diz o Ministério Público.
sos contra irregularidades cometidas durante Além da União, respondem ao processo a Via
a condução ou gestão de obras públicas. Engenharia (líder do consórcio), OAS e Ca-
Em São Paulo, a empresa é uma das res- margo Corrêa.
ponsáveis pela construção da linha amarela
do Metrô – junto com as empresas OAS, CBPO Plínio Teodoro é jornalista.

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Carolina Rossetti e Felipe Larsen

LEI ROUANET
PROFIC
Insatisfação e polêmica
entre o privado e o público
Luis Carlos moreira,
"Tem que ter nesse política de Estado regras claras
que vão regulamentar a ação do governo".

“Hoje, no Dia Mundial do Teatro, nós, tra- lho neoliberal da América Latina. Dinhei-
balhadores de grupos teatrais de São Paulo ro público que irriga o marketing
organizados no Movimento 27 de Março, so- cultural de grandes empresas.
mos obrigados a ocupar as dependências da Collor “matou vários coelhos
Funarte na cidade”. E 350 atores ocuparam com uma porrada só: agradou

Vadaru
a Fundação Nacional das Artes, para tornar as estrelas, que até hoje se mobi-
público o seu descontentamento contra a po- lizam para manter intactos seus

nn
Foto: Ya
lítica privatizante da cultura. Em carta aber- privilégios; agradou a rede Globo,
ta ao Ministério da Cultura, pediam o fim do empresa que o levou à presidência da Re-
“falso diálogo” e cobravam “o diálogo hones- pública, além das empresas gigantes e seus
to e democrático que nos tem sido negado”. diretores de marketing, que têm mais poder Iná é autora do livro A luta dos grupos tea-
Até hoje agora vigora o Pronac, Programa na formulação de políticas de fomentos às ar- trais de São Paulo por Políticas Públicas para a
Nacional de Cultura, a lei Rouanet, criado em tes do que o próprio presidente da República; Cultura, em que avalia cinco anos da lei do Fo-
1991, no governo Collor. No dia 23 de março o fomentou grandes fundações, como Roberto mento em São Paulo, um exemplo de política
MinC colocou o Profic – Programa Nacional de Marinho e Itaú (ver quadro), as maiores cap- pública para o teatro que tem gerado bons re-
Fomento e Incentivo à Cultura – em consulta tadoras. Goebbels vira no túmulo de inveja”, sultados. Em entrevista, ela disse: “Quem quer
pública no seu sítio até 6 de maio, quando será falou o diretor do grupo Folias d’Arte Marco ser artista é, na verdade, candidato a integrar
encaminhado ao legislativo. Antonio Rodrigues, para o jornal Brasil de a força de trabalho. Se ele começar a se pen-
O que tem sido o foco das discussões na im- Fato, na primeira semana de abril. sar como trabalhador que não tem um lugar no
prensa é a restrição da política de isenção fiscal, A lei Rouanet não é pautada somente pelo in- mercado ele vai dar um salto político. Não nos
e o consequente aumento da presença estatal centivo fiscal. Há ainda o FNC, Fundo Nacional colocamos mais na perspectiva de artistas que
na gestão dos recursos. A isenção fiscal permi- de Cultura. Foi essa a política cultural manti- como tais exigem privilégios”.
te às grandes empresas abater seu “investimen- da desde então e pelo atual governo Lula, mas, Os trabalhadores da cultura, então, ao en-
to” cultural nos impostos. Leia-se dinheiro pú- antes de chegar ao poder, “no programa do PT carar a escassez da oportunidade de emprego
blico cedido aos interesses do capital. para o primeiro mandato a parte cultural está se colocam no mesmo contexto dos demais tra-
A lei Rouanet é “inconveniente no atendi- muito bem contemplada – foi o Antonio Candi- balhadores que olham com preocupação para a
mento de todas as dimensões da cultura bra- do que segurou as pontas nisso tudo -, só que crise financeira. “Trata-se da percepção de um
sileira, em todo território, em todas suas ma- não foi cumprida”, diz Cesar Vieira, diretor do horizonte em que não tem dinheiro nem para
nifestações”, disse o ministro Juca Ferreira, Teatro União e Olho Vivo. resgate de banco, quem dirá para renúncia fis-
ao jornal Folha de S. Paulo. Ele revelou que cal, ou dinheiro no cofre público para o Estado
3% dos proponentes levam 50% dos recur- O barulho veio do teatro gerenciar. Acho que essa percepção já bateu”.
sos. Um universo enorme de artistas e pro- Como resultado da ocupação, foi marcada João Sayad, secretário de cultura do estado
dutores culturais está excluído. uma reunião com representantes do MinC e da de São Paulo, demonstra o mesmo temor com a
A mudança deixou alguns produtores Funarte para discutir políticas públicas para crise. Mas é favorável à manutenção do incenti-
culturais nervosos, outros um pouco mais a cultura. O Movimento 27 de Março riscou vo fiscal: “Até o FMI está propondo mais gastos
aliviados. Mas, de fato, ninguém está intei- no chão: “incentivo fiscal a gente não discu- junto com o Banco Mundial, e nesse momento
ramente satisfeito. te”. Dias depois, na sede da Cia. Antropofágica a comunidade cultural se vê com uma proposta
de Teatro, no bairro paulistano de Perdizes, os que redistribui os seus gastos em vez de pedir
Histórico da lei manifestantes se reencontravam e a filósofa Iná um aumento, me parece inoportuno.”
Com as drásticas mudanças políticas do Camargo Costa discursou: “A ocupação, como Convicta, Iná Camargo critica a lei de incen-
começo da década de 90, a lei Rouanet se gesto político, significa que o Movimento 27 de tivo: “Para nós, é uma política muito perversa.
tornou instrumento para uma política cul- Março deu um passo à frente. Somos trabalha- Eu quero sua pura e simples revogação”. Com o
tural casada perfeitamente com o mergu- dores artísticos e não mais artistas”. incentivo grandes empresas financiam expres-

