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VIDA ESCOLA VIDA

visão psieo-sociológica
c filosófica da escola
até a faixa do 2" grau

VICENTE FIDELES DE ÁVILA

BELO HORIZONTE

1973
Muitas dentre as principais idéias
deste trabalho foram testadas e enri-
quecidas nas aulas de Filosofia da Edu-
cação e de Sociologia, da Faculdade de
Filosofia, Ciências e Letras de Guaxupé.

Aos alunos, os sinceros agradeci-


mentos pela parte de incentivo e cola-
boração que nos deram. ~
\

APRESENTAÇÃO

Quem vê só um lado da vida e do mundo leva


susto, pensando que tudo termina, e que os valo-
res morrem.
Quem vê um ângulo dos problemas pensa que
estamos em crise de tudo. (Se crise é a queda
daquilo que não tem razão de existir, estamos
realmente na maior derrocada da história...)
Quem olha com pressa ou com a cabeça cheia
de certezas não pensadas...
Mas parece que está acontecendo exatamente
o contrário. Nunca houve tanto interesse quanto
agora, para aquilo que vale a pena. Nunca tive-
mos tanto trabalho, tanta experiência rica, tanta
reflexão sobre a educação, por exemplo. Educa-
ção no seu amplo sentido, e não apenas como
escolarização ou aprendizagem intelectual.
Se há susto para quem se acostumou aos
princípios perenes, • intocáveis, há alegria para
quem vê problemas novos pedindo mais que re-
petição de velhas fórmulas que não respondem a
nada.
— 8 —

Ninguém choca, se repete velhos axiomas.


Choca, sim, aquele que propõe reflexão, que faz
pensar, que pergunta, que questiona.
Antigamente, num mundo de pequeno hori-
zonte geográfico e histórico, bastava repetição de
soluções. Hoje, num mundo agitado de informa-
ções, coloca-se a problemática do imprevisível e
aquelas soluções prontas já não funcionam mais.
É preciso ser realista .0 campo da educação está
pedindo reformulação completa, se não quiser
fica no vácuo. Alargou-se o âmbito da educação.
Não basta saber o que outros povos fizeram. Não
basta importar soluções. É preciso treinar a criti-
cidade, a reflexão, para que nasçam atitudes rea-
listas em face dos novos desafios colocados pela
vida. A educação deve estar a serviço da pessoa
humana e suas legitimas ânsias. Deve ser um ser-
viço e não instituição pedindo respeito cego.
Cada dia aparecem os reflexos dessa nova
concepção. Está marcada pela vontade de ser in-
dividuação, personalização, identificação, consci-
ência plena etc. Esses fenômenos são conquista
da ciência e não podem deixar de marcar profun-
damente os rumos da educação como serviço do
homem.

$
Este trabalho de Vicente Fideles de Ávila,
Professor da Faculdade de Filosofia de Guaxupé,
é prova disto. Ê testemunho de estudo e verifi-
cação. De pesquisa cientifica e de treinamento nas
bases. De contato cotidiano com as pessoas e os
problemas.
O autor ê um estudioso, no amplo sentido da
palavra: um prestador de atenção, um verifica-
dor, pesquisador honesto. Estuda com seriedade
as reformas do ensino. Acompanha a caminhada
da educação e não fica aí. Desce ao campo da
aplicação, aos contatos do dia-a-dia.
Este livro propõe muitas reflexões. Coloca
problemas sérios.
É uma alegria escrever uma palavra no li-
miar deste livro, pois ele tem missão a cumprir.

MARCOS ANTÔNIO NORONHA


SUMÁRIO

PÁGS.

I — ELEMENTOS INTRODUTÓRIOS 13

II — ESCOLA, SEU RELACIONAMENTO E SUA


COMPLEMENTARIDADE 21

1 — Escola e Desenvolvimento Bio-Psíquico 22


2 — Escola e Personalidade 32
3 — Escola e Autoridade 37
4 — Escola e Família 44
5 — Sociedade, Educação e Escola 50
6 — Modernização e Renovação da Escola 55

III — JARDIM DE INFÂNCIA E ESCOLA


DE PRIMEIRO E SEGUNDO GRAUS . . . . 63

1 — Jardim de Infância 64
2 — Escola de Primeiro e Segundo Graus 66

IV _ A ESCOLA RURAL É O NOSSO APÊNDICE 71

1 — Ensino e Desenvolvimento Rural . . . . 71


2 — Ensino e Êxodo Rural 72
3 — Uma Sugestão 75
4 — "Sabedoria" e Meio Rural se Repelem 77
V — BIBLIOGRAFIA 85
I — ELEMENTOS INTRODUTÓRIOS

Ao iniciar este trabalho, tenho à minha frente


um vastíssimo campo de considerações, pois a
escola de primeiro e de segundo graus, precedida
pelo Jardim de Infância, abrange o ser humano
em suas fases de maior dinamicidade e de maior
importância.
Abrange a criança e o adolescente no seu des-
pontar para a vida societária, no seu integrar-se
inteligente no mundo e na sociedade, isto é, em
suas bases de vida adulta.
A vida adulta inserida e integrada no mundo
das convenções, dos padrões, das instrumentali-
dades e das realizações não poderia encontrar
sentido senão no desenrolar de um crescimento e
de uma maturação equilibrados, assim como no
exercício da sociabilidade afetiva, efetiva e signi-
ficativa, no período infanto-adolescente.
A cada passo, ano após ano, o ser humano se
envolve numa conquista ou numa depreciação de
si mesmo.
A significação e a insignificação da vida de-
penderão dessa conquista ou dessa depreciação,
— 14 —

sem que, por isto, queiramos optar pelo indivk


dualismo e pelo centralismo personalista.
Tudo se processa num contexto próprio e com
instrumentalidades próprias. E o processar-se em
um contexto próprio não é a modo de continente
e de conteúdo desarticulados, mas a modo de par-
ticipação e de enriquecimento recíprocos, de in-
tegração e de interação e, em última análise, de
assimilação e de expansão.

O ser humano não surge do mundo e dele se


extrapola. Ao contrário, cada ser humano surge
no mundo e nele se integra, dele recebendo e a
ele se doando, em formas que ultrapassam o
simples existencial-vegetativo e determinista.
A "bolha" da inteligência, dos sentidos ori-
entados, da consciência e da significação afetiva
e efetiva desponta-se germinalmente no mundo
naquele momento exato em que se efetua o apa-
recimento da vida humana.
Todavia, a sua forma germinal não é e não
se tornará eficaz, se não houver o sistema do cul-
tivo e do amadurecimento gradativo e ascensio-
nal, dentro de círcunstancialidades e nos limites
das potencialidades, do processo de expansão e de
assimilação do mundo.
A vida humana, genericamente tomada, passa,
por assim dizer, por um novo estágio de locação
— 15 —

e de perfeição, no mundo que integra, e assume


novas características de individuação e de signi-
ficação .
Não é mais simplesmente vida humana. É
pessoa humana, em todas as suas dimensões, isto
é, assume em si as configurações das mais altas
expressões de vida consciente, associativa e asso-
ciante, ao mesmo tempo que se imerge nos mais
estreitos limites de temporalidade, de condiciona-
mentos, de desagregação e de desintegração.
Assume características de autodeterminações,
de "agência" (1) em relação aos seus atos, à sua
vida e à orientação do mundo, a ponto de poder
dizer-se, com Zavalloni, que tem capacidade para
tornar-se ativa como sujeito, isto é, um "eu-em-
-ação" (2).
A vida humana aparecida no mundo, genera-
lizada e elementar, nele se mergulha, dele parti-
cipa e, nele, no mundo dos homens e das coisas,
se dirige e se orienta, embora no círculo visivel-
mente acanhado de limitações condicionantes, ao
mesmo tempo que, de certo modo, o dirige, o
orienta e o torna significante.

(1) TAYLOR, Richard — "Metafísica" (Curso Moderno de Filo-


sofia), Zahar Editores, 1969, Rio, pág. 76.

(2) ZAVALLONI, Roberto — "A Liberdade Pessoal" — Editora


Vozes, 1968, Petrópolis, pág. 244.
— 16 —

É a pessoa humana, em plenitude, desabro-


chada da vida humana. É o adulto que se firma,
biológica e psiquicamente, na cadeia do processo
do desenvolvimento humano. É a meta a se al-
cançar. Mas essa meta, como final-sentido, só se
alcança através das fases e das etapas comuns ou
espontâneas e também das artificiais ou motiva-
das, societárias, comunitárias e convencionais, do
período pelo qual passa a vida humana em trans-
formação e evolução.
O mundo e a sociedade são o contexto pró-
prio de desabrochamento do ser humano em sua
forma não individualista, isto é, participante
e assimilativa, ao mesmo tempo que expansiva e
irradiante.
Mas há os períodos, constituídos de fases e de
etapas, repetimos, pelos quais a vida humana
precisa passar, a fim de que seja, em sua forma
mais aperfeiçoada, um todo com o todo.
Em outras palavras, essa meta é resultante
do dinamismo de um processo de crescimento
físico-estrutural, de uma maturação bioneuropsí-
quica, de uma socialização e de uma situação
consciente e crítica na sociedade e no mundo.
As fases e etapas dos períodos não são fixa-
das independentemente umas das outras, mas são
peças ou elos do processo de desenvolvimento da
pessoa humana, sob todos os pontos de vista:
físico, psíquico, afetivo, social e intelectual.
Tangem a personalidade na sua globalidade
dinâmica. São elas os sustentáculos e, ao mesmo
tempo, a expressão da inserção e da conduta da
pessoa humana na temporalidade sucessiva, evo-
lutiva e transformante.
Tais elos constituem os intermediários da
transformação da vida humana em pessoa huma-
na desabrochada.
A idade cronológica outra coisa não é senão
a expressão numérica da sucessão temporal das
fases e das etapas intermediárias, pelas quais
passa a vida humana em sua caminhada para a
conquista da plenitude pessoal física, psíquica e
socialmente.
É através dessas fases e etapas intermediá-
rias que a vida humana faz a sua ascensão na
ordem dos fatos concretos da sucessão, evadindo-
-se dos limites da pura abstração e intencionali-
dade.
A pessoa humana não se constrói em sua
caminhada e inserção no tempo e no espaço se
não assume, de fato, a significação de si, em
conjunto com esse tempo e esse espaço, enquanto
lhe permitem os limites de sua constituição e da
constituição dos outros elementos de coexistência,
de convivência e de interação.
As fases e etapas, por sua vez, são vividas e
vencidas através de instrumentalidades próprias,
— 18 —

isto é, meios auxiliares para a concretização do


processamento da evolução e da transformação do
ser humano.
São vários, como família, primeiros grupos
de socialização, psicogrupos, sociedade com suas
características gerais e institucionais de ordem
social, educacional, econômica, cultural e outros.
Em cada fase e em cada etapa sobressai-se
um ou outro grupo desses meios auxiliares ou
instrumentalidades próprias, mas nunca isolados
e desarticulados.
Em razão do todo, formam um sistema con-
tinuativo, completivo e cooperativo.
Portanto, ao falarmos da escola, sobretudo
daquela que atinge a pessoa humana em suas
fases e etapas de maior dinamicidade e de maior
importância, podemos situá-la entre os meios au-
xiliares ou instrumentalidades próprias, mas não
podemos desvinculá-la das demais, visto coexis-
tir e completar-se com quase todas elas.
Para maior precisão, coexistindo com quase
todas as instrumentalidades próprias, a escola é
complementada por algumas e complementação
para as outras'.
De tudo o que refletimos, estudamos e escre-
vemos nestes Elementos Introdutórios, convergin-
do para a escola, resultou, ao nosso ver, a neces-
sidade de estudá-la sob a dupla dimensão: pri-
— 19 —

meira, seu relacionamento e sua complementari-


dade; segunda, sua estruturação e seus objetivos
imediatos.
Merecerá relevo maior a primeira dimensão,
visto, naturalmente, a segunda fluir-se quase como
conclusão sua.
As premissas, por assim dizer, serão pratica-
mente todas colocadas na primeira, restando à
segunda apenas as decorrências.
Isto é o que faremos de agora em diante.
II — ESCOLA, SEU RELACIONAMENTO E SUA
COMPLEMENTARIDADE
x

De acordo com o título aeimâ, nossas funções


são a de constatar e a de refletir sobre as múlti-
plas implicâncias, podemos afirmar já de início,
existentes entre escola e outros fatores ligados à
própria pessoa, quer se trate de elementos ine-
rentes à sua constituição biopsíquica, quer se trate
de elementos influenciadores nessa constitui-
ção, de consistência externa, atuantes como com-
plementos, como limites e, sobretudo, como bases
de equilíbrio da formação ascensional da pessoa
humana.

Selecionaremos alguns pontos dos que julga-


mos principais para objeto do nosso estudo, espe-
rando contribuir, dessa maneira, para o melhor
entendimento da situação da pessoa humana pe-
rante a escola e da êscola como uma das instru-
mentalidades próprias que estão a serviço do seu
pleno desenvolvimento.
— 22 —

1 — ESCOLA E DESENVOLVIMENTO
BIOPS1QUIGO

O ser humano não está na ordem daqueles


seres que j á nascem quase adultos, ou seja, com
sua estrutura biopsíquica mais ou menos com-
pleta, com formas médias satisfatórias.
A expressão mais adequada para a concei-
tuação e verbalização da realidade dinâmica do
desenvolvimento biopsíquico da pessoa humana é
ainda processo.
É um processo contínuo, completivo e intera-
tivo.
Isto é o que vemos em um dos trechos de
Lourenço Filho: "o ser humano começa por uma
célula original que se multiplica, dessa multipli-
cação resultando tecidos e órgãos diferenciados;
a um crescimento e maturação pré-natal, segue-
-se um desenvolvimento pós-natal, que não se ca-
racteriza apenas pela morfologia e estrutura, mas
também pelos aspectos de adaptação em padrões
mais e mais complexos. Por eles, o organismo,
em interação com o meio, vem plenamente a rea-
lizar-se ou a tomar a forma adulta, exprimindo-
-se no plano biológico e no plano social e moral"
(3).

(3 ) FILHO, M.B. Lourenço — "Introdução ao Estudo da Escola


Nova" — 10.» ed., Edições Melhoramentos, 1969, São Paulo,
págs. 53-54.
— 23 —

A célula original contém potencial ou capa-


cidade para a configuração e a expansão do ser
humano, de forma divergente, como acabamos de
observar em Lourenço Filho, mas esse potencial
em estado de latência só toma corpo na medida
em que se. dá a progressão do processo, observa-
das as condições essenciais, mesmo que elemen-
tares, de subsistência progressiva.
A maturação, como um dos elementos cons-
titutivos do desenvolvimento (4), não é exclusiva
de fases estancamente determinadas da existên-
cia humana. Continua até a morte. Mussen, ci-
tando McClandess, afirma: "por maturação en-
tende-se o desenvolvimento do organismo como
função de tempo e de idade; a maturação refere-
-se a transformações neurofisiológicas e bioquími-
cas que têm lugar desde a concepção até à morte"
(5).

( 4) PIAGET, Jean — "Seis Estudos de Psicologia" — 3.» ed.,


Cia. Editora Forense, 1969, Rio, pág. 95.

Piaget deixa clara a distinção entre os fatores constitutivos


do desenvolvimento. Citando-o, ao comparar a teoria do de-
senvolvimento com a da aprendizagem, percebemos a distin-
ção : "a teoria do desenvolvimento, infelizmente, é bem me-
nos elaborada que a da aprendizagem, porque ela enfrenta
a dificuldade fundamental de dissociar os fatores internos
(maturação) dos fatores externos (ações e m e i o ) . "

( 5) MUSSEN, Paul H. — "O Desenvolvimento Psicológico da Cri-


ança" — 4.9 ed., Zahar Editores, 1969, Rio, pág. 30.
24

Interessà-nos, de imediato, a faixa do desen-


volvimento biopsíquico que vai do nascimento até
à adolescência, nos limites dos 20/25 anos mais
ou menos, quando se criam condições de uma
certa estabilidade orgânica de amadurecimento.
Nesse particular, trataremos mais diretamente
de maturação do modo como ficou entendida
atrás.
É Mussen ainda, citando Scammon, quem nos
dá uma síntese gráfica muito clara do sistema
de equilíbrio das linhas de crescimento orgânico,
estabelecendo três tipos de curvas: Neural, Geral
e Genital.
Não discutamos os nomes. Procuremos en-
tender a sua significação como fenômeno e fato
constatável.
Transcrevemos o gráfico e a sua interpreta-
ção exatamente como se encontra no livro de
Mussen, à pág. 49.
O gráfico, segundo o autor, nos dá uma visão
de como se efetuam as três curvas principais do
crescimento dos órgãos humanos.
Tomemos a interpretação do próprio Mussen:
"a figura mostra as curvas do ritmo de cresci-
mento pós-natal dos três principais tipos de ór-
gãos. O tecido geral do corpo (incluindo ossos,
músculos e a maior parte dos órgãos internos)
cresce rapidamente, primeiro, e depois a um rit-
— 25 —

"NEURAL
cérebro e seus componentes, medula espinhal, etc."
"GERAL
órgãos respiratórios e digestivos, rins, muscula-
tura como um todo, esquerdo como um toião, etc."
"GENITAL
testículos, ovário, canal uterino, próstata, vesi-
culas seminais".

mo menos acelerado, até cerca de dois anos antes


de começar a adolescência; então começa o surto
pré-adolescente, acarretando um segundo período
de crescimento rápido; finalmente, ocorre um
abrandamento até ser atingido o tamanho adulto.
0 desenvolvimento do sistema nervoso (ou neu-
ral) é extremamente rápido durante os primeiros
— 26 —

seis anos e depois decresce bruscamente — num


gráfico, isso tem o nome de curva negativamente
acelerada de crescimento. Em acentuado contras-
te com o sistema nervoso, o sistema genital tem
uma curva positivamente acelerada: um período
de crescimento muito lento durante a infância e
extremamente rápido na puberdade" (6).
Claro se torna, mediante a colocação de Mus-
sen, que o crescimento biológico tem uma certa
normalidade e equilíbrio de setores, embora se
faça em linhas diferentes.
Ora se acentua uma linha, ora outra, tratan-
do-se das duas extremas (neural e genital), con-
servando-se, todavia, a geral como ponto de equi-
líbrio . -
Enquanto uma tende a horizontalizar-se, a
genital por exemplo, a outra, no caso a neural,
tende, sobretudo na fase inicial, a verticalizar-se.
Ao contrário, quando se dá uma certa hori-
zontalização da neural, dá-se o surto acelerado
da genital.
É bom notar, contudo, que esses surtos não
se dão sem uma equilibração global das três.
Talvez fosse exato dizer que há o sistema
compensatório entre as três, sobretudo entre as

(6) MUSSEN, ob. cit., pôgs. 48-49.


— 27 —

duas extremidades, permanecendo a linha media-


na, ou geral, como espinha dorsal do sistema.
De modo algum será ilógico afirmar que os
fenômenos psíquicos têm aí os seus alicerces e
que, sem menosprezar os fatores ambientais e
suposta a influência dos "esquemas hereditários"
(7) no sistema de crescimento, sua manifestação,
expansão e conseqüente maturação dependem es-
sencialmente do equilíbrio dessas linhas ou cur-
vas.
O próprio Piaget vê a necessidade da não se-
paração da maturação biológica dos demais fa-
tores supramencionados: "os três fatores clássi-
cos do desenvolvimento são a hereditariedadè, o
meio físico e o meio social. Mas nunca se obser-
vou uma conduta devida à maturação pura, sem
elementos de exercício, nem uma ação do meio
que não se vá inserir nas estruturas internas" (8).

( 7) A nomenclatura "esquemas hereditários" é de Lauro de Oli-


veira Lima, no seu livro "Treinamento de Dinâmica de Grupo
• no Lar, na Empresa e na Escola", Editora Vozes, 2.» ed.,
1970, pág. 156.