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sões de grande retorno de marketing, como
cantores consagrados e superproduções como
Entenda passo a passo o que é o Profic
Fantasma da Ópera, Miss Saigon e Circo Du No Profic, o incentivo fiscal continua vi- com ela, modificando, aperfeiçoando, corre-
Soleil, todas com preços nada populares. Essas gorando, mas, em tese, sem tanto destaque. mos grandes riscos dela ser inviabilizada pe-
apresentações são mais do que viáveis do ponto Atualmente, a renúncia leva 80% da verba las autoridades econômicas”, teme o secretário
de vista econômico e não necessitariam dinhei- destinada à cultura. O pouco que sobra é de cultura João Sayad.
ro do governo para subsistir. administrado pelo MinC para contemplar Mas a discussão pega fogo mesmo no pró-
Mas não é o caso dos pequenos e médios o restante das manifestações culturais do ximo capítulo do Profic, que fala especifica-
produtores culturais. Não há nada na lei país que não têm necessariamente grande mente da renúncia fiscal. A lei Rouanet só
Rouanet que impeça que os recursos sejam atração mercadológica. Com o Profic, a in- previa as faixas de 30% e 100% de isenção.
concentrados, porque “a cultura brasileira tenção do ministério é alocar recursos, atu- Mas o que o Ministério percebeu é que com
está por conta dos mecanismos de especu- almente da renúncia fiscal, para colocar no esse sistema pouco se recolhia do dinheiro
lação financeira”, reitera Iná Camargo. Para Fundo Nacional de Cultura. privado. De cada 10 reais captados com a re-
um teatro de grupo sobreviver é muito difí- Assim, o incentivo deixaria de ser a es- núncia fiscal apenas 1 real sai do capital das
cil sem o financiamento ocasional do Estado, trela número um para o financiamento da empresas. Que tipo de mecenato desvirtuado
trabalhos que não são “vendáveis” não têm cultura. Mas nenhuma linha do projeto diz é esse que quase não tira dinheiro do próprio
como existir no mercado. “Nós precisamos o valor esperado que o Fundo Nacional de bolso para patrocinar as artes? No Brasil, a
desmentir a tese de que só o mercado é vida. Cultura receberia. Por essa razão, artistas relação de patrono das artes é de lógica in-
No Brasil é o contrário, o mercado é a mor- ainda olham para a proposta como nada versa, ou ilógica, até. Tira-se do bolso do Es-
te dos artistas. Nós temos muito mais habili- mais que uma promessa. tado para colocar onde os setores de marke-
dade do que aquilo que o mercado é capaz de O FNC, no Profic, é dividido em seis Fun- ting das empresas acreditam que o retorno de
perceber que existe, ele é muito pobre e mes- dos Setoriais 1) Fundo das Artes (para Tea- imagem será maior.
quinho e não dá conta da nossa gente”. tro, Circo, Dança, Artes Visuais e Música); 2) No Profic, é prevista a criação de faixas de
Luis Carlos Moreira, diretor do grupo En- Fundo da Cidadania, Identidade e Diversida- incentivo da renúncia fiscal. Ou seja, um pro-
genho Teatral e integrante do movimento 27 de Cultural; 3) Fundo da Memória e Patrimô- jeto, depois de avaliado pela CNIC, poderá ser
de Março, acredita que “a nossa produtivida- nio Cultural Brasileiro; 4)Fundo do Livro e da patrocinado com dedução parcial ou total do
de, eficiência se dá no campo do simbólico, Literatura; 5) Fundo Audiovisual e 6) Fundo imposto de renda que vai variar entre 30, 60,
imaginário. Nós somos produtores de sonhos, Global de Equalização, para projetos trans- 70, 80, 90 e 100%. É a CNIC que enquadrará
valores, símbolos, linguagem. É nesse campo versais entre as áreas. Cada Fundo teria 10 a os projetos, com base em critérios de avaliação
que tem que ser medida nossa eficiência, mas 30% do montante total do FNC, e quem de- que serão publicados até noventa dias antes
a camisa de força que está por trás do discur- cidiria os repasses seria a Comissão Nacional do início do processo de seleção. Algumas das
so da lei Rouanet impõe que a gente tem que de Incentivo à Cultura, CNIC, formada por características analisadas serão acessibilida-
ser eficiente e produtivo na bilheteria. Como membros do governo e da sociedade civil. de do público, orçamento e mérito cultural.
se a gente fosse incompetente porque não Atualmente a formação de uma CNIC é: o Além do Fundo Nacional de Cultura e a
gera receita, mas o preço da bilheteria não é Ministro da Cultura, Juca Ferreira; o presi- renúncia fiscal, existem mais três propostas
o teatro que impõe, é o mercado, e o preço não dente da entidade nacional dos Secretários contempladas pelo Profic.
cobre os custos da produção teatral”. da Cultura dos estados; um representante do Uma delas é o Vale-Cultura que surge no
Mas é muito complicado refutar a isenção empresariado nacional – o escolhido para o mesmo molde dos vales de refeição e trans-
fiscal por completo, como a lei Rouanet é pre- mandato de 2009/2010 é Eduardo Saron que porte, em que o trabalhador ganharia R$ 50
dominante no orçamento do MinC, Iná Camar- no site do MinC consta como representante por mês para usar na compra de livros, CDs,
go opina que para alguns grupos de teatro “é da Confederação Nacional das Instituições entradas de espetáculos, cinema e visitas a
impensável subsistir sem o apoio ocasional das Financeiras, mas que em sabatina realizada museus. O governo financiará 50% do valor,
verbas que obtêm da Petrobras, Caixa Econô- pela Folha de S. Paulo foi apresentado como o empregador 30% e o empregado os outros
mica Federal. Trabalhos de importância real só superintendente de atividades culturais da 20%. A estimativa é que o Vale-Cultura atinja
ganham patrocínio de órgãos estatais através Fundação Itaú Cultural; por fim, seis repre- 12 milhões de trabalhadores.
da renúncia fiscal do estado”. sentantes de setores da sociedade civil (Ar- Os Ficarts (que já existem na lei Rouanet
tes Cênicas, Audiovisual, Música, Artes Plás- de 1991, mas nunca foram ativados) são os
A mentira contada muitas ticas, Patrimônio Cultural, Humanidades). Fundos de Investimento Cultural e Artístico
vezes vira verdade A CNIC tem reuniões bimensais para ava- que nunca saíram do papel, porque se as em-
Moreira desmistifica a lenda do mercado in- liar os projetos que podem ou não usufruir presas podem tirar até 100% do que investem
tocável, o fato de achar esse esvaziamento do da renúncia fiscal. Com a Profic a comissão em cultura do imposto de renda, ninguém vai
Estado uma coisa natural, que sempre existiu. teria mais poder, atuando também na ad- querer mecanismo de empréstimo e finan-
O incentivo fiscal tem apenas 18 anos, mas vi- ministração do Fundo Nacional de Cultura. ciamento que “tenha o risco que é inerente a
rou algo quase inabalável, tal como a crença de Nesse caso, cada um dos seis Fundos Seto- toda atividade econômica que nós vivemos”,
que o mercado possa resolver todas as ques- riais teria um comitê gestor específico. de acordo com o ministro Juca Ferreira. Os
tões. “Inicialmente a idéia era essa, incentivar. Até aqui, tudo bem. Ninguém parece se Ficarts são linhas de crédito para patrocinar
Então você entra com uma parte do seu bolso, opor à proposta da criação do Fundo. Exis- atividades e bens culturais que sejam consi-
pode ser uma relação de 30 e 70, e a partir dis- te resistência, contudo, por parte daqueles derados sustentáveis economicamente.
so, quando você perceber que funciona, eu, go- que não querem ver a verba da renúncia di- Por fim, uma última medida também con-
verno, saio e você passa a cacifar. Só que já tem minuir em detrimento do Fundo. templada pelo Profic é o Procex – Programa
vinte anos. E até hoje, cadê os empresários to- “A lei Rouanet abriu uma porta. A comu- de Fomento às Exportações de Bens Cultu-
marem gosto pela coisa?”. nidade cultural deveria por o pé na porta rais, destinado à difusão da cultura brasilei-
Se a idéia do estado era incentivar esses gru- para que ela não se feche porque brincar ra no exterior.

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Foto: álvaro Barcellos (movimento 27 de março)

Proponentes e incentivadores
É fácil descobrir para onde vai para o di-
nheiro da área de cultura. O site do MinC
disponibiliza dados sobre os maiores propo-
nentes (pessoa física ou jurídica que solicita
recursos para financiar projetos) e incentiva-
dores (pessoas ou empresas que financiam os
projetos e abatem no imposto de renda).
O sistema Salicnet do MinC também informa
os maiores projetos financiados pelo mecenato.
Dos dez maiores, oito são do estado de São Pau-
lo e dois do Rio de Janeiro. Sete são projetos do
Banco Itaú, através do seu braço cultural.
Um dos maiores projetos é da BrasilCon-
nects Cultura, presidida por Edemar Cid Fer-
Ocupação da Funarte no dia 27 de março, promovida pelo movimento de mesmo nome. reira, ex-dono do Banco Santos, que está sendo
Barulho da classe artística contra o imobilismo do governo.
acusado pelo Ministério da Cultura de irregula-
pos para esquentar o financiamento à cultura, ma, mas não aloca recursos, me desculpe. É o ridades na prestação de contas da verba usada
vem à mente a pergunta: se o empresário pode gestor do capital que tem que raspar o tacho”. no projeto Retrospectiva Picasso. A restituição
pegar dinheiro público para por em seu próprio Há uma proposta de emenda constitucional pedida pelo MinC é de R$9,9 milhões.
marketing, o que fará com que ele, num deter- do deputado Paulo Rocha, do PT, a PEC-150,
minado momento, se sinta incentivado a inves- de 2003, para tornar obrigatório o aumento Os maiores proponentes de 2008
tir, por conta própria, em cultura? da vinculação de recursos orçamentários para 1. Instituto Itaú Cultural
A Fundação Itaú Cultural sai tradicional- a Cultura, nos níveis federal, estadual e mu- .................................... R$ 29.500.000,00
mente com o maior montante. 2007 e 2008 fo- nicipal. Já aprovado pela Comissão de Cons- 2. Dançar Marketing Comunicações Ltda
ram bons anos para essa fundação, com cifras tituição de Justiça, o texto prevê a aplicação (empresa de consultoria cultural que
de 27 e 29,5 milhões, respectivamente. Tudo orçamentária da União de 2%, dos estados tem como clientes a Coca-Cola, IBM, Am-
indica que 2009 seguirá igualmente atraen- 1,5%, e dos municípios 1%. E o governo fede- Bev, HSBC, Bradesco, Nestlé, Telefônica
te par a Fundação Cultural Itaú que continua ral terá que destinar 25% de sua cota para os e Gessy Lever)
como a primeira do ranking, nos dados libe- estados e 25% para os municípios. O aumen- .................................... R$ 17.106.322,48
rados pelo Ministério da Cultura, no sistema to de verbas do MinC seria significativo. Mo- 3. Fundação Orquestra Sinfônica Brasileira
SalicNet, disponível na web. reira não acredita que isso represente uma .................................... R$ 14.757.435,00
Moreira integrou comissão do Movimento real mudança: “Interessa a todos, ao banco,
27 de Março que debateu com o MinC, no iní- todo mundo mama nisso. O Congresso Nacio- Maiores projetos do mecenato
cio de abril. A primeira pergunta: Qual o or- nal provavelmente vai topar. É migalha, mas 1. Plano Anual de Atividades 2008, da Fun-
çamento que o governo destina à cultura? 0,6 no fundo é um salto absurdo”. dação Itaú Cultural, São Paulo, 2007,
por cento. “Somos, para esse governo, zero à Cesar Vieira, acredita no PT e aposta que, .......................................... R$29.5000,00
esquerda, literalmente. Sempre foi assim. Por apesar das grandes pressões econômicas, o atu- 2. Projeto de restauração do Conjunto Ar-
quê? Porque nossa mão de obra não interes- al governo ainda possibilita diálogo, ao contrá- quitetônico do Arquivo Nacional, Rio de
sa para o capital, é simples assim! O Ministé- rio dos anteriores, declaradamente direitistas. Janeiro, 2000,
rio da Cultura se julga inteligente porque está “Tem o Sérgio Mamberti, o próprio ministro ..................................... R$28.351.000,00
tentando moralizar a ação das raposas den- (Juca Ferreira) que veio aqui”. 3. Plano Anual de Atividades 2007, da
tro do galinheiro e ao mesmo tempo fala ‘es- Mais do que possível, Vieira acha neces- Fundação Itaú Cultural, São Paulo,
tamos falando a mesma coisa, vamos fortale- sário estabelecer um diálogo entre o gover- ..................................... R$27.000.000,00
cer o Fundo Nacional de Cultural”. no federal e artistas de cinema, teatro, artes 4. Estação da Língua Portuguesa, Fun-
O atual orçamento do Fundo Nacional de plásticas, circo, considerando também as ca- dação Roberto Marinho, Rio de Janeiro,
Cultura, um dos braços da lei Rouanet, tem 280 racterísticas culturais de cada região, para 2001, Rio de Janeiro, 2001,
milhões, para dar conta de tudo na cultura. A evitar aberrações, como por exemplo o fato ..................................... R$25.527.760,84
verba da Fundação Nacional de Arte, Funarte, de que 80 por cento dos recursos do MinC 5. Brasil 500 anos Artes Visuais: Exposi-
está na faixa dos 30 milhões de reais, isso para vão para o Sul e Sudeste. Vieira, que fora do ção e Itinerância, BrasilConnects Cultura,
todas as artes. Ok. Números muito modestos, ramo teatral é advogado, define a proposta São Paulo, 1999,
mas a perplexidade não vem daí. O incentivo do MinC: “uma colcha de retalhos”. Contra ..................................... R$23.211.946,35
fiscal conta com orçamento de 1.400.000.000 isso, quer que o meio cultural faça barulho,
reais (sim, um bilhão e quatrocentos milhões). sem receio de reações contrárias. “Eu acho Os maiores incentivadores de 2008
que o que funciona é o Estado e não entregar 1. Petróleo Brasileiro S.A – Petrobras
Futuro incerto para a Cultura de novo para as grandes firmas. Não tem que ................................... R$142.299.096,44
Moreira exige uma atitude mais concreta do ter receio que o estado não tenha competên- 2. Companhia Vale do Rio Doce
governo. “Tem que ter nessa política de estado cia pra nada, senão nunca mais vai poder ge- ..................................... R$28.242.894,46
regras claras que vão regulamentar a ação do rir um correio, o ensino, etc.”. 3. Banco do Brasil S.A
executivo. Ele não vai fazer o que quer. O que a ..................................... R$25.522.855,40
gente diz para o governo é o seguinte: quando Carolina Rossetti e Felipe Larsen são Fonte:
você (governo) diz que está criando um progra- repórteres. http://sistemas.cultura.gov.br/salicnet/Salicnet/Salicnet.php