Muito ligado a Piaget, afirma: "todos os seres vivos nascem


com "esquemas hereditários", correspondentes à natureza de
sua autonomia e sua fisiologia. Esses esquemas são mais ou
menos plásticos. Tudo começa com o esquema de mamar,
que se i r r a d i a . . . " — Lauro trata da hereditariedade en-
quanto ingrediente da pessoa que se expande e se realiza,
como tal, na vida grupai.

( 8) PIAGET, ob. cit., pág. 95


— 28 —

Ú que nos interessa sumamente, aqui, é o


fato de que não pode haver processo de desen-
volvimento harmônico sem que se proceda o equi-
líbrio de todos os fatores descritos por Piaget,
inclusive o da maturação bio-neural-estrutural,
aludida por Mussen.
Evidentemente o equilíbrio bio-neural-estru-
tural dependerá fundamentalmente dos outros
fatores como influentes, difèrenciantes e até cor-
retivos, quando não desarticulados.
Mas dele também dependerão as demais for-
mas de equilíbrio: afetivo, intelectual e social.
Essa dinamicidade interativa, progressiva e
equilibrada do processo de desenvolvimento bio-
psíquico-social (embora o social seja objeto de
ulterior estudo) do ser humano é muito bem en-
fatizada por Piaget, quando define, ou melhor,
descreve o desenvolvimento global como "equili-
bração progressiva, uma passagem contínua de
um estado de menor equilíbrio para um estado
de equilíbrio superior".
É a equilibração da inteligência, da afetivi-
dade e da sociabilidade.
Piaget ressalta a diferença essencial existen-
te entre a "vida do corpo e a do espírito", porque
"a forma final de equilíbrio atingida pelo cresci-
mento orgânico é mais estática que aquela para
a qual tende o desenvolvimento da mente, e so-
— 29 —

bretudo mais instável, de tal modo que, concluída


a evolução ascendente, começa, logo em seguida,
automaticamente, uma evolução regressiva que
conduz à velhice" (9).
Isto viria dificultar o relacionamento que
viemos fazendo entre o equilíbrio biológico e o
psicológico?
Se estivéssemos falando de "formas finais de
equilíbrio", sim. Mas estamos ainda nas formas
iniciais, embora continuativas, é certo.
Por isso é que ficamos com a figura de Mus-
sen. Vai até por volta dos 20/25 anos. Até essa
idade a correlação continua. O desenvolvimento
biológico é o que tem predominância e é o que
aparece nas três linhas, mas não desligado do se-
tor psíquico. O desenvolvimento biológico ali-
cerça e oferece condições para o aparecimento e
para o desenvolvimento do setor psíquico, embora
muito pouco se note de psíquico propriamente
dito no início do processo. Só depois é que se no-
tará e se dará importância, pois o psíquico pas-
sará inclusive a coordenar o físico e o biológico.
É o caso, guardadas as proporções, da com-
paração entre a velocidade do foguete e o com-
bustível.

(9) PXAGET, ob. cit. pág. 11.


— 30 —

Á velocidade é muito mais dinâmica e abran-


gente, em relação às metas finais, do que o com-
bustível propulsor.
Chegar-se-á a um momento em que a veloci-
dade independerá quase que totalmente do com-
bustível, mas, ao contrário, sua dependência ini-
cial foi também quase total. Assim será normal,
cremos, afirmar que a forma de "equilibração
progressiva" do desenvolvimento psíquico (afeti-
vo, intelectual e social), na pessoa humana, de-
pende fundamentalmente da equilibração também
do desenvolvimento biológico.
i
Onde está o lugar da escola?

Não podemos confundir escola com aprendi-


zagem e nem mesmo ter aprendizagem como fina-
lidade única da escola. A escola é muito mais do
que isto, como uma das instrumentalidades pró-
prias da evolução do ser humano, mas em sua
ascensão para a plenitude de sua significação as-
similadora e comunicante, numa contemporização
contínua do individual com o social.
Também maturação não é o mesmo que de-
senvolvimento, já o vimos antes.
Aprendizagem é uma das finalidades da es-
cola e maturação é um dos aspectos do desenvol-
vimento, mas ambos têm a sua função no mesmo.
Aprendizagem e maturação se interligam e
se relacionam de modo muito estreito.
Façamos nosso o seguinte texto e sentiremos
a veracidade da afirmação: "todas as caracterís-
ticas e capacidades que uma pessoa adquire e to-
das as transformações no desenvolvimento resul-
tam de dois processos básicos, embora complexos:
aprendizagem e maturação. Como os dois pro-
cessos quase sempre atuam reciprocamente, é di-
fícil separar os respectivos efeitos ou especificar
a contribuição relativa de cada úm para o desen-
volvimento da criança. É claro que o crescimento
em altura não é aprendido, mas depende da ma-
turação, um processo biológico. Mas os progressos
nas atividades motoras, como andar, dependem
da maturação e da aprendizagem bem como da
interação de ambos os processos" (10).
O texto citado acentua a correlação entre
aprendizagem e maturação no processo do desen-
volvimento não só da criança, embora se afirme
explicitamente, a certa altura. O início, porém,
deixa bem clara a reciprocidade dos "dois pro-
cessos básicos" em relação a "todas as caracte-
rísticas e capacidades que uma pessoa adquire..."
Claro, essa aprendizagem não é só a da es-
cola, mas também a. da escola influi ou deve, ao
menos, influir na maturação em vista à equili-
bração do desenvolvimento global.

(18) MUSSEN, ob. cit., pág. 30.


Este é oii será o aspecto positivo da escola
como instrumentalidade do desenvolvimento glo-
bal.
Do ponto-de-vista negativo, falhará a escola,
e mesmo cometerá um crime, quando não levar
em consideração a equilibração dos setores bio-
psíquicos da pessoa em desenvolvimento.
Suponhamos que a escola, como questão prá-
tica, oriente os seus trabalhos para a linha geral
(estrutural), de modo exagerado, não atendendo
à posição e à proporção da constante entre ela e
as demais. Fará com que os indivíduos atingidos
sacrifiquem o todo por uma parte.
Conseqüências enormes de ordem afetiva, in-
telectual e social, advirão na certa.
Ao contrário, a escola que planeja o seu pro-
grama de ação, senão levando em consideração o
equilíbrio biopsíquico de cada um individual-
mente, mas ao menos atendendo à média possí-
vel dessa equilibração, está realmente contribuin-
do para que o desenvolvimento das pessoas ou
alunos atingidos seja harmônico e progressivo.

$
2 — ESCOLA E PERSONALIDADE

É Gemelli quem nos dá o testemunho sobre a


dificuldade do estudo da personalidade, de tal
modo que se entendam o seu "significado" e o
seu "valor".
Entre aqueles poucos elogiosamente citados
aparecem Janet, Lersch, Allport e Goldstein.
O elogio se refere ao fato de terem pesqui-
sado e concluído que "a personalidade do adulto
é o resultado de um lento processo de unificação
das várias funções, as quais devem ser considera-
das não só no assim chamado sentido vertical,
mas também no seu "tornar-se".
"A personalidade a.parece, — no dizer de Ge-
melli — não como soma de cada um dos traços
e resultado da união das diferenças individuais de
cada uma das funções do adulto, mas como resul-
tado final da lenta e progressiva diferenciação,
nos vários indivíduos, dos fatores da personali-
dade humana."
Vejamos ainda agora, porque muito impor-
tante, mais uma citação de Gemelli, que estabe-
lece uma lei geral sobre a personalidade: "cada
função prepara, com o seu desenvolvimento, o
aparecimento de uma outra função, superior a ela
e mais complexa do que ela, a qual, mediarfte os
bem conhecidos processos de integração cerebral,
toma possível o seu exercício; esta conexão d e '
L desenvolvimento nos mostra a unificação das vá-
rias- funções que se realiza na personalidade hu-
mana mediante progressivos processos de inte-
gração" (11).
A densidade das citações de Gemelli tem du-
pla razão de ser: a primeira, para justificar a
complexidade e a dificuldade em teorizar o as-
sunto da personalidade; a segunda, para trazer
alguma luz sobre esse tema que, além de com-
plexo, é de suma importância para todos quantos
têm relacionamento com as pessoas, sob forma
de estudo ou de trabalho.
Todavia, é sempre um prazer encontrar uma
síntese de realidade assim tão complexa. Nisto
está o mérito das autoras do livro PSICOLOGIA
DO AJUSTAMENTO, publicado pela Faculdade
Dom Bosco de Filosofia, Ciências e Letras de São
João del-Rei, em 1970.
Elas conseguiram fazer uma "Síntese Total
da Personalidade", reunindo, nos limites de uma
figura, o que de mais importante há em Nicolau
Pende, Freud, Richard Lazarus (12) e nos seus
próprios estudos e experiências sobre a persona-
lidade.

(11) #EMELLI, Dr. Agostinho — "Psicologia da Idade Evolutiva"


— 2.* ed., Livro Ibero-Amerieano Ltda., 1968, Hio, págs.
389-395.

(12) LAZARUS, Richard S. — "Personalidade e Adaptação" — 2.»


ed., Zahar Editores, 1969, Rio.
. :r>

Deixemos que a simplicidade da figura nos


explique a personalidade, vista em uma síntese:

"As setas externas representam a interação orga-


nismo-ámbiente, eu-mundo. A pirâmide apresenta-se
pontilhada no vértice para indicar que a integração
da personalidade é algo para o qual se tende toda
a vida..." pág. 15.