caros amigos maio 2009


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entrevista JOSÉ PADILHA

Entrevista de Camila Martins, Carolina Rossetti, Bruna Buzzo, Luana Schabib,


Fernando Lavieri e Felipe Larsen | fotos Flavio Melgarejo.

Relato da fome
por quem passa fome
Depois de fazer o “Ônibus 174” e “Tropa de Elite”, ambos
sobre a violência urbana, o cineasta José Padilha lança o
documentário “Garapa”, que trata da fome “do ponto de
vista de quem está com fome”.

Bruna Buzzo: Por que você quis filmar o Camila Martins: E o que é o Bolsa Família para pa”, ficamos amigos da Estamira. Eu e o Mar-
“ Garapa” ? aquelas pessoas? cos mandamos dinheiro para as famílias que
Com o “Ônibus 174” eu conheci o pessoal Eu acho o Bolsa Família um programa sen- filmamos no “Garapa” desde 2005, fizemos
do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e sacional. Eu sou um defensor do assistencialis- uma casa para a Estamira.
Econômicas (Ibase), que trabalha com a ques- mo. O capitalismo tem sérios problemas, e ele
tão da segurança alimentar. Então pensei em não resolve o problema dessas pessoas. O que Bruna Buzzo: V ocê acha que o espectador
fazer um filme sobre a fome. Ao invés de olhar nós gostaríamos é que elas fossem absorvidas médio de cinema que assistir “ Garapa”
para a fome estatisticamente, vou fazer um pela sociedade. Para que isso aconteça é preci- vai fazer algo para mudar essa situação da
filme do ponto de vista de quem passa fome. so primeiro ter assistencialismo e depois edu- miséria?
Porque eu já tinha percebido, com “Ônibus cação, porque o cara tem que comer para po- Eu tento não julgar o público. No “Tropa
174” e “Tropa de Elite”, que embora os meni- der estudar. Criticam o Bolsa Família dizendo de Elite” a crítica do público apontou que os
nos de rua e a violência da polícia sejam ver- que é um programa de transferência de renda brasileiros gostam do capitão Nascimento, são
dades óbvias, o óbvio não é tão óbvio assim. com caráter eleitoral. Qualquer programa polí- violentos. Mas eu não sei dizer o que o públi-
Então vamos olhar a fome do ponto de vista tico tem um efeito eleitoral. Não dá para esque- co vai fazer. Eu acho que um filme dificilmen-
de quem está com fome, porque isso dá mais cer a história do Brasil. Quando tinha a taxa de te resolve um problema social.
significado que a estatística. Uma coisa é falar inflação, o Brasil transferiu dinheiro dos pobres
que 910 milhões de pessoas passam fome no para os ricos, de forma muito mais eficiente que Bruna Buzzo: E a opção de fazer o filme em
mundo, outra é você ver aquilo. Eu quis con- o Bolsa Família. E esse programa era de estelio- preto e branco?
tar a história da fome do ponto de vista das nato eleitoral? Claro que era. Então porque não O diretor tem que fazer opções estéticas,
pessoas que passam fome, isso é o “Garapa”. se falou em estelionato eleitoral antes? não tem jeito. No “Garapa”, foi muito mais que
a cor. Eu tirei tudo do filme. Fiz um filme no
Bruna Buzzo: Uma das críticas ao “ Garapa” Camila Martins: V ocê filmou “ Garapa” antes de qual faltassem coisas. Eu quero que falte no fil-
acusou o documentário de expor as famílias. “ Tropa de Elite” , por que só saiu depois? me o que o espectador está acostumado a ver,
Como você vê estas críticas? Foi uma questão de dinheiro, estávamos cap- porque acho que é uma maneira boa de expri-
Eu acho engraçado uma crítica a um do- tando recursos e começando a montar o “Gara- mir a fome. A pergunta que eu faço é a seguin-
cumentário que mostra a fome dizer que não pa”. Quando entrou o dinheiro do “Tropa” não te, quando você vê o “Garapa”, você sai de lá
deveria ter exposto tanto. Porque a fome não tinha dinheiro para terminar o “Garapa”. entendendo mais, sentindo na pele o que é pas-
é a moeda que você deixou cair, não é um sar fome? Se você entendeu o que significa,
negócio pequenininho, a fome atinge uma Bruna Buzzo: Depoisque você encontrou as três funcionou o filme.
em cada 7 pessoas no mundo, é um negócio famílias que estão no filme, você as ajudou?
enorme. Então, a idéia de que não se pode As pessoas, em geral, ajudam pessoas que Bruna Buzzo: Qual foi sua trajetória até chegar
mostrar o óbvio é uma ideia estranha, só al- conhecem, não desconhecidos, isso é um fato. no cinema?
guém que acha que não existe acha que não Eu convivo com as pessoas que filmo, fico ami- Eu nasci no Rio, em 1967, e vivi no Rio,
deve mostrar. go delas. Fiquei amigo das famílias do “Gara- com breves intervalos fora. Venho de família

maio 2009 caros amigos


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de classe média, estudei em colégio particu- mostra] “Os carvoeiros”, lá na Eco92. “Esta- Camila Martins: Fascista?
lar e na PUC do Rio. Comecei fazendo Física, mos fazendo filmes com incentivo fiscal, é di- Não é fascista. Aquela ideologia é maluca.
larguei, fui trabalhar no mercado financeiro nheiro público, vamos fazer um filme sobre O matemático húngaro Von Neumann faz uma
e mudei para Administração. Me formei estu- questões sociais”. “Ônibus 174” surgiu por- análise dos processos econômicos a partir de
dando à noite. E virei documentarista, fui só- que apareceu aquele fato na televisão e eu fi- uma metáfora com os jogos: só é possível en-
cio do Marcos Prado, que era fotógrafo. Ele quei mobilizado, quis descobrir e entender tender o comportamento de alguém que está
tinha feito o ensaio “Os carvoeiros”, que ga- quem era o Sandro e o porquê daquilo. “Tro- em um jogo se você entender a regra do jogo.
nhou prêmio no World Press Photo, o Oscar da pa de Elite” veio do “Ônibus 174”. Nunca me Você pode olhar para os processos sociais da
fotografia. E decidimos fazer um documentá- ocorreu fazer um filme que não tivesse nada a mesma maneira, sem nenhuma ideologia. Você
rio. Conseguimos o dinheiro e resolvemos tra- ver com a realidade. se pergunta: qual é a regra, como eu entendo
zer um diretor para fazer o documentário com o comportamento do Sandro naquele ônibus,
a gente, nós produziríamos e aprenderíamos Camila Martins: V ocê nasceu e foi criado no Rio. qual o jogo que o Sandro está jogando ali? Ele
com ele. Então pensamos em trazer o profes- “ Ônibus 174” e “ Tropa de Elite” devem ter sabe que se for pego a polícia vai entrar no ca-
sor da melhor escola de documentário do mun- mexido com você. cete, ele aprendeu isso a vida inteira, então ele
do, o Nigel Noble, da Universidade de Nova Quando eu vi o Ônibus 174, a primeira im- não vai sair daquele ônibus fácil. “Tropa de Eli-
York. Ligamos para ele: “Nigel, você quer fazer pressão foi a de que aquele cara era extrema- te” também é isso: qual o jogo que está jogando
um filme sobre os carvoeiros? - Mas quem vai mente violento, que ele estava agredindo as um policial? Ele faz parte de uma corporação
bancar? - A gente, só que você tem que nos en- pessoas. E pensei: “Mas por quê?” Nas repor- corrupta. Os primeiros cinco minutos do “Tro-
sinar como se faz.” Trouxemos o Nigel; produ- tagens de TV quase não tinha som direto do pa de Elite” anunciam claramente este ponto
zimos o filme e ele dirigiu. Isso em 99. ônibus, as câmeras mostravam os repórteres e de vista: se é PM tem que escolher, ou se cor-
não se ouvia o que era falado lá dentro. Eu fi- rompe, ou se cala, ou vai para a guerra.
Camila Martins: Mas já com a intenção de ser quei curioso. Consegui, com muito esforço, ter
profissional? acesso aos arquivos da Globo e ver o material, Felipe Larsen: E
a imagem que o filme passa de
Não. Eu sempre gostei de documentários 30 horas. Eu comecei a ouvir o som direto, e que muito do financiamento do tráfico de
e sempre vi muitos, muito mais do que filmes o Sandro falava: “eu sou ex-menino da Can- drogas parte da classe média alta?
de ficção. Eu e Marcos fizemos um vídeo com delária, vocês me maltrataram, me jogaram Eu diria que contra fatos não há argumen-
o João Jardim, diretor de “Janela da Alma”, na cadeia”. Aí falei: “Tem uma história aqui. tos. É um fato que quem compra drogas está fi-
para uma mostra em 1992. O João montou o Essa violência não é do zero”. Resolvi enten- nanciando quem vende drogas. Incomoda, mas
audiovisual com as fotos do Marcos, eu pro- der aquele menino. “Ônibus 174” é calcado em é um fato. Agora, “Tropa de Elite” falou em al-
duzi e nós gostamos. Aquilo teve um impacto. pesquisa, para entender o que aconteceu, por guma hora que o problema da violência policial
“Vamos fazer um documentário sobre esse as- que o Sandro ficou daquele jeito dentro do ôni- é causado pelo usuário de droga? Não. “Tropa
sunto. Só que a gente não sabe fazer”. Eu esta- bus. Eu investi dois anos e meio pesquisando, de Elite” montou as regras do jogo: um cara
va cansado do mercado financeiro e o Marcos tinha 300 páginas de documentos. E a questão vende droga no morro e tem quem compre. O
da publicidade, que ele fazia na época. E docu- era como contar a história do ônibus da ótica usuário de drogas, que não é viciado, quan-
mentário era legal porque podíamos viajar. do Sandro, já morto. O filme corta do ônibus do escolhe comprar drogas no Rio ou em São
para a vida dele, você vê o Sandro matar pes- Paulo, sabe para onde o dinheiro vai. Ele en-
Carolina Rossetti: E como esse filme foi soas e também vê enfiarem o cacete nele. Ao tende como funciona a sociedade em que vive,
patrocinado? mesmo tempo, o espectador sente ódio e pena. sabe que o dinheiro vai para o traficante arma-
Com a Lei do Audiovisual e levantando re- E as duas histórias são verdadeiras, a do ôni- do, sabe que o traficante armado domina uma
cursos. A parte boa de ter trabalhado em um bus e a dele. Eu comecei a receber emails da comunidade carente, sabe que o tráfico forma
banco é que eu sabia como levantar dinheiro direita: “o filme justificou um criminoso, você uma cultura em torno de si, que inclui crianças
para o filme. É um filme que tem um viés am- é um radical de esquerda”. No “Tropa de Eli-
biental muito forte e todos os prêmios que o te” eu resolvi fazer exatamente o contrário. Fa-
Marcos ganhou também ajudaram. E aí a gen- zer a mesma quantidade de pesquisa e contar
te fez. Durante a filmagem o Marcos pegou a a história da violência do Rio de Janeiro pela
câmera e ajudou o Nigel nas entrevistas, de- ótica do policial violento e logo um policial do
pois eu fui para Nova York e fiz a montagem BOPE, e narrar a entrevista dele. O oposto do
com a Ann Collins, uma grande montado- Sandro. E vou dar o mesmo nome, Capitão
ra com quem eu aprendi muito. O filme ga- Nascimento; era Sandro Nascimento. Vou fa-
nhou muitos prêmios e nós gostamos. Depois zer a mesma história ao contrário. Comecei a
fizemos um filme para a National Geographic, ver que as pessoas reagem aos filmes com ide-
“Pantaneiros”, nós dirigimos e o Nigel produ- ologia. No “Tropa de Elite” eu virei um radical
ziu. E então cada um resolveu fazer o seu: o de direita. Eu era radical de esquerda em um
Marcos fez “Estamira” e eu “Ônibus 174”. De- filme e radical de direita no outro, mas a ma-
pois “Tropa de Elite” e agora “Garapa”. neira pela qual eu pensei os dois filmes foi exa-
tamente igual. Vou contar pelo ponto de vis-
Luana Schabib: Os
temas dos documentários ta do protagonista da violência e vou mostrar
vêm de onde? o processo social que gera aquele cara violen-
Eu faço filmes sobre coisas que me inte- to. Vou mostrar que a polícia paga muito mal,
ressam, que acho relevantes. “Os carvoeiros” que o policial corre riscos e que nesse ambien-
surgiu do ensaio do Marcos, sempre engaja- te de corrupção você só consegue ter um bata-
do socialmente. O Nigel fazia documentários lhão que não é corrupto naquela ideologia ma-
engajados. Nós já começamos assim, desde [a luca do BOPE.