De acordo com a figura e a interpretação das


autoras, "a personalidade é a síntese de tudo
isso: constituição, temperamento e carãtèrf Por
— 36 —
isso ela é ao mesmo tempo estrutural, isto é, está-
tica e dinâmica. Estes dois aspectos, estático e
dinâmico, são bem definidos na forma como a
personalidade j á foi conceituada: 'modo caracte-
rístico de uma pessoa ser e agir'. O ser constitui
o aspecto estático e o agir o aspecto dinâmico."
A clareza da figura e a interpretação supra
dispensam comentários em relação à intelecção do
que é essencial na" configuração da personalida-
de, naquilo que diz respeito à opinião das auto-
ras.
A personalidade pois, como um fato existen-
cial, é muito simples. Mas seu estudo é muito di-
fícil, ao mesmo tempo que muito importante. Ela
é o resultado do conjunto de todos os fatores que
integram a pessoa humana em sua dinâmica pró-
pria de desenvolvimento, ao mesmo tempo que
assimila e compartilha de tudo aquilo, seja físico
seja social, que possibilita a sua vivência, a sua
atuação ou comportamento e a sua expansão no
mundo.
Agora podemos entender Piaget: "existe per-
sonalidade, pode-se dizer, a partir do momento
em que se forma um 'programa de vida' (Lebens-
plan), funcionando este, ao mesmo tempo, como
fonte de disciplina para a vontade e como instru-
mento de cooperação" (13).

(13) PIAGET, o b . cit., pág. 86.


A escola não è a única encarregada de in-
fluenciar na formação da personalidade.
Mas, de todas, talvez essa seja a sua função
principal: ajudar a formar pessoas com "progra-
mas de vida".
A escola não pode contentar-se em colaborar
com o "programa de vida" daqueles que nela in-
gressam, apenas pelo oferecimento de padrões
saudáveis de identificação (14). Ela pode e deve
procurar tornar-se um "fator modelador-ambiente"
que, supondo o "ser" de seus alunos, ajude efe-
tiva e positivamente no sentido do "agir" melhor
e constante dos mesmos.
A escola que não se propõe, como objetivo
principal de seu trabalho — porque engloba to-
dos os demais em sua síntese — a formação da
personalidade, falha, ou melhor, deturpa-se em
sua própria razão de ser.

3 — ESCOLA E AUTORIDADE

Há pouco tempo elaboramos um tema para


debate entre educadores, reunidos na Faculdade
;de Filosofia, Ciências e Letras de Guaxupé.

SM) MUSSEN, ob. cit., pág. 67.


— 38 —

Procuramos salientar, em síntese, a posição


tradicional sobre autoridade em educação. O
texto era:

" "A crise da educação se resume na crise


da autoridade, por parte de uns, e na crise
da obediência, por parte de outros.
Isto não quer dizer que autoridade tenha
sido extinta de fato, pois ninguém deixou de
ter uma posição hierárquica na educação,
sobretudo pais, professores, diretores, etc.
O que se extinguiu, de fato e à revelia,
foi a obediência."

Não se pode afirmar que a conclusão do de-


bate tenha sido uniforme, mas apresentou uma
tini certa unidade que, em resumo, constou do se-
iü 'M guintc: •

! í|| "Nem autoridade e nem obediência fo-


! iiii ram extintas, quer se trate do fato, quer se
! i! trate do direito.
li Mudaram-se as condições, pela evolução
3! técnico-científico-industrial, com conseqüên-
cia cias de ordem econômica, social e cultural.
: i Mudou-se também o modo de entender
I tanto autoridade como obediência.
í:ü Em relação à obediência, o que houve, em
níi vez de extinção, foi um progresso, embora
exigente e incômodo para aqueles que enten-
dem autoridade em razão de si mesma, ou
seja, em sentido gratuito de emissão de fora
para dentro, sem a reciprocidade básica e,
de certo modo, crítica, que a obediência ho-
dierna adquiriu e requer."

Evidentemente, falou-se sobre os excessos.


Mas aceitou-se que os excessos, embora significa-
tivos, são os extremos.
Concluiu-se, conforme o texto acima, em ra-
zão da média, que abrange uma faixa mais re-
presentativa.
Aliás, é interessante observar, acentuou-se
que muitos dos excessos nos campos da moda,
dos tóxicos e das revoltas são provenientes, mui-
tas vezes, da não-observância dos requisitos ho-
diernos da autoridade em vista a uma obediência
crítica, mas sadia e responsável.
Aceitamos a conclusão do grupo de educado-
res como valida e de acordo com os princípios
básicos da Pedagogia, da Filosofia e da Psicolo-
gia da Educação atuais.
Demonstrar exaustivamente a posição das ci-
ências educacionais hodiernas sobre esse tema
ocuparia muito espaço e tempo.
Todavia, uma breve análise fará com que o
assunto volte à tona mais como. objeto de refle-
xão do que como pretensiosa demonstração.
— 40 —

Kilpatrick o situa muito bem. Não podemos


confundir autoritarismo com autoridade. E, pelo
modo como explica um e outra, percebe-se per-
feitamente a diferença.
Por autoridade entende-se: "a regra que a
inteligência aceita ao considerar a situação como
é, sem preconceitos... torna-se interna, isto é, é
aceita pelo indivíduo, como conclusão necessá-
ria."
Por autoritarismo entende-se "a imposição
da submissão complacente à autoridade tradicio-
nal, a aceitação incondicional da autoridade que
reclama submissão a si mesma, sem outra razão
senão a de sua própria existência... Quando as-
sim exercida, a autoridade é alheia, externa ao
indivíduo a quem sej a imposta" (15).
A autoridade essencialmente válida não é
aquela que, por ser institucional, se reveste de
jurisdições.
Necessário se torna que ela apresente crité-
rios de validade, de seriedade, de simplicidade e
de, senão amizade, ao menos condições essenciais
de reciprocidade.

(15) KILPATRICK, W . H . — "Educação para Dma Civilização em


Mudança" — 6.* ed., Edições Melhoramentos, 1967, São Paulo,
págs. 29-34.
A autoridade não pode deixar em segundo
plano, hoje, o "relacionamento afetivo interindi-
vidual".
O respeito, definido por Piaget como "um
composto de afeição e temor", inclui esse relacio-
namento.
Não se tratam de relações-armadilhas, às quais
damos nossa repulsa como demagógicas, mas do
intercâmbio afetivo no campo e na escala dos
valores: "como regra geral, haverá simpatia em
relação às pessoas que respondem aos interesses
do sujeito e que o valorizam".
A conseqüência desse postulado no setor obe-
diencial é lógica: "é suficiente que os seres res-
peitados dêem aos que os respeitam ordens e, so-
bretudo, avisos, para que estas sejam sentidas
como obrigatórias e produzam assim o senti-
mento do dever" (16).
Paul Nasch atinge de cheio aquilo que cha-
mamos relações-armadilhas. Para ele a autorida-
de, em sua face negativa, naturalmente, é ou
coerciva ou manipuladora.
A diferença entre as duas está em que a "co-
erciva usa a força física — e, prossegue — a ma-
nipuladora utiliza a persuasão psicológica".

Ctt) PIAGET, ob. cit., pág. 40.


: — 42 "

A autoridade coerciva, pela sua própria na-


tureza, não pode mais ser aceita em nossos dias.
Mas a manipuladora pode ser até pior. Jus-
tifica: "a autoridade manipuladora é mais bon-
dosa, mais sutil e, usualmente, mais agradável:
mas é importante a compreensão de que não im-
plica necessariamente maior respeito pela pessoa
que é 'manipuladora'. .. e um manejo gentil podei
criar, para algumas crianças, maiores problemas
do que a coerção física" (17).
Nossa opinião é a de que esse mal não se
limita tão-somente à faixa das "crianças", mas
extende-se a tantos quantos forem objeto de "ma-
nipulação" por parte desse tipo de autoridade
requintadameníe despersonalizante.
A escola, por mais tradicional ou moderna
que seja, sempre se deparará com essa triplici-
dade: autoridade, obediência e disciplina.
A escola tradicional fundamenta o exercício
de sua função na autoridade, sobretudo externa
ou institucional, e a obediência e a disciplina na
receptividade passiva dos alunos.

(17) NASCH, Paul — "Autoridade e Liberdade na Educação" —


Edições Bloch, 1968, Rio, págs. 119-125.
•13
A escola atualizada, chamemo-la mais ade-
quadamente de renovada, leva em consideração
a correlação e, mesmo, a reciprocidade necessá-
ria que envolve autoridade, obediência e disci-
plina.
A autoridade passa a ser muito mais um prin-
cípio coordenador do que uma emanação vertical
coerciva.
A obediência assume a sua razão de ser pela
persuasão, "isto é, é aceita pelo indivíduo, como
conclusão necessária".
Muitas vezes tal conclusão não é produto da
lógica, seja pela dedução, seja pela indução, mas
é o postulado de um relacionamento afetivo-sim-
pático.
A obediência, dinamizada pelo relacionamento
simpático, não exclui a possibilidade de imper-
feições e até de falhas por parte da autoridade,
desde que se mostre disponível e aberta no sen-
tido de aproveitá-las para a melhoria do próprio
relacionamento.

E a disciplina?

Será uma resultância desse intercâmbio, ou


melhor, dessas integração e interação simpáticas
ou simpatizantes autoridade-obediência.
— 44 —

Ouvimos, como sendo de Paulo Freire, uma


frase que resume tudo aquilo que pretendemos
refletir e afirmar sobre autoridade:

"autoridade sempre se adquire


e sempre se perde."

4 — ESCOLA E FAMÍLIA

Falamos de desenvolvimento biopsíquico, de


personalidade e de autoridade em si mesmos e
relacionados com a escola.
Todavia, nenhum desses elementos aparece
por acaso na vida da pessoa humana.
Como dissemos na introdução, são elementos
instrumentais da organização da vida em marcha
para a sua especificação, o quanto possível cons-
ciente, de pessoa humana dinâmica e ascensio-
nalmente.
A vida humana surge da vida humana, mas
em ambiente humano.
Surge de e numa microssociedade, a que da-
mos o nome de família ou lar.
É através do lar, comumente, que a semente
da vida humana é produzida e plantada no mun-
— 45 —

do com seus aspectos unitários e diferenciais, isto


é, complexos.
Todo o processamento biológico, psíquico,
afetivo, social e intelectual do desenvolvimento
tem aí as suas primeiras origens e, em grande
parte, a capacitação e o estímulo para que, de
fato, se efetue.
Além da hereditariedade ou dos "esquemas
hereditários", segundo Lauro de Oliveira Lima,
dá-se a herança tida por Highet como aquisição
de elementos transmitidos ou ensinados pelos pais,
no "domínio do espírito" (18).
Sem dúvida, recebemos da família, sem dis-
cutirmos sua estrutura e natureza sociológicas,
e mesmo psicológicas, os "esquemas hereditários"
e nela, como primeiro ambiente, os desenvolve-
mos, levando em conta também as primeiras e
contínuas aquisições desse ambiente que nos ini-
cia na tarefa de "mamar o universo" (19).
"Mamar a universo" é uma globalização das
operações humanas em concretização e, portanto,
muito complexa.
Inclui o desenvolvimento motor, a marcha
para o domínio de ái e da natureza, inclui a for-

as) HIGHET, Gilbert — «A Arte de Ensinar" — 6.» ed., Edições


Melhoramentos, 1967, São Paulo, págs. 243-245.