caros amigos maio 2009


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e seduz. Então o cara dizer ou imaginar que não Fernando Lavieri: O que você diria a um jovem empresa e achamos, fomos na delegacia, fize-
faz parte do problema é escandaloso para mim. que quer ser o Capitão Nascimento? mos queixa: o cara foi interrogado e confes-
É péssimo ser o Capitão Nascimento, ele é sou. Isso saiu no jornal.
Luana Schabib: Quando a gente assiste, a gente angustiado, perde a mulher, vive tremendo,
pensa que todo universitário é puto. toma calmante. Um cara fodido. A criança que Luana Schabib: A
pirataria permitiu que muita
Nenhum personagem de dramaturgia tem quer ser o Nascimento é igual à criança que gente, independente da classe, assistisse
a complexidade de uma pessoa. Meu filme tem quer ser traficante. O cara viu o filme e não fez “ Tropa de Elite” . V ocê não acha isso bom?
personagens caricatos? Tem. Isso é uma coisa, crítica nenhuma, assim como olha para o tra- 11,5 milhões de brasileiros viram o filme
outra coisa é generalizar o filme. Por exemplo, ficante armado na favela e não constrói crítica antes de abrir no cinema, 2,75 milhões viram
eu coloquei no meu filme um universitário que do que está vendo. Aí entra a pirataria, “Tropa no cinema. O Ibope fez uma pesquisa e con-
compra drogas na favela e vende na faculdade. de Elite” é proibido para menores de 16 anos. cluiu que entre 6 e 6,5 milhões teriam visto no
Na PUC-Rio, onde estudei, cansei de ver isso. Pirataria é uma merda, porque o filme está lá cinema se não tivesse vazado a cópia pirata.
No dia que fui filmar a PUC falou assim: “Você e as crianças viram. Então eu diria que não, Pessoas investiram no filme, ele não foi feito
pode filmar, mas alguém irá acompanhar a fil- não seja igual ao Capitão Nascimento. É uma totalmente com dinheiro público, mesmo que
magem”. Essa pessoa foi comigo ver a locação merda ser o capitão Nascimento, assim como fosse, não justifica a pirataria. Você pode falar
em um dia que tinha aula. Era o lugar onde é uma merda ser traficante. Eu diria para as que muito mais gente viu do que veria. É ver-
fumavam maconha e cheiravam pó, tinha dez crianças: “Não veja Tropa de Elite se tiver me- dade. Como diretor fico orgulhoso, porque fiz
alunos fumando maconha, dez alunos. O re- nos de 16 anos”. algo que comunica muito, mas isso não justi-
presentante foi embora e nem apareceu na fil- fica a pirataria. Talvez aponte outro caminho
magem. Mostrar um personagem que faz isso Carolina Rossetti: E qual foi sua reação à para a indústria oficial, que vale a pena ven-
é uma coisa, dizer que o filme diz que todo alu- pirataria? der alguns filmes superbarato, por exemplo.
no universitário faz isso é outra. O universitá- Eu fiquei desesperado. A minha relação
rio que está no meu filme é o universitário vis- com a pirataria é ruim. Pirataria não é bom Camila Martins: Assistir filme pirata é ruim, mas
to pelos policiais. Eu entrevistei os policiais. para a economia. Eu não gosto de pirataria, nem todos podem pagar 20 reais por um
O Matias existe no mundo real. Existe o poli- gostei menos ainda quando muitos jornalis- ingresso ou 50 reais por DV D.
cial que estudou Direito na PUC, que namorou tas escreveram que a gente tinha feito a pró- O problema é como se populariza a arte, eu
uma menina que tinha uma ONG. E o filme é pria pirataria. Nós investigamos a pirataria. reluto quando alguém diz que para populari-
narrado pelo Nascimento, eu não escondo isso A cópia pirata que eu vi tinha um código apa- zar a arte temos que fazer algo ilegal, é desistir
do meu público. O universitário ali é o univer- rente, então nós sabíamos que tinha vazado de resolver o problema. Deve ter uma maneira
sitário tal qual concebido pelo policial. da empresa de legendagem. Pressionamos a mais inteligente de popularizar a arte.