(19) LIMA, Lauro de Oliveira, ob. cit., pág. 156.


mação e o exercício da inteligência, da vontade
e da sociabilidade.
A família, além da função de dar origem,
de procriar, tem outra mais árdua, mais prolon-
gada, mas tão ou mais importante quanto a pri-
meira: dar condições, ao menos as essenciais,
para a expansão e a especificação ou especializa-
ção da vida.
E, bem ou mal, o ser humano se expande se-
gundo os modelos familiares, no sentido de que
esses modelos são sempre bases de profundas in-
fluências no agir.
A criança, que no início de sua experiência
não é mais do que um "candidato à humanidade",
porque "tem como principal característica huma-
na o ser extraordinariamente plástico e adaptá-
vel" (20), vai assumindo, desenvolvendo-se e
adaptando-se à sociedade e ao mundo, partindo
dos padrões ou dos traços dominantes, organiza-
dos na família.
Os pais estimulam o crescimento biopsíquico
e, ao mesmo tempo, tornam-se os protótipos da
ação do mundo adulto no mundo da criança.
Por imitação e representação, primeiro e, de-
pois, por identificação, as principais figuras da

(20) OSTERRIETH, Paul — "Introdução à Psicologia da Criança"


— 7.» ed., Cia. Editora Nacional, 1970, São Paulo, pág. 16.
_ 47 —

família são modelos de ação e de conduta, até


que a criança, ou, melhor dizendo, o adolescente
já socializado e de certo modo auto-afirmado te-
nha condições de sobrevivência própria.
Falando da figura do pai, que é apreciada
bem depois da figura da mãe, porque "satélite"
da mesma, na mentalidade infantil, Osterríeth
afirma que, a um certo momento, "para o menino
como para a menina, o pai torna-se objeto de ad-
miração, inveja e identificação; ambos quereriam
ter-lhe o poder e a suficiência" (21).
É um exemplo de influências exercidas por
personagens familiares.
Todavia, não resta lugar a nenhuma dúvida
de que a família seja a instrumentalidade que
mais interfere e marca a personalidade.
É uma influência exercida e notada mais no
período de crescimento, mas que estende suas
raízes a toda a existência.
Sandstrõm acentua e sintetiza a função da
família na construção da pessoa humana: "evi-
dentemente, o papel desempenhado pelo lar e
pelos pais é de importância vital durante todo
o período de crescimento, uma vez que o meio
familiar ou seu equivalente é o terreno onde ger-

ai) OSTERRÍETH, ob. cit., pág. 96.


— 48 —

minam as forças que condicionam todo o processo


de socialização" (22).
O ditado diz que "contra fatos não há argu-
mentos" .
Sobre a importância da família na formação
da pessoa humana, podemos dizer: os fatos são
os próprios argumentos.
Esses fatos nos tangeram e nos tangem con-
tinuamente de perto e sob os nossos olhos perfi-
lam equilíbrios e desequilíbrios, frutos de ajustes
e de desajustes familiares ou "equivalentes".
A escola não é apenas continuação da famí-
lia e nem é puramente uma instituição para su-
prir as deficiências da mesma.
Ela tem uma função completiva ou supletiva,
como nos afirma Alayde Madeira Marcozzi e com-
panheiras, no caso do desenvolvimento oral: "o
ambiente em que a criança vive tem, assim, a
maior responsabilidade quanto ao desenvolvi-
mento da sua expressão oral, cabendo à escola
suprir as deficiências do meio familiar" (23).
Mas "suprir deficiências" familiares em to-
dos os setores é apenas um dos objetivos da es-
cola, assim como continuar a ação da mesma.

(22) SANDSTROM, C.X. — " A Psicologia da Infância e da Ado


lescência" — Zahar Editores, 1969, Rio, pág. 262.

(23) MARCOZZI, Alayde Madeira — "Ensinando à Criança" —


Ao Livro Técnico S.A., 1970, Rio, pág. 111.
Expliqüemos melhor. A família é uma coisa
e a escola é outra, mas ambas voltadas e agindo
sobre o mesmo objeto, o desenvolvimento diferen-
cial e ao mesmo tempo integrado do ser humano,
que assume formas e consistência próprias, mas
quç, simultaneamente, participa e se equilibra
num sistema social de reciprocidade.
A escola em relação à família é uma insti-
tuição complementar que continua, que supre,
mas que, também, desenvolve aptidões novas.
Sob o aspecto de complementaridade, a es-
cola jamais poderá ser uma continuação unifor-
me e fiel da família; porque fruto de uma con-
venção social, com áreas e objetivos mais abran-
gentes, embora jamais possa, também, desligar-se
dela.
Surge daí "a consciência da necessidade de
ser estabelecida maior coordenação entre o tra-
balho das instituições escolares e a ação da fa-
mília, ou do lar" (24).
T-al coordenação é muito mais do que uma
soma de esforços. É, no dizer de Sandstrõm, "um
empreendimento cooperativo", quando fala da
ação da escola e da família na formação do ca-
ráter" (25).

(24) FILHO, Lourenço, ob. cit., pág. 52.

(25) SANDSTRÕM, ob. cit., pág. 270,


Estendamos essa dinamicidade de "um em-
preendimento cooperativo" para toda a ação for-
mativa da personalidade diferenciada e integra-
da.
Reconhecemos a dificuldade desse "empreen-
dimento cooperativo" devido aos conceitos e às
formas da "escola antiga", em que o seu objetivo
se identificava, e às vezes ainda se identifica,
com ENSINAR (26).
Contudo, a necessidade da cooperação entre
escola e família é mais premente do que a difi-
culdade.
Já existe até um começo de iniciativas feli-
zes.

C*}

5 — SOCIEDADE, EDUCAÇÃO E ESCOLA

A vivência social dos homens apresenta va-


riadas estruturações e formas.
Pode-se chegar ao exagero de se pensar em
formas tão variadas quanto os indivíduos que
",";em inteligente e voluntariamente.
Uma olhada mais ao longe, porém, faz-nos
perceber a ação individual, seja consciente, seja

(26) MARCOZZI, ob. clt., pág. 308.


— 51 —

voluntária, seja involuntária e inconsciente, con-


vergir-se para uma dupla forma de ação social
mais estruturada: comunidade e sociedade.
Não existe comunidade de um lado e socie-
dade de outro.
A distinção se faz apenas para "fins de aná-
lise", pois "no mundo exterior . . . ambas existem
ligadas inextrinsecamente entre si", diz Pierson.
Chamemos de comunidades aos grupos de
ÍEterrelacionamento mais elementar, embora mais
afim e mais básico, ou seja, as correlações são
de ordem "impessoal e inconsciente", tendo como
: raracterística fundamental a "simbiose (simples
*iver em c o m u m ) " .
Chamemos de sociedade à estruturação mais
abrangente de "ação conjugada, autoconsciente e
f pessoal" e que tem por característica fundamen-
. tal a "solidariedade (interpenetração dos espíri-
humanos, de maneira a constituírem uma só
|imidade)" (27).
Como acabamos de mencionar, a sociedade é
grande grupo das convenções, dos padrões e dos
ilíbrios de ordem social.
É o resultado e, ao mesmo tempo, a coorde-
•acão da intervivência humana dentro de certos

PIERSON, Donald — "Teoria e Pesquisa em Sociologia" —


11.» ed., EdiçSes Melhoramentos, 1968, São Paulo, págs. 119-
134.
— 52 —

limites culturais e geográficos. É ainda o resul-


tado da vivência social do passado, da convivên-
cia e equilibração do presente em vista à uma
sobrevivência social do futuro do grande grupo,
ou simplesmente do grupo, dentro dos liames e
dos limites de sua cultura e de seu território.
Há necessidade de que os padrões sociais, ao
menos os essenciais, sejam transmitidos, pois, do
contrário, dar-se-iam o desmantelamento e a de-
sintegração da sociedade.
Durkheim, como estudioso benemérito da so-
ciedade, deixa para a educação a grande respon-
sabilidade da transmissão desses padrões e prá-
ticas essenciais para a sobrevivência de uma so-
ciedade, isto é, "para que haja educação, faz-se
mister que haja, em face de uma geração de
adultos, uma geração de indivíduos jovens, cri-
anças e adolescentes; e que uma ação seja exer-
cida pela primeira, sobre a segunda".
Evidente, não tomamos transmissão aqui em
seu sentido mecânico. Ela inclui os requisitos
de preparação e de sobrevivência também do in-
divíduo, com certa consistência própria, a fim de
que não se transforme em "robô", simplesmente,
na sociedade.
A definição de educação elaborada por D u f
kheim, por sua natureza explicativa, não deixa
dúvida sobre isso: "a educação é a ação exercida,
pelas gerações adultas, sobre as gerações que não
se. encontrem ainda preparadas para a vida so-
cial; tem por objeto suscitar e desenvolver, na
criança, certo número de estados físicos, intelec-
tuais e morais, reclamados pela sociedade polí-
tica, no seu conjunto, e pelo meio especial a que
a criança, particularmente, se destine" (28).
Durkheim não é partidário da espontaneida-
de social inata dos indivíduos.
A cada passo a sociedade precisa construir-
-se de novo, através das influências nas gerações
mais novas, a fim de que sua continuidade e o
equilíbrio de seus componentes sejam preserva-
dos (29).
A posição de Durkheim é, para nós, um
grande auxílio para a compreensão das relações
entre as gerações novas e as gerações adultas e,
mesmo, das reações entre os indivíduos e a so-
ciedade, mas desde que nos proponhamos a ana-
lisar tudo do ponto-de-vista societário.
Nosso intuito é de, também, ver a educação
como - condição de reação e de desabrochamento
das potencialidades individuais, pois a pessoa hu-
mana não é puro relacionamento social, embora
sem ele não subsista.