Emir Sader
A CRISE e o outro mundo possivel
A crise confirma as análises e previsões do entre outras – nesse momento, onde estão as O FSM não passou da fase das denúncias
Fórum Social Mundial. A volatilidade do capital propostas alternativas, aquelas que podem à das propostas, das alternativas, da cons-
financeiro foi fator essencial para desatar a cri- conduzir ao outro mundo possível? trução do outro mundo possível. Não mu-
se, as teses do Estado mínimo e da centralida- É a hora de propor formas concretas de re- dou a predominância das ONGs na direção,
de do mercado são consensualmente apontadas gulação da circulação do capital financeiro, nos quanto os grandes protagonistas da luta
como responsáveis pela generalização da crise. termos que a Attac propôs, com um imposto antineoliberal são os movimentos sociais; a
As políticas de livre comércio concentraram para um fundo para realizar os direitos básicos limitação dos participantes à chamada “so-
mais do que nunca renda e poder dentro de de cidadania. Propô-lo aos governos que par- ciedade civil”, quando são governos latino-
cada país e entre os países do norte e do sul do ticipam dos processos de integração regional. americanos que estão construindo o outro
mundo. A transformação de tudo em mercado- Propô-lo aos governos do Sul do mundo. mundo possível; manter o FSM como espa-
ria expropriou direitos elementares da grande Fala-se abertamente de nacionalização dos ço de intercâmbio, quando a crise mundial
maioria da humanidade – da educação e da saú- bancos. Para o outro mundo possível, se trata pede propostas, alternativas.
de públicas ao contrato de trabalho. A desre- de desmercantilizar o sistema bancário, mas
gulação produziu uma brutal transferência de não apenas de colocar os bancos provisoria-
capitais do setor produtivo ao especulativo. mente sob o controle de Estados, para reca- sugestões de leitura
Nesse momento, ao invés de retomar es- pitalizá-los, a fim de devolvê-los em seguida TRABALHO, AUTOGESTÃO E DESENVOLVIMENTO
sas criticas, aprofundá-las à luz das suas ao mercado, nem de deixá-los sob controle de José Ricardo Tauille
Editora da UFRJ
comprovações concretas, traduzi-las em po- uma tecnocracia estatal.
O TEMPO E O CÃO
líticas concretas e disputar hegemonia, no No momento em que as teses do FSM são Maria Rita Kehl
momento em que se reconhecem teses como confirmadas na prática, o FSM tem o perfil www.boitempoeditorial.com.br
a necessidade de estatizar o sistema bancá- mais baixo do que ele nunca teve. A que se MODERNISMO
rio, do Estado atuar como indutor do cresci- deve isso? A que o FSM envelheceu, não se Peter Gay
Cia. das Letras
mento econômico e regulador do mercado, de adaptou à velocidade com que as coisas se
subordinar o equilíbrio monetário e o ajuste deram no mundo, com que se desatou a cri-
fiscal à necessidade de combater a recessão, se e se debate abertamente as alternativas. Emir Sader é cientista político.

maio 2009 caros amigos


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Renato Pompeu I idéias de botequim

A saúde como problema de todos,


mais crônicas contundentes,
o petróleo como fator de guerras,
o fundamentalismo como fator de opressão
e as condições prisionais brasileiras vistas por um alemão
fotos: Divulgação

Nem só os profissionais de saúde, mas todas as razão pela qual os Estados Unidos invadiram e ocu-
pessoas interessadas em problemas humanos, po- param o Iraque, aqui está a resposta”. E a ganhado-
dem consultar com proveito o Dicionário da Edu- ra do Prêmio Nobel da Paz em 1997, Jody Williams,
cação Profissional em Saúde, lançado em segunda afirmou: “Juhasz apresenta o problema do petróleo
edição revista e ampliada pela Escola Politécnica com detalhes, oferecendo soluções reais e os pas-
de Saúde Joaquim Venâncio, Fundação Oswaldo sos concretos para conquistá-las. Em um mundo
Cruz-Fiocruz e Ministério da Saúde, e organiza- que glorifica a guerra e a violência, Juhasz nos
do por Isabel Brasil Pereira e Julio César França oferece reflexão e atitude”. A conclusão de Anto-
Lima. Pois na sua elaboração colaboraram não nia Juhasz: “Devemos pensar de modo radical,
apenas profissionais de saúde, como médicos em aceitar seguir novos rumos e acreditar em nossa
geral, sanitaristas, psicólogos, enfermeiras, mas capacidade de por fim às guerras, proteger nosso
também pedagogos, historiadores, comunicólo- clima, nossas comunidades e nossos trabalhadores
gos, especialistas em geral em ciências humanas, arquitetos, etc. e construir um futuro mais seguro, sustentável e pacífico”.
Há, por exemplo, verbetes como “atenção à saúde”, “avaliação em Igualmente da Ediouro é a autobiografia Inocência roubada – a histó-
saúde”, mas também “capital cultural”, “capital humano”, “capital in- ria da mulher que chocou os EUA revelando sua vida em uma seita po-
telectual”, “capital social”, “divisão social do trabalho”, “globaliza- ligâmica, da americana Elissa Wall, em colaboração com Lisa Pulitzer.
ção”, “humanização”, “neoliberalismo e saúde”, “participação social” Diz Wall: “Desde o dia em que nasci, pertenci à Igreja de Jesus Cristo
“precarização do trabalho em saúde” e muitos outros com temáticas dos Santos dos Últimos Dias. Aquele modo de vida era o único que eu
assim amplas. Fica claro portanto que a obra, além de seu rigor téc- conhecia; não me era possível imaginar outro diferente. Pelo que me ha-
nico em questões específicas de saúde, abrange uma ampla gama de viam ensinado, cabia ao profeta (Warren Jeffs) decidir o que era melhor
assuntos, a mostrar que os problemas humanos em geral, desde a para nós, e as palavras que ele dizia vinham direto de Deus”. Aos pou-
empregabilidade e o bem-estar, estão interligados com as questões cos, querendo ser enfermeira ou professora, além de mãe – pelos precei-
de saúde. Parafraseando a antiga sentença latina, poderíamos dizer tos de sua Igreja teria de esforçar-se para ter filhos a partir dos 14 anos
que esse dicionário tem como lema “Mente sã num corpo são, numa – ela foi se dando conta de que a vida com que lhe acenavam não era ple-
sociedade sã”. No fundo, o que está em jogo em todos os verbetes é a namente humana. Seu caso foi parar na Justiça e terminou com o julga-
felicidade humana. mento de “um dos mais notórios criminosos dos Estados Unidos”. Essa
Também de educação, mas num outro registro, tratam várias das obra poderia inspirar alguém no Brasil a pesquisar vidas semelhantes
contundentes crônicas de Marcus Cortez no livro Golpe na alma, pu- tolhidas por fundamentalismos caboclos.
blicado pela Pé-de-Chinelo Editorial, que têm o educador Paulo Frei- Para encerrar, temos, da Best-Seller, o livro também autobiográfico
re e seus métodos como temas evocativos e comoventes. Mas também de Rodger Klingler, Memórias do submundo – um alemão desce ao in-
há crônicas sobre o jornal Folha de S. Paulo, “A tortura que a impren- ferno no Rio de Janeiro. Hoje ele está radicado em seu país, depois de ter
sa censurou”, e sobre a Rede Globo, “A escória humana brasileira”. É morado no Brasil, atraído pela beleza de suas mulheres e pelo preço ba-
uma obra sobre um sonho de Brasil feliz acalentado no início dos anos ratíssimo da cocaína, em comparação com o mercado europeu. Acabou
1960 e que se transformou em pesadelo num Brasil infeliz a partir de cumprindo pena por tráfico de drogas no Rio, sofrendo tratamento desu-
1964 e, particularmente, a partir de 1968. mano dos policiais. Trecho: “Embora eu mantives-
Já a Ediouro costuma ter seus lançamentos bada- se os dentes firmemente trincados, deixei escapar
lados por setores da grande mídia, mas esse A tira- um leve gemido. – Olha só, o alemãozinho está gos-
nia do petróleo – a mais poderosa indústria do mun- tando – disse odiosamente um dos policiais”. Em
do e o que pode ser feito para detê-la, da jornalista e suma, um brado contra nosso sistema prisional.
escritora americana Antonia Juhasz, teve pouca re-
percussão nos grandes meios de comunicação, tal- Renato Pompeu é jornalista e escritor, autor
vez por afetar os interesses de grandes empresas do romance-ensaio O Mundo como Obra de Arte
que são grandes anunciantes. A coronela Ann Wri- Criada pelo Brasil, Editora Casa Amarela, e edi-
ght, da Reserva do Exército dos Estados Unidos, tor-especial de Caros Amigos. Envio de livros
comentou sobre o livro de Juhasz: “Se nossas tro- para a revista, rua Paris, 856, cep 01257-040,
pas e o povo norte-americano quiserem saber a São Paulo-SP.

caros amigos abril 2009


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BRASÍLIA

Programação maio 2009


SBS Quadra 4, Lotes 3/4 – Asa Sul – (61) 3206-9450/9448

EXPOSIÇÃO
Peter Paul Rubens e seu Ateliê de Gravura
De 24 de abril a 24 de maio de 2009
Terça a domingo, das 9h às 21h
Classificação: livre
Entrada franca
Galeria Vitrine

CURITIBA
Rua Conselheiro Laurindo, 280 – Centro – (41) 2118-5409

EXPOSIÇÃO
Babinski
De 12 de maio a 7 de junho de 2009
Terça a sábado, das 10h às 21h
Domingo, das 10h às 19h
Classificação: livre
Entrada franca
Galeria da CAIXA

RIO DE JANEIRO
Av. Almirante Barroso, 25 – Centro – (21) 2544-4080

EXPOSIÇÃO
Ser Jovem na França
De 23 de abril a 17 de maio de 2009
Terça a sábado, das 10h às 22h
Domingo, das 10h às 21h
Classificação: livre
Entrada franca
Galeria 3

SALVADOR
Rua Carlos Gomes, 57 – Centro – (71) 3322-0228/0219

EXPOSIÇÃO
Victor Brecheret
De 12 de maio a 28 de junho de 2009
Terça a domingo, das 9h às 18h
Classificação: livre
Entrada franca
Galeria do Pátio e Galeria Arcos

Veja a programação completa no SÃO PAULO


www.caixa.gov.br/caixacultural Praça da Sé, 111 – Centro – (11) 3321-4400

SAC CAIXA EXPOSIÇÃO


Informações, reclamações, sugestões e elogios 30 Anos de Fotografia
0800 726 0101 De 9 de maio a 21 de junho de 2009
Para pessoas com deficiência auditiva
0800 726 2492
Terça a domingo, das 9h às 21h
Classificação: livre
Ouvidoria Entrada franca
0800 725 7474 Galeria D. Pedro II
Prêmio
Fundação Banco do Brasil
de Tecnologia Social 2009

Carbono Neutro – Árvores do cerrado estão sendo plantadas para compensar o CO2 emitido com a realização desta edição do Prêmio.
çõ es vão se esp
olu alhar
S
por todo o Br
asil
.

Em todo o Brasil, instituições sem fins lucrativos


implementam soluções efetivas para problemas
relacionados à água, alimentação, educação,
energia, habitação, saúde, renda e ao meio
ambiente, que podem ser transferidas para outras
comunidades. São as chamadas tecnologias
sociais. O Prêmio Fundação Banco do Brasil de
Tecnologia Social tem como objetivo identificar,
reconhecer e difundir estas soluções. As tecnologias
que são certificadas passam a compor o Banco de
Tecnologias Sociais, disponível no site da Fundação
Banco do Brasil, e poderão ser reaplicadas em
futuras parcerias. As 8 melhores tecnologias
sociais receberão um prêmio de R$ 50 mil para
seu aperfeiçoamento ou expansão, totalizando
R$ 400 mil em premiação. Vamos fazer um Brasil melhor!
Compartilhe sua solução com todo o país!

Parceria Institucional: Patrocínio: Realização:

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