(28) DURKHEIM, Émile — "Educação e Sociologia" — 7.» ed.,


Edições Melhoramentos, 1967, São Paulo, págs. 33-46.

(29) FILHO, Lourenço, ob. cit., págs. 127-129.


51

Ela tem consistência própria, já o dissemos, e


do equilíbrio do desabrochamento de suas capa-
cidades bio-psíquicas também depende, em muito,
o equilíbrio de seu relacionamento social.
O contrário também é válido, ou seja, o equi-
líbrio do relacionamento social influencia funda-
mentalmente o seu equilíbrio bio-psíquico.
Admitimos, portanto, uma inextrinsecabili-
dade, tomando a palavrá de Pierson, entre esses
dois tipos de equilíbrio.
Digamos, influenciados por Piaget, que eles
possibilitam e formam a equilibração da pessoa
humana auto-afirmada, em relação à sua consti-
tuição própria, mas inserida na estrutura e na
dinâmica da sociedade, de modo a prestar a sua
contribuição cooperativa, embora esta constituição
jamais se abstenha da necessária fase assimila-
tiva precedente, e, por que não, até coexistente.
A escola, para Sandstrõm, "é um instrumento
da sociedade".
No trecho que vamos citar, Sandstrõm está
de pleno acordo com Durkheim, embora um fale
de escola e outro de educação.
A função da escola "é incutir às novas gera-
ções, de um modo metódico, os dotes, as capaci-
dades, os conhecimentos e a compreensão que te-
rão importância para os jovens quando mais tar-
de passarem a trabalhar na sociedade".
Sandstrõm enfatiza mais ainda a importân-
cia da escola na vivência societária do ser huma-
no: "a escola deve constituir um centro de treino
social" (30).
Aceitamos a posição de Sandstrõm em rela-
ção à escola, mas nos moldes em que aceitamos
a de Durkheim em relação à educação.
A escola deve ser mesmo "um centro de treino
social", contanto que não se esqueça de que é
função sua também "treinar" o desenvolvimento
biopsíquico e, de modo especial, o desenvolvi-
mento mental-crítico, no bom sentido, a fim <
que não se torne apenas um instrumento de mas-
sificação e de automatismos societários.

6 — MODERNIZAÇÃO E RENOVAÇÃO DA
ESCOLA

Depois de tantas opiniões sobre a escola —


seu relacionamento e sua complementariedade —
seria praticamente lógica uma conclusão do nosso
ponto-de-vista sobre a modernização e a renova-
ção da escola.

(30) SANDSTRO»; ob. cit., pág. 268.


— 56 —

Da segunda metade do Século XIX para cá,


sobretudo, o mundo tem passado por transforma-
ções tais que abalam todos os esquemas estrutu-
rais de um passado moroso e estável.
É uma evolução em cadeia, geometricamente
progressiva. Sua caracterização ou elo primeiro
foi, sem dúvida, a chamada Revolução Industrial,
precedida, naturalmente, pela revolução comer-
cial.
Revolução Industrial, hoje, já em sua segun-
da etapa, representa uma complexidade tremen-
da.
Mas o seu esquema inicial constou apenas do
seguinte: substituição da energia muscular pela
energia motriz.
Aí está a origem de toda a complexidade téc-
nico-científica e, mesmo, social e cultural hodier-
na, situada na História a partir do momento em
que o vapor entrou em ação, como uma das prin-
cipais fontes de energia.
Desse momento para cá o progresso técnico-
-científico se processou de tal forma veloz que
chegou mesmo a ultrapassar as condições cultu-
rais médias da humanidade.
Auxiliadas pela ciência e . pela técnica, as
ideologias e as concepções de vida tomaram ru-
mos novos e divergentes, cabendo à primeira me-
— 57 —

tade do Século XX e confrontação e a degladia-


ção das mesmas.
A revolução russo-soviética e a Segunda Guer-
ra Mundial são os dois exemplos mais típicos,
talvez, desse ritmo acelerado e combativo de
ideologias.
Note-se que ideologia passou a abranger toda
a filosofia de vida individual, comuntária e so-
cietária, quer em âmbito nacional, quer em âm-
bito internacional, tendo como sustentação e pro-
moção a vasta e multiforme bagagem técnico-
-científica, criada e acumulada pelo progresso
vertiginoso das transformações.
Ideologia já não significa mais modo de pen-
sar, e, sim, modo de viver.
A divergência de ideologias gerou a divergên-
cia de estruturação societária nacional e interna-
cional. E de todas as divergências surgiu a con-
corrência ideológica, incluindo a técnica e a ci-
ência em seu rol, em âmbito também internacio-
nal.
Assim, a ciência e a técnica não são apenas
sustentação e promoção de ideologias.
Elas são também portadoras de ideologias,
que se intercambiam mais pelo critério da con-
corrência do que da interação e da cooperação.
Do germenzinho, concluímos, da substituição
da energia muscular pela energia motriz, a Re-
volução Industrial, brotou a imensidade imprevi-
sível de uma Revolução Cultural.
A ciência e a técnica assumiram proporções
gigantescas nesse processo. Dizemos mais: cons-
tituíram-se peças centrais do processo.
É a cultura técnico-científica do Século XX.
Seu processamento é por demais acelerado,
sobretudo na segunda metade, para que a huma-
nidade, em média, se capacite para assimilar-lhe
mesmo o essencial.
A estas alturas dos acontecimentos, vemos to-
dos os meios de promoção e de transmissão d i
cultura se mobilizarem para as tomadas de posi-
ção, em regime de emergência.
Tudo se transforma tão violentamente, que
os moldes tradicionais não oferecem critérios pari
a mínima, sequer, assimilação e, muito menos,
para a mínima mentalização inserciva no proces-
so cultural.
Cria-se o fenômeno supletivo, pelas premen-
tes circunstâncias, das adaptações constantes e
sem as devidas prevenção, programação e ação
cultural. .
A escola, com base no que expomos, está aí
arrolada.
Como instrumentalidade da cultura, tem mui-
ta dificuldade em entendê-la e unificá-la, a fim
de torná-la assimilável pelas gerações mais jo-
vens e a fim de contribuir para que essas gera-
ções se capacitem em sua entrada efetiva e cons-
trutiva no processo cultural.
Ainda mais, não lhe sobra possibilidade no
campo das investigações e do respeito aos carac-
teres de ordem biológica e psicológica, quer dos
indivíduos, quer dos grupos biótica ou * solidaria-
mente constituídos.
Um dos fatores, não comentado atrás, que
agrava mais essa situação e coloca a escola em
posição de emergência, é o aumento cada vez mais
crescente da população jovem, às vezes até adul-
ta, que a procura ávida e insistentemente.

Que fazer?
Renovar-se ?

Não é o mais fácil. Aliás, seria — a renova-


ção — uma revolução também que se fundamen-
taria e, por que não dizer, abalaria o processo cul-
tural todo.
A escola passaria a promover cultura, no sen-
tido de desenvolver capacidades, e não se restrin-
giria à acanhada função transmissiva de emer-
gência, de que, em maior escala, se ocupa até os
dias de hoje.
Não podemos negar que houve e há tentati-
vas e boa-vontade no que diz respeito ao funcio-
— 60

namento da escola dentro das transformações


técnico-científicas e culturais. Temos os exemplos
de Montessori, Decroly e outros (31).
Mas são ainda experiências bastante restritas.
O que se pode fazer, no setor escolar, e é o
que comumente se faz, é lançar mão das adapta-
ções emérgenciais, procurando modernizar-se, so-
bretudo no que se relaciona à embalagem didá-
tica, mas sem muitos reflexos e iniciativas na área
dos objetivos e do conteúdo.
Aceitamos, de fato, que a renovação da escola
não se pode dar de modo mágico e brusco.
Isto porque uma renovação implica planeja-
mento tal, que afeta toda a infra-estrutura ainda
vinculada, mais ou menos, aos padrões tradicio-
nais da civilização estática e retroproj etiva, com
suas diretivas e raízes incrustradas na involução
do passado.
Não é fácil, portanto, renovar a escola.
Mas quando é que será superada essa fase
emergencial e deficitária de "modernização" e a
escola se tornará, sem o desprezo às ainda neces-
sárias adaptações, um "empreendimento coopera-
tivo", ativo e promotor do desenvolvimento pen-
sado e programado das pessoas, da sociedade e da

(31) FILHO, Lourenço, ob. cit., págs. 141-223.


— 61 —

cultura da sociedade, nesta época de transforma-


ções em que vivemos?
É com satisfação que vemos e sentimos a pre-
ocupação das autoridades brasileiras em torno da
educação e, mais particularmente, da escola, nes-
tes últimos anos.
É uma esperança.
Começamos a notar a atenção de que estão
sendo objeto as pessoas a serem atingidas, leva-
das em consideração as condições nacionais, re-
gionais, locais e, mesmo, individuais.
Os olhos se abrem para o concreto da edu-
cação brasileira, merecendo destaque o mercado
de trabalho, como fator de suma importância pa-
ra que a educação se opere em regime de aten-
dimento às necessidades existenciais.
0 mesmo acontece com o caráter profissiona-
lizante do ensino.
De grande valor é o respeito que se presta
às capacidades e opções individuais, assim como
à preparação do pessoal docente.
A Lei n.» 5.692, de 11 de agosto de 1971,
que fixa Diretrizes e Bases para o Ensino de 1 .*'
e de 2.ç Graus, é uma das grandes esperanças da
educação brasileira.
Dificuldades de toda ordem não faltam. In-
felizmente permanece incrustrada aquela menta-
— 62 —

lidade acomodada num tipo de ensino quase que


puramente academicista e ornamental. E para
que se atinjam os objetivos já propostos no art.
1.*, necessária se faz a mudança de mentalidade
da grande maioria dos educadores brasileiros, o
que só se fará a longo prazo, com muito trabalho
e perseverança.
Aliás, esse aspecto ficou bem claro na sema-
na dedicada ao estudo da lei, de que participa-
mos, promovida pela AMAE, a então Associação
Mineira de Administração Escolar, na Cidade de
Uberlândia, em Minas Gerais, de 4 a 8 de outubro
de 1971.

É uma esperança, repetimos.


III — JARDIM DE INFÂNCIA E ESCOLA DE
PRIMEIRO E DE SEGUNDO GRAUS

Cumpre-nos ressaltar que não podemos nos


estender muito nesta terceira parte, por dois mo-
tivos principais. O primeiro é o de que a escola
pode e deve ter objetivos comuns, mas, ao mesmo
tempo, respeitando e estruturando-se de acordo
com as diferenças e exigências de sua matéria-
-prima, os alunos, dentro das circunstancialida-
des locais e regionais.
Em segundo lugar, uma teoria pode ser óti-
ma, isto é, baseada em princípios sólidos, mas
distante da realidade. Podemos incluir-nos nesse
perigo, se quisermos ser muito explícitos.
Ficaremos mais no que se relaciona com o
que há de comum, supondo, para uma estrutura-
ção, o respeito e a consideração da própria reali-
dade como fator de suma importância.

Ficaremos, portanto, nos aspectos mais gerais.


— 64 —

1 — JARDIM DE INFÂNCIA

a) Terminada a leitura de Osterrieth, Mussen,


Jersild, Gemelli, Piaget e outros, juntamente
com muitas observações e algumas experiên-
cias pessoais, somos obrigados a fazer um
retrocesso ao binômio família-escola.
Se um responsável por Jardim de Infân-
cia, hoje, nos perguntasse: "que é mais im-
portante, o Jardim, como uma entidade, ou a
família", francamente não saberíamos respon-
der.
Melhor, diríamos que do relacionamento
de ambos depende o êxito tanto da família
como o do Jardim de Infância.
Claro, não se trata de um relacionamento
formal, mas de uma cooperação cujo obje-
tivo é o desenvolvimento: motor, afetivo, in-
telectual (pré-conceitual) e social (pré-social)
da criança.
Nenhuma criança suportaria a dualidade
de ambiente e de relacionamento, vivendo na
família condições completamente desconheci-
das pelo Jardim e vice-versa.
Isto se justifica pelo fato de ela, entre
quatro e seis anos, nem sequer ter ainda aca-
bado de assumir uma posição diferenciada na
própria família.
— 65 —
Muito menos seria possível semelhante
atitude em meio mais difuso e estranho, como
no Jardim de Infância.
0 Jardim de Infância só pode ter ação
positiva na medida em que se intera com a
família (ou seu equivalente), não simples-
mente para dar continuidade à ação desta,
mas para dar continuidade ao desenvolvi-
mento da própria criança, nela iniciado.
Em relação ao desenvolvimento da cri-
ança, tanto o Jardim de Infância como a fa-
mília são instrumentos e condições.
b) Não podemos falar de responsabilidade pro-
priamente dita para crianças dessa idade.
Elas estão ainda nas primeiras etapas do
exercício de sua sociabilidade.
Para aquelas que podem freqüentar o
Jardim, este é ou deveria ser um auxílio para
a mais segura descoberta do outro como "ou-
tro", de onde se originam a dedicação e o
respeito social, mesmo que o mundo adulto
veja o fenômeno como que revestido de uma
elementariedade decepcionante, justaposta à
sua maturação e às suas convenções.
c) Toda e qualquer estruturação de Jardim de
Infância é válida e necessária só e quando
tem no centro de seus objetivos a própria cri-
ança.
— 66 —

Local, programa e atividades só têm sen-


tido na medida em que atendem, efetivamente,
aos requisitos da expansão e do aperfeiçoa-
mento motor, afetivo, intelectual e social da
criança.

2 — ESCOLA DE PRIMEIRO E DE SEGUNDO


GRAUS

a) Há sete anos, visitamos um conjunto escolar


alemão em Fulda, num núcleo social na
França e outro na Itália.
Ainda na Itália tivemos ocasião de con-
viver com coordenadores e alunos de um tipo
diferente de escola, "Città dei Ragazzi" (Ci-
dade dos Meninos).
Tudo nos pareceu tão bem organizado e
orientado que tínhamos a impressão de estar
à frente da solução do problema da escola-
-modelo.
A vida prática e a leitura nos alargaram
os horizontes, sobretudo depois de cinco anos
de observação, de contatos e de trabalhos com
um bom número desse nível de escola (l. 9 e
2° graus) no Brasil.
Chegamos à conclusão de que não há
"escola-modelo". Há, sim, escola eficiente,
desde que cumpra a sua função de entendi-
— 67 —
mento e de unificação da cultura média, em
vista à assimilação por parte das gerações
que passam por ela, atendendo às condições:
de desenvolvimento biológico e necessidades
psicológicas pessoais; do meio sócio-econô-
mico, ao menos regional; e, enfim, da situa-
ção geo-social própria, como nos casos da
zona urbana e rural,

b) Que pensar de uma escola academicista, onde


o "ensino" é mais um enfeite do que um aten-
dimento às necessidades básicas da sociedade
e das pessoas em sociedade?
A escola de primeiro e de segundo graus,
atingindo a faixa etária de integração do ser
humano na sociedade e da afirmação da per-
sonalidade, é grande responsável pelo equilí-
brio e pelo desenvolvimento de um povo.
Por isso mesmo não se pode conceber uma
escola desvinculada da textura sócio-econô-
mica, das características e da finalidade desse
povo.
Também não se pode conceber uma es-
cola que não atenda, em seu currículo e na
desenvoltura de suas disciplinas, ao instru-
mental de promoção pessoal, com abertura
para o social, a fim de que os seus alunos
sejam capazes de se situarem na complexi-
dade da vida, encontrando o seu sentido, e
— 68 —

nas perplexidades e rudezas da construção do


dia-a-dia.
As instalações precisam oferecer as con-
dições mínimas, mas o que importa sobrema-
neira é a eficiência e a maestria com que o
pessoal docente se conduz na marcha da for-
mação e da evolução da personalidade dife-
renciada e integrada dos educandos.
Não basta a maturação, é necessária a
maturidade.
Não basta a técnica, são necessárias as
iniciativas.

c) A autoridade, a obediência e a disciplina, na


escola atual, não podem deixar reger-se pela
batuta do autoritarismo e do servilismo.
A colaboração precisa assumir o lugar de
ambos, isto é, "o ensino é o ato comum do
professor e do aluno".
Paul Ricoeur continua as suas reflexões
sobre "Diálogo Aluno-Professor fará a Uni-
versidade Nova", nos seguintes termos: "toda
revolução cultural se alimenta desta convic-
ção — o ensino é o ato comum do professor
e do aluno; ele — o professor — tira daí
seu primeiro movimento, que é de contestar
— 69 —

a relação de domínio, a qual renasce sem


cessar do exercício mesmo do ensino" (32).
Esse modo de encarar a situação aluno-
-professor não é uma necessidade e muito me-
nos um privilégio só da escola superior.
Aplica-se perfeitamente à escola de pri-
meiro e de segundo graus, como um requisito
indispensável para que cumpra a sua função
e missão de instrumentalidadè própria no de-
sabrochar da personalidade humana e no en-
riquecimento da cultura de um povo.

(32) FOLHA DE SÃO PAULO, Caderno Especial, 7 de julho de


1968, domingo.
IV — A ESCOLA RURAL É O NOSSO APÊNDICE

Muito pouco se fala sobre o assunto, embora


ocupe uma vasta percentagem d.a mentalidade e
da quantidade da população brasileira que pro-
cura a escola de primeiro grau.
Por isso mesmo é que, de propósito, quisemos
tecer alguns comentários sobre a humildade, mas
sumamente importante, escola rural neste término
de trabalho.
Como, pela sua própria natureza, sempre se
constituiu um apêndice, preferimos que ela seja
também o nosso apêndice.

1 — ENSINO E DESENVOLVIMENTO RURAL

Se há alguma coisa que ainda funciona no


meio rural, embora escassamente, é a escola de
primeiro grau.
É, talvez, a única assistência que o ruralista,
mesmo de classe média para baixo, julga como
naturalmente necessária e é a única coisa em que
acredita, apesar das restrições de ordem prática,
— 72 —

como o fato de deixar que os filhos só façam até


o terceiro ano ou o de "tirá-los para as colheitas".
Mesmo assim, é a única entidade que, exis-
tindo, consegue abranger a grande maioria do meio
rural.
A professora não deixa de ser sempre uma
autoridade e uma benfeitora, embora o bem que
proporciona seja conhecido e reconhecido só bem
mais tarde, pelos adultos.
De qualquer forma, para os adultos a profes-
sora tem as características de uma autoridade e
benfeitora, mesmo que muitas vezes se dê o ques-
tionamento de tal fato.
Em outras palavras, o ensino seria capaz de
transformar o meio rural, contanto que tivesse
como centro de interesse, DE FATO, o meio rural,
isto é, OS ACONTECIMENTOS DO MEIO RURAL,
JUNTAMENTE COM A MENTALIDADE QUE
LHE É PRÓPRIA.

2 — ENSINO E ÊXODO RURAL

Surge naturalmente uma pergunta: se o en-


sino fosse capaz de transformar o meio rural, por
que não o transforma de fato?
A resposta parece-nos lógica.
A sistemática do ensino utilizada no meio
rural, embora melhorada e pedagogicamente bem
— 73 —
elaborada às vezes, não se fundamenta essencial-
mente, de modo geral, nas necessidades rurais,
isto é, não parte e não flui dos fatos e da menta-
lidade própria dos ruralistas, em maioria.
Quase sempre é bem apresentável, mesmo
facilmente adaptável, mas não prepara os edu-
candos para viverem a realidade que lhes é ca-
racterística e aí se realizarem.
Dá-lhes bastante conhecimentos, mas não lhes
influencia muito em relação ao modo e à signifi-
cação da vida.
Prepara-os, normalmente, para uma vivência
urbana, mesmo que puramente mental, onde e só
aí poderão dar continuidade às primeiras noções
recebidas na escola rural.
Não somos contra a modernização da siste-
mática do ensino também no meio rural. No en-
tanto, achamos que a modernização da sistemá-
tica, sem a atualização e a dinamização do con-
teúdo, seja mais ou menos o mesmo que colocar
míni-saia numa septuagenária.
Tem-se a impressão de que a escola rural,
apesar do sacrifício e da dedicação inestimável da
grande maioria das professoras, prepara o edu-
cando para o curso ginasial, agora do segundo
grau, e este o prepara mentalmente para o "tra-
balho de escritório".
Praticamente o aluno está, desde o início, se
mentalizando para sair do seu próprio meio de
— 74 —

vida, imbuinda-se da ilusão de que um diploma,


ao menos um de segundo grau, lhe dará a possi-
bilidade de uma futura realização sócio-econômica
no meio urbano.
E quanto mais o nosso aluno se promove na
escala do aprendizado, tanto mais sua mentali-
dade se distancia do seu meio natural de vida.
Contudo, a minoria absoluta terá o aconche-
go da vida urbana normal.
Alguns concluirão o primeiro e o segundo
graus.
A grande maioria, porém, não terá incentivos
e meios para terminar o primeiro sequer.
Todos, no entanto, sonham e esperam que a
escolaridade lhes proporcione uma vida tranqüila,
bem remunerada e "realizada" na cidade.
Daí dois fenômenos de capital importância.
Os corajosos, isto é, os que têm mínimas iniciati-
vas para enfrentar a vida urbana saem, como que
numa aventura, e se dispõem a contentar-se com
as periferias das cidades menores ou com as pre-
mências rias metrópoles.
Os que ficam, se têm um mínimo de instru-
ção, ou acabam caindo na estagnação conformista
ou na frustração e, conseqüentemente, na impro-
dutividade.
É o delírio pela cidade, graças à diferença
incalculável entre esta e o meio rural.
— 75 —
Claro, não é a escola a única responsável
pelo êxodo rural. Parece-nos apenas que ela em-
presta ao fenômeno sua parcela de contribuição,
quando poderia, ao contrário, colocar os seus ser-
viços à disposição do homem rural para promovê-
-lo no seu meio.

3 — UMA SUGESTÃO

Já que a escola goza de prestígio e atinge o


meio rural, por que não aproveitá-la como veí-
culo de transformação e de promoção do meio?
Cremos que os ruralistas se interessariam
muito e ser-lhes-ia de real valor se não apenas a
metodologia, mas também o conteúdo escolar,
fossem totalmente voltados para as coisas do meio
rural.
Em suma, que a escola rural, de primeiro
grau, fosse já um tipo de escola orientada para
o trabalho agrícola.
Cada série poderia ter, por exemplo, um dos
principais produtos da região como céntro de es-
tudo e de interesse.
Tomemos, para uma elucidação apenas, o
café.
Partindo do plantio e da formação da lavoura
cafeeira, os alunos poderiam muito bem aprender
— 76 —
Estudos Sociais, Matemática, Linguagem etc., ao
mesmo tempo que aprenderiam a plantar café.
O processo é simples.
Estudos Sociais: os pés de café muito dis-
tantes uns dos outros desperdiçam terreno; eles
precisam viver em conjunto, como nós que vive-
mos em comunidade ou em sociedade; mas os
pés de café plantados juntos demais não produ-
zem. . . uns crescem muito é abafam os demais;
uns têm que deixar oportunidade e colaborar
para que os outros também se alimentem, como
em nossa vida na família.. .
Matemática: noção de distância, de metra-
gem, de número exato de pés numa determinada
área...
Assim, todas as matérias poderiam ter seme-
lhante ponto de partida.
Não se tratam de exemplificações e nem
mesmo de adaptações. Trata-se do estudo e do
entendimento da própria realidade.
Ao lado da teoria, requer-se a prática, como
estágio e como meio de manutenção da escola.

É uma utopia?

Não cremos. Cremos, sim, na dificuldade da


formulação e da aplicação de um método assim
tão direto, com conteúdo tão real.
—11 —

Mas é assim mesmo. As coisas simples e efi-


cientes exigem sempre dedicação, paciência e per-
severança .
Temos, no entanto, esperança firme de que
o meio rural, graças à boa-vontade que vem se
despertando em torno da questão, será agraciado,
dentro de algum tempo, com uma escola que parta
da sua realidade e atenda à sua realidade.

4 — "SABEDORIA" E MEIO RURAL SE


REPELEM
Na ocasião de uma formatura dos então quar-
tanistas do primário, tivemos que dirigir-lhes uma
mensagem.
Como o ambiente era, pode-se dizer, tipica-
mente rural, procuramos refletir sobre o saber e
a vida rural, baseados no que observamos, no
que experimentamos, no que vimos e, principal-
mente, no que vivemos, pelo fato de termos nas-
cido no meio rural e de mantermos contínuos con-
tatos com o campo até os dias de hoje.
- É uma história para crianças, mas construída
com inúmeras vidas de crianças e de adultos.
É simples, mas parece-nos muito real.

É a seguinte:
Num bairro distante da cidade havia uma
família muito simples e pobre, que trabalha-
va duramente para viver.
— 78 —
O pai assinava o nome.
A mãe não sabia ler.
Os filhos, com muito sacrifício, iam à
escola.

A vida era difícil de verdade!

Um dos filhos, um menino, era muito vivo.


Era um desses tipos que põem uma coisa na
cabeça e não desistem dela até consegui-la.

Ele resolveu estudar.


Resolveu aprender muito.
Resolveu ser alguma coisa na vida.

Assim, o menino começou a esforçar-se mais.


Chegava da escola, ajudava no trabalho e
estudava.
Mesmo com uma luz à querosene, estudava!

Esforçou-se tanto que entrou para o Ginásio.


E como era muito esforçado não teve difi-
culdades .
Saiu-se muito bem.

Mas aos poucos a rapaz foi descobrindo que


o tempo tinha passado.
Descobria que estava distante do seu pai, da
sua mãe, dos seus irmãos.
Descobria que estava distante de sua família.
— 79 —
O seu pai apenas assinava o nome.
A sua mãe ainda não sabia ler.
Os seus irmãos tiveram que abandonar
a escola.

Todos continuavam como antes.


Só o menino, agora rapaz, crescera!
E crescera tanto que, às vezes, tinha a im-
pressão de que sua família estava se dimi-
nuindo .

Quando a gente sobe a uma montanha ou a


um lugar alto tem-se a impressão de que
quem ficou em baixo diminuiu.

Como fazer para levar os colegas à sua casa?


Lá não havia mesa para que fossem servidas
as refeições. Nem o pai, nem a mãe, nem os
irmãos sabiam falar direito!
Eram muito pobres!

E, muitas vezes, o rapaz tinha vergonha de


conversar sobre a sua família com os colegas.
Tinha medo de que rissem dele e de sua
família.

Mas isso não fez que ele interrompesse os


estudos. Disfarçou a sua tristeza e voltou às
suas tarefas. Estudou muito.
— 80 —

Tornou-se alguma coisa na vida!


Ocupou muitos cargos importantes.
Foi admirado por todos.
Viajou muito!

E o seu pai apenas assinava o nome.


A sua mãe ainda não sabia ler.
Os seus irmãos não foram à escola.

Parece até que se esquecera de seu pai,


de sua mãe,
de seus irmãos,
de seus vizinhos,
de seu bairro.

Ele se esquecera mesmo.

Era muito importante.


Tinha estudado muito.
Sabia demais...

Não tinha tempo para pensar em seu pai,


em sua mãe,
em seus irmãos,
em seus vizinhos,
em seu bairro!

O seu tempo era tomado pelas outras pessoas


importantes,
que tinham estudado muito,
que sabiam demais...
— 81 —

ERA UM HOMEM MUITO OCUPADO...

Ele mudou muito.


Mudou demais.
De pobre e simples, tornou-se
HOMEM IMPORTANTE E OCUPADO...

Pena é que sua família,


seus vizinhos,
seu bairro
não tenham mudado também!

Ele mudou tanto que parecia estar sonhando.


De fato ele dormia e sonhava mesmo.

Um dia, quando estava mais velho, acordou


de repente.
Despertou-se do sonho.
Despertou-se da importância.
Despertou-se da sabedoria. . .

Lembrou-se de seu pai,


de sua mãe,
de seus irmãos,
de seus vizinhos,
de seu bairro,

de todas as pessoas simples do mundo!

Então quis fazer alguma coisa por todos eles.

Mas era tarde demais.


— 82 —
Seu pai não podia mais assinar o nome.

Sua mãe não podia mais aprender a ler.

Seus irmãos não podiam mais ir à escola.

Seus vizinhos e todas as pessoas simples do


mundo já estavam cansados de abandono e
de sofrimentos.

Precisavam viver.
Trabalharam até morrer.
Não tiveram recursos para crescer!

E o homem importante,
estudado,
sábio
começou a pensar na vida.

E pensava:

É PRECISO CRESCER
mas não se pode crescer sozinho.

SER IMPORTANTE É BOM


quando é um modo de auxiliar os
simples.
— 83 —

ESTUDAR MUITO É BOM


quando se tem vontade de ajudar muito
É PRECISO SER SÁBIO
se os outros não ficam na ignorância.

SABER

não é aprender a viver?

SABER
não é ensinar a viver?

quando se tem vontade de ajudar muito


SABER
não é. viver bem?

SABER
não é entender a vida?
QUE É SABER
sem a minha
sem a vida dos outros?
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REVISÃO FINAL:
RESPONSABILIDADE DO AUTOR

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